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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃOEVENTO: Audiência Pública N°: 0562/03 DATA: 21/05/03INÍCIO: 10h16min TÉRMINO: 14h41min DURAÇÃO: 04h25minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 04h23min PÁGINAS: 86 QUARTOS: 53REVISÃO: Leine, Luciene Fleury, Maria Teresa, Odilon, Patrícia Maciel, VíctorSUPERVISÃO: Letícia, Márcia, YokoCONCATENAÇÃO: Márcia
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
RUBENS APPROBATO MACHADO — Presidente do Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil — OAB;LUÍS ROBERTO BARROSO — Professor de Direito Constitucional e de Defesa dos Direitos daPessoa Humana.
SUMÁRIO: Exposição e debate sobre a proposta de reforma da Previdência (PEC nº 40, de2003).
OBSERVAÇÕES
Há intervenção inaudível.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Havendo
número regimental, declaro aberta a reunião da Comissão de Constituição e Justiça
e de Redação da Câmara dos Deputados.
Vamos realizar hoje audiência pública para análise e esclarecimento de
dúvidas dos senhores integrantes da Comissão de Constituição e Justiça com
relação a aspectos da reforma da Previdência.
Antes de dar continuidade aos trabalhos, vou pedir silêncio e que V.Exas.
ocupem seus lugares, a fim de que tenhamos condições de nos concentrar nos
ensinamentos, opiniões e argumentos que os nossos convidados nos transmitirão.
Peço também que sejam desligados os telefones celulares. Sempre faço esse
pedido e sou desrespeitado, pois todo dia há uma sinfonia de celulares no plenário.
Considero impossível trabalhar com vários telefones celulares ligados ao mesmo
tempo e com pessoas lendo jornais. Acho isso um desrespeito às pessoas que aqui
comparecem. Desculpem-me, mas considero isso um menoscabo. Há lugares para
se ler jornal e se falar ao telefone celular, e não é este plenário, que considero o
mais nobre da Casa. Peço a todos a gentileza de atenderem ao meu pedido.
Em segundo lugar, peço à segurança que mantenha a porta fechada, sem
nenhuma proibição de entrada, mas que a pessoa entre e feche a porta, para que os
rumores de fora não nos perturbem. Aviso a todos que há mais lugares lá atrás.
Passo à leitura do expediente.
Discussão e votação da ata da reunião anterior.
O SR. DEPUTADO INALDO LEITÃO – Sr. Presidente, peço dispensa da
leitura da ata.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Submeto o
pedido do Deputado Inaldo Leitão à apreciação da Comissão.
Os Srs. Deputados que concordam com a dispensa da leitura da ata
permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Está dispensada a leitura da ata.
Em discussão a ata. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, em votação.
Os Srs. Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram.
(Pausa.)
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Aprovada.
Ordem do Dia.
Audiência pública sobre a reforma da Previdência.
Peço aos Deputados Inaldo Leitão, Antonio Carlos Biscaia, Juíza Denise
Frossard e Sérgio Miranda que conduzam à mesa os nossos convidados de honra:
Dr. Rubens Approbato Machado, Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do
Brasil, e Prof. Luís Roberto Barroso, Professor de Direito Constitucional no Rio de
Janeiro. (Palmas.)
Convido também o Deputado Maurício Rands, Relator do processo de
admissibilidade da reforma da Previdência, para compor a Mesa Diretora dos
trabalhos.
Em um acordo com os diversos signatários de requerimentos para a
realização de audiência pública e com os integrantes dos diversos partidos, a
Comissão de Constituição e Justiça, por consenso, estabeleceu a possibilidade
desta audiência pública sobre a reforma da Previdência contar com as ilustres
presenças do Dr. Rubens Approbato Machado, do Prof. Luís Roberto Barroso, do Dr.
Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, Advogado-Geral da União, e do Prof. José Afonso
da Silva.
O Prof. José Afonso da Silva encontra-se na cidade de Santos em um
seminário de professores de Direito Constitucional do México e do Brasil e declinou
do convite em função desse compromisso anteriormente marcado.
Ontem recebi, do Dr. Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, o seguinte ofício:
“Agradeço o convite, objeto do Ofício nº 149,
lamentando informar a V.Exa. que, em virtude de
compromisso oficial inadiável anteriormente assumido,
estarei impossibilitado de comparecer à audiência pública
marcada para o dia 21 do corrente. Solicito a V.Exa.
dispensa de tão honrosa incumbência, informando que
continuo à disposição desta Comissão”.
A partir daí, fiz contato com diversos Deputados da nossa Comissão sobre a
substituição de tais convidados para a audiência de hoje por personalidades do
mundo jurídico que pudessem prestar esclarecimentos, mantendo mais ou menos o
equilíbrio das propostas. Então, fiz contanto com o Prof. Romeu Bacelar, da
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Universidade Federal do Paraná, e com o Prof. Wagner Balera, da Faculdade de
Direito da PUC, de São Paulo. Vamos tentar fazer a complementação dessa
audiência amanhã.
Hoje, de manhã, telefonamos de novo para o Prof. Romeu Bacelar, mas S.Sa.
não tem condições de estar em Brasília amanhã para esta audiência. Eu orientei a
Secretaria da Comissão para procurar o Prof. Tércio Sampaio Ferraz, para verificar a
sua disponibilidade. Se houver possibilidade, será realizada a segunda parte desta
audiência pública amanhã de manhã.
Na nossa audiência de hoje, da mesma forma como procedemos ontem, a
exposição inicial de nossos ilustres convidados será pelo prazo de vinte minutos. Há
uma lista de inscrição numerosa. Depois, vamos conceder a palavra aos autores do
requerimento por cinco minutos. Serão os primeiros a fazer questionamentos na
busca de esclarecimentos. Em seguida, vamos até uma lista de dez. Terminada a
lista de dez, nossos expositores terão a possibilidade de dialogar com a Comissão
sobre os temas que forem levantados nesses questionamentos. Então, vamos a uma
segunda lista de dez, e assim sucessivamente, até quando Deus nos permitir ficar
em pé e com energia necessária para que o debate se dê com tranqüilidade.
Informo a todos que esta reunião está sendo gravada. Os argumentos aqui
expendidos serão considerados pelo Relator, como é de nossa tradição, e vamos
adiante.
O primeiro palestrante é o Presidente da gloriosa Ordem dos Advogados do
Brasil, Dr. Rubens Approbato Machado.
Passo a palavra a S.Exa., para suas considerações.
O SR. RUBENS APPROBATO MACHADO - Deputado Luiz Eduardo
Greenhalgh, meu estimado amigo, companheiro de longa data e grandes lutas;
Deputado Maurício Rands, Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, membro
do Conselho Federal, representante do Estado de Pernambuco; meu estimado
amigo Prof. Luís Roberto Barroso, com quem me sinto extremamente honrado de
poder participar desta Mesa; Sras. e Srs. Deputados, dentre os quais vejo grandes e
antigos amigos, todos com um semblante cada vez mais reforçado pela luta cívica
por um País melhor; meus queridos amigos presentes, meus cumprimentos a todos.
Estou com dois Conselheiros da Ordem, o Dr. Edson Ulisses de Melo,
Presidente da Comissão de Seguridade Social do Conselho Federal da Ordem, e o
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Dr. Renato Vianna, da OAB de Cuiabá, Mato Grosso, que representa aquele Estado
no Conselho Federal e é o Presidente da Comissão de Direitos Sociais.
Sinto-me extremamente honrado de poder vir a esta Casa, que é o símbolo
da democracia neste País, e a esta Comissão, composta de dignos representantes,
operadores do Direito, advogados, magistrados, magistrada e todos aqueles que se
dispõem a lutar por uma pátria mais solidária e mais justa.
Quero confessar que não sou um expert em Direito Previdenciário nem quero
ter a ousadia de sê-lo em Direito Constitucional, diante do Prof. Barroso, mas
gostaria de me apresentar e de falar como advogado e Presidente da Ordem, em
nome, portanto, dos advogados brasileiros.
Essa reforma é uma entre inúmeras outras que ao longo da história se
pretendeu fazer na Previdência Social. Essa vem, porém, com o respaldo de um
contingente eleitoral extraordinário, que mandou aos novos governantes a
mensagem de que queria mudanças. Não queria a mudança só dos personagens,
mas também do filme. Essa expectativa faz com que as medidas que promanam
deste novo Governo venham com o respaldo desse desejo de mudança estrutural.
Portanto, temos de recebê-las com muita atenção, dispensando a elas os melhores
dos nossos cuidados.
Mas me permito discordar, e tenho tido não sei se esse bom ou mau hábito, o
que creio que seja próprio do advogado. Quero discordar inicialmente da forma
como foi apresentada essa reforma. Diz-se, e ouvi muito, que ela foi muito discutida
antes de ser apresentada ao Congresso. Como se trata de uma reforma que envolve
conceitos jurídicos profundos, posso assegurar que não chegou à Ordem dos
Advogados sequer o convite para tomar conhecimento da proposta. Portanto, a
Ordem e os advogados não participaram da elaboração ou da discussão do tema.
Esta Casa, com seu caráter democrático, está abrindo espaço para que
discutamos, mas uma preocupação ainda maior que temos é saber se esta
discussão vai ter efeito ou se o pacote é fechado. Se o pacote for fechado, de nada
adiantará estarmos aqui discutindo, apesar de nossa vontade e de nossos esforços.
Espero que, no Governo democrático que se instalou neste País, dando
seqüência a uma reformulação do que ocorreu depois da queda do regime militar, as
discussões efetivamente possam surtir efeito e as matérias possam ser, naquilo que
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for possível, alteradas, modificadas, reestudadas ou reanalisadas. E, nesse ponto, a
Ordem coloca-se à disposição de V.Exas. (Palmas.)
Nesta Comissão discute-se o chamado juízo de admissibilidade, ou seja, não
discutiremos o mérito da reforma, o que certamente não me impedirá de fazê-lo se
for possível falar sobre isso.
Falaremos sobre os aspectos constitucionais para saber se essa reforma tem
condições de ser enfrentada no mérito, despojada de qualquer erro de
inconstitucionalidade.
Logo que entrei, fui abordado por algumas pessoas, inclusive por jornalistas,
que, certamente não tendo conhecimento jurídico, me perguntaram com certa
estupefação como poderíamos alegar que uma emenda que irá alterar a
Constituição pode ser inconstitucional. Respondi-lhes, com a modéstia que me é
permitida, que essa foi uma discussão doutrinária durante muito tempo e que o
Supremo Tribunal Federal acabou admitindo que emendas constitucionais podem
ser inconstitucionais, desde que ultrapassem os princípios fundamentais, os
chamados direitos supraconstitucionais, que não podem ser violados e a própria
Constituição originária determina que não podem ser modificados.
Ainda que o Constituinte altere a Constituição, ela estará sujeita à apreciação
pelo Supremo Tribunal Federal, a quem compete resguardá-la e afirmar se
determinada matéria é ou não inconstitucional. Esta Comissão existe para abordar
esses aspectos e analisar se determinada matéria é ou não constitucional ou pelo
menos se é matéria que poderá levar aquele Tribunal à discussão ampla que
envolva a sociedade. O Parlamento e esta Comissão vêm mantendo esses
cuidados.
Dentro desses princípios, quem irá falar sobre matéria constitucional será o
Prof. Barroso.
Gostaria de abordar rapidamente alguns pontos. Um deles diz respeito a
valores supremos de um Estado Democrático de Direito, ao pacto federativo e à
harmonia entre os Poderes. Portanto, qualquer tendência — e a lei fala em abolir,
ferir, afetar e de alguma forma fazer com que essa harmonia seja maculada — eiva
de inconstitucionalidade qualquer projeto de emenda constitucional que atinja esses
valores supremos.
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Surge o primeiro problema: a harmonia entre os Poderes. Devemos saber se
esse projeto atinge aquele Poder que não é temporário, eles não são eleitos e,
portanto, fazem parte do organismo permanente da Administração Pública, que é o
Poder Judiciário.
Em razão dessas modificações, os funcionários do Poder Judiciário serão
atingidos, assim como os seus membros participantes, os magistrados. Há
discussão se os proventos de inatividade sofrerão modificação, em decorrência da
aposentadoria, se será atingido algo fundamental na liberdade do juiz, não apenas
sua inamovibilidade, mas também a irredutibilidade de vencimentos e a vitaliciedade,
que está vinculada à irredutibilidade. Ao término da sua atividade, o juiz não deixa
de pertencer ao Poder Judiciário. Portanto, a diminuição dos vencimentos está
ligada à redução da vitaliciedade.
Dessa forma, essa matéria tem de ser extremamente discutida, no sentido de
saber se isso ofende ou não esses preceitos inderrogáveis. Na minha modesta
visão, entendo que sim. Entendo que efetivamente o Poder Judiciário será
emasculado. Mais do que isso, vai criar condições de redução de vencimentos, no
que se refere aos inativos, o que pode efetivamente ocasionar tendência a uma
desarmonia entre os Poderes e a uma violação do pacto federativo.
Há também um aspecto que, ainda que se diga en passant, altera uma
situação fundamental que está na Constituição: o quinto constitucional. O quinto
constitucional está previsto expressamente na Constituição e é formado de
advogados e de membros do Ministério Público. Os membros do Ministério Público
talvez não sintam os efeitos decorrentes dessa mudança, porque eles já se inserem
dentro do quadro de funcionários. O advogado, aquele que vem da sua atividade
privada e, portanto, está no Regime Geral da Previdência, com essa modificação
sofre uma simbiose de situações que vai torná-lo praticamente sem condições de
receber o mesmo tratamento que recebe o juiz de carreira, no que se refere aos
seus vencimentos e a sua aposentadoria. Isso é uma violação e, portanto, um
desestímulo que levará certamente — e posso dizer com muita tranqüilidade — à
desistência dos advogados, principalmente dos advogados mais antigos, de
postularem o quinto constitucional, degradando o Poder Judiciário, um dos Poderes,
e criando uma situação absolutamente não desejada pela Constituição.
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Feita essa rápida abordagem sobre o Poder Judiciário, quero também falar
um pouco sobre direitos adquiridos, não só em relação aos inativos, mas também
em relação aos próprios servidores em atividade.
No que se refere aos inativos, há um aspecto que me parece extremamente
relevante e que é um princípio fundamental da Previdência. Todos dizem que a
Previdência tem um caráter contributivo, e tem, mas tem também um caráter
eminentemente retributivo. Significa dizer que aquele que concorre com o custeio da
Previdência, o chamado beneficiário, concorre para poder ter uma retribuição. Essa
retribuição é exatamente aquilo que decorre da sua contribuição. Então, o
contributivo e o retributivo estão absoluta e indissoluvelmente ligados.
Na medida em que crio uma tributação em cima de determinado provento e
não há nenhum tipo de retribuição, não é mais contribuição previdenciária e,
portanto, fora do regime previdenciário; é criação de um imposto dentro da
Previdência, o que é absolutamente descabido. Se essa contribuição fosse para a
formação de um pecúlio futuro, ainda teria certo sentido, porque sou inativo, estou
recolhendo, mas vou ter um pecúlio no futuro, portanto, há uma retribuição. Na
medida em que recolho e não tenho nada no futuro, é absolutamente impossível
admitirmos como sendo válido esse tipo de contribuição.
Quero lembrar que a Ordem dos Advogados do Brasil, numa lei em
decorrência de uma reforma também previdenciária — dirão: mas é lei? —, foi ao
Supremo com uma ADIN, representada pelo meu antecessor, Reginaldo Oscar de
Castro, que subscreveu essa peça, que mereceu um voto do Relator, o qual foi
acompanhado pela totalidade dos membros daquele sodalício, no sentido de
demonstrar a inconstitucionalidade da tributação do inativo. Lá se faz referência
expressa não só à lei mas também aos princípios da Previdência, dizendo que ela,
independentemente da forma com que se faz, seja por lei, seja por emenda
constitucional ou o que for, viola o próprio preceito do que deva reger a Previdência
Social. Portanto, o inativo, sob esse aspecto, me parece que é incontroverso que é
inconstitucional, mas é escancaradamente inconstitucional quando afronta o art.
195, se não me falha a memória, inciso II, que proíbe taxativamente a tributação do
inativo.
Alguém vai dizer que é o inativo do Regime Geral. Se for verdade esse
argumento, aí viola o princípio da isonomia, porque se pessoas estão nas mesmas
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situações e dentro do mesmo sistema, o sistema geral de Previdência, não só o
celetista mas também o estatutário, alguém está amparado pelo art. 195, inciso II; o
outro alguém deixa de ser amparado. Então, é flagrantemente inconstitucional.
O que se percebe também nessa reforma é que no Regime Geral
praticamente existem as alterações que não afetam tanto os aposentados, porque
eles já estão muito afetados, mas, no que se refere ao servidor público, altera
profundamente. Até já li que quem está pagando a conta dessa reforma é o servidor
público.
Há outro problema que merece análise, e ouvi pouca gente falar sobre isso.
Vou-me permitir entrar numa seara não de terreno muito firme — e o Prof. Barroso
talvez me possa socorrer ou me devastar —, que é a chamada expectativa de
direito, ou seja, se pode ou não ser modificado o regime daquele que ainda não
atingiu o ato de consumação do seu direito à Previdência; se pode ser modificada a
sistemática.
De longa data venho pensando sobre isso e tenho usado um ensinamento
que aprendi na minha faculdade de Direito, em 1952 ou 1953, do Prof. Vicente Rao,
no sentido de que há determinados direitos que se adquirem sucessivamente. É o
chamado direito de aquisição sucessiva, não é uma mera expectativa de direito. Se
eu tenho determinado ato complexo em que preciso percorrer um espaço de tempo,
mas esse espaço de tempo vai chegar a um termo final, já estou integrado no ato —
não é uma mera expectativa do ato, mas já me entreguei ao ato —, e aquele
momento que regeu o ato é o que vai definir a minha posição ao termo do ato.
Então, o ato complexo não se perfaz, como o ato instantâneo, naquele exato
momento, mas sim ao longo do tempo.
Esse tempo é que vai criar o chamado direito de aquisição sucessiva, ou seja,
a cada momento que passa está-se incorporando no meu patrimônio aquele direito
ao qual já me submeti desde o início, vai-se acrescentando. Na hora em que ele se
acrescenta ao meu patrimônio, é direto adquirido sim, não é expectativa de direito,
porque não há uma mera expectativa de que vai acontecer. Vai acontecer! No
momento que assumi esse contrato, juntamente como outro contratante, que é o
Poder Público ou o poder previdenciário, ele tem de ir até o fim. Portanto, naquele
momento final é que vou reclamar os benefícios, mas isso não significa que não vou
ter os benefícios, porque já estão incorporados no meu patrimônio esse direitos.
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Trouxe um recente artigo do meu também querido amigo Saulo Ramos, que
trabalhou com o Prof. Vicente Rao, que traz o seguinte ensinamento do Prof. Rao:
“O direito sujeito a termo inicial é um direito
subjetivo perfeito, cujo início de exercício, entretanto, é
retardado até o vencimento do termo: não é direito
eventual, porque o decurso do tempo é certo e, pois, certa
também é a verificação futura do poder de exercício
inerente ao direito”.
Parece-me, dessa forma, que dizer que se trata de mera expectativa de
direito não tem respaldo.
Gostaria de ler também a seguinte decisão do Supremo, de que o Ministro
Celso de Mello foi Relator:
“Sem causa suficiente, não se justifica a instituição
— ou majoração — da contribuição de seguridade social,
pois, no regime de previdência de caráter contributivo,
deve haver, necessariamente, correlação entre custo e
benefício.
A existência de estrita vinculação causal entre
contribuição e benefício põe em evidência a correção da
fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem
benefício, nem benefício sem contribuição”.
No mérito, faz uma abordagem não só sobre os inativos, mas também sobre o
aspecto geral da Previdência, que inclui o aspecto de que o direito é de aquisição
sucessiva e não mero direito instantâneo.
Portanto, no aspecto constitucional, entendo que há profunda violação nessa
reforma quando atinge diretamente aqueles que estão em atividade. Alguém há de
dizer: e como fica a reforma? Se precisamos de uma reforma, e a situação
econômica e financeira do País a exige, como fica a reforma? Entendo que
efetivamente a reforma é necessária, o que não se pode é fazer uma revisão à custa
do sacrifício do direito. Na medida em que nós, por qualquer razão, principalmente
econômica, violarmos o direito, abrimos caminho para o desfazimento do Estado
jurídico, do Estado de Direito. Essa é uma observação que me parece importante.
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Há outro aspecto que também gostaria de mencionar. Tenho tanto para falar,
mas não sei como está meu tempo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Como disse,
V.Sa. tem do Presidente da Mesa o temor reverencial. Já esgotou o tempo, mas lhe
será concedido o tempo necessário para suas conclusões. Há dois palestrantes.
Temos um pouco mais de tempo. Não há problema algum. Dr. Rubens, vou
conceder-lhe mais dez minutos.
O SR. RUBENS APPROBATO MACHADO – Muito obrigado. Tentarei ser
breve.
Outro aspecto que me parece violado é o princípio da paridade, estampado
na Constituição, nos §§ 1º e 9º do art. 201, no parágrafo único do art. 194 e no inciso
II do art. 195. As modificações periódicas, que poderiam ser feitas a cada ano, a
cada semestre, a cada dia, criam situações diferentes no mesmo regime de
pessoas, de forma diferente. Portanto, criam situações absolutamente conflitantes.
Em meu entender, criam entre os beneficiários categorias diferentes, violando,
assim, também o princípio fundamental da isonomia.
Há um dispositivo na emenda que me chamou a atenção, no ponto da
paridade, não lembro exatamente qual é o artigo, quando fala da pensão que
beneficia o valor dos proventos do servidor falecido — parece-me que é o art. 15 ou
o 16, ou revoga o art. 16, ou coisa semelhante, e altera o art. 40, se não me falha a
memória. Muita gente está dizendo que vai passar a ser de 70%. Não é isso o que
diz o artigo, que deve ser lido como está escrito. Ele diz: "até 70%" — até. E diz
mais: com essa modificação do § 15, não é mais a lei complementar que vai
estabelecer as condições; quem vai estabelecê-las é a lei ordinária, ou seja,
modifica-se o quorum. Significa que qualquer lei ordinária pode, a qualquer
momento, dizer que naquela situação são 70%, na outra são 60%, na outra são
30%, na outra são 10%, na outra são 5%, porque diz “até”. Com isso, pode-se violar
também princípio que me parece fundamental: o princípio da paridade.
Há outro dispositivo em relação ao qual vou até me socorrer do professor
Barroso, porque não ouvi ninguém falar do assunto. Trata-se do art. 11 desta PEC,
que manda aplicar o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias — ADCT, que desconstitui a invocação de direitos adquiridos nas
vantagens percebidas em desacordo com o texto constitucional.
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Na noite passada fiquei pensando nesse artigo e concluí que se trata da
ressurreição de Lázaro. A disposição transitória é da Constituição de 1988 — tem 15
anos, portanto — e tinha endereço específico, por ser uma nova Constituição. Não
era uma Constituição derivada; era nova, rompia com o sistema jurídico institucional
anterior e, portanto, poderia fazer tudo. O art. 17 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias diz que se está mudando direito adquirido eles não
poderão ser alegados. Assim sendo, ninguém poderia alegar direito adquirido de um
regime anterior que havia sido rompido pela Constituição de 1988. Ela se esgotou
em si mesma. Agora a PEC diz que vai aplicar também o art. 17, ou seja, o
Constituinte derivado vai usar a disposição de uma Constituição que rompeu com a
situação anterior como se o Constituinte derivado pudesse romper também dizendo:
“Olha, não há direito adquirido por força daquela discussão”. Em minha visão, meu
querido Barroso, é o renascimento de Lázaro. Um texto morto, que deixou de existir,
renasce dessa forma. A mim me parece que efetivamente se faz necessária uma
análise profunda do tema.
Eu me permito também, ousando entrar em seara que não é minha, pois já
não se trata de constitucionalidade, dizer que a grande causa da reforma,
inegavelmente, é o problema do déficit. E quanto a déficit eu já ouvi tudo. Ouvi
informações oficiais de que há grande déficit e ouvi informações oficiais de que há
grande superávit. Eu, pelo menos, tenho dados aqui de que, em 1998, houve
superávit de 7 bilhões; em 2001, de 31 bilhões; em 2002, de 36 bilhões. Mas ouvi
também o Ministro da Previdência dizer que há déficit de cento e tantos bilhões.
Quando, em meu manifesto dirigido à Nação, logo no início da discussão,
disse que era necessário abrir a caixa preta da Previdência era exatamente por isso.
O povo quer saber com transparência o que está acontecendo. Se as fontes oficiais
dão indicações diferentes, alguma coisa está errada: ou as informações ou quem dá
as informações. O que queremos saber é o que está acontecendo na Previdência.
Como está o sistema geral, apesar de situações de não-ingresso de recurso na
Previdência, do atendimento, por exemplo, a benefícios de natureza social, dos
pagamentos dos trabalhadores rurais, dos pagamentos da renda mínima vitalícia,
das renúncias, do desemprego, da informalidade, das dificuldades administrativas de
cobrança, das fraudes, da sonegação, da inadimplência. Tudo isso nós queremos
saber. Apesar de tudo isso, ainda se fala em superávit.
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Agora estamos colocando a reforma como sendo ad terrorem: se não for feita,
o País quebra. O que me parece, sim, é que há um descompasso no que se refere à
Previdência em decorrência de problemas muito antigos, nos quais o servidor não
teve nenhuma participação, e ele é quem vai pagar o pato. Realmente, no que se
refere à contribuição, nos Governos Estaduais — principalmente nos Estaduais — e
também no Governo Federal, no que tange ao servidor, não há contrapartida,
porque os governos pagam, mas também não contribuem. Há esse descompasso,
porque a reforma, que se pretende geral, é, na verdade, tópica: para resolver o
problema de caixa do Poder Público. Esta é a minha visão: realmente isso pode
acontecer.
Aí se pergunta: quem ganha e quem perde com a reforma? Parece-me que,
com toda a vênia — que Deus me ilumine se estiver equivocado —, quem ganha é o
setor financeiro, com a privatização da Previdência. (Palmas.)
Tenho em meu escritório pilhas da minha previdência privada complementar
do Montepio da Família Militar e as ofereço a quem quiser, de graça. Alguém já me
disse que agora será o Governo quem fará a previdência privada. Então, não
entendi. Se é o Poder Público que vai fazer, não é previdência privada. E se for o
Poder Público, que já se confessa — quero deixar claro que o problema não é do
Governo de hoje; já é crônico — sem condições de administrar a previdência própria,
como vai administrar a previdência privada? Parece-me que realmente há um
grande equívoco. Quem perde? Perde o servidor público. (Palmas.)
O servidor público ingressou em um regime pelas perspectivas e problemas
daquele regime e, de repente, dizem que não valeu nada e que hoje é diferente.
Com isso, vamos ter um problema muito mais grave, a chamada antecipação de
aposentadorias. O Poder Público forma seu funcionário, dá-lhe condições
intelectuais e tecnológicas. Depois de certo tempo, tem um funcionário graduado
que poderia devolver ao País o que recebeu. Porém, ao receber a notícia de que
não tem mais isso, o funcionário vai correr. E vai correr desenfreadamente no
sentido de uma aposentadoria, como aconteceu na vez passada.
No Tribunal de Justiça do meu Estado houve verdadeira corrida, que
desestruturou aquele órgão. Isso vai acontecer nas universidades, em que
professores do mais alto calibre e do maior interesse para esta Nação vão
aposentar-se.
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Acho que é o momento de discutirmos a reforma, que é necessária e urgente.
É necessária para evitar que este País realmente quebre, mas vamos abrir a
discussão, e não receber um bolo fechado, que não possa ser tocado. É a isso que
a Ordem se propõe, para isso que se oferece e é o que a Ordem pretende: dar o que
há de melhor de seus quadros. Temos quadros extraordinariamente agigantados no
conhecimento: professores de Direito, mestres em matéria previdenciária. Estamos
abertos para tudo aquilo que for necessário, mas queremos que nos ouçam, que
haja diálogo e que realmente, se for o caso, se altere a proposta, e não receber um
prato feito, dizendo que foi discutido conosco — e não se discutiu —, que o prato
está feito e quem estiver contra está fora.
Permitam-me dizer que a Ordem dos Advogados do Brasil quer, sim, o melhor
para este País e, portanto, se põe à disposição, como sempre se pôs.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Muito obrigado,
Presidente Rubens Approbato. São valiosas as suas contribuições. Cada dia mais, é
um orgulho para quem é advogado militante falar da Ordem dos Advogados do
Brasil. Ao longo da história, a Ordem sempre desempenhou papel de defesa da
democracia. Foi assim durante o regime militar, foi assim no processo de anistia, foi
assim no processo constituinte e será assim. Muito obrigado a V.Sa. pela gentileza
do atendimento e pela franqueza com que tratou dos assuntos.
Vamos adiante. São 11h03min.
Passo a palavra ao Prof. Luís Roberto Barroso, que disporá do mesmo tempo
— 33 minutos — para suas considerações. Desde já lhe agradecemos o
atendimento do convite.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO – Exmo. Sr. Deputado Luiz Eduardo
Greenhalgh, Presidente desta Comissão, Srs. Deputados, tenho muito prazer em
estar aqui e em partilhar com V.Exas. algumas idéias e reflexões sobre a reforma
previdenciária. Tenho a companhia honrosa do Dr. Rubens Approbato, Presidente
da Ordem dos Advogados do Brasil, que em sua gestão, independentemente de
Governo, tem colocado a OAB onde deve estar, ou seja, fazendo papel de
consciência crítica jurídica do País.
Hoje em dia já está totalmente superada a crença de que a interpretação
possa ser algo neutro ou imparcial. Na moderna interpretação constitucional, todos
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reconhecem que há um papel desempenhado pelo intérprete, com sua
subjetividade, com sua discricionariedade. Por que assim é? Porque o intérprete não
é neutro nem imparcial. A moderna compreensão do Direito Constitucional exige que
o intérprete decline, como dever de honestidade intelectual e ideológica, qual é seu
ponto de observação.
Portanto, gostaria de compartilhar com V.Exas., no primeiro momento, meu
ponto de observação, minha prévia compreensão do assunto, que significa que tipos
de fatores do mundo real condicionam o modo como vejo o problema; como o
intérprete constitucional vê o problema.
A mim me parece que a reforma previdenciária deve envolver dois parâmetros
importantes. Em primeiro lugar, o sistema previdenciário brasileiro é extremamente
injusto e extremamente desigual. Isso é indiscutível. Pior do que injusto e desigual, o
sistema de previdência social brasileiro é concentrador de renda. Pior ainda: o
sistema previdenciário brasileiro envolve solidariedade às avessas. É um sistema
pelo qual os mais pobres financiam a previdência dos mais ricos. Este é o modelo
que vigora no Brasil: modelo em que são os tributos gerais que vão acudir o
pagamento da Previdência Social, e não a contribuição.
Neste exato momento não estou discutindo culpas; estou apenas
diagnosticando. No modelo atual, os mais pobres financiam a aposentadoria dos
mais ricos. É importante não perder isso de vista. Acho que este é o primeiro
parâmetro que tem de ter quem pretende fazer um país decente para nossos filhos e
não apenas pensar nas próprias circunstâncias, que, todavia, não são
desimportantes.
Além de reconhecer que o sistema é injusto e perverso, outro parâmetro é
reconhecer que se deve respeitar não apenas a Constituição e os direitos
adquiridos, porque isso é óbvio, mas também fazer uma transição ponderada, que
nem seja indiferente nem prepotente em relação às legítimas expectativas das
pessoas.
Penso que estes são os dois parâmetros que se deve ter em conta na
interpretação desta ousada e importante proposta de reforma previdenciária: de um
lado, a percepção de que o sistema é cruel; de outro, a noção de que não se deve
ser prepotente ou indiferente em relação às expectativas das pessoas. Não falo de
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direitos, mas de expectativas, porque o Estado também tem o dever de agir com
boa-fé.
Estabelecidas essas duas premissas filosóficas, deve-se considerar certo
conceito doutrinário — fará bem às pessoas presentes compartilhar algumas
reflexões. Não estamos no domínio das certezas plenas ou das verdades absolutas;
estamos no domínio das idéias. Portanto, nada do que estou falando aqui é de
cátedra ou axiomático. É o modo como vejo a questão dos direitos adquiridos.
É preciso ter em conta que a situação dos direitos adquiridos no Brasil é sui
generis. O Brasil é um dos poucos países que constitucionalizou a proteção dos
direitos adquiridos. Na maior parte dos países o direito adquirido é tratado em plano
infraconstitucional. No Brasil, o assunto é tratado no plano constitucional e constitui
direito individual — art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição:
“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada”.
O direito individual é protegido pela denominada cláusula pétrea, limitação
material ao poder de emenda constitucional. Portanto, nem mesmo uma emenda
constitucional — com o devido respeito por quem pense diferente — pode retirar um
direito adquirido. Ele só pode ser retirado pelo poder constituinte originário. Esse é o
conhecimento convencional na matéria.
No Brasil, ao contrário do que ocorre na maioria dos países, direito adquirido
é um conceito constitucionalizado e, conseqüentemente, só pode ser suprimido por
um poder constituinte originário. No caso brasileiro, a interpretação do conceito de
direito adquirido não pode ser totalmente inflexível e cerrada, porque, se assim o for,
qualquer modificação de situação de fato exigirá a convocação de um poder
constituinte originário. Não há país que sobreviva estavelmente se, a cada situação
nova, for preciso convocar poder constituinte originário, momento de grande
mobilização e freqüentemente traumático na vida de um país.
Sendo assim, a conceituação do direito adquirido tem de levar em conta dois
parâmetros: é inconstitucional, é imodificável, mas é preciso que a interpretação não
inviabilize o avanço social ou qualquer tipo de avanço no País.
Estabelecidas essas premissas, cumpre observar que o direito adquirido não
está conceituado na Constituição. Há uma definição infraconstitucional no art. 6º da
Lei de Introdução ao Código Civil, que, no entanto, não é de grande utilidade. A
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doutrina toda, por consenso, oferece um bom conceito do que seja direito adquirido:
é aquele que nasceu e se incorporou ao patrimônio de uma pessoa sob a vigência
de determinada lei. Conseqüentemente, tendo sido adquirido, não poderá ser
afetado por uma lei superveniente. Direito adquirido implica, portanto, que uma lei
nova ou uma emenda constitucional nova não pode retroagir para retirar do
patrimônio de qualquer pessoa o que tenha sido legitimamente adquirido.
Para concluir a parte teórica, quero citar um exemplo que ilustrará o modo
como, a meu ver, se deve tratar a questão. Há três figuras importantes: a figura do
direito adquirido e as duas situações que dela devem ser extremadas — a
expectativa de direito, de um lado, e o direito consumado, de outro.
A expectativa de direito é o fenômeno pelo qual o fato necessário à aquisição
de um direito já começou a ocorrer, mas não se completou quando sobrevém uma
lei nova. A expectativa de direito não tem proteção constitucional. Portanto, o fato
aquisitivo já começou, mas não se aperfeiçoou. O Direito Constitucional não protege
a pessoa nessa situação.
No outro extremo está o direito consumado. Neste caso, o fato aquisitivo do
direito já se completou, os efeitos da norma já se produziram, e o bem já está
incorporado definitivamente ao patrimônio da pessoa.
Essas duas situações extremas normalmente não oferecem dificuldades. A
dificuldade surge com o direito adquirido, situação em que o fato necessário à
aquisição do direito já se completou, mas os efeitos ainda não se produziram. É
nesse caso que a Constituição protege os efeitos que ainda não se produziram da
incidência da lei nova. Logo, o direito adquirido pressupõe fato gerador completo no
advento da lei nova. A meu ver, esse é um conceito técnico aceito pela doutrina de
maneira generalizada.
Pois bem, vejam um exemplo que ilustra essa hipótese. Quando a Emenda
Constitucional nº 20 estabeleceu a idade mínima de 60 anos para a aposentadoria,
com a regra de transição para a idade de 53 anos, suponho que tenha havido as
seguintes situações: primeira, uma pessoa com 50 anos de idade já aposentada
tinha um direito consumado. Não era possível a emenda desaposentá-la. Segunda
situação: uma pessoa com 50 anos de idade, portanto, inferior à prevista na
emenda, e 35 anos de serviço que ainda não se havia aposentado. Essa pessoa tem
direito adquirido, porque já preencheu as condições necessárias para exercer o
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direito, apenas não o exerceu. Terceira: uma pessoa com 40 anos de idade e 25
anos de serviço que contava com a possibilidade de se aposentar dali a 10 anos,
aos 50 anos de idade, portanto, com 35 anos de serviço. Essa pessoa não tem
proteção constitucional. Pode haver uma discussão política, uma disputa sobre o
que é mais certo ou menos certo, o que é mais conveniente ou menos conveniente,
mas tecnicamente não há, na última hipótese que referi, direito adquirido.
Creio que essas sejam as noções conceituais importantes.
Quando instituiu a regra de transição para a idade de 53 anos, a Emenda
Constitucional nº 20 tomou uma decisão política. Se não a tivesse estabelecido, ela
seria igualmente válida.
Sr. Presidente, estabelecida essa noção básica de direito adquirido,
pressuposto dos outros temas com que trabalharemos, gostaria de falar também da
contribuição dos inativos.
Preciso dizer a V.Exas. que ninguém me convocou a vir aqui para saber
minha opinião política. Estou fazendo uma análise do ponto de vista constitucional.
Talvez meu papel nesta Comissão seja um pouco diferente do papel do eminente
Presidente Rubens Approbato, que preside uma instituição que tomou posição em
relação à matéria. Estou fazendo uma análise tão técnica quanto possível, apenas
registrando que eu, da mesma forma que qualquer pessoa, trabalho sob
pressupostos políticos, que foram os dois que estabeleci no início da exposição.
Permitam-me registrar a presença do Presidente Michel Temer. É um prazer
tê-lo aqui.
A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, introduziu o modelo contributivo no
Brasil. A partir daí, a Previdência Social do Servidor Público passou a ser fundada
num modelo de contribuição, depois sobreveio a lei. Na vigência dessa emenda,
diversos Estados da Federação criaram contribuições previdenciárias sobre ativos e
sobre inativos. A matéria foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que, na vigência
da Emenda nº 3, considerou — em juízo cautelar, é verdade, mas em mais de um
precedente — válida a cobrança de contribuição de inativos. Repito: o Supremo
Tribunal Federal, por maioria expressiva, em dois precedentes, pelo menos,
entendeu que a contribuição podia ser cobrada dos inativos. O voto vencido na
matéria foi do eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Marco
Aurélio, que na ocasião sustentou o ponto de vista — não explicitou a expressão
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direito adquirido, mas, a meu ver, é o que está implícito em sua argumentação — de
que haveria direito adquirido à não mudança do regime.
Portanto, quem passou para a inatividade sem que incidisse contribuição, não
poderia vir a ter de pagá-la depois de aposentado.
A posição do Ministro Marco Aurélio, respeitável por sua autoridade moral e
intelectual, não corresponde, todavia, à posição majoritária do Supremo Tribunal
Federal, que acompanhou o voto do Ministro Octavio Gallotti, segundo o qual
ninguém tem direito adquirido de não ser tributado. Portanto, se é um tributo, ele
pode incidir indistintamente sobre as múltiplas categorias. Foi acompanhado de
modo expresso pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Os demais Ministros não
explicitaram o voto, mas todos aderiram à posição do Ministro Octavio Gallotti.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal entendia, de maneira pacífica, salvo
voto vencido do Ministro Marco Aurélio, que não havia inconstitucionalidade na
contribuição dos inativos. Sobreveio a Emenda Constitucional nº 20, que mandou
aplicar ao regime previdenciário dos servidores públicos o regime geral da
Previdência, que vale para a iniciativa privada. No regime geral da Previdência
estava expressa a vedação de cobrança de contribuição previdenciária dos inativos.
Portanto, depois da Emenda Constitucional nº 20, a interpretação mais natural e
óbvia da Constituição era a de que a contribuição dos inativos estava vedada, como
de resto está vedada hoje à vista do direito posto. Não é possível cobrar-se
contribuição previdenciária de inativos.
No Governo passado, houve uma lei ordinária que criou contribuição
previdenciária considerada inconstitucional pelo Supremo, a meu ver, com razão.
Por quê? Em primeiro lugar, porque a Proposta de Emenda Constitucional nº 20,
quando discutida no Congresso Nacional, continha a previsão de cobrança de
contribuição dos inativos e foi rejeitada. Portanto, a interpretação histórica
claramente revelava que o Congresso naquele momento não queria a cobrança de
inativo, além da interpretação de que havia uma vedação expressa. Sendo assim, o
Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a lei que criava a contribuição
dos inativos por ser incompatível com a Constituição. E fez muito bem. Este é o
entendimento padrão: lei incompatível com a Constituição não pode viger
validamente.
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Há, porém — e é a hipótese que aqui se apresenta —, o caso de emenda
constitucional que cria a contribuição de inativos suprimindo a vedação
constitucional. Emenda constitucional, a meu ver, pode fazer isso. Não estou
discutindo se deve, se é conveniente politicamente. Estou afirmando que, do ponto
de vista constitucional, é perfeitamente legítimo, porque não há direito adquirido na
matéria. Se houvesse direito adquirido na matéria, o Supremo não poderia ter, sob a
vigência da Emenda Constitucional nº 03, admitido sua cobrança. Se era direito
adquirido, nem a emenda constitucional poderia ter introduzido a cobrança.
Portanto, não há, à vista da jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal
Federal, entendimento de que seja inconstitucional a cobrança de contribuição dos
inativos. Se deve, se não deve, se é boa, se é ruim, Sr. Presidente, esse é um
problema de V.Exas., mas inconstitucional certamente penso que não seja.
Sr. Presidente, esta é a opinião que gostaria de compartilhar relativamente à
questão da contribuição dos inativos: acho que é constitucional.
Outro tema que gostaria de destacar neste debate — coloco-me à disposição
para depois discutir outros pontos, pois tive oportunidade de ler a emenda de ponta
a ponta — é a questão do subteto.
A proposta de emenda enviada pelo Governo introduz, no plano dos Estados,
um subteto representado pelo subsídio de Governador do Estado, em âmbito
estadual, e de Prefeito Municipal, em âmbito municipal.
A questão do teto — não é dela que tratarei agora especificamente, mas, sim,
do subteto — vem tratada na Constituição desde o texto originário. A Constituição
brasileira, no art. 37, inciso XI, já previa um teto e, em sua versão original,
estabeleceu um modelo de simetria entre a União e os Estados. Segundo esse
modelo introduzido pela Constituição de 1988, em âmbito federal, o limite máximo de
remuneração no Legislativo era a percebida por membro do Congresso Nacional; no
Executivo, a percebida por Ministro de Estado; no Judiciário, a percebida por
Ministro do Supremo Tribunal Federal. Nos Estados, aplicava-se simetricamente o
modelo pelos cargos correspondentes. Portanto, os limites eram remuneração de
desembargador no âmbito do Judiciário, de Deputado Estadual no âmbito do Poder
Legislativo e de Secretário de Estado no âmbito do Poder Executivo.
Aí sobreveio a Emenda Constitucional nº 19, que mudou a redação original da
Constituição e introduziu um teto único geral: subsídio de Ministro do Supremo
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Tribunal Federal. Esse passou a ser o teto máximo de remuneração no País, válido
nos planos federal, estadual e municipal.
Houve problemas na implementação, o Supremo entendeu que não era auto-
aplicável, mas essa não é a discussão agora. O que é importante destacar é que
nem o Constituinte originário, nem a Emenda Constitucional nº 19 utilizou como
parâmetro para fixação de teto a remuneração do Chefe do Poder Executivo, nem
podia ou devia tê-lo feito. O Chefe do Poder Executivo, especificamente o
Presidente da República e o Governador de Estado, ocupa cargo político transitório,
em que a remuneração em espécie é totalmente irrelevante, porque a maior parte da
remuneração é in natura: o Presidente da República e o Governador do Estado não
pagam para morar, não pagam para se alimentar, não pagam para se transportar —
não estou discutindo a questão. (Palmas.)
Dessa forma, há infelicidade na escolha do parâmetro, que considero
inconstitucional, porque interfere drasticamente nos outros Poderes. Se o
Governador do Estado puder ser o limite para a remuneração, por exemplo, dos
membros do Poder Judiciário, para que os membros do Poder Judiciário tenham
reajustes que mantenham sua remuneração compatível com o aumento do custo de
vida ou com padrão geral adotado no País, ele dependerá de iniciativa do
Governador do Estado. Portanto, além do aviltamento remuneratório que ocorreria
em relação ao Judiciário, haveria subordinação, ou seja, um Poder ficaria
dependendo da iniciativa de outro — no caso, de iniciativa privativa — para obter
reajuste em sua remuneração.
A meu ver, há duas opções para solucionar o problema: ou volta-se ao teto
geral, válido para todo o País — remuneração de Ministro do Supremo Tribunal
Federal, salvo engano, 17.720 reais —, ou mantém-se, no âmbito dos Estados, o
mesmo princípio da simetria, figurando a remuneração dos desembargadores como
limite máximo de remuneração nos Estados. Trata-se de medida de justiça, mas,
antes, é inconstitucional subordinar os outros Poderes.
Aqui há um detalhe técnico: a Constituição fixa um teto para a remuneração
dos desembargadores e outro para a remuneração dos Deputados Estaduais. A dos
membros do Poder Judiciário está no art. 93, inciso V, que estabelece que um
desembargador não poderá receber mais do que 95% do que recebe um Ministro do
Superior Tribunal de Justiça. Fazendo-se a conta, seria 90,25%, aproximadamente,
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do que ganha um Ministro do Supremo Tribunal Federal. Portanto, já há, a meu ver,
atualmente, um teto constitucional nessa matéria. Como o subteto não excepcionou
essa situação nem a revogou, o que se tem é que para os desembargadores
continua vigendo o teto que mencionei e para os Deputados Estaduais vige o do art.
25, § 2º: 75% do que ganha um Deputado Federal. O teto a vingar valeria apenas
para os servidores do Poder Executivo. Aí a perversidade seria plena, porque
haveria total desequiparação, esvaziamento do Poder Executivo e, penso, uma
quebra mínima de isonomia que deve haver entre os servidores dos diferentes
Poderes, de modo que acho o subteto conceitualmente legítimo, mas o critério
utilizado me parece inconstitucional, porque subordina à remuneração do
Governador do Estado.
Foram esses os dois temas que destaquei. Pareceram-me os mais
controvertidos, mas me coloco totalmente à disposição para debater os outros.
Quero concluir como comecei. Evidentemente, penso que a Constituição deve
ser respeitada, os direitos adquiridos devem ser respeitados, mas as expectativas de
direito vão ser afetadas. E é impossível fazer um país sem afetar expectativas de
direito. Mas penso que deva haver um modelo de transição menos severo e menos
rígido. Essa é uma premissa.
A segunda que acho importante dizer é que a classe dominante brasileira,
quando seus privilégios são afetados, é extremamente organizada e faz discurso de
esquerda.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Muito obrigado,
Dr. Luís Roberto Barroso, Professor de Direito Constitucional de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana.
Vamos aos debates, às perguntas. A lista de autores do requerimento,
inclusive com a sugestão do Deputado José Eduardo Cardozo, de oitiva do Prof.
Romeu Bacelar, é a seguinte: Deputado Inaldo Leitão, Deputado Aloysio Nunes
Ferreira, Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto, Deputado Jairo Carneiro,
Deputado Eduardo Paes e Deputado José Eduardo Cardozo.
Seguindo esses seis: Deputado Ibrahim Abi-Ackel, Deputada Juíza Denise
Frossard, Deputado Sérgio Miranda, Deputado Roberto Magalhães, Deputado
Patrus Ananias e Deputado Alceu Collares.
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Esta é a primeira bateria de Deputados que vão intervir neste debate.
Neste instante, vou reiterar o pedido de tranqüilidade, para que possamos
ouvir as argüições das Sras. e Srs. Deputados. Vou insistir, num apelo dramático, no
sentido de que desliguem os celulares ou pelo menos que os entreguem aos
assessores, para que eles possam, lá fora, anotar os recados, para ouvirmos as
intervenções.
Tenho a honra de passar a palavra ao Deputado Inaldo Leitão, para seu
questionamento.
O SR. DEPUTADO INALDO LEITÃO – Sr. Presidente, nosso Presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado, a quem
especialmente cumprimento, Prof. Luís Barroso, colegas Parlamentares, entendo
que o papel desta Comissão é o de emitir um juízo de admissibilidade, o que é
óbvio, a respeito de qualquer proposta de emenda constitucional como esta que está
em discussão. Isso não significa que o Parlamentar que autorize a tramitação de
uma PEC na CCJR esteja comprometido com a votação do seu mérito na Comissão
Especial e no Plenário.
Portanto, minha posição em relação a esta PEC está no campo jurídico e não
político, porque minha posição política pode ser uma, mas o entendimento jurídico
há de estar bem separado na avaliação desse juízo de admissibilidade.
Em 1999, repito, nesta Comissão fui Relator da PEC que instituía a
contribuição dos servidores inativos. Meu parecer foi aprovado na Comissão por
maioria, ou seja, já há essa jurisprudência, embora em legislatura anterior, a respeito
da matéria.
Prof. Luís Roberto Barroso, eu sustentava minha posição mais ou menos
nessa linha, citando o Prof. Carlos Maximiliano, que afirma a existência de duas
principais teorias sobre a aplicação da lei no tempo: a do direito adquirido e a do fato
realizado, como defendeu Savigny, em 1860.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Desculpe-me
interrompê-lo, Deputado Inaldo Leitão, mas diversos Deputados têm feito sinal a mim
no sentido de que estão tendo dificuldades para ouvi-lo. Peço, então, por gentileza,
que V.Exas. se mantenham em silêncio, a fim de ouvirmos a intervenção do nobre
Deputado.
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Mais uma vez, peço à segurança que mantenha a porta fechada. Faço o
pedido não por ser autoritário, drástico, mas porque o trânsito de pessoas e o
barulho atrapalham, e os Deputados estão reclamando. Onde está o segurança?
Daqui a pouco vamos tratar desse assunto. Peço que não proíbam a entrada ou o
acesso à sala, mas mantenham a porta fechada, por causa do eco. Peço ao Plenário
que fique atento a isso.
Sras. e Srs. Deputados, vamos debater a constitucionalidade, a
admissibilidade desta emenda, porque temos a obrigação constitucional de cumprir
nosso papel perante o Parlamento e o povo brasileiro. Precisamos apenas da
liberdade de expressar nossas opiniões para chegar, ao final, ao juízo de valor nesta
Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados.
Deputado Inaldo Leitão, V.Exa. tem devolvido, integralmente, o tempo.
O SR. DEPUTADO INALDO LEITÃO – Obrigado, Sr. Presidente.
Sustentava Savigny que as leis concernentes aos institutos jurídicos outorgam
aos indivíduos apenas uma qualificação abstrata, quanto ao exercício do Direito, e
uma expectativa de direito, quanto ao ser ou ao modo de ser do Direito. E distinguia
duas classes de lei: a primeira, concernente à aquisição de direitos. Esta, sim,
configura o direito adquirido; a segunda, relativamente à existência de direitos, que
são coisas completamente diferentes.
Após feitas as citações de Bandeira de Mello, Maximiliano e Savigny, chego à
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que resumirei na citação do voto do
eminente Ministro Moreira Alves:
“Em matéria de direito adquirido, vigora o princípio,
que este Tribunal tem acertado inúmeras vezes, de que
não há direito adquirido, há regime jurídico de um instituto
de direito.”
Quer isso dizer que se a lei nova modificar o regime jurídico de determinado
instituto de direito, como é o direito de propriedade, seja ela de coisa móvel, imóvel
ou de marca, essa modificação se aplica de imediato; ou seja, é a aplicação da lei
no tempo, é obediência ao princípio da retroatividade ou da irretroatividade. Na
primeira classe de lei, a lei passa a vigorar imediatamente. Seriam exemplos de caso
de aplicação imediata as leis que abolissem a escravidão, redefinissem a
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propriedade privada, alterassem o estatuto da vida conjugal ou da situação dos
filhos, no dizer de Bandeira de Mello.
Não tenho muito tempo para estender-me nessa manifestação, Sr.
Presidente, mas tenho vários arestos do Supremo Tribunal Federal, na mesma linha
do voto do Ministro Moreira Alves, no sentido de que não há direito adquirido a
regime ou instituto jurídico de servidor.
Mantenho a coerência do que pensava naquela época a respeito do mérito,
até porque qualquer manifestação da parte desta Comissão, do Plenário da Câmara
dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional que dê vida a uma
proposta de emenda à Constituição que seja inconstitucional pode provocar o
Supremo Tribunal Federal, que dará a última palavra. Não adianta a questão ser
analisada do ponto de vista político, ela tem de ser analisada do ponto de vista
constitucional, de forma correta.
Agora, farei um apelo ao Sr. Relator, pois houve opinião unânime dos
debatedores e dos membros desta Comissão no sentido de que ficou mais do que
clara a ofensa frontal ao princípio da separação dos Poderes, nessa previsão do
subteto dos Estados. Não vamos ofender a Constituição aqui na Comissão de
Constituição e Justiça e de Redação. Peço a V.Exa. que retire esse dispositivo que
interfere, indevidamente, em outro Poder, no caso, o Poder Judiciário. Tenho um
voto pronto, para votarmos em separado. Se V.Exa. acolher essa sugestão, já
harmonizamos o entendimento da Comissão nesse sentido.
Por último, preocupo-me muito com a questão das pensões. Ninguém quer
ser pensionista. O pensionista futuro é aquele que será pensionista em função da
morte de um membro da família. Portanto, é uma categoria que não tem
possibilidade de organização, porque ninguém quer candidatar-se a pensionista.
Mas é essa categoria a mais prejudicada na reforma.
A redução da pensão em 30%, no mínimo, somada à tributação de 11% da
contribuição previdenciária, aplicados os 5% do redutor, também previsto no caso de
aposentadoria, no mínimo remete o cidadão ao Fome Zero. (Risos.) Sem falar no
cálculo do valor da aposentadoria pela média de salários de contribuição de todos os
regimes previdenciários, na quebra da paridade do reajustamento entre o servidor
da ativa e os aposentados e pensionistas atuais e, por fim, na quebra desse
reajuste.
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Os Governos anteriores, por exemplo, têm sido reis para servidores públicos.
O atual não fugiu à regra, está anunciando aumento de 1% para o servidor.
Pergunto, então: com a quebra da vinculação da paridade do reajustamento, quanto
seria dado ao pensionista? Menos do que um por cento? Zero? Algum percentual
negativo? Mais uma tungada no contracheque do pensionista.
Minhas considerações finais são no sentido de que os critérios para a redução
da pensão podem ter efeito confiscatório. Caberá a V.Exa. e ao nobre Relator
tentarem encontrar uma forma de não prejudicar muito o pensionista.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Tem a palavra o
nobre Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto, que inicia sua manifestação às
11h42min.
O SR. DEPUTADO ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES NETO – Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, inicialmente, registro a importância da inclusão
da Ordem dos Advogados do Brasil neste debate. Foi acertada a convocação que eu
e o Deputado Jairo Carneiro fizemos, com a aquiescência e concordância de V.Exa.
e de todos os requerentes.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Pronta e
emendada.
O SR. DEPUTADO ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES NETO - É verdade.
Preliminarmente, sinto-me confortado com as palavras do Presidente da OAB,
Rubens Approbato, quando se refere à expressão abolir.
Fui acusado pelo competente Parlamentar José Eduardo de estar fazendo
futurologia constitucional — se é que existe — apenas porque não interpretei a
expressão abolir no seu sentido restrito, apenas de extinguir, mas no sentido mais
amplo. A Constituição, inclusive, é clara, fala em tendência a abolir. Portanto, faço
esse registro.
Sr. Presidente, também é importante reforçar as palavras do Deputado Inaldo
Leitão quando se refere ao limite de competência desta Comissão de Constituição e
Justiça e de Redação. Aqui, temos a incumbência de analisar a admissibilidade
dessa proposta, não nos cabendo fazer juízo de valor, expressar a justiça ou a
injustiça que se estará cometendo contra o servidor público e o pensionista nessa
proposta apresentada.
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Para análise de todos os Parlamentares integrantes da CCJR que votarão o
relatório, é fundamental que aguardemos a posição do Deputado Maurício Rands,
porque me parece fulcral o texto desse relatório. Analisaremos o relatório do nobre
Deputado que, no seu conteúdo, poderá apresentar pontos de constitucionalidade e
inconstitucionalidade. Portanto, não devemos antecipar análises, pela precaução
que nós, juízes desta Comissão, devemos ter.
O Presidente Rubens Approbato levantou uma questão fundamental, que é
justamente o caráter da previdência pública neste País: se contributivo ou retributivo.
Faço uma conexão com a essência principal dessa discussão, que envolve o
conceito do direito adquirido. Parece-me claro que qualquer proposta de emenda
constitucional não pode, de forma alguma, abolir qualquer direito adquirido. Contudo,
vem uma pergunta logo em seguida: a contribuição dos inativos e todos os outros
pontos previstos nessa reforma são direitos adquiridos ou não?
Precisamos chegar a essa resposta. Se entendermos do ponto de vista
contributivo, tributário, não me parece que haja direito adquirido. Caso contrário,
haverá direito adquirido, e a proposta não poderá abolir qualquer direito adquirido,
porque a Constituição é muito clara nesse sentido.
Continuando essa linha de raciocínio, é inegável o que disse o Prof. Luís
Roberto Barroso — e certamente será consenso desta Comissão, e o Relator e o
Governo acatarão — sobre a eliminação dos subtetos. Está-se ferindo de morte a
separação dos Poderes. O art. 60, no seu § 4º, é muito claro:
“Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir:
..................................................................................
III - a separação dos Poderes;”
Fere-se de morte a autonomia dos Poderes. Não há problema em se limitar
tetos interna corporis, dentro dos Poderes. Contudo, jamais vincular o teto de um
Poder ao de outro Poder.
Levantei na discussão da semana passada a preocupação com relação a
essa previsão de 70% para os pensionistas, não entrando no juízo de valor dos 30%
que estaríamos retirando, mas, sobretudo, na falta de segurança que a Constituição
estaria apresentando, pelo fato de atribuir a uma lei ordinária a competência de
determinar e regulamentar essa matéria.
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Hoje, existem níveis inferiores a 70% que são desconhecidos de todos nós. A
Constituição não pode consagrar a insegurança jurídica. Mas o limite de até 70%,
regulado por lei ordinária, consagra a insegurança jurídica.
Finalmente, Sr. Presidente, parabenizo os dois palestrantes pelas
contribuições, que foram muito claras: um deles posicionou-se favoravelmente, o
outro, favoravelmente em parte. Agora, teremos base para tomar a decisão.
Fazemos votos para que o nosso Relator, Deputado Maurício Rands, entenda
as contribuições oferecidas e, no seu relatório, busque aquilo que vai ser consenso
desta Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Passo a palavra
ao Deputado Jairo Carneiro, às 11h48min.
O SR. DEPUTADO JAIRO CARNEIRO – Sr. Presidente, nobre Relator, Sras.
e Srs. Deputados, já deixei clara minha posição em manifestações anteriores.
Parabenizo a Comissão pela qualidade dos expositores. Esta é uma página que
ficará marcada na história do nosso Parlamento.
O Prof. Rubens Approbato declarou que não é constitucionalista. Se fosse ouvido,
bastariam os seus conhecimentos e a proposta teria teor pouco diverso que
apresenta no momento. Eu, que acompanho integralmente todos os pontos e teses
sustentados por S.Exa., não encontrei uma falha na sua manifestação.
Louvo o posicionamento do Prof. Luís Roberto Barroso, jovem talentoso. Só
há um ponto de discordância. No momento em que a Constituição Cidadã elevou o
grau de prevalência dos direitos das pessoas, pelo menos no campo dos direitos
civis sobre o poder do Estado, houve a inovação que V.Exa menciona.
Provavelmente nossa Constituição será a única do mundo que contenha o que está
disposto no art. 60. Mas em outros dispositivos também temos regras que
asseguram direitos aos contribuintes, por exemplo, como direitos fundamentais em
outros capítulos, que não podem ser alterados por emendas constitucionais.
O único ponto de divergência reside aí, porque não são os fatos sociais, não
será a evolução da vida, os fatos econômicos, que vão assegurar ao Constituinte
derivado o poder de usurpar o poder do Constituinte originário. Nunca. Só se
elaborarmos nova Constituição, com um golpe de Estado, uma revolução. (Palmas.)
Entretanto, o poder derivado não pode editar atos institucionais. Quanto à emenda
constitucional que ferir o direito adquirido, a coisa julgada, seria bom que V.Exa.
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manifestasse o pensamento a respeito, para ver se se sustenta no mesmo plano do
raciocínio.
Quero fazer, mais uma vez, apelo ao Líder do Governo, ao partido do
Governo: queremos as reformas possíveis, porém temos a obrigação de zelar pela
Constituição, antes que o Supremo Tribunal Federal tenha de fazê-lo em nosso
nome ou por nós ou nos substituindo. Esta é a nossa missão de legisladores. E o
PT, que sempre defendeu ardorosamente a inconstitucionalidade do dispositivo, que
lutou contra a emenda, a proposta 33, de 1995, que afinal se converteu na Emenda
nº 2.098, com 481 votos pela supressão do dispositivo que impunha a cobrança aos
inativos, aquele mesmo PT de ontem, que está no Poder hoje, foi, creio eu, autor,
juntamente com outros partidos, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.016,
acolhida pelo Supremo à unanimidade, cujo Relator foi o Ministro Celso de Mello.
Esse mesmo Ministro, citado pelo Prof. Rubens Approbato, foi o Relator da
ADIN nº 2.010, que passo às mãos da Presidência, para o nobre Relator, a fim de
que esteja à disposição de todos os Parlamentares da Casa. Nesse acórdão há
ensinamentos brilhantes, que rejeitam qualquer dispositivo constitucional
incorporado à Emenda nº 2.098, mesmo na apreciação de uma lei ordinária, mas, se
lido, dele poder-se-á extrair o conceito e a convicção da inconstitucionalidade.
É o apelo que faço, mais uma vez, para que haja clarividência. Não quero
aceitar a existência de um bode na proposta para aprová-la. Penso que tem de
haver grandeza, espírito público, consciência jurídica, para que o Relator ou o
próprio partido do Governo não consumam esse ato. A maioria vence aqui, mas a
Justiça está aí para assegurar os direitos de cada qual. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Muito obrigado,
Deputado Jairo Carneiro.
Os Deputados vêm alargando seu tempo. A Mesa, quando informa os
Deputados do escoamento do tempo, a sensação que tenho é que sou invisível, as
pessoas continuam falando sem dar a menor atenção.
Com a palavra o Deputado Eduardo Paes. S.Exa., como autor do
requerimento, inicia às 11h53min.
O SR. DEPUTADO EDUARDO PAES – Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, senhores expositores, penso que vale a pena, mais uma vez, registrar a
grandeza de se travar este debate aqui na Comissão de Constituição e Justiça. Na
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semana passada, em debates internos com Deputados relatores, esta Comissão
aprofundou as discussões. Considero que ambas as exposições só engrandecem o
debate. Aliás, até teses jurídicas inovadoras têm surgido, como disse o Deputado
Antônio Carlos Magalhães Neto, a exemplo do princípio da inconstitucionalidade
futura, consagrada pelo Deputado José Eduardo Cardozo, que surge a partir da
Comissão de Constituição e Justiça. Mas esse é um princípio que cada vez mais se
concretiza no Direito brasileiro, principalmente pelas iniciativas do Poder Executivo e
pelas posições do Parlamento brasileiro.
O Presidente da Ordem dos Advogados deixou muito claro que as situações a
que o servidor tem sido submetido são kafkianas. Em determinados momentos, há
servidores que estão no pedágio das reformas passadas e que provavelmente
entrarão em novo pedágio, e, certamente usando o princípio da inconstitucionalidade
futura, serão também incluídos no novo pedágio que venha a surgir.
Há grande discussão sobre a contribuição dos inativos, e o Deputado José
Eduardo Cardozo, de maneira muito coerente, advogou a tese, em 1993, sobre a
possibilidade de emenda constitucional ferir direito adquirido. Esse tem sido o
grande tema, a grande discussão acerca da contribuição dos inativos.
Dr. Rubens Approbato, depois peço seus comentários, mas quero entrar no
tema da proteção individual.
O art. 60, § 4º, inciso IV, da nossa Constituição Federal — dispositivo
constitucional que tem sido repetido aqui, mas nunca é demais repetir para lembrar
os colegas — diz que não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
Por que digo isso? Porque parece-me que a contribuição que se pretende
aprovar não tem natureza jurídico-tributária. Quando o Dr. Barroso afirma que
nenhum direito adquirido é passível de não ser tributado, parece-me que essa
contribuição fica meio no ar. Se ela não tem natureza jurídico-tributária — até porque
não significa contraprestação ulterior, esta que é a verdade, e essa seria a lógica de
uma contribuição com natureza jurídico-tributária —, que contribuição é essa?
Na minha opinião, e procuro responder — claro que gostaria de ouvir a
opinião do Dr. Rubens Approbato —, trata-se de confisco, é chegar com um
instrumento legal, que se chama de contribuição, e arrancar parte dos vencimentos,
da remuneração dessas pessoas.
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E o art. 94 da Constituição, no capítulo da Seguridade Social, deixa muito
claro no seu inciso IV que os benefícios serão irredutíveis, há irredutibilidade do
valor dos benefícios, a não ser por instrumento de natureza jurídico-tributária. É
normal que se tribute, que se cobre Imposto de Renda, que se cobre este ou aquele
tributo, mas é inaceitável e inadmissível que se crie uma figura que não tenha
natureza jurídico-tributária e, a partir daí, não se esteja ferindo qualquer direito
adquirido.
Fugindo um pouco da questão do direito adquirido, se se está ferindo ou não
direito adquirido, parece que estamos fazendo confisco em cima dos benefícios
pagos pela Previdência, o que é inadmissível e inconstitucional.
Gostaria de ouvir, depois, a opinião do Dr. Rubens Approbato acerca dessa
questão. Imagino que os nossos expositores terão oportunidade de ouvi-lo também.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Obrigado,
Deputado Eduardo Paes.
Passo a palavra ao Deputado José Eduardo Cardozo, o último requerente,
por 5 minutos. São 11h55min.
O SR. DEPUTADO JOSÉ EDUARDO CARDOZO – Cumprimento o meu
Presidente, Dr. Rubens Approbato, e o ilustre Prof. Barroso.
Evidentemente, por tudo o que foi exposto, parece claro que no que se refere
a direito adquirido existem dois pontos controversos. O primeiro, se emendas
constitucionais podem ferir direitos adquiridos. O segundo, se no caso dos inativos
existe direito adquirido.
Já expendi aqui minha opinião — embora seja petista desde que o PT
nasceu, a defendi em 1993 e não fui cerceado pelo meu partido — no sentido de
que o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição foi petrificado de modo a não incluir
emendas constitucionais. Diz: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada”.
Pela interpretação que fiz — já a expus aqui, não vou reprisá-la —, a emenda
constitucional, portanto, pode ferir o direito adquirido, porque a petrificação atinge
apenas o legislador infraconstitucional, tese, aliás, defendida pelo saudoso Prof.
Celso Ribeiro Bastos e acolhida em algumas decisões do Supremo Tribunal Federal.
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Mas quero me prender ao segundo aspecto da controvérsia, brilhantemente
tratada pelo Prof. Barroso, para aduzir apenas uma reflexão a respeito. Não tenho a
menor dúvida de que a contribuição previdenciária, como diz o Prof. Sacha Calmon,
tem natureza tributária. Na medida em que essa contribuição tem natureza tributária,
há que se indagar: que regra gerou o direito adquirido a que uma contribuição
tributária nova não fosse lançada em relação aos aposentados?
O conceito de direito adquirido, bastante questionado na doutrina, inclusive
com o desenvolvimento de outras teorias, como a do fato realizado e a das situações
jurídicas, é magistralmente desenhado por Gabba, que afirma que o direito adquirido
é a conseqüência de um fato idôneo a ser produzido, em virtude da lei, no tempo no
qual o fato vier a ser realizado.
Que lei impede a incidência de uma contribuição tributária sobre os proventos
dos aposentados? Que lei é esta que teria gerado esse direito subjetivo incorporado
ao patrimônio? Não haverá de ser o princípio da irredutibilidade dos proventos,
porque se assim entendessem, que nenhuma incidência tributária futura recairia
sobre esse princípio, eventuais elevações do IPTU e de qualquer tributo não
poderiam incidir sobre proventos de aposentados.
Portanto, creio que não existe propriamente direito adquirido nesse caso,
razão pela qual, mesmo que a minha tese não seja adotada, não estaria eivada de
inconstitucionalidade a proposta apresentada pelo Governo.
Na questão do subteto, também concordo integralmente com o Prof. Barroso.
Não há inconstitucionalidade no subteto. A versão original do art. 37, XI, da
Constituição Federal diz: “A lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a
maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados...” Ora, isso são
os subtetos. Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 19 alterou esse dispositivo,
colocando-o no § 5º do art. 39 mudando a palavra “fixará” por “poderá”, mas
mantendo também o subteto.
Essa razão me parece suficiente para demonstrar, portanto, que o princípio
da irredutibilidade de vencimentos, em momento algum, se desenhou na estrutura
constitucional brasileira sem a possibilidade de existir o subteto. Como obrigação da
redação original do art. 37, XI, e como faculdade do art. 39, o subteto, portanto, pode
existir.
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Entretanto, a questão que apresenta o Prof. Barroso é pertinente. O subteto é
constitucional, mas e o critério adotado? Será este constitucional ou não?
Apresentar como subteto os subsídios dos Governadores será efetivamente algo
admissível ou não? Não tenho dúvida de que é rigorosamente correta a afirmação
do Prof. Barroso de que fixar como teto, por exemplo, os cargos dos
desembargadores seja algo que irá se ajustar à sistemática constitucional. Parece-
me um pouco estranho estabelecer o Executivo como teto para os outros Poderes.
Tenho apenas dúvida se isso é inconstitucional ou se trata de mérito.
Concluindo, Sr. Presidente, não me parece propriamente que exista ofensa à
separação de Poderes nesse teto. Por quê? A redação original da Constituição já
previa tetos por Poderes. Foi a Emenda Constitucional nº 19 que unificou o teto
tendo como parâmetro os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao fazer isso,
estipulou o teto para todos os Poderes. No entanto, não se argüir que o teto do
Ministro seja inconstitucional nem que implique violação à separação dos Poderes,
confesso que tenho dúvidas, mas parece-me razoável e ponderável a assertiva do
Prof. Barroso de que talvez seja melhor, para fins de aperfeiçoamento da sistemática
e da coerência constitucional, não se determinar o teto do Executivo sobre os
demais Poderes.
Por isso, caberá ao Sr. Relator, dentro da questão de ordem respondida pelo
Sr. Presidente, indagar, caso eu esteja certo de que não há inconstitucionalidade, se
é possível, já na fase da Comissão de Constituição e Justiça, fazer esse ajuste para
fins de aperfeiçoamento da sistemática constitucional. Fica, portanto, a critério do Sr.
Relator avaliar esse ponto, se certo estiver eu em relação às ponderações da
constitucionalidade.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Muito obrigado,
Deputado.
Passo a palavra aos oradores inscritos para esta audiência pública,
excludentes os que já usaram da palavra por serem autores do requerimento.
Verifico que, momentaneamente, o Deputado Ibrahim Abi-Ackel, primeiro
inscrito, está ausente do plenário. Passo a palavra ao segundo inscrito, Deputada
Juíza Denise Frossard. S.Exa. tem a palavra por 3 minutos.
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A SRA. DEPUTADA JUÍZA DENISE FROSSARD – Sr. Presidente, serei
breve. Em primeiro lugar, agradeço a V.Exa. e a todos requerentes desta audiência
pública, uma vez que não pude requerê-la porque não estava no Brasil. Esta reunião
conta com as presenças do Dr. Rubens Approbato Machado, Presidente da OAB,
meu presidente, porque sou inscrita na OAB; e do Dr. Luís Roberto Barroso, a quem
vou fazer algumas singelas e afetivas provocações, tendo em vista que o professor
se encontra nesta Comissão, como ele próprio fez questão de frisar, na condição de
constitucionalista que é, e sem abordar o aspecto político, porque o vejo, com muita
honra, como o próximo Ministro do Supremo Tribunal Federal, para engrandecer
ainda mais aquela instituição.
Inicio minha intervenção pelo Presidente da Ordem dos Advogados, Dr.
Rubens Approbato Machado. S.Sa. começou dizendo que via na reforma aqueles
que iriam perder com ela, os funcionários públicos. Portanto, vamos apresentar
algumas questões. A nossa Constituição vai examinar realmente apenas o caráter
de admissibilidade, técnico, constitucional, mas, Dr. Approbato, como advogado que
argüi várias preliminares, V.Sa. deve saber muitas vezes o que é para um juiz
enfrentar uma preliminar, como nós, juizes da CCJ, o fazemos com a
admissibilidade, e ter de passear pelo seu mérito, sem julgá-lo, para admiti-la ou
não. A isso os técnicos dão o nome de natureza da matéria. Não podemos ir ao
conteúdo da matéria, porque este, sim, é o mérito.
Mas sou muito consciente de que fui eleita para ser Deputada constituída,
com poder constituído, e sinto enorme dificuldade em receber emendas
constitucionais, a ponto de me arrepiar integralmente, porque não sou poder
constituinte. Eu jurei cumprir a Constituição. Eu não vim aqui alterá-la. Eu vim a esta
Casa produzir leis ordinárias da melhor qualidade.
V.Sa. disse, com muita propriedade, que esta é uma reforma que mexe com o
serviço público. Sim, concordo com V.Sa. A reforma da Previdência já foi feita em
1998, esta é a reforma do serviço público. A grande questão que se apresenta, além
das questões constitucionais, é o julgamento que se realizará no plenário. Lá é que
o debate se dará, não nesta Comissão.
Se esta é a reforma do serviço público, o que nos foi apresentado — já estou
em procedimento de pouso, Sr. Presidente — é o fluxo de caixa. Dizem-nos que há
déficit — e há — e que o caixa não está equilibrado porque a receita não bate com a
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despesa. Mostram-nos as despesas, mas, assim como V.Sa. afirmou, não temos
nenhuma clareza quanto às receitas. Portanto, não podemos legitimar esse déficit,
pois não o conhecemos suficientemente. Queremos clareza nas receitas.
Ainda assim, Dr. Approbato e caro Ministro Barroso — perdão, Prof. Barroso,
a singela provocação, que é afetiva, e V.Sa. sabe disso, é em razão da enorme
admiração que tenho por V.Sa...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Pouse,
Deputada.
A SRA. DEPUTADA JUÍZA DENISE FROSSARD – Vou pousar, Sr.
Presidente, é que a pista é imensa. (Risos.) Estou pilotando um jumbo. É difícil
pousar esse avião, mas obedecerei às suas ordens, porque V.Exa. deve saber que
tenho enorme admiração por sua pessoa e certamente um dia há de ser meu
advogado.
Gostaria de fazer uma provocação aos dois colegas: o que os dois ilustres
conferencistas entendem que são carreiras de Estado? Comecei minha vida
profissional como empresária, bem-sucedida até, e a terminei como funcionária
pública, magistrada. Decadência, já disse o meu colega. É verdade. Conheço os
dois lados, as responsabilidades são totalmente diferentes. Que Estado queremos,
quando a boa governança nos diz que é preciso um Judiciário forte, independente e
transparente e que não tenha decisões secretas? É preciso que esta Casa também
seja transparente, pela boa governança, e não tenha decisões secretas.
Como V.Sas. vêem as carreiras de Estado? Vamos buscar outra forma de
pagar ou vamos sucatear? Vou começar: sucatear a polícia, que se envolve com o
crime organizado; sucatear o Ministério Público; sucatear o Judiciário? Como V.Sa.
vêem o problema da constitucionalidade, tendo em vista a questão da carreira de
Estado?
Muito obrigada, Sr. Presidente. Aliás, perdoem-me o excesso (Palmas.), mas
dizem que só comete excesso quem está em legítima defesa, afinal, optei por ser
funcionária pública.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - V.Exa. já pousou
e está taxiando agora. (Risos.) Vamos à frente.
Deputado Sérgio Miranda, V.Exa. decola às 12h11min. (Risos.)
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O SR. DEPUTADO SÉRGIO MIRANDA - Sr. Presidente, nobres convidados,
caros colegas, vou entrar no debate sobre a cobrança dos inativos por outro prisma.
Não tratarei do direito adquirido, porque alguns colegas, muito mais do que eu, já
abordaram esse tema de forma bastante correta.
Vou partir do seguinte princípio, e peço a atenção dos debatedores. O
Ministro Sydney Sanches, em voto vencedor, considera que, entre os direitos e
garantias individuais, interpretado pelo § 2º do art. 5º, que é extensivo, os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
dos princípios por ela adotados; inclui entre direito e garantia individual os incisos do
art. 150. S.Exa. é explícito ao considerar o inciso III do art. 150 como direito e
garantia individual. Diz respeito à cobrança, no mesmo exercício financeiro em que
haja sido publicada a lei que os institui.
Se o inciso III é direito e garantia individual, mais ainda é o inciso II, que diz
“II - instituir tratamento desigual entre contribuintes
que se encontrem em situação equivalente, proibida
qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou
função por eles exercida...”
Ora, se a Constituição impede a cobrança dos inativos no Regime Geral, por
que, ferindo um princípio, uma garantia individual, vai permitir a cobrança do inativo
servidor público? (Palmas.) É decisão do Supremo. Por quê? Decisão julgada,
apoiada pelos pares do Ministro Sydney Sanches.
No segundo aspecto, vou ser bastante objetivo. Sensibilizei-me com a
intervenção do meu colega e querido amigo Inaldo Leitão sobre pensionistas, que
são os grandes sacrificados dessa reforma. Quero trazer à tona também outro
argumento. Qual a qualificação desse tributo? No meu modo de entender, não há
dúvida, é uma contribuição social.
O art. 149 diz que:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir
contribuições sociais, de intervenção no domínio
econômico e de interesse das categorias profissionais (...)
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios poderão instituir contribuição,” — a única
contribuição que eles têm direito de instituir — “cobrada
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de seus servidores, para o custeio, em benefício destes,
de sistemas de previdência e assistência social.”
Logo, essa é uma contribuição social, é um tributo com essa peculiaridade.
Nesse sentido, chamo atenção para o fato de que na Emenda nº 3 já havia
referência, segundo a qual, “as aposentadorias e pensões dos servidores públicos
federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições
dos servidores”.
Isso foi anulado pela Emenda nº 20, mas está incluído no caput. O sistema é
contributivo.
Ora, senhores palestrantes, os pensionistas não são servidores, pensionista
não participa do regime, não é filiado ao regime. Como cobrar contribuição de
alguém que não é filiado ao regime? Pensionista é o destinatário final, não pode ser
qualificado como servidor. A Constituição permite a contribuição de servidor e não
de pensionista.
Por último, acho que talvez o artigo mais perverso e mais difícil de ser
assimilado dessa Constituição é o cálculo do benefício pela média. Peço que
V.Exas. me dêem uma opinião, porque explicitamente não posso dizer que essa
forma de cálculo fere um dos incisos do art. 4º, mas V.Exas. admitem a
inconstitucionalidade pela irrazoabilidade da norma? Ela é irrazoável porque é
inexeqüível. Posso trazer depoimentos do próprio Governo anterior, que, ao enviar
mensagem encaminhando uma lei, dizia que não tem informações sobre a vida
laboral dos brasileiros, incluindo a dos servidores, antes de junho de 1994.
É por isso que os trabalhadores do Regime Geral têm o cálculo do seu
benefício a partir de uma média que vem de junho de 1994. V.Exa. considera essa
questão da inadmissibilidade por irrazoabilidade? E a irrazoabilidade é porque é
inexeqüível? Se é inexeqüível, vamos escrever na Constituição uma norma que vai
ter uma interpretação. Não tenho os números, vou atribuir um valor genérico. Como
assim? Isso é irrazoável, é inexeqüível e, por conseqüência, na minha modesta
opinião, é inconstitucional.
Obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Obrigado,
Deputado Sérgio Miranda.
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Passo a palavra ao próximo inscrito, Deputado Roberto Magalhães. S.Exa
inicia às 12h18min.
Deputado Paulo Pimenta, vamos fazer bloco de dez. No início da audiência
estabelecemos isso. Não chegou a dez. Usaram da palavra — V.Exa. tem direito de
saber — os Deputados Inaldo Leitão, Antonio Carlos Magalhães Neto, Jairo
Carneiro, Eduardo Paes, José Eduardo Cardozo, Juíza Denise Frossard e Sérgio
Miranda. Portanto, falaram sete, faltam três. A partir daí, vamos devolver a palavra
aos convidados para seus comentários e, assim, vamos até resistirmos em pé, ou
sentados, não há problema.
O SR. DEPUTADO ROBERTO MAGALHÃES - Sr. Presidente, posso
decolar?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - V.Exa. tem a
palavra, e a tem às 12h18min.
O SR. DEPUTADO ROBERTO MAGALHÃES – Sr. Presidente, quero, antes
de mais nada, louvar os dois expositores, Dr. Rubens Approbato — de quem tenho a
honra de ser colega, na qualidade de advogado de província, como disse ontem,
com muita modéstia, o nosso tributarista de São Paulo, Ives Gandra, que como
sempre fala com o brilho e o fulgor do líder — e o professor, jovem ainda, Luís
Roberto Barroso, a quem me dirijo especificamente.
Professor, tenho em mão um livro de sua autoria intitulado Temas de Direito
Constitucional, 2ª edição, 1º volume, onde V.Sa. reúne pareceres, artigos e,
conforme diz na introdução, trabalhos vinculados à sua atividade docente. Há ainda
no livro: “A segurança jurídica na era da velocidade do pragmatismo”, além do
subtítulo “A proteção constitucional dos direitos adquiridos no Brasil”. Vou ler um
texto ipsis litteris do seu livro:
“É bem de ver que a regra do art. 5º, XXXVI, dirige-
se primariamente ao legislador e reflexamente aos órgãos
judiciários e administrativos. Seu alcance atinge também
o Constituinte derivado.”
V.Sa. grifou a palavra derivado.
“Haja vista que a não-retroação, nas hipóteses
constitucionais, configura direito individual que, como tal,
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é protegido pelas limitações materiais do art. 60, § 4º,
inciso IV, da Constituição Federal.
Disso resulta que as emendas à Constituição, tanto
quanto as leis infraconstitucionais, não podem malferir o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
O princípio da não retroatividade só não condiciona o
exercício do poder Constituinte originário.”
Mas veja onde V.Sa. chega.
“Mesmo assim, por refugir ao princípio geral,
deverá ele, o poder constituinte originário, dispor de modo
expresso quando quiser revogar direito adquirido.”
Essa sua posição, que considerei vanguardeira tem em seu prol idêntico
pensamento e orientação de um homem por quem tenho grande admiração, que é
José Afonso da Silva, professor da USP e ex-assessor jurídico do saudoso Mário
Covas quando Líder na Constituinte. José Afonso da Silva diz na sua obra: Poder
constituinte, poder popular recente”, 1ª edição:
“Ninguém duvida que se configura como típica
garantia individual a regra constante do inciso XXXVI, art.
5º, da Constituição de 1988, segundo a qual a lei não
pode prejudicar o direito adquirido. O argumento é
irretorquível como antimema” — essa palavra existe —: “a
reforma constitucional não pode abolir direito adquirido. A
reforma constitucional não pode abolir direito adquirido
porque se trata de uma garantia individual. Ou, se quiser,
em forma de silogismo: a reforma constitucional não pode
abolir direitos e garantias individuais. O direito adquirido é
uma garantia individual expressa no art. XXXVI, logo, a
reforma constitucional não pode abolir o direito adquirido.
Ou, ainda, por outra forma, os direitos e garantias
individuais são imodificáveis por emenda constitucional. O
direito adquirido é uma garantia constitucional, logo, o
direito adquirido é imodificável por emenda
constitucional”. Obra citada, pág. 32.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Conclua, nobre
Deputado.
O SR. DEPUTADO ROBERTO MAGALHÃES - Terminou o tempo?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Sim. (Risos.)
O SR. DEPUTADO ROBERTO MAGALHÃES - Sr. Presidente, V.Exa. me
deixou inseguro. V.Exa. falou na subjetividade da interpretação. Pelo que soube,
V.Exa. considera a contribuição tributo, logo, não há direito adquirido. Lembro a
V.Exa. que o ato de aposentadoria é ato jurídico perfeito, inclusive, no Direito
Administrativo brasileiro. Para que seja perfeito e acabado, tem de passar pelo crivo
do Tribunal de Contas, que, quando julga a legalidade das aposentadorias, tem nas
suas decisões eficácia equiparada às decisões judiciais. Logo, como ato jurídico
perfeito, não vejo como reabrir a questão para efeito de novas cobranças.
Ainda não tenho opinião conclusiva. Estava na linha do pensamento e da
autoridade de V.Exa. e de José Afonso da Silva. Mas agora terei de repensar e ver
se meu caminho realmente é firme. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Muito obrigado,
Deputado Roberto Magalhães.
Passo a palavra ao Deputado Patrus Ananias. S.Exa. começa às 12h25min.
O SR. DEPUTADO PATRUS ANANIAS – Sr. Presidente, integrantes da
Comissão de Constituição e Justiça, senhores convidados, saúdo o Presidente da
Ordem dos Advogados, Dr. Rubens Approbato Machado, e o conferencista, Prof.
Luís Roberto Barroso, cujos trabalhos sobre a efetividade das normas
constitucionais têm-me ajudado bastante na compreensão do Direito.
Sr. Presidente, vou ater-me à questão do direito adquirido e permitir-me um
passeio um pouco filosófico. Peço a V.Exa. que me ajude, pois pretendo fazer uma
incursão até um pouco ousada, o que me exige certa concentração.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Pois não. (O
Presidente faz soar a campainha.)
O SR. DEPUTADO PATRUS ANANIAS – Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sinto-me contemplado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Peço silêncio,
mais uma vez, além de compreensão, tolerância e generosidade do Plenário, para
que possamos ouvir com atenção as palavras do Deputado Patrus Ananias.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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O SR. DEPUTADO PATRUS ANANIAS – Sr. Presidente, vou ater-me à
questão do direito adquirido.
A norma constitucional é clara. Como disse o Dr. Barroso, o desafio é
precisarmos direito adquirido. Um dos melhores trabalhos que já li sobre o tema é do
saudoso e notável jurista e estadista Santiago Dantas nas suas aulas de Direito Civil,
que disse ser esse um dos temas mais falados, mais complexos e mais delicados do
Direito.
Em face disso, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, vou aceitar um pouco
também do elemento instigante do Prof. Barroso com relação à hermenêutica. O
ordenamento jurídico se prende nos seus fundamentos à filosofia do Direito e à
filosofia política. Temos, na tradição ocidental do pensamento político jurídico, dois
aspectos: o comunitarismo aristotélico, segundo o qual, no princípio, era e é a
comunidade; e o liberal individualista dos séculos. XVI, XVII, que encontra sua
expressão mais refinada em John Lock, segundo a qual, no princípio, era o
indivíduo.
Pessoalmente, Sr. Presidente, acolho a tradição comunitária com o elemento
cristão, o personalismo comunitário cristão. Para que saibam os senhores da
Comissão, essa tradição do personalismo comunitário encontrou no Brasil suas
expressões maiores em Alceu Amoroso Lima e Edgard da Mata Machado, e
encontra reflexos, hoje, em Fábio Konder Comparato, em Dalmo de Abreu Dalari,
naqueles que se formaram à luz da tradição tomista, maritainiana, da melhor
tradição cristã, onde estabelecemos o primado da comunidade e preservamos os
direitos e garantias individuais, a dignidade humana, a contribuição de cada um ao
bem comum.
Mas há compreensão, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, de que os
direitos e garantias individuais se prendem aos direitos de personalidade, não tendo
ressonância no campo patrimonial econômico, sob pena de estarmos subordinando
os superiores interesses do bem comum, do interesse público e da justiça social a
interesses particulares. Essa a grande síntese; é o tema que estamos hoje
debatendo.
Nessa linha, há um conflito entre direitos e garantias individuais e os direitos
comunitários. Há, sim. Os direitos e garantias individuais, tão realçados, são aqueles
relacionados com o Estado mínimo, é o Estado liberal. Os direitos sociais
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comunitários, os direitos nacionais populares que defendemos são os direitos do
Estado democraticamente presente para promover o bem comum e corrigir as
distorções. Nesse contexto, é importante buscarmos, na leitura da Constituição, sua
adequação mais justa, resgatando o velho e sempre jovem Aristóteles, buscando,
portanto, a justa medida.
Assim, Sr. Presidente, se os direitos e garantias individuais — neste ponto
teríamos de aprofundar a discussão — estão presentes no art. 60, inciso IV como
cláusula pétrea, a melhor leitura, a hermenêutica constitucional moderna nos repõe a
questão dos princípios. Não podemos pensar a Constituição de 1988 fora dos seus
princípios. E como aqui está a forma federativa de Estado, inapelavelmente temos
de ir aos objetivos fundamentais — não vou lê-los devido à exigüidade do tempo —
e aos princípios que regem a República Federativa do Brasil, que estão elencados
nos arts. 1º, 3º e 4º da Constituição.
Portanto, Sr. Presidente, essa reflexão um pouco emocional — fico muito
emocionado sempre que menciono o interesse público, o bem comum — vem no
sentido de dizer que na exegese moderna não há que se falar em direito adquirido.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Muito obrigado,
Deputado Patrus Ananias.
Passo a palavra ao ilustre Deputado Alceu Collares, décimo orador inscrito.
Logo após, os convidados passarão a responder aos questionamentos dos Srs.
Deputados.
O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - Sr. Presidente, peço a palavra
pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Tem V.Exa. a
palavra.
O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - Se não me falha a memória, eu
era o nono inscrito.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - A memória de
V.Exa. falhou.
O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - Falhou?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Deputado
Asdrubal Bentes, V.Exa. é o nono, excluídos os autores do requerimento. Na
próxima lista V.Exa. será o segundo a falar.
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O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Aliás, para
manter a transparência, estão inscritos os Deputados Alceu Collares, Alexandre
Cardoso, Asdrubal Bentes, Rubinelli, Mendes Ribeiro Filho, Vicente Arruda,
Professor Luizinho, Maurício Quintella Lessa, José Divino, Wilson Santos, Wilson
Santiago, Darci Coelho, Bosco Costa, Sigmaringa Seixas, João Fontes, José Ivo
Sartori, Paulo Pimenta, Marcelo Ortiz, João Paulo, José Roberto Arruda, Vicente
Cascione, Mendonça Prado e Maria Helena, que não é integrante da nossa
Comissão.
Se conseguirmos manter-nos atentos a essa maratona, todos serão ouvidos.
Passo a palavra, neste instante, às 12h33min, ao ilustre Deputado Alceu
Collares.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Sr. Presidente, também quero
cumprimentar a Comissão porque, nesta audiência pública, estamos tendo a
oportunidade de ouvir o representante da Ordem dos Advogados e o Prof. Barroso,
com lições extremamente importantes para o momento que o País vive, em que se
pretende alterar a Constituição.
Estou convencido de que a proposta do atual Governo é uma espécie de
última etapa do neoliberalismo visando ao enfraquecimento do Estado. Lula está
perseguindo o Estado mínimo com mais fanatismo que Fernando Henrique Cardoso.
O Estado mínimo fragiliza as instituições democráticas, as políticas econômica,
social, cultural, científica e tecnológica.
Hoje sou um homem frustrado. Nas eleições presidenciais, fui para as ruas
defender a candidatura do Lula e, na minha idade, quase fui às vias de fato com
algumas pessoas que queriam que eu votasse em outro candidato.
Mas o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito são os
fundamentos do Estado Democrático de Direito. Se isso está ou não, professor, na
Constituição, os povos civilizados respeitam esses fundamentos, senão não são
civilizados. Se não respeita o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito
adquirido não é civilização, pelo menos no nosso conhecimento, na nossa
concepção. Fico preocupado com isso.
Vou ler o art. 17, tocado pelo Presidente da Ordem, que se completa com o
art. 20, que diz:
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“Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e
os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria
que estejam sendo percebidos em desacordo com a
Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites
dela decorrentes, não se admitindo, neste caso,
invocação de direito adquirido...”
Então, o Constituinte originário já preservava o direito adquirido e só ele tinha
poder constituinte dado pelo povo para dizer quando não há direito adquirido. Fora
daí não há salvação, há que se respeitar o direito adquirido. Só esta foi a exceção
feita pelo Constituinte originário. E o constituinte derivado não pode alterar essa
sistemática do Estado Democrático de Direito.
No art. 20 está previsto que dentro de 180 dias proceder-se-á à revisão dos
direitos dos servidores públicos inativos e pensionistas e à atualização dos
proventos e pensões a eles devidos, a fim de ajustá-los ao disposto na Constituição.
Então, professor, permita-me discordar de V.Sa., com a devida vênia, não
com a delicadeza da juíza, que não é da minha natureza. Vejo-me forçado a fazê-lo
para dizer-lhe que se nós admitirmos a possibilidade do discurso palanqueiro que
acabei de ouvir de que o direito adquirido não existe ou pode ser bulido, pode ser
alterado, estará criado um grande problema ao aposentado, que colocou a
aposentadoria no seu patrimônio, para a qual contribuiu durante trinta e cinco anos.
Trata-se de um direito seu e de sua família. Quando ele fez o concurso público já
começou a ter o seu direito adquirido, Prof. Approbato. (Palmas.)
Quando me submeti a concurso público para telegrafista disse para a minha
mulher que teríamos alguma segurança; não ficaríamos ricos, mas teríamos alguma
segurança na vida, estabilidade no emprego e aposentadoria segura. É a segurança
do direito que deve proteger a criatura humana.
Portanto, quando escolhi o serviço público já estava definido que eu não
queria ser empresário, batateiro, queria a segurança do direito que me protegia nos
reajustamentos para manter um padrão de vida decente na atividade e na
inatividade.
É por isso que não se pode mexer no direito do aposentado, no seu
patrimônio. Não se trata de tributo porque não há fato gerador. Está equivocado o
Supremo Tribunal Federal, que entendeu tratar-se de tributo. A contribuição prevista
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no Código Tributário tem que ter fato gerador. O fato gerador da CSLL é o lucro; o
fato gerador da CPMF é a movimentação financeira; o fato gerador da COFINS é o
faturamento. Aqui não há fato gerador, conseqüentemente, não se trata de tributo, é
uma contribuição, como poderia ser um pagamento, uma indenização, ter qualquer
outro apelido.
Essa denominação de contribuição é anterior à Constituição de 1988, desde
quando se definiu que tributos eram as contribuições, tarifas e impostos. A
contribuição é cobrada pelo Estado a quem está realizando alguma tarefa. O
aposentado dá apenas uma participação para manter a sua previdência social
básica.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Agradeço ao
Deputado Alceu Collares.
Acabo de receber a determinação do Presidente da Câmara dos Deputados
de encerrar os trabalhos. Ouso continuá-los porque dez ilustres Deputados fizeram
ponderações profundas aos convidados e não teremos outra oportunidade de estar
com eles. Vamos abrir espaço para que os convidados façam uma espécie de
réplica e teçam considerações acerca do que foi dito.
Vou inverter a ordem e começar pelo ilustre Prof. Luís Roberto Barroso.
Com a palavra o Prof. Luís Roberto Barroso, que disporá de até 15 minutos.
O SR. PROF. LUÍS ROBERTO BARROSO – Caro Presidente, Deputado Luiz
Eduardo Greenhalgh; eminente Relator, Deputado Maurício Rands; eminentes
Deputados, algumas intervenções não foram inquisitivas; ouvi-as com interesse e
aplicação e a elas, portanto, não tenho que responder.
A propósito de um comentário do Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto,
sou a favor da reforma e não parcialmente a favor dela. Acho a reforma importante:
muda um patamar no Brasil, enfrenta desigualdades, procura superar o perverso
modelo brasileiro, que tem categorias diversas de pessoas; enfrenta a intrínseca
desigualdade que faz a perversão da história brasileira.
Portanto, sou a favor da reforma. Acho que ela é positiva, faz avançar o
processo político e social no Brasil. Meu único problema em relação à reforma é —
já disse que o direito adquirido não pode mesmo ser violado — como não frustrar
além do limite razoável as legítimas expectativas de quem está no meio da
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transição. Esta é a questão política que nos reúne aqui. Do ponto de vista ideológico
e filosófico, acho que avançamos num sistema que tem praticamente a maior carga
tributária do mundo e perde a capacidade de investimentos sociais porque o dinheiro
é desviado para financiar o rombo contínuo e crescente da Previdência Social. É
uma opção perversa.
O Presidente da República está sendo corajoso, está enfrentando essa
disputa. O Presidente anterior tentou enfrentá-la e perdeu. A minha opção não é
política, acho que a reforma deveria ter sido feita antes e continuo achando que
deve ser feita agora.
O saudosíssimo Raymundo Faoro, falecido na semana passada, em seu livro
Os Donos do Poder, diz que as principais reformas liberais do Império nasceram dos
gabinetes conservadores. Há uma curiosidade que diz respeito à carga de
legitimidade de quem está conduzindo o processo.
Deputado Jairo Carneiro, prazer em conhecê-lo pessoalmente. Já li muitas
vezes o seu relatório da reforma do Judiciário.
Não temos divergência conceitual. Acho, muito claramente, na linha do que
disse o Deputado Roberto Magalhães, que o poder constituinte derivado não pode
mesmo mexer com o direito adquirido, com o ato jurídico perfeito e com a coisa
julgada.
No tocante à coisa julgada há sutilezas. A emenda constitucional não pode
desfazer uma decisão judicial, em hipótese nenhuma. Mas, evidentemente, ela
pode superar uma jurisprudência estabelecida — não é incomum uma emenda
constitucional superar jurisprudência estabelecida.
O SR. DEPUTADO JAIRO CARNEIRO - Concordo com V.Exa., mas não
questionei esse ponto.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - V.Exa. perguntou se podia...
O SR. DEPUTADO JAIRO CARNEIRO - V.Sa. já concordou que a coisa
julgada não pode ser alterada por emenda constitucional.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Deputado Jairo
Carneiro, V.Exa. sabe melhor que eu que, conforme determina o Regimento, os
expositores não podem ser aparteados.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Acho também, Deputado — e esta é
uma jurisprudência mais ou menos pacífica em matéria tributária —, que o fato de se
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estabelecer uma tese jurídica ou de o contribuinte ganhar uma ação com base em
uma tese jurídica sob a vigência de determinada lei não significa que uma lei
superveniente não possa dispor até no mesmo sentido. A coisa julgada que se
formou aqui não se aproveita à nova. Deve-se entrar com outra ação.
Acho que a tese jurídica que o Supremo Tribunal Federal firmou, ou que
poderia ter firmado, poderia ser superada por emenda. Aliás, há um exemplo.
Quando da discussão do teto salarial, quando se decidiu excluir as vantagens
pessoais, logo após o início da vigência da Constituição de 1988, decisão que, na
minha opinião, foi causadora de parte dos problemas que enfrentamos hoje, o
Supremo entendeu que as vantagens pessoais não integravam a remuneração a
qualquer título, prevista no art. 37, inciso XI. Veio a Emenda nº 19 e incluiu as
vantagens pessoais a qualquer título. Portanto, emenda que supere decisão judicial
não é uma coisa totalmente atípica.
Deputado Eduardo Paes, li na Internet o seu questionamento à
constitucionalidade do pedágio e da modificação das regras transitórias
estabelecidas pelo Constituinte derivado na Emenda nº 20. Deixando de lado o
aspecto político, não existia no Brasil idade mínima para aposentadoria. Eu conheço,
assim como os senhores devem conhecer, pessoas que se aposentaram com
menos de 50 anos, às vezes com 45 anos.
Para um país pobre e com as circunstâncias do Brasil, é um absurdo um
sujeito com uma sobrevida, nessa faixa de renda, de mais 30 anos, às vezes de 40
anos, viver às custas de contribuição. Acho que a elevação da idade foi uma
inovação importante.
A Emenda nº 20 estabeleceu um modelo de transição, mas não precisava.
Poderia simplesmente ter fixado, para o efeito de aposentadoria, a idade mínima de
60 anos. O estabelecimento do pedágio como regra de transição foi opção política.
Acho que não estamos diante de uma questão constitucional. V.Exa. faz uma
crítica política. Não acho que haja direito adquirido. É um regime de transição que foi
criado por emenda; ele não existia e não tinha necessidade de existir.
Há ainda, na sua exposição, uma consideração tecnicamente mais complexa.
É preciso fazer uma opção. O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal,
levantou a tese, não propriamente a endossando, de que, havendo uma contribuição
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social, deveria haver um benefício novo. Como não há benefício novo, não caberia
nova contribuição social. É um modo legítimo de ver o problema.
Mas acho que nessa matéria deve prevalecer uma orientação diversa, que já
foi adotada pelo Ministro Sepúlveda Pertence. O fundamento, nesse caso, é o
princípio da solidariedade. Todos os que se beneficiam do sistema devem contribuir
para ele. Portanto, não é uma prestação direta, imediata e individualizável. É uma
contribuição para que o sistema não quebre e os que venham atrás possam
desfrutar do mesmo benefício. Há uma opção filosófica ou jurídica por uma tese.
Acho a tese da solidariedade melhor.
Deputado José Eduardo Cardozo, conheço sua tese sobre a Constituição
vedar à lei interferir no ato jurídico perfeito, no direito adquirido e na coisa julgada.
Não concordo com ela, conforme já tive oportunidade de dizer.
A pior coisa que pode haver para o Direito, embora haja um grau de
subjetividade do intérprete, Deputado Roberto Magalhães, é haver um mínimo de
conceitos, princípios e valores que não podem ser modificados sob pena de não
haver coerência, nem o mínimo de capacidade de comunicação.
Portanto, o fato de eu ser a favor de determinada medida não me dá o direito
de mudar o meu modo de pensar. Posso até mudar, mas não por uma variação
política.
Eu já achava — e continuo achando — que nem a emenda pode afetar o
direito adquirido. Conheço a tese do Prof. Celso Bastos, acho que o Prof. Ives
Gandra também professa esse entendimento.
Insisto em um dos pontos que comporta um aprimoramento. V.Exa. diz que
não é inconstitucional o subteto porque na Emenda Constitucional nº 19 o paradigma
era o Ministro do Supremo Tribunal Federal, ou seja, o cargo máximo de um Poder
já figurava como limite para todos os outros. Mas penso que não há problema,
porque nesse cenário temos que preservar a independência e a imparcialidade do
juiz, que são gravemente comprometidas.
Acho que o fato de um membro do Executivo ter como limite os vencimentos
do Ministro do Supremo Tribunal Federal não é inconstitucional, porque não afeta a
imparcialidade, inclusive porque ela não é garantia constitucional dos membros do
Executivo.
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Essa matéria continua me causando desconforto, embora pense que, do
ponto de vista formal, o seu argumento é irrepreensível. Se o mais alto cargo de um
Poder já serviu para os outros, por que não serviria para o Executivo?
Nós, no Rio de Janeiro, temos pela Deputada Denise Frossard carinho,
respeito e medo. (Risos) Mas só os que devem temem.
Ontem alguém me despertou a atenção para as carreiras de Estado. São
elas: a dos juízes, do Ministério Público, dos delegados de polícia, dos procuradores
públicos e dos auditores fiscais.
Não tenho um grau de reflexão suficiente para emitir-lhe opinião conclusiva,
Deputada. Não gosto dos modelos diferenciados e excludentes. Essa é a tradição
brasileira. O juiz e o delegado que entrarem no sistema agora, sabendo que ele é
contributivo, farão uma opção e vão organizar a vida em face dela. Isso é
perfeitamente possível. Não acho, sem ter feito ainda uma reflexão profunda sobre o
assunto, que se devesse tratar categorias diversamente.
Penso que vai, um pouco, na linha contrária ao avanço que se quer promover,
porém vejo com desconforto a situação de transição, ou seja, o juiz que tenha 20
anos de carreira e ainda faltem 15 para se aposentar ou que tenha 30 anos de
carreira e faltem 5, pode ser indevidamente afetado na sua segurança, na sua
estabilidade e corre risco a imparcialidade.
De modo que não cogitaria, neste primeiro momento, de mudar o sistema
para tratar categorias diversamente, mas certamente me debruçaria para tentar
pensar um modelo de transição diferenciado. Eu acho justificada a sua preocupação,
Deputada Denise Frossard. Para uma pessoa que pensa o mundo e o Direito como
eu, um Judiciário independente e forte faz toda a diferença para o País.
Deputado Sérgio Miranda, já tinha ouvido esse argumento de isonomia em
relação ao Regime Geral da Previdência, que acolhe os trabalhadores da iniciativa
privada, e ao regime do servidor público.
Tenho uma dúvida sobre a premissa de que há igualdade entre servidores
públicos e trabalhadores da iniciativa privada. Mas, ainda que aceitasse a premissa,
que acho defensável e respeitável, se estabelecermos que a tributação dos inativos
não incidirá sobre a porção que não exceda o limite máximo da aposentadoria no
Regime Geral, porque aí o problema da quebra de isonomia estará superado. Por
quê? Se o servidor público só passar a pagar a partir de 2.400 reais, e como os da
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iniciativa privada tem esse teto e não recolhem — precisaria até confirmar se o
projeto estabelece isso —, acho que uma forma de lidar com essa dificuldade, se
entendermos que ela existe, seria essa, ou seja, a tributação dos inativos somente
se daria a partir do limite máximo do Regime Geral da Previdência. Já está assim?
Então acho que não temos problema de isonomia.
V.Exa. disse — e essa observação é interessante — que pensionista não é
filiado ao sistema. Mas a legitimação da contribuição do pensionista se dá com base
no mesmo princípio da solidariedade. Ele é beneficiário de um sistema que enfrenta
dificuldades graves.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Professor, um
minuto, por favor.
Senhores, isto não é uma partida de futebol, não há torcida a favor nem
contra, embora cada um de nós tenha opinião sobre o tema. Isso fez parte do
acordo que fizemos para realizar audiências públicas. Apesar de torcermos para as
pessoas que defendam nossas posições, temos de ouvir, com respeito, as pessoas
que defendem posições contrárias. Porque é disso que se faz a democracia. Ontem,
promovemos duas audiência públicas, e esta foi a primeira intervenção do plenário
que me causou desconforto.
Então, acho que podemos fazer outro tipo de encaminhamento. Peço aos
participantes, aos espectadores que ouçam com o mesmo respeito os argumentos
que os convencem e aqueles que lhes são refratários.
Prof. Luís Roberto Barroso, V.Sa. tem a palavra novamente.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Sr. Presidente, agradeço a intervenção,
mas quero dizer que compreendo e respeito a manifestação de desconforto, pois a
tese é antipática mesmo. Mas acho que o pensionista integra o sistema, e, portanto,
do ponto de vista jurídico, pode ser tributado com base no princípio da solidariedade.
Se V.Exas. me perguntarem se acho que depois de tanto tempo sem aumento e
ainda com um benefício reduzido a 70% ele deve ser tributado, diria que é terrível
mesmo, mas não acho que seja inconstitucional.
Sr. Deputado, para concluir, gostaria de partilhar idéias com V.Exa. Acho que
o cálculo do benefício compatível com o modelo para o qual se contribuiu é um salto.
Isso é que muda o sistema perverso em que os pobres financiam os ricos. Porque a
pior situação que pode existir, do ponto de vista da igualdade social, é uma pessoa
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contribuir durante 30 anos sobre 1.058 reais e nos últimos 5 anos fazer concurso
para um cargo público, ou ser investido em cargo público, e se aposentar com
17.000 reais.
Então, a única modificação é a exigência de um tempo mínimo de 10 anos no
serviço público e de 5 anos no cargo. Mas essa única modificação já foi difícil porque
eram os mesmos argumentos. Mas, mesmo assim, se a pessoa contribuir durante 25
anos para um regime e 10 para outro e se aposentar neste, alguém pagará a
diferença. O fato de não se ver a vítima do desembolso não diminui o tamanho da
transferência de renda.
Esse modelo transfere renda dos pobres para os ricos. Portanto, essa opção
não legitima tudo porque é preciso respeitar muitas situações, mas estamos
enfrentando um modelo de transferência de renda dos pobres para os ricos. É difícil,
mas estou convencido de que este é o problema do sistema previdenciário. Agora,
se, como V.Exa. diz, não vai haver elementos para fazer esse cálculo — é um dado
de fato, mas não é menos importante —, à falta de elementos o servidor não deve
ser penalizado se o Poder Público não tem os registros adequados para proceder
aos cálculos. Portanto, esse é um problema de interpretação e aplicação da lei. Não
tenho dúvida de que o Judiciário, se o setor público não for capaz de demonstrar
como foi a contribuição, durante quanto tempo e sob que bases, evidentemente, vai
usar como padrão os elementos mais próximos da mudança do sistema mais
favoráveis ao servidor público. A falha do serviço não legitimaria a penalização do
servidor. Então, concordo que a interpretação razoável desse dispositivo — não é
que ele não seja razoável —, é a que não penaliza o servidor pela falha do sistema.
Deputado Roberto Magalhães, deixe-me acrescentar um elemento à
discussão — V.Exa. é um eminente jurista — que acho que o ajudará a entender
esse problema do ato jurídico perfeito, considerando que todos estamos querendo
entender. Quer dizer, há coisas na vida em que escolhemos um lado e não temos
disponibilidade intelectual para sermos convencidos. Nesse caso, a argumentação é
impossível, mas, considerando que haja uma disponibilidade intelectual para pensar
o problema sem comprometimento com uma tese, a questão do ato jurídico perfeito
e o prolongamento no tempo do regime jurídico inviabilizariam as relações sociais.
V.Exa. citou o caso da aposentadoria, considerando que no momento em que a
pessoa se aposenta não se pode mais introduzir nenhuma mudança no regime
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jurídico, nem mesmo por via tributária. Imagine alguém que tenha casado antes de
1977, ano em que veio a Lei do Divórcio; o argumento de que as pessoas teriam o
direito à perpetuação do regime jurídico vigente no momento do ato jurídico perfeito,
supondo que fosse um casamento válido, impediria que qualquer casal casado antes
de 1977 se divorciasse se um dos cônjuges alegasse ter adquirido direito ao vínculo
indissolúvel do casamento. Como não acho que essa seja uma interpretação
razoável, não se tem a proteção do ato jurídico perfeito à permanência perpétua de
determinado regime jurídico aplicável a uma situação. É claro que há muitas
sutilezas, mas a tributação que incide sobre todos pode incidir também sobre os
inativos.
Portanto, estamos diante de um problema de qualificação do que seja um ato
jurídico perfeito. Por exemplo: suponha um Deputado Estadual que tenha ingressado
na Assembléia Legislativa antes do advento da emenda constitucional que limitou a
sua remuneração a 75% do que ganha um Deputado Federal. Essa tese asseguraria
a ele, mesmo depois da emenda, o direito de continuar percebendo acima dos 75%
durante todo o mandato. Não seria uma tese razoável.
Deputado Patrus Ananias, ouvi-o com prazer e aproveito sua exposição.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – O primeiro
exemplo foi bom; o segundo mexe com salário de Deputado, ninguém gosta. (Risos.)
Prof. Luís Roberto Barroso, V.Sa. tem tempo para terminar sua explanação
para que possamos ouvir o Dr. Rubens Approbato Machado.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO – Concordo, em linhas gerais, com tudo o
que o Deputado Patrus Ananias argumentou e, no limite, ainda teríamos um
argumento a mais, que não explorei por não achar necessário: é um problema de
ponderação de valores. Se devo trabalhar com base na boa-fé e na veracidade das
informações que o Poder Público me fornece, porque elas têm presunção de
validade, se é verdade que o sistema produz um déficit de 40 bilhões, e que esse
déficit está se renovando e aumentando, devo presumir que em algum momento o
sistema vai quebrar, em algum momento nem o Orçamento vai ser capaz de cobrir o
déficit da Previdência. Portanto, se tenho conhecimento de que há um sistema que
está auto-alimentando um déficit que o vai fazer ruir, evidentemente, tributar em 11%
é ruim, mas vou pagar 89%, porque, se quebrar, vou pagar zero por cento, vou ficar
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numa situação em que o País não vai fazer outra coisa que não acumular dinheiro
para pagar inativos.
O que é perverso nessa história é que o servidor público não teve culpa
nesse processo. Então, a indignação é perfeitamente legítima. A geração que está
sendo sacrificada para que o modelo seja consertado é uma geração que está
sofrendo injustamente um ônus ao qual não deu causa. Mas, se isso não for
enfrentado em algum momento, estaremos adiando para a próxima geração, para
nossos filhos. Portanto, é questão de dosar quanto de ônus é suportável para esta
geração para que a próxima possa ficar melhor.
Por fim, Deputado Alceu Collares, por quem tenho imenso respeito e
admiração, acho que há questões que são conceituais, técnicas, e outras, políticas.
Quer dizer, as pessoas têm suas posições, têm seus compromissos, linhas
ideológicas e filosóficas. Entendo e respeito a de V.Exa. Tecnicamente, ter direito
adquirido à não-mudança de regime engessa o País, dificulta as coisas para o País.
Acho que a Constituição brasileira, que não é a Constituição da nossa maturidade,
é a Constituição de nossas circunstâncias, que desempenhou papel inexcedível no
Brasil, petrificou muitas coisas. Quer dizer, o Constituinte originário tentou
apreender, numa dose que me parece além do razoável, o futuro. A prevalecer a
tese de V.Exa., que entendo e respeito, para fazer uma reforma da Previdência ou
qualquer reforma estrutural no Brasil seria preciso convocar o poder constituinte
originário. Devo dizer a V.Exa. que pessoalmente acho que o Presidente da
República, nas circunstâncias em que foi eleito, e nas circunstâncias que vive o
País, teria legitimidade para convocar o poder constituinte originário para fazer esse
tipo de transformação, mas seria um ônus desnecessário. Para ser sincero, se fosse
necessário, se eu entendesse que não se pode fazer por emenda, e como é um
imperativo de justiça material fazer isso, não hesitaria em dizer ao Presidente que
convocasse o poder constituinte originário. Na verdade, estamos quase diante de
um momento constituinte originário. Mas não acho que seja necessário. De qualquer
forma, agradeço sua intervenção.
Sr. Presidente, perdoe-me a superficialidade, mas eram as circunstâncias.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Não senhor,
muito obrigado. V.Sa. respondeu diretamente às argüições de cada um dos
Deputados, referindo-se ao núcleo central das preocupações dos Deputados
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inscritos. Mesmo que a opinião expendida por V.Exa. não seja aquela expendida
pelo Deputado, V.Sa. enfrentou os questionamentos com argumentos lúcidos.
Desde já a Comissão de Constituição e Justiça, o Parlamento brasileiro e o povo
brasileiro agradecem sua contribuição neste momento de reflexão.
Srs. Deputados, solicitei que nossa Secretária fosse ao plenário verificar se
está havendo votação. Enquanto não temos essa resposta, vamos ouvir
imediatamente a exposição, agora em tréplica, do ilustre Presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil, nosso companheiro maior, Dr. Rubens Approbato Machado.
O SR. RUBENS APPROBATO MACHADO - Não tenho a mesma pedagogia
do Prof. Luís Roberto Barroso. Sou um advogado, e advogado é indisciplinado. Por
isso, não tenho um método, vou procurar desenvolver minha intervenção tomando
por base o que foi discutido, e vou fazê-lo de maneira mais ampla, ao invés de
responder item por item a cada Deputado. Na medida do possível, farei menção ao
que me parecer importante.
Conheço, de longa data, meu querido Deputado José Eduardo Cardozo. Já
estivemos juntos em batalhas memoráveis, inclusive em São Paulo. Reconheço sua
inteligência e profundo conhecimento jurídico, professor que é de uma das maiores e
melhores faculdades de Direito deste País, onde meu neto é aluno. Só que eu, com
os meus 50 anos de advocacia e mais de vida forense, fiquei um pouco perplexo e
comecei a raciocinar em face da autoridade jurídica do Deputado ao afirmar que o
inciso XXXVI, do art. 5º da Constituição Federal, que cuida do direito adquirido, só
se aplicaria quando houvesse lei e que, portanto, no caso de emenda constitucional
pode. Desculpe-me, mas isso me preocupou. Comecei a raciocinar. Como não sou
professor, aprendi nos bancos acadêmicos que interpretação literal é a pior delas. A
interpretação deve ser lógica, dentro do sistema e dentro do contexto. Se isso for
verdade, corri para o art. 60, § 4º, que estabelece que não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias
fundamentais. Onde se encontra o direito adquirido? Encontra-se nas regras dos
direitos e garantias fundamentais. Dissesse o que dissesse esse texto, a sua
redação, a verdade é que é um direito tão fundamental que ultrapassa os limites da
simples enunciação pela lei. Haja lei ou não, a emenda não pode violar esse
princípio, que foi estabelecido como direito fundamental.
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Se não fosse assim — eu continuei a ler a Constituição Federal, porque já a li
tantas vezes, mas a gente não consegue gravar tudo —, eu chegaria à seguinte
conclusão: o que fala do direito adquirido está no inciso XXXVI. Fui ao inciso XXXV,
que estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito. Significa dizer que emenda pode excluir. Se puder excluir, vamos
voltar para o regime militar. Não será uma emenda, mas ato institucional, porque o
ato institucional dizia que o que fez o poder revolucionário não poderia ser apreciado
pelo Poder Judiciário. Sairia desta Casa um ato institucional dizendo que, daqui para
frente, não existe mais a segurança de alguém lesado em seu direito recorrer ao
Poder Judiciário.
Talvez eu esteja equivocado, meu querido Deputado José Eduardo, dada sua
inteligência. Na minha concepção, V.Exa. está sendo mais advogado de defesa de
determinado tema — louvo essa lembrança — do que exatamente fazendo uma
análise dessa forma. Estou invertendo, criticando sem ter os conhecimentos capazes
de fazer essa crítica. Mas parece-me que não seria razoável a Constituição
estabelecer que a emenda não pode abolir garantias individuais e direitos
fundamentais — está no capítulo que trata dos direitos e garantias individuais —,
mas a lei pode. Para mim é difícil superar essa situação. Vamos aguardar para ver,
na prática, o que vai acontecer. Vamos ver qual será a interpretação mais adequada.
Gostaria de começar falando sobre direito adquirido. Falou-se muito em
direito adquirido, mas quando está consumado o ato não há discussão: estamos
discutindo aquilo que se chama de expectativa de direito.
Confesso que as palavras e as concepções do Prof. Barroso, que é um dos
constitucionalistas de maior projeção neste País, de grande cultura, também me
abalaram. Mas eu tenho algumas menções aqui: Eduardo Espínola, já em 1924,
dizia, quanto ao direito adquirido, que:
“Direito adquirido se perfectibiliza quando da
entrada no regime, e não quando alcançados os
requisitos impostos pela legislação”.
Estaria correto isso? Eu li um advogado, ex-Presidente do Instituto dos
Advogados, Calheiros Bonfim. O que ele diz?
“A nosso ver, no rigor jurídico, as alterações
introduzidas em qualquer instituição, quando
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desfavoráveis a seus filiados, só deveriam alcançar
aqueles que a elas se associassem posteriormente às
modificações. Pois, ao ingressarem na entidade, já o
fizeram sob um regime jurídico diverso, que lhes garantia
um conjunto de direitos e vantagens inalterável
unilateralmente.”
Por uma dessas coisas, eu acabei de receber um parecer do Prof. Valmir
Pontes Filho, ilustre professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do
Ceará, em que diz que a doutrina realmente se encaminha no sentido do que diz o
Prof. Barroso, mas que há um princípio fundamental que tem que ser verificado, o
princípio da segurança jurídica. Este é realmente um princípio sem o qual não existe
um verdadeiro Estado de Direito no sentido das relações entre as pessoas, porque
ninguém sabe o que vai acontecer no dia seguinte se não houver pelo menos essa
situação.
E ele diz, quando fala das alterações:
“O que não pode o Poder Público é alterar, a seu
talante e alvedrio — por ‘lei de ordem pública’ ou em
nome de um alegado ‘interesse público’ (secundário, ou
seja, da própria Administração, e às vezes meramente
contingencial) — as condições previstas no sistema
jurídico para a aposentação do servidor, de forma a
alcançá-lo a meio caminho da inativação. Se pudesse,
ferido de morte restaria um interesse público primário,
qual o de ver-se preservada a segurança das relações
jurídicas, inclusive e principalmente a que se estabelecem
(por lei ou diretamente pela Constituição) entre a
Administração e os administrados (entre estes, os
servidores públicos). Incabível supor que a ‘ordem
pública’ agasalhasse tal hipótese. As modificações e
alterações haveriam de surtir efeitos, assim, tão-só em
relação aos que viessem a ter ingresso no serviço público
após a edição das novas regras, jamais retroativamente.”
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É claro que ninguém é insensível à gravidade da situação, ao fato de que o
sistema tem gravíssimos problemas que podem levá-lo até à falência, mas sempre
ouvi dizer, e estou com quase 70 anos de idade, que o sistema era falido, e continua
falido. No entanto, ele continua cumprindo, bem ou mal, as suas obrigações.
Outro ponto que foi dito aqui foi que há uma transferência do pobre para os
ricos, lembrando Robin Hood. Quero dar meu exemplo pessoal. Eu trouxe até aqui,
para quem quiser depois ver, meu extrato semanal de benefício. Eu contribuí para o
Regime Geral desde a época dos IAPs. Muita gente nem se lembra disso, nem sabe
que existiu. Cada categoria tinha um instituto. Eu era do IAPC — Instituto de
Aposentadoria e Pensão dos Comerciários.
Como eu era autônomo, sempre recolhi pelo máximo, sobre 20 salários
mínimos, sempre com a promessa de “pague que você vai receber 20 salários
mínimos”. Há muitos anos eu venho recebendo menos de 5 salários mínimos. Não
me considero rico nem pobre, no entanto, de alguma forma, dei mais do que deveria
dar, não sei para quem, e certamente colaborei para que aqueles mais infelizes, que
não podiam pagar talvez os 20, pudessem receber pelo menos 2, 3 ou 4o salários
mínimos. Há igualmente uma inversão, há o fato de que se colabora também para
aqueles que mais necessitam.
Portanto, como dizer que não existe direito adquirido para quem entrou num
determinado regime — e eu já fiz a leitura de Vicente Rao anteriormente —, que o
contrato feito não vale porque pode ser alterado a qualquer momento, que poderá
ser alterado agora e, se não der certo, ser alterado de novo no ano que vem e
novamente em outro ano até que dê certo ou que deixemos de existir?
O melhor seria só arrecadar e não ter a contrapartida. Talvez nem assim se
resolvesse o problema da Previdência, por causa das fraudes, da corrupção. Temos
de estar atentos a isso e encarar o problema, principalmente nós, operadores do
Direito. Se pisarem na nossa grama hoje e não reclamarmos, se amanhã abrirem a
porta da nossa casa e não reclamarmos, se entrarem em nossa casa e não
reclamarmos, se depois cometerem qualquer violência contra nossa família não
poderemos mais reclamar. É hora de conversamos.
Quanto aos inativos, também entendo, como aqui ressaltado, que a
segurança jurídica é fundamental — o princípio da isonomia — inclusive em relação
aos servidores aposentados pelo Regime Geral, pois não se pode estabelecer uma
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outra forma a não ser esse tratamento igualitário, porque eles guardam a mesma
situação, ainda que em regimes diferentes.
Falou-se aqui de uma decisão do Supremo à qual o Ministro Sepúlveda
Pertence foi contrário. Mas isso foi anterior a uma ADIN da Ordem em que o Tribunal
Pleno, não a Turma, por unanimidade acompanhou o voto do Ministro Celso de
Mello — se V.Exa. me permite mais alguns minutos, leio:
“Entendo, por isso mesmo, na linha do que venho
de expor, que a instituição da contribuição pertinente à
seguridade social referentemente aos servidores inativos
e aos pensionistas, ofende, de um lado, a cláusula
constitucional da não-incidência (CF, art. 40, § 12, c/c o
art. 195, II, na redação dada pela EC nº 20/98) e
transgride, de outro — aí que me parece fundamental,
porque qualquer, não se poderá dizer que lá foi lei, porque
agora é emenda —, o princípio constitucional do equilíbrio
atuarial (CF, art. 195, § 5º), evidenciando que essa
exação, quanto a aposentados e pensionistas, apresenta-
se destituída da necessária causa suficiente, consonante
observa, com inquestionável procedência, a ilustre
Professora Misabel Derzi (‘Da Instituição de Contribuição
Sobre os Proventos dos Servidores Inativos’, in ‘Enfoque
Jurídico’, nº 2, pág. 13 — Suplemento): ‘se o servidor já
goza de aposentadoria, a meta constitucional permitida
para a cobrança já foi alcançada, inexiste a despesa a ser
custeada do ponto de vista do aposentado, pois os
servidores públicos em atividade a financiam. Falta então
o fundamento constitucional necessário e impostergável,
que funda o exercício de competência da União’.
Essa, também, é a corretíssima advertência —
continua o Ministro — que emerge da lição, sempre
atualizada de Hugo de Brito Machado (‘Contribuição
Social dos Aposentados — Lei nº 9.783/99 —
Inconstitucionalidades’, in ‘Revista Dialética de Direito
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Tributário nº 45/85-95, 89/90 e 93/94): ‘Não é razoável
pretender-se que alguém, depois de haver sido satisfeito
no benefício a que tem direito, pela seguradora, venha a
ser obrigado a pagar a esta, novamente, o mesmo prêmio
que havia pago anteriormente.
Por isto é que o núcleo do fato gerador da
contribuição de seguridade social alberga, como se disse,
aquela condição própria do seguro. No caso, pode-se
dizer, com rigorosa propriedade, que se trata de um
seguro contra a invalidez e a velhice. (...):
O aposentado evidentemente não presta serviços
— diz também Hugo de Brito. Não é trabalhador, portanto,
e assim não pode ser qualificado como sujeito passível de
contribuição de seguridade social.(...)
Ele não é segurado, mas beneficiário da
Seguridade Social.
Nem é trabalhador, posto que já não trabalha. Nem
é segurado, posto que não mais está na condição de
precisar do benefício da aposentadoria, da qual já está a
desfrutar.
Vale ter presente, ainda, neste ponto, a
argumentação deduzida na ADI nº 2.016 - DF — que
também veicula impugnação à Lei nº 9.783/99 —,
fundada no reconhecimento de que inocorre, quanto a
inativos e a pensionistas, a necessária correlação entre
custo e benefício, pois o regime contributivo, por sua
natureza mesma, há de ser essencialmente retributivo,
qualificando-se como constitucionalmente ilegítima,
porque despojada de causa eficiente à instituição de
contribuição sem o correspondente oferecimento de uma
nova retribuição, um novo benefício ou um novo serviço.
Portanto, esse fundamento vale e se aplica integralmente a essa proposta e,
certamente, se essa proposta vier a ser aprovada e editada, a Ordem, cumprindo a
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sua missão, estará novamente batendo às barras do Supremo Tribunal Federal com
a devida ADIN para apreciação do Poder Judiciário. (Palmas.)
O Deputado Eduardo Paes se referiu à transitoriedade. Agora, realmente,
estão fazendo a transitoriedade da transitoriedade. E, mais à frente, poderá haver a
transitoriedade da transitoriedade da transitoriedade.
À minha querida juíza, que nós recebemos de volta na advocacia — aliás, a
advocacia é a única definitiva, permitam-me os outros, mas as pessoas entram na
advocacia, depois nós as emprestamos para o Ministério Público, para a
magistratura, e, ao término de suas missões, elas voltam para a nossa casa. A
Deputada Denise Frossard foi recebida com honras e festas pela sua memorável
passagem pela magistratura brasileira.
S.Exa. quer saber o que são e como são as carreiras de Estado. Claro, eu
não tenho a competência administrativa para dar essa definição. O que eu entendo é
que o Estado, no seu sentido amplo, investe no seu funcionário. Ele investe para ter
um funcionário que realmente possa lhe dar as respostas. Na medida em que se
criam condições para ele sair, a Administração é desqualificada e sucateada.
Aliás, estamos vendo que esse sucateamento já vem lá de trás. Eu andei
vendo algumas estatísticas e pude observar que o número de inativos é muito
superior ao número dos ativos. Fiquei assustado e pensei: por que isso? Porque
realmente não estão ingressando ativos no serviço público. E por que não estão
ingressando ativos? Porque não há nenhum estímulo. E agora vem um desestímulo
maior para eles não ingressarem mesmo. Então, vão terceirizar a Administração
Pública? É esse o objetivo final? É esse o sucateamento final?
A administração da Receita Federal está aí, foi desmontada. A própria
administração da Previdência, cujo custo supera a própria atividade da
Administração em si! É isso que nós queremos? É esse o objetivo, ou seja,
desmantelar o poder estatal, sucateando a Administração? Ou dando, realmente,
como disse o Deputado Alceu Collares, um estímulo do tipo “eu vou entrar porque eu
sei..., já que eu não posso enriquecer sendo honesto — e a maioria é honesta —, se
eu não enriquecer, eu quero, pelo menos, lá na frente, ter aquilo que estão me
prometendo hoje; assim eu vou ter um mínimo de segurança para minha mulher, ou
para o meu marido, ou para os meus filhos, e para mim próprio”?
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Do jeito que se faz é realmente um desconhecimento de causa. Ora, se há
alguns que são ricos — e é possível que haja —, vamos, então, penalizar toda a
Administração Pública, todos os servidores? Ou deveríamos buscar soluções para
eliminar a injustiça dos mais ricos? (Palmas.)
Por fim, quero dizer aos Deputados Sérgio Miranda, Roberto Magalhães,
Patrus Ananias, Antônio Carlos Magalhães Neto e ao querido colega Inaldo Leitão, a
quem eu não tinha feito menção, que me sinto extremamente honrado, na condição
de Presidente da OAB, em ver nesta bancada advogados do porte, da estirpe de
V.Exas., o que aumenta a minha responsabilidade.
Quero aqui repetir o apelo que já fiz ao meu querido irmão Luiz Eduardo
Greenhalgh. Quero fazer uma conjunção de trabalhos, de esforços da OAB com esta
Comissão. Gostaria que estivéssemos juntos. Eu deixo à disposição desta Comissão
toda a nossa equipe de conselheiros da Ordem, membros de seccionais,
conselheiros seccionais, membros de subsecções, deixo, enfim, à disposição desta
Comissão tudo e todos, para que tenhamos um trabalho cada vez mais eficiente e
mais unido na busca do ideal deste País.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Acredito que
represento toda a Comissão ao aceitar a oferta.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Sr. Presidente, peço a palavra pela
ordem para perguntar a V.Exa. se, regimentalmente, tenho direito à réplica.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Não, nós
fizemos de uma forma diferente para dar oportunidade...
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Estou falando de Regimento, Sr.
Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Não, estou
dizendo a V.Exa. que foi feito um acordo...
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – Não, eu não vou usar da palavra,
eu só quero saber se eu tenho direito à réplica.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Não, Deputado.
Está certo? Nós vamos fazer isso, depois, ao final da segunda rodada, está bem?
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O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES – Certo. Há coisas materiais que não
podem ser suprimidas. Nós estamos em cima da hora e, mesmo que eu tenha
direito, não vou usar a palavra. Não me leve a mal, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Há questões
regimentais.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - E eu tenho o direito de não querer
fazer isso. Eu só quero ir para casa e dizer que eu tinha direito à réplica e não quis
fazer uso disso. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Deputado Alceu
Collares, há questões de Regimento que não ultrapassam as questões de
sentimento. Em decorrência de sua história política, V.Exa. é um paradigma para
mim. Eu penso que não posso receber de V.Exa., no sentimento e não no
Regimento, esse tipo de ironia.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Eu retiro a ironia com o mesmo
respeito, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Muito obrigado.
Eu aceito a retirada da ironia.
Vamos seguir.
Tranqüilizo os Deputados da Comissão de Constituição e Justiça e de
Redação: se houver o início de qualquer votação, nós seremos os primeiros a serem
avisados e iremos votar.
Vamos ao segundo bloco de intervenções.
Deputado Alexandre Cardoso, V.Exa. está inscrito para intervir às 13h31min.
A ordem do próximo bloco é a seguinte: Deputados Alexandre Cardoso,
Asdrubal Bentes, Rubinelli, Vicente Arruda, Maurício Quintella Lessa, Wilson Santos,
Wilson Santiago, Bosco Costa, todos eles presentes no plenário da Comissão de
Constituição e Justiça e de Redação.
Informo ao Deputado Alexandre Cardoso, pela importância e respeito que
tenho para com S.Exa., que vou esperar o término da movimentação do Plenário, a
fim de que V.Exa. faça a sua intervenção com um mínimo de silêncio. Está
chegando a hora do almoço, e muitos estão saindo.
Eu sei que eu não devo ter essa ousadia, mas quero dizer aos Deputados da
Comissão que esta reunião está sendo transmitida ao vivo — sempre me advertem
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no sentido de não dar esta informação, para que haja mais respeito em relação ao
tempo. Mas não se trata disso. É importante sabermos que a reunião está sendo
transmitida ao vivo, até para darmos mais consistência às nossas intervenções.
Deputado Alexandre Cardoso, o Plenário agora está atento para ouvir a
exposição de V.Exa.
O SR. DEPUTADO ALEXANDRE CARDOSO - Em primeiro lugar, Sr.
Presidente, quero reafirmar que nós, o meu partido e a base do Governo, de forma
clara, não abrimos mão de alguns princípios — e se o Governo Lula não der certo, a
Oposição, a Esquerda do País, pode ficar 30 anos sem ter o direito de voltar.
Mas, evidentemente, existem três pontos dessa reforma que, no meu
entendimento — e no de alguns Deputados desta Comissão —, estão contaminados
pelo vício da inconstitucionalidade.
Ouvi o Prof. Luís Roberto Barroso dizer que era um técnico e que não
comentaria o assunto. Mas, de repente, disse que essa Previdência é concentradora
de renda.
Dr. Luís Barroso, não é, não! O FUNRURAL foi o mecanismo que mais fixou o
homem no interior e que mais distribuiu renda no País. Ele fixou 6 milhões de
famílias no interior, mais do que qualquer mecanismo de constituição de novas
cidades. Provavelmente, V.Sa. tratou exclusivamente do capítulo da Previdência,
esquecendo-se da questão da seguridade.
Dr. Rubens Approbato Machado, o voto do Ministro Celso de Mello seria
perfeito se S.Exa. não tivesse usado a expressão “servidor inativo”. Esta expressão
é incoerente. Não existe servidor inativo. E é em função dessa expressão que o Dr.
Luís Barroso não consegue, no meu entender, levar adiante a sua tese.
Dr. Luís Barroso, está encerrada a relação do aposentado com a
Administração Pública. Ele já pagou sua conta, não tem mais nenhum dever, apenas
é credor. V.Sa. levanta tese que pode permitir às seguradoras de carro, que fazem
seguro em 12 meses, no quinto mês, dizer que há uma nova taxa a ser paga.
Não existe mais relação do pensionista e do aposentado com a
Administração, está encerrado esse contrato. Ele agora só é credor, não é mais
devedor. Levanta V.Sa. a tese de que ele paga 11 e vai receber 89. Imagine se
amanhã alguém disser: “Olha, agora tem que pagar 40, mas ele vai receber 60.”
Esta tese é inconsistente. Ele já pagou a sua parte.
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A questão da contribuição de inativos, na verdade, não suporta qualquer
análise maior. Eu desafio alguém a me mostrar que punição a Administração pode
dar ao aposentado. Não há nenhuma punição, os vínculos estão encerrados, ele só
é credor. Dessa forma, tem direito pelo bem que adquiriu. Esse é o princípio do
direito adquirido. Ele tem o direito: pagou pelo bem e não deve mais nada. A relação
está terminada. Se isso não é direito adquirido, então, o que é direito adquirido no
País?
Acompanhei o trabalho do Deputado José Eduardo Cardozo, segundo o qual
se pode mudar por emenda constitucional; li o artigo do Prof. Dalari que, para mim, é
um marco; li o voto do Ministro Celso de Mello — outro marco, cujo único reparo é à
expressão “servidor inativo”. Ela é incoerente, repito, pois não existe servidor inativo,
existe aposentado, até porque se é servidor, não pode ser inativo. Não consigo
imaginar a tese V.Sa. defende, porque está quitada a relação.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Para terminar,
Deputado Alexandre Cardoso.
O SR. DEPUTADO ALEXANDRE CARDOSO – A outra questão é o princípio
da segurança jurídica. V.Sa. talvez não saiba, mas a tese dos 60 anos pode fazer o
filho do pobre trabalhar 45 anos, porque ele começa a trabalhar aos 15 anos.
Sessenta e oito por cento dos brasileiros começam a trabalhar com menos de 16
anos. Daqui a pouco, além da Emenda nº 20, haverá a Emenda nº 160, dizendo que
não são mais 60, são 70 anos, porque existe um desequilíbrio da seguridade social
no mundo. Se não garantirmos essa segurança jurídica e permitimos que a cada
incompetência de gestão se aumente o aperto ao aposentado ou ao servidor em
exercício, evidentemente não haverá segurança jurídica.
Sr. Presidente, li muito as publicações lusitanas. Canotilho é perfeito quando
diz: “O homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e
conformar autônoma e responsavelmente a sua vida”. Eu gostaria, Dr. Barbosa, que
esse autor fosse inserido no debate. Trata-se de referência no Direito.
Sr. Presidente, não vejo como o Constituinte derivado poderia criar subteto.
Penso que o teto foi o limite que o Constituinte originário permitiu. Subteto ao
Constituinte originário? Não há esse convencimento aqui.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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Fiz rapidamente uma síntese sobre essas três teses. Dr. Luís Roberto
Barroso, V.Sa. deu demonstração de poder político, quando, na sua intervenção,
disse que a Previdência é concentradora de renda.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Conclua,
Deputado Alexandre Cardoso.
O SR. DEPUTADO ALEXANDRE CARDOSO - E tentou dizer que o Dr.
Rubens Approbato Machado não estava ali na qualidade de técnico.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Conclua,
Deputado Alexandre Cardoso, por favor.
O SR. DEPUTADO ALEXANDRE CARDOSO - Eu só gostaria de registrar
isso. Preocupo-me, Dr. Barroso, com sua tese de que as seguradoras vão ficar
extremamente felizes.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Passo a palavra
ao Deputado Asdrubal Bentes. S.Exa. tem 3 minutos.
O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - Sr. Presidente, Dr. Rubens
Approbato, Presidente da Ordem dos Advogados, Dr. Luís Roberto Barroso,
companheiros Deputados, depois de tantas vozes abalizadas de renomados mestres
e cultores do Direito, de tantos homens públicos que se manifestaram, fica
extremamente difícil para um advogado de província, literalmente província
amazônica, decolar em tão pouco tempo e pousar com segurança em tão
conturbada e difícil discussão de matéria altamente polêmica. Quero, porém,
inclinar-me pela tese esposada pelo ilustre Presidente da OAB, não apenas por uma
questão jurídica, mas também por uma questão humanitária.
Em 1958, quando ingressei no serviço público, não esperava ficar rico, como
não fiquei. Fiz sucessivos concursos, projetei-me na vida pública, e não entendo
justo, agora, depois de contribuir por mais de 40 anos, chegar à aposentadoria e ter
de baixar meu padrão de vida, como acontece com tantos aposentados,
principalmente os mais pobres e mais necessitados. Isso é injusto!
Por isso, entendo que a proposta ofende o princípio da separação de
Poderes, fere a autonomia dos entes federativos, transgride direitos adquiridos e
também os direitos e garantias individuais, como bem demonstrado no voto do
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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Ministro Sydney Sanches. Essa proposta não pode prosperar, porque eivada de
vício da inconstitucionalidade.
E quero valer-me aqui, Sr. Presidente, de um voto em separado dos então
Deputados José Dirceu, Geraldo Magela, Waldir Pires, Marcelo Déda, Marcos Rolim,
Antonio Carlos Biscaia e Dr. Rosinha, que, ao analisarem a PEC nº 136-A, de 1999,
levantaram questão pertinente, ou seja, a aplicação do disposto no art. 163, inciso II,
do Regimento Interno, que diz:
“Art. 163. Consideram-se prejudicados:
...........................................................................................
II - a discussão ou a votação de qualquer projeto
semelhante a outro considerado inconstitucional de
acordo com o parecer da Comissão de Constituição e
Justiça e de Redação.”
O artigo seguinte determina, neste caso, que:
“Art. 164. O Presidente da Câmara ou de
Comissão, de ofício ou mediante provocação de qualquer
Deputado, declarará prejudicada matéria pendente de
deliberação:”
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Para concluir,
Deputado Asdrubal Bentes, por favor.
O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - E prosseguem no voto em
separado dizendo:
“Insistir na cobrança de contribuição de inativos e
pensionistas fere a Constituição em vigor, motivo pelo
qual foram aprovadas anteriormente por esta Comissão
as emendas citadas à PEC nº 33/95.
Compete, pois, ao Presidente desta Comissão,
preliminarmente e antes que se prossiga na apreciação
da proposição oriunda do Poder Executivo, preservar a
autoridade deste colegiado, fazendo valer o Regimento e
declarando a prejudicialidade das expressões e
dispositivos cujo teor fira a Constituição, em virtude de
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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parecer já anteriormente aprovado pela
inconstitucionalidade da matéria.”
Esse foi o voto em separado dos eminentes Deputados que acabei de citar.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Conclua,
Deputado.
O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - Concluo, levantando a mesma
questão de ordem e pedindo a V.Exa. que a defira, uma vez que a matéria,
principalmente no que tange à contribuição de inativos, é eminentemente
inconstitucional e, por isso, V.Exa., de ofício, poderá sanar imediatamente essa
inconstitucionalidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Com a palavra o
Deputado Rubinelli. S.Exa. inicia sua peroração às 13h44min.
O SR. DEPUTADO RUBINELLI - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sr.
Relator, Dr. Approbato, Dr. Barroso, é fundamental essa possibilidade que nós,
membros da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, estamos tendo de
discutir a constitucionalidade da proposta de reforma da Previdência, mesmo porque
muitos de nós não têm subsídios nem convicção plena com relação às falhas da
proposta.
Entendo que a grande discussão é relativa ao direito adquirido, quero
registrar, porém, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, que, mesmo sabendo que a
função desta Comissão é só verificar a admissibilidade da matéria, não só nós,
Deputados — e não vou dizer que não podemos —, mas também os expositores, a
todo momento, acabam enveredando para o mérito, que, volto a dizer, é algo que
terá de ser apreciado pelo Plenário.
Não estamos aqui para discutir o déficit ou o superávit da Previdência, a
perda da qualidade nos quadros do serviço público, quem perde ou quem ganha
com as modificações. Teremos de fazer essas discussões no plenário, caso a
proposta seja constitucional. Muito embora tenhamos essa possibilidade na hora de
darmos o nosso voto, essa parte tem de ser desconsiderada, senão estaremos
atentando contra o direito democrático do Plenário de discutir e votar as reformas.
Então, essa é a minha preocupação, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados.
A todo momento vejo pessoas dissertando sobre questões políticas e humanitárias e
várias outras, que podem ser discutidas aqui, porém, deverão ser desconsideradas,
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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porque aqui estamos para analisar o aspecto jurídico da constitucionalidade, da
admissibilidade da matéria.
Acredito plenamente aceitável a posição do Dr. Barroso, não vejo nenhum
absurdo em sua tese. Muito pelo contrário, vários outros juristas têm tido posição
parecida. Inclusive, Sr. Presidente, o Dr. Jefferson Carús Guedes escreveu
interessante artigo sobre o assunto. Há controvérsias, inclusive no Supremo Tribunal
Federal.
Leio pequeno trecho desse artigo do Dr. Jefferson Carús Guedes:
“Nesse momento despontam impávidos outros
argumentos contrários à instituição da cobrança, tal como
a existência do direito adquirido a não serem tributados os
proventos e as pensões. Não se identificou a ofensa a
direito adquirido no julgamento das ações diretas de
inconstitucionalidade números 1.441-2-DF e 1.430-7-BA,
que examinavam a constitucionalidade de leis estaduais
que taxavam inativos. Já sob a vigência da Emenda
Constitucional nº 20, quando do julgamento da ação direta
de inconstitucionalidade nº 2.010-2-DF, não houve
pronunciamento sobre o direito adquirido.
Ainda, Sr. Presidente, com relação aos argumentos dos que apostam na
impossibilidade da incidência da contribuição sobre proventos, a questão já foi
examinada também pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.441,
quando afirmou o Relator, Ministro Octávio Gallotti, que não se acham imunes os
vencimentos ou proventos à incidência de tributos e contribuições.
Concluindo, Sr. Presidente, do ponto de vista jurídico a questão é
extremamente controversa e seria muito injusto nós atacarmos as pessoas que vêm
contribuir com o debate, dizendo que se tratam de teses, digamos assim, duvidosas.
Tal comportamento seria muito deselegante da nossa parte. Há correntes de ambos
os lados.
Termino agradecendo ao Dr. Rubens Approbato e ao Dr. Luís Roberto
Barroso a presença, que muito contribuiu para que pudéssemos consolidar nossa
convicção na hora do voto.
Muito obrigado.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Passo a palavra
ao Deputado Vicente Arruda, não sem antes dizer aos ilustres convidados que não
estão obrigados a responder os questionamentos se, no momento das suas
respostas, os respectivos Deputados não estiverem no plenário.
São 13h49min. Passo a palavra ao Deputado Vicente Arruda.
O SR. DEPUTADO VICENTE ARRUDA - Sr. Presidente, Dr. Approbato,
Professor Luís Roberto Barroso, não vou expor o meu pensamento sobre a questão
da PEC, quero apenas ouvir algumas respostas sobre problemas levantados por
ambos os debatedores.
O art. 40, nos §§ 2º e 3º, unificou os dois sistemas, o da Previdência Social e
o do serviço público, porque estabeleceu o mesmo limite e a mesma base de cálculo
para a aposentadoria. Então, pergunto: se há a unificação dos sistemas, como se
pode tributar um novo membro do sistema único, o servidor, e não tributar o
aposentado da Seguridade Social, uma vez que, a partir da emenda, ambos vão
contribuir com base no teto de R$1.500,00 ou de R$2.400,00?
Acredito não ser inconstitucional a contribuição do inativo, porque os arts. 195
e 40 da Constituição dispõem que a seguridade social será financiada. É um
princípio universal, e não só para os que estão na atividade, para dar
sustentabilidade ao sistema. Por conseguinte, os beneficiários poderão e deverão
contribuir para não pôr em perigo a higidez do sistema. Mas, no caso específico,
temos de verificar que os aposentados que não estavam no sistema unificado não
podem seguir as regras do novo sistema, então, eles estão fora do sistema. Se o
servidor que se aposentar agora não vai contribuir como aposentado, por que o atual
vai fazer isso? É um tratamento desigual.
Em segundo lugar, o atual sistema da Previdência Social não é injusto —
segundo o Prof. Luís Roberto Barroso, o atual sistema é injusto e desigual —
porque, a partir das Emendas nºs 3 e 20, o sistema de previdência do servidor
passou a ser contributivo. É uma questão atuarial, saber se a contribuição dá ou não
para cobrir os gastos com aposentadoria. Poderíamos fazer a igualdade, a
unificação com o inverso, elevando o nível da previdência privada para equipará-la à
do servidor, porque é um sistema atuarial de seguro social.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Muito obrigado,
Deputado Vicente Arruda, pela participação.
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Passo a palavra ao próximo orador inscrito, Deputado Maurício Quintella
Lessa. Antes de S.Exa. começar a falar, porém, lembro que são 13h54min e que
continua acionada a luz vermelha do plenário. Portanto, se não for alterada a
situação da sessão plenária, vamos ter de fazer blocos de cinco oradores, ao invés
de dez, para aproveitar a possibilidade ouvirmos as respostas dos nossos
convidados.
O SR. DEPUTADO MAURÍCIO QUINTELLA LESSA - Sr. Presidente, Dr.
Rubens Approbato, Dr. Luís Roberto Barroso, prometi a mim mesmo que deixaria
meu pronunciamento para depois de ouvir a Relatoria e as mais diversas teses que
surgiriam nesses debates, mas como a promessa foi a mim mesmo e não a um
santo, sinto-me no direito de quebrá-la.
A tese que mais me chamou a atenção foi a de que emenda constitucional
pode alterar direito adquirido, defendida pelo companheiro José Eduardo Cardozo —
tese não, conclusão.
Diz S.Exa.:
“O Direito visa à segurança, e nenhum sistema
consegue petrificar-se a tal ponto que iniba a
possibilidade de ele próprio se adequar às realidades
transformadoras. Nenhum sistema jurídico traz no seu
contexto o germe de sua destruição revolucionária. Se
para qualquer direito tivermos de pegar em armas quando
quisermos suprimi-lo, neste País teríamos um sistema
anódino, que diz que, para que eu possa ser adaptado às
realidades sociais, tenho de ser derrubado por revolução.
Isso contraria a ordem jurídica”.
Não tenho a menor dúvida de que todos nós queremos a reforma da
Previdência. Essa reforma tem de ser feita, porque, sem dúvida nenhuma, há uma
injustiça, que será discutida no mérito. Fico extremamente preocupado quando vejo
o servidor público ser tachado de preguiçoso e o aposentado de vagabundo. Mas é
a primeira vez, sinceramente, que ouço dizer que servidor público é classe
dominante e que a reforma da Previdência prejudica a classe dominante do País.
Faço parte do Partido Socialista Brasileiro, estou na base do Governo e vou
votar com meu partido por respeito à decisão majoritária. Contudo, preciso ser
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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absolutamente convencido de que a reforma tributária não vai beneficiar a classe
dominante, que é o Sistema Financeiro. A taxação de inativos é apenas — aqui para
nós —, o boi de piranha dessa reforma, porque, na verdade, o que se quer é
privatizar o dinheiro dos aposentados do País.
O Sistema Financeiro está de olho na previdência complementar e nos fundos
de pensão. Portanto, a tese de S.Exa. tem um fim absolutamente lógico para passar
por aqui e ser discutida no plenário, mas não me convenceu. Gostaria de ouvir
outras argumentações, até porque tenho aqui a lição de Celso Antônio Bandeira de
Mello, em seu livro de Direito Administrativo, — trazida a este plenário pelo
Deputado Darci Coelho — que, a meu ver, vai de encontro justamente a sua tese:
“Observe-se que nem mesmo a nova emenda
constitucional, expressamente reportada a aposentados e
pensionistas, teria o condão de alcançar os que
atualmente se encontram nessa situação. É que a
emenda constitucional não pode atingir atos jurídicos
perfeitos e direitos adquiridos, pois estes estão protegidos
pelas cláusulas pétreas, no art. 60, § 4º, inciso IV, de
acordo com o qual não será sequer objeto de deliberação
a medida tendente a abolir os direitos e garantias
individuais. O ato jurídico foi perfeito e o direito adquirido
neles já estão expressamente inclusos, conforme o art. 5º,
inciso XXXVI.”
O Deputado José Eduardo Cardozo afirma que a lei não poderia atacar direito
adquirido. S.Exa. interpreta a palavra “lei” de forma absolutamente restritiva.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Para concluir,
nobre Deputado.
O SR. DEPUTADO MAURÍCIO QUINTELLA LESSA - Mas o jurista Carlos
Ayres de Britto diz:
“É visível que a expressão ‘lei’ foi utilizada em
sentido amplo, compreendendo qualquer espécie
normativa, sendo que a emenda constitucional o é, pois
inclusa nas figuras arroladas no art. 59, da Constituição.
Por outro lado, o que o art. 60, § 4º, proíbe — se não
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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considerarmos dessa forma emenda constitucional — é
que, por emenda constitucional, sejam atingidos direitos e
garantias individuais, pouco importa o que diz o art. 5º,
inciso XXXVI, da Constituição.
Portanto, gostaria de ouvir a tese de S.Exa. para que possamos discuti-la. No
meu entendimento, é a única forma de admitirmos essa emenda constitucional aqui
proposta.
Era o que tinha a dizer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Deputado
Maurício Quintella Lessa, o Deputado José Eduardo Cardozo é nosso colega,
portanto, podemos discutir sua tese todos os dias, todas as semanas.
Solicito aos membros desta Comissão que aproveitem a presença dos dois
convidados, que vão estar aqui somente hoje — não são detentores de mandato
parlamentar — para esclarecer nossas dúvidas.
Concedo a palavra ao Dr. Rubens Approbato Machado, Presidente da OAB,
para que faça as considerações pertinentes às cinco indagações, e, em seguida, ao
Dr. Luís Roberto Barroso.
O SR. RUBENS APPROBATO MACHADO - Senti que as exposições feitas
não são indagações, mas discussões a respeito dos temas que desenvolvemos.
Seria extremamente repetitivo dizermos que alguns concordam e outros não. Isso é
próprio da democracia, inclusive ao querer o Deputado Rubinelli dizer que esta é
uma Casa política. Por mais que queiramos falar de Direito, não dá para não tratar
do mérito, é muito difícil. As coisas estão umbilicalmente ligadas. Se a questão do
mérito fosse tão clara e tão evidente, não haveria a necessidade de se estar
discutindo as preliminares.
Então, peço desculpas se em algum momento me excedi e invadi área que
não é minha. Entretanto, estando numa Casa política como esta, senti-me animado
e com vontade de falar. E gosto muito de falar. Permito-me pedir desculpas se,
eventualmente, invadi seara que não era a minha. Mas estou certo da compreensão
e da estima que tenho pelo Rubinelli — permita-me chamá-lo assim. Estamos
batalhando, ainda que eventualmente com divergências, por um fim maior: o
engrandecimento do País.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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Foi perguntado pelo Deputado Vicente Arruda se há unificação, como se pode
tributar o novo servidor e não tributar o antigo. Também já fiz referência ao fato de
que essas transitoriedades acabam gerando contribuintes de diversas categorias: de
primeira classe, de segunda classe, de terceira classe e de quarta classe. Isso é
uma afronta, na minha visão, ao princípio da paridade, da igualdade e da isonomia.
E é mais um motivo que nos leva a esse tipo de problema.
Agradeço também ao meu colega do Amazonas, que teve que se retirar — e
veio, inclusive, me dizer os motivos, não havia necessidade disso —, ao Deputado
Alexandre Cardoso, pela forma didática como expôs suas posições, e, por fim, ao
Deputado Maurício — se me permitem chamá-lo assim, agora estou quebrando o
protocolo porque me disseram que sou Presidente de todos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - V.Exa. é o
Presidente de todos.
O SR. RUBENS APPROBATO MACHADO - Peço desculpas. A situação foi
bem apresentada. O tema levantado pelo Deputado José Eduardo merece reflexão
profunda. Torno a repetir: tenho profunda admiração pelo trabalho desse
extraordinário Parlamentar, que deu lições em São Paulo, e cuja votação foi
consagradora, a maior de São Paulo. É um jovem talentoso de outra escola, mas é
contemporâneo da minha filha e, portanto, também tenho certo carinho paternal por
S.Exa.
Todos conhecem a nossa luta para a moralização da Administração Pública
Municipal na cidade de São Paulo, e o resultado da eleição mostrou que estávamos
certos, escorraçando os corruptos daquela Casa tão bem presidida por S.Exa.
Quero dizer que merece reflexão, sim, e isso tem de ser dito. S.Exa. me
mandou uns documentos, que eu li com atenção, mas continuo não convencido. Se
levarmos em consideração que, num determinado momento, a necessidade pública
— não sei qual é essa necessidade — exigir violarmos preceitos fundamentais,
acabou a segurança de todos nós.
Permitam-me lembrar que, quando do Plano Collor, naquele primeiro
momento, disseram que ou todo mundo colaborava ou o País quebrava, e que quem
não colaborasse seria considerado impatriótico. Vimos que aquilo foi um assalto,
uma heresia jurídica, e muitas vozes se calaram, quando não podiam se calar. E foi
na magistratura de primeiro grau que houve a resposta. Certamente os Tribunais
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Constituição e Justiça e de RedaçãoNúmero: 0562/03 Data: 21/05/03
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Superiores — envolvidos por aquela pressão do sentimento nacional de querer fazer
com que este País saísse da crise — teriam acolhido como constitucional aquela
norma, aquela violência, aquela heresia jurídica. Então, precisamos tomar o cuidado
de não, em nome desses princípios, muitas vezes extremamente relevantes,
ultrapassarmos aquilo que é fundamental nas relações humanas: o cumprimento do
direito.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Vamos ouvir as
considerações do Prof. Luís Roberto Barroso.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma
importante consideração inicial, para não ser precipitado. Quando alguém me
procura para um parecer ou para estudar alguma matéria, geralmente ouço, não
respondo nada, penso, leio, dois, três dias, depois respondo, digo se tenho ou não a
tese.
A propósito da questão levantada pela Deputada Juíza Denise Frossard sobre
as carreiras de Estado, não refleti sobre isso. S.Exa., na verdade, me fez pergunta
sobre algo em relação ao qual não tenho nenhum grau de amadurecimento.
Gostaria, a propósito do tema, de me reservar o direito de não me manifestar sobre
ele, por não ter uma opinião formada e não querer ser precipitado. Portanto, não
estou emitindo um juízo sobre se carreiras de Estado devam ter um regime
específico.
Deputado Alexandre Cardoso, conheço e acompanho o seu trabalho, sou um
sujeito atento. Durante a ditadura militar era um pouco mais fácil as pessoas se
posicionarem politicamente. V.Exa. estava de um lado ou do outro. Hoje, o País tem
muitas sutilezas, muitas nuanças, de modo que V.Exa. não me conhece, mas eu o
conheço, e pensamos boa parte dos problemas do mundo de forma assemelhada.
Neste exato momento, estamos em posições opostas, o que provavelmente não diz
respeito ao reino das boas intenções. Quer dizer, nós estamos avaliando
diferentemente uma situação de fato.
Eu me coloquei como técnico, mas fiz uma qualificação inicial. Disse que
nenhuma interpretação hoje em dia seria a de um relato abstrato da norma. Sou um
espectador engajado, não sou uma pessoa indiferente aos resultados da
interpretação que professo. Nesse sentido, não sou um técnico, sou uma pessoa
que pensa politicamente, porque sofro as influências políticas, como V.Exa., eu
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apenas não devo contas a nenhum eleitorado, não disputo votos — o que às vezes
torna minha vida mais fácil, às vezes mais difícil. Então, entendo as circunstâncias
políticas, e acredito que alguém dizer que essa é uma interpretação estritamente
neutra e imparcial é uma falsidade. Não existe isto. Existem os conceitos básicos, as
categorias com as quais se trabalham, mas as pessoas fazem escolhas na vida,
inclusive na hora de interpretar.
V.Exa. é contrário à mudança do sistema ou à inexistência de um regime de
transição? V.Exa. é contra a mudança do sistema geral da Previdência?
O SR. DEPUTADO ALEXANDRE CARDOSO - Não. Se for apresentado um
regime, evidentemente vou me manifestar a respeito. Mas só posso manifestar-me
em cima de uma tese concreta, se for apresentado um regime que mude a forma de
financiamento. Prof. Luís Roberto Barroso, há enorme diferença entre fazer a
Previdência dar lucro. Temos de ter receita no Tesouro, não na Previdência.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Entendi. Quer dizer, eu tenho muitas
angústias relativamente ao modelo de transição, e tenho pouquíssimas angústias
relativamente ao modelo que se pretende implantar. Quer dizer, esse é o modelo
que entendo correto mesmo. Acima de um determinado patamar, que as pessoas
vão contribuir para sua própria aposentadoria, como acredito de justiça.
De modo que apóio o modelo, apenas entendo que a transição envolve
muitas situações difíceis. Não acredito que tecnicamente se possa dizer que está
encerrada a relação entre a Administração e o inativo, até porque se a
Administração não pagar um mês, o inativo tem direito subjetivo de ir à juízo obter
determinada prestação. Se não houvesse relação jurídica entre eles, não haveria
esse direito. É uma prestação de trato continuado, que eu consideraria a existência
de um regime jurídico.
Ouvi atentamente o Deputado Rubinelli, mas não era exatamente um
questionamento.
Deputado Vicente Arruda, há uma premissa com a qual V.Exa. trabalhou que
não estou seguro de que seja a intenção da reforma. Não acredito que haja uma
unificação dos sistemas. Os sistemas continuam separados, eles apenas passaram
a ter alguns princípios comuns, mas continua havendo o Regime Geral da
Previdência e o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos, com regras
próprias, embora com algumas regras comuns.
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O SR. DEPUTADO VICENTE ARRUDA - Quais são os princípios que
diferenciam um regime de outro? Não é a maneira de se calcular a aposentadoria e
o valor dela?
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Digo a V.Exa. que não houve uma
unificação do sistema. Continua a haver dois sistemas separados.
O SR. DEPUTADO VICENTE ARRUDA - Isso é nominalmente, não é?
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Eu teria de pesquisar um pouco para
responder. Acredito que eles têm algumas semelhanças pontuais importantes.
O SR. DEPUTADO VICENTE ARRUDA - Mas o objetivo é unificar, embora
não haja essa fusão, é torná-los iguais ou, pelo menos, semelhantes.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Seja como for, o argumento que V.Exa.
usou de que, a partir da Emenda Constitucional nº 3, o sistema passou a ser
contributivo, é absolutamente correto, mas não deu tempo, quer dizer, o sistema
previdenciário é um sistema de capitalização, de pecúlio. Então, em 10 anos, não
gera capitalização suficiente.
O SR. DEPUTADO VICENTE ARRUDA - É necessário cuidar...
(Intervenção inaudível.)
O SR. DEPUTADO VICENTE ARRUDA - Um momentinho. Isso é importante.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – V.Exa. pede um
momentinho, mas continua falando! Que “momentinho” é esse?
O SR. DEPUTADO VICENTE ARRUDA - É porque S.Sa. falou sobre a
transição...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Deputado
Vicente Arruda, por favor, faltam oito inscritos. Vou pedir a V.Exa., pela segunda vez,
que não interrompa o orador. Senão, fica um bate-boca, ou melhor, um diálogo, com
prejuízo para os demais integrantes da Comissão. Se houver necessidade de um
esclarecimento, o Prof. Luís Roberto Barroso o pedirá explicitamente. E V.Exa., com
um “momentinho”, indagará.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - De qualquer forma, o sistema passou a
ser contributivo, mas não deu tempo de se autofinanciar ainda.
Deputado Maurício Quintella Lessa, é muito interessante a sua indagação
sobre quem seja a classe dominante no Brasil. Para nossa razoável perplexidade —
nós, que vivemos no mundo da classe média para cima, que é um mundo muito
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pequeno —, quem ganha acima de R$2.400,00 no Brasil, por curioso ou paradoxal
que possa parecer, está na face privilegiada e dominante do País. É um percentual
relativamente pequeno, mas devo dizer a V.Exa. que meu sentimento é o de que os
setores mais organizados são os mais favorecidos.
Não entendo, veja bem, que haja excesso de remuneração no serviço público.
O serviço público no Brasil, no geral, é mal pago, inclusive nas carreiras mais
elevadas. Não considero o serviço público uma festa, em muitas áreas, ele é de
altíssima qualidade.
Sou Procurador do Estado do Rio de Janeiro, como V.Exa. talvez saiba,
embora eu esteja licenciado. Vivo a realidade, conheço as pessoas, habito esse
mundo de pessoas sérias, que trabalham e têm expectativas legítimas. Entretanto,
estamos lidando com um sistema que quebrou. O adiamento da solução é o
agravamento do problema. Tenho certa dificuldade em imaginar que proposta
alguém de boa fé e comprometido com o País tem a oferecer para um modelo que a
cada vez consome mais recursos do Orçamento para cobrir déficits. Daqui a pouco,
uma parcela importantíssima da arrecadação vai ser canalizada para o pagamento
da Previdência. E isso compromete investimento social, investimentos em
saneamento, em habitação — aliás, não temos um projeto habitacional.
Então, estamos fazendo uma escolha trágica, que é um termo técnico,
quando, na política e na vida, é preciso escolher entre duas coisas que são certas e
desejáveis. Por isso, é preciso dosar a quantidade de ônus que se vai impor aos
servidores públicos na fase de transição, mas é preciso fazer essa transformação.
As categorias menos favorecidas do Regime Geral da Previdência não têm
capacidade de mobilização política, por isso o regime privado é muitíssimo defasado
em relação ao regime de serviço público. A fórmula que se está alvitrando para o
futuro é boa, o problema do presente, vamos administrar com política — V.Exas. vão
estabelecer um meio-termo para isso.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Vou premiar
quem ficou pacientemente esperando a vez da sua indagação. Nesse sentido, estão
inscritos, ao final da lista, os seguintes Srs. Deputados: Wilson Santos, Wilson
Santiago, Bosco Costa e Jair Bolsonaro. A partir de então, terão a palavra para as
últimas considerações o Dr. Rubens Approbato Machado e o Prof. Luís Roberto
Barroso.
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Deputado Wilson Santos, V.Exa. tem a palavra para indagar aos nossos
convidados.
O SR. DEPUTADO ALEXANDRE CARDOSO – Sr. Presidente, peço a
palavra pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Tem V.Exa. a
palavra.
O SR. DEPUTADO ALEXANDRE CARDOSO – Sr. Presidente, quero apenas
registrar as minhas desculpas. Sou daqueles que fica até o final, mas vou presidir a
reunião da Comissão de Reforma Política. Portanto, registro minhas desculpas aos
meus pares e aos nobres convidados.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Deputado
Alexandre Cardoso, sou testemunha de que V.Exa. ficou, fez suas perguntas, ouviu
as respostas, mas cada um de nós tem outras atribuições na Câmara dos
Deputados.
Às 14h17min, tem a palavra o Deputado Wilson Santos.
O SR. DEPUTADO WILSON SANTOS – Muito obrigado, Sr. Presidente,
Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh.
Vou começar com as perguntas dirigidas ao Dr. Luís Roberto Barroso. Como
calcular a aposentadoria pela média, se a Previdência não dispõe de dados e
informações oficiais seguras relativas a antes de junho de 1994? Segunda pergunta:
O Estado brasileiro dará aval aos bilhões de dólares que serão canalizados para o
sistema financeiro especulativo?
Presidente Luiz Eduardo Greenhalgh, nos últimos 73 anos, o Brasil teve 15
Presidentes da República; dos 15, só 2 foram eleitos democraticamente e
concluíram os seus mandatos: Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso.
É uma instabilidade permanente neste País. Fala-se agora em taxar inativos. Em
1998, eu era Deputado Estadual em Mato Grosso, e o Governador encaminhou a
mesma proposta de taxação, votei contra, mesmo sendo da bancada do Governo.
Desta feita, não sou da bancada governista e repetirei o meu voto contrário
extremamente convencido do que faço.
Em relação a essas alterações, trago a V.Exa. e à Comissão trecho de
fantástica entrevista do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, concedida ao radialista e
jornalista Adalberto Piotto, da CBN, no dia 20 de maio de 2001. Disse o Presidente:
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“O Supremo já decidiu sobre essa matéria. Taxação de inativos, não. Admito apenas
discutir a possibilidade de taxação para os novos servidores que haverão de
adentrar no serviço público.”
Vou trazer o áudio e as notas taquigráficas dessa entrevista, para que seja
registrada nos Anais da Comissão.
Quando me tornei Deputado Estadual, em Mato Grosso, em 1991, conheci lá
um privilégio chamado Fundo de Assistência Parlamentar — FAP. Esse fundo
permitia ao Parlamentar, inclusive a mim propriamente, tornar-se pensionista
integralmente com apenas doze anos de contribuição. Mas se eu quisesse pagar
dobrado, 16% ao mês, eu me tornaria pensionista integral com apenas seis anos de
contribuição.
Agradeço a generosidade a V.Exa., Sr. Presidente, que não foi tão grande
quanto à dispensada ao Deputado Patrus Ananias, que falou durante oito minutos.
Ouvirei as devidas respostas.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Muito obrigado,
Deputado Wilson Santos, pela sua colaboração com esta Presidência.
Passo a palavra ao Deputado Wilson Santiago, às 14h21min.
O SR. DEPUTADO WILSON SANTIAGO – Sr. Presidente, inicialmente,
gostaria de parabenizar, o Presidente, o Relator e os demais integrantes da
Comissão, por convidarem pessoas que detêm amplo conhecimento sobre a
matéria, para debatermos este e outros assuntos nos últimos dias.
Como preciso ser breve, em decorrência do tempo, que não se alongará
muito, passo direto à questão do subteto. Todos sabemos que o Judiciário é um dos
pilares da democracia. A partir do instante em que os Estados são autorizados a
estabelecer seus respectivos tetos, não só para o Judiciário, como para todas as
categorias — logicamente apego-me aqui ao Judiciário —, esse pilar da democracia
estará numa situação de fragilidade. Imaginem V.Exas. se amanhã, por exemplo, o
salário de um juiz ou de um desembargador for determinado pelo Governo do
Estado. Nesse caso, como fica a independência desse Poder nos respectivos
Estados?
Encaminho ao Sr. Relator sugestão, que, espero, seja bem analisada pelos
conferencistas de hoje. O ideal não seria definirmos um teto nacional para todas as
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categorias dos servidores públicos e, a partir de então, pensarmos na prevalência da
autonomia dos Poderes em todos os Estados da Federação?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Deputado
Bosco Costa, V.Exa começa a falar às 14h23min.
O SR. DEPUTADO BOSCO COSTA – Sr. Presidente, ilustres palestrantes,
Sr. Relator, Sras. e Srs. Deputados, serei breve, até porque o avançado da hora
cansa a todos.
Os debates são de suma importância para que cheguemos a um
denominador comum. Tendo ouvido os Srs. Deputados e os expositores, e fico em
dúvida. Imaginem o quanto o nobre Relator está preocupado com este relatório. A
Constituição diz que a lei não prejudicará direito adquirido. E refiro-me a tudo aquilo
que venha ser feito pós-Constituição. Todos sabem que a Constituição originária,
promulgada em 5 de outubro de 1988, pode tudo. Mas não a Constituição derivada,
ou seja, aquela que é fruto das emendas constitucionais. Por que não? Porque a
emenda à Constituição é poder constituído, não constituinte; ela é limitada pela
Constituição. Por isso, ficamos preocupados.
No que se refere ao subteto, o Ministro Marco Aurélio, com muito acerto,
sinalizou no sentido de que a nova regra violaria o princípio da separação dos
Poderes. Todos nós sabemos que, no Brasil, o problema da Previdência é gerencial.
A contribuição dos inativos não resolverá o problema da Previdência em nosso País,
principalmente porque o novo Governo sempre defendeu a bandeira dos
trabalhadores e dos inativos.
Em primeiro lugar, o Governo Lula deveria designar alguém para melhor
gerenciar os recursos da Previdência. E, em segundo lugar e acima de tudo, antes
de taxar os inativos, o Governo deveria cobrar dos devedores da Previdência.
Sr. Presidente, agradeço a V.Exa. a paciência.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Não há o que
agradecer, pois V.Exa. falou dentro do tempo.
Tem a palavra o Deputado Jair Bolsonaro, às 14h26min.
O SR. DEPUTADO JAIR BOLSONARO - Sr. Presidente, não serei repetitivo.
Pretendo fazer apenas algumas observações.
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O nobre Prof. Barroso falou a respeito de classe dominante. Nesse sentido,
cabe lembrar que, como um todo, a reforma não leva em conta o mérito relativo ao
servidor.
Parabenizo o Dr. Rubens Approbato por ter falado não o que eu queria ouvir,
mas, sim, aquilo que eu e muitos de nós deveríamos ouvir.
Com todo o respeito, eu jamais aceitaria freqüentar as aulas de Direito
Constitucional do Prof. Barroso, porque sou um pouco arredio — e isso é
comprovado por meu passado. Entretanto, respeito as firmes opiniões do professor.
Eu já havia decidido o meu voto antes mesmo de ouvir S.Sa., e agora ele está mais
consolidado.
Parabéns à Mesa pelo debate ora proporcionado.
Muito obrigado.
O SR. DEPUTADO MARCELO ORTIZ - Sr. Presidente, peço a palavra pela
ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Deputado
Marcelo Ortiz, antes de conceder a palavra a V.Exa., registro que sou dos que
gostariam de freqüentar as aulas do Prof. Luís Roberto Barroso — declino
publicamente o meu desejo.
Tem a palavra V.Exa.
O SR. DEPUTADO MARCELO ORTIZ - Eu também gostaria de assistir às
aulas do eminente professor.
Solicitei a palavra para pedir escusas por minha indelicadeza involuntária de
não estar presente durante toda a nossa reunião, principalmente porque participei da
vinda desses dois pilares do Direito de nosso País. Minhas escusas ao meu
particular amigo, Dr. Rubens Approbato Machado, meu Presidente de coração, e ao
Dr. Luís Roberto Barroso, meu preferido para estar no tribunal — e S.Sa. bem sabe
disso —, e a esta Casa. Outros motivos me impediram de estar aqui. S.Sas. sabem
perfeitamente que eu gostaria de ter estado presente durante todo o tempo.
Sr. Presidente, obrigado pela oportunidade de me manifestar.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Dr. Rubens
Approbato Machado, a Ordem é a Ordem dos Advogados do Brasil sempre foi, é e
será a nossa maior referência. Fico muito tranqüilo em dizer ao amigo e Presidente
que, mesmo tendo S.Exa. expressado suas opiniões, temos a obrigação de levar em
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consideração o oferecimento e o gesto da Ordem de contribuir com o Parlamento,
com a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação e com a Nação brasileira.
Saiba de nossa gratidão por ter vindo aqui para expor as teses da Ordem e reclamar
por ela não ter sido ouvida antes. Espero que V.Sa. faça justiça: não foi ouvida
antes, porque agora está sendo ouvida na Comissão de Constituição e Justiça e de
Redação da Câmara dos Deputados.
Concedo a palavra ao Dr. Rubens Approbato Machado, para suas
considerações finais.
O SR. RUBENS APPROBATO MACHADO - Em primeiro lugar, cumprimento
meu querido amigo Marcelo Ortiz.
Quando fui Presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de
São Paulo, S.Exa. era Presidente da Subseccional de Guaratinguetá e estava lá
todo dia cobrando do Presidente e fazendo pedidos — e era sempre atendido,
porque suas reivindicações eram sempre muito sérias.
Quero dizer ao meu querido e fraterno amigo Deputado Greenhalgh que
quem se sente honrado sou eu e a advocacia brasileira por poder estar aqui
presente, debatendo com os Parlamentares na Casa do Povo. E todos nós temos os
mesmos ideais. Além disso, a Ordem dos Advogados do Brasil tem sido, nos
momentos mais difíceis deste País, o facho de luz que leva à defesa da sociedade e,
portanto, não pode ficar ausente nessas discussões.
Esclareço que falo em nome da Ordem dos Advogados do Brasil e que
certamente atrás de mim há um grupo imenso, uma legião de conselheiros,
dirigentes e de advogados da Ordem que não comungam com meus pensamentos
pessoais, mas isso é próprio da nossa atividade. Hoje de manhã, por exemplo,
discutia com alguns colegas pontos divergentes, mas isso é próprio da democracia
— e esta Casa tem esse apanágio.
Reitero, portanto, que temos de estar juntos, o que não significa que
tenhamos de aderir aos pensamentos dos Parlamentares ou estes aos nossos.
Temos de estar juntos, o que significa debater as controvérsias, para encontrarmos
o melhor caminho para o País.
Ouvi as últimas manifestações do Deputado Wilson Santos, que apresenta
firmemente suas posições, e também as dos Deputados Wilson Santiago, Bosco
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Costa e Jair Bolsonaro, que me honra dizendo que já decidiu seu voto, mas que se
assim não fosse tomaria como base as nossas manifestações.
Com relação ao teto, faço agora algumas observações que não fiz antes
porque não deu tempo. Estou absolutamente de acordo com as manifestações.
Entendo que a forma como está sendo feita vai criar uma generalização de tetos,
porque no Brasil temos mais de 5.000 Municípios — já imaginaram cada Prefeito
estabelecendo um valor para o teto, assim como cada um dos 27 Governadores?!
Um aspeto que me pareceu fundamental e que foi ressaltado aqui é o de que
todos os servidores são provisórios, que não são, na verdade, funcionários públicos,
apenas estão num cargo público. Quem é definitivo é o servidor de carreira. E quem
é de carreira? O servidor do Poder Judiciário. Por isso há essa referência ao Poder
Judiciário, porque este, sim, é de carreira, é um servidor público permanente,
vitalício, como diz a Constituição Federal. Então, estou absolutamente de acordo.
Há alguns pontos sobre os quais eu e o professor Luís Roberto Barroso
divergimos, mas com relação a esse aspecto, especificamente, estamos
unissonamente de acordo — e esse é um ponto fundamental.
Quero registrar, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, em nome dos
advogados brasileiros, o reconhecimento de que esta Casa realmente abriu a
discussão publicamente. Eu só espero que tal atitude surta efeitos, pois sei que na
política tudo pode acontecer — até estávamos discutindo sobre isso, mas a situação
já está definida.
Confio neste Parlamento. Confio mesmo. Não vim aqui para dizer o que não
sinto. Meu coração me dita isso — e, muitas vezes, até me tem custado caro dizer o
que penso. O Parlamento tem esta função, é para isto que existe o Parlamento no
regime democrático: ouvir, falar, consultar a opinião pública, abrir o debate. Pode ser
que convença e pode ser que não, mas há a liberdade de convencer e não impor.
Acredito na fidelidade partidária, acredito nos programas partidários, acredito que
deva haver uma discussão interna, mas não a ponto de isso derrogar o princípio da
liberdade de cada um de nós.
Querido e fraterno amigo Luiz Eduardo Greenhalgh, estou sempre à sua
disposição. Não é necessário nem convocar, basta pedir que estaremos aqui
presentes, sempre. Torno a repetir que gostaríamos de estabelecer esse contato
para que possamos permanentemente estar aqui.
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A Ordem dos Advogados do Brasil também colaborará intensamente no tema
da Previdência, porque teve a honra de ver que um dos seus componentes, Maurício
Rands, conselheiro federal da Ordem, aqui presente, é o Relator. E S.Exa. tem toda
a liberdade, é bom que se diga isso, porque não viemos aqui para fazer pressão. O
Deputado Maurício Rands fará aquilo que sua consciência mandar, com base nas
discussões, e de forma que possa refletir o sentimento de todos nós.
Muito obrigado. Um abraço a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Muito obrigado,
Dr. Rubens Approbato Machado.
Concedo a palavra ao Dr. Luís Roberto Barroso, para suas considerações
finais.
Antes porém, em nome da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
dos Deputados, em nome do Parlamento brasileiro, agradecemos aos ilustres
convidados de hoje as lições de Direito e de vida, de sentimento e de razão, com
que nos brindaram.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Caro Presidente da OAB, Rubens
Approbato, tive muita honra de participar do debate. O Presidente Approbato tem
dado visibilidade à Ordem ao fazê-la ocupar o espaço que lhe cabe. O papel da
Ordem é de não-alinhamento mesmo, de ser consciência crítica dos atos do Poder,
para que se faça uma reflexão sobre eles o tempo todo. Foi uma honra estar aqui
em tão ilustre companhia.
Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, fiquei vivamente impressionado com a
forma com que V.Exa. conduziu os trabalhos. V.Exa. é disciplinador, e tudo
funcionou muitíssimo bem.
Deputado Wilson Santos, não sei dizer a V.Exa. como calcular. Não tenho
essa resposta, nem seria normal que eu a tivesse. Quero apenas dizer o seguinte:
onde o serviço não for capaz de fazer a contabilidade certa, acho que deve
prevalecer o direito que já existe. Portanto, ou eles terão condições, ou teremos de
revisitar esse assunto. Evidentemente, para os novos, isso não será problema,
porque essa contabilidade vai ser feita. Talvez esse seja o elemento importante do
processo de transição, que, acredito, tem de ser revisitado.
A propósito dos bilhões para o Sistema Financeiro, gostaria de fazer uma
reflexão com V.Exa. Todo país tem de ter um sistema financeiro. Então, o fato de
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existir um sistema financeiro ordenado não é, em si, mau, e é até muito bom que ele
seja sólido. Penso que se há um sistema financeiro de base securitária, quer dizer,
um amplo avanço do mercado de seguros, sorte a deles, que estavam no lugar
certo, na hora certa. Quer dizer, não acredito que devamos deixar de fazer o que
consideramos correto porque vai favorecer determinado segmento.
O SR. DEPUTADO WILSON SANTOS – Permite-me V.Sa. esclarecer minha
pergunta?
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Certamente.
O SR. DEPUTADO WILSON SANTOS – Relativamente à previdência
complementar privada, minha pergunta é: V.Sa. acha correto o Governo avalizar
tudo isso? Porque em algumas experiências estrangeiras os fundos privados
quebraram, e os trabalhadores e servidores ficaram a ver navios.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Inclusive no Brasil, os antecedentes
são péssimos. É verdade que não havia fiscalização.
O SR. DEPUTADO WILSON SANTOS – Esta é minha pergunta: que fazer
para que haja a segurança de que aquilo que eu aplicar no fundo complementar
privado eu terei de volta quando da minha necessidade?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Esclarecida sua
pergunta, com a palavra o Dr. Luís Roberto para a resposta.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Acredito que V.Exa., como qualquer
outro servidor público, terá o livre-arbítrio de escolher entre um sistema
previdenciário complementar público, que o projeto prevê seja criado, ou um sistema
previdenciário complementar privado. E, aí, na vida, arca-se com o ônus das
escolhas. Possivelmente o privado vai lhe oferecer uma remuneração maior do que
o público.
O SR. DEPUTADO WILSON SANTOS – Principalmente com o ônus da
escolha eleitoral.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) – Deputado
Wilson Santos, pedirei a V.Exa. que se atenha ao Regimento. V.Exa. não tem
condições de interromper a palavra do expositor, e já o fez pela segunda vez. Peço
isso a V.Exa. por merecimento pessoal e pela minha relação pessoal com V.Exa.
O SR. LUÍS ROBERTO BARROSO - Portanto, Deputado, concordo com
V.Exa. em que vai haver uma ampliação de determinado segmento dentro do
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sistema financeiro, mas eu não deixaria de fazer o que deve ser feito porque vai
trazer um benefício marginal a outro grupo.
Quanto aos demais pontos, ouvi o Deputado Wilson Santiago acerca do
subteto, e o Deputado Bosco Costa, de Sergipe.
Deputado Jair Bolsonaro, preciso dizer a V.Exa. que freqüento lugares
diversificados. Vou do congresso de Direito Alternativo à Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército. O Direito Constitucional vai aonde é convocado. Por
acaso, vou a esses dois lugares e faço grande proveito, mais proveito quando ouço
do que quando falo. Quer dizer, o pouco do que aprendi ao longo da vida, inclusive
vivendo na ditadura militar, foi no sentido de que devemos ter tolerância e espírito
aberto. Minha capacidade de conviver com o diferente, com o contrário, é absoluta.
Fui criado dessa maneira e sei como é ruim quando ocorre o contrário.
Sr. Presidente, gostaria de concluir fazendo algumas ponderações.
Em primeiro lugar, a reforma previdenciária é um avanço social. Ela enfrenta
a crônica desigualdade brasileira e procura estabelecer sistema mais equânime.
Em segundo lugar, a contribuição do inativo não é constitucionalmente
vedada. Portanto, se a decisão política for por instituí-la, o Supremo Tribunal
Federal, se mantiver coerência com o que já decidiu anteriormente, certamente não
irá declará-la inconstitucional.
Em terceiro lugar, a criação de um subteto vinculado a Governador de Estado
é inconstitucional devido à subordinação dos outros Poderes ao Chefe do Executivo,
ainda mais remarcando as singularidades do cargo de Chefia do Executivo em
âmbito federal e estadual, que não vive de remuneração em espécie.
Em quarto lugar, o que envolve negociação política não é uma questão
constitucional, não é uma questão de direito adquirido, é um regime jurídico. E a
conquista do futuro não permite que se aniquile o presente. Portanto, acho que a
situação de transição entre as pessoas que são colhidas nesse processo de
mudança de regime precisa ser avaliada de forma a se ajustarem o interesse público
e o interesse privado. Não milito na crença de que o interesse público possa tudo e
que, em nome do interesse do Estado, não existam limites.
Fora isso, esforcei-me para ser absolutamente fiel a mim mesmo, ou seja, não
ser populista e pensar no que julgo que é bom para o País. Quer dizer, estou
olhando para frente, mas sem indiferença para os que estão ao meu lado.
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Foi um prazer estar aqui.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh) - Nada mais
havendo a tratar, convoco reunião ordinária deliberativa da Comissão de
Constituição e Justiça e de Redação para amanhã, dia 22 de maio, às 10h.
Está encerrada a sessão.