aula 3 - aprofundamento conceitual sobre antropologia e cultura · 2020-03-27 · antropologia. tal...

23
Aula 3 - Aprofundamento conceitual sobre Antropologia e cultura Antropossociologia e Trabalho de campo Faculdade Piaget - Suzano - 1º semestre de 2020 Profº Me Antonio Gracias Vieira Filho

Upload: others

Post on 05-Apr-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Aula 3 - Aprofundamento conceitual sobre Antropologia e cultura

Antropossociologia e Trabalho de campo

Faculdade Piaget - Suzano - 1º semestre de 2020Profº Me Antonio Gracias Vieira Filho

Conceitos desta aula:

1. Estrutura social: as formas gerais pelas quais as sociedades e a mente humana se organizam;

2. Etnocentrismo: uma das principais práticas causadoras do preconceito, intolerância e extremismo;

3. Relativismo: uma solução metodológica e política contra atitudes discriminatórias e de repulsa à diferença.

1. Estrutura social

As imagens acima representam duas definições de estrutura social muito presentes nas ciências humanas. No primeiro caso, a ideia de que estrutura social e sociedade são praticamente sinônimos. No segundo, a associação entre estrutura social e estruturas mentais profundas dos seres humanos. Imagem 1: Leifern/CC BY-SA 3.0. Imagem 2: reprodução para fins educacionais.

Estrutura social [1]

Podemos entender a noção de estrutura social, inicialmente, quase como um sinônimo de sociedade. Isso inclui:● O Estado e a sociedade civil organizada;● As relações entre grandes grupos culturais (religiões, grupos

étnicos, grupos políticos, etc);● As divisões da sociedade, incluindo a estrutura de classes

sociais;● As normas e padrões de comportamento que regulam o

modo como os indivíduos e grupos devem agir;● As redes de relacionamentos entre agentes sociais.

Estrutura social [2]

No entanto, temos definições diferentes para o conceito de estrutura social a depender da teoria antropológica considerada. Para perceber um pouco dessa diversidade, vamos abordar dois cenários:

1. O conceito de estrutura no estrutural-funcionalismo inglês;

2. O conceito de estrutura para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, principal representante do estruturalismo na antropologia.

Estrutura social - Estrutural-funcionalismo [3]

O estrutural-funcionalismo inglês, escola antropológica de grande destaque entre as décadas de 1920 e 1950, dedicou enorme interesse a esse conceito. Autores como Malinowski, Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard trataram do tema. Nessa concepção, a estrutura é diretamente observável. As sociedades são vistas como grandes estruturas e estas são compostas de uma série de fenômenos sociais que também podem ser vistos como estruturas. Fazem parte da estrutura social maior (a sociedade), as seguintes estruturas menores: a estratificação social, as instituições, as normas, as relações de parentesco, o relacionamento entre os indivíduos, etc.

Estrutura social - Estrutural-funcionalismo [4]

Considerando o nome dessa escola teórica, estrutural-funcionalismo, vale dizer que seus autores enfatizavam os elementos de estabilidade, permanência e interdependência nas relações sociais que constituem uma sociedade/estrutura social.

A sociedade seria um sistema complexo dotado de coerência e funcionalidade e as práticas sociais cumpririam determinadas funções. Entre estas, a mais importante seria a de manter a própria coesão/unidade da sociedade ao longo do tempo.

Estrutura social - Estruturalismo [5]

O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908–2009) foi o grande representante da corrente estruturalista na antropologia. Tal abordagem obteve grande destaque entre os anos 1950-1960.

Lévi-Strauss percebeu o fato de que a humanidade está integrada em uma unidade psíquica. Isso quer dizer que partilhamos o mesmo instrumental básico de interação com a realidade - o mesmo cérebro.

Estrutura social - Estruturalismo [6]

Por termos o mesmo cérebro e, portanto, os mesmos mecanismos lógicos de entendimento do mundo, Lévi-Strauss passou a questionar se não existiriam estruturas mentais e culturais profundas que seriam comuns a toda a humanidade. Em outras palavras, ainda que as culturas possuam uma grande variedade de práticas entre si, as diferenças são limitadas pelo fato de compartilharmos o mesmo ordenamento lógico em nossa estrutura mental. Para fundamentar sua tese, o autor analisou manifestações de diferentes sistemas culturais, suas variações e, principalmente, elementos invariantes.

Estrutura social - Estruturalismo [7]

A esse arranjo profundo dos mecanismos de compreensão do mundo, que são compartilhados por toda humanidade, Lévi-Strauss deu o nome de estrutura. Trata-se, então, do modo geral de funcionamento do cérebro humano, elemento formador da unidade psíquica da humanidade. Conforme dito anteriormente, essa estrutura que todos os indivíduos e culturas compartilham manifesta-se em práticas culturais de presença praticamente universal na humanidade. O exemplo sempre citado é o do tabu do incesto: a proibição de cruzamentos consanguíneos e/ou de pessoas pertencentes ao mesmo clã/grupo social.

Estrutura social [8]

Comparando essas duas definições, notamos que:● A estrutura social definida pela tradição inglesa possui

concretude, pode ser observada de forma direta e tem sentido bem mais literal. A estrutura social confunde-se com a própria sociedade;

● Já a estrutura definida por Lévi-Strauss tem caráter mais abstrato. Ela não se materializa de forma clara e direta em uma organização social. Trata-se da estrutura psíquica compartilhada por toda humanidade e que organiza nossa forma mais básica de entendimento da realidade.

2. Etnocentrismo

Acima, o antropólogo James Frazer (1854-1941) e a Rainha Victoria (1819-1901, reinado entre 1837 e 1901). O primeiro é associado à escola evolucionista na Antropologia. A monarca, por sua vez, simboliza o apogeu do Império Britânico. A leitura evolucionista e etnocêntrica do mundo e suas diferentes culturas está ligada a essas duas figuras históricas. Fotos: 1933 e 1882, respectivamente, ambas de domínio público.

Etnocentrismo [1] - Como definir?

O etnocentrismo pode ser definido como a prática de avaliar hábitos, comportamentos e valores de outra cultura ou grupo cultural a partir dos elementos da própria cultura. Em outras palavras, seria o ato do indivíduo da cultura A de julgar elementos da cultura B a partir de seu próprio conjunto de práticas e valores culturais. De forma geral, a utilização desse mecanismo ocorre com o objetivo de diminuir/discriminar a cultura alheia e valorizar a própria. Embora seja uma atitude que a antropologia se esforça por superar, é um hábito relativamente comum: o olhar de estranheza - ou espanto - diante de costumes com os quais não nos identificamos.

Etnocentrismo [2] - Qual a história do conceito?O etnocentrismo na antropologia aparece em destaque na teoria evolucionista (final do século XIX até 1920) - a primeira grande escola claramente delimitada da disciplina. Os antropólogos evolucionistas, muitos britânicos (como E. B. Tylor e James Frazer), utilizaram ideias retiradas do evolucionismo biológico de Darwin para classificar diferentes sociedades em uma “ordem evolutiva”. A sociedade britânica do final do século XIX - local e período em que estavam escrevendo -, seria o ideal de civilização e, portanto, o ponto máximo de evolução das culturas humanas. Todas as demais, em uma escala de desenvolvimento, viriam em seguida e ainda deveriam evoluir para alcançar tal patamar. Essa é uma característica importante do etnocentrismo: a cultura do eu é sempre melhor que a do outro.

Etnocentrismo [3] - O que esse fenômeno pode gerar?

Tal modelo de classificação é problemático na medida em que cada sistema cultural possui regras e valores próprios, desenvolvendo uma lógica interna particular. Essa compreensão das diferenças e particularidades que envolvem cada grupo deixa claro que uma hierarquia de evolução entre culturas só pode ser fruto de uma atitude etnocêntrica - com resultados tão complexos quanto a xenofobia e o racismo. Malinowski, Boas e outros antropólogos funcionalistas e culturalistas indicaram que um bom antídoto contra o etnocentrismo é a prática da etnografia, com a observação direta e prolongada de outras culturas que não a do próprio pesquisador.

3. Relativismo cultural

A superação do evolucionismo cultural está ligada à análise relativista das diferentes culturas. Embora seja um conceito orientador de toda a Antropologia contemporânea, o relativismo deve muito à escola culturalista, com destaque para Franz Boas (1858-1942) e Ruth Benedict (1887-1948). Fotos: ca. 1915 e 1937, respectivamente, ambas de domínio público.

Relativismo cultural - Definição [1]

Trata-se da ideia de que as crenças, valores e práticas de uma pessoa ou grupo devem ser entendidos nos termos da cultura da própria pessoa ou grupo - ao invés de serem julgados levando em conta os critérios de um outro sistema cultural. Franz Boas pontuou que a civilização não é algo absoluto, mas sim relativo. Nossas ideias e concepções são verdadeiras somente até onde vai nossa [própria] civilização. BOAS, F. “Museums of Ethnology and their classification" in Science, número 9, p. 589, 1887.

Relativismo cultural [2]

O relativismo permite que tomemos contato, de forma equilibrada, com a imensa quantidade de variações culturais presentes na humanidade. Por equilibrada podemos compreender a atitude de perceber que cada uma dessas variações possui uma estrutura interna própria, com seu sistema particular de crenças e valores. Não podemos absorver seu real significado a menos que tomemos contato profundo com cada cultura - daí a importância da etnografia (trabalho de campo antropológico). Somente ao vivermos de forma prolongada entre nativos seremos capazes de entender suas dinâmicas próprias.

Relativismo cultural [3]

O relativismo como método. Qualquer entendimento da totalidade da humanidade precisa ser baseado na mais ampla e variada amostra de culturas quanto possível. Somente pela apreciação de uma cultura que é profundamente diferente da nossa poderemos compreender a extensão pela qual nossas próprias crenças e atividades são ligadas à nossa cultura, mais que algo natural ou universal. O relativismo cultural é fundamental porque chama a atenção para a importância da variação em qualquer amostra que é usada para fazer generalizações sobre a humanidade. [Baseado em BENEDICT, R. Patterns of Culture. Boston, Houghton Mifflin Co., 1959 [1934].

Relativismo cultural [4]

O relativismo pode ser útil como ferramenta para análise, em perspectiva, de nossa própria cultura. Ao invés de assumirmos nossas crenças como universais, podemos utilizar o conhecimento sobre outras culturas para reflexão sobre nossas próprias práticas. Assim:

(...) A antropologia pode servir como uma forma de crítica cultural para nós mesmos. Ao usar retratos de outros padrões culturais para refletir criticamente sobre nossos próprios modos, a antropologia rompe com o senso comum e nos faz reexaminar nossas suposições, que dávamos por verdadeiras. MARCUS, G. & FISCHER, M.M.J. Anthropology as Cultural Critique: The Experimental Moment in the Human Sciences. Chicago, Univ. of Chicago Press, 1986. P.1

Relativismo cultural [5]

Talvez a única generalização absolutamente certeira sobre a humanidade é a de que se trata de uma construção incrivelmente diversa.

Bibliografia

ERICKSON, Paul A. & MURPHY, Liam D. História da teoria antropológica. Petrópolis (RJ), Vozes, 2015 [2008].

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro (RJ), LTC, 2008 [1973].

GIDDENS, A. & SUTTON, P. W. Conceitos essenciais de sociologia. 2ª edição. São Paulo, Editora Unesp, 2017.

LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo (SP), Brasiliense, 2003 [1988].

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro (RJ), Jorge Zahar, 2001 [1986].

Muito obrigado por sua atenção!

Profº Me Antonio Gracias Vieira Filho

Contato: [email protected]

Visite: www.sociologiadagestao.com