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Departamento de Matemática e Engenharias Quantos primos existem? História e aplicações Trabalho elaborado no âmbito da cadeira de Fundamentos Históricos da Matemática Inserida no Mestrado em Matemática Rafael Domingos Garanito Luís Funchal, Fevereiro 2005

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Departamento de Matemática eEngenharias

Quantos primos existem?História e aplicações

Trabalho elaborado no âmbito da cadeira deFundamentos Históricos da MatemáticaInserida no Mestrado em Matemática

Rafael Domingos Garanito Luís

Funchal, Fevereiro 2005

Índice

Introdução 3

1 Um pouco de História 51.1 Breve História dos números primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.2 Porque é que se tenta descobir novos números primos? . . . . . . . . 81.2.1 Pela tradição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81.2.2 Pelas perspectivas futuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.2.3 Pelo desafio de descobrir coisas raras . . . . . . . . . . . . . . 91.2.4 Para testar Hardware . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.2.5 Para saber mais sobre a sua distribuição . . . . . . . . . . . . 9

1.3 Aplicações dos números primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.3.1 Criptografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.3.2 Biologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2 Algumas proposições dos Livros VII e IX dos "Elementos de Eu-clides" 142.1 Proposição 29 do Livro VII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.2 Proposição 30 do Livro VII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152.3 Proposição 31 do livroVII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.4 Proposição 20 do Livro IX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172.5 Proposição 35 do Livro IX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

3 Trabalhando com primos 213.1 Quantos números primos existem? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213.2 Outras demonstrações da infinidade números dos primos . . . . . . . 24

3.2.1 Demonstração de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243.2.2 Demonstração de Washington . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253.2.3 Demonstração de Kummer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

3.3 Algoritmos para determinar números primos . . . . . . . . . . . . . . 26

3.3.1 O crivo de Eratóstenes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263.3.2 Algoritmos de Lucas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283.3.3 Algoritmo de Brillhart, Lehmer & Selfridge . . . . . . . . . . . 293.3.4 Algoritmo de Pepin para testar a primalidade dos números de

Fermat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293.3.5 Algoritmo para testar a primalidade de números de Mersenne 29

1

2

4 Progressões geométricas 304.1 Definição e principais propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

4.2 Uma progessão geométrica especial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

5 Conclusão 37

Bibliografia 38

Introdução

Os principais objectivos deste trabalho são, traduzir algumas das mais importantespropriedades dos livros VII e IX dos Elementos de Euclides, bem como apresentara demostração feita por Euclides, que estão no sítio da Internet,

http : //aleph0.clarku.edu/˜djoyce/java/elements/toc.html

mantido pelo conhecido D. E. Joyce, da Universidade de Clark e estabelecer umarelação dessas propriedades com o que se faz hoje em dia.Euclides, define número primo como sendo aquele que é medido apenas pela

unidade, e número composto como sendo aquele que é medido por algum número.Note-se que Euclides não considera a unidade como um número e assim asseguraa distinção entre número primo e número composto. Repare-se que na definição 1,Livro VII, Euclides diz que "uma unidade é aquela que em virtude da qual, cadacoisa que existe é chamada um" e logo a seguir define número como sendo " umamultitude composta por unidades". Podemos interpretar multitude como sendouma multidão ou muitos. Actualmente para definirmos número primo, pensamosnos números naturais que têm dois e só dois divisores, e todos os números naturaisque não fazem parte deste conjunto são compostos.O livro VII é constituído por 20 definições e 39 proposições. Das proposições,

destaco a 30,"se dois números, multiplicados entre si originam algum número, equalquer número primo mede o produto, então também mede um dos númerosiniciais", que em linguagem corrente podemos interpretar do seguinte modo - sejad um primo, se d divide ab, então d divide a ou b. A proposição 31, é tambémimportante, por ser provavelmente a primeira prova formal por recorrência e diz que"qualquer número composto é medido por algum número primo".Na proposição 20 do Livro IX, Euclides prova o carácter potencialmente infinito

dos números primos, sem nunca se referir ao termo infinito.Da observação que se faz à distribuição dos números primos, surge um resultado

importante - "O Teorema dos Números Primos": - e diz que o número de primosaté x é assimptóticamente aproximado por x

log(x), para x suficientemente grande.

Uma versão parcial do conhecido Teorema Fundamental da Aritmética, apareceno livro IX, na proposição 14, "se um número é o menor que é medido por númerosprimos, então ele não é medido por nenhum outro primo excepto aqueles que omediam desde o princípio". Ora, prova-se que todo o inteiro a > 1 é produto deprimos, existem k ≥ 1 , n1, n2, ..., nk e números primos p1, p2, ..., pk tais que pi 6= pj

e a = pn11 pn22 ...pnkk =kYi=1

pnii . Esta factorização em números primos de a é única a

menos da ordem dos factores.

3

4

Podemos também encontrar no livro IX, um método para determinar a soma(Sn) dos n primeiros termos de uma progressão geométrica de razão r. Com efeito,

sabemos que se un = u1rn−1 e Sn = u1 + u2 + ... + un então Sn = u1

1− rn

1− r. É um

pouco dentro deste contexto que irei trabalhar.Relativamente à estrutura do trabalho, ele encontra-se dividido em quatro pe-

quenos capítulos.Como este trabalho insere-se no âmbito de uma cadeira de História daMatemática,

no primeiro capítulo faço uma breve história dos números primos, o que motivou oseu estudo desde há pelo menos 25 séculos e da sua utilidade nos tempo de hoje.No capítulo seguinte, apresento as proposições 29, 30 e 31 do Livro VII e as

proposições 20 e 35 do Livro IX dos "Elementos de Euclides" bem como as respec-tivas demonstrações feitas por Euclides.Como estas proposições referem-se (excepto a proposição 35, Livro IX) a números

primos, no capítulo 3 faço um breve estudo sobre números primos, apresentandoalgumas propriedades que achei importante aflorar. Apresento uma demostração,em "notação moderna", da importante proposição 20 do Livro IX, bem como outrasdemonstrações, nomeadamente de Euler, Washington e Kummer.Como estes números são objecto de estudo por muitos investigadores, existem

alguns algoritmos para testar a primalidade de um número. Assim, além do con-hecido crivo de Eratóstenes, apresento outros algoritmos muitas vezes utilizados,para testar a primalidade de um dado número.Como a proposição 35 do Livro IX fornece-nos um processo para determinar a

soma dos n primeiros termos de uma proporção continuada (actualmente conhecidapor progressão geométrica), achei importante fazer uma breve referência a este tipode proporção, nomeadamente, um processo alternativo ao que Euclides apresenta,e que é muitas vezes utilizado hoje em dia, quando se determina pela primeira veza soma dos n primeiros termos de uma progressão geométrica. Na segunda partedeste capítulo, podemos encontrar uma progressão geométrica especial, que estárelacionada com a matemática da música. Um exemplo é a análise das sequênciasdas notas da escala musical igualmente temperada.

Capítulo 1

Um pouco de História

1.1 Breve História dos números primos

O estudo dos números primos1 data desde os antigos matemáticos gregos.Os pitagóricos (500 - 300 a.C.) interessavam-se em compreender a razão de ser

dos números inteiros, procurando explicar através deles a essência de todas as coisas.Assim, classificavam os números de acordo com as suas características. Entendiam aideia de primalidade e interessavam-se por números perfeitos e amigáveis2. Podemosencontrar em "A Cidade de Deus", de Santo Agostinho, a síntese mais completa doideal pitagórico: "O número é perfeito em si mesmo e não porque Deus criou todasas coisas em seis dias. O inverso é mais verdadeiro, Deus criou as coisas em seis diasporque este número é perfeito. E continuaria perfeito mesmo que o trabalho de seisdias não existisse"[2].Quando "Os Elementos" de Euclides aparecem (± 300 a.C.), já muitos dos re-

sultados importantes sobre números primos tinham sido provados. Segundo An-tónio Machiavelo3, a demonstração de que há uma infinidade de números primos(mais à frente transcrevo a demostração feita por Euclides e apresento uma versão"mais moderna", bem como outras demonstrações alternativas) é um "monumentoà elegância e ao engenho Humano"[4]. De facto, é uma das primeiras demonstraçõesconhecidas a usar o método da contradição, com vista à obtenção de um resul-tado. Note-se que o termo infinito é cuidadosamente evitado por Euclides tanto noenunciado como na demostração.O matemático grego Eratóstenes (276 - 196 a.C.) apresentou um algoritmo para

determinar números primos, o Crivo de Eratóstenes (ver 3.3.1).

1Números naturais, maiores que a unidade, que não podem ser escritos como produto de númerosmenores, isto é, são números que admitem dois e só dois divisores, ele próprio e a unidade.

2Um número diz-se perfeito se igualar a soma dos seus divisores naturais, incluindo 1 masexcluíndo o próprio (1+2+3=6). Os primeiros 4 números perfeitos são o 6, 28, 496 e 8128.Um par de números diz-se amigáveis se os divisores de um somam-se ao do outro e vice-versa.

Exemplo: 220 e 284.D220 = {1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55, 110, 220}D284 = {1, 2, 4, 71, 142, 284}A soma dos divisores de 220 é igual à soma dos divisores de 284.3Professor no Departamento de Matemática Pura da Faculdade de Ciências da Universidade do

Porto.

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Segue-se um largo período de tempo de interregno, na história dos númerosprimos e só no início do século XVII Fermat (1601-1665) prova uma especulaçãoconjecturada por Albert Girard4, que diz que todo o número primo da forma 4n+1pode ser escrito de um só modo como soma de dois quadrados e, foi capaz de nosmostrar que qualquer número pode ser escrito como soma de quatro quadrados.Criou um novo método para factorizar números grandes. Também provou o que éhoje conhecido como Pequeno Teorema de Fermat (para distinguir do denominadoGrande Teorema de Fermat): seja n um número primo então para qualquer númerointeiro a, tem-se que an ≡ a (modn). Tal teorema prova em parte, o que foi chamadode Hipótese Chinesa, que data de cerca de 2000 anos antes, e que diz que um inteiron é primo, se e só se o número 2n−2 é divisível por n. A outra metade deste teoremaé falsa; por exemplo 2341 − 2 é divisível por 341, e 341=31x11.Marin Mersenne (1588-1648) conjecturou que os números da forma 4n−1 e F n 5

são sempre primos, mas este resultado falha. Esta falha só é detectada 100 anos maistarde, quando Euler (1707-1783) demonstra que 232 + 1 = 4294967297 é divisívelpor 641, portanto não é primo.Os números da forma 2n − 1 também foram alvo da atenção dos matemáticos,

devido ao facto de que caso n não seja um número primo, então estes números sãocompostos, logo factorizáveis. Os números escritos desta forma são vulgarmentechamados de números de Mersenne6, devido ao estudo que este matemático lhededicou. Nem todos os números da forma 2n − 1 com n primo são números primos.São conhecidos 41 números primos de Mersenne, sendo o maior 224036583 − 1,

datado de 15 Maio de 2004 (um recorde do projecto GIMPS, the Great InternetMersenne Prime Search), que tem qualquer coisa como 7235733 algarismos7. Destes41, destaco o número 211213−1, determinado por Gillies em 1963, na Universidade deIllinois com 3376 algarismos. O departamento de Matemática estava tão orgulhoso,

4Matemático francês, nasceu em 1595, St. Mihiel, França, emigrou para a Holanda e aos 22anos frequentou pela primeira vez a Universidade de Leiden. Faleceu a 8 de Dezembro de 1632 emLeiden.

5Números de Fermat, são todos os que têm a forma Fn = 22n

+ 1. Os primeiros números deFermat são, F 0 = 3, F 1 = 5, F 2 = 17, F 3 = 257, F 4 = 65537

6Os números da forma Mn = 2n − 1 com n um número primo são chamados de númerosde Mersenne. Estes números podem ser primos ou compostos. Por exemplo M2 = 3, M3 = 7,M5 = 31,M7 = 127, são números primos, mas jáM11 = 23×89 não é primo. Mersenne constactouque os númerosMn são também primos para n = 13, 17, 19, 31, 67, 127, 257; no entanto, ele estavaerrado quanto a 67 e a 257 e não incluíu 61, 89, 107 entre os primos inferiores a 257, que tambémproduzem números de Mersenne primos.O problema é reconhecer de entre os números de Mersenne os que são primos e de entre os

compostos os respectivos factores.Foi estabelecido por Euler em 1750, e demonstrado mais tarde em 1775, por Lagrange, um

resultado tornado clássico, sobre os factores dos números de Mersenne: Se q é um número primotal que q ≡ 3(mod 4) então 2q + 1 divide Mq se e só se 2q + 1 é um número primo; neste caso seq > 3 então Mq é um número composto.Temos então que para q = 11, 23, 83, 131, 179, 191, 239, 251, Mq tem como factores respecti-

vamente 23, 47, 167, 263, 359, 383, 479, 503.7Para determinar o número de dígitos do número, é obvio que não se os conta um a um,

utiliza-se o seguinte processo descrito por António Machiavelo: como 10n−1 é o primeiro númerocom n dígitos, resulta que N tem n dígitos se e só se 10n−1 ≤ N < 10n, o que é equivalente an− 1 ≤ log10 (N) < n. Então o número de dígitos de N é igual a blog10 (N)c+1, onde bxc denotaa parte inteira de x, isto é, o maior inteiro que não ultrapassa x.

7

que o presidente Dr. Bateman mandou alterar o carimbo dos envelopes para "211213−1 is prime" como podemos observar na figura.

Euler também tem um papel importantíssimo na teoria dos números primos,

e prova que a série harmónica com n primo é divergente (P 1

n, com n ∈ IN e n

primo). Determinou que a expressão n2+ n+ 17, fornece primos para 0 ≤ n ≤ 15 ea expressão n2 + n+ 41 fornece primos para 0 ≤ n ≤ 39.Em 1936 Derrick Henry Lehmer (1905-1991) mostrou que para uma expressão

da forma n2+n+A, com A > 41, fornecesse primos para A−1 valores consecutivosde n, A deveria ser superior a 125× 107 e que não havia, no máximo, mais do queuma expressão com esta propriedade, para além das duas referidas.Também foi testado outros polinómios em n, nomeadamente n2−n+41 (produz

primos para 0 ≤ n ≤ 40) e n2 − 79n+ 1601 (produz primos para 0 ≤ n ≤ 79).Estas fórmulas fornecem-nos alguns números primos. Assim, alguns matemáticos

estavam empenhados em encontrar fórmulas ricas em primos, mas Goldbach (1690-1764) provou em 1752 que nenhum polinómio em n com coeficientes inteiros geratodos os primos.Numa primeira abordagem, os números primos parecem não ter uma ordem

especifica de aparecimento. Aparentemente são "indomáveis", parecem ocorrer deum modo completamente caótico entre os números naturais, deixando a impressãode não haver nenhum padrão, nenhuma regularidade na forma como aparecem.No entanto, apesar dessa aparente desorganização individual, e a uma uma

grande escala, a distribuição de números primos parece ter alguma regularidadequando agrupados. Legendre (1765-1843) e Gauss (1777-1855) fizeram ambos ex-tensos cálculos sobre a densidade dos números primos. Diz-se que, um dia Gausscontou a um amigo que sempre que tinha 15 minutos de folga, ocupava-os contandoos números primos num alcance de 1000 números. É provável que, no fim da suavida Gauss tenha contado todos os números primos até 3 milhões.Assim, conjecturou um resultado, que mais tarde foi demostrado por C. de la

Vallée Poussin (1866-1962) e por J. Hadarmarf (1865-1963), independentes um dooutro, conhecido como "O Teorema dos Números Primos": o número de primos atéx é assimptóticamente aproximado por x

log(x), para x suficientemente grande8.

8Seja π (x) a função que conta o número de números primos abaixo de x. Assim, π(13) = 6,pois existem 6 primos ≤13: 2, 3, 5, 7, 11, 13. O valor de π(x) não muda até que x chegue aopróximo número primo, ou seja, π(13) =π(14) = π(15) = π(16) 6= π(17). Portanto, π(x) aumentaem saltos de 1, mas o intervalo entre esses saltos é irregular. Observando os inteiros, conclui-se que,em média, esses intervalos tornam-se cada vez maiores, isto é, a chance de um inteiro escolhido aoacaso ser primo diminui quando avançamos para os números maiores.Para um valor elevado de x, π (x) ≈ x

log x , ou seja, limx→+∞

π(x)x

log x= 1. Podemos escrever o teorema

de forma equivalente a π(x)x ≈ 1

log x , e interpretá-lo como dizendo que a densidade média de números

8

Nos últimos anos, a distinção entre número primo e número composto, e emparticular certas factorizações, ganhou especial importância devido à criptografia dechave pública.

1.2 Porque é que se tenta descobir novos númerosprimos?

Os números primos são os números nos quais os números naturais se decompõem,por exemplo, 12 = 22 × 3 e são objecto de estudo desde há muitos séculos.Uma das razões desse estudo resulta do facto de parecerem surgir de um modo

algo caótico entre os números naturais, sem nenhum padrão aparente.Para além do interesse obvio para os matemáticos, esta área do conhecimento

tem também tido aplicações importantes, por exemplo, nas telecomunicações (man-ter a privacidade das mesmas), por meio de sistemas de codificação, ou seja, dacriptografia.A seguir podemos ver algumas dessas razões.

1.2.1 Pela tradição

Provavelmente foi Euclides o primeiro matemático a definir número primo no seulivro "Os Elementos". O seu objectivo era caracterizar os números perfeitos pares.No entanto, apercebeu-se de que os números perfeitos pares (não existem até há

data números perfeitos ímpares) estavam relacionados com os números primos daforma 2n− 1, para algum número primo n (actualmente conhecidos por números deMersenne). Portanto, a procura deste tipo de números já dura à cerca de 2300 anos.Números deste tipo (primos muito grandes) foram minuciosamente estudados

por grandes matemáticos. Para citar alguns Cataldi, Descartes, Fermat, Mersenne,Frenicle, Leibniz, Euler, Landry, Lucas, Catalan, Sylvester, Cunningham, Pepin,Putnam e Lehmer e outros. O que um investigador pode-se interrogar é o facto de:"como posso resistir ao encanto de me juntar a tal ilustre grupo?"É certo que muita da teoria dos números foi desenvolvida enquanto se decidia

como se tratar os grandes números, como caracterizar os seus factores e descobrirde entre os quais, os que eram números primos.

primos (a probabilidade de que um dado inteiro seja primo) aproxima-se de 1log x à medida que x

aumenta sem limites. Na tabela seguinte podemos ver a relação entre π(x)x e 1

log(x) :

x π (x) π(x)x

1log(x)

10 4 0,4 0,4343102 25 0,25 0,2171103 168 0,168 0,1448104 1229 0,1229 0,1086105 9592 0,0959 0,0869106 78498 0,0785 0,0724107 664579 0,0665 0,0620108 5761455 0,0576 0,0543

9

Assim, a tradição pela procura de números primos assume um papel importante,a não ser pelo orgulho de ter descoberto o maior número primo.

1.2.2 Pelas perspectivas futuras

Quando se tenta encontrar números primos recordistas, o que se está a fazer não émais do que fumentar a investigação. Assim, a busca de tais primos é ainda usadapor professores para motivarem os seus alunos na pesquisa matemática e talvez paraos incentar a futuras carreiras nas áreas de ciências e engenharias, aumentando assimáreas do conhecimento humano.

1.2.3 Pelo desafio de descobrir coisas raras

Os números primos de Mersenne, que são nos dias de hoje os maiores números primosconhecidos, são raros e portanto belos. Já foi dito que apenas se conhece 41 destesnúmeros primos. Portanto, do conjunto dos números naturais, apenas se conhece 41números primos de Mersenne em toda a História da Humanidade. Podemos afirmarentão, que é muito raro encontrar estes números. O mesmo se aplica a outros primosem geral.

1.2.4 Para testar Hardware

Este tem sido um argumento utilizado por muitos para a evolução computacionalem geral, logo é uma boa motivação para as companhias produtoras de hardware.Desde o princípio da computação electrónica, que programas com o intuito de

encontrar grandes números primos têm sido utilizados como teste para hardware.Por exemplo, o projecto GIMPS foi utilizado pela Intel para testar os chips dePentium II e Pentium Pro antes de serem lançados no mercado.O famoso "bug do Pentium" foi descoberto pelo matemático norte-americano

Thomas Nicely quando tentava calcular a constante dos números primos gémeos9.Ora, como são feitos milhões de cálculos, e conhecendo se um número é primo

ou não, o tempo de resposta que o processador leva para testar a primalidade donúmero indica-nos a velocidade do processador.

1.2.5 Para saber mais sobre a sua distribuição

Apesar da Matemática não ser uma ciência experimental, é frequente procurar exem-plos para testar conjecturas (que após tal, espera-se que alguém demonstre). Com oevoluir do tamanho dos números, evolui, de certo modo, o conhecimento que temossobre a distribuição dos mesmos. O Teorema dos números primos provavelmente foidescoberto através de uma observação mais atenta às tabelas de números primos everificação da sua distribuição

9Primos gémeos são números primos da forma p e p+ 2 . Os mais pequenos pares de númerosprimos gémeos são (3, 5), (5, 7),(11, 13)e(17, 19).

10

1.3 Aplicações dos números primos

1.3.1 Criptografia

A criptografia é a ciência de esconder o significado de um mensagem. Consiste naaplicação de um algoritmo aos dados por forma a que eles se tornem ilegíveis. Pararecuperar os dados originais será necessário conhecer o algoritmo de desencriptaçãoou decifragem.As aplicações básicas da criptografia são a confidencialidade (garantir que apenas

quem autorizado pode ler os dados) e a autenticação/integridade (garantir que osdados têm a origem correcta e que não foram alterados entre origem e destino).Existem ainda outras aplicações, como por exemplo a assinatura digital.Na prática, juntamente com os algoritmos utilizam-se chaves, mesmo que os

algoritmos sejam conhecidos é necessária a chave correta.A segurança de um sistema baseia-se no facto de que é muito fácil multiplicar

números, enquanto que há a convicção de que é muito difícil factorizá-los (não énada confortável factorizar números, por exemplo com 200 casas decimais).Assim, grandes grupos financeiros, como por exemplo o banco responsável pela

criação de notas, utilizam algumas destas ideias para garantir que as notas não sãofalsificadas. Ou, até as grandes potencias militares na codificação/descodificação decertas mensagens.Deste modo, uma factorização de um novo número pode representar uma boa

segurança na confidencialidade mensagens. O tempo que um indivíduo levaria paradescobrir essa factorização e então decifrar a mensagem poderia não ser suficienteaté a concretização da mesma.Estes mecanismos de codificação são usualmente conhecidos por "chave pública".

Esta expressão é utilizada porque o processo de codificação pode ser conhecido portodos, sendo apenas o processo de descodificação mantido secreto. Este tipo decodificação é muitas vezes utilizado na Internet em trasacções financeiras.

Exemplo de codificação assimétrica

É necessário um natural N , da forma pq, onde p e q são primos distintos, e umoutro natural r primo relativamente a (p− 1) (q − 1) . Os números N e r podemser conhecidos por todos, mas a factorização de N deve ser mantida em segredo.Os símbolos a transmitir são os números a verificando 0 ≤ a < N. Em vez dese transmitir a, transmite-se o resto da divisão de ar por N . A descodificaçãocorresponde ao cáculo de a. Este cálculo só é prático se se conhecerem os factoresprimos de N .Vejamos então um exemplo para um N com factorização simples.Seja um número que é o produto de dois números primos, por exemplo N = 26,

que é 13× 2. Se subtraírmos uma unidade a cada um dos números primos, obtemos12 e 1, e se multiplicarmos esses dois números obtém-se 1 × 12 = 12 e podemossimbolizar este novo número F .Escolhe-se agora um número que não tenha qualquer factor com F , por exemplo

o 5(r), pois é o menor dos números permitidos. 5, juntamente com o número original26 são aqueles que se anunciam no nosso catálogo público.Para codificar uma mensagem, deveremos proceder do seguinte modo:

11

1. Substituir as letras do alfabeto da uma forma óbvia A = 1, B = 2, C = 3, eassim sucessivamente.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

2. A codificação é então efectuada substituindo o número correspondente a cadaletra por esse mesmo número elevado à quinta potência (sendo 5 o primeiro dosnúmeros do catálogo), mas registando apenas o resto quando contando em gruposde 26 (o segundo número do catálogo). Conta-se em mod26.Para codificar a palavra SUCESSO:1. Procede-se à realização do primeiro passo e obtemos 19, 21, 3, 5, 19, 19, 15.2. É agora codificada notando que :

195 = 2476099 = 95234× 26 + 15215 = 14084101 = 157080× 26 + 2135 = 243 = 9× 26 + 955 = 3125 = 120× 26 + 5195 = 2476099 = 95234× 26 + 15195 = 2476099 = 95234× 26 + 15155 = 759375 = 29206× 26 + 19

ou, equivalentemente como congruência mod26

195 ≡ 15 (mod 26)

215 ≡ 21 (mod 26)

35 ≡ 9 (mod 26)

55 ≡ 5 (mod 26)

195 ≡ 15 (mod 26)

195 ≡ 15 (mod 26)

155 ≡ 19 (mod 26)

obtendo assim a sequência 15, 21, 9, 5, 15, 15, 19.Então 15, 21, 9, 5, 15, 15, 19 é a forma cifrada da palavra SUCESSO. Para se de-

scodificar é necessário possuir a "chave" que a transformará de 15, 21, 9, 5, 15, 15, 19para 19, 21, 3, 5, 19, 19, 15.É um número conhecido por receptor da cifra. Para o obter é necessário conhecer

primeiro o F . Mais especificamente, é o número que, quando multiplicado peloprimeiro número do catálogo (5 ), dá resto de 1 quando se conta em grupos de F(12 ). Este número secreto de "decifração de códigos" no caso do nosso exemplo é,portanto, 5 pois 5× 5 = 25 = 2× 12+1, ou 5× 5 ≡ 1 (mod 12) . A descodificação éagora efectuada exactamente do mesmo modo como foi realizada a codificação, mas

12

usando o número secreto 5 como a nova potência a que os números da cifra deverãoser elevados. Assim, tomando a forma codificada 15, 21, 9, 5, 15, 15, 19, passamos acalcular os restos

155 ≡ 19 (mod 26)

215 ≡ 21 (mod 26)

95 ≡ 3 (mod 26)

55 ≡ 5 (mod 26)

155 ≡ 19 (mod 26)

155 ≡ 19 (mod 26)

195 ≡ 15 (mod 26)

e obtemos a sequência 19, 21, 3, 5, 19, 19, 15, ou seja SUCESSO.

Exemplo de codificação simétrica

Um tipo de codificação que não substitui cada letra particular da mensagem originalpelo mesmo substituto é o sistema de codificação muitas vezes conhecido como cifrade Vigenere.Uma forma de o fazer é pensar numa palavra, por exemplo SUCESSO, e escrevê-

la repetidamente por baixo da mensagem a ser codificada, da seguinte forma (aacentuação de uma letra é tomada como inexistente):

O MEU OBJECTIV O E FAZER O MESTRADO

S UCE SSOSUCESS O SUCES S OSUCESSO

Como o O é a décima quinta letra do alfabeto e o S que se encontra por baixoé a 19a, então se somarmos 15 com 19 obtemos 34. Como este valor é superior a26, começa-se de novo o alfabeto do princípio, associando o A ao 27, o B ao 28,conforme representado na tabela seguinte:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52

Portanto 34 corresponde à letra à letra H. Da mesma maneira, para a segundaletra da mensagem, o M(13) é adicionado ao U(21) que está por baixo para pro-duzir o substituto codificado H(34). A terceira letra da mensagem é E (5) quetem por baixo C (3) e se adicionarmos estes dois valores obtemos H (8) . E assimsucessivamente até obtermos a seguinte sequencia de letras:

13

HHHZHUFXZWNOHTY V CJKHBXNWWTWD

em que, retira-se os espaços entre as palavras para tornar a decifração mais difícil.Para descodificar a sequência obtida, é necessário ter conhecimento da palavra

chave, SUCESSO, e procede-se de forma análoga à que se utilizou para codificara mensagem, mas em vez de somar, subtrai-se. Como o resultado terá de ser umnúmero positivo toma-se o valor, por exemplo do H superior ao de S e assim obtém-se 34-19=15 que corresponde à letra O.

1.3.2 Biologia

Várias espécies adoptam mecanismos de defesa para se protegerem dos predadores.A cigarra periódica inventou uma estratégia para minimizar o impacto da predaçãoe garantir assim a continuidade da sua espécie.Emergem em ciclos de 13 e 17 anos, não existindo ciclos de 12, 14, 15, 16 ou 18

anos. A opção pelo 13 e 17 tem duas razões: além de serem números primos, sãonúmeros que excedem em muito a duração de vida dos seus predadores. Em geral,muitos dos seus predadores têm ciclos de vida de 2 a 5 anos. Se o ciclo de vida dacigarra fosse de 15 em 15 anos e o do seu predador de 5 em 5 anos, cada explosãoreprodutiva era atingida pelo predador. Assim, ao adoptar um número primo alto,como por exemplo, o 17, as cigarras estão a minimizar o número de coincidências,que neste caso só ocorrerá a cada 85 anos.Portanto, no caso das cigarras fica garantido uma população abundante quando

o seu ciclo coincidir com o do predador.A adopção deste ciclo (13 ou 17) é resultado de processos de adaptação ao ambi-

ente e ao tipo de predador, mas como elas fazem esta contagem, ainda é um mistériopara a ciência.

Capítulo 2

Algumas proposições dos LivrosVII e IX dos "Elementos deEuclides"

Das proposições dos livros VII e IX dos "Elementos de Euclides" apresento asproposições 29, 30 e 31 do livro VII e 20 e 35 do livro IX e as respectivas demon-strações (tradução à letra). Em todas consta um guia para melhor compreensãoda mesma, sendo que nas proposicões 30 (VII) e 35 (IX) são feitos os passos dademonstração de Euclides em notação "mais moderna"."Dois dos mais interessantes resultados dos livros de Euclides são as proposições

31 (VII) e 20 (IX). O seu interesse reside sobretudo no que revelam sobre o modocomo os antigos gregos tratavam de questões relacionadas com o infinito"[2]. Naprimeira Euclides prova que qualquer número composto é divisível por algum primo.É um dos mais antigos registos de uma prova formal por recorrência. Na segunda,provou o carácter potencialmente infinito dos números primos, sem nunca usar otermo infinito.As traduções foram efectuadas da conhecida página de D.E. Joyce de Clark

University, em http://aleph0.clarku.edu/~djoyce/java/elements/toc.html.

2.1 Proposição 29 do Livro VII

Qualquer número primo e outro qualquer que não seja medido pelo primeiro sãonúmeros primos entre si.Prova. Seja A um número primo que não mede B.Digo que B e A são primos entre si.

Se B e A não são primos entre si, então algum número C mede-os. Uma vez que Cmede B, e A não mede B, então C não é o mesmo que A.

14

15

Agora, uma vez que C mede B e A, então também mede A que é primo, emboranão seja o mesmo que ele, o que é impossível. Logo nenhum número mede B e A.Assim A e B são primos entre si.Então, qualquer número primo e outro qualquer que não seja medido pelo primeiro

são números primos entre si.Guia: Se um número primo não divide um outro número então eles são primos

entre si. Por exemplo, 11 não divide 15, logo 11 e 15 são primos entre si.

2.2 Proposição 30 do Livro VII

Se dois números, multiplicados entre si originam algum número, e qualquer númeroprimo mede o produto, então também mede um dos números iniciais.Prova. Sejam A e B dois números que multiplicados um pelo outro, originam

C, e seja D um número primo qualquer que mede C.Digo que D mede um dos números, A ou B.

Consideremos que D não mede A.D é primo, então A e D são primos entre si. Consideremos que existe tantas

unidades em E quantas as vezes que D mede C.Uma vez que D mede C de acordo com as unidades em E, então D multiplicado

por E origina C (definição 15, Livro VII)1.Além disso, Amultiplicado por B também origina C, então o produto deD e E é

igual ao produto de A e B. Então D está para A como B está para E (proposição19, Livro VII)2.MasD e A são primos entre si, e números primos entre si são também os menores,

e os menores medem os números que têm amesma razão, o mesmo número de vezes, omaior o maior e o menor o menor, isto é, o antecedente o antecedente e o consequenteo consequente, então D mede B (proposições 213 e 204, Livro VII).

1"É dito que um número multiplica um número, quando aquele que é multiplicado, é somado asi próprio, tantas vezes quantas unidades houver no outro". Por exemplo, se 3 é multiplicado por6, e como 6 é 1+1+1+1+1+1, logo, 3 multiplicado por 6 é 3+3+3+3+3+3.

2"Se quatro números são proporcionais, então o número originado pelo primeiro e o quartoé igual ao número originado pelo segundo e o terceiro; e, se o número originado pelo primeiroe o quarto é igual ao número originado pelo segundo e o terceiro, então os quatro números sãoproporcionais". Algebricamente,

a

b=

c

dse e só se ad = bc.

3"Números primos entre si são os menores entre aqueles que têm a mesma razão que eles"4"Os menores números entre aqueles que têm a mesma razão que eles, medem aqueles que têm

a mesma razão o mesmo número de vezes, o maior do maior e o menor do menor". Algebricamente,dada uma razão

a

b, se

c

dé a mesma razão e é menor entre todas as que têm a mesma razão, então

c divide a e d divide b, além disso, c divide a o mesmo números de vezes que d divide b.

16

De modo análogo, podemos mostar, que se D não mede B, então mede A. LogoD mede um dos números A ou B.Guia: Esta proposição afirma que se p é um número primo, e sempre que p

divide o produto de dois números, então ele divide pelos menos um deles. Esta é defacto uma propriedade que caracteriza os números primos, ou seja, nenhum númerocomposto tem esta propriedade.Passos da demostração: Suponha-se que um número primo d divide o produto

ab. Euclides mostra na sua prova, que se d não divide a, então d divide b, e de modoanálogo, se d não divide b, então divide a. Logo temos que d, ou divide a ou divideb.Suponhamos que d não divide a, então pela proposição 29 (Livro VII), d e a

são primos entre si. Seja e =ab

d, então

d

a=

b

e. Pela proposição 21(Livro VII) a

razãod

aé irredutível, logo pela proposição 20 (Livro VII), d divide b.

De modo análogo, se prova que se d não divide b então d divide a.

2.3 Proposição 31 do livroVII

Qualquer número composto é medido por algum número primo.Prova. Seja A um número composto.Digo que A é medido por algum número primo.

Como A é composto portanto é medido por algum número B (definição 13, LivroVII)5.

B ou é primo ou é composto. Se B é um primo, então já encontrámos o númeroe a prova termina aqui.Mas se B é um número composto, algum número o mede. Seja C o número que

o mede.Uma vez que C mede B, e B mede A, portanto C também mede A. C ou é primo

ou é composto.Se C é um número primo, já encontrámos o número e a prova termina aqui.

Mas, se C é um número composto, algum número o mede. Assim, se continuarmoscom este processo, então algum número primo será encontrado que mede o númeroimediatamente anterior e que também mede A. Se não for encontrado então umasequência infinita de números mede o número A, cada um menor que o outro, o queé impossível para números.Portanto, encontrar-se-á algum número que mede o número imediatamente an-

terior e que também mede A.Portanto, qualquer número composto é medido por algum número primo.

5"Um número composto é aquele que é medido por algum número".

17

Guia: Esta proposição afirma que se a é um número composto então existe umprimo p tal que p | a.

2.4 Proposição 20 do Livro IX

Existem mais números primos que qualquer quantidade dada de números primos.Prova. Sejam A,B e C números primos dados.Digo que existe mais números primos que A,B e C.

Tome-se o menor número DE medido por A,B e C. Some-se a unidade DF aDE. Então EF ou é primo ou não é.Primeiro consideremos que EF é primo. Então encontraram-se os números pri-

mos A,B ,C e EF que são mais que A,B e C.Consideremos agora que EF não é primo. EntãoEF é medido por algum número

primo (proposição 31, Livro VII)6. Seja G o número primo que mede EF .Digo que G não é igual a nenhum dos números A,B e C.Consideremos, se possível, que G é igual a algum dos números A,B ou C.Agora, como A,B e C medem DE, logo G também mede DE. Mas G também

mede EF , logo G, sendo um número, mede também o resto, a unidade DF , o queé absurdo.Assim G não é igual a nenhum dos números A,B ou C. E por hipótese G é

primo. Logo os números primos A,B ,C e G foram encontrados, que são mais queA,B e C.Logo, existem mais números primos que qualquer quantidade dada de números

primos.Guia: Suponhamos que há um número finito de números primos. Seja m o

mínimo múltiplo comum entre eles todos. Considere-se o número m+1. Não poderáser primo uma vez que é maior que todos os primos. Logo não é primo. Então deacordo com a proposição 31 (Livro VII), algum número primo g divide m+ 1. Masg não pode ser nenhum dos primos, uma vez que todos eles dividem m e não dividem + 1. Logo o facto de assumirmos que existe um número finito de primos leva auma contradição. Logo não existe um número finito de primos.Comentário: Umbom comentário a esta proposição é o de João Filipe Queiró[6],

no livro "História da Matemática", página 279:"Para a história da matemática, esta proposição de Euclides é interessante, pelo

que revela de conformidade com as regras aristotélicas.

6"Qualquer número composto é medido por algum número primo"

18

Aristóteles distinguira dois conceitos de infinito. Está-se em presença do infinitoactual quando uma infinidade de objectos é efectivamente dada e encarada como umtodo. O infinito potencial manifesta-se quando, dada qualquer quantidade finita,é sempre possível conceber uma quantidade maior (mas ainda finita). SegundoAristóteles, no discurso científico, não deveria ser feita alusão ao infinito actual.Contornar a questão em termos de infinito potencial permitia evitar as situaçõesparadoxais a que o infinito frequentemente dá origem, e de que os argumentos deZenão acerca do movimento são um ilustração que o próprio Aristóteles refere.Ora, na proposição 20, Livro IX Euclides mostra que, dada qualquer quantidade

de números primos, é sempre possível indicar uma quantidade maior de númerosprimos. Ou seja, provou a carácter potencialmente infinito dos números primos, semnunca afirmar que existem em acto infinitos números primos, Portanto, a posturade Euclides está em sintonia com o preceito aristotélico de banir o infinito actualdas considerações científicas".

2.5 Proposição 35 do Livro IX

Se tantos números quantos se queira estiverem em proporção continuada, e se sesubtrai ao segundo e ao último o primeiro, então o excesso do segundo está para oprimeiro como o excesso do último está para a soma de todos antes dele.Prova. Considere-se que existem tantos números quantos quisermos em pro-

porção continuada, A, BC, D e EF , começando A como o menor, e que sejamsubtraídos de BC e EF os números BG e HF , cada um igual a A.Digo que GC está para A como EH está para a soma de A, BC, e D.

Seja FK igual a BC, e FL igual a D. Então, uma vez que, FK é igual a BC, ede FK a parte FH é igual à parte BG, então o resto HK é igual ao resto GC.E como EF está para D, como D está para BC, e como BC está para A,

enquanto D é igual a FL, BC é igual a FK, e A é igual a FH, então EF está paraFL como LF está para FK, e como FK está para FH (proposição 11, LivroVII)7.

7"Se um todo está para um todo como um número subtraído está para um número subtraído,então o resto está para o resto como o todo está para o todo". Algebricamente, se

a

c=

e

f, então

a− e

c− f=

a

c.

19

Tomando-os separadamente, EL está para LF como LK está para FK, e comoKH está para FH (proposição 13, Livro VII)8.Uma vez que, um dos antecedentes está para um dos consequentes como a soma

dos antecedentes está para a soma dos consequentes, então KH está para FH comoa soma de EL, LK e KH está para a soma de LF , FH, e HF (proposição 12,Livro VII)9.Mas KH é igual a CG, FH é igual a A, e a soma de LF , FK e HF é igual à

soma de D, BC e A, logo CG está para A como EH está para a soma de D, BC eD.Logo o excesso do segundo está para o primeiro, como o excesso do último está

para a soma dos anteriores a ele.Guia: Esta proposição diz que se a sequência de números a1, a2, a3, ..., an, an+1

está em proporção continuada

a1a2=

a2a3= ... =

anan+1

,

então

a2 − a1a1

=an+1 − a1

a1 + a2 + ...+ an.

Esta conclusão dá-nos ummodo de calcular a soma dos termos de uma proporçãocontinuada, isto é:

a1 + a2 + ...+ an = a1an+1 − a1a2 − a1

.

Se denotarmos o primeiro termo por a e a razão dos termos por r, obtemos umafórmula familiar:

a+ ar + ar2 + ar3 + ...+ arn+1 = arn − 1r − 1

Sumário da prova: A prova desta proposição é mais compreensível quando étraduzida para notação algébrica.

A = a1 BG = FH = a1BC = a2

... GC = a2 − a1D = an

EF = an+1 EH = (an+1 − a1) : (a2 : a1)

Para cada proporção, por exemplo

an+1an

=anan−1

,

8"Se quatro números são proporcionais então são também proporcionais alternadamente". Al-

gebricamente, sea

b=

c

dentão

a

c=

b

d.

9"Se qualquer número de números são proporcionais, então um dos antecedentes está para umdos consequentes, como a soma dos antecedentes está para a soma dos consequentes". Algebrica-

mente sex1y1=

x2y2= ... =

xnyn

entãox1 + x2 + ...+ xny1 + y2 + ...+ yn

=x1y1=

x2y2= ... =

xnyn

.

20

tome-se separadamente de acordo com a proposição 11, Livro VII, para obter

an+1 − anan − an−1

=anan−1

,

então

an+1 − anan

=an − an−1

an−1.

Juntando as conclusões temos:

an+1 − anan

=an − an−1

an−1= ... =

a2 − a1a1

.

Usando agora a proposição 11, Livro VII, resulta

an+1 − an + an − an−1 + ...+ a2 − a1an + an−1 + ...+ a2 + a1

=a2 − a1a1

.

Mas an+1 − an + an − an−1 + ...+ a2 − a1 = an+1 − a1, logo temos

an+1 − a1a1 + a2 + ...+ an

=a2 − a1a1

Capítulo 3

Trabalhando com primos

Na primeira parte deste capítulo apresento algumas propriedades com as respectivasdemonstrações, que estão relaccionadas com as proposições do capítulo anterior eoutras que Euclides provou e que aparecem nos livros VII e IX. Também apre-sento outros resultados que achei importante aflorar, e que em meu entender vêmenriquecer o breve estudo que fiz sobre os números primos. Descrevo um algoritmopara decidir se um número é primo.Na segunda parte do capítulo, aparecem as demonstrações de Euler, Washing-

ton e Kummer para a infinidade dos números primos e na terceira parte algunsalgoritmos para testar a primalidade de números.

3.1 Quantos números primos existem?

Definição 3.1 Um inteiro a divide um inteiro b se existe um inteiro q tal queb = qa. Escreve-se a | b se a divide b. O inteiro q diz-se o quociente, o inteiro adiz-se um múltiplo ou um divisor de b e b diz-se divisível por a.

Podemos resumir as proposições 31 e 32 do LivroVII, dos Elementos de Euclides,do seguinte modo:

Proposição 3.2 Todo o inteiro maior que 1 é divisível por um número primo.

Prova. Seja a > 1 qualquer. Se a é um número primo, então como a é divisívelpor si próprio, a é divisível pelo primo p = a. Se a não é um primo então existe uminteiro positivo 1<a2 < a tal que a2 | a. Se a2 é primo, então o primo p = a2 dividea. Se a2 não é primo então existe um inteiro positivo 1 < a3 < a2 tal que a3 | a2, ea3 | a. Ora se a3 é primo então o primo p = a3 divide a. Se a3 não é primo entãoexiste um 1 < a4 < a3 tal que a4 | a3. E continuando com este processo obtemosinteiros ai tal que 1 < ai < ai−1 < ... < a2 < a1 e ai | a. Este processo termina nomáximo em a− 1 passos e encontramos um divisor ai de a que é um primo.

Uma versão "mais moderna" da importante proposição 20 do Livro IX dos "El-ementos de Euclides" pode ser:

Proposição 3.3 Há um infinidade de números primos.

21

22

Prova. Suponhamos que existe apenas um número finito de primos. Sejam p1,

p2, ..., pn todos os números primos distintos. Seja m = p1× p2× ...× pn+1, e comotodo o inteiro maior que 1 é divisível por um número primo (proposição 3.2), existeum número primo que divide m. Como p1, p2, ..., pn são únicos números primos,então existe i ∈ {1, ...n} tal que pi | m. Mas pi | p1×p2× ...×pn e pi também dividem− p1 × p2 × ...× pn ou seja pi | 1 porque m− p1 × p2 × ...× pn = 1.Sabemos que se b é um inteiro positivo e se b | 1 então b = 11. Assim pi = 1, o

que é um absurdo, porque 1 não é um número primo. Portanto existe um númeroinfinito de primos.

Para decidir se um número n é um primo basta verificar se nenhum primo entre2 e√n divide n.

Proposição 3.4 Seja n ≥ 2 um número. Suponha-se que nenhum número primoentre 2 e

√n divide n, então n é um número primo.

Prova. Seja n ≥ 2 tal que nenhum número primo entre 2 e √n divide n. Vamossupor com vista a um absurdo que n não é primo. Então n é fa forma n = ab paraalguns inteiros 1 < a, b < n. Pela proprosição 3.2 existem números primos p e q talque p | a e q | b. Como p e q dividem também n temos por hipótese p, q >

√n

Portanto n = ab ≥ pq >√n√n = n que é um absurdo, logo n é um número primo.

Exemplo 3.5 Seja n = 91. Para verificar se n = 91 é um número primo basta verque nenhum primo entre 2 e

√91 divide 91.

√91 <

√100 = 10

Os números primos entre 2 e 10 são: 2, 3, 5 e 7 e nenhum destes números divide91, portanto 91 é primo.Para usar esta propriedade precisamos de um lista dos números primos entre 2

e um número n ≥ 2. O matemático grego Eratóstenes inventou um algoritmo paraobter esta lista - Crivo de Eratóstenes, ver 3.3.1.O crivo de Eratóstenes e a proposição 3.4 dão um algoritmo para decidir se um

número é primo:

Algoritmo 3.6 Dado n ≥ 2 faça-se uma lista M dos primos entre 2 e√n usando

o crivo de Eratóstenes. Se nenhum primo de M divide n, n é primo.

Exemplo 3.7 Seja n = 1021, temos√1021 <

√1024 = 32 e usando o crivo de

Eratóstenes encontramos os primos entre 2 e 32 que são 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19,29 e 31 e nenhum destes números primos divide 1021. Portanto 1021 é um primo.

1Seja b um inteiro positivo. Temos que b | 1 , logo existe um inteiro positivo k tal que 1 = kb.Mas k e b são inteiros positivos e terão que ser necessáriamente 1 pois caso contrário para termoskb = 1, k teria que ser o inverso de b, e nesse caso não seria inteiro (excepto o caso em que 1 é oinverso de 1).

23

Podemos encontrar a proposição que se segue no livro VII (proposição 30) dos"Elementos de Euclides", mas alargada a números inteiros.

Proposição 3.8 Seja p ≥ 1 um inteiro. Tem-se que p é primo se e só se para todosa, b ∈ IZ : se p | ab então p | a ou p | b.

Prova. (=⇒) suponhamos que p é um primo e p | ab para alguns a, b ∈ IZ.Se p - a então mdc (a, p) = 1 ou seja a e p são primos entre si e como p | ab porhipótese então p | b.(⇐=) Seja d um divisor positivo de p, então ∃e (inteiro) tal que p = de, ou seja,

p | de. Por hip. p | d ou p | e. Se p | d temos p = d. Se p | e temos e = pe0 para ume0 ∈ IZ. Portanto p = de = dpe0 implica 1 = de0 ou seja d | 1, donde, d = 1.

Corolário 3.9 Seja p um primo e a1, a2, ..., ak inteiros. Se p | a1 × a2 × ... × akentão ∃i ∈ {1, ...k} : p | ai.

Prova.

p | a1 × a2 × ...× ak =⇒ p | a1 ou p | a2 × a3 × ...× ak=⇒ p | a1 ou p | a2 ou p | a3 × a4 × ...× ak...

...=⇒ p | a1 ou p | a2 ou ... ou p | ak

logo ∃i ∈ {1, ...k} : p | ai.

A proposição 14 do Livro IX dos "Elementos de Euclides" é uma versão parcialda propriedade seguinte.

Proposição 3.10 (Teorema Fundamental da Aritmetica) Todo o inteiro a >1 é produto de primos, existem k ≥ 1 , n1, n2, ..., nk e números primos p1, p2, ..., pktais que pi 6= pj e

a = pn11 pn22 ...pnkk =kYi=1

pnii

Esta factorização em números primos de a é única a menos da ordem dos factores.Prova. Seja a > 0, pela proposição 3.2 existe um primo p1 tal que p1 | a. Ora

1 ≤ ap1

< a e se ap16= 1 existe mais um número primo p2 que divide a

p1. Então

1 ≤ a

p1p2<

a

p1

Se ap1p2

6= 1 existe um número primo p3 que divide ap1p2. Assim,

1 ≤ a

p1p2p3<

a

p1p2

E continuando este processo de construção, obtemos os números primos p1, p2, ..., pmtais que

a

p1p2...pm= 1, isto é, a = p1p2...pm (alguns dos primos pi podem ser

24

iguais). Seja k = |{p1, p2, ..., pm}| o número de primos diferentes. Existem expoentesn1, n2, ..., nk tal que

a = p1p2...pm = pn11 pn22 ...pnkk =kYi=1

pnii

Sejam a = q1...qr = p1...pm duas factorizações de a em números de primos. Semperda de generalidade podemos supor que r ≥ m. Temos q1 | a, mas a = p1p2...pme pelo corolário 3.9 existe i ∈ {1, ..,m} tal que q1 | pj. Como pj é um primo eq1 6= 1 temos q1 = pj. Podemos supor que j = 1 (sem perda de generalidade) e sedividirmos a por q1 temos q2q3...qr = p2p3...pm, e continua-se este processo dividindopor p2, p3, ..., pm. Se r 6= m chegamos depois de m passos à equação pr−m...pr = 1.Logo pi = 1 para todo r −m ≤ i ≤ m, o que é uma contradição porque os pi sãonúmeros primos e por definição diferentes de 1. Portanto r = m.

Exemplo 3.11 3259 872 = 25 × 33 × 73 × 11

3.2 Outras demonstrações da infinidade números

dos primos

3.2.1 Demonstração de Euler

Base da demonstração de EulerNão é uma demostração directa, e à primeira vista parece ser pouco natural;

mas conduz-nos a importantes desenvolvimentos. Euler mostrou que devem existirinfinitos números primos pelo facto de uma certa expressão formada por todos osnúmeros primos ser infinita.

Se p é um número primo, então1

p< 1; consequentemente, temos que a soma da

série geométrica éXk≥0

1

pk=

1

1− 1p

. Do mesmo modo, se q é outro número primo

então,Xk≥0

1

qk=

1

1− 1q

.

1

1− 1p

× 1

1− 1q

=

µ1 +

1

p+1

p2+ ...

¶µ1 +

1

q+1

q2+ ...

¶= 1+

1

p+1

q+1

p2+1

q2+ ...

A parte direita é a soma dos inversos de todos os números naturais da formaph× qk, h, k ≥ 0, cada um contado uma única vez, porque cada número natural temuma única factorização como produto de números primos. Esta simples ideia é abase da demonstração de EulerProva. Suponhamos que p1, p2, ..., pn são todos números primos. Para cada

j = 1, . . . , n,Xk≥0

1

pkj=

1

1− 1pj

. Mutiplicando estas n igualdades obtemos:

1

1− 1p1

× 1

1− 1p2

× ...× 1

1− 1pn

=nY

j=1

Ã1

1− 1pj

!E1

25

A parte esquerda é a soma dos inversos de todos os naturais, cada um contadouma e uma só vez - o que advém do teorema fundamental da aritmética. Isto é

1

1− 1p1

× 1

1− 1p2

× ...× 1

1− 1pn

=X 1

n

Mas a série,P

1né divergente (série harmónica), sendo uma série de termos positivos,

a ordem da sua soma é irrelevante. Temos que a parte esquerda de E1 é infinitaquando a parte direita é finita. Isto é absurdo.

3.2.2 Demonstração de Washington

Base da demonstração de WashingtonÉ uma demonstração, datada de 1980 e, que segue a via da álgebra comutativa.

Os ingredientes são os factos elementares da teoria dos domínios ideais principais,factorização única dos domínios, domínios de Dedekind, e números algébricos, epode ser encontrada em qualquer livro de texto sobre o assunto.1. Em qualquer corpo numérico (de grau finito), o anel formado pelos seus

números algébricos, é um domínio de Dedekind: cada ideal é de um modo único oproduto de ideiais primos.2. Em qualquer corpo numérico (de grau finito), existe apenas um número finito

de ideais primos que dividem qualquer número primo p.3. Um domínio de Dedekind constituído apenas por ideais primos finitos é um

domínio ideal principal, e como tal, cada elemento é, até às unidades, o produto deelementos primos de um só modo.Prova. Considere-se o corpo de todos os números da forma a + b

p(−5), onde

a, b são números racionais. O anel dos números algébricos a este corpo consiste dosnúmeros desta forma com a, b números inteiros. 2, 3, 1 +

p(−5), 1 −

p(−5) são

elementos primos deste anel, porque não podem ser decompostos em factores quesejam inteiros algébricos, a não ser que um dos factores seja "unidade" 1 ou -1.Note-se também que (1 +

p(−5))(1 −

p(−5)) = 2 × 3, a decomposição de 6

num produto de números primos não é única até às unidades, portanto temos que oanel não é um domínio de factorização único; consequentemente, não é um domínioideal principal. Logo, deve conter infinitos ideais primos (pelo facto 3 acima) e (pelofacto 2 acima) por isso, existe um número infinito de números primos.

3.2.3 Demonstração de Kummer

Prova. Suponhamos que existe um número finito de primos p1 < p2 < ... < pr.

SejaN = p1p2...pr > 2 . O inteiroN−1, pelo teorema fundamental da aritméticaé o produto de números primos. Então ∃pi, com i ∈ {1, ..., r} tal que pi é um divisorprimo em comum entre N −1 e N ; logo, pi divide N − (N −1) = 1, o que é absurdo

3.3 Algoritmos para determinar números primos

26

3.3.1 O crivo de Eratóstenes

Eratóstenes de Cirene, teve a ideia de obter todos os números primos não superioresa um número dado - O Crivo de Eratóstenes. Este pode ser descrito do seguintemodo:Para obter todos os números primos não superiores a n procede-se do seguinte

modo:

1. Escreve-se em sequência crescente todos os números desde 2 até n.

2. O primeiro primo da sequência é 2, pelo que todos os múltiplos de 2, superioresa 2 não são primos e portanto devem ser eliminados da sequência.

3. O próximo número não riscado é o 3, que é primo, pelo que deve-se eliminartodos os múltiplos de 3 superiores a 3.

4. Novamente, o próximo número não riscado é 5, que é primo, então elimina-setodos os múltiplos de 5 superiores a 5.

5. E assim sucessivamente até ao fim.

Os números que ficaram na sequência, são obviamente os que não foram risca-dos, portanto todos os primos até n (foram eliminados da lista, todos os númeroscompostos, e só esses).Note-se que quando se atinge n

2este procedimento pode terminar, pois se n

primo o dobro não o é.

Na tabela seguinte está exemplificado o crivo de Eratóstenes para n = 100 :

2 3 4/ 5 6/ 7 8/ 9/ 10/11 12/ 13 14/ 15/ 16/ 17 18/ 19 20/21/ 22/ 23 24/ 25/ 26/ 27/ 28/ 29 30/31 32/ 33/ 34/ 35/ 36/ 37 38/ 39/ 40/41 42/ 43 44/ 45/ 46/ 47 48/ 49/ 50/51/ 52/ 53 54/ 55/ 56/ 57/ 58/ 59 60/61 62/ 63/ 64/ 65/ 66/ 67 68/ 69/ 70/71 72/ 73 74/ 75/ 76/ 77/ 78/ 79 80/81/ 82/ 83 84/ 85/ 86/ 87/ 88/ 89 90/91/ 92/ 93/ 94/ 95/ 96/ 97/ 98/ 99 100/

Na impossibilidade de determinar todos os primos (sabe-se que são infinitos), nalista seguinte podemos ver todos os primos que vão até 7919.

2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 67, 71, 73, 79, 83,89, 97, 101, 103, 107, 109, 113, 127, 131, 137, 139, 149, 151, 157, 163, 167, 173, 179,181, 191, 193, 197, 199, 211, 223, 227, 229, 233, 239, 241, 251, 257, 263, 269, 271,277, 281, 283, 293, 307, 311, 313, 317, 331, 337, 347, 349, 353, 359, 367, 373, 379,383, 389, 397, 401, 409, 419, 421, 431, 433, 439, 443, 449, 457, 461, 463, 467, 479,487, 491, 499, 503, 509, 521, 523, 541, 547, 557, 563, 569, 571, 577, 587, 593, 599,

27

601, 607, 613, 617, 619, 631, 641, 643, 647, 653, 659, 661, 673, 677, 683, 691, 701,709, 719, 727, 733, 739, 743, 751, 757, 761, 769, 773, 787, 797, 809, 811, 821, 823,827, 829, 839, 853, 857, 859, 863, 877, 881, 883, 887, 907, 911, 919, 929, 937, 941,947, 953, 967, 971, 977, 983, 991, 997, 1009, 1013, 1019, 1021, 1031, 1033, 1039,1049, 1051, 1061, 1063, 1069, 1087, 1091, 1093, 1097, 1103, 1109, 1117, 1123, 1129,1151, 1153, 1163, 1171, 1181, 1187, 1193, 1201, 1213, 1217, 1223, 1229, 1231, 1237,1249, 1259, 1277, 1279, 1283, 1289, 1291, 1297, 1301, 1303, 1307, 1319, 1321, 1327,1361, 1367, 1373, 1381, 1399, 1409, 1423, 1427, 1429, 1433, 1439, 1447, 1451, 1453,1459, 1471, 1481, 1483, 1487, 1489, 1493, 1499, 1511, 1523, 1531, 1543, 1549, 1553,1559, 1567, 1571, 1579, 1583, 1597, 1601, 1607, 1609, 1613, 1619, 1621, 1627, 1637,1657, 1663, 1667, 1669, 1693, 1697, 1699, 1709, 1721, 1723, 1733, 1741, 1747, 1753,1759, 1777, 1783, 1787, 1789, 1801, 1811, 1823, 1831, 1847, 1861, 1867, 1871, 1873,1877, 1879, 1889, 1901, 1907, 1913, 1931, 1933, 1949, 1951, 1973, 1979, 1987, 1993,1997, 1999, 2003, 2011, 2017, 2027, 2029, 2039, 2053, 2063, 2069, 2081, 2083, 2087,2089, 2099, 2111, 2113, 2129, 2131, 2137, 2141, 2143, 2153, 2161, 2179, 2203, 2207,2213, 2221, 2237, 2239, 2243, 2251, 2267, 2269, 2273, 2281, 2287, 2293, 2297, 2309,2311, 2333, 2339, 2341, 2347, 2351, 2357, 2371, 2377, 2381, 2383, 2389, 2393, 2399,2411, 2417, 2423, 2437, 2441, 2447, 2459, 2467, 2473, 2477, 2503, 2521, 2531, 2539,2543, 2549, 2551, 2557, 2579, 2591, 2593, 2609, 2617, 2621, 2633, 2647, 2657, 2659,2663, 2671, 2677, 2683, 2687, 2689, 2693, 2699, 2707, 2711, 2713, 2719, 2729, 2731,2741, 2749, 2753, 2767, 2777, 2789, 2791, 2797, 2801, 2803, 2819, 2833, 2837, 2843,2851, 2857, 2861, 2879, 2887, 2897, 2903, 2909, 2917, 2927, 2939, 2953, 2957, 2963,2969, 2971, 2999, 3001, 3011, 3019, 3023, 3037, 3041, 3049, 3061, 3067, 3079, 3083,3089, 3109, 3119, 3121, 3137, 3163, 3167, 3169, 3181, 3187, 3191, 3203, 3209, 3217,3221, 3229, 3251, 3253, 3257, 3259, 3271, 3299, 3301, 3307, 3313, 3319, 3323, 3329,3331, 3343, 3347, 3359, 3361, 3371, 3373, 3389, 3391, 3407, 3413, 3433, 3449, 3457,3461, 3463, 3467, 3469, 3491, 3499, 3511, 3517, 3527, 3529, 3533, 3539, 3541, 3547,3557, 3559, 3571, 3581, 3583, 3593, 3607, 3613, 3617, 3623, 3631, 3637, 3643, 3659,3671, 3673, 3677, 3691, 3697, 3701, 3709, 3719, 3727, 3733, 3739, 3761, 3767, 3769,3779, 3793, 3797, 3803, 3821, 3823, 3833, 3847, 3851, 3853, 3863, 3877, 3881, 3889,3907, 3911, 3917, 3919, 3923, 3929, 3931, 3943, 3947, 3967, 3989, 4001, 4003, 4007,4013, 4019, 4021, 4027, 4049, 4051, 4057, 4073, 4079, 4091, 4093, 4099, 4111, 4127,4129, 4133, 4139, 4153, 4157, 4159, 4177, 4201, 4211, 4217, 4219, 4229, 4231, 4241,4243, 4253, 4259, 4261, 4271, 4273, 4283, 4289, 4297, 4327, 4337, 4339, 4349, 4357,4363, 4373, 4391, 4397, 4409, 4421, 4423, 4441, 4447, 4451, 4457, 4463, 4481, 4483,4493, 4507, 4513, 4517, 4519, 4523, 4547, 4549, 4561, 4567, 4583, 4591, 4597, 4603,4621, 4637, 4639, 4643, 4649, 4651, 4657, 4663, 4673, 4679, 4691, 4703, 4721, 4723,4729, 4733, 4751, 4759, 4783, 4787, 4789, 4793, 4799, 4801, 4813, 4817, 4831, 4861,4871, 4877, 4889, 4903, 4909, 4919, 4931, 4933, 4937, 4943, 4951, 4957, 4967, 4969,4973, 4987, 4993, 4999, 5003, 5009, 5011, 5021, 5023, 5039, 5051, 5059, 5077, 5081,5087, 5099, 5101, 5107, 5113, 5119, 5147, 5153, 5167, 5171, 5179, 5189, 5197, 5209,5227, 5231, 5233, 5237, 5261, 5273, 5279, 5281, 5297, 5303, 5309, 5323, 5333, 5347,5351, 5381, 5387, 5393, 5399, 5407, 5413, 5417, 5419, 5431, 5437, 5441, 5443, 5449,5471, 5477, 5479, 5483, 5501, 5503, 5507, 5519, 5521, 5527, 5531, 5557, 5563, 5569,5573, 5581, 5591, 5623, 5639, 5641, 5647, 5651, 5653, 5657, 5659, 5669, 5683, 5689,5693, 5701, 5711, 5717, 5737, 5741, 5743, 5749, 5779, 5783, 5791, 5801, 5807, 5813,5821, 5827, 5839, 5843, 5849, 5851, 5857, 5861, 5867, 5869, 5879, 5881, 5897, 5903,

28

5923, 5927, 5939, 5953, 5981, 5987, 6007, 6011, 6029, 6037, 6043, 6047, 6053, 6067,6073, 6079, 6089, 6091, 6101, 6113, 6121, 6131, 6133, 6143, 6151, 6163, 6173, 6197,6199, 6203, 6211, 6217, 6221, 6229, 6247, 6257, 6263, 6269, 6271, 6277, 6287, 6299,6301, 6311, 6317, 6323, 6329, 6337, 6343, 6353, 6359, 6361, 6367, 6373, 6379, 6389,6397, 6421, 6427, 6449, 6451, 6469, 6473, 6481, 6491, 6521, 6529, 6547, 6551, 6553,6563, 6569, 6571, 6577, 6581, 6599, 6607, 6619, 6637, 6653, 6659, 6661, 6673, 6679,6689, 6691, 6701, 6703, 6709, 6719, 6733, 6737, 6761, 6763, 6779, 6781, 6791, 6793,6803, 6823, 6827, 6829, 6833, 6841, 6857, 6863, 6869, 6871, 6883, 6899, 6907, 6911,6917, 6947, 6949, 6959, 6961, 6967, 6971, 6977, 6983, 6991, 6997, 7001, 7013, 7019,7027, 7039, 7043, 7057, 7069, 7079, 7103, 7109, 7121, 7127, 7129, 7151, 7159, 7177,7187, 7193, 7207, 7211, 7213, 7219, 7229, 7237, 7243, 7247, 7253, 7283, 7297, 7307,7309, 7321, 7331, 7333, 7349, 7351, 7369, 7393, 7411, 7417, 7433, 7451, 7457, 7459,7477, 7481, 7487, 7489, 7499, 7507, 7517, 7523, 7529, 7537, 7541, 7547, 7549, 7559,7561, 7573, 7577, 7583, 7589, 7591, 7603, 7607, 7621, 7639, 7643, 7649, 7669, 7673,7681, 7687, 7691, 7699, 7703, 7717, 7723, 7727, 7741, 7753, 7757, 7759, 7789, 7793,7817, 7823, 7829, 7841, 7853, 7867, 7873, 7877, 7879, 7883, 7901, 7907, 7919

3.3.2 Algoritmos de Lucas

Estes algoritmos são baseados no Pequeno Teorema de Fermat (an ≡ a (modn), comn um números primo e a um inteiro qualquer).

Algoritmo de Lucas de 1876Seja N > 1. Assuma-se que existe um inteiro a > 1 tal que:

1. aN−1 ≡ 1 (modN)

2. am 6= 1 (modN) para m = 1, 2, ..., N − 2.

Então N é um número primo.Defeitos do algoritmo: pode parecer perfeito, mas requer N − 2 sucessivas mul-

tiplicações por a, e a busca dos resíduos do módulo N (demasiadas operações).

Algoritmo de Lucas de 1891Seja N > 1. Assuma-se que existe um inteiro a > 1 tal que:

1. aN−1 ≡ 1 (modN)

2. am 6= 1 (modN) para cada m < N , tal que m seja divisor de N − 1.

Então N é um número primo.Defeitos apresentados por este algoritmo: requer o conhecimento prévio de todos

os factores de N − 1.

29

3.3.3 Algoritmo de Brillhart, Lehmer & Selfridge

Em 1927, Lehmer tornou o algoritmo de Lucas datado de 1891 mais prático, maseste foi ainda tornado mais flexível por Brillhart, Lehmer & Selfridge em 1975.

Algoritmo de Brillhart, Lehmer & SelfridgeSeja N > 1. Assuma-se que para cada factor primo q de N − 1 existe um inteiro

a = a(q) > 1 tal que:

1. aN−1 ≡ 1 (modN)

2. aN−1q 6= 1 (modN)

Então N é um número primo.Defeitos do algoritmo: mais uma vez, é necessário conhecer os factores primos

de N − 1, mas poucas congruências têm de satisfeitas.

3.3.4 Algoritmo de Pepin para testar a primalidade dosnúmeros de Fermat

Como os números de Fermat (F n = 22n+ 1) crescem muito rapidamente em função

de n, torna-se muito trabalhoso testar a sua primalidade. No entanto, Pepin obteveem 1877 um algoritmo para testar a primalidade detes números.

Algoritmo de PepinSeja F n = 22

n+1, com n32, e k32. Então as seguintes condições são equivalentes:

1. Fn é um número primo ek

Fn= −1;

2. kFn−12 ≡ −1 (modFn)

Este algoritmo é praticamente uma aplicação da fórmula de Euler para os factoresde F n (Euler demonstrou que todos os factores de Fn , com n32, são da formak× 2n+2+1 e através do qual descobriu que 641 divide F 5 : F 5 = 641× 6700417) .No entanto se Fn é composto este não nos indica qualquer factor deste.

3.3.5 Algoritmo para testar a primalidade de números deMersenne

Os números da forma Mn = 2n − 1 com n um número primo são chamados denúmeros de Mersenne. A sua consideração deriva do estudo de números perfeitos.

AlgoritmoMn = 2n + 1 é um número primo se e só se Mn divide Sn−2, com (Sk)k≥1, uma

sucessão definida recursivamente por :

S0 = 4, Sk+1 = Sk2 − 2

Capítulo 4

Progressões geométricas

A proposição 35 do livro IX "dos Elementos de Euclides" indica-nos um processopara determinar a soma dos termos de um "proporção continuda". Neste capítulofaço uma breve referência à progressão geométrica, apresentando um processo al-ternativo ao de Euclides, para determinar a soma dos n primeiros termos de umaprogressão geométrica.Na segunda parte do capítulo faço referência a uma progressão geométrica es-

pecial, quando se estuda a matemática da música. Embora nunca tenha estudadomúsica achei muito interessante e motivador o facto de podemos fazer um leituramatemática de algo que nos é muito familiar.

4.1 Definição e principais propriedades

Definição 4.1 Uma progressão geométrica é uma sequência de números reais, ondecada termo a parir do segundo, é igual ao anterior, multiplicado por uma constantedenominada razão.

Se a progressão geométrica genérica for (u1, u2, u3, ..., un, ...), onde u1 é o primeirotermo, e un for o termo de ordem n de razão r, da definição resulta:

u2 = u1 × r

u3 = u2 × r = u1 × r2

u4 = u3 × r = u1 × r3

...

un = un−1 × r = u1 × rn−1

...

un = u1 × rn−1 é denominado o termo geral da progressão geométrica.

Proposição 4.2 Em toda a progressão geométrica um termo é a média geométricados termos imediatamente anterior e posterior.

30

31

Prova. un+1 × un−1 = u1 × rn × u1 × rn−2 = u21 × r2n−2 = u21 × (rn−1)2=

(u1 × rn−1)2= u2n

Proposição 4.3 O produto dos termos equidistantes dos extremos de uma pro-gressão geométrica é constante.

Prova. Considere-se os n primeiros termos da progressão. Ou temos um númeropar de termos ou um número ímpar de termos.Se o número de termos for par, resulta:

u1 × un = u1 × u1rn−1 = u21r

n−1

u2 × un−1 = u1r × u1rn−2 = u21r

n−1

u3 × un−2 = u1r × u1rn−3 = u21r

n−1

...

un2× un

2+1 = u1r

n2−1 × u1r

n2+1−1 = u21r

n−1

Se o número de termos for ímpar e denotando [x] o menor inteiro superior a x,temos:

u1 × un = u1 × u1rn−1 = u21r

n−1

u2 × un−1 = u1r × u1rn−2 = u21r

n−1

u3 × un−2 = u1r × u1rn−3 = u21r

n−1

...

u[n2 ]−1× u[n2 ]+1

= u1r[n2 ]−2u1r

[n2 ] = u21r2×[n2 ]−2 = u21r

n+1−2 = u21rn−1

u2[n2 ]= u1r

[n2 ]−1u1r[n2 ]−1 = u21r

2×[n2 ]−2 = u21rn−1

Podemos determinar a soma dos n primeiros termos de uma progressão como sesegue. Seja Sn esse valor.

Sn = u1 + u2 + ...+ un−1 + un = u1 + u1r + ...+ u1rn−2 + u1r

n−1

Da relação anterior podemos determinar −rSn e obtemos

−rSn = −u1r − u1r2 − ...− u1r

n−1 − u1rn

e se somarmos as duas relações resulta:

Sn − rSn = u1 − u1rn ⇔ (1− r)Sn = u1 (1− rn)

Donde podemos escrever o seguinte propriedade:

Proposição 4.4 A soma dos n primeiros termos de uma progressão geométrica de

termo geral un = u1rn−1 é dada por Sn = u1

1− rn

1− r.

32

Corolário 4.5 Nas condições do teorema anterior, se |r| < 1 então Sn = u11

1− rpara n grande.Prova. Como |r| < 1 então lim

n→+∞rn = 0 donde o resultado.

Exemplo 4.6 Usando esta ideia determina-se que a dízima infinita periódica 0,999...=1

0, 9999.... = 0, 9 + 0, 99 + 0, 999 + 0, 9999 + ...

=9

10+99

100+999

1000+9999

10000+ ...

=9

10

µ1 +

1

10+

1

102+

1

103+ ...

¶=

9

10

µ1

1− 110

¶=9

10× 109= 1

Exemplo 4.7 A solução da equação x+ x2+ x

4+ x

8+ x

16+ ... = 100 pode ser deter-

minada se tivermos em atenção que no primeiro membro temos a soma dos termosde uma progressão geométriuca de razão 1

2com um número infinito de parcelas.

x+x

2+

x

4+

x

8+

x

16+ ... = x

µ1 +

1

2+1

22+1

23+ ...

¶= x

1

1− 12

= 2x

Donde 2x = 100⇔ x = 50.

Exemplo 4.8 Um outro exemplo também interessante é o de saber qual o limite

da expressão

rxqxpx√x... onde x é positivo e o número de radicais aumenta

indefinidamente.

vuutx

sx

rx

qx√x... = x

12 ×

rx

qx√x... =

= x12 × x

14 × x

18 × x

116 × ...

= x12+ 122+ 123+....

= x12

µ1

1− 12

¶= x

12×2 = x

Exemplo 4.9 Sabendo que S = 9+99+999+9999+99999+ ....+999......99 ondea última parcela contém n algarismos pretende-se determinar o valor de 10n+1 −9 (S + n) .

33

Sabemos que S tem n parcelas, donde:

10n+1 − 9 (S + n) = 10n+1 − 9 [(9 + 99 + 999 + ....+ 999......99) + (1 + 1 + 1 + ...+ 1)]

= 10n+1 − 9 [(9 + 1) + (99 + 1) + (999 + 1) + ...+ (999......99 + 1)]

= 10n+1 − 9£10 + 102 + 103 + ...+ 10n

¤= 10n+1 − 9× 10× 1− 10

n+1

1− 10

= 10n+1 − 9× 10× 1− 10n+1

−9 = 10

4.2 Uma progessão geométrica especial

Quando se estuda a matemática da música, como por exemplo, a análise das se-quências das notas sonoras da escala musical igualmente temperada, encontra-seos valores das sequências de notas de um oitava, que formam uma progressão ge-ométrica, cuja razão é:

2112 ≈ 1, 0594631

Assim podemos determinar os 13 primeiros termos da progressão, onde o primeirotermo é a unidade e os termos seguintes obtidos através das sucessivas multiplicaçõespor 1, 0594631 :

n un = 2112 × un−1

1 12 1,05946313 1,12246204 1,18920715 1,25992106 1,33483997 1,41421368 1,49830719 1,587401110 1,681792811 1,781797412 1,887748613 2

Esta sequência de 13 termos da progressão geométrica representa a sequênciadas notas da escala musical igualmente temperada, já que 12 são os seus intervalosmusicais compondo um oitava. O valor de u2 = 1, 0594631 corresponde ao primeirointervalo. O 13o termo pertence à próxima oitava, isto é, se começarmos pela notado −1, quando percorrer uma oitava, a frequência dessa nota é o dobro - 2. Assimse a nota escolhida for La2, que tem uma frequência de 220Hz, quando percorreruma oitava, a frequência será de 440Hz.

34

Para a nota La2, ao multiplicar os termos da progressão por 220 obtemos asequência:

n un 220× un Notas1 1 220 La22 1,0594631 233,081882 La#3 1,1224620 246,94164 Si4 1,1892071 261,625562 Do5 1,2599210 277,18262 Do#6 1,3348399 293,664778 Re7 1,4142136 311,126992 Re#8 1,4983071 329,627562 Mi9 1,5874011 349,228242 Fa10 1,6817928 369,994416 Fa#11 1,7817974 391,995428 Sol12 1,8877486 415,304692 Sol#13 2 440 La3

Se continuarmos a determinar novos termos da progressão, iremos determinar,notas das oitavas seguintes.

Se pensarmos na progressão cujos termos são os inversos da descrita anterior-

mente, isto é1

2112

iremos obter a seguinte sequência:

un = 2112 × un−1 tn = 2

−112 × tn−1

1 11,0594631 0,94387431,122462 0,89089871,1892071 0,84089641,259921 0,79370051,3348399 0,74915351,4142136 0,70710681,4983071 0,66741991,5874011 0,62996051,6817928 0,59460361,7817974 0,56123101,8877486 0,52973152 0,52,1189262 0,47193722,2449241 0,44544942,3784142 0,42044822,5198421 0,39685032,6696797 0,37457682,8284271 0,35355342,9966142 0,333713,1748021 0,3149803

35

Os termos da sucessão tn podem representar os comprimentos das cordas quepercurtiu-se para obter as várias frequências da progressão geométrica de razão1,0594631.

Observação 4.10 Os valores da sucessão tn que aparecem ilustrados na figura, apartir do t2 inclusivé, têm um pequeno lapso no arredondamento, pelo que deve-seconsiderar os que figuram na tabela.anterior.

36

"À Circunferência mais externa do lado das frequências, corresponde a circun-ferência mais interna do lado do Comprimento das Cordas. Quanto mais alta é afrequência menor é o comprimento da corda que produz sua vibração. Repare-seque embora os invervalos sejam iguais, eles vão ocupando espaços cada vez maioresdo lado das frequências e o inverso ocorre do lado do comprimento das cordas".

Capítulo 5

Conclusão

Ao longo deste trabalho fiz um breve estudo sobre números primos. Partindo deuma abordagem histórica, fui introduzindo alguns conceitos e propriedades que car-acterizam estes números.Foram traduzidas as proposições 29, 30 e 31 do LivroVII e as proposições 20 e 35

do Livro IX dos "Elementos de Euclides", bem como as respectivas demonstraçõesfeitas por Euclides há cerca de 23 séculos, que são apresentadas no sítio da Internet,

http : //aleph0.clarku.edu/˜djoyce/java/elements/toc.html

mantido por D. E. Joyce, da Universidade de Clark . Como estas proposições estãoescritas numa linguagem por vezes dificil, em todas aparece um guia, para melhorilustar as mesmas.Neste lote de proposições constam duas das mais importantes proposições escritas

por Euclides. A proposição 31 do Livro VII, por ser uma das mais antigas provasformais por recorrência de que há registos, e a proposição 20 do Livro IX, ondeEuclides prova o caráter potencialmente infinito dos números primos.Do breve estudo que fiz sobre os números primos, para além de ter abordado

outras demonstrações famosas da infinidade dos números primos apresentei umaversão do importante teorema, actualmente conhecido por "Teorema Fundamentalda Aritmética".Com o desenvolvimento da informática, foi surgindo números primos cada vez

maiores, daí a necessidade de testar a sua primalidade. Assim, para além de terapresentado alguns algoritmos que determinam números primos, também abordeioutros que testam a sua primalidade.No último capítulo, fiz uma breve referência às propriedades das progressões

geométricas, referindo uma curiosa e interessante aplicação na música.

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Bibliografia

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[15] http://www.utm.edu/research/primes/notes/proofs/infinite/

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