democracia ou paganização · eles, com muito merecido destaque, aos nossos queridos filhos jorge...
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DEMOCRACIA OU PAGANIZAÇÃO
DEDICATÓRIA
Dedicamos este trabalho a todos que, por amor à justiça, à verdade, e aos seus
semelhantes, preocupam-se menos com os modismos do que com a desarmonia e os
sofrimentos que deles resultam, e que estão no ar, produzindo a atmosfera de
incerteza e de angústia, em que vamos mergulhando mais e mais, a cada dia que
passa. Atmosfera cujas causas profundas e deliberadamente ocultadas do público,
pretendemos expor, ainda que resumidamente, à consideração e à análise dos que
venham a tomar conhecimento das linhas e entrelinhas de que se compõe mais este
esforço, realizado em espírito de serviço.
Dedicamo-lo, também, a quantos, com a pureza dos seus corações, e a elevação
dos seus espíritos, têm ajudado a reduzir a rudeza e a imperfeição dos nossos. Dentre
eles, com muito merecido destaque, aos nossos queridos filhos Jorge Afonso e Maria
Isabel.
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"O QUE OS HOMENS FAZEM DEPENDE DO QUE ELES PENSAM"
John Stuart Mill in "Governo Representativo"
"A DESORDEM QUE REINA NA SOCIEDADE REINOU PRIMEIRO NA MENTE E
NO CORAÇÃO DOS QUE A COMPÕEM"
Fulton Sheen in "Angústia e Paz"
"O DESTINO DOS POVOS DEPENDE DAS IDÉIAS QUE OS VÃO DIRIGIR"
Gustave Le Bon in "Premières Conséquences de la Guerre", apud Mons. Dr. Emílio
Silva in "Filosofias da Hora e Filosofia Perene"
Referindo-se às guerras deste século : "PRÉVIA À DOS CAMPOS DE BATALHA,
DEU-SE A LUTA NO CAMPO DAS IDÉIAS. OS POVOS TINHAM SIDO
ESPIRITUALMENTE DESARMADOS E ARMARAM-SE MATERIALMENTE;
CUMPRE REARMÁ-LOS NO ESPÍRITO PARA DESARMÁ-LOS NO CORPO".
Mons. Dr. Emílio Silva
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SUMÁRIO
Explicação Preliminar .....................................Capítulo 1
Removendo Obstáculos .....................................Capítulo 2
O Falso Dilema .....................................Capítulo 3
A Questão Preliminar .....................................Capítulo 4
O Longo Caminho de Volta ao Bezerro de Ouro .....................................Capítulo 5
O Falso Dilema .....................................Capítulo 6
O Que São as Ditaduras
O Dilema Verdadeiro .....................................Capítulo 7
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CAPÍTULO I
EXPLICAÇÃO PRELIMINAR
É nossa convicção, desde há muito serenamente amadurecida, que, do ponto de
vista cultural, o Ocidente entrou, em virtude de fatores que agasalha em seu próprio
seio, em descaminhos equivocados, os quais ensejaram o engendrar de erros, no
domínio de sua visão crítica, de seus hábitos, de suas instituições políticas e sociais,
que engendraram novos erros, dentre os quais, pelo menos dois acabaram por
constituir-se em verdadeiras superstições, impingidas pelos interesses que as criaram
e as sustentam, como coisas às quais deveriam os homens servir. Não existiriam,
portanto, tais coisas para eles mas, ao contrário, eles para elas. Nada obstante, uma
breve reflexão evidencia, claramente, o erro grosseiro - mas de efeitos por vezes
dramáticos - que aí se esconde, falacioso e desonesto. Em obra nossa, sob o título "O
Mito da Caverna", tivemos a oportunidade de citar matéria de jornalista de certo país
do sul da Europa, na qual, com singular e surpreendente desenvoltura, dizia ele,
referindo-se à sua sociedade, que nela reinava a desordem econômica, que a
segurança individual estava sendo exposta a riscos crescentes, que a corrupção se
alastrava por toda a parte, que a degradação dos costumes, o uso de drogas e, até, o
sexo promíscuo, começavam a contaminar a própria infância mas que, a despeito de
tudo, podia afirmar que a situação era gloriosa (sic), "eis que continuavam vigentes e
intocadas as instituições democráticas!" Em tão gritante alienação, que equivale à
afirmação de existirem os homens para elas, e não elas para eles, está embutido um
dos descaminhos e erros a que fizemos alusão inicialmente, e de cujas causas, com
efeitos que podem ser do tipo que acabamos de apontar, e de outros, procuraremos
nos ocupar, ainda que de maneira sucinta, nas páginas que irão seguir-se.
E o faremos somente comprometidos com o que nos parece verdadeiro e justo,
rogando a Deus que nos ilumine para que nos equivoquemos o menos possível.
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CAPÍTULO II
REMOVENDO OBSTÁCULOS
Em nossa "Explicação Preliminar", fizemos menção à existência de equívocos
promovidos e transformados em verdadeiras superstições pelos interesses que os
engendraram e os alimentam com sucesso, a despeito dos frutos nefastos que, desde
há muito, têm produzido. Trata-se do fenômeno mencionado por Michael Novak em
sua obra "O Espírito do Capitalismo Democrático", segundo o qual idéias, no mundo
moderno, podem prevalecer sobre realidades concretas, mesmo quando estas as
desmintam frontalmente. Refere-se o autor ao formidável poder da mídia e das
técnicas de comunicação, cada vez mais sofisticadas, de que pode dispor e cuja
eficácia, dizemos nós, cresce na medida em que as sociedades, esvaziadas da crença
em valores permanentes entrega-se, ainda que sem percebê-lo, a ceticismo que as
torna disponíveis e vulneráveis à magia de uma comunicação de volume avassalador e
às ciladas da sua retórica e das suas abordagens cada vez mais penetrantes e mais
sutis.
Convém lembrar, a propósito, amigo que perdemos recentemente, e de cuja
estima tivemos o privilégio de privar por muitos e muitos anos. Estamos nos referindo
ao saudoso professor Armando Dias Tavares, cientista dos mais importantes dentre os
que tivemos nestas últimas décadas, e que só não desfrutou da notoriedade a que fazia
jus, exatamente pela extraordinária dimensão humana e pela lúcida inteligência que
possuía e que o tornavam muito resistente às influências acima referidas. Para que
tenha o leitor uma idéia acerca do valor daquele homem extraordinário, basta dizer
que, de origem humilde morou, em solteiro, em distante subúrbio da zona norte do
Rio de Janeiro, em casa que construiu com as suas próprias mãos a despeito de ser, à
altura da referida construção, já professor na antiga Universidade do Brasil, hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Formado em Matemática, foi diletíssimo aluno de eminentes mestres italianos,
entre os quais Luigi Sobrero e Francesco Mamana, contratados pelo Governo Federal,
para lecionar na então recentemente criada Universidade do Distrito Federal, em
seguida transformada na Faculdade Nacional de Filosofia, em que se diplomou.
Iniciando as suas atividades de magistério e de pesquisas, dedicou-se o dileto
amigo de quem estamos traçando resumidíssimo currículo, às Matemáticas, de onde
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transitou para a Física teórica, instrumentalmente tão dependente daquelas. Na
objetividade e humildade inerentes ao seu espírito, mais adiante passou a dedicar-se à
investigação experimental dos fenômenos físicos, logo desempenhando as funções de
assistente do eminente professor e pesquisador Joaquim da Costa Ribeiro, descobridor
do efeito termo-dielétrico, em pouco conhecido pelos físicos do mundo inteiro como
"efeito Costa Ribeiro". Tendo sido aquele cientista surpreendido precocemente pela
morte, continuou-lhe as pesquisas o nosso dileto amigo, ao qual se devem os maiores
desenvolvimentos dos estudos do fenômeno a que acabamos de aludir, realizados
principalmente em instituição criada por ele, fora da área do serviço público, cansado
como estava dos entraves burocráticos tão presentes na administração estatal,
agravados ainda mais pelos pequenos grupos que monopolizavam, ou monopolizam,
as pesquisas em nosso país, dominados pelos adeptos da ideologia que nestes dias cai
em descrédito, na medida em que as forças que a promoveram e a sustentaram no
poder na União Soviética, convenceram-se da sua incapacidade para realizar os
objetivos maiores e mais sutis que tinham em vista. Àqueles adeptos, somavam-se os
oportunistas de todas as épocas e de todos os campos, com a mediocridade e o
servilismo que costumam caracterizá-los.
Como se estava já, na plena fase destrutiva da "revolução progressista",
importava aos seus seguidores, em outros domínios, a promoção de hábitos corruptos
e de costumes fáceis, elementos de desagregação de qualquer sociedade a ser
conquistada e, por isso, outros tantos fatores de aproximação, mesmo nos arraiais das
ciências exatas, com as forças e os elementos que de fato os dominavam. Jamais,
porém, o amigo de quem estamos tratando, sequer colocou um cigarro na boca ou
provou de alguma bebida alcoólica, tendo se casado aos trinta e cinco anos de idade,
segundo supõem os seus mais íntimos amigos, de vez que - ele mesmo jamais discutiu
tal assunto - sem ter conhecido antes qualquer mulher. De sua exemplar esposa
Doramia, teve seis filhos. Por tais razões, a despeito de seus hábitos singelos, ao ponto
de, pelo descuido com que se trajava, em desacordo com a pequena classe média a
que pertencia, sugerir tudo, menos o domínio pelo que os "progressistas" da época
denunciavam como "preconceitos pequeno-burgueses"; e de mais de uma vez o
termos surpreendido realizando, com as próprias mãos, lanternagem de automóveis - e
ele mesmo andava a pé ou de ônibus - para, com o dinheiro auferido, conceder bolsas
a estudantes pobres; a despeito de ter sido eleito membro da Academia Brasileira de
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Ciências, ainda não dominada totalmente pelas forças e grupos a que fizemos
referência antes; de publicar os seus trabalhos em revistas cientificas das -mais
reputadas do exterior; de manter habitual correspondência e cooperação com
pesquisadores de universidades como, entre outras, a de Pisa, na Itália, e a de
Cambridge, na Inglaterra, viveu e morreu quase na obscuridade conhecido,
praticamente, em nosso país, apenas de círculos científicos, pelos motivos vistos,
geralmente indiferentes aos seus esforços, e pelos seus alunos, que o estimavam e
admiravam. Tudo isso estamos dizendo para que tenha o leitor idéia da magnitude do
chamado "patrulhamento", não apenas no livro, na imprensa escrita, falada,
televisada, nas artes, a nível popular ou erudito, mas até no campo das ciências exatas,
eis que desejava, e deseja, dar prestigio e notoriedade apenas aos integrantes dos
grupos antes referidos. E o exemplo que estamos usando é ainda mais expressivo,
antológico mesmo, porque Armando Dias Tavares não era, como talvez suponha o
leitor, alguém com opção religiosa e, em,tal sentido, capaz de, por aquele motivo,
contrariar as idéias e os grupos já antes mencionados. Não; o nosso amigo Armando
jamais conseguiu acreditar em Deus, só não se dizendo ateu por não sentir-se capaz de
provar a Sua inexistência, coisa a que pretenderam abalançar-se os que, ao menos até
ontem, se apresentavam como conhecedores de única e exclusiva ciência, o
Materialismo Histórico, resultante do Materialismo Dialético, fora dos quais tudo
seria ignorância e alienação... Quanto aos males conseqüentes a tão colossal equivoco,
à sua coorte de ódio e de lutas, tantas vezes sangrentos, ao atraso e, ela sim, alienação
que ele produziu e alimentou ao longo de tantos anos, os que até aqui se
.apresentavam como arautos daquela única e exclusiva "verdade" preferem agora
silenciar e mudar de assunto, ou realizar claras tentativas de tergiversação, como se
nada tivesse acontecido e como se não fossem responsáveis por nada. A alienação
pedante a que estamos nos referindo, catalisadora e promotora de tanta violência e
tanta perversão da realidade, não é, porém, a única. Nem é, sequer, originária, mas
conseqüente ao outro dos descaminhos a que foi feita alusão na "Explicação
Preliminar" com que iniciamos este trabalho.
A esta altura, tem todo o direito de se perguntar o leitor pelo menos duas coisas:
Qual será o outro descaminho e por que terá sido feito aqui o relato, ainda que
sumaríssimo, da vida e da obra do professor e cientista Armando Dias Tavares? E a
resposta é a seguinte: O outro,descaminho é a forma equivocada que se tem dado à
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democracia, cuja forma, com ligeiras e irrelevantes nuanças, certos interesses
pretendem impor a todo o mundo, depois de terem abandonado, convencidos da sua
obsolescência e do seu fracasso, o grande projeto de aluição das fronteiras e dos
sentimentos nacionais, projeto em fase atual de abandono.* O referido projeto, não se
espantem os leitores, longe de antagônico, sempre foi um desdobramento logicamente
previsível do processo de confusão cultural do Ocidente, acelerado a partir do século
dezoito, século encharcado de falsa racionalidade, e cheio de exaltação com respeito
às supostas capacidades ilimitadas da razão humana. Assunto, aliás, tratado em
trabalho. deste autor, editado na série "Tema Atual", pela coragem e honestidade
editorial de -"PRESENÇA", sob o titulo: "Posição do Marxismo no Processo Cultural
do Ocidente".
Quanto à segunda. parte da pergunta, relativa ao relato acerca da vida e da obra
da grande figura humana que foi Armando Dias Tavares, a resposta consiste no
seguinte: a confusão cultural acima mencionada é tanta que, embora a maioria entre
nós continue a dizer-se cristã, a impregnação por um pragmatismo viciado a quase
todos atinge, tendo sido ensejada tal impregnação pelo ceticismo que se foi instalando
e fortalecendo, na mesma medida em que se cuidava do enfraquecimento da fé
religiosa e das preocupações com a transcendência da realidade e da vida dos homens.
Daí a suspeita que tantos alimentam quanto à validade e à operacionalidade do que se
afirma, independentemente das provetas, das balanças e dos microscópios. Pois
Armando Dias Tavares, investigador devotado e competente, tanto quanto os que
mais o tenham sido entre nós, ademais agnóstico e, por isto, completamente cético em
matéria religiosa, reiteradas vezes nos disse que não lhe era necessário crer na
divindade de Jesus Cristo para compreender, sem sombra de dúvida em seu espírito,
que fora dos ensinamentos evangélicos, não haverá solução para os problemas que
angustiam a humanidade. E era nele tão firme a convicção a tal respeito que sua vida
foi sempre, em todos os aspectos, exemplo irrecusável e coerente dela. E,
acreditamos, ele amou, conheceu e serviu muito mais à Ciência do que a maioria de
nós jamais o fez.
Outros grandes vultos da Ciência, a começar por Einstein, foram também
deístas e transcendentalistas. O ceticismo, pois, e a disponibilidade que dele costuma
decorrer são, assim, filhos da inadvertência e da falta de reflexão mais profunda,
submetidas a uma massa avassaladora de propaganda, geralmente indireta, que visa a* Este trabalho, publicado em 1991, referia-se, neste ponto, ao regime soviético. O projeto que, já então, era oobjetivo real do marxismo, mudou de estratégia e chama-se, hoje, neo-liberalismo e globalização.
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desarmar os espíritos para melhor manipula-los, manipulação da qual, tantas vezes
têm resultado as guerras que ninguém diria representarem o que de mais racional e
mais prático podem os homens fazer.
Uma coisa é, pois, a essência do ideal democrático.
Outra, muito diferente, são as formas institucionais que pretendem realizá-lo,
quase todas, senão todas, impregnadas das conseqüências do agnosticismo, do
racionalismo iluminista ou, mesmo, do ateísmo, tão presentes no período histórico em
que se originaram.
"Pelos frutos os conhecereis", é a lição imortal.
E quais têm sido, em termos de valores e de vida cristãos, em consonância com
os alicerces da cultura e da civilização a que pertencemos, os por elas produzidos, em
qualquer parte mas, muito particularmente, por estar disponível à nossa observação,
neste país em que vivemos? Afora a repetição paroxística da propaganda a seu favor,
cantando-lhe incansavelmente as excelências, o que é que tem se mostrado entre nós
excelente como resultado do seu funcionamento?
São estas, questões muito profundas com as quais, permitindo-nos Deus,
pretendemos nos ocupar, ainda que resumidamente, nos páginas que se vão seguir.
CAPÍTULO III
O FALSO DILEMA
Quando, a despeito da formidável propaganda que a promove, alguém ousa
ponderar que, talvez, alguma coisa equivocada existe no que, com tanta freqüência, é
denominado "normalidade democrática", algo supostamente tão perfeito e tão
definitivo que, fora dele, tudo mais seria anômalo e, portanto, absolutamente
condenável, de imediato aquele alguém passa a ser descrito como possível adepto da.
tirania e das ditaduras. Teria, portanto, a sociedade dos homens, em matéria de
organização social e política, atingido a perfeição.
Ora, toda a gente percebe que, desprezados os engodos daquela propaganda,
sustentados por interesses que se guardam de mencionar os reais objetivos que os
movem, nenhuma obra humana foi, é, ou será, perfeita e definitiva dada a
precariedade da nossa irrecusável insuficiência de seres contingentes. Assim, somente
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com relação a objetos tão complexos como são a sociedade humana, e as suas formas
de organização e de convivência interpessoal e intergrupal, somente aí teríamos
alcançado a perfeição definitiva. Mas, afirmou-o Michael Novak, em nossos dias,
idéias,conseguem prevalecer sobre fatos, ainda quando estes as desmintam de modo
frontal.
E somente isto enseja a sustentação do mito da irretocabilidade a que nos
estamos referindo, a despeito das realidades, clamorosas, que ai estão, diante dos
olhos de todos, algumas representando contradições gritantes e grosseiras. Veja-se,
por exemplo, na ordenação do convívio internacional, como funciona a famosa
Organização das Nações Unidas. Integram-na mais de uma e meia centena de países,
dos quais apenas cerca de dez por cento compõem o chamado Conselho de Segurança
e, neste, somente os EUA, a URSS, a Grã-Bretanha, a França e a República Popular
da China gozam do especialíssimo privilégio, consistente no chamado "direito de
veto". Note-se que os integrantes desse grupo privilegiado, compõem-no em caráter
permanente, excluída a hipótese de qualquer rotatividade. O que existirá de comum
entre esses co-participes, capaz de, no plano moral, justificar o privilégio de que
gozam com exclusividade? Será a identidade de pontos de vista acerca da organização
da sociedade ou, indo mais fundo, acerca da maneira de conceber a própria natureza
do homem e as finalidades da sua existência? Todos sabemos que, absolutamente,
não. E em que consiste o privilégio de que desfrutam? Simplesmente em vetar,
tornando sem efeito, com um único voto de qualquer deles, resoluções adotadas pela
Assembléia Geral, ainda que unânimes, com exclusão, apenas, do representante do
que veio a exercer o veto. Mas, qual é, basicamente, a espécie de deusa suprema que
caracteriza a democracia, na forma em que ela se tem materializado até aqui? Não é a
famosa vontade da maioria, critério soberano e inatacável de quaisquer decisões?
Nem se pense que a contradição que estamos apontando existe apenas em
potencial. Ao contrário, ela tem se materializado com freqüência, inclusive em áreas
sensíveis do mundo, como o Oriente Médio, no momento em que estamos
escrevendo, em lamentável, perigosa e sangrenta conflagração. Ali, a criação do
Estado de Israel em território.palestino abriu uma ferida que se tem agravado
continuamente, de vez que aquele Estado, alegando necessidades relativas à sua
segurança nacional, aquela mesma que, entre nós, foi tão abrangente e
irresponsavelmente criticada e condenada – ocupou territórios como o da Cisjordânia,
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a faixa de Gaza e a região de Golan, como a do Sul do Líbano, esbarrando todas as
decisões da Assembléia Geral, contrárias àquelas ocupações, no veto sistemático, pelo
menos dos EUA, cujo governo, como é notório, no mínimo em sua política externa
relativa àquela região, tem se mostrado absoluta e totalmente dócil a todos os ditames
de Tel-Aviv.
Não é nosso propósito aqui, apreciar, no mérito, as razões ou sem razões dos
fatos apontados. O que desejamos é pôr de manifesto, a contradição entre o direito de
veto e o principio basilar, a própria alma da democracia como tem sido entendida,
sobretudo no Ocidente, contradição existente no órgão supremo que resultou da
vitória, na 2ª guerra mundial, dos que se diziam defensores e propugnadores do citado
regime. E buscamos fazê-lo por meio de exemplo tirado de acontecimentos de
inquestionável gravidade, para que se possa ter idéia da dimensão do exercício da
escandalosa distorção. Entretanto, nada obstante a gravidade da evidência que
estamos apontando, não é tanto ela, em si, ou outras que lhe sejam congêneres, o que
mais importa. O que mais importa são as razões profundas que tornam, possível a sua
prática e a abúlica apatia de suas vítimas, que permitem se implantem e possam
operar. Como explicar, por outro lado, que algo tão perfeito e irretocável se possa
mostrar tão contraditório, mesmo com relação aos seus mais característicos
fundamentos? Quais serão, de fato, as raízes de tão deplorável fenômeno?
Por enquanto, seja-nos permitido dizer que a sustentação acrítica, equivalente a
uma espécie de superstição, de alguma coisa que se evidencia muito longe de
qualquer idéia, já não diríamos de perfeição, mas de excelência, só é compreensível à
luz do fenômeno apontado por Novak, da prevalência de idéias sobre fatos, ainda
quando estes as contrariem e desmintam de modo frontal. Refere-se aquele autor,
seguramente, à formidável capacidade da mídia e das técnicas à sua disposição, para a
prática de uma espécie de sedução ou de anestesia intelectual coletiva, que conduz a
maioria à aceitação passiva de modismos e de idéias feitas, entre as quais as referentes
à supremacia absoluta das decisões majoritárias - as mesmas que são contrariadas em
Instituições como, entre outras, a ONU - com elisão de valores permanentes, aos quais
todos devam submeter-se.
A desconsideração de tais valores, é claro, equivale à adoção, como critério
supremo para todas as decisões, da areia movediça representada por maiorias
volúveis, cada dia mais influenciáveis pelos meios de comunicação de massa. É
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preciso entender, digamo-lo desde já, que a consulta à opinião das maiorias é
somente, e tão somente, um método ou processo de tomada de decisões, de fato, em
muitos casos, insubstituível. Supô-lo, porém, instância suprema para tudo, é um
dramático equívoco, em aberta contradição com os fundamentos. da cultura cristã em
que nos integramos e, de resto, com os de outras culturas de bases transcendentalistas
como a nossa. A sua prevalência em tais dimensões, só seria logicamente defensável
em sociedades confessadamente céticas, infensas à admissão da hipótese sobre a
transcendentalidade do que somos como realidades existenciais, e daquilo a que
estamos destinados.
Como vê o leitor, a alternativa democracia x ditaduras é uma simplificação que
não nos, honra a inteligência e, talvez, uma espécie de intimidação para que voltemos
à abulia que convém a tantos interesses estabelecidos e, por isto mesmo, empenhados
na manutenção do "status quo".
O ideal democrático, ao menos segundo o entendemos, consiste na organização
de superestruturas sociais e políticas que sirvam, o melhor possível, aos objetivos
legítimos e aos interesses justos daqueles que deverão viver sob a sua jurisdição.
Como realiza-las é algo que deve ajustar-se constantemente à variação da realidade a
que, naqueles termos, devem servir.
A discussão, como se vê, merece ser aprofundada, e é o que pretendemos fazer,
nas páginas que irão seguir-se.
CAPÍTULO IV
A QUESTÃO PRELIMINAR
Parece-nos bastante óbvio que, antes de saber-se como os homens devem
organizar-se, é necessário definir, com clareza, o que é que eles são. Somente a partir
daí será possível, razoavelmente, identificar a natureza das suas necessidades,
qualificá-las adequadamente e estabelecer uma ordem racional e moralmente
defensável de prioridades.
A partir de meados do século passado, surgiu no panorama cultural do.
Ocidente, o Materialismo Dialético de Marx-Engels, cuja feição dinâmica e
impulsionadora da ação serviu para que atendesse a um anseio de seu principal autor
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segundo o qual, "a Filosofia servira, até então, para descrever o mundo, cumprindo,
dali para diante, que fosse capaz de transformá-lo". Como se sabe, em 1848 era
divulgado o manifesto com que aqueles dois íntimos colaboradores pretendiam se
iniciasse uma revolução de âmbito mundial, destruidora das fronteiras e dos
sentimentos nacionais, que não passariam de alienações do homem, revolução que,
libertando-o também da de natureza religiosa, o integrasse, afinal, no que eles
consideravam a sua verdadeira realidade.*
Copiosa literatura foi produzida sobre o assunto, em todos os países do mundo
e, nós mesmos, a ele dedicamos principalmente duas obras: "Marxismo: Alvorada ou
Crepúsculo?", ed. Récord, e "Ocidente Traído", lª ed. Impres, S. Paulo. Tratava-se, no
que tange àquele materialismo, da primeira tentativa, ao longo de toda a História, de
organizar os homens e educá-los, compulsoriamente, com base na negação explícita
da sua transcendência, da existência de um Deus criador e, finalmente, de qualquer
coisa diferente ou além da matéria, que seria a única realidade. Como se vê, o
Comunismo moderno, corolário do Materialismo Histórico, por sua vez conseqüente
ao Materialismo Dialético, e os partidos que o tinham como ideário, era algo novo,
sem qualquer precedente, e que, do ponto de vista religioso, qualquer que fosse ele,
era inaceitável. Nem foi por outra razão que o Magistério da Igreja, em carta encíclica
de Pio XI, a "Divini Redemptoris", o qualificou como "intrinsecamente perverso".
Nada obstante, como sabemos todos, as democracias ocidentais, que já no final da
primeira metade deste século, levaram à morte muitos milhões de jovens do mundo
inteiro, com os objetivos proclamados de "salvar a civilização ocidental cristã,
defender a soberania da Polônia e a Democracia" realizaram-nos, infelizmente, assim:
a civilização do ocidente cristão, trazendo para o coração da Europa Ocidental e
cristã, as legiões de um Estado, o Estado soviético, pública e oficialmente sob regime
materialista e ateu, sendo que numerosas daquelas legiões eram originárias dos
recessos da Ásia; a soberania da Polônia, - que havia sido encorajada a resistir às
pressões nazistas, reivindicando a posse do chamado "corredor polonês", como
ninguém ignora, faixa da Prússia Oriental, e que a dividia em duas e fora adjudicada à
soberania de Varsóvia em conseqüência da derrota alemã na I Grande Guerra - com a
cessão do território polonês situado a leste da chamada "linha Curzon", para efeito de
anexação à União Soviética; e, finalmente, a Democracia foi defendida por intermédio
da realização dessas coisas, em criminoso conúbio com o Estado ditatorial,* Projeto hoje em curso sob nova estratégia como assinalado em nota anterior. (Nota do Autor)
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materialista e ateu, personificado em Joseph Stálin que, hoje, os próprios compatriotas
descrevem como o mais sanguinário déspota da História contemporânea. Mais tarde,
bem mais tarde, os auto-apregoados defensores "da Democracia e da civilização
cristã", deram acabamento jurídico às injustiças que resultaram daquele conúbio, por
intermédio do recente* tratado de Helsinque, pelo qual foi coonestada a anexação,
pela União Soviética, também dos territórios da Carélia, arrebatado violentamente da
pacífica Finlândia, como ninguém ignora, as repúblicas do Báltico, e os territórios da
Bessarábia e da Bucovina, conquistados da Romênia. Os acontecimentos dos dias
presentes estão se constituindo, pela evidência de que as populações daquelas áreas
não estiveram nunca de acordo com os atos contra elas praticados, não apenas por
Moscou mas, também, como vimos, pelos supostos defensores da justiça e da
eqüidade entre os povos, em um libelo contra eles.
Outros exemplos poderiam ser citados, e abundantes, inclusive dos dias que
correm, da diferença entre o discurso daqueles "paladinos", e os seus atos e práticas.
Não nos estenderemos, porém, em seu rol, contentando-nos com os exemplos, que
entendemos bastante significativos, e que acabam de ser citados. É que, ainda que os
mencionássemos todos, a soma deles não teria tanta importância quanto a análise das
causas que os tornaram possíveis, estas sim, segundo pensamos, da mais preocupante
significação. O que resta, no sentido cultural, do Ocidente cristão, precisa decidir-se:
continua a prosternar-se diante do Bezerro de Ouro, ou volta aos seus valores
originários, fundados na aceitação da transcendência e na convicção de que, ao
contrário do que supõem os materialistas, dialéticos ou não, a realidade do homem
não se esgota, como temos procurado repetir tantas vezes, na consideração da sua
realidade biológica a qual, tão fugaz, transcorre entre o nascimento e a morte. Que, ao
contrário, é algo que se projeta em termos de infinito e de eternidade, diante da qual,
quanto ao nosso destino, somos responsáveis desde agora.
Como se pode vislumbrar do que, tão resumidamente, foi dito até aqui, estamos
diante de problemática cuja complexidade já a faz difícil de ser percebida sem
reflexão. Tanto mais quanto a propaganda a que fizemos referência desde o início,
quase toda se volta para a manutenção dos erros que agasalham interesses, tantas
vezes espúrios e inconfessáveis, mas sempre por ela revestidos de um "make up"
brilhante, ainda que geralmente enganador.
* Texto escrito em 1991. (Nota do Autor)
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Em páginas que se vão seguir, procuraremos oferecer à inteligência dos que
venham a ler este trabalho alguns subsídios fundamentais para a compreensão do que,
realmente, jaz, tão cuidadosamente velado, no fundo da crise destes dias atormentados
em que o Ocidente, referto de bens materiais, vem se tornando moralmente indigente
e, do ponto de vista cultural, racionalmente ininteligível.
É o que começaremos a tentar já a partir do próximo capítulo.
CAPÍTULO V
O LONGO CAMINHO DE VOLTA AO BEZERRO DE OURO
Estamos perfeitamente conscientes de que um dos efeitos da prevalência da
propaganda a que temos feito . tão reiteradas referências - nem toda ela realizada com
clara consciência pelos seus autores, acerca do seu verdadeiro significado - consiste
numa espécie de disposição comodista a qual, a pretexto de pragmatismo geralmente
distorcido em sua significação, leva quase todos a absterem-se de reflexões
consideradas abstratas, ou teóricas. Ocorre, porém, que "o que os homens fazem,
depende do que eles pensam". E que, "a desordem que reina na sociedade, reinou
primeiro na mente e no coração daqueles que a compõem"!
Realmente, nenhuma realização do homem, existente no plano concreto, deixou
de existir, antes, em seu pensamento. Como, fora da visão holística, que visa abranger
os fatos do presente e os do passado que lhe deram origem, com identificação dos
nexos lógicos que os correlacionam e tornam compreensível o processo de que são
parte, fica muito difícil, senão impossível, apreender-lhes o significado e a dimensão,
teremos que pedir ao leitor que aquiesça em acompanhar-nos em resumidíssimo
retrospecto histórico-cultural, que, longe de mero diletantismo, esperamos venha a ser
de real utilidade - e nisso vai uma aspiração pragmática - para quantos desejem livrar-
se das "superstições" referidas já no começo deste trabalho. E isso nos recomenda a
utilidade de recuar até o século XIV, para focalizar uma dada colocação filosófica
que, em si mesma, de importância modesta, passou a influenciar, grandemente, o
pensamento ocidental, na criação de um novo "zeit-geist", um novo espírito de época,
muito à feição de interesses que já se haviam constituído e procuravam manifestar-se,
praticamente desde os primórdios da influência do cristianismo sobre o Ocidente. E a
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compreensão da índole e da gênese de tais interesses, na Europa, nos recomenda um
recuo ainda maior no tempo. Que os leitores nos relevem e se armem de paciência
para acompanhar-nos nesta marcha, que buscaremos tornar brevíssima, mas sem a
qual, parece-nos, torna-se impossível entender o que, de confuso, contraditório e
praticamente ininteligível, está presente e debilita a cultura a que todos pertencemos.
É necessário realçar que, efetivamente, como matéria de fato, não meramente
opinativa, aquela e a civilização a que pertencemos têm os seus fundamentos
assentados essencialmente na mensagem do cristianismo. Naturalmente, não é
possível ignorar a contribuição dada a esse contexto pelas tradições judaicas, nem
outras contribuições menores como, por exemplo, as representadas pela presença
árabe no Ocidente, além de influências da África negra e de culturas autóctones de
maior ou menor relevância. Essencialmente, porém, repitamo-lo, somos parte de
cultura e civilização de origem cristã.
Ora, para a visão do cristianismo existem, claramente estabelecidos, valores
permanentes, cuja realidade e pertinência não dependem de decisões humanas, eis que
assentam na Revelação. Segundo a mesma visão, o homem é um ser criado por Deus
à sua imagem e semelhança, porém decaído da graça em razão do que, em linguagem
religiosa, se denomina pecado original. Decaído, assim, da sua condição original, o
destino desejável do homem é a sua reintegração no seio do Criador e o desfrute da
Sua contemplação, em eterna bem-aventurança, destino tornado acessível pela
Redenção, com a qual foi reafirmada a Lei, e esclarecido o seu significado. Tudo isso,
é claro, do ponto de vista do cristianismo. Tal ponto de vista, entretanto, tem sido tão
desconsiderado, para não dizer, deliberadamente ocultado, que já é difícil mencioná-
lo, para que não soe falso ou "pouco objetivo". Em que, porém, consistiu o
Nominalismo há pouco referido, e qual a importância que veio a adquirir, não
diretamente, mas por via de conseqüência?
A resposta à questão acima, remete-nos a uma discussão epistemológica, que
em suas minúcias, ultrapassaria os limites deste trabalho e seria de difícil
entendimento para o leitor não especializado a que ele, essencialmente, se destina.
Cabe, entretanto, esclarecer que, essencialmente, ele se propôs negar a existência
objetiva dos universais, dos conceitos que, assim, não teriam existência concreta, fora
do domínio mental. Existiriam, portanto, objetivamente, e realmente, apenas os
objetos da nossa percepção sensorial; os conceitos não passariam, para citar as
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expressões de Ruscelino, de "flatus voces", sons vazios. William Ockham,
praticamente o iniciador do Nominalismo a que nos estamos referindo, por alguns não
é tido senão como um "nominalista moderado". De qualquer maneira, foi a sua obra
que, principalmente, suscitou a célebre "querela dos universais", colocando em
cheque, sobretudo, os excessos da escolástica. Na verdade, entretanto, servindo ele
aos interesses dos que pretendiam contestar a validade do pensamento contemplativo,
contribuía para desligar o homem da sua realidade interior e das suas ligações com um
Criador, situado fora da natureza e do alcance da sua percepção sensorial. Ao mesmo
tempo, é claro, impulsionava-o para a extroversão e para o estudo prioritário dos
fenômenos naturais.
Poderíamos dizer que o indutivismo de Francis Bacon, alguns séculos mais
tarde, de tamanha influência sobre a Enciclopédia, especialmente em razão dos bons
ofícios de Condillac e de Diderot, estava marcado claramente pelo Nominalismo a
que nos estamos referindo. Foi, assim, o referido Nominalismo, componente essencial
do extraordinário impulso à pesquisa dos fenômenos naturais, cujos frutos numerosos,
fecundos e surgentes rapidamente, deram origem a uma contrapartida negativa,
representada por uma espécie de "cientificismo" exaltador das capacidades da razão
humana, exaltação característica do Racionalismo, o mesmo que levou Immanuel
Kant a declarar, pouco adiante, que a humanidade alcançara a sua maioridade, já não
necessitando mais de nada que não fosse elaborado pela sua própria razão. Como se
vê, as correntes influentes de pensamento tendiam para uma disposição. cada vez
menos marcada pela religiosidade e pelos valores permanentes por ela, no caso da
nossa cultura, principalmente trazidos pelo cristianismo. Foi em tal clima cultural, em
meio a semelhantes tendências dominantes, que prosperaram e produziram
conseqüências sociais e políticas, os pensamentos de John Locke e de Jean-Jacques
Rousseau. O primeiro, como é notório, inspirador fundamental da Revolução
Americana de 1776, e o segundo, da Revolução Francesa de 1789. E quem
desconhecerá que a democracia, tal como vem sendo praticada e, de algum tempo a
esta parte, praticamente imposta ao mundo, especialmente ocidental, brotou daqueles
pensamentos e alimentou-se do clima a que fizemos alusão? Clima que tem sido,
continuamente, mais e mais difundido e adensado, com os resultados de paganização
crescente que, hoje, já o mais distraído dos observadores pode notar com clareza?
Paganização que tem produzido, invariavelmente, e por toda a parte, os frutos da
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degradação dos costumes, da corrupção cada vez mais extensa, dos vícios que
grassam, cada vez mais difundidos, da violência pessoal e institucional, sempre mais e
mais bestial e vergonhosa. Entretanto, como as idéias, segundo Novak, conseguem
prevalecer sobre os fatos, mesmo quando estes as desmentem frontalmente, consegue
não apenas manter-se como imperar, uma ordem de coisas, denominada democracia, a
despeito dos frutos assinalados que acima apontamos, e que tendem a agravar-se, na
medida em que continuem prevalecendo alguns de seus aspectos fundamentais, como:
a desconsideração de valores permanentes ou eternos, trazidos aos homens pela
Revelação, substituídos por um mero método para a tomada de decisões como,
indiscutivelmente, é a consulta à vontade ou à opinião da maioria. Tal opinião, ou
vontade, como já foi antes assinalado, é algo influenciável e volúvel não podendo,
pois, substituir valores permanentes e eternos, situados fora e acima daquela
volubilidade. O esquecimento de realidade tão evidente é que tem conduzido as
sociedades modernas a incorrerem no que se condena, por exemplo, no cap. V, vers.
16-23, da epístola de S. Paulo aos Gálatas, no qual se lê: "Digo-vos pois: Andai
segundo o Espírito e não os apetites da carne. Porque os desejos da carne são opostos
aos do Espírito, e estes aos da carne, pois são contrários uns aos outros. É por isso que
não fazeis o que quereries.
"Se, porém, vos deixais guiar pelo Espírito, não estais sob a Lei.* Ora, as obras
da carne são estas: Prostituição, impureza, desonestidade, idolatria, malefícios,
inimizades, contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos, invejas, homicídios,
embriaguez, orgias e outras coisas semelhantes, contra as quais eu previno como já
antes preveni: Os que as praticarem não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do
Espírito é: Caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade,
mansidão, temperança. Contra estas coisas, não existe lei."
Considere o leitor, porém, que, segundo a visão adotada pelo cristianismo, fonte
originária da nossa cultura - seja-nos permitido repetir mais uma vez - o homem é
uma dualidade consubstancial de corpo e alma, na qual coexistem, sempre e
necessariamente, em conseqüência do pecado original cometido pelos nossos
primeiros pais, tendências boas e más, as marcadas pela natureza espiritual e pela
natureza carnal, segundo a lição dada aos Gálatas, primeiramente e, após, a todos os
cristãos, pelo Apóstolo Paulo. Em acordo com essa lição, o caminho a seguir, pelo
homem, visando a uma vida futura de duração eterna, é um caminho difícil, eis que
* Na interpretação do mosaismo. (Nota do Autor)
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deve passar, não pela supressão dos impulsos carnais, mas pela sua disciplina
sublimadora, de modo a que cada vez mais e melhor se realizem as tendências do
espírito e dos frutos que elas podem produzir, descritos na última parte da transcrição
feita de trecho da epístola citada. Trava-se, nessa visão, no íntimo de cada ser
humano, um combate permanente entre o Bem aspirado pelo Espírito, e o Mal,
resultante da entrega exacerbada aos reclamos carnais. E estes últimos, é necessário
realçar, são mais próximos, em nossa fase de existência corpórea, clamando, por isto
mesmo, as suas vozes, muito alto e cada vez mais exigentemente, de vez que é, no
homem, indefinida a capacidade de crescimento de certos apetites, sendo limitada,
porém, a sua capacidade de atendê-los a todos plenamente. É justo que o homem se
alimente com satisfação, não lhe convindo, porém, a gula. Como é justo que satisfaça
o seu impulso genésico, mas não que se entregue à lascívia, como uma espécie de
objetivo de vida, pois seria este mutilador da sua realidade dual, por corresponder,
apenas, às exigências de seu componente carnal. O leitor percebe, é claro, a
instrumentalidade da noção de pecado e dos prejuízos decorrentes de sua prática.
Como percebe que, na medida em que tais conceitos e valores vão sendo
desacreditados em nome, por exemplo, do exercício de uma liberdade mal
conceituada, vão se instalando os frutos descritos como da carne na epístola, que neste
momento, serve de suporte às nossas considerações. Assim, as atividades humanas
voltadas, essencialmente, para o atendimento injusto das exigências ou dos reclamos
carnais, as atividades inspiradas pela concupiscência, sempre encontraram entraves na
ética decorrente da aceitação dos princípios do cristianismo em .nosso contexto
cultural. E, em tal contradição, entendemos, está a raiz mais profunda de grande parte
dos males que compõem a crise civilizacional que estamos vivendo, crise registrada e
mencionada por, praticamente, todos os autores que se têm ocupado com assuntos
dessa natureza; desde Berdiaeff e Splenger, até vultos mais recentes como, entre
outros, o de Arnold Toynbee, passando por mais de um Papa e mais de um documento
de origem pontificial.
E é aqui que nos permitiremos iniciar novo recuo histórico, ainda mais
profundo, para destacar detalhe importante do mundo pagão, ao tempo do domínio
romano. Àquele tempo, à retaguarda dos exércitos que marchavam para os confrontos
resultantes das políticas dos poderes a que obedeciam, era sempre identificada a
presença de algumas pessoas que não tinham interesse pela justiça, ou injustiça, das
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causas defendidas pelas forças em litígio, desejando, apenas, comerciar com elas, na
busca de lucros e proveitos materiais. Os evangelizadores cristãos, porém
originariamente provenientes do Oriente Médio, realizavam a sua obra, que progredia,
do Sul para o Norte da Europa. Ao mesmo tempo, desciam em sentido contrário,
tribos germânicas, constituídas por guerreiros notoriamente belicosos e que
buscavam, não uma nova ordem de idéias, mas a ocupação de espaços, com suas
riquezas, tornados disponíveis quando ocorreu a queda do império que até há pouco,
dominara a Europa. Ocorre, ainda, que com aquela queda, a ordem reinante nas
estradas construídas pela diligente administração romana desapareceu, em
conseqüência da retração do gládio das legiões, que até ali a mantivera. Com isso, as
referidas estradas passaram a ser extremamente inseguras, especialmente para os
possuidores de bens e de riquezas cobiçáveis. Entre eles, obviamente, os que,
anteriormente enriqueciam às expensas do comércio lucrativo com as. forças em
campanha. Entretanto, os evangelizadores a que já nos referimos, ao desempenharem
a sua tarefa junto aos guerreiros germânicos, também já mencionados, longe de
tentarem eliminar-lhes a belicosidade, buscaram sabiamente colocá-la a serviço da
nova ética que lhes era transmitida durante a catequese. E foi assim que,
essencialmente, surgiram os primeiros cavaleiros feudais, em torno de cujas
residências passou a reinar a segurança que havia desaparecido das estradas. É que os
evangelizados, herdeiros de tradição guerreira, punham agora, impregnados dos ideais
da fé cristã que haviam abraçado, as suas espadas e as suas lanças, ao serviço da
virtude e da justiça, na conformidade da nova visão da vida à que haviam aderido as
suas consciências. Dentre eles surgiram os personagens que povoaram, como
cavaleiros andantes, as lendas mais douradas da nossa infância e da nossa juventude.
Ocorre, porém, que tais cavaleiros, ao mesmo tempo em que buscavam reprimir as
violências e injustiças dos malfeitores, também buscavam impedir as transações
baseadas no desejo puro e simples, de levar vantagem em relação ao próximo. É que,
entendiam em sua visão da vida, o único móvel da atividade econômica, digno do
dever de um cristão, haveria de ser o suprimento. de suas necessidades e das carências
do seu próximo. Com isto, é claro, teve origem, já então, uma oposição de interesses
entre os que, antes, haviam andado atrás dos exércitos, na busca exclusiva de lucros,
os seus descendentes e os imitadores de suas atividades, mais lucrativas e menos
sacrificantes do que o amanho da terra e o apascentar dos rebanhos, e os cavaleiros
21
cristãos e seus inspiradores espirituais. O leitor, é claro, compreende que estamos
tentando oferecer-lhe um bosquejo, extremamente resumido, de fatos e circunstâncias
cujo tratamento mais circunstanciado exigiria, entre outras coisas, muito mais espaço
do que o que é compatível com o determinado para o presente trabalho. Entretanto,
parece-nos, aponta esse bosquejo para a raiz da oposição que, desde aquela época, e à
feição de suas características, se estabeleceu entre aspectos da atitude cristã diante da
atividade econômica e a dos que, na mesma atividade, objetivam, prioritariamente, a
auferição de lucros e vantagens materiais. O problema está colocado, neste momento,
em simplificação esquemática, mas põe, supomos, de fato em evidência, uma
antinomia que tem atravessado os séculos e cuja raiz, embora muitas vezes oculta ou
não aparente, consiste na maior ou menor ênfase a ser dada quanto aos objetivos da
vida e à felicidade passível de ser nela conquistada: ou devem eles levar em conta a
aceitação da vida eterna e da nossa responsabilidade nela tal como na cultura a que
pertencemos, é descrito este problema, ou centralizar as energias na satisfação das
necessidades do corpo e no aqui e agora da transitoriedade das nossas existências
biológicas que, como costumamos dizer, fugacíssimas transcorrem entre o nascimento
e a morte. A aceitação daquela responsabilidade, o leitor bem o entende, traz
conseqüências que haverão de projetar-se, praticamente, no dimensionamento que
deveremos dar às nossas vidas individuais e ao relacionamento com os nossos
semelhantes. Para dar um exemplo da importância da opção a que nos estamos
referindo, basta pensar, no processo produtivo, na sua orientação e nos tipos de
relações de produção a serem adotadas. É indispensável, neste caso, considerar o
trabalho, ou apenas em sua dimensão objetiva, representada pelos frutos materiais que
ele produz, ou também, e talvez prioritariamente, na dimensão subjetiva que pode ser
inferida já da leitura do livro do Gênese, quando o Criador de todas as coisas
determinou às suas criaturas: "Crescei, multiplicai-vos, e dominai toda a terra". Este
domínio, é claro, é feito por intermédio do trabalho, que é, assim, obrigação esculpida
na natureza do homem, para que se cumpra a vontade do Criador. Daí, obviamente, no
que tange sobretudo às relações de produção, existir uma diferença essencial entre a
visão dos que aceitam a ética cristã e a dos que a contestam ou, de maneira emoliente
no sentido do debate de idéias, simplesmente ignoram-na, quanto possível, na prática.
A compreensão, porém, de aspectos, para nós fundamentais, da realidade dos
dias que correm, recomenda-nos, em compromisso com a visão holística que nos
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propusemos adotar, volver ao fio da exposição que vínhamos seguindo, e na qual fora
assinalada a oposição existente, em matéria de atividades econômicas, entre os
cavaleiros cristãos e seus mentores espirituais, e aqueles que, naquelas atividades,
colocavam em primeiro plano, senão exclusivamente, o propósito de auferir vantagens
materiais. Claro que a estes últimos interessou, sempre, promover tudo quanto
surgisse capaz de criar dificuldades, de enfraquecer a fé, fonte animadora do novo
poder que se ia constituindo à medida em que avançava a evangelização. E tal
trabalho, tenaz, persistente - e tal persistência é compreensível na medida em que
persistia a oposição de interesses a que já nos referimos - foi produzindo os seus
frutos. Por exemplo, foi assim que surgiu, como tão bem o assinalou Mac Fadden, o
que ele designou como "liberalismo intelectual". Em que consistiria ele? Na
reivindicação, aparentemente até louvável, do livre exame dos textos do paganismo,
muitos dos quais vedados, pelo "index" da Igreja, única mantenedora dos centros de
estudos universitários da época, que não desejava se multiplicassem tendências
heréticas, por acaso resultantes da leitura de alguns daqueles textos. De fato o
cristianismo, àquele tempo, era ainda chama bruxuleante, ameaçada pelo sopro de
desvios doutrinários e heresias que, como todos sabem, não faltaram em seus
primeiros dias. A esse "liberalismo intelectual" seguiu-se, ainda segundo Mac Fadden,
o que ele designou como "liberalismo moral", consistente no descumprimento das
normas rígidas de conduta, característicos dos primeiros tempos de fervor religioso,
exatamente aquele fervor que os interesses a que nos estamos referindo, desejavam
atenuar, pela via da não sujeição às suas normas, de cristãos que, assim, a pouco e
pouco, se iriam "libertando". De fato, a instigação do propósito de não levar tão em
conta as recomendações e exigências da Igreja, acabou por desaguar na
insubordinação à autoridade de Roma, representada pela Reforma, pelo cisma do
cristianismo que ela representou, e cujas razões ou sem razões seria impertinente
discutir aqui, de vez que o que estamos propondo à consideração pela inteligência dos
leitores é apenas uma via, um caminho traçado pela antinomia entre a ética cristã em
matéria econômica, e os interesses por ela prejudicados. Tal antinomia, é claro, não é
suficiente para explicar todo o quadro; mas é, supomos, bastante para evidenciar o seu
principal motor, em consistência, em pujança e em continuidade de ação. Mas o que
poderíamos denominar de "espírito liberal" não parou aí. Como seria previsível,
transitou para o domínio político, tendo encontrado, ai, seus principais arautos, na
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Inglaterra, nos vultos, já citados, de John Locke e Hobbes e, na França, em Jean-
Jacques Rousseau e em muitos Enciclopedistas. É que, ao se contestar a autoridade de
Roma, a estabilidade de todos os tronos dos reinos cristãos, obviamente sofreu abalo
profundo, de vez que a autoridade dos reis era como que chancelada pela autoridade
papal. Como se vê, iniciativa aparentemente apenas de ordem intelectual, foi gerando
a progressão de um espírito de rebeldia em relação à autoridade espiritual suprema
daquele tempo, rebelião, é claro, que acicatada pelos reclamos dos impulsos
instintivos, fazia apelo crescente ao orgulho dos homens, colocando-lhes diante dos
olhos um reclamo por liberdade a qual, entretanto, não se definia quanto aos
contornos e limites do seu exercício justo - o que acabou por se corporificar
politicamente, na Revolução Americana de 1776 e na Revolução Francesa de 1789,
igualmente já mencionadas. Com elas, subia ao cenário político uma nova ordem que,
desconsiderando o referencial fixo, de conteúdo axiológico, representado pela
Revelação, mas reconhecendo a impossibilidade de organizar a sociedade na ausência
de quaisquer valores, estabeleceu a afirmação - ímpia do ponto de vista religioso -
segundo a qual "todo poder vem do povo"*. A proclamação em causa, em sua
essência, tem sido consagrada em todos os nossos textos constitucionais, inclusive no
que está atualmente em vigor. E, para operacionalizar essa disposição, instituiu-se a
adoção do critério da maioria, que não é outra coisa, repitamos, senão um método, por
vezes insubstituível, para a tomada de decisões. Mas, as maiorias são volúveis, como
já vimos, e suscetíveis de influências condicionadoras de suas preferências e opiniões.
Erigi-las, assim, em critério último e definitivo de sentido avaliador, ao desamparo de
um referencial axiológico fixo, é, de fato, tentar construir o edifício social sobre areia
movediça, suscetível, inclusive, de sofrer influências deletérias, desagregadoras e
corruptoras. Na ausência daquele referencial, é meridianamente claro que quanto
favoreça aos sentidos e à concupiscência em seu sentido mais amplo, poderá ser
manipulado, sobretudo em nome da liberdade - sempre anunciada sem contornos
precisos quanto aos limites do seu exercício - com relação ao qual o que se usa dizer,
com deplorável superficialidade, é que "o direito de cada um termina onde começa o
de outro". Ora, a mais ligeira reflexão mostrará que à pergunta sobre onde começa o
do outro, a única resposta consiste em dizer que é onde termina o do um...
Convenhamos que não se faz necessária demasiada exigência critica para verificar
que estamos diante de lamentável, para não dizer imperdoável, inconsistência.* Do ponto de vista cristão, dever-se-ia dizer: Todo poder vem de Deus e, para fins adequados, será exercido pelopovo ou por seus representantes, na conformidade de Sua Lei. (Nota do Autor)
24
De quanto foi dito até aqui, não é difícil ao leitor compreender que, na mesma
direção do enfraquecimento das exigências religiosas - em muitos casos contrárias à
transformação da atividade econômica em uma espécie de desalmado vale-tudo -
exigências voltadas, obviamente, em grande parte, para o aperfeiçoamento do espírito,
impunha-se a exaltação da "necessidade" de transformar os reclamos carnais em
“direitos", a serem proclamados e reivindicados em nome da liberdade. Mas daquela
liberdade que não se define quanto a objetivos nem quanto a limites, transformada,
portanto, em uma espécie de carta sem endereço. Ora, pelas razões já vistas, e por
tantas outras que poderiam ser acrescentadas, a liberdade dentro de uma perspectiva
cultural cristã deve ter sentido finalista, de sorte a dar conteúdo e clara inteligibilidade
a tão sublime aspiração do espírito, eis que no que diz respeito, estrita e tão somente,
ao corpo, o que de fato existe são apetites que reclamam satisfação. Tal satisfação,
assim, longe de libertadora, é restritiva e limitadora, mais aprisionando o homem,
estiolado por tal via em sua criatividade sem paralelo no mundo natural, à estrita e,
em tal sentido, aprisionante dimensão corpórea, sem projetos e sem amplitude.
Acreditamos, pois, que a esta altura, já se torna fácil compreender que o agnosticismo
o qual, na prática, impregnou, tanto a Revolução Francesa quanto a Americana, ambas
implementadoras de Estados laicos, e não apenas no sentido da separação, em nosso
entendimento salutar para ambas as Instituições, entre a Igreja e o Estado, levou ao
desprezo crescente pela disciplina decorrente de valores eternos fundados na
Revelação. Tal afirmativa é plenamente compreensível de vez que tratava-se,
exatamente, e assim tem sido feito ao longo do tempo, de esvaziar a influência da
Revelação cristã, sobretudo pelos seus efeitos lesivos aos interesses dos que
pretendiam, e pretendem, praticar a atividade econômica sem peias e sem
condicionantes superiores aos interesses materiais. Tais interesses, é claro,
correspondem mais à concupiscência em suas múltiplas formas, do que à obediência a
preceitos que levam à salvação na vida eterna, mais próprios dos reclamos do espírito.
Quando tenham aqueles interesses feito concessões à justiça, quase sempre o fizeram
sob pressão, no contexto da luta de classes. O século dezoito, portanto, berço de
ambas as Revoluções citadas, no campo cultural passou a apresentar, agudamente, o
fenômeno que temos denominado de interferência, por analogia ao que ocorre com
um receptor de rádio cujo seletor de freqüências esteja com defeito. Tal receptor
começa a amplificar não mais sons inteligíveis, mas silvos, estrondos, guinchos, em
25
desagradável algaravia. Do ponto de vista cultural, sobretudo o Ocidente, tem vivido,
ou sofrido, essa algaravia, desde quando, à altura do século dezoito foi-lhe superposta
a visão agnóstica e a disposição nominalista que, em última análise, lhe deu origem.
No século seguinte, não como uma ruptura, mas como um desdobramento
logicamente inteligível do longo processo iniciado muitos e muitos séculos antes,
fazia-se presente no cenário da História, o Materialismo Dialético, com os seus
corolários de Materialismo Histórico e de Comunismo, de certo modo conseqüentes à
oposição, já citada, entre a ética cristã e os que achavam conveniente esvaziá-la. O
leitor deve observar como, partindo da luta contra o vigor da influência religiosa e dos
valores permanentes que ela recomenda, chegamos, como fenômeno sem nenhum
precedente conhecido, à tentativa de organizar a sociedade dos homens, excluindo a
hipótese da transcendência e da existência de um Deus criador e providencial. Como
parte do percurso, o liberalismo agnóstico, com o seu laicismo, do ponto de vista da
cultura cristã, contraditório, a sua exaltação de um conceito impreciso de liberdade o
qual, pela inexistência de contornos e limites nítidos, enseja a transformação dos
reclamos instintivos em direitos, e suas práticas como necessariamente toleráveis e
freqüentemente objetos de promoção e exaltação. E tudo isso, é fácil entender,
significa uma marcha no rumo da paganização, em cujo bojo se realizam as
circunstâncias e realidades apontadas na epístola de São Paulo aos Gálatas,
anteriormente citada, como obras da carne, com a sua coorte de desarmonia, confusão,
corrupção, egoísmo, luta e sofrimento. Tudo característico do caos que brota e é
alimentado pelo "Pai da mentira desde o início", aquele mesmo que, ao rebelar-se,
bradou "Non Serviam", não servirei, a disposição básica, o traço, nem sempre
ostensivo, mas sempre presente, de todas as tendências que convergem para a
submissão aos impulsos instintivos, cada vez mais sem peias, exaltada em nome
daquela liberdade a que nos temos referido e a que se referiu Leão XIII em sua
encíclica "Libertas". Nós nos atrevemos, neste ponto, a recomendar, com ênfase, aos
leitores deste, pequeno trabalho, que não deixem, se puderem, de ler a referida
encíclica, contemporânea da famosa "Rerum Novarum". Esta, por referir-se à questão
operária, foi muito divulgada e tornou-se universalmente conhecida. "Libertas", por
colocar o dedo sobre a essência de um liberalismo político que, no plano filosófico,
corresponde ao naturalismo agnóstico, não foi promovida pelos interesses que
estamos apontando neste trabalho, pelos motivos óbvios que os leitores podem
26
perceber. As considerações até aqui propostas à análise pela inteligência do leitor,
supomos, ainda que extremamente sumárias, são suficientes para, em termos de
coerência com os fundamentos da cultura cristã a que pertencemos, revelar a clara
inadequação de aspectos fundamentais da democracia, tal como vem sendo concebida
e tenta impor-se a todas as sociedades do mundo; e para mostrar o quanto é superficial
e ingênua a suposição de que o dilema profundo presente à crise do mundo em que
estamos vivendo, em termos de ordenação social, consiste na oposição democracia x
ditaduras.
CAPÍTULO VI
O FALSO DILEMA
No final do capítulo anterior fizemos duas afirmações que cumpre, agora,
justificar. A primeira, referente à desarmonia existente entre uma ordem política e
social que, na prática, para a formulação dos seus instrumentos operacionais, política
e socialmente falando, desconsiderou a necessidade da observância de valores
permanentes que, vindos da Revelação, transcendem critérios meramente humanos
acerca da sua validade. Tais valores, como vimos, foram sendo erodidos por trabalho
pertinaz e multissecular, levado a cabo pelos interesses contrariados em tal ou qual
medida, pela ética deles decorrente, interesses cuja luta ao longo do tempo foi fazendo
prosélitos. Alguns, talvez a maioria, enganados por aspectos superficiais de uma
propaganda de efeitos verdadeiramente mágicos feita, sempre, ou quase sempre, com
ostentação de rótulos enganosos, mas atraentes. Um deles, talvez o principal, a
reivindicação por liberdade, como vimos anteriormente, colocada com imprecisão de
contornos e de limites referentes ao seu exercício, o que vem transformando, e todos,
a esta altura, podemos vê-lo como meridiana clareza, em licenciosidade, fora de
qualquer dúvida, muito mais própria de sociedades pagãs do que de uma sociedade
propriamente cristã. Entenda-se, desde logo, que não é nosso propósito tentar impor a
aceitação do cristianismo como postura religiosa e cultural necessariamente
observável por todos. O que queremos significar, e isto parece-nos fora de dúvida é
que sendo á cultura a que pertencemos fundada, essencialmente, na mensagem do
cristianismo, a erosão de seus valores fundamentais, a pouco e pouco substituídos
pelo ceticismo e por uma postura de caráter predominantemente naturalista e
27
agnóstico, constitui-se - e a realidade concreta o vem mostrando de maneira
claríssima - em um caminho de retorno ao paganismo e à corrupção que, do ponto de
vista cristão, o caracterizou. Em termos religiosos e dentro da ótica cristã, em um
retorno ao clima descrito por S. Paulo, em sua epístola aos Gálatas, que voltamos a
lembrar, correspondente à submissão aos reclamos da carne, cujos frutos são os
descritos pelo apóstolo e evidenciados pela observação das circunstâncias e dos
sintomas presente no mundo que nos cerca. Quem, observando este mundo, deixará
de concordar que, nele, de modo crescente, estão presentes "as obras da carne", nas
expressões do evangelista dos gentios: prostituição, impureza, desonestidade,
idolatria, malefícios, inimizades, contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos,
invejas, homicídios, embriaguez, orgias e outras coisas semelhantes?
Estamos conscientes de que nenhum homem conseguirá livrar-se totalmente de
suas más tendências e viver apenas para as obras do espírito, que ainda segundo o
mesmo evangelista, são: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade,
fidelidade, mansidão, temperança. Mas, se o clima cultural em que vivemos passa a
prestigiar, na prática, preferencialmente, as "obras da carne", fazendo-o, embora, em
nome da liberdade, aquela mesma que se recusa a definir com precisão de contornos e
de limites quanto ao seu exercício, alguém de bom senso haverá de supor que os
resultados possam vir a ser outros senão os do aumento do egoísmo mais brutal, com
todas as suas conseqüências, em todos os níveis e circunstâncias da vida, o
crescimento, entre tantos outros efeitos, da prática da injustiça e do exercício da
violência mais vergonhosa? Ainda agora, o mundo, estarrecido, assiste a uma
selvageria sem nome, praticada na disputa de um bem material - eis que ninguém é
tão ingênuo ao ponto de supor que o móvel da questão gira em torno da observância,
ou não, de normas jurídicas pertinentes ao convívio internacional. Será isto cristão ou,
claramente, algo mais próprio do paganismo mais perverso? O dilema profundo,
portanto, que está na raiz da crise dramática em que há muito tempo vimos
mergulhando - tenhamos a coragem de dizê-lo - não reside na oposição entre
democracia e ditaduras, mas entre cristianismo e paganização. E, ainda uma vez,
tenhamos a coragem de dizer que a chamada democracia, tal como vem sendo
concebida e, praticamente, imposta a todos, é concepção gestada no âmbito do clima
de interferência cultural a que já tivemos a oportunidade de referir-nos, sob a égide de
tendências cada vez mais claramente laicas, céticas, agnósticas ou, como foi tentado a
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partir do século passado, franca e cruamente materialista. Materialismo, de resto,
como o dissemos anteriormente, que não representou ruptura no processo cultural do
Ocidente, mas um seu desdobramento lógico, ainda que não necessário ou inevitável,
do qual o passo imediatamente antecedente foi dado pelas formas políticas resultantes,
essencialmente, dos pensamentos de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau. O
dilema profundo, assim, é paganização x cristianismo e, nele, a democracia, tal como
entendida e em fase de tentativa de imposição a todos, é mais aliada do primeiro do
que do segundo termo do referido dilema. Deveremos, por uso, repudiar a democracia
e supor que a alternativa válida para ela são as ditaduras? De maneira alguma.
Tenhamos, porém, a bravura de dizer que se torna imprescindível - se é que
desejamos salvar o que resta de cristianismo no mundo dos nossos dias - proclamar
que o ideal de governos que sejam representativos dos interesses justos e das
aspirações legítimas daqueles que eles irão jurisdicionar é eterno, por ser o único
compatível com a racionalidade com que o Criador dotou os seres humanos e com a
Justiça que deve presidir a vida e o convívio. entre eles. Por isso afirmou o
aquinatense: "Não é o reino que pertence ao rei; é o rei que pertence ao reino".
Quando falamos, porém, de interesses justos e de aspirações legítimas, estamos
evidenciando a necessidade da existência de referencial axiológico permanente que,
em nossa cultura, será o que decorre da Revelação. A substituição desse referencial
pelas decisões de maiorias eventuais, influenciáveis e volúveis, é um equívoco cujos
frutos estão aí, patentes diante dos olhos de todos. Pedimos ao leitor,
encarecidamente, que reflita, no âmago de sua consciência, sobre as ponderações que
estamos oferecendo à análise pela sua inteligência. São problemas muito profundos,
cuja apreensão é ainda mais dificultada pelo fascínio verdadeiramente mágico de
idéias repetidas milhões e milhões de vezes, a ponto de se transformarem em algo que
se passa a aceitar sem análise, nada obstante os resultados concretos que produzem e
que nos cercam e nos angustiam indiscutivelmente, as desmintam frontalmente. É o
fenômeno que mencionamos no inicio deste pequeno trabalho, apontado por Michael
Novak como um dos mais preocupantes do mundo moderno. Quanto às ditaduras e à
justa interpretação das suas motivações mais freqüentes, seja-nos permitido
acrescentar, novamente com coragem, verdades que nos parecem bastante evidentes,
o que buscaremos fazer no capítulo que irá seguir-se.
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CAPÍTULO VII
O QUE SÃO AS DITADURAS.
O DILEMA VERDADEIRO
O estabelecimento de uma ditadura no mundo moderno, obviamente pode ter
mais de uma causa. O certo, porém é que será muito ingênuo supor que a assunção do
poder por qualquer delas se torne viável na ausência de circunstâncias que sirvam de
motivo, ou de pretexto.
Por outro lado, é um dado que não pode deixar de ser levado em consideração,
o consistente no fato de que, na maioria absoluta das vezes, os regimes ditatoriais
resultam de iniciativas militares, sobretudo no Terceiro Mundo, a que pertencemos.
Ora, as alegações quanto às suas causas, consistentes em atribuí-las, tão somente, às
ambições pessoais de seus líderes, é uma superficialidade que não pode, sequer,
merecer a consideração de um exame mais demorado. Claro que a ambição dos
homens que aspiram ao poder é componente do fenômeno relativo à sua conquista,
mas não explica o fenômeno todo nem é exclusividade dele. É indispensável, pois,
que se levem em conta as características do contexto social que ensejou a subida ao
poder de um regime ditatorial. No caso brasileiro - é necessário ter-se a coragem de
dizê-lo, desde que se implantou a República, o processo político resultante
transformou-se em uma sucessão de sobressaltos, a que não faltaram rebeliões
militares e governos civis de exercício autoritário, como, notoriamente, foi o do
presidente Arthur Bernardes. Figura marcante dos bastidores do Movimento de Março
de 64, por exemplo, em matéria amplamente divulgada pela imprensa, assinalou
aqueles sobressaltos, designando-os como "sístoles" e "diástoles", por analogia com a
contração e a expansão do músculo cardíaco, no desempenho de suas funções. A
imagem, a nosso ver muito feliz, sê-lo-ia ainda mais, se aquele personagem tivesse
invertido a ordem dos termos usados, e falado de "diástoles" e "sístoles". À primeira
vista, a muitos haverá de parecer irrelevante a observação. Em nosso entendimento,
porém, é ela de capital importância para a compreensão da atribulada trajetória da
nossa vida republicana. É que a Constituição de 91, amplamente liberal, representou o
que, no funcionamento do coração, representa a dilatação daquele músculo, a cuja
dilatação sucede um aperto, ou "sístole". As idéias republicanas, como é sabido,
chegaram-nos impregnadas da embriagues resultante do clima intelectual da
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Enciclopédia, com o seu componente libertário, e apoiadas pela Maçonaria e pelo
Positivismo. Os que implantaram a República, fizeram-no por meio de um típico
golpe militar, contando para o seu sucesso com o apoio da influência, já mencionada,
do Positivismo no meio castrensa. Como se vê, tudo inteiramente dissociado, já não
diremos do apoio, mas do próprio conhecimento do povo, do que é sintoma a rebeldia
desencadeada em Canudos tanto tempo depois, tendo como uma de suas aspirações
centrais restaurar a monarquia, de vez que Antonio Conselheiro e os seus seguidores
consideravam a República, pura e simplesmente, "obra do demônio". Pressentiam,
assim, aqueles sertanejos, em sua rude simplicidade, que de fato ela contou com o
apoio e foi concebida por integrantes de forças e de interesses do tipo mencionado em
partes anteriores deste trabalho, como interessadas em esvaziar a fé religiosa e a
autoridade de governos e regimes cujo prestigio assentava na adesão àquela fé. A
observação que acabamos de fazer não significa, de nenhuma maneira, tentativa de
abrir discussão entre as excelências das monarquias e as das repúblicas. Mantivemo-
nos, ao fazê-la, em terreno puramente factual e descritivo, de vez que achamos que os
aspectos formais dos regimes políticos podem apresentar vantagens ou desvantagens,
mas que o grande problema não consiste essencialmente naquelas formas, mas nos
homens. Pode-se, perfeitamente, conceber uma república impregnada de ceticismo,
agnosticismo, e imprecisão quanto, por exemplo, ao conceito de liberdade, da mesma
maneira como ocorre às monarquias constitucionais modernas. Mas estávamos
falando das ditaduras e do fato delas, na maioria dos casos, nascerem de intervenções
do estamento militar na condução do processo político, e tal fato merece uma
explicação. Em nosso entendimento, é ela muito simples. É que, em toda a parte, as
Instituições militares têm formação conservadora e voltada, especialmente, para o
sentimento de que a elas compete, como parte dos seus deveres, garantir a defesa dos
valores fundamentais da nacionalidade a que pertencem. Os países do Terceiro
Mundo, como o temos dito tantas vezes são, em muitos aspectos da sua realidade,
inclusive nos que respeitam às suas superestruturas políticas, países de cultura reflexa.
Assim, idéias e formas políticas concebidas em outras sociedades, de configuração
sensivelmente diferente da dos que lhes importam aquelas idéias e formas, são como
que transplantadas, com um mínimo de adaptação, ou sem adaptação alguma, e
passam a sofrer o que temos chamado de "processos de rejeição", por analogia com os
que acontecem a tecidos estranhos, impostos a um organismo diferente daquele que os
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gerara. Foi assim em 189l - diástole inadequada ou irrealista em relação ao nosso
organismo social de então. Daí, problemas, crises e sístoles, às vezes determinadas
por intervenções militares. Mas, como já vimos em páginas anteriores, as formas
institucionais que convêm aos interesses que se opõem à ética do cristianismo, ou a
qualquer ética equivalente, sobretudo em matéria de atividades econômicas, oposição
que fazem desde os recessos da História, são transformadas em verdadeiras
superstições, aceitas pela maioria esmagadora de maneira praticamente acrítica. Foi
assim, entre nós, em Março de 64. Embora líderes políticos tentem hoje faltar à
verdade a respeito, a realidade é que estávamos, então, entregues à mais desenfreada e
reles demagogia, e a um passo de termos implantado em nosso pais, de cima para
baixo, um regime comunista, do mesmo tipo cujo fracasso, hoje, patenteia-se diante
dos olhos de todos. Nesse ponto, os militares, instigados pela maior parte da nossa
burguesia - que gosta dos exageros da liberdade, mas temia a implantação do
bolchevismo - e por parte ponderável do clero católico, animou-se, com o aplauso da
classe média, a derrubar o governo vigente e a instaurar um regime autoritário, que
hoje é caricaturado como uma negra ditadura. Politicamente, porém, estavam eles -
como imaginamos que continuam a estar-vitimados pela alienação consistente na
crença supersticiosa de que o que se tem denominado democracia entre nós,
representa algo perfeito ou, pelo menos, irretocável, de vez que, com a maior boa-fé e
comovente candura, continuam a falar de "normalidade democrática", sem sequer
parar um momento para refletir que a sua vigência, antes de 64, ensejara,
precisamente, a ordem, ou desordem das coisas contra as quais se haviam eles
insurgido. E, fiéis a tal concepção, acabaram por cumprir a promessa que todos os
governos anteriores haviam feito, de restaurar a "normalidade democrática" -
restauração que só não veio antes em virtude das guerrilhas urbana e rural
desencadeadas pelas alas mais radicais das esquerdas. No momento em que
escrevemos, estamos com seis anos de "normalidade", de diástole, pois. E o que foi
que melhorou na nossa realidade e no que tange aos interesses legítimos e aspirações
justas do povo? Aliás, como defini-los com firmeza, na ausência de um referencial
fixo, de conteúdo axiológico?
De quanto foi dito até aqui, parece-nos ter ficado claro que, de fato, o dilema
profundo não é, na prática, democracia x ditaduras, pois estas, nos casos mais singelos
a que acabamos de referir-nos, não nascem de movimentos contra a democracia, que
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consideram a "normalidade". Mas contra o que imaginam desvios e distorções
praticados por pessoas e grupos contra ela. Em alguns casos, uma vez no poder,
ditadores e seus amigos, por motivos ainda mais insignificantes e desprezíveis
agarram-se a ele, nunca, porém, falando a respeito, em campo doutrinário ou, ainda
menos, propriamente teórico. Em nosso século, talvez as únicas exceções, fora do
campo do socialismo marxista, foram os regimes fascista, nazista e, até certo ponto, o
salazarista, o franquista e o integralismo que, entre nós, porém, não chegou ao poder.
Sem que isto signifique que eles foram excelentes ou, sequer, representaram
alternativas válidas para a ordem política baseada no ceticismo e impregnada de
agnosticismo naturalista que tantos consideram tão perfeita que, fora dela, tudo seria
anormal, parece-nos que os historiadores do futuro, quando se debruçarem sobre
aspectos essenciais da crise dos nossos dias, encararão aquelas exceções fora do
campo do marxismo, como espasmos, estertores de reação contra as forças de
destruição da ordem fundada na admissão de valores eternos, e em uma disposição
não nominalista, embora provavelmente nem sempre consciente em seus líderes e em
seus adeptos.
O dilema profundo, portanto, repitamo-lo ainda uma vez, que está na raiz da
crise dramática que estamos vivendo, em nosso entendimento não é pelas razões
vistas, representado por democracia x ditaduras mas, na verdade, por paganização x
cristianismo. As formas de organização social e política só serão aperfeiçoadas, em
termos da visão da cultura a que pertencemos, quando forem concebidas por quem
aceite, de maneira consciente, os princípios norteadores da conduta individual e social
que defluem do cristianismo e quando forem usadas por pessoas e grupos de mesma
inspiração. É preciso compreender que a questão de fundo reside na paganização
crescente que continua em curso e da qual, digamo-lo com coragem, faz parte, pelos
erros que agasalha em seus próprios alicerces, a democracia liberal, que tantos
interesses se esforçam para fazer supor que é obra humana - a única aliás - acabada,
perfeita e, portanto, irretocável.
O campo de batalha da reação contra a crise cruel em que vamos mergulhando,
e esta é uma verdade de dramática importância, está na mente e no coração dos
homens, pois, segundo Fulton Sheen, já citado, "a desordem que reina na sociedade
reinou primeiro no coração e na mente daqueles que a compõem".
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Muito, ainda, resta por dizer. O tamanho deste trabalho não permitiria fazê-lo
agora. Consentindo Deus, tentaremos realizá-lo em próximo livro* em que possam ser
ventilados assuntos que não foram, por agora tocados, bem como ampliar o
tratamento, aqui apenas aflorado, de alguns outros. Por enquanto, por favor, meditem
os leitores no conteúdo deste despretensioso trabalho.
* O livro em questão foi escrito e já está em 2a edição. O seu título é: "OS SOFRIMENTOS E O CAOS DESTEFINAL DE SÉCULO" e o subtítulo é: "SUAS VERDADEIRAS CAUSAS E A RESTAURAÇÃO, POSSÍVEL,DA JUSTIÇA E DA PAZ".(N.A.)