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DERIVAÇÃO PREFIXAL Ieda Maria Alves O conceito de prefixo, morfema que se antepõe a uma base, não é consen- sual, como se sabe, nas gramáticas e nos dicionários da língua portuguesa. Os elementos considerados prefixais, diferentemente classificados segundo os auto- res, são algumas vezes incluídos entre as formações derivadas, outras vezes entre as formações compostas. Essa oscilação classificatória não se restringe à língua portuguesa e é comum às demais línguas românicas. Na língua portuguesa, os gramáticos mais antigos classificam, quase unani- memente, as formações prefixais no âmbito da composição. Esta é, também, a posição do linguista Mattoso Câmara Jr. (1975: 213-234). De maneira contrária, gramáticos contemporâneos consideram a prefixação um processo derivacional, a exemplo de Lima (1972: 173), Said Ali (1964: 229-30), Luft (1978: 96), Cunha e Cintra (1985: 84) e Bechara (1999: 357). Essa não coincidência entre os gramáticos está ligada à origem dos elementos classificados, contemporaneamente, como morfemas prefixais. Assinala C. Michaëlis de Vasconcelos (1946: 82) que, no latim, por serem poucos os prefixos – ab-, ad-, ante-, circum-, contra-, cum-, de-, dis-, e-, ex-, foris-, in-, infra-, inter-, ne-, ob-, per-, prae-, pro-, post-, re-, retro-, sub-, subtus-, super-, trans-(tras-), bis-, bene-, male-, minus-, o substantivo vice-, os advérbios tri- e bi- (tris- e bis-) –, alguns advérbios e preposições, que não funcionavam como elementos prefixais nesse idioma, passaram a exercer um papel afixal nas

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DERIVAÇÃO PREFIXAL

Ieda Maria Alves

O conceito de prefixo, morfema que se antepõe a uma base, não é consen-sual, como se sabe, nas gramáticas e nos dicionários da língua portuguesa. Os elementos considerados prefixais, diferentemente classificados segundo os auto-res, são algumas vezes incluídos entre as formações derivadas, outras vezes entre as formações compostas. Essa oscilação classificatória não se restringe à língua portuguesa e é comum às demais línguas românicas.

Na língua portuguesa, os gramáticos mais antigos classificam, quase unani-memente, as formações prefixais no âmbito da composição. Esta é, também, a posição do linguista Mattoso Câmara Jr. (1975: 213-234). De maneira contrária, gramáticos contemporâneos consideram a prefixação um processo derivacional, a exemplo de Lima (1972: 173), Said Ali (1964: 229-30), Luft (1978: 96), Cunha e Cintra (1985: 84) e Bechara (1999: 357).

Essa não coincidência entre os gramáticos está ligada à origem dos elementos classificados, contemporaneamente, como morfemas prefixais.

Assinala C. Michaëlis de Vasconcelos (1946: 82) que, no latim, por serem poucos os prefixos – ab-, ad-, ante-, circum-, contra-, cum-, de-, dis-, e-, ex-, foris-, in-, infra-, inter-, ne-, ob-, per-, prae-, pro-, post-, re-, retro-, sub-, subtus-, super-, trans-(tras-), bis-, bene-, male-, minus-, o substantivo vice-, os advérbios tri- e bi- (tris- e bis-) –, alguns advérbios e preposições, que não funcionavam como elementos prefixais nesse idioma, passaram a exercer um papel afixal nas

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línguas românicas. A autora exemplifica com não, advérbio latino, que apa-rece em formações literárias do português (não consoante, não cumprimen-to, não pagamento), e além e aquém que derivam além-mar, além-túmulo e aquém-mar, respectivamente.

Assim, como consequência de os prefixos portugueses terem uma origem adverbial ou preposicional, tendo sido, portanto, uma forma livre, esses morfe-mas foram, tradicionalmente, classificados no âmbito da composição, como se vê em obras gramaticais mais antigas, a exemplo das gramáticas de r. Vascon-celos (1900: 133), figueiredo (1920: 49), Bueno (1963: 80), Almeida (1967: 366), dentre muitas outras. O mesmo procedimento adotaram Meillet e Vendryès em relação às línguas clássicas (1924: 395) e Diez (1874: 389), Meyer-Lübke (1923: 617), Bourciez (1967, 204) e Darmesteter (1967: 89), quanto às línguas românicas. Citamos C. Michaëlis de Vasconcelos (1946: 49), que enfatiza que, nessas línguas, os prefixos figuram sempre como elementos da composição, por serem, em regra, advérbios ou preposições e, portanto, também palavras autônomas. Nas línguas germânicas, ao contrário, muitos fazem parte do processo da derivação, pelo fato de não terem valores ou funções independentes.

Câmara Jr. (1975: 229-230) também destaca o fato de alguns dos atuais pre-fixos do português terem uma origem preposicional. Considera o sistema prefi-xal da língua portuguesa assentado em três grupos de partículas: as que também funcionam como preposições; as variantes (em forma erudita) de preposições; e as que exercem exclusivamente a função de prefixos. para o linguista, esse fato de-corre da circunstância de o latim ter desenvolvido um sistema de prefixos oriundo de partículas adverbiais ou preverbos, paralelo ao sistema das preposições: uma mesma partícula podia funcionar autonomamente, como preposição, introduzin-do um complemento verbal, ou integrada num verbo ou nome para formar uma nova unidade lexical. No entanto, o sistema de preposições sofreu grande redução no latim vulgar e, consequentemente, também no português, o que fez romper o paralelismo entre preposição e prefixo, que existia nitidamente na estrutura do latim clássico. Várias partículas desapareceram na função de preposição, conti-nuando, no entanto, a atuar como prefixos, geralmente sob uma forma erudita por terem sido tomadas de empréstimo ao latim literário na época do português clássico. Em formações eruditas, uma forma divergente de uma preposição portu-guesa passou também a ser usada como prefixo. Em outros casos, o latim apresen-tava uma preposição correspondente a alguns prefixos provenientes de partículas adverbiais indo-europeias que se fixaram apenas como preverbos.

Said Ali manifestou-se contrariamente em relação a gramáticos que, baseando-se no fato de os prefixos serem, em sua origem, vocábulos independentes, preposi-ções ou advérbios, excluem-nos do processo da derivação. para o autor, essa posição

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não tem apoio quando se analisam elementos formativos como dis-, re- e in- negati-vo, e outros como ob- e pre-, que já não são usados como palavras isoladas:

[...] é fácil afirmar que dis-, re- e o negativo in- representam partículas insepará-veis que são ou foram preposições ou advérbios. Equivale este argumento a uma petição de princípio. Nada se sabe da existência de tais vocábulos independentes nem em latim nem em qualquer outra língua indo-europeia. por toda a parte ocorrem estes elementos funcionando sempre como prefixos. Além disso, muito é de notar que, quando se demonstrasse a existência real dessas sílabas em passa-do remoto, não já como elementos formativos, mas como verdadeiros advérbios ou preposições, ainda assim não poderia prevalecer tal fato como argumento, a menos que com a noção de prefixo se derrocasse também a de sufixo, o qual, segundo a lingüística admite e por vezes claramente demonstra, procede também de expressão que a princípio se usou como palavra independente. (1964: 229-230)

Lima (1937: 292) enfatiza o fato de que a origem – preposicional ou adver-bial – dos prefixos condiciona sua função junto à unidade lexical a que se asso-ciam. De acordo com o gramático, prefixos preposicionais, oriundos de uma pre-posição, funcionam como complemento subentendido dessa unidade, a exemplo de contraveneno, isto é, remédio contra veneno. Exercem função distinta dos pre-fixos adverbiais, equivalentes a um advérbio, que funcionam semanticamente e modificam o significado da unidade lexical a que se juntam: redizer denota dizer de novo. Lemos também, em Sandmann (1991b: 70-72), que os prefixos podem assumir a função de adjetivos (superpacote = “pacote grande”), advérbios (hipe-rativo = “muito ativo”) e preposições (antianúncio = “contra o anúncio”).

Do ponto de vista significativo, os prefixos são definidos como partículas que se antepõem ao radical para modificarem seu significado. Bechara (1999: 338) afir-ma que o prefixo “empresta ao radical uma nova significação e /que/ se relaciona se-manticamente com as preposições”. possui, também, mais força significativa do que o sufixo, que assume uma função morfológica, pois pode alterar a classe gramatical do radical que origina o derivado. Ao modificarem o significado do radical, os ele-mentos prefixais atribuem-lhe uma “ideia acessória” (Coutinho, 1958: 189; pereira, E. C., 1958: 193), uma “relação” (ribeiro, 1919: 87), ou, no dizer de Bueno (1963: 72), uma “circunstância adicional de tempo, negação, posição”. Essa modificação do significado do radical não impossibilita que os prefixos, da mesma forma que os su-fixos, conservem, em geral, uma relação semântica com o radical, assinalam Cunha e Cintra (1985: 84). Essa relação semântica, continuam os autores, é o que distingue os derivados dos compostos, já que no processo da composição formam-se palavras não raro dissociadas, pelo significado, dos radicais componentes.

Ainda sobre a classificação dos prefixos entre derivados ou compostos, Mar-garida Basílio pondera que a controvérsia desaparece, uma vez que:

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Em suma, na prefixação acrescenta-se a uma base um elemento fixo, com função pré-determinada; na composição, a partir de uma estrutura fixa, com função se-mântica pré-determinada, combina-se a semântica de dois itens lexicais quaisquer.Dentro desse quadro, desaparece a controvérsia de se a prefixação deveria ser ou não considerada como composição, na medida em que não entra em cogitação a questão de se uma forma é livre ou presa, e sim se esta forma corresponde a um elemento fixo de uma lista para formação ou não. (1989: 10-11)

Assim, segundo esse ponto de vista, a prefixação constitui um processo de caráter derivacional.

Em trabalho posterior (1991: 40), Basílio acrescenta a essas considerações o fato de a composição não raro apresentar uma função metafórica, que faz o composto distanciar-se semanticamente de suas partes componentes. Na derivação, de maneira distinta, esse fenômeno ocorre gradualmente, em função da deriva semântica.

Obras lexicográficas também enfatizam o caráter semântico expresso pelos morfemas prefixais. O primeiro dicionário que menciona o valor semântico dos prefixos é a 10ª ed. do dicionário de Morais Silva (1949-59), que apresenta refe-rências à posição do morfema prefixal na unidade lexical e à mudança semântica por ele provocada: “Sílaba ou sílabas que precedem a raiz de uma palavra, modi-ficando o sentido desta, e formando palavra nova” (Silva, 1949-59, v. 8: 626-627).

Outra questão referente aos morfemas prefixais diz respeito à forma como são apresentados nas obras gramaticais. Diferentemente dos elementos sufixais, classificados segundo as classes de palavras que derivam, os prefixos costumam ser apresentados de acordo com sua origem etimológica. podem ser de origem la-tina (ab-, abs-...), grega (a-, ana-...) e vernácula, quase sempre de origem latina (a-, bem-, entre-...), conforme atestam as gramáticas da língua portuguesa. De manei-ra distinta, o gramático Eduardo Carlos pereira agrupa os prefixos, assim como os sufixos, de acordo com o “grupo ideológico” a que pertencem (1933: 225-232).

Do ponto de vista morfológico, a associação do morfema prefixal a uma base determina a formação de uma nova unidade lexical, que pode ser de caráter no-minal (substantivo ou adjetivo) ou verbal.

Os morfemas aqui analisados como prefixais correspondem, em parte, àque-les que as gramáticas do português têm classificado como formas presas (anti-, des-) ou, também, podem funcionar, eventualmente, como formas livres pelo fato de terem sido preposições (in-, sub-), advérbios (não-) ou ainda radicais (hiper-) nas línguas latina ou grega. Desse modo, integram nossa lista de prefixos os ele-mentos que as gramáticas, os dicionários e os estudos linguísticos do português incluem entre os de cunho prefixal. incluímos ainda alguns elementos que são diferentemente classificados (elementos de composição, compostos ou radicais gregos e latinos, pseudoprefixos, prefixoides) e que em geral se referem a uma

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língua de especialidade. Assim, elementos latinos ou gregos, como multi- e hiper-, que ultrapassaram os limites de uma língua de especialidade, em geral científica, e são contemporaneamente empregados no léxico geral, foram por nós classifica-dos como prefixais.1

A análise aqui apresentada agrupa os morfemas prefixais de acordo com os valores semânticos que assumem ao prefixarem-se a uma base: espacialida-de e temporalidade; intensidade; negação, oposição e favorecimento; quantidade e dimensão. Esse agrupamento não é usual nas gramáticas da língua portu-guesa, sendo observado, excepcionalmente, em Eduardo Carlos pereira (1933: 225-232), conforme mencionado anteriormente, e em Motta (1935 [1916]). Descrevemos os afixos prefixais do ponto de vista morfológico, semântico, sintático, nos casos em que a forma derivada determina alterações argumen-tais, e também pragmático.

Neste capítulo, as construções prefixais constantes do corpus mínimo foram complementadas por construções de outros inquéritos do projeto Nurc e de um corpus de língua falada na cidade de São paulo, A língua portuguesa falada em São Paulo: Amostras da variedade culta do século XXI (2012), organizado por Maria Célia Lima-Hernandes e renata Barbosa Vicente.

Prefixos denotativos de esPacialidade e temPoralidade

As noções de espaço e tempo estão, como se sabe, intimamente ligadas.2

a expressão da espacialidadeA expressão da espacialidade, nos inquéritos analisados, é representada por

prefixos que indicam posição superior (sobre-, super-, ultra-), intermediária (inter-), inferior (sub-, infra-, pré-), externa (extra-) e anterior e posterior (pré-, retro-).

prefixos denotativos de posição superiorprefixo sobre-

A posição superior transparece especialmente com sobre-, em formações ver-bais como sobrepor (pôr sobre) e sua respectiva forma derivada nominal sobrepo-sição (posição sobre):

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(1) ... uma terceira... razão:: é que eles sobrepunham as imagens... então nós vamos encontrar... em cima de um bisonte a imagem de um veado... então não tem importância que aquela que aquele espaço já tivesse sido ocupa-do por uma imagem...se o próximo animal (que eu) preciso caçar é um ca-valo eu vou desenhar um cavalo em cima daquilo... não tem importância... ficar uma sobreposição de imagens... porque não é para ser visto... certo? (Ef Sp 405)

Sobre- apresenta também o valor semântico de “posição posterior”, ligada à temporalidade, como em sobremesa (depois da refeição), sobreviver (continuar a viver) e sua forma derivada nominal sobrevivência (continuação da vida):

(2) é na página dezessete... “a pessoa que”... prestem bem atenção “a pessoa que no restaurante... tendo começado pela sopa... termina pela sobreme-sa... e que não deixará em seguida de pedir a conta”... isso é o mais nor-mal... a gente começa pelo salga:do termina pelo do:r e finalmente por favor me dá a conta um pouco constrangi do às vezes num é? (Ef rE 337)

(3) a a população do Japão... extremamente grande pra sua área e extrema-mente laborio sa no sentido de que...sabia que pra conseguir sobreviver, tá? ... precisava ampliar a sua área de atuação... tá claro isso? (Ef rJ 379)

(4) ...e por isso eram nômades e não se fixavam... a lugar nenhum... reoc/ numa vida deste tipo... a preocupação priNcipal está centrada na sobre­vivência... não dá tempo assim para minho car coisas muito esotéricas... de ficar pensando no sentido da vi::da... (Ef Sp 405)

A forma latina super-, correspondente ao vernáculo sobre-, está também presente para indicar posição superior no verbo superpor e no substantivo su-perposição. Apresentamos um exemplo com superposto, forma participial do verbo superpor:

(5) Normalmente... eh... tradicionalmente havia uma zona de comércio e uma zona residencial... mas em certas áreas muito densamente povoadas se torna compensador que elas possuam também uma área de comércio... então isso que ocorreu com Copacabana e com outros bairros do rio mais densamente povoados... essa separação entre residência e comércio... como havia na grécia antiga a ágora... né... a praça do comércio e as resi-dências... isso não existe mais ( ) estão mais ou menos superpostos... né? (DiD rJ 39)

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Em novas formações, no entanto, o significado locativo de “posição superior” anteriormente denotado pelo prefixo super- não está mais presente, tendo dado lugar ao significado de “grandeza”, “qualidade superior”.

prefixo ultra- O prefixo ultra- também denota, em algumas formações, um caráter locativo.

Esse caráter transparece em nomes substantivos (ultramar) e adjetivos (ultramari-no, ultramontano, ultraterritorial), aos quais o prefixo atribui o valor semântico de “além de”: “além do mar”, “que está além do mar”, “que está além do monte”, “que está além do território”, respectivamente. transparece ainda no verbo ultrapassar, empregado no corpus mínimo para significar “passar além de”:

(6) ...tão oscilante...que não só se limita atuar em outros casos... a glândula mamária se vai até o plano profundo.. . ao multiprofundo... ultrapassando às vezes esse limite... quer dizer além de chegar ao plano muscular... se retiram os elementos musculares... (Ef SSA 49)

prefixos denotativos de posição intermediáriaprefixo inter-

A posição intermediária é expressa pelo prefixo inter-, que constrói sobretu-do nomes, mas também tem derivado formações verbais, a exemplo de interagir.

O prefixo associa-se à base adjetival intercostal, empregada em um inquérito Ef referente à Medicina. O significado expresso pelo adjetivo é o de “posição en-tre as costelas”:

(7) ...nós temos... as artérias... intercostais aorta e nós temos desde já a ma-mária interna e mamária externa... as veias... são.. . as veias...nós temos também as veias homônimas... ou sejam...in tercostais aorta...mamária in-terna...mamária externa... (Ef SSA 49)

Em decorrência do significado de “posição intermediária”, inter- denota tam-bém “reciprocidade”, que transparece na construção do substantivo interpenetra-ção e do verbo interagir:

(8) sei... o:: o... o... o comércio... a zona... zona central do comércio seria en-tão o... o...o elemento de convergência... né... o ponto central da cidade em que o carioca de piedade se encontra com o carioca de ipanema...

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quer dizer que seria um, um ponto de encontro... de interpenetração... de convivências... de... de vivências cotidianas entre o carioca de diferentes pontos do rio... (DiD rJ 39)

(9) ...mas Eu não acompanhei aquele...quando tô aqui...que todo dia o pes-soal vem....mostra coisa....eu discuto...eu vejo...interajo....não agora...cê tá fora...com a cabeça na lua...na lua não né? ((risos)) no Museu...vendo mil coisas...você não interage com a sua pesquisa...e aí? (Hernandez-Vicente)

Inter- também denota “relação entre”, como se observa no adjetivo internacional:

(10) quer dizer era... em qualquer competição internacional... seria possível entregar logo de cara a taça ao Brasil... e nós seríamos infinitamente supe-riores... (DiD rJ 23)

prefixos denotativos de posição inferior prefixo sub-

Sub- antepõe-se a bases substantivas: subdivisão (Ef pOA 278); adjetivais: subcutâneo (D2 rJ 374), subaquático (D2 rJ 374), subterrâneo (DiD rJ 84); e tam-bém verbais, a exemplo de subdividir (D2 rJ 374):

(11) ...até os autores que (ininteligível) eram Bloom... ainda fez (fizeram) uma subdivisão... ela não é de maior importância mas vale a pena apenas para... a título de, de esclarecimento... de maior compreensão quando... enquanto o indivíduo compreende... quando ele compreende... ele pode fazer de três manei ras... (Ef pOA 278)

(12) Nesse tecido subcutâneo...os elementos responsáveis pela manutenção dessa glândula...ou seja os vasos os mesmos...então o tecido subcutâne o...abaixo da pele portanto...nós vamos encontrar os elementos vasculares de::.../ hormônios responsáveis pela...vasc/...irriga ção... (Ef SSA 49)

(13) bom são... mamíferos né? L1 – de serem mamíferos eh... aquáticos? L2 – é... L1 – ou subaquáticos... (D2 rJ 374)(14) Dizem que foi um:: um lugar... uma sen... uma antiga senzala... tem real-

mente uma... uma parte subterrânea em que poderia ser uma senzala de escravos...entende? então parece que houve histórias de que houve fugas de escravos... etc. etc. durante o período da... do século passado... (DiD rJ 84)

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(15) é esse ... é perfeito... é prefeito... mas não é perfeito... não é perfeito... e ele... e ele... pela... pela... pela organização daqui... eh... ele... ele é sub... ele subdivide a prefeitura em prefeiturinhas... ou seja... nas regiões administrativas da cidade... não é? (D2 rJ 374)

O significado de “posição inferior, abaixo de” transparece nos adjetivos sub-cutâneo, o que “está sob a pele”, subaquático, o que “está sob a água”, anteriormente contextualizados, e no substantivo subsolo, que “está abaixo do solo”:

(16) Ah, o meu andar... eu... eu... eu posso... eu tenho... tenho duas entradas... eu posso entrar pela garagem... que o elevador de serviço... ele além de pa-rar no primeiro andar ele tem subsolo... quer dizer que tem uma entrada no subsolo... para quem vem da garagem direto subir para... subir para o apartamento... (DiD rJ 48)

possivelmente em decorrência desse significado locativo de “posição inferior”, o afixo expressa uma nuance pejorativa em algumas formações (cf. Alves, 1993: 388; Basílio, 1987: 88), como subdesenvolvimento, subempregado e sub-raciocínio:

(17) L1 – Não... Mas eu estou citando o nordeste porque... porque... (es)ta mos falando da Amazônia e eu quero...

L2 – ... e era quase a mesma coisa... isso era uma condição do sub­desenvolvimento brasileiro (sup.)

L1 – ... chegar lá... então... com a transamazônica... que ninguém sabe... aí é que é o ponto que eu quero chegar... (D2 rJ 64)

(18) E isso então cria não só problemas assim comunitários, como eu falei, de trânsito, de limpeza urbana... mas também... eh... cria toda uma geração de tipos... inclusive permite... eh... a menores e a maiores subempregados encontrarem fontes de renda com transportes das bagagens pro... pra resi-dência das... das donas de casa que vão à feira e não têm como transportar o material... não é? (DiD rJ 39)

(19) Loc. – /.../ até a quantia tinha que ser todo mês igual...então isso é um problema...né? eu acho que isso traz muito sub raciocínio...né? já há ra-ciocínio de botar... agora arranja uma porção de sub-raciocínios e é aquela correria...nós já temos tanta papelada pra olhar os prazos... (D2 rEC 05)

O sema “posição hierárquica inferior” é atestado junto a substantivos como sub-reitor (D2 rJ 374) e subtenente, cujas bases denotam seres humanos. Maurer Jr. (1951: 131) observa que esse significado, já presente no latim, porém com em-prego raro, expandiu-se nas línguas românicas.

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Assim, um subtenente exerce uma posição inferior à do tenente:

(20) ... eu levei da minha escola... coisa que eu faço rapidinho... eu saí às cinco e quinze... sete horas eu estava lá em Cascadura em frente ao subtenente da Aeronáutica ali né... Cascadura... coisa que eu faço em cinco e dez minu-tos... eu levei... eu cheguei em casa mais ou menos às sete horas nesse dia... (DiD rJ 20)

O prefixo manifesta também um significado partitivo, que mostra que a uni-dade lexical construída faz parte de um conjunto maior, a exemplo de subcate-goria. Nessas formações, verifica-se que a parte, expressa com sub-, denota uma importância secundária em relação à palavra-base, não prefixada. Desse modo, subcategoria e subgrupo implicam um valor secundário comparativamente a cate-goria e grupo, respectivamente:

(21) ...se a Maria Lúcia fez ver per... percutir com a sua colocação... ela vai dizer que eu não posso aplicar... também... sem fazer uma análise ou aplicação... então vamos voltar aqui... e... por isso... eu fiz questão... de dar as subcate-gorias dentro dessa categoria aqui de compreen são os autores também... e vejam que eu sempre que eu (es)tou falando eu me refiro aos autores... (Ef pOA 278)

(22) ...é::... pequeno... é um... é um... nós temos ahn::... alguns NÚcleos... e eu coordeno um... subgrupo dentro do grupo grande do laboratório... que é o de preconceito e intolerância... em relação à linguagem... (Hernandez-Vicente)

De maneira análoga, o verbo subdividir, que denota “dividir algo em partes”, atribui um caráter secundário a cada parte de um todo, a exemplo de uma prefei-tura dividida em prefeiturinhas (15).

Em decorrência do significado “posição inferior”, um caráter depreciativo também pode ser atribuído à palavra-base pelo prefixo sub-. Nessas formações, as unidades lexicais constituídas com sub- denotam “ausência” ou “insuficiência de condições”, a exemplo de submundo:

(23) As pessoas que moram ali são pessoas que algumas vivem praticamente num submundo... né... porque ali existem coisas inacreditáveis... existem pessoas que nos corredores têm galinheiros... têm porcos com chiqueiro e tudo... né... alguns tiraram os tacos do chão pra vender... vasos sanitários pra vender... (DiD rJ 15)

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Como afirma Cano (1996), o prefixo sub- é bastante complexo e, na lingua-gem técnico-científica, adquire valores semânticos específicos:

Além do valor genérico “posição inferior”, o referido afixo localiza o termo da base numa escala de grau, e passa a significar “pouco intenso”. Esse sentido pode vir espe-cificado por alguma condição expressa na definição. Sub- pode, também, significar ‘secundário’, indicando que o termo derivado é secundário em relação ao expresso na base, o que não significa, nesses casos, “posição inferior”. Em Química, quando associado a nomes de elementos, sub- indica que o termo derivado é um elemento básico; em Biologia, o afixo caracteriza uma espécie. por último, subadquire o valor semântico próprio de semi- e significa “um tanto, quase”. (1996: 72-73)

prefixo infra- Infra-, que também expressa “posição inferior” “posição abaixo de”, integra

construções nominais, não raro vinculadas a uma área de especialidade, a exem-plo do substantivo infraestrutura, o que “está abaixo da estrutura” e, figurativa-mente, o que “lhe é essencial”:

(24) Agora, num caso como o do rio... por exemplo essa expansão da cidade se fez às custas de prejudicar não só esse aspecto (inint.) que o senhor já se referiu... humano... mas muitos outros... inclusive com uma ausência de... o que nós chamaríamos serviços básicos ou de uma infra-estrutura, eh, de serviços públicos. (DiD rJ 255)

O significado de “posição inferior” transparece em outra ocorrência registra-da nos corpus estudado com o emprego do substantivo infravermelho, que deno-mina uma “radiação cuja frequência é inferior à da luz vermelha”:

(25) ...não são os mais indicados... já saindo... (como é?) já saindo do infra-vermelho pro ultra-violeta ou vice-versa... eu nunca sei direito esse negó-cio...enfim... ah... o... no verão quando eu começo a ir à praia eu começo a ir cedo... mas daqui a pouco já é uma amiga que telefona encontro uma amiga na... ah não amanhã você vem mais tarde pra gente bater um papo no fim passa do horário de onze pra uma... (D2 rJ 369)

prefixo denotativo de posição externaprefixo extra-

A posição externa é expressa pelo prefixo extra-, que denota “fora de” em formações substantivas, como extradireito, “que está fora do Direito”, e adjetivas como extraterreno, “referente ao que está fora da terra”:

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(26) ...toda... a conduta humana... isso é a coisa mais certa do mundo... toda a conduta humana...está... pode ser catalogada...em três fases...conduta hu-mana extra-direito...fora do processo...como dentro do processo...pode ser catalogada em três fases distintas... o saber... o querer...e o agir... (D2-rJ-369)

(27) ... porque eles... lógico eles fazem o que eles quiserem... inclusive até pra espantar... pra assustar... pra mil coisas... e uns aos outros... eles entre eles... porque... a guerrinha deles é boa... de modo que eles fazem... é ou não é? mas não acredito em... em coisas extra-terrenas... não... (D2 rJ 369)

De maneira análoga a outros prefixos (anti-, pós-, pré-), observamos que junto a alguns substantivos o prefixo extra-, com significado locativo, pode exercer fun-ção adjetival no âmbito do sintagma nominal. Assim, em conduta humana extradi-reito constata-se essa função adjetival: “conduta humana que está fora do Direito”.

prefixos denotativos de posição anterior e posteriorO já mencionado inquérito Ef SSA 49, que trata da área médica, registra

construções com prefixos que indicam oposição relativamente ao espaço ocupa-do. Assim, a anterioridade espacial é expressa por pré- e a posterioridade espacial por retro-. Esses afixos se juntam às bases adjetivais hilar e mamário, derivando os adjetivos pré-hilar/pré-mamário e retro-hilar/retromamário:

(28) ...esse prolonga mento axilar da mama...ele é mais...(corte na fala)...é chamado de camada adposa retromamária...assim...ela é definida como uma dependência...da camada adiposa pré-mamária...essa camada ad-posa retromamária...que fica entre...a parte profunda ou parte plana da glândula...é a apneurose do grande peitoral... (Ef SSA 49)

(29) ...nós vamos encontrar a coluna dorsal...para os lados...a quelas posições constituídas por limites as paredes...aquelas porções mediastínicas...re­tro-hilares...porque as pré-hilares constituíram os limites laterais...do me-diastino anterior...para baixo...também a porção... (Ef SSA 49)

No Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa (1982: 682), Cunha comenta que o prefixo retro-, já documentado no latim em vocábulos como retroceder, é também observado em construções da linguagem científica internacio-nal, o que pode ser exemplificado com os adjetivos retro-hilar e retromamário, que ocorrem no mencionado inquérito de elocução formal. Observa-se, nesse caso, uma relação entre emprego de um prefixo e gênero textual de caráter científico.

DEriVAçãO prEfiXAL • 29

a expressão da temporalidade A expressão da temporalidade é expressa, no corpus estudado, por prefixos

que indicam o tempo anterior (pré-, recém-), posterior (pós-), concomitante (con-) e intermediário (entre-).

prefixos denotativos de temporalidade anteriorprefixo pré-

Além do valor semântico de posição anterior, o prefixo pré-, que toma a forma pre- quando se liga à base, apresenta também características temporais, observadas em formações nominais e verbais: substantivos pré-guerra (Ef rJ 375), pré-história (D2 Sp 360); adjetivos pré-colombiano (Ef SSA 020), pré-his-tórico (D2 Sp 360), pré-iconográfico (Ef Sp 405), pré-revolucionário (DiD rJ 144); verbos predizer (Ef pOA 278), prever (D2 rJ 158). A essas formações, pré- im-prime o significado de “temporalidade anterior”, como se observa nos exemplos a seguir:

(30) L1 – ele::...desde pequenino ele é ((vozes ininteligíveis)) desde pequeno o Luís gosta...da história do homem...então...quan do ele não sabia ler ele lia mui/ ele via as figuras da pré-hist ória e gostava muito...então ele fazia com que nós lêssemos...os livros éh::coleções:: uma e outra que a gente tem...éh::sobre a formação do mundo...sobre a a::a fo/ a a evolução do homem e tudo mais mas por gosto dele ele se interessava muito por aquela figura assim...ah::disforme do homem pré-histórico dos animais pré-históricos e tudo mais então ele sempre gostou agora que ele aprendeu. (D2 Sp 360)

(31) Não sei. Botaram... ma... naquela época, mil novecentos e dezenove... mil novecentos e vinte... Bernardes... Epitácio pessoa... né... aquela época pré-revolucionária e uma ocasião botaram uma bomba perto lá de casa mas (risada) a única coisa... recordação que eu tenho... (DiD rJ 144)

(32) L2 – é que tem vários né? D: sim... um desses eh:... inclusive... mais ou menos estava prevendo a en-

chente do Mississipi... ele pode prever todos esses:... esses transtornos da... L2 – não não estou a par de todo esse troço não... sei que existem: satélites

preparados para observar... (D2 rJ 158)

Observa-se que, nos sintagmas curso pré-vestibular e Japão pré-guerra, que denotam “curso anterior ao vestibular” e “Japão anterior à guerra”, respectiva-

30 • A CONStruçãO MOrfOLógiCA DA pALAVrA

mente, as unidades lexicais pré-vestibular e pré-guerra exercem função adjetival. Esse emprego, observável contextualmente, revela que, de maneira análoga a anti-, extra- e pós-, o prefixo pré-, unido a um substantivo, pode apresentar fun-ção adjetival:

(33) ... e então... tinha seis meses pra:: me preparar pro vestibular... mas eu... antes de terminar o curso técnico... como eu tava estudando à noite... eu de manhã... comecei a fazer um curso pré­vestibular... ao mesmo tempo... (DiD rJ 01)

(34) ...se encontra por exemplo hoje... no Japão... quer dizer uma situação di-ferente daquele Japão pré­guerra... né... os grandes capitais americanos e:: de outras nacionalidades convivem dentro da realidade japonesa... quer dizer... as grandes empresas multinacionais... (Ef rJ 379)

prefixo recém- forma apocopada do adjetivo recente, o prefixo recém- junta-se a bases

deverbais, sobretudo formas participiais, atribuindo-lhes o significado tem-poral de “recentemente”, “há pouco tempo”: recém-casado denota “casado há pouco tempo”:

(35) ...Era o mais jovem talvez... na época ele tinha o quê? Vinte e seis, vinte e sete anos... trabalhava no antigo EDN... aí desses dez... o pessoal... ah... professor de inglês... garoto novo... mas ele sentiu que... poxa era o único ali novo... casado... recém-casado... praticamente... alguns mais velhos já com outras definições e ele tinha que ir à luta...

prefixo denotativo de temporalidade posteriorprefixo pós-

A temporalidade posterior é representada pelo prefixo pós-, que apresenta predominantemente características temporais. O afixo ocorre em construções no-minais (substantivos pós-graduação, pós-guerra) e também em algumas constru-ções verbais (pós-datar, pós-fixar):

(36) ... e depOiS associada num programa da América ( ) com o Conselho Na-cional de pesquisa que foi para o estabelecimento da pós-graduação em quí-mica no...na universidade federal do rio de Janeiro ... então aprecio muito a...o modo de independência disciplinada do americano... (DiD rJ 27)

DEriVAçãO prEfiXAL • 31

(37) ... que também desde o seu início o que a gente conhece mais no Japão...é o propalado milagre japonês eu não vou me reter no começo ao pós-guerra, eu vou partir...do início...da formação industrial do Japão... né? (Ef rJ 379)

Dentre os verbos construídos com pós-, observa-se um uso bastante reiterado da forma participial em função adjetival, que exemplificamos com pós-datado e pós-fixado:

(38) O economista explicou o que é um título pós-datado... um cheque pós-fixado... dentre outras informações básicas...

De maneira similar a anti-, extra- e pré-, observamos que alguns substantivos construídos com o prefixo pós- podem exercer função adjetival no âmbito do sin-tagma nominal, a exemplo de pós-eleição no contexto a seguir, em que o substan-tivo pode ser parafraseado por “posterior à eleição”:

(39) Você gostou desse encontro pós-eleição?

Em função do caráter temporal e opositivo expresso por pós- e pré-, esses pre-fixos estabelecem, em um dos inquéritos, uma relação temporal opositiva, o que contribui para a organização textual desse inquérito (cf. exemplos (34) e (37)).

prefixo denotativo de temporalidade concomitanteprefixo con-

O prefixo de origem latina con-, que toma a forma variante co- diante de con-soante líquida ou vogal (Câmara Jr., 1975: 230), é originário da preposição latina cum. Assume as formas com- diante de –b e -p (combater, compor) e cor- diante de -r (corroborar) (Cunha, 1982: 190).

O prefixo junta-se a bases substantivais como coproprietário, que denota “participação concomitante na propriedade”, e verbais (coexistir e conviver), que “existem e vivem de maneira conjunta”, respectivamente, para expressar “partici-pação, parceria concomitante”, como se observa nos trechos a seguir:

(40) ...Às vezes você acha que o edifício está mal organizado... que o condo-mínio está mal feito... enfim... que há um gasto qualquer que talvez não seja muito justo e você fica um pouco i... inibida de fazer as reclamações necessárias... ao passo que no edifício em que você é coproprietário do edifício... você está sempre muito mais apto a fazer as reclamações neces-sárias e organizar conforme você quiser... certo? (DiD rJ 84)

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(41) ... no Japão... então coexistem hoje... HOJE... depois do milagre o quê?... relações de produção do tipo fEuDAL... tá?... tá claro?... aonde... eh jor-nada de trabalho de dez a doze horas... certo? quer dizer... de um tipo assim paternalista feudal... quer dizer... o salário... ainda não é a tônica geral... sabe?... de uma economia que deveria que é capitalista... tá claro?... são duas realidades que coexistem... uma economia por que é capitalista? é baseada no capital... claro... com o milagre japonês não é apenas a força de trabalho e os recursos naturais... é o capital MESMO... tá?... em forma de capital financeiro e equipamentos... então... coexistem dentro de uma mesma área... (Ef rJ 379)

(42) inf é... então eu deixo com vocês... a análise de... através da própria obser-vação de vocês... ou vivência... da realidade social essa que vocês conhe-cem... porque vivem nela... têm de conviver com ela... quer dizer o que é... viu Arnaldo? (Ef rEC 337)

Observamos, no último exemplo, que verbos construídos com prefixos po-dem apresentar complementos iniciados pela preposição correspondente ao pre-fixo (conviver com), conforme lemos em Kehdi (1990: 28).

prefixo denotativo de temporalidade intermediáriaprefixo entre-

O prefixo entre-, originário da preposição latina inter, indica caráter tempo-ral intermediário em construções nominais e verbais.

Observamos esse caráter temporal no substantivo entressafra, denotativo do “que se situa entre duas safras”:

(43) Doc. – Como é que era antes da abertura de mercado? inf. – Antes da abertura de mercado...é... nós tínhamos, havia o problema

da entressafra do boi... a carne subia. Havia o período da entressafra do leite... o leite sumia... Havia uma queda na safra do feijão... o feijão sumia... o arroz... a mesma coisa... tudo isso. (DiD rJ 28)

Em construções verbais, a ação expressa pelo verbo pode implicar “um pou-co, não totalmente”, a exemplo do verbo entreabrir:

(44) teve de entreabrir a porta para ver se... havia alguém no auditório...

DEriVAçãO prEfiXAL • 33

Prefixos denotativos de intensidadeA intensidade é expressa pelos prefixos super-, hiper-, ultra, extra- e ma-

cro-, que indicam intensidade aumentativa, e sub-, mini- e micro-, denotativos de intensidade diminutiva. Alguns deles – hiper-, super-, ultra- e sub- – indicam também espacialidade, conforme foi estudado na seção “prefixos denotativos de espacialidade e temporalidade”. incluímos também nesta seção o prefixo re-, cujo valor de repetição apresenta aspectos intensivos.

Prefixos denotativos de intensidade aumentativaprefixo super-

O prefixo super- apresenta muitas ocorrências nos textos de língua falada analisados. Essa vitalidade de super-, que não se limita ao período estudado, pois o prefixo é ainda bastante frequente nos dias contemporâneos, pode ser explicada por sua abrangência morfológica e semântica: o prefixo associa-se a bases subs-tantivas (supermercado, superprodução), adjetivais (superfeliz), verbais (superfatu-rar) e não parece conhecer restrições semânticas:

(45) L1 – não não não é questão disso não mas realmente a cadeia de super­mercados aqui é de de... de... de de recife provavelmente é superior a qual-quer uma do país...isso vocês podem julgar lá vendo...mas não não... não é propaganda não é coisa nenhuma agora o que eu acho é o seguinte... é que nós temos... (D2-rEC-05)

(46) ... destinatários de sua produção quer dizer ou o problema da economia japonesa... da indústria nacional japonesa... sabe?... não pODE, não pode chegar...a por exemplo crises de superprodução... VEJAM... dentro de um esquema (a) economia americana como nós vimos é muito mais fácil...pelo menos em termos de análise econômica... não é? (Ef rJ 379)

(47) Oh:: Vou ficar pra titia... vou ficar solteirona... não... pô... eu conheço... essa minha tia que mora aqui... ela é solteirona... e eu acho que ela é super­feliz... sabe... eu não acho que ela seria... feliz assim... ela é uma pessoa que pô... ajuda os outros pra caramba... (DiD rJ 03)

(48) ...e agora estão dizendo que o prefeito superfaturou essa obra...

O significado de super- está intimamente associado à base a que o afixo se prefixa. Sobre essa característica de super-, também presente em outros prefixos intensivos, adequadamente observa rio-torto (1993: 366) que,

34 • A CONStruçãO MOrfOLógiCA DA pALAVrA

quando se agrega a substantivos, o operador prefixal /de caráter intensivo/ ten-de a assumir valor atributivo, de natureza dimensional (supermercado “mercado de grandes dimensões; mercado grande” maxi-, mini-) e/ou qualificante (supe-rideia). Quando se combina com adjectivos ou com verbos, o prefixo assume valor adverbial: hipergrande “muitíssimo, imensamente, excessivamente xb”.

Desse modo, se prefixado a bases substantivas, super- é associado a “grandes dimensões”, a exemplo de superquadra, uma “quadra de grandes dimensões”:

(49) mas: eu fiquei morando muito perto inclusive do lugar de onde saí... no mesmo quarteirão com uma superquadra feito o... estilo de Brasília... e: pra mim é conveniente no sentido de que eu tenho as meninas no... no Jacobina que foi o colégio que eu frequentei... (rJ-Di 133)

pode ainda atribuir à base de caráter substantival uma “qualidade excepcio-nalmente boa”. Assim, um supershopping center representa um “shopping center com muitas qualidades, confortável, com boas lojas, bons serviços”:

(50) O dia que botarem um super-shoping center... com uns repuxinhos... pro sujeito que está duro olhar o repuxo... ou uma porção de... o que a gente via... restaurante... casa de chá... nesse lugar... o sujeito senta ali... toma um sorvete... mas fica... tem um ambiente... (rJ-DiD-233)

Super- é não raro usado para intensificar bases cujos conteúdos semânticos denotam características valorativas ou reforçativas, como se observa em supera-gradável, em que o prefixo atribui à base uma “qualidade excepcional, superior a qualquer gradação”:

(51) eu por exemplo... esse final de semana agora... eu tive em Vitória... fa-zendo um trabalho lá... eu achei uma cidade assim... superagradável... Os prédios... não são tão aglomerados, sabe, um colado com o outro... tem uma coisa mais de espaço você tem uma visão mais... mais ampla... (DiD-rJ-02)

Dentre os adjetivos construídos com super-, numerosos são os provenientes de formas participiais empregadas em função adjetival, a exemplo de supergelado, superlotado e superorganizado:

DEriVAçãO prEfiXAL • 35

(52) então... você não gosta por exemplo... agora está se tornando muito co-mum no rio de Janeiro... uma coisa que é comuníssima nos Estados uni-dos... esse tipo de comida congelada... até... eh (sup.)

(sup.) é supergelada... né? (sup.) (sup.) posto de gasolina já está vendendo... né? (DiD- rJ-104)(53) L2 – eu por exemplo... né? hoje eu estou sem carro... meu carro está na

oficina... então... à noite... eu vou ter que ficar na presidente Wilson... es-perando um Laranjeiras...

L1 – um Laranjeiras... L2 – pra mim só serve Laranjeiras e só serve ( ) L1 – [que não é fácil... só passam superlotados... (D2 rJ 269)(54) ...tem... é::... o prédio está uma verdadeira bagunça... nós mudamos de um

edifício já bem antigo e quer dizer que com condomínio superorganiza-do... regulamento interno e essas coisas todas... (DiD rJ 84)

O uso recorrente de super- em um mesmo contexto, ao prefixar-se a diferen-tes bases, reitera as características reforçativas expressas pelo prefixo:

(55) às vezes tem o velhinho que senta na praça e você já... e... o velho vai en-costar... não sei o quê...de repente o velho tem uma cabeça superaberta... superjovem... deixa eu ver... o que mais... Ah... não posso falar muito de horários... porque eu sou super ... ((risos)) pontualidade não é comigo... (DiD-rJ-12)

Esse emprego frequente, no entanto, tem provocado um desgaste que leva o significado de super- a oscilar entre a intensidade absoluta (“excepcional”) e a intensidade relativa (“muito”). Essas considerações, relativas ao português euro-peu (cf. rio-torto, 1987: 100-1; 1993: 367-8), podem aplicar-se às construções de super- no português brasileiro. Desse modo, superirônico pode referir-se a al-guém “relativamente irônico” ou “muito irônico”. Em razão da perda de parte de seu significado intensivo, super- tem sofrido a concorrência de outros prefixos que apresentam características intensivas valorativas, como hiper-, macro- e, mais contemporaneamente, mega-.

prefixo hiper- Além do valor locativo, o prefixo hiper- expressa também um valor de “ex-

cesso”, manifestado em termos de áreas científicas, especialmente da Medicina, exemplificados pelo substantivo hipertrofia, um “desenvolvimento excessivo”, e pelo verbo hipertrofiar, que significa “crescer excessivamente”:

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(56) ...nós vamos encontrar durante a...gestação...na gravidez...há uma hipertro-fia da glândula mamária...as glândulas mamárias...as mamas...se hipertro-fiam durante a gestação...e mais ainda...essa hipertrofia é mais acentuada...durante a::lactação...é cla ro...que durante a lactação teria que haver um au-mento maior... mais considerado...isto acontece...durante a menopausa...há uma atrofia...porque...e como eu disse a vocês... (Ef SSA 49)

Em construções mais recentes, observa-se o prefixo associado a bases nomi-nais, tanto substantivais (hiperacidez) como adjetivais (hiperácido):

(57) eu pessoalmente não gosto de vinho seco... porque eu tenho uma certa tendência para hiperacidez... então essa hiperacidez contra indica qual-quer coisa mais ácida... daí a... eu... a evitar o vinho... e quando tomo... tomo o branco e o doce... porque é o que eu gosto... como gosto de cham-panhe... embora tome... tome pouco... (DiD rJ 253)

A partir dos anos 1980, hiper- tem sido bastante empregado para construir unidades lexicais da língua comum, imprimindo-lhes características atributivas “de grandes dimensões”, em caso de substantivos, e o caráter adverbial de “muitís-simo, imensamente”, quando prefixado a adjetivos. Assim, uma hiperliquidação é uma “liquidação de grandes proporções”, uma pessoa hipermotivada é uma “pes-soa muitíssimo motivada”:

(58) ...comerciantes do bairro estão promovendo uma hiperliquidação....(59) paulo está hipermotivado para começar o curso...

prefixo ultra-O prefixo ultra- expressa também, além do caráter espacial, o valor intensivo

de “excesso”.Esse caráter intensivo expresso por ultra- revela-se em formações nominais,

em alguns substantivos (ultracorreção) e sobretudo em adjetivos, a exemplo de ultradividido, ultraesquisito e ultrasseco:

(60) ... ele continua a falar na gíria dele... no no... registro informal e... quando escreve alguma coisa... ele tem sempre medo... ele acha que aquilo não está correto e acaba cometendo mesmo... ultracorreções... ou seja... coloca formas que estão incorretas mas que ele pensa que estão corretas... porque... ele é sempre corrigido quando ele diz “me dá um livro” e... o professor – anti-quado... naturalmente... porque o de hoje em dia nunca faria isso – diz a ele não se começa frase com pronome átono (Ef rJ 356)

DEriVAçãO prEfiXAL • 37

(61) é...porque a autoridade é ultradividida...há uma hierarquia enorme ( ) vai subindo até chegar ao...ao cara...entendeu? não sei ...uma de pequeno acho que é...acho que é bem controlado pelo proprietário... (Ef rJ 364)

(62) Certos tipos de... de... eh... de... de móveis ultraesquisitos... né... quer di-zer... eh... assim... tornam-se mesmo uma coisa mais sofisticada... mesas de mármore... né... mármores Carrara... digamos... né... coisas mais... mais raras e mais caras... né? (DiD rJ 0153)

(63) ... e os edifícios são muito altos de modo que os... os... bombeiros têm paVOr... de chegar atrasado no incêndio... entendeu... e os moradores também qualquer fumacinha eles dão logo um berro... porque eles sabem que o: tomou proporções naquela madeira eh... ultrasseca dos edifícios ninguém controla mais... (D2 rJ 296)

Nessas construções nominais, ultra- sempre denota “excesso de algo”: “exces-so de correções” (ultracorreção), “excesso de divisões” (ultradividido), “excesso de esquisitice” (ultraesquisito), “excesso de secura” (ultrasseco).

O caráter intensivo do prefixo é bastante utilizado em discursos políticos. Além da forma substantivada ultra, que designa os partidários de atitudes ou ideias extremistas, ultra- deriva substantivos e adjetivos relativos a atitudes e posições políticas, a exemplo do substantivo ultraesquerdista e do adjetivo ultraconservador:

(64) ...tá parecendo que os ultraesquerdistas conseguiram mais votos que os deputados ultraconservadores...

um dos inquéritos mostra a concorrência que o prefixo ultra- estabelece com o sufixo -íssimo, muitíssimo usado até os anos 1970 para indicar intensi-dade aumentativa:

(65) Nós temos a favela da Catacumba... tínhamos a maior.... a maior favela de todo o estado aqui perto que é a rocinha... né... e tínhamos a famosís­sima... ultrafamosa praia do pinto aqui perto... né... que essa já desapa-receu... né... ficou esse conjunto habitacional aí de dez prédios que é um conjunto onde mora gente pobre... né... e reduto de... da flor da margina-lidade também aí... né... presente... né? (DiD rJ 0153)

prefixo extra-De maneira análoga a outros prefixos locativos, extra- manifesta também um

significado intensivo. Esse caráter intensivo revela-se em casos em que o prefixo junta-se a uma base adjetival, a exemplo de extraordinário, o “que não é ordinário”, “que é fora do comum”:

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(66) ... e a justiça veio reconhecer o meu direito... mandando-o pagar... as impor-tâncias que seriam devidas como compensação... por aquelas horas extra­ordinárias que eu trabalhei... e a justiça vem e diz “julgo procedente a recla-mação... e condeno o empregador... a pagar ao empregado... a importância xis referente às horas extraordinárias que ele trabalhou...” (Ef rJ 341)

(67) ... da exploração da lua... o quanto evoluiu a técnica... não é? com essa exploração da lua... não é? A parte de eletrônica... não é? evoluiu de uma maneira extraordinária... fabulosa.... não é? que está sendo utilizada em outros ramos... hoje... não é? (D2 rJ 64)

O uso do prefixo extra- como adjetivo (horas extras, gasto extra) pode ser observado em alguns contextos dos inquéritos Nurc, revelando uma lexicalização desse afixo:

(68) ... é... na minha profissão.... um arquiteto que se forma... o salário inicial de arquiteto (es) tá em torno de quatro mil e quinhentos cruzeiros... cinco mil cruzeiros... de acordo com ho ra... quantidade de horas... normais ou extras etc, então você vê o seguinte... se fosse nessa relação... este arquiteto pra pagar a quarta parte de seu salário seria pra pagar mil cruzeiros... mil e duzentos cruzeiros... certo? (D2 rJ 355)

(69) ... é um gasto extra... mas foi só um lanche... se deixar... quer todo dia co-mer em McDonald’s e Bob’s... e ali... é muita gordura... muito... né? aqueles cremes... aquilo tudo...mas o... mas ela gasta muita energia... por isso é que... e ela é... muito magrinha... ela faz jazz... faz balé... (DiD rJ 14)

prefixo macro- Bases presas ou elementos de composição, como macro-, originalmente for-

madores de termos das ciências e das técnicas, associam-se também a unidades não especializadas, passando a exercer função prefixal e a construir nomes subs-tantivos pertencentes ao léxico geral.3

O corpus mínimo apresenta macrogrupo, que pode ser parafraseado por um “grupo de grandíssimas dimensões”:

(70) ...dizer on:de exista vida social onde os homens estejam juntos... áh:: de forma duradoura... portanto formando um macrogrupo um sistema so-cial uma sociedade enfim ou uma comunidade... inevitavelmente ten:de a tomar uma forma definida... vocês sabem disso... nós temos o caráter so-cial... porque nós temos uma forma... não somente geográfica do Brasil... mas uma forma definida pelos padrões:... comuns a todos os brasileiros... (Ef rEC 337)

DEriVAçãO prEfiXAL • 39

Prefixos denotativos de intensidade diminutivaprefixo sub-

O prefixo sub-, que manifesta caráter locativo na maioria das unidades le-xicais das quais faz parte, também expressa “intensidade relativa”, uma “quase intensidade”, a exemplo das construções nominais subconsciente, subdelírio, que denotam “quase consciente”, “quase em delírio”, respectivamente:

(71) ...é que ele não estava bem... passava por um estado de subdelírio...

Manifesta também o significado de algo resultante ou consequente de algu-ma coisa, que se observa em subproduto:

(72) Então na verdade eu tenho horas relativamente certas de comer... relati-vamente... se eu estiver empenhada no trabalho... eu passo da hora... mas eu tenho horas relativamente certas de comer e como... eh:: aquelas coisas que me alimentam... sem me sobrecarregar desnecessariamente de sub­produtos que se traduzem em gordura... (DiD rJ 253)

prefixo mini-O elemento mini-, originário da forma latina abreviada ou truncada

mini(mum), tem sido empregado em função prefixal em diversas línguas, dentre as quais o português, a partir da criação pela inglesa Mary Quant, em 1965, do tipo de saia denominado mini-skirt (cf. peytard, 1975: 404; Haller, 1988: 86).

Denotando “muito pequeno”, mini- tem construído substantivos a exemplo de miniparque e minissaia:

(73) Bom... existe embaixo uma areazinha de... de terra mas que... pra come-çar... esse edifício aqui... criança mesmo assim em idade pequena acho que só tem a minha e uma menina em cima do... aí no quarto andar... né... de modo que edifício até que tem poucas crianças... né? E a área que tem é uma área embaixo que antigamente minha filha brincava um pouquinho e tudo... né, mas a área que em geral as crianças aqui do bairro preferem brincar é essa área contígua aí da frente do Jardim de Alá... né? É um jar-dim muito espaçoso... tem o miniparque ali do lado... né... aí as crianças brincam de manhã porque já à noite o aspecto dele é um tanto algo dife-rente. (DiD rJ 153)

(74) ...porque eu me recordo que os meus primeiros vestidos de mocinha são muito parecidos com os vestidos que eu vejo hoje... Eu... eu encontrei uma época que se chamava a melindrosa... os vestidos de cintura baixa...

40 • A CONStruçãO MOrfOLógiCA DA pALAVrA

eu recordo-me que se fazia... mandava fazer saias plissadas e a costureira dizia que a minha saia tinha quarenta e cinco centímetros... Eu juro que não era minissaia... era pelo joelho... era tão pequeno o plissê... porque a cintura era muito baixa... mas se usava a... o vestido na altura do joelho... (DiD rJ 258)

Observa-se, nesses dois empregos de mini-, que o prefixo ocorre em con-textos em que o caráter de pequenez é corroborado pelo emprego do adjetivo pequeno (“idade pequena” (DiD rJ 153), “pequeno o plissê” (DiD rJ 258)) e pelo sufixo diminutivo -inho (“areazinha de, de terra”, “um pouquinho” (DiD rJ 153)), (“primeiros vestidos de mocinha” (DiD rJ 258)).

prefixo micro-De maneira análoga a macro-, a base presa micro- passa a exercer função

prefixal ao associar-se a palavras não especializadas e ao construir nomes subs-tantivos pertencentes ao léxico geral.

Exemplificamos esse emprego prefixal com a unidade lexical microrregião, que pode ser parafraseada por uma “região de pequeníssimas dimensões”:

(75) Loc. – Eu acho que o comércio tem implicações muito grandes para a ci-dade, para a locomoção das pessoas... para a escolha de residência... para... eh... a própria... o próprio projetamento do trânsito... eh... ele tem... além das conseqüências assim estruturais de... de aumento de renda... de cir-culação da riqueza... mas em termos de cotidiano... do dia-a-dia... isso provoca também uma série de consequências inclusive pra problemas de trânsito por exemplo... o estacionamento... né... tudo isso em termos de microrregião isso traz uma série de implicações... né? DiD rJ 39

prefixo re-Re- é um prefixo bastante utilizado na construção de palavras do português,

às quais atribui o significado geral de “repetição”: reeducação denota “educar ou-tra vez”, reproduzir implica “produzir outra vez”:

(76) ...a menina faz fonoaudiologia porque ela está com três anos e pouco...e ainda não fala...fala muito pouco...então ela faz...reeduca/...reeducação não mas seria...exercícios...com a fonoaudióloga para ver se::.. se começa a falar mais rapidamen te... (D2 Sp 360)

(77) ...a minha avó era assim... ela qualque(r) prato... podia se(r) o mais com-plexo... de gosto mais estranho ou exótico possível... ela detec tava tempero

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por tempero e depois reproduzia fazia eu sei que... ah... quando chego... praticamente os primeiros vidros de Ketchup que chegaram dos Estados unidos era material importado... meu tio trouxe pra casa a prova daqui-lo... (D2 pOA 291)

grande parte dos nomes construídos com re- é originária de verbos e forma-da por sufixos denotadores de ação, como -ção (reeducação (D2-Sp-360), reorga-nização (Ef-pOA-278)), ou constitui formas deverbais como reajuste. Constata-se, assim, que a maior parte das construções nominais constituídas com re- têm origem em uma forma verbal.

Os dados que analisamos confirmam a afirmação de Cavalcanti (1980: 40), que conclui que, à exceção dos verbos denotativos de processos concluídos ou de estados, re- prefixa-se a todo tipo de base verbal.

Além do significado básico de “repetição”, re- também denota intensidade em algumas formações, a exemplo do verbo ressentir, que implica “sentir muito”:

(78) ... então quase que se poderia dizer que a diferença que a relação... que há uma relação entre interpretação e análise... e que a diferença entre análise e interpretação é uma diferença de grau... é uma análise com característi-cas mais científicas... mais sistemáticas... mas aquilo de que tu te ressentis-te para poder fazer uma extrapolação... já... (Ef pOA 278)

O caráter repetitivo que re- imprime à base é por vezes reiterado textualmen-te, em contextos em que as unidades lexicais neológicas construídas com o prefixo se inserem. Assim, a repetição pode ser percebida em complementos adverbiais indicativos de temporalidade (quantas vezes) ou pelo emprego de adjetivos (novo):

(79) ...quantas vezes preciso lhe dizer para reorganizar esse arquivo?(80) ...o Claudio tá dizendo que o governo anunciou um novo reajuste...

Prefixos denotativos de negação, oPosição e favorecimento

Prefixos denotativos de negação e oposiçãoOs afixos prefixais que revelam negação e oposição nos inquéritos estudados

são des- / dis-, in-, não-, anti-, contra- e a(n)-.

42 • A CONStruçãO MOrfOLógiCA DA pALAVrA

prefixos des-, dis-

Des- é, dentre os prefixos denotativos de negação e oposição, o mais empre-gado no corpus mínimo analisado. prefixa-se a todas as classes variáveis, forman-do nomes e especialmente verbos.

Segundo Joaquim Mattoso Câmara Jr. (1975: 231), des- resulta da combina-ção, desenvolvida no romanço lusitânico, das preposições de e ex, que originaram um prefixo de significado negativo. O autor menciona certa confusão com dis-, prefixo comum no latim para indicar separação. Diferentemente de Câmara Jr., Mário Barreto (1944) argumenta que des- tanto pode resultar de dis- como da junção das preposições de e ex:

Se des é a forma vulgar do prefixo dis (e em italiano não há des, mas sim e sem-pre dis: disunire, disapprovare, disamore), e se dis é o mesmo prefixo latino dis, de igual origem de bis, ou seja o mesmo que originou o numeral duo, dois, se assim é, DIS com as formas DIS (dispor), DES (desigual), DI (divertir) significa originalmente duplicidade como dissecar (cortar em dois), disjungir (separar duas coisas juntas), depois separação ou diversidade de partes como dispor, di-vertir e finalmente oposição, como desleal, desamável, desaplicado. (1944: 48)

Said Ali (1964: 250) prefere considerar des- a romanização de dis-, forma que per-manece em unidades lexicais emprestadas do latim e que se transformou em des- nas criações do português. Acrescenta que, ao lado da diferenciação fonética, acentuou-se uma diferenciação semântica, com o desenvolvimento do significado negativo que já se observava no latim dispar, dissimilis, entre outros exemplos, e com a extinção do significado de separação ou divisão que caracterizava o prefixo latino. Cunha (1982: 268) também considera que dis- evoluiu normalmente para o português des-.

As construções com dis- no português são bastante reduzidas, se comparadas com as constituídas com des-.

No corpus mínimo analisado, dis- prefixa-se a nomes (substantivo discomple-mentariedade e adjetivos disforme, dissemelhante). A essas formações, dis- atribui o significado de “sem”, “desprovido de”, observado em discomplementariedade (sem complementaridade), disforme (sem forma), dissemelhante (sem semelhança):

(81) ...outras perguntas se torna mais fácil para mim também... e respondendo às perguntas que eu... fiz pra vocês... uma foi as discomplementariedades acabamos de... verificar se existe ou não... (Ef rEC 337)

(82) ...a evolução do homem e tudo mais mas por gosto dele ele se interessava muito por aquela figura assim... ah::disforme ... do homem pré-histórico dos animais pré-históricos e tudo mais então ele sempre gostou agora que ele aprendeu... (D2 Sp 360)

DEriVAçãO prEfiXAL • 43

(83) ...quando eu digo que o homem a natureza humana é muito rica... e quero tirar com isso um pouco não é? da depressão de alguns em relação até ao próprio ao próprio curso... é porque eu realmente realmente acredito... que há muita riqueza quando vocês olham... homens semelhan:tes e disse-melhantes... ou sejam homens... bem diferen tes... e homens iguais entre si se alguns... conseguindo viver juntos... (Ef rEC 337)

Diferentemente de dis-, o prefixo des- é atestado em várias construções, ver-bais e nominais.

Junto a bases verbais, des- deriva verbos como desaparecer (D2 rEC 05), des-carregar (D2 SSA 98), desconhecer (D2 rEC 05), desmontar (D2 Sp 360):

(84) você não diga que Olinda desapareceu...não ... pelo contrá rio você não desco-nhece uma pesquisa ...agora ... da ONu determinou o seguinte... que Olinda é o maior conjunto barroco existente no mundo atualmente... (D2 rEC 05)

O afixo une-se, não raro, a formas participiais em função adjetival, a exemplo de descansado (DiD pOA 45), descaracterizado (D2 rEC 05), desconhecido (Ef rJ 379), desesperado (D2 Sp 360), desiludido (D2 Sp 360), desimpedido (D2 SSA 98), despreocupado (D2 pOA 291):

(85) inf. – é... aí não sei que(m) foi uma tia minha lá urna irmã do meu pai foi que matou a cobra... e outra vez o meu avô... era desses brasileiros mui-to descanSAdos... foi buscar umas galinhas... e::trouxe tudo dentro dum saco... (DiD pOA 45)

(86) L2 – em igrejas bonitas... as igrejas de Olinda... são BEM melhores... ta-vam todas quase todas...uma grande quantidade de igrejas de Olinda ta-vam descaracterizadas...agora o patrimônio histórico tá uma comissão trabalhando permanentemente em Olinda e o patrimônio histórico tá restaurando... (D2 rEC 05)

(87) L2 – eu queria então uma família grande tínhamos pensa::do...numa fa-mília maior mas depois do segundo...já deve estar todo mundo tão deses-perado que nós ((risos)) estamos pensando... (D2 Sp 360)

e ainda a bases substantivas, que exemplificamos com desjejum (DiD rJ 328), desproporção (D2 Sp 360), desvantagem (D2 rEC 05):

(88) ...eles não fornecem merenda escolar...se bem que esse ano nós conse-guimos lá pra escola uma merenda...é...mas é uma merenda assim...não é::nao é bem merenda...eles chamam de desjejum...depois uma::um insti-tuto de nutrição...ofereceu à escola...éh uma merenda... (DiD rJ 328)