depois de lévi-strauss: um olhar sobre a antropologia
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Depois de Lévi-Strauss: um olhar sobre a antropologia francesa contemporânea
Erwan Dianteill
Universidade de Paris Descartes – Sorbonne
RESUMO:AntropólogosfrancesessãoherdeirosdeClaudeLévi-Strauss,her-deiros do conjunto de conceitos, métodos e paradigmas lançados pelo autor,queelesaceitam,transformamoucriticam.Podemosidentificartrêstendênciasepistemológicasnaantropologiacontemporâneafrancesa,todaselasconectadasaotrabalhodeLévi-Strauss.Aprimeiratendênciaseinspiranoestruturalismo,nointentodedescrever“universais”.Asegundaocupaumaposiçãooposta,seuprincipalobjetoéainterpenetraçãodeculturasesociedades.Aterceiratendênciaéexperiencial:comopodemosdescrevernossasubjetividadeemrelaçõesdealte-ridade?Essastrêstendênciasseoriginamnafamosadistinçãoentreantropologia,etnologiaeetnografia,originalmentecunhadaporLévi-Strauss.
PALAVRAS-CHAVE: antropologia social, etnografia, epistemologia, França,ClaudeLévi-Strauss
Aantropologia socialnaFrançaseencontrahojeemdiaemsituaçãoparadoxal.1ÉaomesmotempocelebradapormeiodafiguradeClau-deLévi-Strauss,aopontoqueumprêmiocomseunome,destinadoatodasasciênciassociais,foioficialmentecriadoporocasiãodocenté-simoaniversáriodoseunascimento—2mastambém,apesardisso,háincertezascomrelaçãoàsuaespecificidade,suainserçãouniversitária,seusmétodoseseusconceitos.Foiumgrandeacontecimentonocampodaedição,em2008,3apublicação,namuitaprestigiadaBibliothèque de la Pléiade (Gallimard),dasobrasdeLévi-Strauss(2128páginas!).Mas
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deve-senotarqueaorganizaçãodessa imensapublicaçãofoientregueaumespecialistadosestudosliterários(VincentDebaene)enãoaumantropólogo,comoseopensamentodeLévi-Strausstivessesido“patri-monializado”,comoseessepensamentofosseum“monumento”,cujovalordeverdade importapouco,enãocomoumafontedemétodos,conceitosedescrições,quepodemfertilizaraantropologiacontemporâ-neaequeestãosujeitosadebatesecontestações.Esseparadoxorevelou-se com muita força por ocasião da morte de Claude Lévi-Strauss. Amaiorpartedosjornaislheconsagrouasediçõesdodia4denovembrode2009,masseriavãoqualqueresforçoparadescobrirnessaspáginasalgumamençãoàposteridadecientíficadeLévi-Straussnaantropologiafrancesa.
Celebra-seLévi-Strauss,masoqueéfeitodaantropologiafrancesaem2009?OMuseudo“QuaiBranly”(tambémdenominadoMuseu das Artes e Civilizações da África, da Ásia, da Oceania e das Américas),oúltimoemdatadosgrandesmuseusdeParis,inauguradoemParisnoanode2006,concentraemsiessascontradições,poisnãopode-riaexistirsemaantropologia,àqual,noentanto,atribuiapenasumlugarbastantereduzido.Láseencontraumanfiteatro“Lévi-Strauss”(aindaumexemplodeoficialização“monumental”…),masnenhumcentrodepesquisaemantropologia.Aantropologiafrancesaé,por-tanto, sustentada por sua glória passada, mas será que ainda emitealgumbrilho?Proponho-meaquiresponderatalpergunta,mostran-do, inicialmente,quenãoháuma,mastrêsantropologias francesas.Efetivamente, com base nos trabalhos de Wolf Lepenies, podemosidentificartrêsculturasemnossadisciplina.Veremosaorigemdessamultiplicidade,depoisqueformaassumeatualmente,antesde,final-mente,concluirmoscomumareflexãosobreaunidadeeafertilidadedadisciplina.
RevistadeAntropologia,SãoPaulo,USP,2010,v.53nº1.
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I - De onde vem a antropologia francesa?
WolfLepenies identificoutrêsculturasnosurgimentodasociologianaEuropa.4Suateseébemconhecida.NaInglaterra,naFrança,naAlema-nha,asociologianascentetevedetomarposiçãoentreciêncianaturaleliteratura.Lepeniesmostraquea“cartacientífica” foiempregadapelosfundadoresda sociologia.Saint-Simonescolheuaexpressão“FisiologiaSocial”,enquantoAdolpheQuételeteAugusteComteoptarampor“Fí-sicaSocial”.Durkheimnãoparavadereivindicarostatuscientíficodaso-ciologia,contraoensaísmodafilosofiasocial.NaInglaterraencontrou-seumequilíbrio.Asociologiaficounametadedocaminhoentreaciênciaealiteratura.StuartMillevoluiudeumaposiçãocientificista,atéchegaraoreconhecimentodasvirtudesdapoesiaparareconstituirtodasasdimen-sõesdavidahumana.Asociologiadeveriasepreocuparemrelatarosfa-tos,masdandotambémlugaràintuição,aosentimento,àcompreensão.Asociologiaalemãnãofoivítimadafascinaçãocientificista.Originou-sedasciênciasdoespíritoequeriaser,comWeber,ummétododeinterpre-taçãodaaçãohumana.Oquecontavaeramenosofatodoqueosentido.BemmenosfincadanaFilosofiadasLuzesdoqueasociologiafrancesa,asociologiaalemãdirigiaseuolharparaadominaçãoeosmodosdelegiti-mação.EdestemodoasociologiadeWeberseencontrounaconfluênciadeMarxedeNietzsche.
Lepeniesassociaessasculturasàstrêsnaçõeseuropeias,nocampodasociologia.Euaquiemitoahipótesedequetaistendênciasestãopresen-tesnaFrançamenosnoespaçodasociologiaemsentidoestrito,noqualodurkheimianismoseimpôsatéaSegundaGuerraMundial,doquenaantropologia.Noutraspalavras,podemoscompreender,a longotermo,ahistóriadaantropologia francesacomoresultadodeumdifraçãodastrêsculturasidentificadasporLepenies,massobacondiçãodereformu-
EmersonGiumbelli
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larmosessasorientaçõesindependentementedoscontextosnacionais.Aantropologia pode ser cientificista, pode ser experimentalista, pode serdinamistaoupolítica.
a- A antropologia como ciência natural da significação
Há,emprimeirolugar,umaantropologiaqueseafirmacomociên-ciasocialherdeiradeDurkheim(oDurkheimdasFormas Elementares da Vida Religiosa, cujoconteúdoéevidentementeetnológico)edeMauss(oMaussdoEnsaio sobre o Dom).EstafoimuitoclaramenteaopçãodeLévi-StraussemAs Estruturas Elementares do Parentesco (1949),comumtítuloqueserefereàúltimaobradeDurkheim.Noutrotexto,datadoori-ginariamentede1954,aomesmotempodescritivoeprogramáticoparaa nossa disciplina,5 Lévi-Strauss define da seguinte maneira as missõesespecíficasdaantropologia.Adisciplinadeveprocuraraobjetividade,atotalidade,asignificação.Oprimeirocritério,odaobjetividade,visaes-tabelecerumconhecimentoválidopara“todososobservadorespossíveis”.Eéexplicitamenteassociadoàsciênciasdanatureza:
Oantropólogonãoselimitaaimporsilêncioaosseussentimentos.Eleelaboranovascategoriasmentais,contribuiparaintroduzirasnoçõesdeespaçoedetempo,deoposiçãoedecontradição,tãoestranhasaopensa-mentotradicionalquantoasqueseencontramhojeemdianasciênciasnaturais.(Lévi-Strauss,1958,pp.422-423)
Asubjetividadepessoaldoantropólogoéportantoencaradacomoobs-táculoaultrapassarparaquesepossaatingirosaberobjetivo.Aantropolo-giafica,porconseguinte,inteiramentesubmetidaà“procuraintransigentedeumaobjetividadetotal”.Alémdisso,aantropologiatempormissãore-
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constituirastotalidades.Trata-sedemostrarqueavidasocialestáorgani-zadanumsistemadosqualtodososaspectosseinterligam.EstaconcepçãotemorigemexplícitanoEnsaio sobre o Dom(cujooriginalfrancêsdatade1924),trabalhonoqualMaussconstróioconceitodefatosocialtotal.Aantropologiasóadquiresentidonoestudodotodo,quenãosereduzaoconjuntodaspartes.ParaLévi-Strauss,6“umaestruturaapresentacaráterdesistema;consisteemelementostaisquequalquermodificaçãodequalquerumdelesacarretaamodificaçãodetodososoutros”.
Finalmente,asignificaçãoconstituioobjetoprincipaldaantropolo-gia,queéuma“ciênciasemiológica”,istoé,tratadesistemasdesignos.Éporissoquedevemanterumconstantediálogocomalinguística.Oselementosdomito,osmitemas,são,destamaneira,unidadesconstituti-vasdalinguagem,masdeumníveldecomplexidademaisaltodoqueodosfonemasemorfemas.NotemosqueparaLévi-Straussoqueimportanãoéabsolutamenteasignificaçãodomito,paraaquelesqueorecitamouescutam,masaorganizaçãológicadosmitemas,enãoosentidoquelhespossaseratribuídopelosBororôoupelosCaduveo.
b- A antropologia como experiência da diferença cultural
Pode-se qualificar a segunda das orientações de antropologia expe-riencial.Trata-seagoranãodeformularasleiseosmodelosdavidaemsociedade,masdereconstituiromaisfielmentepossíveloencontrocomhomens de cultura diferente. A subjetividade prevalece sobre a objeti-vidade. Esta antropologia toma a forma literária do relato de viagem,dodiário,dadescriçãodeumaaventuraexótica.Oetnógrafodescreveoscostumesdaspopulaçõesquevisita,interroga-sesobreosentidoquepossuem,compara-oscomoscostumesdeseuprópriopaís,manifestasuafascinação,suaindignação,seuespanto.
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O paradoxo é que esta antropologia fundamentalmente subjetivistatemseumaisaltopontodeexpressãoemTristes Trópicos,deLévi-Strauss,oqual,noentanto,recomenda,comoacabamosdever,umaposiçãoderetraimentoedeimpassibilidadenaanálisecientífica.Lévi-Straussnãofoiabsolutamenteoprimeiroaescrevernessegênero,queremontaaJeandeLery,7queelenãodeixadereivindicarcomoseupredecessor,masaoqualacrescentouumatonalidadeelegíaca.Enquantoosrelatosdeviagemsalien-tavamatéentãoacuriosidade,odeslumbramento,opavorouoespantosuscitadospelocontatocomospovosnãoeuropeus,éodesencantamentoqueprevaleceemTristes Trópicos.Aantropologiaexperiencialjáhaviaen-contradoseumodeloalgunsanosantes,comA África Fantasma (1934),deMichelLeiris.Quase todososantropólogos franceses sedeixaramtentarpelaliteratura,como,porexemplo,VincentDebaenesalientoucomrelaçãoaMarcelGriaule,8autordeumromanceetnográficopublicadonomesmoanodolivrodeLeiris.OprimeirotrabalhodeRogerBastidesobreoBrasilétambémorelatodaviagemdoantropólogoaoNordeste.9
Nessetipodeantropologia,éaparticularidadedo itineráriopessoalqueocupaolugarprincipal.Aantropologiaexperiencialseapresentaan-tesdetudocomoetnografia.OimportanteédescrevercomovivemaspessoasforadaEuropa.Aqui,nadademodelomatemático,dediagramadeparentescoouformalizaçãoestrutural,massimdescrições,relatos,im-pressõesregistradasnumalíngualiterária.Oconhecimentoantropológi-cosetransmiteporessalíngualiterária,peloestilo,pelaexpressãopoética.
c - A antropologia como estudo dos relacionamentos dinâmicos entre as sociedades
AterceiraculturatemorigemmaisrecentenaFrança,poissósurgedepoisdaSegundaGuerraMundial.Nãopodeserreduzidanemaotro-
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pismocientíficonemàinclinaçãopoética.Ditodemodoesquemático,aprimeiratendênciavisaouniversalhumano,enquantoasegundadescre-veumaexperiênciasingular.Aprimeirautilizamétodosformais(deriva-dosdasmatemáticasoudalinguística),asegundaoperacomaescritaealiteratura.ComRogerBastideeGeorgesBalandier,outraviaéexplorada.Não são as estruturas nem as experiências individuais que constituemoobjetodoconhecimento,masastransformaçõescontemporâneasdassociedadesafricanas,americanas,asiáticas,oceânicas.Asmodalidadesdadominação,suascondiçõesdeexercícioeseusefeitos,situadosbemnocentrodoquestionamentodeWeberedeMarx,reencontram-seaquiemprimeiroplano.Oantropólogonãosesituanemnonívelmaisabstratoeuniversaldasinvariantesestruturais,nemtampoucononíveldasinten-cionalidadessubjetivasmaisparticulares,masnodasrelaçõeshistóricasentreassociedades.
Sequisermosresumirempoucostermosatemáticacentraldestacor-rente antropológica, pensaremos certamente na situação colonial. Nosanos50,BalandierdescrevesuasmodalidadesnaÁfricacentral.BastidefazomesmonoBrasil.Asituaçãocolonialéprodutodeumadominaçãomilitar,política,econômicaecultural.Podeserconsideradacomoumfatosocialtotal,masnumsentidodiferentedaquelequeLévi-Straussatribuiaessaexpressão.Acolonização,efetivamente,seexercedemaneiraglobalnosterritóriosqueatinge,massetratadeumaviolênciageneralizadaenãodeumsistemaracionaloudeumaestruturaabstrata.Atotalidadenãoémaisconsideradacomosistemaestável,mascomoconfiguraçãoemmovimento,conjuntodeforças,dialéticaentredominaçãoecontestação.
Nos anos 60, uma antropologia marxista, representada não só porClaudeMeillassoux,mastambémporEmmanuelTerray10e,naquelepe-ríodo, por Maurice Godelier,11 desenvolve-se segundo princípios com-paráveis.Aquestão colonial ocupaposição central,mas é tratada com
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orientaçãomaiseconomicista.12Paraosantropólogosmarxistas,acolo-nizaçãoresultadaexpansãocapitalista.Meillassouxtambémseinteressapelas formas econômicas da dominação dentro mesmo das sociedadespré-coloniais,antesdequalquercontatocomaEuropa.Longedeseremtotalidadesharmoniosas,associedadesafricanasbaseiam-se,segundoele,nadominaçãodoshomens sobreasmulheres,dospais sobreosfilhos,dosmaisvelhossobreosmaismoços,dossenhoressobreosescravos.Aideia de que as sociedades pré-coloniais são sistemas institucionais, deacordocomopostuladoestrutural-funcionalistadeRadcliffe-Brown, éerrônea,poissãoorganizadasàbasederelaçõesdeproduçãoderivadosdaexploração.
A antropologia francesa contemporânea se originou dessas três cul-turas,masfoiafetadapormuitasperturbaçõesjáapartirdosanos60e70,décadasdoapogeudoestruturalismoedomarxismonaantropologiafrancesa.AFrançaperdeuquaseatotalidadedesuascolôniasnosanos60edepoisse“mundializou”,soboimpactodaimigraçãoedaintegraçãoacelerada do capitalismo mundial nos 80 e 90. Houve também fortesinfluênciasintelectuaisbritânicase,sobretudo,norte-americanasqueseexerceramsobreadisciplinaelheconferiramnovasorientações.
Paralelamente,aantropologiafrancesaliberou-sedecertatendênciaao“exotismo”.Apartirdaindependênciadascolônias,numerosospes-quisadoresvoltaram-separa terrenos europeus.Noprincípio tratou-sedeumaantropologiadomundorural.Masosantropólogosprogressiva-menteempreenderamoestudodeterrenosurbanos,abordando,muitasvezes,assuntosligadosà“altamodernidade”,como,porexemplo,Fran-çoiseZonabendpesquisandoaimplantaçãodaindústrianuclearnumaaldeiadaNormandia,13 ouMarie-ElisabethHandman,que,depoisdepesquisarsobreasrelaçõesentrehomensemulheresnaGrécia,passouàdescriçãodasformascontemporâneasdaprostituiçãoemParis.14Esses
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estudossãodiversose,ameuver,ocampodepesquisa“próximo”nãobastaparaassegurarsuaunidade.Sãotãovariadosquantoaspesquisas“exóticas”,namedidaemqueoacentoàsvezesrecaisobreasestruturasperenes, às vezes sobre as experiências subjetivas; ainda, outras vezes,sobreasmudançassocioculturaisnamodernidade.Éportantotratandoprimeiro da questão das orientações epistemológicas, mais do que doteatrodainvestigação,quemelhorentenderemosasformascontempo-râneasdaantropologiafrancesa.
II - A antropologia francesa atual
Comnãoapenasuma,mastrêsvertentesdeculturaerudita,aantropo-logiafrancesasebaseianumatradiçãocomplexa.Aindahojepodemos,apesar dos fatores de transformaçãoque já enumeramos, identificar asfiliaçõesdessastrêsculturas.Seaspesquisasantropológicassãoindubita-velmenteprodutosdoespírito,averdadeétambémqueseassentameminstituições.Temosportantodeconsideraroscentrosuniversitários–deensinoedepesquisa–deondeprovêmaspublicaçõesmaisimportantesdenossadisciplina.Nãosevaiaquidescreverexaustivamenteopanoramadaspublicaçõesfrancesas,masapenasproporcionarumaamostrarepre-sentativadaproduçãocontemporânea.16
a - A partir do estruturalismo
FoinoColégio de França,aoredordotitulardacátedradeantropo-logia,queseorganizouadescendênciadeLévi-Strauss,quepartiuparaa aposentadoria em 1980. O Laboratório de Antropologia Social, cujofundador foi Lévi-Strauss, é o lugar por excelência do estruturalismonaFrança.Mesmoseos trabalhosquevoucitaremseguidaseacham
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àsvezesemcontradiçãounscomosoutros,têmemcomumaopçãodecolocaram-senatrilhaabertapelaobradeLévi-Strauss,compredileçãopeloestudodoparentescoedasmitologias,objetosprivilegiadosdaan-tropologiaestrutural.
Aprimeiradissidênciaa sermencionadaéadePierreClastres,quefoi alunodeLévi-Strauss.Apartemais antiga de sua obra se situanasequênciadeseumestre.OrelatodoseuterrenoentreosGuayaki16fazecoaosTristes Trópicos deLévi-StrausseatranscriçãodosmitosecantosdosGuarani17convergeevidentementeparaasériedosMythologiques. 18MasClastresafirma,desdeosanos60,umpontodevistaoriginal,queseacentuacadavezmaisatéasuamorteprematuraem1977,segundooqualassociedadesprimitivassecaracterizampelarecusadosurgimentodoEstado.É a introduçãodaquestãopolíticano estruturalismo.ParaClastres,tudosefaz,nassociedadesarcaicas,paraevitarqueapareçaumpoderpolítico efetivo e separado.São sociedades semEstado,nãoporfalha,masporprudência.Devidoaumaespéciedepresciência,asocie-dadeprimitivaécontráriaaoEstado.19Clastresseopõeviolentamenteaoeconomicismomarxista.ParaelefoioEstadoqueoriginouocapitalismoenãooinverso.Apolêmicafoimuitoviva,aantropologiadeinspiraçãomarxistacensurandoClastres,bemcomoLévi-Strauss,porseremrous-seaunianistas, isto é,por reativaremomitodo“bomselvagem”.20Foradasuaetnografiaamericanista,quecontinuaaserumareferênciaimpor-tante,aposteridadedeClastresélimitadaouinexistentenaantropologiafrancesaatual,tendosofridoporcausadototalabandonodosistemadeoposições entre sociedades “primitivas” e sociedades “estadísticas”. Emcompensação exerceu notável influência, a partir dos anos 80, sobre afilosofiapolítica,demodoespecialnocasodeMarcelGauchet.21
FrançoiseHéritier,quesucedeuaLévi-StraussnacátedradoColégiodeFrança,continuouinicialmenteatrabalharnodomíniodosestudos
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dossistemasdeparentescoditos“semicomplexos”.Massuacontribuiçãomaisoriginalàteoriaantropológicaseexerceuemduasdireções:deumladoaidentificaçãodeumincestode“segundotipo”,22dooutrooreco-nhecimentodeumavalênciadiferencialdossexos.23
Oqueéoincesto?Pararesponderaestapergunta,Héritiernãoseli-mitaàdefiniçãousual,muitoestritaporqueconfinadaàsrelaçõessexuaisentreirmãoseirmãseentrepaisefilhos.Existenarealidadeumincestode“segundotipo”,afetandoosconsanguíneosquecompartilhariamummesmoparceiroequeéobjetodeumaproibiçãoespecífica.Destamanei-ra,éproibidoaumhomemseramantedeumamulheredafilhadesta,bemcomodeduasirmãs.Trata-sedeumaantropologiadastransferênciasdesubstância,umaespéciedelógicadoshumores,demecânicadosflui-doscorporais.
Seadivisãosexualdotrabalho,aexogamiaeaexistênciadeumafor-malegítimadeuniãoentrehomememulherconstituemastrêscolunasda família segundo Lévi-Strauss, Héritier formula a hipótese de existeaindaumaquarta:avalênciadiferencialdossexos.Asrepresentaçõesbi-náriasassociadasaosdoissexossãoassimétricasemproveitodoprimeirotermo,sempremasculino.Emúltimaanálise,doisprincípiospoderiamencontrar-se na origem desse desequilíbrio: a vontade dos homens decontrolaremareprodução,quebiologicamentelhesescapa,earealidadeorgânicadamenstruaçãoedoparto.Oshomenssãosenhoresdaemissãodosangueedoesperma,masasmulheresengravidameperdemsanguesempoderdedecisão.
NasequênciadostrabalhosdeFrançoiseHéritier,deve-semencionarosdeLaurentBarry,autordeumimportantetrabalhosobreoparentesco,publicadoemdataaindamuitorecente.24Éumavastasíntesedeantro-pologiadoparentesco,masé tambémumaobrabaseadanumatese:oparentescorepousasobreaoposiçãoentreidentidadeealteridade.Háos
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“nossos”ehá“osoutros”,portantodeumladoaspessoasquetêmalgumacoisaemcomume,dooutro,aspessoasquenadatêmemcomumcomas primeiras. Mesmo se não o quer aceitar, Barry continua próximo aHéritier.Paraesta,aidentidadeestábaseadanapartilhadamesmasubs-tânciacorporal,enquantoparaBarryorecursoaumrepertórioléxicoqueserefereaosfluidoscorporaiséapenasumadasmetáforasentreoutraspossíveis.Ametáforapodetambémreferir-seaumaentidadeespiritualconcebidacomoorigemdaidentidade(como,porexemplo,“somosto-dosfilhosdojaguar”).MasparaBarry,comoparaHéritier,aproibiçãodoincestovemdainterdiçãoabsolutadeacumularoidêntico.
Duasfortescríticascontraessaperspectivaseexprimiramentreospró-priospartidáriosdoparadigmalévi-straussiano.AprimeiraveiodeMauriceGodelier,25 autordeuma imponenteobra emantropologia econômica egrandeespecialistadosBaruyadaNovaGuiné.ParaGodelier,nãoháinces-todo“segundotipo”,comopretendeFrançoiseHéritier.Trata-seapenasdecasosextremosdoincestode“primeirotipo”.Alémdisso,Godelierformulasuastesesnoqueserefereaoparentesco.Aprimeiraéque,deumextremoaooutro,oparentescoéatravessadoporrelaçõessociais,políticaseeconô-micasquenãoseconfundemcomele.Ditodeoutromodo,“emnenhumlugarbastamumhomemeumamulherparafazerummenino”.Asegundateseéqueafamílianãoéabsolutamenteofundamentodasociedade.Asolidariedade socialnão éprodutodas relaçõesdeparentesco,pois estasdividem,nãomenosdoqueunem,osindivíduoseosgrupos.
EmmanuelDésveauxtambémseconsidera“lévi-straussiano”,masre-jeitao tratamento“substancialista”deHéritiereBarry.Oqueparaeleimporta,nãoéa substância,masa relação.Segundoele,oparentesco,pelomenosnaáreaculturalamericana,deveserpensado,deumpontodevistaresolutamentesemânticoeformal,apartirdamitologiaedesuastransformações.26EledesenvolveaideiadequeosegundoLévi-Strauss–
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osdasériedosMythologiques – operaumrompimentofundamentalcomopensamentofuncionalista,27massemquejamaistenhachegadoacom-pletarumretornocríticoa seuspróprios trabalhos sobreoparentesco.EnquantoGodelierdesenvolvesuacríticaemtommaterialista,adeDés-veauxacentuaosaspectosmaisabstratosdopensamentodeLévi-Strauss.
Terminemos com uma menção à obra de Philippe Descola,28 atualtitulardacátedradeantropologiadanaturezanoColégio de Françaedi-retordoLaboratóriodeAntropologiaSocial.Descolapropõeumaantro-pologiamaispróximadocognitivismoquedasciênciassociais,namedidaemqueosmodosdepensamento(asontologias)estariamnaorigemdosocial,enãoocontrário.Destemodoexistiriamquatroontologiasfunda-mentaisdistribuídasportodooplaneta,istoé,quatromodosdeencarararelaçãoentreohomemeanatureza.Algumasdessasmodalidadesforamanteriormenteindicadasnahistóriadaantropologia,masDescolaredefi-necompletamenteessesconceitos.Oanimismocorrespondeàatribuição,pelossereshumanosaseresnãohumanos,deumainterioridadeidênti-caàdosprimeiros,massemqueoscorpossejamtambémconsideradoscomoidênticos.Ototemismoérepensadocomoparticipação,aomesmotempomaterialemoral,entreoreinohumanoeoreinonãohumano,oshomenstendoparentescocomumaespécieanimalouvegetal,muitasvezesentendidocomooantepassadoprimordialcomumaogrupo.Se-gundo a terceira “ontologia”, onaturalismopostulauma continuidadematerial,masumadescontinuidadesubjetivaentreohomemeoambien-te.As concepçõeshumanas sãoprópriasdahumanidade,maso corpohumanoéfeitodeátomos,comotodoorestodomundo.Finalmente,opensamentoanalógicoatribuisentidosàscorrespondênciasentreosdoisuniversos,separadostantopelamatériacomopeloespírito.
Emborareconhecendoocarátermuitoestimulantedetalconstruçãoteórica,podemos,comJean-PaulColleyn,29 fazerpelomenostrêscríti-
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casaessaperspectiva.Aprimeiraserefereàheterogeneidadedasfontes.Senãosãoconfiáveis,queteoriapodeserobtidadetãovastasíntese?Asegundavisaaextensãodessasontologias.SeráquesetratadoqueLévi-Straussdenominavasistemassimbólicos?Seforocaso,comodecidirseumrito,umacrença,umaclassificaçãocorrespondeounãoaumaon-tologia?Ossistemassimbólicosseriamdefatotãosistemáticos?Pode-setambémquestionarseasquatroontologiasnãosãomaisinstáveisdoquepensaDescola.Surgemaindamaisdificuldadessesepensanahistoricida-dedassociedades.NaÁfricaasdistinçõesétnicassãoinstáveis,ospovostêmestadoemcontatocomoIslãhádezséculos,comoocristianismohácinco.Seráqueasontologiaspodemserinstrumentosexplicativosperti-nentesemlinhadiacrônica?30
Emsentidoinversoaodestaabordagem,tambémseconstróiumaan-tropologiaqueintegraresolutamenteadimensãohistóricaeprojetivadassociedadesqueestuda.
b - Antropologia dos mundos contemporâneos
Aumaantropologia“clássica”,queligaumacultura,umalíngua,umpovoeumterritório,foilargamentesubstituídaumaantropologiades-ligandoessasrealidades.Aideiaqueoantropólogoestudasistemasinte-grados,denaturezasocial,linguísticaesimbólica,seenfraqueceumarca-damentecomaconstataçãodastransformaçõesradicaisproduzidaspelacolonização,peladescolonizaçãoepelaintegraçãodospaísesdaÁfrica,daAmérica,daÁsiaedaOceanianocapitalismomundial,nacirculaçãogeneralizadademercadorias,pessoaseinformações.AsintuiçõesdeBa-landieredeBastideforamaprofundadasporalgunsdeseusestudantes.Dopontodevistainstitucional,oCentrodeEstudosAfricanosdaÉcole de Hautes Études en Sciences Sociales(EHESS),deParis,eoCentrodeAn-
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tropologiaCulturaldaUniversité Paris Descartes-Sorbonnesãooslugaresprincipaisdessaantropologiadefluxos,instabilidadeseinterpenetraçõesdecivilizações.
Nos anos 90, Marc Augé pretendeu fundar uma antropologia dosmundos contemporâneos,31 na sequência dos trabalhos fundadores deBalandier e de Bastide. Como fazer antropologia cultural, a partir domomento emque asdistinções fundamentaisdadisciplina (primitivo/evoluído, oral/escrito, tradição/modernidade, sociedade fria/sociedadequente)não têmmais sentidoalgum?Augépropõe trêsnovasorienta-ções.Três “novos”mundosmerecemserespecialmenteexplorados.Oin-divíduo,quea tradiçãodurkheimiana temtendênciaanegligenciarnaFrança.Asreligiõesafro-americanas(vodu,santeria,candomblé),natri-lhaabertaporBastideeporMétraux,quenosobrigamapensaraculturadeoutromodoqueemtermosdetotalidadehomogênea.Acidade,queéumacombinaçãode“lugares”ede“não-lugares”,conceitoelaboradoemtrabalhoanterior,destinadoacompreenderasupermodernidade.32
AdescendênciadeBalandiertambémseencontranostrabalhosquedesconstroem a noção de etnia e mesmo de “cultura”. A antropologiaclássica privilegia o estudo monográfico de comunidades locais. Jean-LoupAmselledesejarompercomessaabordagem“autoctonista”.33Oes-tudodoN’Koéparaistoumaboaocasião.Trata-sedeummovimentocultural,umaespéciede“profetismoescriturário”afro-central,emparteesotérico,nascidoentrepopulaçõesdeetniamandinga,masmuitodis-seminadoportodaaÁfrica.Pormeiodaanáliseantropológica,Amselleconstruíuumnovoconceito,ode“ramificação”,paramelhorentenderaglobalizaçãocultural.
Melhordoqueasnoçõesde“sincretismo”oude“mestiçagem”,quesupõem,oramais,oramenos,aexistênciapréviadeculturasestáveisehomogêneas,a“ramificação”permitepensaraglobalizaçãoemtermosde
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redesederivações.Nãohámaisculturas“puras”,todasassociedadessãoatravessadasporcorrentesdetrocasqueasultrapassam.Noutraspalavras,aglobalizaçãoestálongedeserumfatonovoe,decertamaneira,semprefoi(oudeveriatersido)overdadeiroobjetodaantropologiacultural.
AsinvestigaçõesdeFrancisAffergansobreasidentidadescrioulasde-monstramamesmadesconfiançaarespeitodascategorias“clássicas”daantropologia,comoclã,triboeatéparentesco,noçãoquepareceriabemfundamentadadentrodadisciplina.Nasociedademartinicana,estuda-dahámaisde30anosporAffergan,as identidadesconservamalgumacoisadetransitório,nãosendojamaisfixadasdeumavezportodas.34AoriginalidadedeAfferganconsistiuinclusiveemretomarumtrabalhodecampoprimeiroempreendidonosanos70.Aênfasesobreaincompletu-dedaidentidadecrioula,sobresuainstabilidade,sobreamovimentaçãoconstantedasformasdavida,émaisumapedranojardimexcessivamenteorganizadodaantropologiaà francesa (istoé,cartesianaeestruturalista).AcrescentemosqueAffergandesenvolvetambémumpontodevistateó-ricosobreadisciplinaantropológica,repensando-apormeiodafenome-nologia,dosegundoWittgensteinedateoriadorelato,bemdistantesdomodelodalinguísticaestrutural.
AsculturascrioulasdasAméricassãoportantoumterrenomuitofér-tilparaaantropologiadinâmica.Possaeumencionaraquimeustraba-lhossobreHavanaeNovaOrleans.35Nomesmoâmbito,otrabalhodeMichelAgieremSalvadordaBahiaétambémexemplodamesmaten-dência.36 Indobemalémdos lugares-comuns sobre a festabrasileira,osamba,amúsicaeadança,Agierestuda,comoantropólogo,ocarnaval,vistocomoummomentofestivoquedevesercompreendidoemrelaçãodinâmicacoma sociedadedentrodaqualacontece.Nosanos70, sur-giram grupos carnavalescos organizados (blocos) exaltando uma identi-dadeespecificamenteafro-brasileira,maisdoquenacionaloulocal.Em
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duas décadas, o carnaval da grande cidade do Nordeste assumiu umaideologia identitária“negra”,queparecesermaisdiferencialistadoqueintegracionista.Neste casopreciso,qual será a ligaçãoentre cultura epolítica?Noutraspalavras,comoseconstróiorelacionamentoentreomovimentosocial“negro”esuaexpressãopúblicafestiva?MichelAgieraprofundaessatemáticaentrançandotrêsfiosprincipais.Primeiro,vemoestudodacoexistênciaurbanadegruposeconomicamente,cultural-mente e “racialmente” diferentes. Em segundo lugar, deve ser objetodeanáliseespecíficaadialéticadaordemedadesordem,quepresidea organização do carnaval. Finalmente, o carnaval da “Roma Negra”revelaascontradiçõesentreaafirmaçãoidentitária“negra”eaprofundamestiçagemdasociedadebrasileira.
Antesdeencerrarestaseção,devemossemfaltamencionaraobradeumantropólogo“modernista”,emboratenhasidoalunodeLévi-Strauss.ÉMarcAbélès,cujotrabalhosesituanodomíniodaantropologiapolí-ticaenodaantropologiadamodernidadeocidental.Inicialmenteafrica-nista,MarcAbélèséautordeumaimportantesériedetrabalhos.Depoisde estudar oParlamento europeu (1992), empreendeuuma análise davida quotidiananaAssembleiaNacional francesa.37Ogrande interessedessaabordagemésuperaraimagemoficialquearepresentaçãopolíticaoferecesobresimesma.Oqueefetivamentefazemosdeputadoseuropeusefranceses?Taléaquestãoformuladapeloetnólogo,queseesforçaparacompreenderavisãodomundo,osvaloreseaspráticasdosrepresentantesdopovo.Estudandoaatividadedosdeputados,éorelacionamentodasociedadefrancesacomapolíticaeademocraciaquesequeratingir.As-simsedescobremos“arcanos”doPalácioBourbon,38omododeseredecomportar-sedospolíticos,dosmaismodestosatéoscaciquesqueatuamnopalcoounosbastidores.OexemplodoPACSilustraperfeitamente,39segundoadescriçãodoautor,ofuncionamentoda“fábricadeleis”,situa-
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danocoraçãodaatividadedaAssembleiaNacional.Olivro,alémdisso,éescritonaprimeirapessoadosingular,umpoucoaomododeumdiáriodeviagem.Eistonoslevaanossaterceira“cultura”antropológica,adaparticipaçãodoantropólogonumaexperiênciasingular.
c - Antropologia experiencial
Aantropologiaestruturalistaeaantropologiamarxista,quesecom-bateramasperamentenosanos60e70,apesardetudocompartilhavamcertospostuladosobjetivistas.Queriamporemevidênciaestruturasocul-tasouentãoestudarosmodosdeprodução,mas,emambososcasos,osentidoqueaspessoasdavamàssuasvidaseraobjetodedesprezoeassimtambémsetratavaorelacionamentoqueopróprioantropólogomanti-nhacomaquelescujaculturadescrevia.AetnografiainauguradaporLei-risnaÁfrica,continuadaporMétrauxnoHaitie,decertamaneira,porDeMartinonaItália,foimarginalizadanomundouniversitáriofrancês.ApublicaçãoemfrancêsdotrabalhoprincipaldeDeMartino,tratandodotarantulismonoSuldaItália,40em1966,ocasionouummal-entendi-do.Foiapresentadocomoo“Lévi-Strauss”italiano,masométodoqueadotavanãotinharelaçãoalgumacomoestruturalismo.Oqueimporta-vaaDeMartinoerademonstrarquea“crise”provocadapelapicadadaaranhaeseutratamentopeladançaepelamúsicanãoconsistiamnumenvenenamentoounumapatologiamental,maseramrespostasculturaisadificuldadesexistenciais.Àinvestigaçãoetnográficados“tarantulados”,DeMartinojuntavaumapesquisahistóricasobreatransiçãodainterpre-taçãocatólicadessa“possessão”aumainterpretaçãoterapêuticafornecidapalapsiquiatriamoderna.
Masessaantropologiaexperiencialnãodesapareceuereadquiriubri-lhocomoenfraquecimento,nosanos80,dadominaçãocientificistana
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disciplina.Ainfluênciacrescente,nessadécada,deCliffordGeertzedotextualismo,41 bemcomo,namesmadécada, a vogadopós-moderno,comcertezacontribuíram,naFrança,paraareabilitaçãodessa“cultura”.Dopontodevista institucional, tal tendência foiparticularmentebemrecebidanasuniversidadesdeLyonedeEstrasburgo.
Eistonãofoi,bementendido,umsimplesefeitodoacaso.Ainfluên-ciadeFrançoisLaplantine,emLyon,foicertamentedecisivanodesenvol-vimentodeumaantropologiaabertaàpsicanálise,aoestudodasemoçõeseaofluxodavida,bemcomoàliteraturaeaocinema.Essaantropologiaéparticularmentesensívelàsrelaçõesmaisínfimasentreaspessoas.42Maisdoqueàelaboraçãodeteoriaseconceitos,querendo“explicar”osfatossociais,éprecisoqueotrabalhoseconcentresobreaspequenasligações,asgraduaçõesminúsculas,osmicroacontecimentosquetecemasrelaçõesentreosindivíduos.Laplantinemarcaassimsuaoposiçãoaumaantropo-logia“monumental”,queesmagamaisdoqueesclareceaquiloquepre-tendeestudar.Nãomenosdoqueoobjetodeestudo,ométodotambéméoriginal.Elebusca,naliteraturaenocinema,afontedeumconheci-mentoquequalificade“micrológico”.PartindodasficçõesdeFlaubert,KafkaeTchekhov,dosfilmesdeBressonedeGodard,visaconstruiroconceito(oumelhor,o“deceito”)de“pequeno”.Querexploraro“modomenor”darealidadesocial,feitodeoscilações,murmúriosecochichos.Asligaçõesdiscretas,asassociaçõeslivres,osfragmentosdesentidoen-tramassimnocampodepesquisadaantropologia.
EmEstrasburgo,DavidLeBretontemdesenvolvidoumaantropolo-gia,emmuitospontos,afimàorientaçãodeLyon.Éumaantropologiadocorpoedasemoções.43Haveriaalgumacoisaaparentementemaises-pontâneaemaisnaturaldoqueasemoções?Noentanto,aafetividadeétambémcultural,comojádestacavaMarcelMaussnumensaiode1921,intituladoA Expressão Obrigatória do Sentimento.Nossomodode“sentir”
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e de “ressentir” é socialmente construído, não pode ser compreendidoforadorelacionamentodeumindivíduocomoutroindivíduooucomacoletividade.Asconvençõesquegovernamoódioouoamor,ociúmeou a alegria são afins às coerções linguísticas, ainda que não cheguema reduzir-se auma linguagemarticulada.A cultura afetiva é, por con-seguinte,paracadapessoa,umaespéciederepertórioaoqualcadaumrecorre,segundosuahistóriapessoalecircunstânciasconcretas.Noutraspalavras,temostodosnossopróprio“estilo”emotivo,quepodesempreserdecodificadoporoutros.
Estaantropologiatambémseinteressa,demaneiracentral,pelaex-periênciareligiosa.ElisabethClaverierealizou,nosanos90,umainves-tigaçãoalongotermosobreasapariçõesdaVirgemnaBósnia-Herzego-vina.44Em1981,aVirgemapareceuaseiscriançasdaquelepaís.Desdeentãoasapariçõesnãomaiscessaram,Medjugorjetendosetornadoumlugardeperegrinaçãoaoqualafluemmilharesdepessoas.Durantedezanos,ElisabethClaveriepesquisousobreoacontecimentooriginal,ten-do seguidoosperegrinos antes,durante edepoisdaguerradaBósnia(1991-1995).Paralelamente,efetuouumainvestigaçãoaprofundadaso-breapersonalidadedaVirgemtalcomoconcebidapelosPadresdaIgre-ja.FicouentãomaisfácildecompreendercomoaVirgempodeserin-terpretada,naCroácia,aomesmotempocomo“MãedaMisericórdia”,como“Guerreira”e“Anunciadora”.AetnografiadeClaverieé sempredeumagrandeprecisão,recusando-seabsolutamenteaemitirqualquerjulgamentosobrearealidadedasaparições.Aocontrário,esforça-separareconstituir as esperanças e expectativas dos peregrinos, seguindo ummétodocompreensivoradical.
Seguindoumaorientaçãomuitopróxima(ClaverieePiettepertencemambosaoGrupodeSociologiaPolíticaeMoraldaEHESS),citemostam-bémaobradeAlbertPiette,umsociólogodoreligiosoqueadotouum
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métododecididamenteetnográficonoestudodocristianismo.Amaiorpartedospesquisadorespartedeumahipóteseteórica,queseesforçamdeconfirmarpormeiodainvestigação.ÉoutraametodologiasugeridaporAlbertPiette.ElequerfazerumaetnografiaminuciosadasaçõesdecertoscatólicosdoOestedaFrança,seguindoosmenoresdetalhesdesuavidacultual.Aexplicaçãopelahistória,pelasestruturas,instituições,determi-naçõesemotivaçõessociaissãodeliberadamentecolocadas“entreparên-teses”afimdereconstituirosentidodarelaçãocomDeus,massemporissofazerteologia.Oquecaracterizaaaçãoreligiosaétornarpresenteumausente.Oetnógrafoéumautorentreoutros,aparecendomuitasvezesnas interações,massemnenhumareivindicaçãodeuma“objetividade”privilegiadaousuperioràdosoutrosindivíduos.
Destaquemosodesenvolvimentocontemporâneodaantropologiavi-sual,queconstitui,comorelatoeadescriçãofenomenológica,ummé-todoprivilegiadoparaaantropologiaexperiencial.Nadamelhorqueofilmeparamostraraemoçãoe,emparticular,aexaltaçãoreligiosa,apos-sessãoeotranse.Eésempreumasituaçãoparticular, localeconcreta,um acontecimento que é mostrado. Sabemos que Jean Rouch foi umpioneirodocinemaetnográficonosanos.Ofestivaldofilmeetnográficoperpetuasuaobra,todososanos,emParis.Esclareçamosqueaimagem(fixaouanimada)nãoexcluiotexto.Jean-PaulColleyn,45paraaÁfricaOcidental,bemcomoStéphaneBreton,46paraaNovaGuiné-Papuásia,estãoàfrentedeumaobradeantropologiavisualedeantropologiaescri-ta,utilizandooquecadarecursooferecedemelhor.
Conclusão: Rumo a uma nova definição da disciplina
Poderíamos estranhar, ao término deste percurso, a raridade das refe-rênciasàantropologia“estrangeira”naFrança.Oque,porexemplo,não
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sepoderiadizerdopesodasobrasdeMarylinStrathern,RoyWagner,JoanaOvering,AlfredGellouAnnetteWeiner?São,comcerteza,tra-balhosconhecidos,não é em torno deles (ou só raramente) que se articula na França o debate científico,comapossívelexceçãodeCliffordGeertznosanos80.Essestrabalhossãosistematicamente“canibalizados”pelasquestõesdemaiorinteressedocampointelectualfrancês.Estaéaforçae a fraquezada antropologia francesa. Sua longahistóriaplural (enri-quecidapelafilosofia,pelaliteraturaepelasciênciassociais)lhepermitemanterumdebatecentradosobresimesma,apesardoriscodeparecerfechadadentrodesimesma.
Seachamosquecontinuaahavertrêsculturasnaantropologiafran-cesa atual, como então podemos conceber a unidade da disciplina? Oquepodehaverdecomumaessastrêsorientações?Seráqueaindafor-mamumaúnicadisciplina?Emoposiçãoaqualquerdefiniçãodogmáticaeexclusivadaantropologia,continuopersuadidodequeháalgumacoisadecomumaessastrêsculturascientíficas.Éoquepodemostentarcom-preenderapartirdeLévi-Strauss48,cujaobracontinuacomcertezaaser“boaparapensar”,emparticularnadistinçãoqueelaborouentreetno-grafia, etnologia e antropologia.ParaLévi-Strauss, o objetivo supremodaciênciaéaantropologiageral,istoé,aconstruçãodevastosmodelosexplicativos,damaneiramaisampla,dopensamentohumano.Aetno-grafia,dentrodessaperspectiva,correspondeàprimeiraetapadotraba-lhocientífico:“observaçãoedescrição, trabalhodecampo(fieldwork)”.A etnologia éumaetapana rotada síntese antropológica.Aetnologiaintegraasinformaçõesrelativasagruposvizinhos,numaáreaculturalli-mitada(porexemplo,osÍndiosdaAméricadoNorte),ou,noutroscasos,exerceessaintegraçãocomreferênciaadadosdeumaúnicapopulação,considerandodiferentesmomentosdesuahistória,ou,ainda,efetuaumasínteseditasistemática,masrestritaaumsódomíniocultural,umtipo
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detécnica,decostumeoudeinstituição.Daetnografiaàantropologia,passandopelaetnologia,passamosportantodoparticularaogeral,pro-gredindonadireçãodeumconhecimentoglobaldohomempormeiodeumsabercadavezmaisabstrato.Entretanto,matizandoesseprojetodeumaciênciageraldohomem,Lévi-Straussesclareceumaspectoessencialdasrelaçõesentreetnografia,etnologiaeantropologia:
São,naverdade,trêsetapasoutrêsmomentosdeumamesmainvesti-gação,apreferênciaporumououtrodessestermosexprimindoapenasumaatençãopredominanteaumtipodepesquisaquejamaispoderiaexcluirosoutrosdois.(Lévi-Strauss,1958,p.413)
Éestaúltimaafirmaçãoquemepareceessencial.Astrêsculturasdaantropologiafrancesapraticamefetivamenteaetnografia,aetnologiaeaantropologia,masnãoasorganizamcomosugereLévi-Strauss.Naorien-taçãocientificista,oqueafinalsedesejaéenunciarleiseatingirasformasuniversaisquegovernamogênerohumano,osdadosdapesquisadecam-poeacomparaçãoetnológicaficandoaserviçodesteobjetivoúltimo.Naantropologiaexperiencial,édaetnografiaquesurgeoconhecimentodohomem.Podehavernela lugarparaumaantropologiaabstrata,massócomoreflexãosobreascondiçõesdepossibilidadedotrabalhoetnográfi-co.Porsuavez,aetnologiaselimitaacompararasexperiênciasdecampoconcretas,delastirandoliçõesparaapesquisalocalizada.Emcomparaçãocom o estruturalismo, as prioridades epistemológicas são invertidas. Aantropologiateóricaeaetnologiasãopostasaserviçodaetnografia.Fi-nalmente,aantropologiadinâmicainstauraumterceirotipodedialéticaentreessasatividadesepistêmicas,colocandoaetnologiacomoobjetivosupremodapesquisa.Osdadosdotrabalhodecampodevemservirparaalimentaracomparação,a teoriaantropológica servindoantesde tudo
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paraconstruirinstrumentospertinentesdecomparação,istoé,quenãosejamnemmuitoestreitos,nemmuitoamplos.Aantropologiadinâmicanãoseconcentranemnumaúnicaexperiênciadecampo,nemsepreocu-pacommodelosuniversais.Seuobjetivoécolocarotrabalhoetnográficoeateoriaaserviçodacomparação.Seráestudada,como,porexemplo,porBalandier,aurbanizaçãonaÁfricadoOesteeoseuequivalentenaÁfricacentral,refletindosobreascategoriasdecidade,campo,êxodoru-ralemigrações.
Ésobretudoporessaterceiraorientação,quesituaaetnologianocoraçãodadisciplina,quemeinclinoatítulopessoal.Masaunidadecontemporâneadaantropologia reside,nomeuentender,naarticu-lação–comacentuaçãoàsvezesmais fracaeàsvezesmais forteso-breumdessesmomentosepistêmicos–entreetnografia,etnologiaeantropologia. Para concluir, direi que é tendo bem consciência queesses trêsmomentos são igualmentenecessários, que a antropologiafrancesapoderáconservarsuafertilidadeemantersuainfluênciain-ternacional.
TraduçãodeRobertoMotta(UFPE)
Notas
1 Estetextoseoriginadaconferênciainauguraldocolóquio“França–Brasil,OlharesCru-zadossobreImagináriosePráticasCulturais”,realizadonaUniversidadeFederaldoCeará,de 23 a 26 de novembro de 2009. Desejo agradecer especialmente a Alexandre CâmaraVale,DomingosAbreueMarie-ElisabethHandman,bemcomoaosautoresanônimosdospareceresdaRevista de Antropologiaporsuapreciosaajuda.
2 EsseprêmioéatribuídopelaAcademiadeCiênciasMoraisePolíticas.DanSperber,cujaobrasesituanosconfinsdalinguística,dafilosofia,docognitivismoedaantropologia,foio
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primeirolaureado,em2009.3 ClaudeLévi-Strauss.Œuvres.Paris:Gallimard,BibliothèquedelaPléiade,2008.4 WolfLepenies. Les trois cultures. Entre science et littérature, l’avènement de la sociologie.Paris:
MSH,1997(1985).5 ClaudeLévi-Strauss.“Placedel’AnthropologiedanslesSciencesSocialesetProblèmesPosés
parsonEnseignement(LugardaAntropologianasCiênciasSociaiseProblemasColocadosporSeuEnsino)”incluídoemAnthropologie structurale,Paris,Plon,1958,pp.422-425.
6 ClaudeLévi-Strauss.“Lanotiondestructureenethnologie”,inAnthropologie structurale,p.332.7 JeandeLery.Histoire d’un voyage fait en la terre de Brésil,1578.8 VincentDebaene.“Les ‘Chroniques éthiopiennes” deMarcelGriaule.L’ethnologie,lalittéra-
tureetledocumenten1934”,inGradhiva,n.s.n.6,2007,pp.86-103.9 RogerBastide.Images du Nordeste mystique en noir et blanc (1945).Arles:ActesSud,1995.10 EmmanuelTerray.Le marxisme devant les sociétés “primitives”: deux études.Paris:Maspero,
1972.11 MauriceGodelier.Horizon, trajets marxistes en anthropologie.Paris:F.Maspero,1973.12 ClaudeMeillassoux.Anthropologie économique des Gouro de Côte d’Ivoire: de l’économie de
subsistance à l’agriculture commerciale.Paris:Mouton,1964.13 FrançoiseZonabend.La Presqu’île au nucléaire. Paris:OdileJacob,198914 Marie-ElisabethHandman.La Violence et la ruse: hommes et femmes dans un village grec.Aix
enProvence:Edisud,1983;Handman,Marie-ÉlisabethetJanineMossuz-Lavau.(orgs.).La
prostitution à Paris.Paris:LaMartinière,2005.15 L’Homme – Revue française d’anthropologie,fundadaporClaudeLévi-Straussem1961,foi
durantemuitotempoorientadapelopensamentoestruturalista.Masjáháumadezenadeanos, sob a direção de Jean Jamin, abriu-se consideravelmente às diferentes correntes daantropologiafrancesa.Oleitorpoderáconsultardiretamenteessarevista,paracompletarsuainformação.
16 PierreClastres.Chronique des Indiens Guayaki.Paris:Plon,1972.17 PierreClastres.Le grand parler – Mythes et chants sacrés des Indiens Guarani.Paris: Seuil,
1974.18 ClaudeLévi-Strauss,Mythologiques(4vol.).Paris:Plon,1964-1971.19 PierreClastre.La société contre l’Etat.Paris:Minuit,1974.20 Jean-LoupAmselle.(ed.). Le Sauvage à la mode. Paris:LeSycomore,1979.
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21 Gauchet,Marcel.Le Désenchantement du monde. Une histoire politique de la religion.Paris:Gallimard,1985.
22 FrançoiseHéritier.Les deux sœurs et leur mère – anthropologie de l’inceste.Paris:OdileJacob,1994.
23 FrançoiseHéritier.Masculin – Féminin – La pensée de la différence. Paris:OdileJacob,1996.24 LaurentBarry.La parenté. Paris:Gallimard,2009.25 MauriceGodelier.Métamorphose de la parenté.Paris:Fayard,2004.26 EmmanuelDésveaux.Quadratura americana – Essai d’anthropologie lévistraussienne.Genève:
Georg,2001.27 Esta ideia tambémestápresentenocampofilosófico,com,porexemplo,a interpretação
que faz Patrice Maniglier da obra de Lévi-Strauss (Le vocabulaire de Lévi-Strauss. Paris:Ellipses, 2002). O antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro considera que osMythologiquesabremocaminhoao“pós-estruturalismo”.ApublicaçãoemfrancêsdeseulivroMétaphysiques cannibales (Paris:PUF,2009)deverá fertilizar essedebate, sugerindoparalelamenteapossibilidadedeumaantropologiainspiradanafilosofiadeGillesDeleuzeeFelixGuattari.
28 PhilippeDescola.Par-delà nature et culture.Paris:Gallimard,2005.29 Jean-PaulColleyn.“Delamanièred’habiterlemonde”.AproposdePhilippeDescolaPar-
delà Nature et Culture.Critique,avril2006,n.707,pp.302-310.30 Pode-setambémleratranscriçãoporBrunoLatourdeumdebateapaixonanteentreDes-
colaeViveirosdeCastro,publicadoporAnthropology today (http://www.bruno-latour.fr/poparticles/poparticle/P-141-DESCOLA-VIVEIROS.pdf ).NotemosqueBrunoLatour,sociólogo das ciências, adquiriu grande notoriedade internacional. Mas seus trabalhossão pouco citados pelos antropólogos franceses, talvez porque dificilmente podem sersituadosdentrodeumaescoladepensamentobemdefinida.Latournãoquer sernemdurkheimiano,nemmarxista,nemestruturalista,nemdinamista…
31 MarcAugé.Pour une anthropologie des mondes contemporains.Paris:Aubier,1994.32 MarcAugé.Non-lieux – Introduction à une anthropologie de la surmodernité.Paris:Seuil,1992.33 Jean-LoupAmselle.Branchements – Anthropologie de l’universalité des cultures.Paris:Flamma-
rion,2001.34 Francis Affergan. Martinique, les identités remarquables, anthropologie d’un terrain revisité.
Paris:PUF,2006.
RevistadeAntropologia,SãoPaulo,USP,2010,v.53nº1.
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35 ErwanDianteill.Des dieux et des signes - Initiation, écriture et divination dans les religions afro-
cubaines,Paris:Editionsdel’EHESS,2000;La Samaritaine noire – Les Eglises spirituelles noires
américaines de La Nouvelle-Orléans,Paris:Editionsdel’EHESS,2006.36 MichelAgier.Anthropologie du carnaval, la ville, la fête et l’Afrique à Bahia.Marseille:Paren-
thèses,2000.37 MarcAbélès.Un ethnologue à l’assemblée.Paris:OdileJacob,2001.38SededaAssembleiaLegislativadaRepúblicaFrancesa.(Notadotradutor.)39OPACS(Pacte Civil de Solidarité)defineascondiçõesdevidaemcomumdeduaspessoas
quenãosãocasadasouque, juridicamente,nãopodemcasarumacomaoutra. (Notadotradutor.)
40 ErnestoDeMartino.La Terre du remords.Paris:Gallimard,1966.41 CliffordGeertz.Bali. Interprétation d’une culture.Paris:Gallimard,1984.42 FrançoisLaplantine.De tout petits liens.Paris:Milleetunenuits,2003.43 DavidLeBreton.Les passions ordinaires – Anthropologie des émotions.Paris:Payot,2004.44 ElisabethClaverie.Les Guerres de la Vierge – Une anthropologie des apparitions.Paris:Galli-
mard,2003.45 Jean-PaulColleyn.Boli.Paris:GourcuffGradenigo,2009.46 StéphaneBreton.Eux et moi (dvd).Paris:Artevideo,2005.47 ClaudeLévi-Strauss.“Placedel’anthropologiedanslessciencessocialesetproblèmesposés
parsonenseignement”(1954),inAnthropologie structurale.Paris:Plon,1958,pp.411-413.
ABSTRACT: French anthropologists are heirs of Claude Lévi-Strauss, inthe sense that he has defined a set of concepts, methods, paradigms theyaccept, transform or criticize. We can identify three epistemological trendsincontemporaryFrenchanthropology,allofwhomhaveaconnectionwiththe work of Lévi-Strauss. The first trend is inspired by structuralism, in itsintention to describe “universals”. The second one takes the opposite posi-tion,as itsmainobject is the interpenetrationofculturesandsocieties.Thethird is experiential: how can we describe our subjective relation to other-ness?These three trendsfindtheirorigin in the famousdistinctionbetweenanthropology,ethnologyandethnography,coinedoriginallybyLévi-Strauss.
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KEy-WORDS:socialanthropology,ethnography,epistemology,France,Lévi-Strauss.
Recebidoemjaneirode2010.Aceitoemabrilde2010.