departamento de taquigrafia, revisÃo e redaÇÃo · questão indígena na amazônia — os...
TRANSCRIPT
CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
CONJUNTA - AMAZÔNIA / RELAÇÕES EXTERIORESEVENTO: Audiência Pública N°: 0697/08 DATA: 20/05/2008INÍCIO: 14h41min TÉRMINO: 17h33min DURAÇÃO: 02h51minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h51min PÁGINAS: 52 QUARTOS: 35
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOANA LUCY GENTIL CABRAL PETERSEN – Diretora de Direitos Humanos e Temas Sociais doMinistério das Relações Exteriores.JOSÉ HUGO VOLKMER – Subsecretário de Administração Financeira do Comando daAeronáutica.DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA – Coordenadora da Sexta Câmara deCoordenação e Revisão do Ministério Público Federal.KLEBER DOS SANTOS KARIPUNA – Secretário-Executivo da Coordenação das AssociaçõesIndígenas da Amazônia Brasileira – COIAB.CAMILO CAPIBERIBE – Deputado Estadual, Presidente da Comissão de Direitos da PessoaHumana, Questões de Gênero, Assuntos Indígenas da Mulher, do Idoso, da Criança, doAdolescente, do Afro-Brasileiro e Defesa do Consumidor – CDPH da Assembléia Legislativa doEstado do Amapá.MÁRCIO MEIRA – Presidente da Fundação Nacional do Índio – FUNAI.
SUMÁRIO: Debate sobre o tema: “A Questão Indígena na Amazônia — os problemas nas áreasde saúde, educação, desenvolvimento sustentável, vigilância, pistas de pouso, fiscalizaçãoambiental e territorial”.
OBSERVAÇÕESHouve exibição de imagens.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Declaro aberta a
presente reunião conjunta de audiência pública, promovida pelas Comissões da
Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional e de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional, em atendimento aos Requerimentos nºs 318, de
2008, da Comissão de Amazônia, de autoria da Deputada Janete Capiberibe; 113,
de 2007, da Comissão da Amazônia, de autoria do Deputado Asdrubal Bentes; e
145, de 2008, de autoria do Deputado Júlio Delgado, para debater o tema “A
Questão Indígena na Amazônia — os problemas nas áreas de saúde, educação,
desenvolvimento sustentável, vigilância, pistas de pouso, fiscalização ambiental e
territorial”.Inicialmente, cumprimento todos os presentes, em especial os senhores
expositores, os quais convido para comporem a Mesa: Sr. Márcio Meira, Presidente
da Fundação Nacional do Índio — FUNAI, e Sra. Ministra Ana Lucy Gentil Cabral
Petersen, Diretora do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do
Ministério das Relações Exteriores.
Está presente o Deputado Marcondes Gadelha, Presidente da Comissão de
Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Trata-se de audiência pública conjunta
das duas Comissões: Comissões da Amazônia, Integração Nacional e de
Desenvolvimento Regional e de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.
Convido ainda o Coronel-Aviador José Hugo Volkmer, Subsecretário de
Administração Financeira do Comando da Aeronáutica; a Sra. Deborah Macedo
Duprat de Britto Pereira, Coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão
do Ministério Público Federal; o Sr. Kleber dos Santos Karipuna, Secretário-
Executivo da Coordenação das Associações Indígenas da Amazônia Brasileira —
COIAB; o Sr. Camilo Capiberibe, Deputado Estadual, Presidente da Comissão de
Direitos da Pessoa Humana, Questões de Gênero, Assuntos Indígenas, da Mulher,
do Idoso, da Criança, do Adolescente, do Afrobrasileiro e Defesa do Consumidor da
Assembléia Legislativa do Estado do Amapá.
Dando continuidade à presente reunião, informo que a lista de inscrição para
os debates encontra-se sobre a mesa. O Parlamentar que desejar interpelar os
expositores deverá dirigir-se primeiramente à Mesa e registrar seu nome.
2
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Esclareço aos Srs. Parlamentares e aos senhores expositores que a reunião
está sendo gravada para posterior transcrição e, por isso, solicito que durante suas
exposições falem ao microfone.
Informo ainda que os convidados não poderão ser aparteados no decorrer
das exposições. Somente após encerradas as exposições, os Srs. Deputados
poderão fazer suas interpelações, tendo cada um prazo de 3 minutos e o
interpelado igual tempo para a resposta, facultadas a réplica e a tréplica pelo
mesmo prazo. Os apartes e interpelações deverão ser feitos estritamente sobre o
assunto objeto da convocação, nos termos regimentais.
Boa tarde, Sras. e Srs. Deputados!
Agradeço a todos os convidados a presença nesta audiência pública. Saúdo
a delegação indígena do Estado do Amapá e também do norte do Pará. Registro
meu orgulho de ser amapaense e uma cabocla da região ribeirinha da Amazônia.
Sejam bem-vindos todos os indígenas presentes na audiência pública que ora
se inicia!
Esta reunião é especial, pois abordará tema importantíssimo para o Brasil e
para a Amazônia: a situação indígena.
As populações da Amazônia possuem inigualável conhecimento das riquezas
e das possibilidades de desenvolvimento sustentável da região. Muito se fala em
desenvolvimento sustentável, em preservação da floresta e em aquecimento global.
E faço questão de enfatizar que os maiores doutores do desenvolvimento
sustentável e da preservação da natureza no País são os povos originários, são os
povos indígenas. Não podemos falar em sustentabilidade na Amazônia se os
direitos desses povos não forem garantidos.
Temos na Amazônia brasileira mais de 200 mil índios e mais de 220 etnias. A
garantia do território e da cultura indígena é inquestionável também para o futuro da
humanidade. A questão indígena não pode ser tratada como problema de terra ou
de reforma agrária. Não está em jogo apenas a posse da terra, e sim a garantia da
vida de um povo e de uma cultura milenar, a garantia de territórios fundamentais
para o equilíbrio climático do planeta. A cultura indígena é a que mais se aproxima
do ideal de preservação da floresta e da possibilidade de desenvolvimento
sustentável. O Estado brasileiro está em dívida com os índios, principalmente com
os da Amazônia. Os índios foram os primeiros donos do território brasileiro.
3
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Devemos a eles boa parte do conhecimento e das práticas inteligentes de lidar com
a floresta e com os recursos naturais amazônicos.
Apesar de toda a riqueza cultural, da riqueza de conhecimento e da
biodiversidade do seu meio, os indígenas vivem situação de exclusão social e
dificuldade de acesso aos bens sociais.
No Amapá, os indígenas vivem sérios problemas de saúde, educação e
vigilância dos seus territórios. É urgente a criação de estrutura para funcionamento
do Distrito Sanitário Especial Indígena do Oiapoque, por exemplo. É inadmissível
não existir um DSEI no Oiapoque, região fronteiriça com a Europa e com a França.
Os povos das 3 reservas indígenas que ali estão são uma segurança para a
garantia da soberania do território brasileiro.
A fragilidade da capacitação de agentes indígenas de saúde e de professores
indígenas também é um problema grave em toda a Amazônia e no Amapá. Estamos
lutando pelo pleno funcionamento de universidades indígenas na Amazônia, um
grande impulso para valorização e perpetuação da cultura indígena.
Solicito ao Coronel-Aviador da Aeronáutica especial atenção para a situação
das pistas de pouso da Serra do Tumucumaqui, onde se encontram isolados mais
de 2 mil índios cuxaré e apalai, sem acesso a qualquer tipo de atendimento,
inclusive atendimento médico ou de saúde.
Sabemos que o Dr. Márcio Meira, Presidente da FUNAI, é um defensor da
causa indígena e tem sido firme na defesa das demarcações e na garantia dos
direitos. Sabemos que a FUNAI não possui estrutura adequada para dar conta da
problemática indígena no Brasil, transversal a todas as políticas existentes para o
não-índio no País.
Por isso, coloco a Comissão da Amazônia à disposição da FUNAI para juntos
construirmos uma situação ideal de vida para os povos indígenas e de defesa dos
territórios amazônicos.
Esta audiência deve dar exemplo ao Brasil, ensinar como o Poder Público
deve tratar os índios: com respeito e atenção.
Muito obrigada.
Antes do início das exposições, passo a palavra ao Deputado Marcondes
Gadelha, Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.
4
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
O SR. DEPUTADO MARCONDES GADELHA - Sra. Presidente da Comissão
da Amazônia, Deputada Janete Capiberibe, Sras. e Srs. Deputados, demais
membros da Mesa, senhoras e senhores, a Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional tem a honra de participar desta iniciativa em conjunto com a
Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional.
Esta audiência pública tem o propósito de dar tratamento holístico à questão
indígena, abordando aspectos tão variados quanto os problemas na área de saúde,
educação, desenvolvimento sustentável, vigilância, pista de pouso, fiscalização
ambiental e territorial. Eu iria mais longe: diria que essa questão indígena, neste
momento, lança um desafio sobre todos os valores da nacionalidade.
Nessa questão está inserida a mais importante referência da nossa
Constituição, exatamente a defesa dos direitos humanos. Este País, no seu texto
constitucional, em inúmeras instâncias, proclama o vínculo indissolúvel do propósito
nacional com a garantia dos direitos humanos, dos direitos individuais. Mas esse
problema toca também outro elemento importante, ao qual nossa Comissão está
ligada, a segurança nacional, uma vez que as reservas indígenas fazem fronteira
bastante permeável com outros países e, de forma contígua, está ajustada a outros
povos adjacentes, em geral do mesmo grupo étnico.
O problema nos diz respeito. E na Comissão de Relações Exteriores temos
forte expectativa sobre os resultados desta audiência, porque eles servirão de
embasamento a decisões mais pontuais sobre as quais vamos ter que nos debruçar,
ou melhor, sobre as quais já começamos a nos debruçar. Refiro-me
especificamente a esse tema delicado que neste momento dilacera o sentimento
nacional: o problema da demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol.
Na semana passada, realizamos uma audiência pública particularmente
traumática e infelizmente inconclusiva sobre a questão. Pudemos ver o quanto o
País está dividido. A inteligência nacional, as elites pensantes, os grupos de
pressão, as organizações não-governamentais e as instituições de defesa dos
direitos civis estão rigorosamente divididas sobre a matéria. Felizmente, encontra-se
a questão sub judice, nas mãos do Supremo Tribunal Federal. E há um
compromisso das partes de respeitarem, seja qual for o desfecho da lide, a decisão
do Supremo Tribunal Federal.
5
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
De qualquer forma, é muito importante que venhamos a nos envolver, de
forma consciente, com conhecimento de causa, com juízo bem formado, de maneira
a respaldarmos, em termos políticos e psicossociais, a decisão que venha a ser
tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Daí a importância desta reunião.
Ainda hoje existe uma discussão intensa sobre até que ponto o
aculturamento que existe de fato deve ser convertido em expressão de direito. Há os
que, de boa-fé, pensam que não se pode negar aos indígenas as benesses da
civilização, o contato com o que há de mais avançado em matéria de conhecimento
científico e tecnológico, o que significa operar-se um transbordo cultural, uma forma
de miscigenação cultural, para a qual os índios não estão ainda efetivamente
preparados.
Confiamos em que, com grupos tão qualificados que fazem parte da Mesa,
com experiência no campo, a partir do próprio Presidente da Fundação Nacional do
Índio, da Ministra representante do Itamaraty, do Coronel-Aviador José Hugo
Volkmer, enfim, de todos os que têm acompanhado de perto temática tão delicada e
de tão elevada indagação, esperamos que dessa discussão possa sair um subsídio
que venha a nos ajudar na Comissão de Relações Exteriores, para aplicarmos os
conhecimentos aqui havidos na decisão final da nossa Comissão sobre esse
problema de Raposa Serra do Sol. Só com uma compreensão mais ampla da
questão indígena, da forma como está sendo tratada por iniciativa da Comissão da
Amazônia, e com o apoio da Comissão de Relações Exteriores poderemos fixar-
nos, orientar-nos e posicionar-nos definitivamente ao lado da causa que julgarmos
correta. É a nossa expectativa em torno desta reunião.
Que este debate seja produtivo, em favor de um entendimento maior sobre a
maneira como o País deve tratar aqueles que originalmente possuíam a terra, que
em última análise formaram os primórdios da nacionalidade! Esperamos que desta
reunião possa resultar mais luz sobre a questão.
Infelizmente, não poderei permanecer, porque neste momento na Comissão a
que pertenço está um grupo de representantes do Governo alemão a tratar de
assuntos da defesa nacional. Houve um choque de agendas, os dois compromissos
foram marcados para a mesma hora, e não posso faltar ao compromisso com essas
pessoas que vieram de tão longe. Mas tenho absoluta certeza de que a Deputada
Janete conduzirá os trabalhos com competência, conhecimento de causa e a
6
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
experiência que é própria de S.Exa. e depois remeterá à nossa Comissão um
relatório circunstanciado de tudo o que for discutido e das avaliações feitas.
O Deputado Júlio Delgado, membro da nossa Comissão, representará
também com absoluta legitimidade os interesses da Comissão de Relações
Exteriores.
Quero agradecer a todos e desejar-lhes um bom trabalho e um resultado
profícuo, fecundo, em favor da ampla convergência nacional sobre a matéria.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Dando continuidade à
audiência pública, quero justificar a ausência até este momento do Sr. Márcio Meira,
Presidente da FUNAI, que se encontra em um debate na Ordem dos Advogados do
Brasil a respeito exatamente do tema desta audiência pública ainda não concluída
sobre a reserva Raposa Serra do Sol.
Embora o debate naquela entidade esteja acalorado, ao concluir sua
intervenção, o Sr. Márcio Meira virá integrar a Mesa nesta audiência pública.
Quero convidar os representantes da FUNAI que vieram de Oiapoque e
Macapá, norte do Pará, a ocuparem as cadeiras vagas aqui na frente. (Pausa.)
Neste momento, convido a fazer uso da palavra a Sra. Ministra Ana Lucy
Gentil Cabral Petersen, Diretora do Departamento de Direitos Humanos e Temas
Sociais do Ministério das Relações Exteriores, pelo tempo de 10 minutos.
A SRA. ANA LUCY GENTIL CABRAL PETERSEN - Muito obrigada,
Deputada e todos os presentes.
A minha participação nesta audiência pública é justamente para demonstrar o
interesse que o Itamaraty tem de acompanhar muito de perto a evolução desse
tema.
O meu departamento, que cuida dos direitos humanos e temas sociais, é
responsável por levar essa questão a instâncias internacionais.
O Brasil é um país multiétnico e multicultural. Abrigamos cerca de 200 povos
indígenas e falamos mais de 180 línguas.
Os povos indígenas são titulares de um direito fundamental, que é o de se
desenvolverem de acordo com suas aspirações e suas formas tradicionais, pelas
quais se identificam, reproduzem-se e se reconstroem.
7
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
A luta pela defesa dessas tradições e contra a discriminação é o que faz com
que o Brasil lute nas instâncias internacionais pela promoção e proteção dos direitos
dos povos indígenas.
Eu queria mencionar muito rapidamente — aliás, não vou precisar dos 10
minutos a mim concedidos — que o Brasil ratificou os principais tratados
internacionais de proteção dos direitos humanos aprovados no âmbito das Nações
Unidas e também os que foram aprovados na Organização dos Estados
Americanos.
Ao ratificar esses tratados, o Brasil fortaleceu e ampliou os direitos garantidos
a todos os seus cidadãos, tanto na esfera substantiva, ao garantir direitos ainda não
previstos no plano interno, quanto procedimental, ao prever a possibilidade de que a
vítima da violação de um direito, caso demonstre o esgotamento de recursos
internos disponíveis, recorra com petições a uma instância internacional.
Entre os tratados internacionais, em matéria de direitos humanos, 2 itens
estão acompanhando de perto as questões indígenas: a Convenção Americana de
Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992, e o Comitê para a Eliminação da
Discriminação Racial — CERD, que funciona no contexto das Nações Unidas.
Não vou deter-me em detalhes da agenda internacional. Estamos à
disposição para qualquer pergunta, após os debates.
Muito obrigada.
Boa sorte.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Muito obrigada,
Ministra Ana Lucy Gentil Cabral Petersen, Diretora do Departamento de Direitos
Humanos e Temas Sociais do Ministério de Relações Exteriores.
Concedo a palavra ao Sr. Coronel-Aviador José Hugo Volkmer, Subsecretário
de Administração Financeira do Comando da Aeronáutica, para fazer sua
exposição, pelo período de 10 minutos.
O SR. JOSÉ HUGO VOLKMER - Sra. Deputada Janete Capiberibe, Sra.
Ministra Gentil Petersen, Deputado Camilo Capiberibe, demais membros da Mesa,
senhoras e senhores, sou aviador da Força Aérea Brasileira e fui indicado pelo
Comando da Aeronáutica para aqui comparecer em função de minha experiência na
região amazônica, de onde sou recém-chegado. Foi uma experiência muito
gratificante para mim, apaixonante. Aquele é um povo muito hospitaleiro e tem
8
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
carência da presença do Estado. Minha presença aqui se faz por solicitação da
Deputada Janete Capiberibe.
Dentro da própria história da Força Aérea Brasileira contextualiza-se a história
do nosso indígena. Por imposição constitucional, ao cumprir a missão do Correio
Aéreo Nacional, nós fazemos a ligação, a integração nacional. Para isso, vamos
construindo pistas na região amazônica para que possamos lá estar presentes.
Nessa nossa presença, vamos tendo contato com as comunidades indígenas. Eis a
razão da nossa presença aqui.
Espero contribuir de alguma forma com a discussão que hoje se realiza.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Muito obrigada, Sr.
Coronel-Aviador José Hugo Volkmer. Com certeza, no momento do debate, V.Sa.
terá grande participação nesta audiência pública.Convido a Sra. Edilene Costa Furtado, Técnica da Coordenação de Proteção
dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais da Secretaria de Justiça e de
Direitos Humanos do Estado do Pará para fazer uso da palavra. (Pausa.)Convido a Sra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, Coordenadora da
6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, para fazer sua
exposição, pelo período de 10 minutos.
A SRA. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Muito
obrigada pelo convite.
O Presidente Márcio Meira acaba de chegar.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Convidamos o
Presidente da FUNAI, Sr. Márcio Meira, para fazer parte da Mesa desta audiência
pública. (Pausa.)Devolvo a palavra a Sra. Deborah Macedo Duprat Britto Pereira, da 6ª
Câmara.
A SRA. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Boa tarde a
todos os presentes, boa tarde aos membros desta Mesa. Vou ser muito breve.Como há um cipoal de assuntos a serem tratados, todos objeto de
preocupação do Ministério Público Federal, eu vou me centrar na questão que me
parece a mais preocupante na atualidade, mas estarei disponível, por ocasião dos
debates, para todos os demais temas, saúde, etnodesenvolvimento, enfim, tudo
mais.
9
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Iniciando, é curioso porque quando veio a Constituição de 1988, pensava-se
que os arts. 232 e 231, em especial, tinham muito a cara da Amazônia, e que a
situação dos povos indígenas, pelo menos no que diz respeito aos seus territórios,
seria de muito fácil solução naquela parte do território nacional e não tanto em
relação aos outros. Os espaços necessários à sobrevivência desses povos estavam
comprometidos por um processo muito rápido e muito intenso de ocupação, um
processo de civilização ou o nome que se queira dar. E, na atualidade, nós vemos
que, muito embora a região amazônica conte com espaços ainda bastante
favoráveis ao acolhimento dos povos indígenas, nós nos defrontamos com essa
questão que surge agora, da possibilidade de os índios se apresentarem como
elementos perturbadores da defesa nacional.
Um assunto que vem sendo tratado pelas duas Comissões tem de ser
enfrentado com seriedade. Nós temos de mostrar o que tem por trás desse falso
discurso, se me permitem dizer, de defesa das fronteiras nacionais.
A região amazônica se encontra, em grande parte, em faixa de fronteira,
assim como os povos indígenas que lá habitam, em sua grande parte, quase
sempre em faixa de fronteira.
Isso não impediu, ao longo desses 20 anos, que várias terras indígenas
tivessem o seu território declarado e, posteriormente, homologado e registrado em
nome da União quando situado em faixa de fronteira. Agora, curiosamente, o
assunto volta a surgir com Raposa Serra do Sol. É curioso porque, em 1989, antes
de a Constituição de 1988 completar 1 ano, ingressamos com uma ação em favor
do território ianomâmi, que conta com 9 milhões, quase 10 milhões de hectares.
Esse território está quase exclusivamente, se não exclusivamente, em faixa de
fronteira. Estávamos num período muito próximo ao fim do regime militar. Essa
questão, portanto, foi judicializada e, nesse meio tempo, assume o Presidente
Collor, que coloca como Ministro da Justiça um militar, Jarbas Passarinho.
Imediatamente, assim que assumiu, baixou a portaria declaratória da área
ianomâmi, com a singela declaração de que a presença de índios em faixa de
fronteira jamais poderia ser vista como qualquer empecilho à defesa nacional.
Quando saiu a portaria declaratória de Raposa Serra do Sol, que está em via de
completar seus 10 anos — foi em 1998 —, ela recebeu uma série de contestações
e, na ocasião, o Ministro Nelson Jobim, hoje Ministro da Defesa, fez a mesmíssima
10
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
declaração: a existência de área indígena em faixa de fronteira não coloca em risco
a segurança nacional. Muito pelo contrário, favorece a defesa nacional, na medida
em que tem dupla afetação: é área indígena, mas é terra da União. Ao contrário de
uma propriedade privada que torna muito mais vulnerável a situação das fronteiras.
Isso foi dito não por mim, mas pelo então Ministro da Justiça, hoje Ministro da
Defesa.
Mais do que isso: o grande projeto de defesa das fronteiras nacionais chama-
se Projeto Calha Norte. Qual é o grande mecanismo de defesa das fronteiras
nacionais preconizado pelo projeto Calha Norte? É a ocupação humana. Temos
extensas fronteiras, com muitos acidentes naturais. Como se defende uma fronteira
dessas? Colocando um pelotão a cada 100 quilômetros? Não. Isso é impossível.
Como, então, defender a fronteira? Povoando-a.
Quando se faz o discurso de que as áreas indígenas são uma ameaça à
defesa nacional, temos de ver o que está por trás dele. Das duas, uma: ou os índios
não são gente, não se encaixam no Projeto Calha Norte como gente, ou são menos
capazes do que outros para fazer a defesa nacional. Então, é preciso desmascarar
o que há de preconceito e racismo no discurso de que os índios constituem ameaça
à segurança nacional. É preciso que isso seja feito a partir dos próprios atores
governamentais que, ao longo do tempo, vêm autorizando e legitimando o processo
de demarcação de terras indígenas.
Não tenhamos dúvida: Raposa Serra do Sol é, na atualidade, questão
emblemática não só para a região amazônica, mas para todo o nosso processo de
reconhecimento de direitos dos povos indígenas. Como bem disse a representante
do Itamaraty, o território que se concede na atualidade aos povos indígenas, na
perspectiva da Constituição de 1988, está inserido exatamente numa sociedade
plural, em que todos têm possibilidade de exercer amplamente seus direitos
culturais e identitários.
A negativa de um território significa grave violação de direitos humanos
porque impede grupo de indivíduos se exercitarem plenamente como pessoas e de
se exercitar plenamente o princípio da dignidade da pessoa humana. Isso é o que
está por trás. Negar territórios é negar a determinados povos a possibilidade de que
eles se realizem integralmente como pessoas humanas. Isso precisa vir à tona.
11
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Para encerrar, existe a proposta veiculada de transformar territórios indígenas
em ilhas — idéia que existia logo após a Constituição — e também com relação ao
território ianomâmi, mas foi afastada pelo Ministro Jarbas Passarinho. O que
significa criar ilhas? Significa criar áreas de confinamento, desconhecer relações de
parentesco, compadrio, de produção, relações que requerem território íntegro e
segregar grupos dentro de espaços marcados.
Quem faz fronteiras é quem tem poder. Nessa relação, se estamos numa
sociedade plural, igualitária, podemos tudo, menos dizer que algumas pessoas
estão confinadas em determinados espaços, porque isso é limpeza étnica.
É preciso atenção e, ao mesmo tempo, desmistificar os falsos discursos
sobre Raposa Serra do Sol.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Agradeço à Sra.
Deborah Macedo Duprat, Coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão
do Ministério Público Federal, a participação.
Registro ainda a presença do Deputado Júlio Delgado, um dos autores do
requerimento, do Deputado Neudo Campos e da Deputada Maria Helena.
Passo a palavra ao Sr. Kleber dos Santos Karipuna, Secretário-Executivo da
Coordenação das Associações Indígenas da Amazônia Brasileira — COIAB, para
fazer uso da palavra pelo tempo de 10 minutos, representando os indígenas
presentes nesta reunião de audiência pública.
O SR. KLEBER DOS SANTOS KARIPUNA - Obrigada, Deputada.
Quero, primeiramente, agradecer a oportunidade de participar desta
audiência e agradecer aos Presidentes das Comissões que requereram esta
audiência para discutir um pouco a questão que aflige os povos indígenas da
Amazônia.
Peço ao nosso companheiro para projetar a apresentação, a qual tentarei
fazer, no tempo de 10 minutos, de forma bem rápida, abordando um pouco as
questões relacionadas aos problemasdos povos indígenas.
(Segue-se exibição de imagens.)
12
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Nessa apresentação, vamos mostrar à platéia a questão dos povos indígenas
do Amapá e do norte do Pará, os problemas que afligem os povos indígenas da
Amazônia.
Aí é só para dar um contexto geral da área da Amazônia brasileira, onde
estão as terras indígenas demarcadas e homologadas na Amazônia até hoje. Essas
terras indígenas são um direito garantido pela Constituição Federal, art. 231,
Capítulo VIII.
Além desse direito à terra, além do direito que a própria legislação brasileira
nos dá sobre a questão da terra, definimos também o direito dos povos indígenas à
questão da saúde diferenciada, à educação diferenciada e o uso das suas terras de
acordo com os seus costumes. Isso não está sendo concretizado hoje. O atual
quadro da Amazônia é de falta de assistência às comunidades indígenas. Sabemos
das problemáticas dos povos indígenas na região amazônica, dos vários problemas
que os afligem. Vou citar como exemplo a questão dos povos indígenas,
especificamente do Amapá e do norte do Pará, um dos problemas que afligem
essas populações indígenas, localizadas nas terras indígenas Uaçá, Juminã, Galibi,
Parque do Tumucumaque, Rio Paru D’Oeste e Waiãpi.
Fizemos uma abordagem bem rápida de quais povos indígenas estão vivendo
nessas terras indígenas: os waiãpis, os karipunas, os galibi-marwornos, os palikurs,
os galibi-kaliñas, os tiriós, os kaxuianas, os waianas e os apalaís. Todos os povos
indígenas dessa região vivem em ambos os lados das fronteiras, entre Brasil e
Guiana Francesa e Brasil e Suriname. Estão ali há anos, em convívio bem
harmonioso, relacionado à questão das fronteiras do Brasil com esses países.
Esses povos falam várias línguas, possuem perfil cultural resultante das redes
históricas dessas trocas de intercâmbio entre os países e possuem uma experiência
muito diversificada de relações com as agências de assistência tanto
governamentais como não governamentais.
Vou abordar um pouco os problemas que afligem esses povos indígenas,
aprofundando um pouco mais agora sobre esses problemas.
Tentaremos evidenciar as precárias condições em que vivem esses povos
indígenas na região do Amapá e do norte do Pará.
13
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Os problemas sobre a saúde, educação, meio ambiente, proteção territorial,
que transversam um pouco sobre a questão da logística e da articulação
interinstitucional e entre os povos indígenas e o Estado.
Com relação à saúde, temos a questão do atendimento precário nas aldeias
e nas cidades; a falta de uma infra-estrutura que dê atendimento às populações
indígenas tanto nas aldeias como nas cidades; o despreparo de muitos profissionais
da área da saúde e de não-índios para os trabalhos com os indígenas; a falta de
capacitação para os agentes indígenas de saúde e a inexistência do controle social.
Não é aberta a participação da população indígena nessa questão do controle
social, então temos uma inexistência desse controle.
Na questão da educação, temos a baixa qualidade da educação nas escolas
das aldeias; a inexistência de programas de formação de professores indígenas e
de acompanhamento pedagógico; escolas em péssimo estado de funcionamento,
sem equipamento, e inexistência de propostas curriculares e materiais didáticos
diferenciados.
Sobre a questão do meio ambiente, proteção territorial, há falta de uma ação
de vigilância integrada para as terras indígenas, em conjunto com Polícia Federal,
Polícia Rodoviária Federal, FUNAI, IBAMA, CEMA, INCRA, Ministério da Defesa;
ausência de monitoramento ambiental nessas regiões; ausência de planos de
gestão territorial; pressões de grandes empreendimentos e de obras no entorno
dessas terras indígenas; problema relacionado com a questão logística; falta de
plano de apoio de transporte aéreo, principalmente para as terras indígenas
Tumucumaque e Rio Paru D’Oeste — o acesso a esses lugares é somente por meio
de aeronaves; falta de manutenção e regularização das pistas de pouso existentes
em todas essas terras indígenas localizadas na região do Amapá e norte do Pará;
problema da articulação interinstitucional, uma necessidade urgente de
fortalecimento do trabalho interinstitucional de forma pró-ativa entre saúde,
educação, transporte, comunicação e outras questões.
As conseqüências que esses problemas trazem, relacionadas com a questão
dos povos indígenas, na questão da saúde: o aumento de vulnerabilidade das
comunidades indígenas às doenças; na educação, o êxodo dos povos indígenas
para as cidades e esses alunos procurando ensino de qualidade nas cidades.
14
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Na questão do meio ambiente, precisamos monitorar invasões e crimes
ambientais nessas terras indígenas.
Com relação à logística, as comunidades indígenas estão isoladas e a falta
de apoio emergencial para essas comunidades.
Na articulação interinstitucional, a falta de articulação entre os órgãos e os
governos.
Propomos uma agenda pró-ativa entre as instâncias de governo e os
responsáveis para em conjunto resolver os problemas das questões da saúde,
educação, meio ambiente, logística e articulação interinstitucional.
Na questão da saúde, uma agenda pró-ativa, em que teríamos como ações
emergenciais a celebração de um convênio entre o Ministério da Saúde e o
Ministério da Defesa, com o repasse de recursos para a execução de ações em
parceria na atenção básica à saúde indígena; criação premente, pela FUNASA, do
Distrito Sanitário de Saúde Indígena de Oiapoque, para funcionar com base na
legislação da saúde diferenciada, garantida pela Carta Magna do País; uma agenda
pró-ativa na questão da educação; um comprometimento através das assinaturas de
convênio ou um tema de cooperação técnica entre os governos do Estado do Pará e
do Amapá, para possibilitar o funcionamento coordenado e regular a educação
diferenciada nas comunidades indígenas, conforme a legislação pertinente e
constitucional; comprometimento de iniciativas conjuntas entre os governos do
Estado do Pará e do Amapá na articulação técnica e política com o MEC e com as
universidades e ONGs, para possibilitar a capacitação contínua de professores, bem
como assegurar o acesso indígena ao ensino superior, tanto na graduação como na
pós-graduação. Essa agenda pró-ativa entre o meio ambiente e a formação de um
grupo de trabalho interinstitucional de acompanhamento das questões ligadas ao
meio ambiente e produção territorial.
Na questão logística, especificamente na questão das pistas de pouso, a
celebração urgente de convênios entre o Ministério da Justiça e o Ministério da
Defesa para repasse de recursos orçamentários e financeiro às comaras, para
recuperação inicialmente de 2 pistas de pouso na região, principalmente iniciando
pelas pistas de pouso das terras indígenas do Parque do Tumucumaque e do Rio
Paru D’Oeste, que são as de mais difícil acesso.
15
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Dentro desse plano de trabalho de recuperação dessas pistas de pouso
poder abortar, em 2009, ainda 8 pistas de pouso e, em 2010, 9 pistas, concluindo
todas as pistas existentes nessas terras indígenas desses 2 Estados; acesso a
essas terras indígenas localizadas no Amapá e norte do Pará; celebração de
convênios entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Defesa para a criação de
uma logística de transporte, compartilhamento de ações e custos, em benefício das
terras indígenas, principalmente das totalmente isoladas, como citei, o Parque do
Tumucumaque e Rio Paru D’Oeste, parcialmente a terra indígena Waiãpi também,
que fica um pouco isolada desse acesso. É o registro pela FUNAI.
Hoje nós já temos um documento protocolado na FUNAI solicitando o registro
dessas pistas de pouso existentes nessas regiões, para serem catalogadas, dentro
do registro da FUNAI, a existência dessas pistas de pouso no Amapá e norte do
Pará.
Temos uma pequena abordagem. O tempo é curto para podermos explicar e
aprofundar mais no tema, mas vamos fazer parte desse debate e responder a
algumas perguntas.
Só queria tentar comentar um pouco, reforçar o que a Dra. Deborah Duprat
relatou sobre a questão dos povos indígenas de fronteira e dizer que nós, indígenas,
não somos ameaças à soberania nacional, à defesa territorial. Temos orgulho até de
ser brasileiros. Temos que ter cuidado de fato quando as pessoas questionam
essas questões sobre as fronteiras do Brasil. As fronteiras do Brasil ainda estão
asseguradas graças aos povos indígenas. Essa acusação de que os povos
indígenas nas fronteiras é uma ameaça para a soberania nacional tem, de fato,
como a Dra. Deborah comenta e é também o posicionamento dos povos indígenas,
de ser desmascarada, porque temos que saber o que está por trás desses
questionamentos de que os povos indígenas são uma ameaça à soberania nacional,
à defesa do País. Eu acho que quem argumenta nesse sentido, de que os povos
indígenas são uma ameaça, são as pessoas que querem de fato que esses
territórios sejam perdidos no território brasileiro. Hoje, o povo indígena faz muito a
defesa desses territórios, que são terras indígenas deles e são terras do Brasil,
terras que defendemos há muito tempo e continuamos a defender.
16
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Só para reforçar o que a Dra. Deborah coloca sobre essa questão que
estamos vivendo, do direito dos povos indígenas, vamos estar à disposição para, no
debate, aprofundarmos algum ponto que ainda não esteja bem esclarecido.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Agradeço pela
exposição ao Sr. Kleber dos Santos Karipuna, que representa a Coordenação das
Associações Indígenas da Amazônia Brasileira — COIAB.
Passo a palavra ao Sr. Camilo Capiberibe, Deputado Estadual, Presidente da
Comissão de Direitos da Pessoa Humana, Questões de Gênero, Assuntos
Indígenas da Mulher, do Idoso, da Criança, do Adolescente, do Afro-Brasileiro e
Defesa do Consumidor, da Assembléia Legislativa do Estado do Amapá. S.Exa.
promoveu uma audiência pública no Estado para enriquecer o debate que acontece
neste momento. S.Exa. tem 10 minutos para fazer a sua exposição.
O SR. CAMILO CAPIBERIBE - Muito obrigado.
Inicialmente, cumprimento a Deputada Janete Capiberibe, que preside os
trabalhos desta Comissão, e agradeço pelo convite para aqui representar a
Assembléia Legislativa do Estado do Amapá e a Comissão de Direitos Humanos.
Quero cumprimentar todos que compõem esta Mesa, na pessoa do Kleber, que
representa a COIAB. Quero destacar a presença da Secretária de Assuntos
Indígenas do Governo do Estado do Amapá, Vitória Karipuna, saudar todos os
caciques do Estado do Amapá, na pessoa do Vereador Ramos.
O Estado do Amapá vive uma situação, em certo aspecto, privilegiada,
porque não há conflitos fundiários com a questão de demarcação. As terras estão
demarcadas e homologadas. No entanto, quando realizamos uma audiência pública
— e entregaremos para a Comissão da Amazônia e para o Presidente da FUNAI um
relatório —, percebemos que, apesar de a questão territorial estar sanada, aos
povos indígenas do Amapá, o que ficou muito evidente na exposição do Kleber,
ainda lhes são negados direitos sociais mínimos.
Na nossa audiência pública, realizada dia 17 de abril, ouvimos do
Superintendente da FUNASA, que não existe estrutura, que a FUNASA do Estado
do Amapá não tem estrutura para garantir o atendimento de saúde nas aldeias
indígenas, especificamente de transporte, seja terrestre, seja fluvial, e que isso é
17
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
feito graças ao apoio da Aeronáutica em várias circunstâncias. Palavras dele que
constam do relatório que entregaremos aos membros da Comissão da Amazônia.
Quando realizamos essa audiência pública, tinha acabado de haver o
encontro dos povos indígenas no Oiapoque, onde se discutia a questão dos
impactos da BR-156, que está neste momento em processo de pavimentação e
cruza áreas indígenas. Esperávamos, inclusive, que essa questão, que é polêmica,
fosse tratada na audiência pública. Mas mesmo essa obra, que é importante não
apenas para o povo indígena brasileiro amapaense que lá vive, mas para todo o
povo do Amapá, porque significa a ligação norte/sul do nosso Estado, garantindo o
acesso à fronteira do Oiapoque com a Guiana Francesa, está paralisada em função
da falta de acordo que existe em relação às políticas compensatórias para que ela
possa continuar. Como aconteceu naquele momento e como está acontecendo mais
uma vez, esse tema não aflorou, em virtude de que direitos básicos e mínimos estão
se colocando de uma maneira prioritária na agenda e outras questões igualmente
importantes não estão conseguindo um espaço no debate público.
Essa é uma questão importante, tem sido objeto da preocupação das
comunidades indígenas do Estado do Amapá, da Procuradoria Regional da
República lá e da FUNAI, que é o desejo de a estrada avançar, mas da necessidade
de se pactuar de maneira muito clara qual vai ser o amparo, em termos de políticas
públicas. E aqui eu gostaria de fazer essa ressalva, porque no Amapá, a discussão
se dá em torno de um valor financeiro, e isso gera uma grande celeuma: por que
pagar? Por que dar dinheiro?
Pelo que sei, pelo que compreendo, a questão da BR-156 se refere a
políticas compensatórias relativas ao impacto que é essa obra. Faço ressalva
importante para o povo do Amapá e para os povos indígenas, para que ela possa
acontecer e ser efetivada.
Esse o apelo que fazemos também, em nome do povo amapaense, para que
essa questão tenha uma atenção maior das autoridades, para que possamos
chegar a um consenso.
Ao mesmo tempo em que se discute a questão da BR-156, foi feito um
adendo ao Plano Plurianual do Governo do Estado, acrescentando valor de 500
milhões de reais para os próximos 5 anos, relativos a obras na Perimetral Norte, que
corta as aldeias waiãpi, e que concluem essa obra, que foi fundamental para a
18
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
instalação do Projeto ICOMI de exploração de manganês, no Estado do Amapá. Ela
entra na área indígena waiãpi e não se sabe se o objetivo é que ela continue ou se
é simplesmente pavimentação, porque ficam na região de Amapari, mais central do
nosso Estado. Vários projetos minerais também de profundo impacto no entorno e
nas áreas indígenas que lá ficam localizadas, particularmente na área indígena
waiãpi.
Esses temas tão importantes precisam estar na agenda. Lamento
profundamente que questões que já deveriam estar sanadas, como as da saúde e
da educação, não estejam.
Gostaria de pontuar que o Governo do Estado, no ano de 2006, realizou
concurso público para contratação de professores indígenas para oferecerem o
ensino de 1ª a 4ª série. Depois de muita celeuma, de muitas dificuldades para se
fazer um concurso que objetivasse a contratação de professores indígenaspara se garantir a educação pontuada nas apresentações, nas falas diferenciadas,
foi possível. Depois de um concurso que não contratou professores indígenas, foi
realizado um outro concurso. E com muita pressão dos povos indígenas, obteve-se
um pequeno avanço, mas, no entanto, estamos descobertos, no Estado do Amapá,
na questão do ensino de 5ª a 8ª série e no ensino médio.
Não vamos garantir a preservação das culturas indígenas do nosso País sem
educação diferenciada, sem investimento nesse tipo de educação. O Estado do
Amapá, por exemplo, no ano de 2007, recebeu — informações levantadas na
audiência pública — 3 milhões de reais para educação indígena e apenas 20 mil
para educação superior indígena. Esse é o quadro que precisa ser modificado,
senão teremos sempre uma enorme defasagem.
Não quero chover no molhado. O Kleber já pontuou uma série de questões.
Gostaria apenas de enfrentar também esses outros temas e reconhecer essa
grande diversidade que existe no nosso País, em que no extremo da Amazônia, em
Roraima, a luta ainda é pela demarcação, enquanto, no Estado do Amapá, tentamos
avançar em outra direção. Enquanto não conseguimos o ensino superior indígena,
em outras áreas do País isso já foi conquistado.
Essa é a nossa intervenção.
Agradeço pela oportunidade de aqui estar e coloco-me à disposição também
para responder qualquer pergunta porventura existente.
19
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Saúdo as lideranças indígenas do povo do Amapá e seus representantes
pela presença massiva nesta audiência pública.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Nossos
agradecimentos ao Deputado Estadual pelo Amapá Camilo Capiberibe.Anuncio a presença de mais um dos autores do requerimento que motivou
esta audiência pública, o Deputado Asdrubal Bentes, e ainda a presença do
Deputado Natan Donadon. Bem-vindos a esta audiência pública.
Antes de passar a palavra ao Dr. Márcio Meira, Presidente da Fundação
Nacional do Índio — FUNAI, registro a presença de indígenas do Amapá e do norte
do Pará, fronteira com vários países, com a Guiana Francesa, o Suriname, a
República das Guianas, que são motivo principal desta audiência pública. Estão
presentes Estela Maria dos Santos Oliveira, Frederico de Miranda Oliveira,
Presidente da FUNAI/Macapá, que na realidade atende Macapá e o norte do Pará,
região cujo acesso depende da aviação, literalmente. Todos os serviços — saúde,
educação, desenvolvimento econômico — só ocorrem pela vontade política de
governos do Amapá e do Pará para fazer o acesso em aeronaves até as aldeias que
estão nessa região, onde o Frederico de Miranda Oliveira é o administrador da
FUNAI/Macapá. Simone Vidal da Silva, Tadeu Uaiana, Juventino Caxuiana, Patena
Waiãpi, Japucu Wajãpi, Luciano dos Santos, Gilberto Iaparrá, Gregório Nazareno
Lodi, Fernando Forte, Marivaldo Diogo Marcial, Carlos Ferreira, Ianomâmi dos
Santos Silva, Ramos dos Santos, que é cacique e Vereador de vários mandatos
pelo município do Oiapoque, e Emiliano Gabriel. Bem-vindos a esta audiência
pública motivada por vocês, e cuja apresentação foi tão bem organizada.
Passo a palavra ao Dr. Márcio Meira, Presidente da Fundação Nacional do
Índio — FUNAI.O SR. MÁRCIO MEIRA - Deputada Janete Capiberibe, Presidenta da
Comissão da Amazônia; Deputada Maria Helena; Deputado Neudo Campos; demais
Srs. Parlamentares; Dra. Deborah Duprat, representante do Ministério Público;
Coronel Volkmer, representante do Comando da Aeronáutica; Deputado Estadual
Camilo Capiberibe; Ministra Ana Lucy, do Ministério das Relações Exteriores; Dr.
Kleber dos Santos, representante da COIAB. Quero, sobretudo, cumprimentar as
lideranças indígenas presentes. Dentre essas lideranças aqui presentes, também os
20
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
nossos funcionários da FUNAI da região: a Estela, que é a nossa administradora no
Oiapoque e o nosso administrador em Macapá, que estão aqui presentes também.
Então, dirijo um cumprimento geral.Agradeço muito o convite da Comissão para estar presente aqui, nesta
oportunidade, para tratar do tema: A questão Indígena na Amazônia — Os
problemas nas áreas de saúde, educação, desenvolvimento sustentável, vigilância,
pistas de pouso, fiscalização ambiental e territorial, principalmente nessa área que
foi trazido à tona, que é a área do Estado do Amapá e do norte do Pará.Em primeiro lugar, esse quadro que foi demonstrado pelos povos indígenas
aqui reflete a situação daquela região específica, mas ele, de certa forma, também
expressa em grande parte o quadro de muitas outras áreas, muitas outras regiões
do Brasil, onde as terras indígenas também vivem situações de dificuldade. É importante, nesta oportunidade de debate na Câmara dos Deputados,
afirmar que nesses últimos 20, 25 anos avançamos muito enquanto Estado
brasileiro no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, graças, sobretudo, à
nossa Constituição de 1988, que está completando 20 anos neste ano de 2008. Eu costumo citar o fato de que a população indígena brasileira, nos anos 70,
chegou a um patamar que girava em torno de 200 mil índios. De lá para cá, a
população tem crescido. Hoje, o dado mais recente do IBGE, que já é um dado de 8
anos atrás, indica uma população de cerca de 750 mil índios no Brasil. Portanto, eu
quero crer que nós, nos últimos 20, 25 anos avançamos muito no Brasil em relação
ao reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, principalmente aqueles
estabelecidos pela nossa Constituição Federal. Acho que principalmente são
destacáveis aí o reconhecimento à demarcação e homologação das terras
indígenas na Amazônia Legal, onde praticamente todas as grandes terras indígenas
já foram reconhecidas, homologadas e registradas em cartório, incluindo as terras
indígenas dessa região do Amapá e norte do Pará. Por exemplo, a região do Parque
Indígena do Tumucumaque foi inclusive a mais antiga, talvez, de todas essas — ela
foi ainda um feito do Presidente Jânio Quadros, no início dos anos 60; a terra
indígena Paru d’Este; a terra indígena Uaçá; as outras 2 terras indígenas no
Oiapoque; a terra indígena Waiãpi. Todas elas são regularizadas. Dito isso, nós não podemos também negar o fato de que ainda temos muito a
fazer, ainda temos muito a contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos
21
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
povos indígenas no Brasil, e mais precisamente nessa região. E nessa região nós
temos algumas especificidades para as quais se precisa chamar a atenção. Eu
estou na FUNAI há 14 meses, aproximadamente, mas posso dizer que,
institucionalmente, a FUNAI, nos últimos anos, dedicou-se muito à questão dessa
região, e nos últimos 14 meses eu visitei pessoalmente todas as terras indígenas
da região. Visitei todas as terras indígenas do Oiapoque, todas as terras indígenas
do Parque Tumucumaque e Paru d’Este. Faltou visitar a terra indígena Waiãpi.
Estou planejando para este ano fazer uma visita aos nossos queridos waiãpis, que
estão aqui presentes.
Para quem não sabe, o povo waiãpi produz uma arte, e a sua expressão
artística como um todo foi reconhecida pela UNESCO como patrimônio cultural da
humanidade. Foi o primeiro bem cultural imaterial do Brasil reconhecido pela
UNESCO como patrimônio da humanidade. Além dos patrimônios que já temos,
como Ouro Preto e outras cidades históricas, a cultura waiãpi foi reconhecida pela
UNESCO também dessa forma.
Quero destacar alguns pontos e algumas dificuldades em relação a essa
área.
A primeira dificuldade que encontramos nessa região é de acesso,
principalmente no norte do Pará. Ao Parque de Tumucumaque e à terra indígena
Paru d’Este o acesso só é possível por avião. Não é possível chegar lá a não ser por
avião.
Nos últimos 14 meses, quando visitei as aldeias, pude iniciar um diálogo com
representantes do Ministério da Defesa, em Tiriós, onde temos uma importante e
antiga base militar, que já trabalha em cooperação com a FUNAI e com os índios há
muitos anos, com a finalidade de desenvolver uma ação integrada entre a FUNAI e
o Ministério da Defesa. Por isso eu estou aqui me dirigindo ao representante do
Ministério da Defesa, no sentido de que possamos aprimorar nossa ação
combinada, conjunta, entre FUNAI e Ministério da Defesa, em termos de acesso. Já
temos tido essa cooperação, mas queremos ampliá-la, reforçá-la.
Isso inclui o registro das pistas das aldeias, o que nós já estamos fazendo, e
também atividades de melhoria na própria pista. Muitas dessas pistas estão há
muito tempo sem os cuidados necessários, precisam ser reforçadas. Nós já
22
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
conversamos em Belém com o Brigadeiro responsável pela área, para que
possamos avançar.
No Plano Plurianual da FUNAI de 2008 estamos prevendo a aquisição de
uma aeronave nova para a FUNAI. Faz muitos anos que a FUNAI não compra uma
aeronave. Nossas aeronaves já estão com mais de 15 anos. E essa aeronave nova,
nós estamos pretendendo que ela atenda aquela área que tem essa necessidade.
Uma aeronave adequada, pequena, porém com capacidade de carga, para que
possamos levar, principalmente para as aldeias do Parque do Tumucumaque e da
terra indígena do Paru d’Este, o necessário para aquela população, que precisa ser
bem atendida.
No caso das terras indígenas do Oiapoque e do Waiãpi, o acesso já é mais
fácil — não tão fácil assim, mas o acesso é rodoviário. Já providenciamos para este
ano — e até já chegaram em Macapá — 2 novos carros para o atendimento. São 2
caminhonetes novas. E não compramos carros só para aquela região, nós
compramos 80 caminhonetes para o Brasil inteiro, para as nossas Administrações
Regionais. No caso do Amapá, temos uma para o Oiapoque e outra para Macapá.
Elas já chegaram a Macapá. A do Oiapoque ainda não chegou, porque estamos no
período das chuvas e fica difícil o transporte pelas estradas até o Oiapoque. Estou
vendo ali a administradora do Oiapoque, e ela já está nos cobrando.
Mas o fato é que estamos realmente com essas medidas. Quando chegamos
a essas aldeias no ano passado, encontramos em todas elas uma situação precária
de comunicação, sobretudo por rádio. Os rádios, em sua maioria, eram muito
antigos, alguns em péssimo estado de funcionamento e outros nem funcionavam
mais. Na aldeia Apalai o rádio já não funcionava mais — o Tadeu que está aqui
sabe disso.
Então nós compramos, no final do ano passado, rádios novos. Na aldeia
Apalai já tem um rádio novo.
A FUNAI tem feito esforço muito grande, desde o ano passado, no sentido de
cumprirmos a agenda que combinamos com as lideranças e os caciques tanto no
Oiapoque quanto no Tumucumaque e na reserva Waiãpi, por meio da administração
em Macapá.
Realmente temos outras dificuldades que extrapolam a atribuição exclusiva
da FUNAI, principalmente nas áreas da educação e da saúde, que não dependem
23
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
exclusivamente da FUNAI; ela atua em cooperação. Precisamos de ação integrada
com o Ministério da Educação e da Saúde, por meio da FUNASA, e também com o
Governo do Estado do Amapá e os municípios, para prestarmos atendimento mais
qualificado nessas 2 áreas.
Nós temos ajudado muitos estudantes indígenas daquela região que estão na
universidade. A FUNAI tem dado auxílio a eles. Não é o ideal mas permite melhor
acesso desses estudantes à universidade.
Vislumbro a área da saúde como o nosso maior desafio. Inclusive, no caso,
por exemplo, de Tiriós, se não fosse a ajuda das Forças Armadas, não teríamos
condições de atender à população indígena, situada no Parque Tumucumaque,
região muito isolada.
Quero chamar a atenção do Plenário e também da Presidência da Comissão
para um ponto no qual tenho insistido desde o ano passado, quando fui para a
FUNAI: a política indigenista, cujos princípios estão estabelecidos nos arts. 231 e
232 da Constituição Federal, sobretudo após 1988, não é atribuição exclusiva da
FUNAI. E o papel da FUNAI tem de ser sobretudo de coordenação e articulação de
várias políticas públicas que o Estado brasileiro deve cumprir para atender, com
qualidades, às populações indígenas, inclusive com a participação também dos
Estados e municípios, nos casos em que essas atribuições são complementares, a
exemplo da educação e da saúde em alguns pontos específicos, tal como o
atendimento no SUS.
Portanto, temos feito esforço nesse sentido. Ano passado, quando foi
renovado o PPA 2008/2011, modificamos totalmente o PPA da FUNAI, criando um
único programam, e tentando incluir o Programa Proteção e Promoção dos Povos
Indígenas, as ações do PPA que também estão no Ministério da Saúde, no
Ministério da Educação, no Ministério do Meio Ambiente e outros Ministérios, para
que possamos trabalhar do ponto de vista de ação integrada de Governo, do Estado
brasileiro para o atendimento mais qualificado da população indígena brasileira.
A FUNAI tem de cumprir sua função, e, com a importante contribuição que
demos no ano passado, creio que ela está se consolidando cada vez mais, por meio
da sua participação e do diálogo com o movimento indígena, as comunidades
indígenas e as lideranças indígenas. Para tanto, instalamos no ano passado, a
Comissão Nacional de Política Indigenista, formada por representantes indígenas,
24
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
eleitos em todas as regiões do Brasil e representantes do Governo, na forma
paritária. Essa comissão já se reuniu 6 vezes desde o ano passado. A próxima
reunião acontecerá no dia 19 de junho, quando teremos a honra de vê-la presidida
pelo Presidente Lula, que fez questão de assumir esse compromisso com os
representantes indígenas no Dia do Índio. Creio que essa comissão precede a
proposta de criação de um conselho. Inclusive, Deputada, o Presidente Lula
encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei, no último mês de abril, próximo
ao Dia do Índio, para criar o Conselho Nacional de Política Indigenista.
Aproveito para fazer um apelo ao Legislativo no sentido de olhar com carinho
a possibilidade de se criar esse conselho. É um fato histórico a criação desse
conselho. Significa mudança da relação institucional entre o Estado brasileiro, os
povos e as comunidades indígenas.
Creio que, com a criação desse conselho, que tem a participação de vários
Ministérios — já havia anteriormente mencionado, o Ministério da Defesa, o
Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, o Ministério das Relações
Exteriores, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Cultura, entre outros —,
poderemos avançar para um novo momento e alcançar importante patamar em
termos de política pública para os povos indígenas no Brasil.
Portanto, Deputada, tentando responder um pouco a pergunta formulada,
especificamente sobre aquela região, enfatizo a relevância de olharmos com muita
ênfase a necessidade de as ações se integrarem e serem coordenadas. Cabe à
FUNAI desempenhar proeminente papel de coordenadora e articuladora das ações,
que é sua atribuição constitucional.
Parabenizo a Comissão da Amazônia e, desde já, coloco-me à disposição de
todos para o debate. Os Deputados que me conhecem sabem que estou de portas
abertas na FUNAI para o diálogo democrático, mesmo que tenhamos divergências.
Sempre que for convidado, aqui estarei para a promoção do diálogo, de alto
nível, com certeza, e para oferecer importante contribuição para a consolidação da
democrática brasileira.
Obrigado
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Nossos
agradecimentos ao Dr. Márcio Meira, Presidente da FUNAI, que tem conduzido com
25
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
muito cuidado a política pública no que diz respeito à instituição FUNAI e à
comunidade indígena no nosso País.
Neste momento passamos para os debates.
Passo a palavra ao Deputado Asdrubal Bentes, do PMDB, do Pará, um dos
autores do requerimento.
O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - Sra. Presidenta, Senhores
expositores, representantes das comunidades indígenas, minhas senhoras, meus
senhores, peço vênia à Mesa e aos participantes para iniciar a minha fala desejando
saúde e felicidade para nossa Presidenta que hoje aniversaria. Que Deus a proteja,
a abençoe e a ilumine, para continuar trabalhando em prol do Amapá, da Amazônia
e do Brasil. Parabéns, Deputada Janete!A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Obrigada, Deputado.O SR. DEPUTADO ASDRUBAL BENTES - Sra. Presidenta, eu quero
demonstrar minha insatisfação e, por que não dizer, até minha indignação em face
de um requerimento que apresentei em maio de 2007 — e logo ressalvo a
responsabilidade de V.Exa. — e somente 1 ano e 3 dias depois foi trazido a esta
Comissão para o debate.
Creio até que se perdeu a oportunidade do debate, uma vez que era tema
específico relativo à discussão constitucional sobre a demarcação da área indígena
Apyterewa. A esta altura, perdeu o objeto o meu requerimento. Àquela altura, havia
sido homologado em abril e ainda não havia sido registrado em cartório. Era o
momento oportuno para a discussão constitucional da posse permanente indígena
sobre toda aquela área, onde existia iminência de conflito.
De maneira que não me sinto, sinceramente, Presidenta, como partícipe, co-
autor do requerimento para esta reunião, embora reconheça a importância dos
temas que foram debatidos. A meu ver, segundo relato do representante Kleber dos
Santos Karipuna, o Estado brasileiro continua devendo muito. Há um clamor geral,
quer na área da educação, quer na área da saúde, quer na área ambiental, quer na
área de proteção às comunidades indígenas. De maneira que eu faço coro a sua
voz. Aliás, já venho brigando há muito nesta Casa, com todo respeito ao Dr. Márcio
Meira, que também é um apaixonado pela questão indígena, mas a FUNAI precisa
ser repensada para que possa realmente exercer sua missão constitucional de
tutelar as comunidades indígenas. Sem recursos financeiros e humanos e sem
26
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
apoio, jamais a FUNAI poderá exercer esse papel. O que se verifica é exatamente
um clamor geral contra a falta de assistência às comunidades indígenas. Mas não
podemos deixar de registrar determinados casos — e eu posso falar de cátedra,
porque fui moleque criado no Rio Madeira, onde via o avião passar uma vez por
semana, e o gaiola, uma vez por mês. Falo do papel preponderante das Forças
Armadas naquela região, particularmente da Força Aérea Brasileira nesse serviço
de integração da Amazônia. Mas, lamentavelmente, o Estado brasileiro continua
devendo muito e muito principalmente para as comunidades indígenas. Então eu
quero colocar-me a disposição.
Tenho minhas divergências que são de natureza constitucional, V.Exa.
conhece muito bem, e eu gostaria de discutir mais profundamente esse assunto,
inclusive com a presença do Ministério Público, numa outra audiência que vou
requerer. Vou usar um tema apenas de uma outra área indígena, porque a da
Apyterewa perdeu o efeito. E eu faço um reclamo à direção da Comissão da
Amazônia: no mínimo foi uma deselegância e no máximo uma falta de respeito ao
Parlamentar, que aguardou por 1 ano e 3 dias este momento, quando sua matéria já
havia perdido o objeto.
Mas, de qualquer maneira, quero louvar a iniciativa desse requerimento para
discutir essas matérias, que são fundamentais não apenas para comunidades
indígenas mas para toda a sociedade brasileira, e dizer que vamos continuar na
trincheira, defendendo a nossa Amazônia, principalmente agora que novamente
volta-se à carga, e o New York Times está publicando um editorial: “De quem é a
Amazônia?”, numa tentativa de internacionalizá-la, seguindo as previsões de Al
Gore, de Margareth Thatcher e de tantos outros, como Kissinger. Eu me dirijo
especificamente aos representante das Forças Armadas nesta Casa. Nós não
vamos sofrer intervenção armada, não é isso que nós tememos, o que tememos é
que eles usem a força de grande potência, para, por meio de artifícios do próprio
Governo, ocuparem a Amazônia. E já estão ocupando. E me preocupam sobretudo
as áreas de fronteira, como, por exemplo, a área de Raposa Serra do Sol.
Volto a dizer que, se houver a demarcação contínua dessa área, o Brasil vai
ter um problema gravíssimo porque ali já começa a ser um meio de trânsito para o
tráfico internacional de drogas e de tantas outras coisas .
27
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Na semana passada, numa outra Comissão, compareceram algumas
comunidades indígenas daquela região, que nos disseram que, na fronteira com a
Colômbia, membros das FARC, adentram o Brasil, fazem compras e, às vezes os
convidam para trabalhar na organização. Creio que há necessidade urgente de se
repensar as áreas de fronteiras da Amazônia, milhares de quilômetros, que estão
inseguras, não por causa de intervenções armadas, mas por intervenções desta
natureza, que vão degradar o nosso ser humano ainda virgem, digamos assim,
imune a esse tipo de vício.
De maneira que eu quero deixar o meu alerta dizendo que amanhã, que nós,
Deputado Neudo Campos, da Amazônia, fomos omissos na defesa da nossa região.
Tenho lutado muito, e vou continuar lutando até o último dia do meu mandato e
espero que a minha voz, mais uma vez, não caia no deserto da insensibilidade
governamental.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Fica o registro do seu
descontentamento, Deputado Asdrubal Bentes. Esperamos que os índios que
certamente V.Exa. defendia 1 ano atrás, tenham conseguido sucesso, através da
audiência pública, que não aconteceu naquele momento, quando deveria ter
acontecido. Então fica o registro nesta audiência pública.
Anuncio aos colegas Parlamentares da Comissão da Amazônia, aos povos
da Amazônia, aos Governos Federal, Estaduais e Municipais, aos Parlamentares
Federais, Estaduais e Municipais, que estamos dando entrada em um projeto de
resolução que amplia as áreas para apresentação de emendas e obtenção de
recursos por esta Comissão, e que nos permitirá ampliar nossa ação para o
desenvolvimento da população da Amazônia. Teremos a possibilidade, uma vez
vencida essa etapa e aprovado o projeto pelo Congresso Nacional, de estarmos
influindo diretamente para que, a partir desta audiência pública, por exemplo, a
Comissão tenha um norte sobre o orçamento necessário para a Amazônia, no que
diz respeito à agenda proativa mais específica, apontada pelas Sras e Srs.
Deputados. Nós estamos lutando nesse sentido. A Comissão da Amazônia tem uma
área muito restrita para apresentação de emendas ao Orçamento da União. Sem
orçamento, não existe projeto, não existe a saúde, não existe educação, não existe
28
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
a infra-estrutura necessária para as populações da nossa região. Esse é um passo
que nós estamos dando nesta direção.
O Deputado Asdrubal Bentes faz parte de tudo isso, é Relator da
Subcomissão que está tratando do Orçamento. Estamos procurando agir em todas
as áreas para diminuir as desigualdades existentes em nossa região, que ocupa
60% do território brasileiro, no sentido de que ela tenha oportunidades de receber
dinheiro do Orçamento, pelo menos um quarto do que é alocado para o Nordeste,
Centro-Oeste, Sul e Sudeste. A Amazônia é discriminada, a Amazônia dos índios,
dos não-índios, dos quilombolas, das populações tradicionais da nossa região.
Durante este ano nós estaremos trabalhando duro para modificarmos um pouco a
forma pela qual a Comissão participa do Orçamento da União, no sentido de
beneficiar o nosso povo.
O Deputado Júlio Delgado é um dos autores do requerimento, mas ele pediu
ao Deputado Neudo Campos, do PP de Roraima, que usasse a palavra enquanto
ele não chega. Concedo , então, a palavra ao Deputado Neudo Campos.
O SR. DEPUTADO NEUDO CAMPOS - Muito obrigada, Sra. Presidenta.
Antes de mais nada, parabéns pela data de hoje, muita saúde. Que o Amapá
continue a contar com essa brilhante Deputada que defende seus pontos de vista e
os interesses do seu Estado com muita competência e dedicação. Parabéns!
Com relação ao tema da audiência pública, que é a questão indígena na
Amazônia — e nós assistimos aqui ao depoimento dos expositores —,
principalmente no Amapá e no norte do Pará, nós percebemos claramente que
muitas coisas já estão absolutamente resolvidas. Estou comparando a Roraima, que
é meu Estado.
O Amapá, que é nosso irmão gêmeo — nascemos no mesmo dia, temos a
mesma história, quando passamos para Território e, depois, para Estado, enfim,
temos uma história muito parecida —, está sempre um passo a nossa frente com
relação a ter todas as suas áreas indígenas demarcadas, o que não devem
significar nem 20% de sua extensão territorial.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Dezessete por cento.
O SR. DEPUTADO NEUDO CAMPOS - Dezessete por cento.
Gostaríamos de abordar, por exemplo, tema que foi apresentado pela Dra.
Duprat, que diz respeito à segurança de fronteiras. Querer dar àqueles povos
29
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
indígenas que moram na fronteira a responsabilidade de defendê-la é algo muito
além do que se possa imaginar como sensato.
Nós temos, por exemplo, lá em Roraima os wapixanas, que moram parte no
Brasil, parte na Guiana. Eles vão e vêm, atravessam o rio, andam por lá
tranqüilamente. Eles nunca vão entrar em qualquer, digamos, defesa, se aqui é
Guiana, se aqui é Brasil. Não existe isso. Eles estão lá. Para eles aquele território é
deles. Quem chegar e os tratar bem vai ser bem-vindo.
Da mesma forma existem lá, na Raposa Serra do Sol, na fronteira entre Brasil
e Venezuela, os taurepangs, que moram do lado venezuelano, assim como moram
do lado brasileiro.
Então, não podemos estabelecer a responsabilidade da defesa das fronteiras
a comunidades indígenas, que não têm formação para isso! Não está na sua cultura
defender isso. Na verdade, eles vivem a cultura deles, que os ensina a caçar,
pescar, viver daquela forma. Não podemos dar essa responsabilidade a eles,
porque, no Brasil, constitucionalmente, ela é uma tarefa, uma responsabilidade das
Forças Armadas.
Gostaria também de dizer, claramente que não somos contra — eu não sou,
eu sou favorável à demarcação de áreas indígenas. Sou favorável. Fui Governador
do Estado por 2 mandatos, conheço bem essa história, andei com o Ministro Nelson
Jobim, quando S.Exa. era Ministro da Justiça, passamos dias voando de
helicóptero, visitando todas as malocas. Nós conhecemos bem, detalhadamente, a
gente indígena e os seus problemas.
Agora, nós somos contra sim — e, aí, somos contra de verdade — os
exageros, os exageros! O meu Estado, se o olharmos, é quase um retângulo um
pouco inclinado para a esquerda. Todo o lado oeste é indígena, é ianomâmi. Vai
sobrar uma ponta lá no sudoeste, que é pantanosa, que não serve para nada.
Ao sul, tem os waimiri-atroaris. Na BR-174, que liga Boa Vista a Manaus, a
estrada só funciona 12 horas por dia, porque pode espantar a caça à noite. São
ONGs que estão lá e fazem isso. Isso não está na Constituição, nem em outra
legislação. Quer dizer, a única rodovia que une Roraima ao Brasil funciona 12 horas
por dia — funciona 12 horas por dia!
Ao norte, nós temos a Gleba São Marcos, pela qual a própria BR-174 passa.
Mas essa já funciona 24 horas por dia. Ao leste, agora tem Raposa Serra do
30
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Sol, nada menos do que 1 milhão e 700 mil hectares. Se pensarmos que Sergipe
tem 2 milhões e 200 mil hectares, 1 milhão e 700 mil hectares são pelo menos 70%
daquele Estado.
Muitas vezes, ouço Deputados de outros Estados dizerem que concordam.
São generosos com as terras dos outros, com os Estados dos outros. Se fosse no
Estado deles, não seriam tão bonzinhos assim. Esse é um ponto que merece
reflexão.
É claro que estamos aguardando uma decisão do Supremo; é claro que eu
não quero aqui, Dr. Márcio, colocar a culpa na sua pessoa, até porque a FUNAI, a
meu ver, recebeu um encargo muito maior do que a estrutura que lhe é dada para
desempenhar bem essa função. Não tem estrutura, não tem recursos para isso.
Historicamente, desde quando começou, desde quando era SPI, sempre foi assim.
Nós temos que ter, sim, muita preocupação com essa questão da fronteira.
Essa não é uma questão que nós podemos dizer que os índios vão defender. Só
fala isso quem não foi lá, quem não conhece. Quem conhece sabe que a realidade
não é essa. Nós temos que ter preocupação com isso. As Forças Armadas têm que
ter estrutura nessas áreas para defender o nosso País.
Não podemos esquecer que a Guiana é a única fronteira com o Brasil que
fala inglês, é de colonização inglesa. Isso significa muito. Nós temos que estar
atentos a isso.
Aceitar que, de alguma forma, até as Forças Armadas, para estabelecer um
pelotão lá em Uiramutã, tenha que entrar na Justiça e brigar, não é cabível.
Eu acho que está sendo dada muita força para quem não merece ter força.
Existem ONGs boas e ONGs más, ONGs do bem e ONGs do mal, ONGs que
servem porque querem fazer o bem e ONGs que estão a serviço de outros
interesses que nós não sabemos nem quais são, mas são ativos, pertencem a quem
tem recursos, e não podem ser levados em conta. Temos que estar atentos a eles.
Com relação a essa questão indígena, eu quero destacar também uma outra
coisa. São bem diferentes. Por exemplo, ianomâmis são índios primitivos, não falam
português. Precisam dos cuidados da FUNAI, precisam dos cuidados dos
profissionais para lidar com esses índios primitivos. Mas os makuxis, os wapixanas
— estou falando de Roraima porque conheço —, os taurepangs não. Eles são
31
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
absolutamente integrados! Grande parte tem o 1º e o 2º graus e alguns poucos
também o 3º grau.
Nunca esqueci quando um tuchaua me falou dizendo: “O que nós queremos
são melhores estradas; uma assistência médica melhor; meios para produzir
alimentos não só para nós, mas para poder vender e também ter condição
financeira melhor. O que nós queremos é ser cidadãos. Nós não queremos voltar a
andar nus; nós não queremos o isolamento”. O isolamento vai prejudicar o índio. O
isolamento em nome de quê? Por que é que ele vai ficar lá? Ele, que já conhece a
energia elétrica, vai ser negada energia elétrica para ele? Essa é uma conquista da
humanidade, é um bem sem o qual ninguém hoje é capaz de viver.Então, renunciar a isso, fazendo com que os índios pensem que uma
extensão enorme territorial é bom para eles? Se fosse bom, os Ianomâmis não
passariam fome, não estariam doentes, absolutamente subnutridos. Ninguém tem
mais terra do que eles. Não é a extensão de terra que resolve o problema dos
índios. O que eles precisam é de atenção, é de dividir melhor as tarefas, de saber o
que a FUNAI, o Governo do Estado e os municípios fazem.
Quando eu era Governador eu construi mais escolas nas áreas indígenas do
que qualquer outro Governo na história do meu Estado, escolas boas. Fiz o
magistério parcelado indígena, em que os professores indígenas aprendiam não só
ensinar Português, Matemática, Geografia, essas coisas, mas ensinavam também a
cultura, fazendo com que os índios pequenos, que já tinham maior contato,
digamos, com os brancos, falassem o makuxi, o wapixana, o taurepang, e tal,
falassem a sua língua nativa.
Então, essa cultura, as suas danças, a sua comida, essas coisas todas,
através dos professores, isso é preservação de cultura. Mas isolá-los, não permitir
que eles tenham energia... Eu coloquei linha de energia elétrica, iam lá e
quebravam, atiravam e quebravam os isoladores dos postes, para não permitir que
a energia elétrica chegasse lá.
Tentei, e levei até Maloca do Contão. Depois não pude mais porque não
adiantava. Quer dizer, um radicalismo sem tamanho com relação a isso. Queríamos
fazer o bem, e essas ONGs do mal, que estavam lá fazendo a cabeça desses índios
para impedir que as boas coisas, como energia elétrica, chegassem até eles. São
casos que devemos, de alguma forma, evitar.
32
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Presidente, Márcio Meira, é verdade que as comunidades indígenas têm
crescido muito, basta chegar numa maloca para se ver que o que mais existe são
crianças, muita criança. Não são evitadas, não há uma cultura de evitar, é assim
que deve ser mesmo. Agora, tem de ter alimentação, eles têm de se alimentar bem;
tem de ter higiene. Temos de pensar nos nossos indígenas como cidadãos e não
como algo que deva ser isolado para colocar lá numa prateleira, cercado, para que
alguém quando vier um dia da Europa ou da América do Norte possa ver como era
a história, para que os antropólogos possam estudar aquilo e ver como era. Não,
são pessoas, são homens e mulheres dotados de inteligência, de ambição na vida,
de vontade de vencer e ter qualidade de vida. É isso que eles são.
Eram essas as palavras que eu queria proferir.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Obrigada Deputado
Neudo Campos.
Passo a palavra à Deputada Maria Helena, do PSB de Roraima.
A SRA. DEPUTADA MARIA HELENA - Sra. Presidenta, eu também quero
cumprimentar V.Exa. pelo dia de hoje, dizer do nosso carinho, da nossa admiração
pela sua gestão, pelo seu trabalho, enfim, de Parlamentar, de nossa Presidenta.
Receba o nosso grande abraço e os votos de muita felicidade. Cumprimento toda a
Mesa, na pessoa do Dr. Márcio Meira, Presidente da FUNAI, por quem tenho
imenso respeito.
Quero aqui ressaltar que quando fomos convidados para esta audiência
pública o assunto a ser discutido aqui seria a questão indígena na Amazônia, mas,
pelo que me parece, o assunto está restrito à questão indígena no Amapá e no
norte do Pará. Mesmo assim, uma vez que a Dra. Deborah Duprat abordou a
questão Raposa Serra do Sol, e esse assunto também foi aqui abordado por outros
Parlamentares, fizemos questão de permanecer na audiência, embora estejam nos
aguardando na Comissão do Trabalho para relatar um projeto da Deputada Maria
do Rosário, porque eu não me ausentaria desta reunião sem também tecer alguns
comentários.
Primeiro com relação à assistência à saúde e à educação dos indígenas. E
eu vou falar aqui dos problemas com relação à saúde, à educação, ao transporte,
ao abastecimento de água, à produção e ao incentivo à produção dos índios de
Roraima, especialmente aqueles com quem eu mais convivo e que são os que mais
33
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
ajudo por meio de minhas emendas individuais: os índios de São Marcos e Raposa
Serra do Sol, porque, infelizmente, não consegui visitar os indígenas da área
ianomâmi.
O Deputado Neudo Campos, sim, porque já foi Governador, mas nós, os
demais brasileiros, temos dificuldade em fazê-lo. Nem na condição de cidadã nem
na condição de Parlamentar, consegui visitar as aldeias ianomâmis.
Fui Procuradora do Município de Boa Vista na época em que só tínhamos 2
municípios — Boa Vista e Caracaraí —, e acompanho a vida e os problemas desses
indígenas desde a década de 70, porque, ao norte, tanto São Marcos quanto
Raposa Serra do Sol eram considerados Município de Boa Vista.
Os problemas que vivíamos naquela época se agravaram. E disso eu acho
que o Dr. Márcio Meira, Presidente da FUNAI, tem conhecimento. Quando o Gen.
Heleno diz que a situação da saúde dos índios do Brasil é caótica tem razão — nós
sabemos que é mesmo caótica.
A Diocese de Roraima é a organização não-governamental que melhor tem
prestado esse serviço no Estado, mas, segundo palavras do Bispo, vai parar as
suas atividades nesta semana. Desde o ano passado, a Diocese aguarda o
pagamento da FUNASA, que está atrasado. A justificativa é a de que está havendo
entraves burocráticos e, por isso, esse recurso não é repassado. Assim, a Diocese
não tem mais condições de prestar assistência à saúde dos ianomâmis e de
integrantes de outras etnias, como os indígenas de Raposa Serra do Sol e da
Reserva de São Marcos.
Portanto, aqui está falando alguém que sempre teve preocupação com essas
questões. E o Dr. Márcio sabe que eu já estive na FUNAI inúmeras vezes tentando
liberar emendas de outros Parlamentares para 7 escolas do Município de Bonfim.
Lutei para que o Prefeito de Bonfim construísse essas escolas e postos de saúde,
mas S.Exa. não conseguiu.
Quer dizer, esses índios continuam tendo assistência à saúde em casas de
taipa e piso de chão, porque a União e a FUNAI não entendem que é necessário dar
ajuda aos municípios quando eles têm minimamente boa vontade para colaborar
com o Estado, que é hoje quem tem melhor prestado assistência à saúde e à
educação dos índios.
34
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Também quero fazer algum comentário em relação ao que afirmou a Dra.
Deborah Duprat no sentido de que estaria sendo negado território aos índios e que
alguns políticos e algumas autoridades do Ministério da Defesa teriam dito que os
indígenas seriam uma ameaça à soberania nacional.
Acho que não existe correta compreensão quanto ao que se tem afirmado e
àquilo por que temos lutado. No nosso entendimento — e creio que é o que também
entende o Ministério da Defesa —, não existe ameaça na presença de indígenas
nas nossas fronteiras. A ameaça existe no momento em que o Governo perde o
controle com relação às organizações não-governamentais infiltradas no território
brasileiro, especialmente nessas áreas indígenas. Também afirmamos que existe
perigo, sim, em relação à nossa soberania, quando elegemos um Estado da
Federação para demarcar áreas contínuas superiores a 1 milhão de hectares. A
área ianomâmi é de 9,5 milhões de hectares — repito: 9,5 milhões de hectares —, a
Reserva São Marcos é de quase 1 milhão de hectares, e Raposa Serra do Sol, 1,7
milhão de hectares. Em nenhum outro Estado da Região Norte, em nenhum outro
Estado do País houve demarcação em áreas contínuas. Isso ocorreu somente em
Roraima. Em nenhum outro Estado além de Roraima houve demarcação com áreas
superiores a 1 milhão de hectares.
Preocupamo-nos, sim, com a presença dessas organizações
não-governamentais. E, na última audiência pública em que aqui esteve, o Ministro
da Justiça informou que o Ministério está realizando um levantamento do que essas
organizações estão fazendo nas reservas indígenas.
Também gostaria de dizer que a questão da soberania nacional diz respeito à
sinalização da proibição do acesso e da existência de instalações militares em terras
indígenas e que consta da Declaração Internacional sobre os Direitos dos Povos
Indígenas, da ONU, documento assinado somente pelo Brasil entre os países que
têm terras indígenas. Os Estados Unidos não assinaram, bem como o Canadá, a
Austrália e a Nova Zelândia não assinaram, só o Brasil o fez. Caso esse preceito
seja aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro, aí, sim, vamos poder ter ameaçada
a nossa soberania.
Quero ainda passar uma informação aos senhores. Talvez a Dra. Deborah
Duprat tenha acompanhado a demarcação de Raposa Serra do Sol, mas a Dra.
Maria Guiomar, a antropóloga que assinou o laudo demarcatório de Raposa Serra
35
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
do Sol, afirmou em audiência pública nesta Casa que não acompanhou essa
demarcação.
Quero informar também aos senhores, tanto ao Dr. Márcio — e acho que já
disso isso em outras ocasiões —, quanto à Dr. Deborah, que a demarcação
contínua é perigosa porque ela leva tudo junto. A demarcação de Raposa Serra do
Sol, por exemplo, levou terras tituladas há mais de 100 anos e, inclusive, áreas que
tinham reconhecida a titularidade pelo Supremo Tribunal Federal por meio de
sentença transitada em julgado.
Então, no momento em que reconhecemos os direitos dos indígenas, criamos
um conflito, que poderia ser evitado se essas áreas tituladas, bem como outras
áreas importantes para o desenvolvimento do Estado, tivessem sido respeitadas.
Essas demarcações poderiam ter acontecido sem qualquer problema, sem qualquer
conflito.
É a informação que queria passar, porque aqui nem todos acompanharam de
perto. Aliás alguns nunca foram a Roraima e, se foram, ficaram apenas algumas
horas, no máximo, um dia. Ninguém ficou muito lá, vivendo o problema, ouvindo os
segmentos e sentindo realmente o que aconteceu de verdadeiro.
Quero também informar que, como convivo com esses indígenas e com
essas questões desde a década de 70 sei bem, no ano de 1989, o Padre Jorge — e
vejam que sou muito ligada à Igreja católica; nenhum Parlamentar é tão ligado à
Igreja católica quanto eu, mas tenho de reconhecer que isso verdadeiramente
aconteceu com alguns padres italianos — introduziu alguns indígenas da Guiana no
território brasileiro. Quando advertido pelas autoridades a respeito, afirmou que os
índios não tinham nada a ver com as fronteiras dos países, que os índios não
tinham nada a ver com as leis das gentes e que ele poderia, sim, introduzir essas
populações indígenas de outro país no território brasileiro. Esses indígenas até hoje
estão lá. Aliás, muitos outros vieram e continuam vindo. Isso acontece de forma
constante. E posso afirmá-lo porque acompanho de perto o caso.
Em resumo, Sra. Presidenta, era o que gostaria de dizer.
Faço apenas uma pergunta ao Presidente da FUNAI.
Neste ano, apresentei emenda ao Orçamento destinando recursos à FUNAI
para etnodesenvolvimento, especificamente no Município de Pacaraima. O Prefeito
de Pacaraima não sabe como fazer a carta consulta porque nós temos prazo para
36
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
empenhar até o final deste mês. Então, teria de haver um contato entre a FUNAI e a
Prefeitura. Isso ainda não pôde ser feito, porque, infelizmente, está havendo um
problema de diálogo entre a Prefeitura e a FUNAI — e o atual Prefeito não é o
mesmo da época em que eu propus a emenda. Temos de resolver a questão para
que as comunidades indígenas de Pacaraima não percam esse apoio financeiro.
Lembro também, Dr. Márcio, que alguma medida tem de ser adotada pela
FUNAI em relação àquilo que vem acontecendo na Maloca Sorocaima, no pé da
Serra de Pacaraima. Aquela comunidade indígena vem sendo usada como
depositária de combustível por traficantes. Os índios vêm sendo usados no tráfico
de combustíveis. E acho que a FUNAI tem de estar presente e atenta ao que vem
acontecendo com aquela comunidade.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Muito obrigada,
Deputada Maria Helena.
Registro a presença do Deputado Pedro Wilson, do PT de
Goiás.
Passo a palavra neste momento aos expositores para esclarecimentos e
considerações finais.
Inicialmente, com a palavra o Dr. Márcio Meira, Presidente da FUNAI.
O SR. MÁRCIO MEIRA - São muitas perguntas, Deputada, e eu estou com
pouco tempo disponível, uma vez que tenho uma audiência às 17h no Supremo
Tribunal Federal, mas gostaria muito de poder responder a todas as indagações
feitas não só pelo Deputado Asdrubal Bentes, mas também pelos Deputados Neudo
Campos e Maria Helena. Vou tentar ser o mais objetivo possível.
Em primeiro lugar, Deputada Maria Helena, quero dizer que, em relação à
sua emenda, V.Exa. pode me procurar — e eu já a recebi várias vezes na FUNAI —
para tratarmos do assunto. Os índios não podem ser prejudicados por nenhum tipo
de divergência política de ocasião. Precisamos tratar disso como de interesse dos
índios.
Na verdade, vim aqui para falar do tema desta audiência pública: os índios do
norte do Pará e do Amapá. E os representantes dos indígenas do norte do Pará e
do Amapá estão aqui ansiosos, esperando o encaminhamento de suas questões.
No entanto, 90% das questões dos Deputados foram dirigidas à questão de
37
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Roraima. Então, não posso deixar de falar de Roraima, e peço permissão aos
companheiros indígenas do Pará e do Amapá para me reportar a esse tema.
Vou dizer algumas coisas. Primeiro, Deputada — e os Deputados Neudo
Campos e Asdrubal Bentes já saíram —, vou fazer comentários gerais que
respondem a todos. Quanto à questão da terra indígena na fronteira e à soberania
nacional, ponto que tem sido muito abordado, quero dizer que o Governo tem clara
preocupação em relação a isso e não se furta a essa discussão, porque realmente é
uma questão muito séria e importante.
A Constituição brasileira é muito clara. Como disse o Deputado Neudo
Campos, a atribuição constitucional de defesa do território nacional é das Forças
Armadas, mais precisamente, na região, do Exército, mas também da Aeronáutica e
da Marinha, porque a Bacia Amazônica recebe o apoio da Marinha. Aliás, é muito
importante ter agora o apoio da Marinha na terra indígena Vale do Javari, por
exemplo, que é contínua, com cerca de 10 milhões hectares no Estado do
Amazonas, na fronteira com o Peru.
Deputada, existem outras terras indígenas fora de Roraima muito maiores do
que 1 milhão de hectares. Por exemplo, a terra indígena Alto Rio Negro tem 8
milhões de hectares e está na fronteira com a Colômbia. A terra indígena Parque do
Tumucumaque, no Pará, na fronteira com o Suriname, tem mais de 2 milhões de
hectares. Então, não é uma característica só de Roraima. Existem terras indígenas
contínuas até porque, na nossa perspectiva, na Amazônia Legal — podemos falar
de modo diferente em relação a regiões fora da Amazônia Legal —, todas as terras
indígenas são contínuas. Não existe nenhuma terra indígena não contínua. Por isso
é uma questão conceitual. Como disse V.Exa., muita gente não está acompanhando
a questão e tem dificuldade de compreender esses conceitos. Esse é o primeiro
ponto.
Ainda com relação à soberania, as Forças Armadas têm presença nas
fronteiras brasileiras na Calha Norte, de Rondônia ao Amapá, com mais de 20
pelotões de fronteira aproximadamente, inclusive boa parte deles está em terras
indígenas.
Por exemplo, no Amapá, próximo da terra indígena Uaçá está a base de
Clevelândia. Na terra indígena Parque do Tumucumaque, a que fiz referência
há pouco, está a base de Tiriós. É antiga a presença das Forças Armadas lá. Em
38
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Roraima, tanto na terra indígena ianomâmi quanto na terra indígena Raposa Serra
do Sol, há a presença de pelotões das Forças Armadas. No Alto Rio Negro, temos 5
pelotões de fronteira na terra indígena. Também em Tabatinga, no Vale do Javari e
no Acre. Em Rondônia, temos igualmente a presença das Forças Armadas.
Um fato precisa ser registrado: a presença de pelotões das Forças Armadas
precisa ser valorizada e reforçada. Essa presença está garantida na Constituição e
existe de fato, mas precisa ser reforçada, porque é uma atribuição constitucional
das Forças Armadas, assim como é uma atribuição constitucional da FUNAI a
proteção dos povos indígenas, inclusive demarcando suas terras tradicionalmente
ocupadas. Como disse o Deputado do Pará, a FUNAI também precisa de reforço
institucional, reforço de orçamento, reforço de recursos humanos, bem como as
Forças Armadas precisam, para que possamos estar mais presentes nas terras
indígenas, inclusive na fronteira.
Isso precisa ser esclarecido, porque não há nenhum impedimento e nenhuma
contradição entre terra indígena, presença das Forças Armadas e presença da
FUNAI nas terras situadas na faixa de fronteira, porque tudo isso está estabelecido
na Constituição. Isso está muito claro na Constituição brasileira. O principal item de
garantia da soberania nacional é a Constituição.
A Constituição brasileira é o ato mais importante do Estado. Portanto, todos
nós, brasileiros, indígenas e não indígenas, estamos subordinados a ela e devemos
obedecer o fundamento da nossa soberania, a Constituição.
O Presidente Lula tem afirmado claramente a nossa soberania sobre a
Amazônia. A Amazônia é um patrimônio de importância mundial? Sim. Mas, nós,
brasileiros, é que temos a responsabilidade sobre ela. Cabe a nós, brasileiros,
garantirmos a soberania sobre esse território. Isso cabe a todos nós. É preciso que
a questão fique bem esclarecida, inclusive pela experiência que temos de
cooperação desde a época do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) — e, para quem
não se lembra, ressalto que o SPI foi fundado por um general, o Gen. Rondon.
Portanto, a tradição indigenista brasileira tem origem militar. Temos forte relação de
cooperação com as Forças Armadas, há bastante tempo. Sou da Amazônia e
conheço muitas áreas da Amazônia. E, na área que eu mais conheço, na qual
trabalhei durante muitos anos, 70% do contingente dos soldados do Exército são
indígenas. E esses soldados são os defensores do nosso território.
39
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Com relação à soberania, era o que queria dizer. Tenho tranqüilidade em
relação a isso. A terra indígena Raposa Serra do Sol não é exceção. Ao contrário.
Ela faz parte de um processo que não é de Governo, não é deste Governo, mas um
processo do Estado brasileiro de reconhecimento de terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios, como estabelece a Constituição. E é de forma contínua,
porque não existe, como disse, outra possibilidade nesse sentido, porque todas as
terras indígenas são contínuas. Certo?
A SRA. DEPUTADA MARIA HELENA - Então, faço a V.Sa. uma pergunta
bem direta: V.Sa. acha que o Governo tem controle efetivo do que acontece nas
áreas indígenas quando a extensão é muito grande?
Quanto à saúde, à educação, ao incentivo à produção, enfim, a tudo o que os
índios precisam, o Governo vem prestando assistência aos índios, por meio dos
órgãos federais?
O SR. MÁRCIO MEIRA - É fácil responder essa pergunta, Deputada, porque
não é desconhecido de ninguém no Brasil que a maior parte da população brasileira
— não só indígena, mas principalmente a mais pobre — não é assistida
adequadamente com o respeito e dignidade que merece. Se V.Exa. for à favela da
Rocinha, no Rio de Janeiro, encontrará situações semelhantes.
Então, acho que nenhum de nós pode ocultar a realidade dos fatos, ou seja,
temos realmente uma situação de desassistência de boa parcela da população
indígena, inclusive em relação ao que deveria ser.
Disse anteriormente que não podemos nos esquecer — porque isso deve ser
um orgulho para todos nós, brasileiros — de que conseguimos, nos últimos anos,
avançar e melhorar no que diz respeito à qualidade de vida e ao atendimento
dessas parcelas da população brasileira cujos direitos foram negados
historicamente.
No caso dos povos indígenas, houve, sim, avanços importantes, sobretudo
graças à iniciativa dos Constituintes de 1988. É bom lembrar que não havia nenhum
indígena Constituinte. Portanto, a Constituição foi elaborada por Deputados e
Senadores não indígenas.
Temos de colocar as coisas em panos quentes e os fatos como eles são.
Dizer que todos os povos indígenas do Brasil vivem hoje em situação ideal não é
verdade. Temos situações gravíssimas. No entanto, comparado com o que era há
40
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
30 anos, melhoramos muito. Mesmo na área da saúde, que é grave e, muitas vezes,
tem situações limite, a criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, por
exemplo, foi um grande avanço e melhorou muito o atendimento à saúde. Não foi à
toa que a população indígena cresceu e cresce hoje 6 vezes mais do que a média
nacional. Isso tem ocorrido em razão da vacinação e de uma série de medidas
tomadas pelo Estado brasileiro.
Estou falando de forma muito sincera, muito franca. Portanto, temos de
“desideologizar” a discussão, porque este debate, infelizmente, na minha opinião,
ganhou um contorno “ideologizado” demais.
O exagero, conforme disse o Deputado Neudo Campos, está aí. Acho que o
tema foi extremamente “ideologizado” quando não deveria, porque na verdade se
trata de um cumprimento constitucional. Estamos fazendo com que isso seja feito no
Brasil — aliás, concluído. A maior parte das demarcações de terras indígenas na
Amazônia Legal, como disse, estão concluídas. No caso de Roraima, 99% delas.
Em Roraima, de fato, as terras indígenas são majoritárias em relação a outros
Estados. Cerca de 46% do território de Roraima é composto de terras indígenas.
São 32 terras indígenas. Por quê? Porque foi sobretudo em Roraima que a
população indígena se estabeleceu há muito tempo. Ali há uma população indígena
dispersa, diversificada e ampla.
Portanto, precisamos pensar em como poderemos desenvolver Roraima, a
Amazônia e o Brasil respeitando as especificidades e adequando o projeto de
desenvolvimento a essa realidade. De fato, isso precisa ser observado no caso de
Roraima.
Roraima tem vasta dimensão, e a parte que não é terra indígena pode, sim —
inclusive com o debate que está sendo feito com o Governo Federal —, se
desenvolver de outras formas, com outros procedimentos.
A população total de Roraima, segundo o IBGE, é de aproximadamente 400
mil habitantes. Cerca de 250 mil moram na cidade de Boa Vista. Portanto, na área
rural do território de Roraima vivem apenas cerca de 150 mil pessoas.
Segundo dados que temos, a população indígena é de 45 mil a 48 mil
indivíduos. Portanto, temos de observar a conformação demográfica, inclusive da
área rural do Estado.
41
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Estou dizendo tudo isso porque acho que precisamos resolver essa questão
de forma tranqüila, pacífica. Vamos esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Temos de esperá-la — e isso faz parte do respeito que temos de ter pelo Estado
Democrático de Direito no Brasil. Queremos crer que o Supremo Tribunal Federal
vai tomar uma decisão correta para esse caso.
Ouvi muitas manifestações de preocupação com os índios estrangeiros,
índios da Guiana ou da Venezuela. Nesse caso, Deputada, mais uma vez, acho que
se trata de questão em que há exagero de “ideologização”.
Por exemplo, em relação ao Amapá, estamos aqui com palikur, karipuna,
galibi e galibi-marworno. Todos eles têm parentes na Guiana Francesa. E eles têm o
direito de ir à Guiana Francesa visitar os seu parentes, assim como os seus
parentes da Guiana Francesa têm o direito de vir ao Brasil visitar parentes. A
mesma coisa com os wayana. Está presente aqui o Tadeu, um índio wayana. Ele
vive no Brasil, é brasileiro, mas tem parentes que vivem no Suriname e também na
Guiana Francesa. E eles vão e vêm mesmo. Esse é um direito que eles têm,
inclusive garantido na legislação brasileira. Há uma lei no Brasil que garante aos
indígenas que vivem no Brasil e também fora do Brasil, nos países vizinhos, o direito
de ir e vir para visitarem os seus parentes e até, eventualmente, se transferirem de
uma região para outra. Isso não afeta, volto a dizer, a nossa soberania.
Assim é também em relação às pessoas não indígenas. Por exemplo,
estamos discutindo agora, no âmbito do MERCOSUL, que todos os brasileiros que
vivem nas fronteiras — indígenas ou não indígenas, tanto faz — possam ter livre
trânsito entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. E isso não pode nem deve
afetar de forma alguma nossa soberania. Não podemos ver a questão dessa forma.
A SRA. DEPUTADA MARIA HELENA - Mas é isso o que me preocupa,
porque a FUNAI ignora esses fatos e também acha que não são relevantes. Isso
nos deixa mais preocupados.O SR. MÁRCIO MEIRA - Ao contrário, Deputada. Não estou ignorando, estou
dizendo que precisamos ter claro que isso está definido na legislação brasileira.
Respeitando a legislação brasileira, vamos sempre manter a nossa soberania e,
dessa forma, garantir sempre que nosso território seja preservado.A SRA. DEPUTADA MARIA HELENA - Nós temos malocas em que os
tuxauas desconhecem o idioma português.
42
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
O SR. MÁRCIO MEIRA - Para V.Exa. ter idéia, fui recentemente visitar os
caiapó que não estão na fronteira, mas bem no centro do Brasil. Fui recebido por 2
moças pré-adolescentes, que é como eles recebem o visitante na aldeia, e elas me
levaram até o centro da aldeia e, depois de uma apresentação de dança, fui
convidado a entrar na Casa dos Homens.A maioria da população caiapó não fala português, mas caiapó. E tive mais
uma surpresa: em frente à maloca, havia um mastro em que os caiapó hastearam a
bandeira brasileira, e quando entrei na maloca para participar da reunião — se os
senhores estivessem lá certamente teriam se emocionado, como eu me emocionei
naquele momento —, eles cantaram o Hino Nacional, mas com um detalhe: eles
cantaram em caiapó. Aliás, na minha posse na Presidência da FUNAI, o Hino
Nacional foi cantado em guarani. A SRA. DEPUTADA MARIA HELENA - Então, ali a situação é diferente da
que acontece em outras malocas, em que os índios falam a língua da etnia e inglês.A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Para que se cumpra o
Regimento, lembro que o diálogo paralelo prejudica os que ainda vão fazer suas
intervenções. O SR. MÁRCIO MEIRA - Eu já vou concluir, Sra. Presidenta, perdoe-me pela
extensão da minha fala, mas eu precisava dar essas explicações.
Quero dizer à Deputada Maria Helena, com todo respeito que tenho por
S.Exa. — e a Deputada sabe disso —, que não há nenhum impedimento em relação
a isso. Pelo contrário, queremos que todos os índios brasileiros, como qualquer
outro cidadão neste País, possam falar inglês, francês e, se puderem aprender
outras línguas, melhor ainda. A maior parte dos índios que eu conheço na fronteira
fala mais de uma língua além da sua, muitas vezes fala português e o espanhol.
O importante é deixar claro é o seguinte: toda terra indígena é contínua, e
Raposa Serra do Sol não é exceção; toda terra indígena é propriedade da União
Federal, portanto, esse é um ato de soberania do Estado brasileiro; toda terra
indígena, como diz a Constituição, permite e garante a presença das Forças
Armadas, no caso de fronteira, para a defesa do território nacional. Inclusive vários
pelotões das Forças Armadas estão presentes na fronteira.
Portanto, temos de diminuir, baixar um pouco os exageros desse debate,
garantir definitivamente o direito dos povos indígenas e trabalhar para o futuro,
43
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
olhando para a frente. Acho que é disso que precisamos no Brasil, mostrando para
o mundo que o nosso País, com toda a diversidade cultural e ambiental que possui,
pode crescer e se desenvolver cada vez mais, respeitando a diversidade
socioambiental. Essa é a nossa posição, e, com diálogo, com todas as precauções
e cuidados, temos de encontrar — e havemos de consegui-lo —, sem duvida
nenhuma, de uma forma serena, tranqüila e pacífica, uma solução definitiva para a
questão em Roraima.
Obrigado, Sra. Presidenta, mas tenho de me retirar agora para ir a uma
audiência no Supremo Tribunal Federal. (Pausa.)A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Deputada Maria
Helena, V.Exa. quer usar da palavra por alguns minutos? (Pausa.)
Com a palavra a Sra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira.
A SRA. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Até porque,
Sra. Presidenta, inaugurei esse assunto de Raposa Serra do Sol e estou me
sentindo absolutamente injusta com os presentes.
Quero fazer alguns comentários sobre questões aqui postas.
Em relação à saúde, o que estamos verificando na Amazônia, em especial no
caso do Amapá, é que há um desvirtuamento do modelo de saúde criado pelo
subsistema da Lei Arouca. A FUNASA, em vez de prestar diretamente essa
atividade ou contratar quem a faça, começou a fazer convênios com organizações,
algumas delas, no início desse serviço, de uma maneira até muito razoável, porque
estas estavam junto das comunidades indígenas, tinham a expertise e sabiam fazer.
No entanto, onde não conseguiu firmar parceria com essas organizações, a
FUNASA estimulou fortemente organizações indígenas a assumirem esse papel,
numa situação bastante curiosa, porque é um subsistema do SUS, em que
organizações indígenas são ao mesmo tempo usuárias do serviço, contratantes dos
prestadores do serviço e executoras do controle social. Há, portanto, uma confusão
em torno dos grupos indígenas e em todos os papéis do subsistema de saúde que
estão muito bem distintos.
O central na questão da saúde é justamente o controle social. Por isso, fiquei
muito preocupada em saber que não está ocorrendo controle social no Estado do
Amapá. Imagino que não esteja havendo reuniões do conselho distrital e dos
conselhos locais de saúde. Isso é grave. Recentemente, estivemos tanto no Estado
44
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
de Roraima quanto no Estado do Amazonas, onde tratamos da questão do Vale de
Javari. Chamamos a FUNASA para fazermos um termo de ajustamento de
condutas, instrumento de que dispomos, a fim de que o controle social seja
efetivamente implementado. Ou seja, para garantir que as reuniões se dêem com
periodicidade e que haja fornecimento dos meios de transporte. Sobre isso, preciso
de maiores informações, por que não está havendo controle social não ficou
suficientemente claro.
Lembro que isso está acontecendo agora com o Conselho das Aldeias
Waiãpi — APINA, esse processo de criminalização de importantes entidades para o
movimento indígena. Lembramos que algumas delas acabaram com esse processo
da FUNASA, tais como a Coordenação dos Povos Indígenas de Rondônia —
CUNPIR, o Conselho Indígena do Vale do Javari — CIVAJA, a União das Nações
Unidas do Acre do Sul do Amazonas — UNIACRE, enfim, várias organizações e
instituições indígenas que participaram ativamente da Constituinte e foram
importantes nesse capítulo que se consolidou para os povos indígenas e que estão
liquidadas. Lideranças indígenas estão respondendo por improbidade administrativa
e por crime, porque, numa prestação de contas maluca de convênios realizados
com a FUNASA, não conseguem dar conta. Nunca, porém, elas foram capacitadas
para tanto. A FUNASA se escondeu nesse processo, nunca realizou uma auditoria,
nunca acompanhou esse processo, e, portanto, estamos nessa situação.
Inclusive por conta de ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho,
estamos discutindo com a FUNASA a implementação do modelo proposto pelo
subsistema da Lei Arouca. Isso significa retornar a idéia da autonomia dos distritos
sanitários, conferir efetiva autonomia aos distritos, ter pessoal de carreira nesses
distritos, acabar com as superestruturas das coordenações regionais, que inexistem,
não fazem parte do subsistema do SUS. É nessa linha que temos atuado.
Sei que todos estão cansados, mas vou lembrar outro problema que
identificamos. Vim para esta audiência pública com a informação de que aqui se
trataria da questão amazônica, não só limitada ao Amapá, daí por que ingressei
nesse assunto de Roraima e, por se tratar também de uma Comissão de Defesa
Nacional, julguei importante falar sobre as fronteiras.
Outro grave fato que identificamos na Amazônia é relativo aos grandes
empreendimentos. Não sei em que medida o Amapá será atingido, mas, hoje em
45
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
dia, 95% do aproveitamento hidrelétrico está na região amazônica. Certamente, isso
significará impacto aos povos indígenas, às populações ribeirinhas, às população
quilombolas, enfim, a todas essas populações tradicionais. Estamos vendo isso com
bastante preocupação, e ainda cientes de que vários desses grupos estão na mais
absoluta invisibilidade. Ou seja, povos serão removidos, haverá deslocamentos
forçados, sem sequer termos sido capazes de identificá-los.
Para terminar, em relação à educação, quero dizer que estive ontem em São
Paulo, e o que se reclama — não sei isso está acontecendo também no Amapá — é
o tal do Plano de Ações Articuladas (PAR) Indígena, das pactuações que estão
sendo feitas com o Governo Federal e as Secretarias Estaduais de Educação para o
fornecimento da educação escolar indígena, inclusive para os cursos de formação
inicial e continuada dos professores.
Temos notícia de que as comunidades indígenas não participam desse
processo e, às vezes, as Secretarias Estaduais de Educação têm uma relação
bastante conflituosa com as comunidades indígenas. É importante saber dessa
informação.
O que está acontecendo? Houve pactuação com o Estado do Amapá? Em
que medida as organizações tradicionais e os povos indígenas estão envolvidos?
Eu não tenho essas informações no momento. Posso até disponibilizá-las
depois. Estou levando todas essas questões que me chegaram... Enfim, já tínhamos
ciência de várias delas.
A respeito das pistas de pouso, partilhamos um pouco a nossa preocupação
com o Ministério da Defesa, em mais de uma oportunidade. Essas pistas, várias
vezes, serviram para invasão desses territórios, para invasão de garimpo, para
invasão de exploração madeireira. Então, é preciso que haja realmente pistas que
garantam acesso às políticas de saúde, de educação, mas deve haver efetivo
controle sobre elas.
Vou terminar. Acho que já fui longe demais. Aguardo maiores informações a
respeito desses pontos.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Agradeço à Dra.
Deborah.
Passo a palavra ao Coronel-Aviador José Hugo Volkmer.
46
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Solicito que haja um pouco mais de brevidade, porque está havendo votação
nominal no plenário. Teremos de encerrar imediatamente as reuniões nas
Comissões. Vamos contar com a compreensão do Presidente da Casa para que
possamos concluir esta tão importante audiência pública.
Quero dizer ao Coronel José Hugo Volkmer que a Comissão da Amazônia,
por meio da sua Subcomissão de Orçamento, dirigida pelo Deputado Francisco
Praciano, está à disposição para conversar com o Ministério da Defesa, com a
Aviação brasileira sobre as pistas de pouso que estão instaladas nas áreas
indígenas, e são várias. Nas áreas indígenas no norte, no Oiapoque, nas 3 áreas
indígenas dos waiãpi e no Tumucumaque as pistas não são legalizadas.
Podemos não aprofundar muito neste debate, mas representamos o Estado
brasileiro e estamos discutindo aquilo que não está ocorrendo legalmente. As pistas
não estão legalizadas, não é feita a sua manutenção. Pela necessidade de acesso a
todos os serviços, elas são utilizadas de qualquer maneira. É necessário que esse
comentário seja feito. Gostaríamos de conversar muito mais ainda com o Ministério
da Defesa a respeito desse problema.
Com a palavra o Sr. José Hugo Volkmer para seus comentários e
considerações finais.
O SR. JOSÉ HUGO VOLKMER - Em direção à objetividade, eu diria que
essas comunidades afetas, no caso, ao PAR devem dirigir suas aspirações ao
Primeiro Comando Aéreo Regional. É nosso interesse registrar as várias pistas que estão localizadas nos
territórios indígenas, onde os senhores residem. Isso vem ao encontro de 2
aspectos: o aspecto da soberania nacional e o de podermos exercer o treinamento
de nossos pilotos, indo até essas pistas levar saúde aos senhores, levar os
profissionais da saúde, de mãos dadas com a FUNASA, com a FUNAI, com o
Ministério Público, com o Estado em si. Basta que os senhores apresentem seus
anseios e digam para onde querem que direcionemos nossos esforços.
Hoje estamos trabalhando em Tiriós, fazendo uma pista enorme, de 1.500
metros de asfalto. Os senhores bem sabem disso. Já terminamos as atividades em
Oiapoque.
Essas outras pistas dentro dos territórios dos senhores não precisam ser
grandes, de 1.500 metros, não precisam ser asfaltadas — são pistas de 600 metros
47
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
—, desde que permitam a operação de nossas aeronaves que fazem esse tipo de
vôo. Com 600 metros de pista nós resolvemos o problema, conseguimos levar o
profissional de saúde até os senhores, conseguimos levar a cadeira de dentista
móvel para atender os senhores e conseguimos remover alguns de seus familiares,
quando picados por uma cobra ou quando acometidos por alguma enfermidade
grave, para algum centro onde haja tratamento adequado.
Basta que os senhores dirijam as suas solicitações ao 1º Comando Aéreo
Regional, em Belém, na figura do seu Chefe do Estado-Maior, do seu Comandante.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Obrigada,
Coronel-Aviador José Hugo Volkmer.
Concedo a palavra ao representante da COIAB, Kleber dos Santos Karipuna.
O SR. KLEBER DOS SANTOS KARIPUNA - Obrigado, Deputada.
Serei breve. Quero apenas reforçar essa questão das terras indígenas do
Amapá e do norte do Pará, essa problemática que foi apresentada. Como disse a
Dra. Deborah, os problemas são correntes e passados, e ainda não conseguimos
solucioná-los.
Reforço o que foi dito na minha explanação, sobre a possibilidade de
montarmos uma ação conjunta para construir essa agenda pró-ativa em que se
insiram os vários órgãos competentes para solucionar, em conjunto com os povos
indígenas, de acordo com seus anseios, esses problemas que afetam a região do
Amapá e do norte do Pará. Que possamos, de fato, a partir de ontem, de
anteontem, de tempos atrás... Se possível, Deputada, vamos agir a partir de
amanhã em busca de soluções junto com os demais órgãos para solucionar esses
problemas.
Informo ao coronel que já foi protocolado no 1º COMAR — acho que o
comandante é Osvaldo Oliveira — um documento sobre essa questão das pistas de
pouso na região do Amapá e do norte do Pará para tentar resolver esses
problemas.
Ficamos muito satisfeitos ao vê-lo mostrar a intenção de querer ajudar e de
podermos apresentar esses anseios. Agradecemos. Vamos verificar como
podemos, urgentemente, buscar soluções para esses problemas, principalmente
naquelas comunidades, nas terras indígenas, onde o acesso é feito somente por
meio de aeronave. Hoje não se pode ir até lá, porque as pistas de pouso não estão
48
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
acessíveis às aeronaves. Isso dificulta muito o acesso a essas comunidades.
Queremos de fato reforçar essa questão e a questão da agenda pró-ativa, para que
já possamos construir, a partir de amanhã, com a participação sempre efetiva dos
povos indígenas, a solução desses problemas.
Antes de terminar, na condição de representante da COIAB, nossa
organização indígena maior e mais representativa no âmbito da Amazônia, não
posso deixar de citar algumas questões sobre essas problemáticas que envolvem a
demarcação de terras indígenas, principalmente em áreas de fronteira.
Já é do conhecimento de todos o posicionamento do movimento indígena em
relação a essas questões. Só reforço as palavras do nosso Presidente da FUNAI,
Dr. Márcio Meira. A demarcação das terras indígenas de fato não ameaça a
soberania nacional. Temos de acabar com esse discurso um pouco superior de
dizer que os povos indígenas são essa ameaça toda.
Vale ressaltar que, graças aos povos indígenas, temos ainda essas fronteiras
com a presença do povo brasileiro; porque nós, povos indígenas, nos consideramos
brasileiros. Somos brasileiros, ajudamos no desenvolvimento do País e queremos
continuar ajudando, buscando sempre o desenvolvimento sustentável, o
desenvolvimento que não ocasione o desmatamento das florestas. Hoje a maioria
das florestas em pé está concentrada em terras indígenas. Isso é uma
demonstração realista, comprovada. De fato, queremos continuar ajudando no
desenvolvimento do Brasil, mas de uma maneira que não impacte o meio ambiente
que tanto defendemos e que faz parte do nosso convívio, faz parte da nossa
sobrevivência, sim.
Infelizmente o Deputado Neudo Campos já se ausentou, mas queremos
deixar aqui o nosso voto de repúdio a algumas questões um pouco discriminatórias,
relacionadas aos povos indígenas, mencionadas por S.Exa. Não aceitamos esse
tipo de manifestação. Somos povo brasileiro e merecemos todo respeito que
qualquer cidadão brasileiro merece. Merecemos ter respeitados todos os nossos
direitos garantidos pela Constituição, como o direito à saúde. Em relação aos povos
indígenas, uma saúde diferenciada, assim como uma educação diferenciada, e o
direito a um convívio nos seus territórios demarcados, tradicionalmente ocupados
por eles. Queremos, sim, continuar a ajudar o Brasil a se desenvolver e a fazer parte
desse processo de construção do nosso País.
49
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
Para finalizar, Sra. Presidenta, quero agradecer à Comissão pela
oportunidade. Infelizmente deixo registrada a nossa decepção com algumas
observações feitas aqui, relacionadas aos povos indígenas.
Obrigado. (Palmas.)A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Agradeço ao Sr.
Kleber, Coordenador da COIAB, a valiosa contribuição.
Passo a palavra ao Deputado Estadual Camilo Capiberibe, do Amapá, que,
preocupado com a busca de soluções para problemas sociais, entre outros, dos
povos indígenas do nosso Estado e do País, para cá se deslocou, assim como todos
os índios presentes. Desculpe-me, índia Vitória Karipuna, por não ter citado seu
nome há pouco.
Tem a palavra o Deputado Estadual Camilo Capiberibe para prestar alguns
esclarecimentos e fazer suas considerações finais.
O SR. CAMILO CAPIBERIBE - Muito obrigado.
Mais uma vez agradeço à Comissão o convite para participar desta reunião
nesta tarde, início de noite.
Reconhecemos que houve avanços em relação à política voltada para as
áreas indígenas e várias outras. Mas, infelizmente — tenho ido freqüentemente à
área indígena do Oiapoque —, não temos visto nem sentido, nesses últimos 2 anos,
pelo menos, algum avanço, alguma melhora.
Temos acompanhado o administrador da FUNAI, em Macapá, em várias
audiências, em várias reuniões na Procuradoria. Enfim, em várias circunstâncias
sentimos que há falta de amparo da FUNAI. É lamentável que o Presidente da
FUNAI não esteja presente. É preciso melhorar, e muito — não é pouco —, a
infra-estrutura da FUNAI no Amapá, até porque ela não serve apenas ao nosso
Estado, mas também ao norte do Pará.
Não quero ser repetitivo, mas deixo claro que é preciso fortalecer o quadro de
pessoal da FUNAI no Amapá e também a sua estrutura financeira. Numa simples
visita à sede da FUNAI em Macapá é possível verificar que algo de errado está
acontecendo com esses investimentos. Basta visitar a sede da FUNAI em Macapá.
Se os senhores tiverem oportunidade, devem ir até lá. Isso vai ficar muito claro.
Então, para concentrar, é preciso decisão política e alocação de recursos. Como já
foi dito, a Comissão vai ter esse papel, mas o Governo Federal também, para
50
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
continuarmos avançando em ritmo condizente com o compromisso que deve ser
assumido.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Muito obrigada,
Deputado Camilo.
Pelos valiosos esclarecimentos prestados, agradeço ao Coronel-Aviador José
Hugo Volkmer, à Sra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, ao Sr. Kleber dos
Santos Karipuna e ao Deputado Estadual Camilo Capiberibe.
Registro o empenho do administrador regional da FUNAI em Macapá, que é a
área de mais difícil acesso no Tumucumaque, o Sr. Frederico.
A Sra. Estela Maria dos Santos Oliveira, uma índia karipuna que tem o
terceiro grau e trabalha em favor do seu povo, e a Dra. Vitória Karipuna, uma
odontóloga, são exemplos de que é possível, sim, com educação diferenciada
oferecida às populações indígenas, os próprios indígenas assumirem nas suas
comunidades a saúde, a educação, enfim, todas as atividades do Poder Público a
que têm direito.
Simone Vidal da Silva, Tadeu Wayana, Juventino Katxuyana, Patena Wajãpi,
Japucu Wajãpi, Luciano dos Santos, Gilberto Yaparrá, Gregório Lodi, Fernando
Forte, Marivaldo Diogo Macial, Carlos Ferreira, Ianomâmi dos Santos Silva, Ramos
dos Santos (Vereador e cacique), Emiliano Gabriel, quero que os senhores e as
senhoras acreditem que a Comissão da Amazônia e a Comissão de Relações
Exteriores da Câmara dos Deputados, que finalizam esta audiência pública
conjunta, entregarão a agenda pró-ativa, construída cuidadosamente pela COIAB e
pela FUNAI de Macapá e de Oiapoque, a todos os órgãos dos Governos Federal,
Estaduais e Municipais do Amapá e do Estado do Pará.
Quero parabenizá-los em nome dos mais de 40 Parlamentares que compõem
a Comissão da Amazônia. Esta audiência pública está registrada, está gravada e
terá seqüência.
Encaminharemos tanto a agenda pró-ativa quanto o relatório desta reunião à
Sra. Débora, do Ministério Público Federal, à COIAB, ao Deputado Camilo, que
preside a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Amapá, ao
Comando da Aeronáutica e à FUNAI, para as providências necessárias. E vamos
cobrar essas providências. Não vamos ficar realizando audiências públicas apenas
51
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Conjunta - Amazônia / Relações Exteriores Número: 0697/08 Data: 20/05/2008
para cumprir agenda. Não. A Comissão da Amazônia pensa em dar seqüência
responsável a essas reuniões. Sei que não é fácil participar desses encontros. Cada
um vem de um lugar diferente do Brasil, de uma repartição pública, de um Estado
que tem responsabilidade com a política indigenista em nosso País.
Para finalizar esta reunião, consulto o Plenário sobre a possibilidade da
dispensa da leitura da ata da reunião anterior. (Pausa.)Em discussão a ata. (Pausa.)
Não havendo quem queira discuti-la, em votação a ata da reunião conjunta da
Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional e da
Comissão de Minas e Energia.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião. Antes,
porém, convoco os senhores membros da Comissão da Amazônia, Integração
Nacional e Desenvolvimento Regional para uma reunião deliberativa ordinária,
seguida de audiência pública, com o Ministro Mangabeira Unger, amanhã, dia 21 de
maio de 2008, no Plenário nº 15. Será debatido o tema Plano Amazônia
Sustentável, que diz respeito às populações da região amazônica, às populações
tradicionais, às populações indígenas, aos quilombolas, aos seringueiros, aos
castanheiros, aos pescadores, enfim, à população da região que todos nós
habitamos.
Muito obrigada.
Está encerrada a presente reunião.
52