densidade.pdf
TRANSCRIPT
1
A INOVAÇÃO TERRITORIAL COLETIVA E A DENSIDADE INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL: A EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA-PORTO XAVIER/RS. 2 DISPARIDADES TERRITORIAIS X PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL 2 A INOVAÇÃO TERRITORIAL COLETIVA E A DENSIDADE INSTITUCIONAL NA EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA 6
A Experiência da COOPERCANA – Cooperativa dos Produtores de Cana de Porto Xavier – RS. 6 AS INOVAÇÕES TERRITORIAIS COLETIVAS PRESENTES NA EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA 8 A DENSIDADE INSTITUCIONAL NA EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA 12 CONSIDERAÇÕES FINAIS 17 REFERÊNCIAS 19
2
A INOVAÇÃO TERRITORIAL COLETIVA E A DENSIDADE INSTITUCIONAL NOS
PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL: A
EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA-PORTO XAVIER/RS1.
ANELISE GRACIELE RAMBO2
ALDOMAR ARNALDO RÜCKERT3
O presente artigo, propõe estabelecer uma discussão em torno da inovação territorial coletiva e da
densidade institucional e sua contribuição no desencadeamento de processos de desenvolvimento
territorial, principalmente no âmbito dos territórios periféricos. Entende-se que à medida que os atores
locais/regionais desencadeiam ações de forma coletiva, buscando uma interação com as demais escalas de
poder e gestão, seja possível promover processos de desenvolvimento territorial local/regional, de modo a
atender as demandas e necessidades dos atores locais/regionais. Da mesma forma, entende-se ser
fundamental a preocupação destes atores com a inovação territorial coletiva, ou seja, a busca coletiva por
inovações, com base nas potencialidades locais/regionais. Buscar-se-á demonstrar tais pressupostos a
partir da experiência da COOPERCANA de Porto Xavier. Esta consiste numa Cooperativa
autogestionária, sendo a única usina de álcool combustível do Estado. Além de ser uma experiência
inovadora, percebe-se relativa densidade institucional em torno da mesma, havendo uma considerável
interação entre atores locais/regionais, bem como as demais escalas de poder e gestão, pensando ações
que visem o desenvolvimento de seu entorno territorial.
DISPARIDADES TERRITORIAIS X PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL
No atual estágio do meio técnico-científico-informacional, fica cada vez mais evidente, o aumento das
disparidades territoriais. Tal constatação pode ser percebida em diversos autores quando tratam, por
exemplo, do crescimento dos espaços de fluxos em detrimento dos espaços de lugares, (Castells, 1999);
do surgimento das regiões ganhadoras e perdedoras (Benko; Lipietz, 1994); ou ainda, dos espaços opacos
e luminosos, e das regiões do mandar e do fazer (Santos; Silveira, 2001). Enfim, do surgimento de
territórios centrais e periféricos, sendo que estes últimos, de modo geral, encontram-se subordinados aos
primeiros, atendendo de forma passiva às suas exigências. Assim, surgem algumas inquietações: existem
alternativas de desenvolvimento aos chamados territórios periféricos, àqueles sustentados
economicamente pela agricultura familiar e por pequenas e médias empresas no espaço urbano? Como
1Projeto de Pesquisa de Dissertação, vinculado ao LABES–Laboratório do Espaço Social, desenvolvida dentro do Programa de Pós-Graduação em Geografia/Mestrado-UFRGS. 2 Aluna do Curso de Mestrado em Geografia ([email protected]). 3 Professor Orientador ([email protected]).
3
territórios distantes dos grandes centros industriais e de decisão podem assumir maior protagonismo como
atores de seu processo de desenvolvimento?
O que fica evidente, é que os atores dos territórios periféricos, não podem esperar das forças do mercado
as soluções para seus problemas. Segundo Haesbaert (1995: 14) “o capitalismo nunca se reproduz
priorizando o bem-estar e a maior igualdade social, mas o aumento das desigualdades que promovem o
lucro e a acumulação” (1998: p.14). Além do mais, a promoção do desenvolvimento exógeno, por meio
do incentivo a instalação de grandes empresas ou multinacionais, em muitos casos pode até levar a um
crescimento econômico, o que não significa necessariamente o desenvolvimento do lugar. De acordo com
Hirst e Thompson (1998), as possibilidades de desenvolvimento nos países periféricos, mediante o
investimento direto estrangeiro, pode ser bastante limitado, observando-se, em geral, a acentuação das
desigualdades territoriais. Nesse caso “a única possibilidade de desenvolvimento de uma determinada
região (...) é servir aos interesses dos conglomerados, transnacionalizados, concedendo-lhes todo tipo de
facilidades. É a velha e surrada fórmula de se fazer desenvolvimento, concentrando investimentos e renda
e, assim, gerando crescentes desequilíbrios regionais e desigualdades sociais” (Becker, 2003:47).
Esperar que esta solução venha do Estado, de cima para baixo, também pode ser frustrante. Diante do
neoliberalismo, mesmo havendo uma busca do Estado pela diminuição das discrepâncias territoriais, isso
não deixa de ser uma tarefa árdua. Becker (1983: 16) evidencia isso ao afirmar que o “Estado, produzindo
e usando o espaço não está atento à necessidade de todos os setores da população. Restou à população
integrar seu poder no espaço vivido, criando uma nova linguagem, do espaço social vivido”. A colocação
da autora evidencia, que diante deste cenário, a sociedade civil passa a ter um papel maior quanto à gestão
do território. Principalmente com o processo de descentralização político-administrativa do Estado, a
partir dos anos 80, é que a sociedade civil passa a ter a possibilidade de participar de forma menos passiva
da gestão de seu território. É com base nessas premissas que se estabelecem as hipóteses desta pesquisa.
Levando-se em consideração a multidimensionalidade do poder, entende-se que, a partir da interação
destes poderes – sociedade civil, Estado e mercado – em diferentes escalas, seja possível desencadear
processos de desenvolvimento territorial. Processo este que não se restringe a setores da economia, ou tão
somente ao crescimento econômico, mas que busca atender às demandas sociais, culturais e ambientais
dos atores locais/regionais, de modo a diminuir a passividade dos territórios periféricos às exigências
exógenas. Desse modo, frente à lógica perversa e excludente do mercado, e à dificuldade do Estado em
promover uma política de integração nacional, que leve a um desenvolvimento e à redução das
desigualdades territoriais, entende-se como sendo fundamental a preocupação dos atores locais/regionais
com a inovação territorial coletiva e com a densidade institucional.
4
A densidade institucional é entendida aqui como a interação ou a densidade de atores públicos e privados,
individuais ou coletivos, da sociedade civil, do Estado e do mercado, organizações e instituições, com
vistas à realização de ações com objetivos comuns. Segundo Amin; Thrift (apud Kirat; Lung, 1999, p.31)
a densidade institucional representa a “combinação de fatores, incluindo suas interações inter-
institucionais e sinergia, uma representação coletiva por muitos corpos, um objetivo industrial comum e
normas culturais e valores compartilhados”.
Fernández (2004), ampliando a discussão destes autores, define a densidade institucional como uma
sólida presença institucional (formal), representada através da presença de firmas, associações
empresariais, instituições financeiras, ONGs, agências de desenvolvimento, escolas, centros de serviço,
institutos tecnológicos e universidades, etc; bem como o desenvolvimento de formas de cooperação entre
os atores a partir da consolidação entre esse complexo de atores, de uma consciência de pertença mútua a
uma dinâmica territorial e ao padrão de coalizão representativo dos interesses locais.
Vale destacar ainda que a “densidade institucional também se refere à temática de capital social e
associativismo como também a outros aspectos de fortalecimento da sociedade civil. Solidariedade,
emancipação e capacidade associativa também se refletem na capacidade que pequenos empreendedores
têm para criar novas ligações não exploradoras nas cadeias de produção das quais fazem parte” (Rede
Dlis, 2005)4. Essa densidade é tida como essencial para que territórios, cuja agricultura familiar ainda
representa grande parcela PIB, e onde o meio urbano está sustentado por pequenas e médias empresas,
consigam realizar ações baseadas em inovações territoriais coletivas.
De acordo com Fernández (2004), a inovação territorial coletiva pode ser entendida como um sistema
dinâmico de reprodução territorial fundado em inovações permanentes, resultado de relações de
cooperação entre os atores - públicos e privados, individuais e coletivos - de determinada região/território.
Ou ainda, segundo Méndez, (2002) consiste na capacidade de gerar e incorporar conhecimentos para dar
respostas criativas aos problemas do presente, resultando num fator chave para melhorar a
competitividade e favorecer o desenvolvimento dos territórios, não só em termos de crescimento
econômico, mas numa perspectiva integrada.
De acordo com o LEADER5, a característica “inovadora” de uma ação é definida tendo em conta o
contexto local no qual esta ação se inscreve. Toda a ação que responde a necessidades particulares de
desenvolvimento de um território introduzindo novas soluções, é inovadora (LEADER, 2005). De forma
4 Rede Dlis – Desenvolvimento local integradado sustentavel. Consiste numa é uma rede mista e plural, envolvendo pessoas e organizações de todos os setores, em todas as regiões do Brasil e no exterior. 5 LEADER - Ligações entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural, compostos por diferentes Estados da União Européia. Consiste numa iniciativa comunitária que incentiva ações-piloto integradas de desenvolvimento rural, concebidas e realizadas através de parcerias ativas que atuam a nível local.
5
resumida, pode ser considerada uma busca coletiva por novos conhecimentos que levem a inovações
quanto à organização e a gestão territorial e, conseqüentemente, a um processo de desenvolvimento
territorial local/regional.
O processo de desenvolvimento territorial local/regional representa ações, mecanismos, estratégias e
políticas, desencadeadas por atores locais/regionais em interação com as demais escalas de poder e
gestão, reforçando ou reconstruindo relações de poder sobre o espaço, tornando-o território. Tal processo,
por sua vez, se dá através de novos usos políticos e econômicos do território, com base em
potencialidades locais/regionais, de modo a atender a suas demandas e necessidades. Assim o
desenvolvimento territorial se produz a partir do momento em que os atores, formando uma
comunidade/sociedade, se reconhecem como tal e tem como referência primeira seu território. Projetam
suas ações sobre as tessituras, nós e redes, desenvolvendo suas potencialidade (ambientais, humanas,
econômicas) e constituindo-se como atores mais ativos na intervenção e ação sobre seu território, com o
intuito de promover seu desenvolvimento.
Para Boisier (1997) o desenvolvimento territorial consiste numa expressão ampla que inclui o
desenvolvimento de micro-localidades. Refere-se a processos de mudança sócio-econômica, de caráter
estrutural, delimitados geograficamente e inserido num marco configurado por sistemas econômicos de
mercado, ampla abertura externa e descentralização dos sistemas de decisão. Este baseia-se ainda em três
objetivos: (1) o aperfeiçoamento do território entendido não como um container e suporte físico de
elementos naturais, mas como um sistema físico e social estruturalmente complexo, dinâmico e
articulado; (2) o aperfeiçoamento da sociedade ou comunidade que habita esse território e (3) o
aperfeiçoamento de cada pessoa, que pertence a essa comunidade e que habita esse território. Assim,
percebe-se que o desenvolvimento territorial não se restringe ao crescimento econômico, e consiste na
articulação dos atores na busca de atender também suas demandas sociais, potencializando tanto capitais
tangíveis (aspectos econômicos do desenvolvimento) quanto aspectos intangíveis (capacidade coletiva
para realizar ações em comum) (Dallabrida; Siedenber; Fernández, 2004).
Diante do discorrido acima, considera-se que a experiência COOPERCANA, pode ser um exemplo
empírico da hipótese levantada. A seguir buscar-se-á discorrer sobre as inovações territoriais coletivas e a
densidade institucional presentes nesta experiência e como estas têm refletido no processo de
desenvolvimento territorial local/regional.
6
A INOVAÇÃO TERRITORIAL COLETIVA E A DENSIDADE INSTITUCIONAL NA EXPERIÊNCIA DA
COOPERCANA
A COOPERCANA – Cooperativa dos Produtores de Cana de Porto Xavier, localiza-se nas duas regiões
dos COREDEs6 Fronteira Noroeste e Missões. Estas, destacam-se pela territorialidade em torno das
relações de poder decorrentes do cultivo da soja. Porém, sua estrutura fundiária baseada principalmente
em pequenas propriedades, e a ação individualizada dos pequenos agricultores, têm se colocado como um
obstáculo cada vez maiores a ser transposto pelos pequenos agricultores
Brum (2002, p.142) retrata muito bem essa realidade ao mencionar que a “a soja continua sendo o motor
econômico regional, porém, não permite a sobrevivência das pequenas e médias propriedades rurais
quando vista isoladamente. Altos custos de produção, a estagnação em baixa dos preços internacionais da
oleaginosa, e a incapacidade destes produtores em assimilarem novas técnicas de comercialização, os
obriga a modificarem seu sistema de produção”. É nesse contexto que surge COOPERCANA
A Experiência da COOPERCANA – Cooperativa dos Produtores de Cana de Porto Xavier – RS.
A experiência da COOPERCANA inicia em 1984, quando é constituída a Alpox S/A (Usina de Álcool de
Porto Xavier), incentivada pelo Pró-álcool. Esta sociedade anônima é composta por 156 acionistas: 143
pequenos agricultores, com 49% ações e 13 empresários e profissionais liberais detendo 51% das ações.
Desde sua fundação há divergências entre sócios majoritários e minoritários e, em função disso,
desencadeia-se uma crise financeira na usina, levando a constituição da COOPERCANA.
A Cooperativa, que surge na tentativa de contornar essa crise financeira, é composta pelos agricultores
produtores de cana (sócios minoritários) e funcionários da usina. Em 1999, por pressão da sociedade civil
organizada e por instituições e organizações locais/regionais, o poder judiciário decreta a falência da
Alpox S/A e a COOPERCANA assume os serviços da usina, arrendando o parque industrial.
Atualmente os associados da Cooperativa localizam-se nos municípios de Roque Gonzáles (58%); Porto
Xavier (35%) na região das Missões e Porto Lucena (7%) na região Fronteira Noroeste. São ao todo 273
associados, os quais cultivam cana em propriedades de 5 a 20 ha, totalizando 1.930 ha que produzem cana
para a COOPERCANA. Sua produção atende a 2% demanda de álcool do Estado, o que representa uma
produção de 6 milhões de litros por safra. A seguir são apresentados dados quanto à geração de empregos
oriundos diretamente dos trabalhos da usina, bem como impostos arrecadados pela mesma.
6 COREDE – Conselho Regional da Desenvolvimento
7
Tabela 01: Empregos gerados pelas atividades da Usina da COOPERCANA
COLHEITA (06 meses) Nº de empregos no corte 400 Quadro técnico de apoio 15 Operadores de carregadeiras 10 Motoristas de caminhões 52 Agricultores 273
PLANTIO Média histórica 50
INDÚSTRIA Quadro efetivo 43 Quadro safrista 76
Total de empregos gerados pelas atividades da Usina 919 Fonte: COOPERCANA, FEV/2005.
Mesmo que a usina não empregue as 919 pessoas acima elencadas, estes empregos se dão em decorrência
direta das atividades da Usina, sendo que os empregos indiretos (no comércio e serviços) ultrapassam
esse número. A geração de impostos também é significativa. Dados contabilizados de 1999 a agosto de
2004 demonstram que esse valores chegam a quase R$ 6 milhões, como pode ser visualizado abaixo:
Tabela 02: Impostos recolhidos pela COOPERCANA - Porto Xavier/RS.
Origem ICMS PIS e
COFINS INSS FUNRURAL TOTAL 1999 303.953,48 44.452,53 11.178,33 17.774,25 377.358,59 2000 595.606,60 79.155,97 34.535,44 26.497,70 735.795,71 2001 870.624,45 124.032,40 47.725,65 39.692,97 1.082.075,45 2002 1.081.565,34 157.091,38 67.436,55 58.719,24 1.364.812,51 2003 1.174.934,51 164.343,77 101.367,84 56.461,47 1.497.107,59
2004* 703.951,94 154.375,18 65.154,36 10.393,15 933.874,63 TOTAL 4.314.586,63 609.877,11 282.686,76 209.123,07 5.991.024,58
*Dados contabilizados até 31 de agosto de 2004 Fonte: COOPERCANA, FEV/2005
Os valores acima (empregos/impostos), certamente não girariam na região, se a sociedade civil, junto a
demais poderes locais/regionais não tivesse se mobilizado em torno da constituição da Cooperativa,
assumindo a usina. O caráter coletivo que permitiu o processo de constituição da Cooperativa, também
permite que se desenvolvam diversas inovações em torno da mesma. A seguir elencar-se-ão algumas
inovações territoriais coletivas perceptíveis na experiência.
8
AS INOVAÇÕES TERRITORIAIS COLETIVAS PRESENTES NA EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA
Antes de tratar propriamente das inovações, se torna importante frisar que estas não são entendidas
apenas como inovações tecnológicas, numa perspectiva econômico-empresarial, mas, para ter uma
dimensão territorial, a esta perspectiva são acrescidas características como (1) a criação de um clima
social ou uma mobilização em favor do desenvolvimento e da incorporação de novidades capazes de
romper com inércias herdadas, ineficazes ou injustas; (2) a constituição de redes locais de cooperação,
que torna possível a realização de projetos comuns; (3) a presença de instituições locais/regionais, que
adotam uma atitude protagonista em apoio à inovação e o desenvolvimento territorial, mediante
iniciativas e negociações de acordos com outras instâncias públicas/privadas; (4) um esforço quanto a
melhorias na formação de recursos humanos (ensino em diversos níveis de qualificação, reciclagem de
empresários e trabalhadores, até uma adaptação às demandas do saber fazer local) (Méndez, 2002)
Assim pode-se citar como inovação a própria densidade institucional da experiência, o que vai de
encontro aos itens (1), (2) e (3) descritos acima. Percebe-se por parte dos atores envolvidos na
COOPERCANA, uma busca quanto à interação com demais instituições e organizações, sejam
locais/regionais ou de outras escalas, seja como instituição protagonista ou simplesmente colaboradora.
Isso permite que sejam atendidas demandas tanto da Cooperativa, quanto do seu entorno territorial maior.
Constitui-se assim, uma mobilização social, bem como redes de cooperação que permitem a busca de
inovações como as que serão mencionadas a seguir, permitindo novos usos políticos e econômicos do
território e conseqüentemente um desenvolvimento territorial local/regional.
Outra inovação territorial coletiva a ser considerada, é o fato de se cultivar cana-de-açúcar numa região
onde tipicamente predomina a cultura da soja. O Noroeste gaúcho é conhecido como umas das maiores
regiões produtoras de soja do Estado. O município de Santa Rosa é conhecido como “Berço Nacional da
Soja”, e onde se realiza a FENASOJA - Feira Internacional da Soja desde 1966, estando em sua 15ª
edição.
Assim, os atores locais/regionais, aproveitando um micro-clima favorável ao cultivo da cana – idêntico ao
tropical-, passam a produzir álcool combustível a partir da cana-de-açúcar. Esta pode ser considerada uma
potencialidade local/regional, sendo que já faz parte da cultura regional. Pode-se afirmar isso, pois a cana
é cultivada desde época das reduções jesuíticas (1600), porém, em geral, seu cultivo se dá para o auto-
consumo nas propriedades rurais. Sendo assim, a partir de uma potencialidade local, forma-se uma nova
racionalidade em torno de uma velha forma (Santos, 1997), destinando-se ao mercado, um produto que
em geral era destinado a subsistência. Vale destacar ainda que o Brasil é um dos poucos países a produzir
combustível a partir de fontes renováveis e menos poluentes como a cana.
9
O que foi mencionado acima vai de encontro ao que afirma Méndez (2002) quando menciona que todas
as comunidades territoriais dispõem de um conjunto de recursos (econômicos, humanos, ambientais,
institucionais, culturais...) que constitui seu potencial de desenvolvimento, devendo-se encontrar atores e
estratégias capazes de atribuir valor a tais recursos, de forma eficaz e inovadora. Tais potencialidades
podem ser entendidas também como capital territorial.
De acordo com o LEADER (2005), o capital territorial remete àquilo que constitui a riqueza do território,
(atividades, paisagens, patrimônio, saber-fazer local), não na perspectiva de um inventário contabilístico,
mas da procura das especificidades que podem ser valorizadas (como, por exemplo, a existência de um
micro-clima favorável à cultura da cana). Em alguns territórios, por exemplo, este fenômeno pode passar
pela recuperação pontual de elementos em vias de abandono e cujo desaparecimento se traduziria por um
anonimato ainda mais profundo. Ao observar-se a Figura 01 abaixo, percebe-se que o capital territorial
possui varias dimensões.
Figura 01:O Capital do Território e suas dimensões
Fonte: http://europa.eu.int/comm/archives/leader2/rural-pt/biblio/compet/sub21.html
Para potencializar o chamado capital territorial, torna-se necessário levar em consideração o processo
histórico do território. Ou seja, “a noção de espaço é inseparável da idéia de sistemas de tempo. A cada
momento da história local, regional, nacional ou mundial, a ação das diversas variáveis depende das
condições do correspondente sistema temporal” (Santos, 1985, p.22). Assim, para compreender a
realidade local/regional exige-se levar em consideração as rugosidades do espaço, bem como a difusão
desigual das técnicas.
10
A dimensão interior pode ser compreendida como a interação entre os atores locais e exterior, entre estes
atores locais com as demais escalas de poder e gestão, constituindo portanto, a densidade institucional. A
visão de futuro, pode ser entendida como o próprio processo de desenvolvimento territorial local/regional
a ser desencadeado, de modo que, o desenrolar do processo atenda as demandas e necessidades dos atores
locais/regionais.
No caso da COOPERCANA, o desenvolvimento do cultivo da cana, pode ser considerado como uma
recuperação ou ativação de um potencial do capital territorial. Isso, pois a cana é cultivada em grande
parte das propriedades rurais, sendo que da mesma forma, grande parte desta produção destina-se ao auto-
consumo.
Pode-se afirmar assim, que os atores locais/regionais tem desenvolvido seu capital territorial, através de
suas potencialidades ambientais - no caso micro-clima favorável ao cultivo da cana; e sócio-culturais,
com o desenvolvimento da densidade institucional, potencializando seu relativo grau de capital social7.
Este, segundo Bandeira (2001), pode ser considerado umas das maiores vantagens competitivas do norte
gaúcho. Nesse sentido, vale mencionar ainda, que a COOPERCANA é a única usina de álcool auto-
sugestionária do Brasil. Além desse fato demonstrar seu caráter inovador, permite observar que os atores
locais/regionais exercem ações políticas sobre seus territórios, reforçando as relações de poder sobre o
mesmo, a partir da potencialização de seu capital social, constituindo uma densidade institucional.
Outra inovação territorial coletiva, pode ser o fato da industrialização da cana e não sua venda in natura,
como ocorre no caso da soja. Além disso, o processo de industrialização permite uma maior geração de
empregos e impostos na escala local/regional, uma remuneração maior dos agricultores, sendo que os
produtos primários em geral agregam menos valor que os industrializados, bem como mais uma fonte de
renda.
É importante mencionar ainda o fato da COOPERCANA ser uma Cooperativa e não uma empresa
privada do tipo sociedade anônima. Em geral, as indústrias da região são criadas a partir de uma iniciativa
individual ou de alguns poucos acionistas. Dados do Anuário Estatístico da FEE de 1993, (IPD, 2005)
demonstram que nas duas regiões dos COREDES, o setor industrial emprega em média 9 empregados por
indústria. Já, o caráter cooperativo da COOPERCANA permite que esta empregue na usina, 43
empregados efetivos, chegando a empregar, na época da safra, 73. Isso sem contar que em decorrência do
funcionamento da usina são gerados 919 empregos como consta na Tabela 01, anteriormente citada.
Quanto à capacitação de recursos humanos, citado no item (4) acima, pode-se destacar os cursos de
formação e de cooperativismo ministrados pela ANTEAG e pelo DIEESE, para a capacitação dos atores
11
envolvidos mais diretamente na Cooperativa, de modo a prepará-los para a nova realidade e ser
construída. Os atores da Cooperativa desenvolvem ainda, integrações técnicas e culturais com outras
usinas e agroindústrias de cana da região, de outros estados e também da Argentina, com vistas a trocas
de experiências e informações técnicas.
Além disso, de caráter mais amplo, pode-se citar a constituição do EMA – Ensino Médio Alternativo, na
Escola da Linha São Carlos/Porto Xavier, a qual possui como diferencial o fato de ser uma escola de
ensino médio no meio rural, e ainda, com suas atividades e currículo voltados à realidade do meio rural
local. Outra atividade direcionada a educação, são os chamados Estágios de Vivência.
Estes estágios, são realizados pelos alunos do curso de agronomia da UNIJUI/Ijuí. Seu objetivo é fazer
com que os estudantes que optam por esse curso, passem alguns dias em uma propriedade rural, vivendo a
realidade agrícola da região, a fim de terem uma idéia mais clara sobre a profissão a qual optaram. Essa
preocupação, quanto a processos de educação, vai de encontro a duas das finalidades do desenvolvimento
territorial, citadas por Boisier (1997), no inicio deste artigo: o aperfeiçoamento da sociedade/comunidade
que habita o território e o aperfeiçoamento de cada pessoa, que pertence a essa comunidade/sociedade.
Pode-se destacar ainda que a COOPERCANA é a única usina de álcool combustível do Rio Grande do
Sul, atendendo a 2% da demanda do consumo do Estado. Sua capacidade chega e 9 milhões de
litros/safra, sendo que atualmente produz 6 milhões, como já mencionado acima. No entanto, já há um
projeto que visa aumentar essa capacidade para atender a demanda, como será explicitado posteriormente.
O processo de discussão dentro da Cooperativa, também e de caráter inovador. Esta possui os 273
associados distribuídos em 12 núcleos de base. Estes núcleos realizam reuniões nas localidades do meio
rural dos três municípios. Neles, iniciam-se as discussões e tomadas de decisão. A partir dessa
organização, todos os seus associados, tem a possibilidade de participar das decisões que envolvem as
ações da Cooperativa, garantindo uma gestão mais democrática da mesma.
Para finalizar, pode-se mencionar ainda, a geração de energia a partir da queima do bagaço de cana, que
caracteriza um resíduo, sendo que, não tratado adequadamente, provoca sérios impactos ambientais.
Assim, durante o funcionamento da usina (junho a novembro), esta se isenta do pagamento da taxa de
energia.
Entende-se que as inovações citadas acima são possíveis em função da densidade institucional presente na
experiência. A interação entre os atores da Cooperativa e entre estes e as demais escalas de poder e
gestão, aumentam a capacidade de se realizar ações sobre o espaço, tornando este território. Assim, essa
7 O capital social refere-se às relações de confiança e reciprocidade entre atores, as quais permitem a realização de ações coletivas (Putnam, 1999).
12
densidade institucional tem possibilitado ainda, a realização de diversas ações e projetos que visam
atender tanto a demandas não só setoriais ou corporativas (da Cooperativa) mas também territoriais. Vale
destacar que pesquisas realizadas do Programa de Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira, aponta
o entorno do município de Porto Xavier como uma área de alta densidade institucional (numa escala de
baixa a muito alta).
A DENSIDADE INSTITUCIONAL NA EXPERIÊNCIA DA COOPERCANA
Até o momento foram mapeadas 48 instituições e organizações da sociedade civil, do Estado e do
mercado, das diferentes escalas de poder e gestão (local, loca/regional, estadual, federal e internacional).
Abaixo estão elencados alguns projetos e ações resultantes da densidade institucional:
Tabela 03: Projetos/ações resultantes da Densidade Institucional em torno da COOPERCANA
Projetos/ações Nível8 1 PBA - Educação para a Gestão Ambiental: Qualidade de Vida e do Ambiente pela Cidadania Consciente 1 2 Programa de Geração de Biodiesel 1 3 Projeto para Modernização da Planta Industrial na Produção de Álcool para Produção de Biodiesel pela Agricultura Familiar 1 4 Integração Cultural entre COOPERCANA e Engenho Azucarero 1 5 Processo de Arrendamento da Massa Falida da Alpox S/A. 1 6 Construindo Segurança Alimentar nas Missões do RS 1 7 Rede de Cidades 1 8 Curso de Formação 1 9 Processo de Compra da Massa Falida pela COOPERCANA 1
10 Curso de Cooperativismo 2 11 Processo de Constituição da EMA - Ensino Médio Alternativo 2 12 Cadeia Produtiva da Cana-de-açúcar 2 13 Projetos patrocinados através da LIC (Lei de Incentivo a cultura) 2 14 Processo de Constituição da Cooper Bioverde 2 15 Estudo de Adaptação de Variedades de Cana-de-açúcar na Região Noroeste do Rio Grande do Sul 2 16 Diagnóstico e Estratégias de Desenvolvimento da Agricultura de Porto Xavier 3 17 Convênio de Cooperação técnica COOPERCANA - UNIJUÍ 4 18 Processo de Constituição da CRESOL 4 19 Intercâmbio ao Salto do Jacuí 4
Fonte: Elaborado pelo autor.
Busca-se a seguir, elencar alguns reflexos sobre o território da COOPERCANA, de alguns dos projetos
acima, na tentativa de demonstrar a importância da densidade institucional para os processos de
8 Os níveis são compostos pelos seguintes atores nível 1: poder federal, estadual e local, instituições/organizações civis e organizações estrangeiras; nível 2: poder estadual e instituições/organizações civis; nível 3: poder municipal e instituições/organizações civis e nível 4: poder apenas das instituições/organizações civis e profissionais.
13
desenvolvimento territorial local/regional, em territórios periféricos. Ou seja, aqueles territórios distantes
dos grandes centros industriais e de tomada de decisão, e aqueles sustentados pela agricultura familiar –
pequenas e médias propriedade que contam basicamente com trabalho familiar – e o espaço urbano,
também sustentados por pequenos e médios empreendimentos.
Inicia-se assim, tratando dos novos usos políticos do território que resultaram de ações coletivas dos
atores locais/regionais junto às demais escalas. Nesse sentido, pode-se citar o processo de arrendamento
da massa falida da Alpox S/A. Em função da crise financeira da usina, como já mencionado acima, há
uma mobilização de atores em torno da busca de uma solução a esta crise. Devido a isso, organizam-se os
agricultores produtores de cana (sócios minoritários) e os funcionários da usina, - para oficializar a
COOPERCANA -, a ASTRF (Associação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais Fronteiriços), a
COOPAX (Cooperativa dos Pequenos Agricultores de Porto Xavier), o STR-Porto Xavier (Sindicato de
Trabalhadores Rurais), a ASPLACAN (Associação dos Plantadores de Cana-Porto Xavier), o Poder Local
de Porto Xavier e Roque Gonzáles. Dessa forma, os atores locais/regionais mobilizando-se, reúnem cerca
de 400 pessoas em frente ao Fórum da cidade de Porto Xavier, a fim de exigir que o poder judiciário
decretasse a falência da usina.
Essa densidade institucional permitiu que a usina permanecesse sob poder de atores locais/regionais, a
priori, mais comprometidos com o espaço local, por tratar-se de seu território. A Cooperativa arrendou o
parque industrial de 1999 a 2004, sendo que no final deste último ano, efetuou a compra da massa falida
Outro uso político do território que pode ser destacado é a constituição de uma agência bancária do
Sistema Cresol - Sistema Integrado de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária. Tal
processo, inicia-se no ano de 2000, quando foram realizados seminários no município de Porto Xavier,
que contaram com a participação de instituições e organizações como COOPERCANA; Emater; ASTRF;
STR – Porto Xavier; COOPAX; EMA; COOPESC (Cooperativa dos Pescadores-Porto Xavier);
Secretaria da Agricultura e Conselho Municipal da Agricultura de Porto Xavier, bem como a sociedade
civil. Estes seminários se propuseram a discutir os estrangulamentos quanto ao desenvolvimento local.
Como demanda primeira, surgiu a dificuldade de acesso ao crédito, por parte principalmente dos
pequenos agricultores. Percebeu-se a necessidade de uma organização que fomentasse a agricultura
familiar, facilitando o acesso a recursos financeiros. Assim, os atores locais/regionais optaram pelo
Sistema Cresol, que segundo os mesmos, melhor se adequou a suas necessidades e a seus interesses,
sendo implantado em janeiro de 2003.
Este banco cooperativo, surgiu no Paraná, expandindo-se para diversos municípios de Santa Catarina e do
Rio Grande do Sul, totalizando 81 agências (43 no Paraná, 20 Santa Catarina e 18 no Rio Grande do Sul).
14
Nos COREDES Fronteira Noroeste e Missões, localizam-se dois nós desta rede: uma agência em Porto
Xavier como já citado e outra em Santo Cristo.
O território da Cresol-Porto Xavier, expande-se para além deste município, possuindo associados em
Porto Lucena, Porto Xavier, Roque Gonzáles e São Paulo das Missões. Conta atualmente com cerca de
600 associados, sendo que grande parte dos membros da COOPERCANA também participam da Cresol.
A densidade institucional em torno da constituição da Cresol, teve reflexos territoriais, atingindo não
apenas os associados da COOPERCANA, mas sim demais agricultores da região, proporcionando assim
um acesso mais fácil ao crédito para estes atores.
Ainda nessa linha, pode-se novamente citar a constituição do EMA. Os atores locais incentivados pelo
programa do Governo Estadual para a constituição de escolas mais adequadas à realidade local,
realizaram reuniões com a secretaria da educação do Estado e posteriormente entre entidades como
COOPERCANA, COMADEM9; STR; COOPAX; EMATER; Escolas de Rincão Comprido, Rincão
Vermelho e Linha São Carlos de Porto Xavier, para traçar o planejamento inicial do EMA. Após
sucessivos encontros através de seminários e reuniões, com o objetivo principal de planejar a melhor
forma de implantação, organização e seqüência do EMA, foi criado na Linha São Carlos, em julho de
2001, o ensino médio adequado a realidade agrícola local.
Outros projetos que merecem ser destacados são aqueles relacionados à Lei de Incentivo a Cultura. A
Cooperativa, junto a demais organizações e instituições da região vem patrocinando projetos culturais
(principalmente festivais estudantis) contribuindo para o desenvolvimento da cultura regional. Desde
2003, participou de 7 projetos nos municípios de Porto Xavier, Santo Cristo e Giruá, totalizando R$
200.429,30 disponibilizados ao financiamento dos mesmos. Estes projetos demonstram que os reflexos da
COOPERCANA não se dão apenas no espaço rural, beneficiando os associados produtores de cana.
Expandem-se de forma territorial, tendo reflexos mais significados à medida que esta interage com
demais organizações e instituições de diferentes escalas.
Quanto aos usos econômicos pode-se citar os diferentes usos do solo agrícola, decorrentes do cultivo da
cana e sua industrialização. Além das atividades da própria usina levar a um novo uso agrícola do solo,
destacam-se projetos que buscam incentivar e aprimorar o cultivo da cana na região.
Inicia-se tratando do projeto Rede de Cidades, desenvolvido de janeiro de 2002 a novembro de 2004. Este
contou com atores como o Governo Estadual, Federal e Local (AMM - Associação dos Municípios da
9 Conselho Municipal de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. É composto por instituições e organizações ligadas ao espaço rural de Porto Xavier como Secretaria da Agricultura, Emater, cooperativas, associações, além da COOPERCANA. Este Conselho realiza reuniões periódicas para discussão e deliberação principalmente de verbas governamentais destinadas ao espaço rural do Município.
15
Missões); PGU – Programa de Gestão Urbana da ONU para a América Latina e Caribe, além de 165
instituições e organizações locais/regionais, dentre elas a COOPERCANA.. Desenvolvido na região da
AMM, seu objetivo foi constituir um plano de ações para o desenvolvimento e combate a pobreza, a partir
de propostas de projetos já existentes na região. Foram realizados seminários de apoio para reforçar as
capacidades dos atores locais, quanto ao desenvolvimento dos projetos. Selecionados 14, estes foram
encaminhados a vários Ministérios e Secretarias do Governo Federal com interesse em seu financiamento.
Dentre os 14 projetos estava um relacionado à cana: “Construindo Segurança Alimentar nas Missões do
RS – gerando renda e saboreando alimentos com a cultura da cana-de-açúcar na agricultura familiar”, que
está em fase de implementação. Os atores envolvidos são a ASTRF, CONSAD (Consórcio de Segurança
Alimentar e Desenvolvimento Local – Missões), STRs, COOPERCANA e 600 agricultores familiares da
região.
O projeto se propõe a diagnosticar a exclusão social a partir de uma pesquisa com 600 famílias de baixa
renda. Pretende diagnosticar ainda, iniciativas de industrialização da cana, que possam servir como uma
referência. Objetiva realizar intercâmbios regionais; promover a participação em eventos que
impulsionem a comercialização dos derivados de cana; buscar realizar análises laboratoriais que avaliem
as características nutricionais dos derivados de cana; sensibilizar e capacitar 200 famílias de agricultores
para resgatar a produção de alimentos ecológicos; potencializar feiras locais e constituir o Fórum
Regional da Cana (com reuniões e viagens de campo).
Através das atividades mencionadas acima, o projeto tem por meta, debater e desencadear um debate
sobre o potencial da cultura da cana como instrumento de viabilização das propriedades rurais e ainda,
como uma alternativa à dinâmica excludente da monocultura da soja. A densidade institucional desse
projeto pode alavancar atividades que se colocam como uma alternativa de desenvolvimento às pequenas
propriedades rurais de região, podendo ainda ter reflexos positivos quanto à segurança alimentar, à
medida que serão produzidos alimentos com uma gradativa diminuição no uso de agroquímicos, tanto
para o auto-consumo nas propriedades, como àqueles destinados ao consumo urbano.
Outro projeto envolvendo a cadeia da cana, foi o “Estudo de Adaptação de Variedades de Cana-de-açúcar
na Região Noroeste do Rio Grande do Sul”, concluído no final de 2004. Os atores envolvidos no projeto
foram a COOPERCANA, ASTRF, Governo do Estado (RS Rural), além de agroindústrias familiares de
cana dos municípios de Santo Cristo, Porto Xavier, Pirapó, Porto Lucena e Dezesseis de Novembro.
Esta iniciativa buscou testar variedades de cana de modo a identificar as que melhor se adaptam ao clima
e ao solo da região, ao produto final da cana (açúcar mascavo, aguardente, álcool, melado, rapadura), e as
variedades que dispensam a queima quando do corte da cana no canavial. Isso, com o intuito de tornar as
16
atividades com a cana mais viáveis à agricultura familiar e visando a diminuição dos danos ambientais,
decorrentes da queima dos canaviais.
O projeto contou com a realização de dias de campo; visitas técnicas a uma micro-destilaria de álcool
(Ijuí); e a agroindústrias de cana (Caxambu do Sul/SC e Capanema/PR); cursos de formação (Guarani das
Missões, Porto Lucena); participação em eventos (Festa das Sementes Crioulas/Porto Lucena e o Fórum
Social Mundial 2005/Porto Alegre). Este projeto trouxe resultados positivos não apenas para os
associados da COOPERCANA, mas também para os demais produtores de cana envolvidos, um resultado
positivo da densidade institucional. Além do mais, está sendo publicada uma cartilha com os resultados
da pesquisa, estando acessível aos demais interessados.
Pode-se citar ainda o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. O Governo Federal, propõe por
meio deste, um plano de ações no âmbito da agricultura familiar de todo território nacional. O programa
visa a produção de um combustível menos poluente, que tem como matéria-prima plantas como a
mamona, o girassol e a soja. Além do benefício ambiental, busca possibilitar a execução de projetos auto-
sustentáveis, considerando preços, qualidade, garantia de suprimento e uma política de inclusão social.
Quanto às ações ao nível local/regional, em fase de discussão, busca-se a instalação de duas ou três
plantas industriais de pequeno e médio porte. A expectativa é de que três cooperativas – COOPERCANA,
Coasa (Cooperativa Agrícola de Água Santa/RS) e Cotrimaio (Cooperativa Tritícola de Três de Maio/RS)
- produzam inicialmente de 10 a 40 toneladas de biodiesel por dia, cujo subproduto poderá ainda ser
transformado em ração animal. A COOPERCANA adaptar-se-á a produzir álcool anidro, usado na
geração do biodiesel. Já a Coasa e a Cotrimaio, forneceriam a matéria-prima, sendo que a segunda, com
uma relativa experiência quanto à comercialização e distribuição de combustível, passaria sua experiência
às outras cooperativas.
Cabe aqui mencionar o projeto, “Modernização da Planta Industrial na Produção de Álcool para Produção
de Biodiesel pela Agricultura Familiar”, encaminhado pela COOPERCANA ao BNDES em janeiro deste
ano. Nele está envolvida ainda a CRECAF – Central Regional de Cooperativas da Agricultura Familiar.
Este projeto busca a ampliação da produção de álcool hidratado (combustível), a produção de álcool
anidro (misturado à gasolina), e num segundo momento a produção de biodiesel pela COOPERCANA. O
biodiesel terá como matéria-prima a soja, havendo a possibilidade de posteriormente utilizar também a
canola, nabo forrageiro e o girassol, já cultivados na região. A partir daí, a COOPERCANA buscará
viabilizar uma integração com os agricultores ligados a CRECAF (cujas cooperativas integrantes
localizam-se nos municípios de Santo Cristo, Campina das Missões; Cândido Godói, Salvador das
Missões São Pedro do Butiá; Alecrim), os quais forneceriam a matéria-prima. A intenção dos atores em
17
propor este projeto é buscar alternativas de agregação de valor à agricultura familiar bem como permitir
uma maior inserção dos agricultores familiares no mercado.
Pelo que foi mencionado acima, pode-se perceber que a densidade institucional em torno dos projetos e
das ações permite que, a partir da iniciativa dos atores locais/regionais, e da busca da interação com
demais atores das diferentes escalas de poder e gestão, torna-se possível atender algumas das demandas e
necessidades locais/regionais. Tais projetos/ações, acabam tendo um reflexo territorial e não setorial,
justamentente em razão das diferentes instituições e organizações que participam dos mesmos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que foi mencionado acima, pode-se ter uma idéia dos reflexos da inovação territorial coletiva e da
densidade institucional nos processos de desenvolvimento territorial local/regional. Estas duas variáveis,
presentes na experiência da COOPERCANA, permitem que esta organização se coloque, ao nível
local/regional, como uma instituição que, em interação com outras organizações e instituições, são juntas,
capazes de realizar ações coletivas e inovadoras, gerando reflexos territoriais.
As preocupações dos atores locais/regionais com a inovação acentuam-se na era da globalização, pois
paradoxalmente, a manutenção da diferença, ou da inovação, não é só conciliável com o processo de
globalização como deles faz parte integrante (Ferrão, 2002-a). A partir do momento em que os atores
formam uma coletividade, uma densidade institucional, e buscam a partir de suas potencialidades (ou do
capital territorial), promover inovações territoriais coletivas, torna-se possível definir trajetórias de
evolução consideradas mais adequadas ao território, levando em conta, a situação presente e um horizonte
estratégico que vise compensar as principais debilidades existentes (Ferrão, 2002-b). Assim, passam a ser
atenuados os obstáculos locais/regionais quanto à distância aos grandes centros de consumo, ao pequeno
porte e a pequena produção das propriedades rurais, quando estruturadas de forma individualizada.
A densidade institucional e as inovações citadas acima, permitem desencadear projetos e ações que
atendem a diversas demandas dos atores locais/regionais. Pode-se citar como exemplos (1) um novo uso
econômico do solo agrícola, mais adequado a realidade dos agricultores familiares estruturados em
pequenas propriedades (COOPERCANA, agroindústrias familiares), diversificando suas fontes de renda,
(2) o acesso dos mesmos a créditos financeiros (Cresol), (3) uma opção de ensino mais adequada a
realizada rural local (EMA), (4) a realização de eventos culturais e recreativos (patrocínios através da Lei
de Incentivo a Cultura), (5) a geração de empregos, (6) impostos e (7) novos conhecimentos (troca de
informações/conhecimentos entre organizações e instituições).
18
Entende-se que estas ações acabam tendo resultados mais imediatos e significativos sobre o território,
pois o protagonismo dos atores locais/regionais, quanto à busca de atender suas demandas, gera um
comprometimento maior dos mesmos para com tais ações. Isso pois, são estes atores os que mais sofrem
com tais carências, sabendo o quanto e necessário atendê-las para manter as relações de poder sobre seu
território. Ou segundo Kahil (2005), os atores locais criam nos lugares um novo dinamismo já que, da
convivência com a necessidade e com o outro, a cada dia, todo novo dia está a exigir a descoberta e
criação de formas inéditas de trabalho e de luta.
Os reflexos acima citados, que como já mencionado anteriormente, tem implicações territoriais e não
apenas setoriais ou corporativos. Tais reflexos, ao nível territorial, são decorrentes justamente da
densidade institucional. Atingem um número mais amplo de atores, devido à representação e integração
dos mesmos nas ações e projetos desenvolvidos.
A densidade institucional leva ainda a despertar uma preocupação maior quanto à redução dos impactos
ambientais desta cultura sobre o ambiente. Nela, são utilizados menos agroquímicos se comparada à soja,
além de ser uma cultura perene (seu plantio não se dá anualmente, podendo um mesmo canavial produzir
por até 7 anos). São desenvolvidas ainda pesquisas para validar variedades que não exigem a queima do
canavial antes do corte, bem como testadas variedades de leguminosas que podem ser consorciadas com a
cana, a fim de reduzir o desgaste do solo quanto a sua fertilidade. Os resíduos da industrialização da cana,
relativamente nocivos ao ambiente, são transformados em energia (o bagaço, para movimentar a usina) e
em adubação para as lavouras (vinhoto).
Não se pretende aqui, afirmar que o desenvolvimento da cadeia da cana seja em si, uma alternativa de
desenvolvimento para a região em questão. Pretende-se sim, a partir de uma experiência de cultivo e
industrialização da cana-de-açúcar, (a qual, neste caso, pode ser considerada uma potencialidade
específica deste território) que apresenta características quanto à inovação territorial coletiva e a
densidade institucional, demonstrar a importância dessas duas variáveis para o desenvolvimento territorial
local/regional. É necessário portanto, que cada território, defina de que forma, com quais meios pretende
alcançar seu desenvolvimento, consciente de que não há fórmulas, métodos modelos ou estratégias pré-
definidas que assegurem resultados (Siedenberg, 2003).
E importante deixar claro que o desencadeamento do processo de desenvolvimento territorial
local/regional e seus reflexos não se deram por mérito exclusivo da COOPERCANA. Mesmo esta
caracterizando uma instituição de referência, e sendo um nó central da territorialidade decorrente das
relações de poder e gestão resultantes do cultivo e industrialização da cana-de-açúcar, tais reflexos são
decorrentes sim, da densidade institucional. Ou nas palavras de Becker (2003: 61) “estratégias bem-
sucedidas de desenvolvimento regional estão, normalmente, associadas, nos tempos recentes, a vigorosas
19
estratégias (re)estruturantes de desenvolvimento regional (vontades coletivas regionais), executadas pelas
organizações e instituições das comunidades regionais, ou seja, estratégias formuladas e executadas por
sujeitos coletivos locais”.
De forma isolada, a priori, a COOPERCANA, provavelmente restringir-se-ia a atender as demanda de
seus associados. No entando, com o poder das diversas instituições e organizações, e das diversas escalas
de poder e gestão somados, torna-se possível desenvolver as ações acima enumeradas. Ações estas com
relativo grau de inovação e protagonismo local, que buscam ainda, responder a exigências do processo de
globalização. Além disso, uma importante questão é levantada por Kahil (2005) quando esta afirma que:
“as discussões em torno das questões nacionais foram sendo substituídas por soluções paliativas através de políticas compensatórias, à escala subnacional, local. Estamos a carecer de uma visão de conjunto da sociedade brasileira, um projeto nacional a partir do qual houvesse redistribuição de poderes e de recursos, prerrogativas e obrigações para todas e entre as diversas esferas político-administrativas e escalas territoriais”.
Porém, tais soluções deixam de ser paliativas à medida que se constitui uma densidade institucional,
reunindo Estado, sociedade civil e mercado, de diferentes escalas, buscando inovações territoriais
coletivas de modo a desencadear processos de desenvolvimento territorial local/regional, com base nas
potencialidades de cada território. O poder local organizado (densidade institucional local), e este
buscando interagir com as demais escalas, caracteriza uma possibilidade de desenvolvimento e
atendimento das especificidades de cada lugar, constituindo-se um território nacional mais integrado e
homogêneo. Pelas considerações feitas, pode-se considerar que a inovação territorial coletiva e a
densidade institucional são elementos que merecem ser explorados teórico e empiricamente, quanto a sua
contribuição aos processos de desenvolvimento territorial, principalmente de territórios periféricos.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Pedro Silveira. Desenvolvimento Regional, Cultura Política e Capital Social. Disponível
em: http://www.al.rs.gov.br/forum_democratico/desenv_regional/pesquisa_relatorio.htm. Acesso em
ago/2003.
BECKER, Berta K. O Uso Político do Território: questões a partir de uma visão do terceiro mundo. In:
BECKER, Berta K.; COSTA, Rogério K.; SILVEIRA, Carmem B.; (orgs) Abordagens Políticas da
Espacialidade. Rio de Janeiro: UFRJ, 1983.
BECKER, Dinizar F. A Economia Política do (Des) envolvimento Regional Contemporâneo. In:
BECKER, Dinizar F.; WITTMANN, Milton Luiz. Desenvolvimento Regional: abordagens
contemporâneas. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2003.
20
BENKO G.; LIPIETZ (orgs). As Regiões Ganhadoras – Distritos e Redes: os novos paradigmas da
geografia econômica. Oeiras: Celta,1994.
BOISIER, Sergio. El Vuelva de una Cometa: una metamorfose para una teoría deel desarrollo territorial.
Santiago do Chile: Ilpes/Cepal, 1997.
BRUM, Argemiro Luis. A Economia Mundial da Soja: impactos na cadeia produtiva da oleaginosa no
Rio Grande do Sul – 1970-2000. Ijuí: Unijuí, 2002.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DALLABRIDA, Valdir Roque; SIEDENBERG, DIETER Rugard; FERNÁNDEEZ, Victor Ramiro. A
Dinâmica Territorial do Desenvolvimento: sua compreensão a partir da análise da trajetória de um âmbito
espacial periférico. In: Segundo Seminário Internacional sobre desenvolvimento regional. Unisc,
2004.
FERNÁNDEZ, Víctor Ramiro. Densidad Institucional, Inovación Colectiva y Desarrollo de las cadenas
de valor local: un triángulo estratégico en la evolución de los enfoques regionalistas durante los ´90s. In:
Revista Redes. Santa Cruz do Sul: v.9, nº1, jan/abr, 2004.
FERRÃO João. Um Novo Mapa Congnitivo para a Acção Local. 2002-a, Inédito
____________. Inovar para Desenvolver: o conceito de gestão de Trajectórias de Inovação. In:
Interações – Revista Internacional de Desenvolvimento Local. vol.3, nº4, mar/2002-b.
HAESBAERT, Rogério. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. In: CASTRO,
I.; GOMES, P.C.C.; CORRÊA,R. L. (orgs). Geografia Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand-
Brasil, 1995.
HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame; BRANT, Wanda Caldeira. Globalização em Questão: a
economia internacional e as possibilidades de governabilidade. Petropolis: Vozes, 1998.
KAHIL, Samira Peduti. Usos do Território: uma questão política. In: Anais do X Encontro de
Geógrafos da América Latina. USP, São Paulo: 20 a 26 de março de 2005.
KIRAT, Thierry; LUNG, Yannick. Inovation and Proximity. Territories as loci of collective learnig
process. In: European Urban and regional Studies. London, vol.6, nº1, 1999.
LEADER - c. Disponível em: http://europa.eu.int/comm/archives/ leader2/rural-pt/biblio/coll/art08.htm.
Acesso em: maio/2005.
MÉNDEZ, Ricardo. Innovación y desarrollo territoril: alguns deebates teóricos recientes. Eure. Santiago:
vol. 28, nº 84, 2002, Disponível em www.scielo.cl/scielo.php. Acesso em 12/07/04.
21
Programa de Desenvolvimento Social da faixa de Fronteira. Disponivel em:
http://www.igeo.ufrj.br/gruporetis/programafronteira/tiki-index.php. Acesso em: maio/2005.
PUTNAM, Roberto D. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. 2ª Edição, Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2000.
REDE DLIS. Construindo Indicadores de Desenvolvimento Local. Disponível em:
http://www.rededlis.org.br/monitoramento.asp?id=143&action=mostra. Acesso em maio/2005.
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1985.
____________.A Natureza do Espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. 2ª ed., São Paulo: Hucitec,
1997.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M.L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro:
Record, ,5ªed., 2001.
SIEDENBERG, Dieter Rugard. A Gestão do Desenvolvimento: acoes e estratégias entre a realidade e a
utopia. In: BECKER, Dinizar F.; WITTMANN, Milton Luiz. Desenvolvimento Regional: abordagens
contemporâneas. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2003.
IPD–Instituto de Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional. Disponível em:
http://seguro.unijui.tche.br/nbd/. Acesso em maio/2005.
Programa de Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira. Disponível em:
http//igeo.ufrj.br/gruporetis/programafronteira. Acesso em: maio/2005.