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DELIMITAÇÃO E ANÁLISE DO GEOSSISTEMA CAMPOS MARAJOARAS – ESTADO DO PARÁ Juliana de Paula Silva – Universidade de São Paulo – [email protected] Luis Waldyr Rodrigues Sadeck – Sistema de Proteção da Amazônia – [email protected] Sérgio Alberto Queiroz Costa – Sistema de Proteção da Amazônia – [email protected] RESUMO Segundo Monteiro (2001) a análise geossistêmica é uma forma de investigação da geografia física que visa promover uma maior integração entre o natural e o humano. A delimitação de geossistemas pode servir como meio de percepção da qualidade ambiental e para atingir-se a prognose geográfica, imprescindível para a aplicação da geografia no planejamento. Neste estudo a área recoberta por campos naturais na Ilha de Marajó/Estado do Pará, denominada Campos Marajoaras, foi analisada através da abordagem sistêmica a fim de explicar como os elementos naturais e humanos interagem na paisagem formando um geossistema. Para tanto foram realizados uma revisão bibliográfica sobre a região, trabalhos de campo, sobrevôo da área e análise de mapas, imagens de satélite e dados hidro- meteorológicos. A área é composta por campos limpos com predominância de vegetação herbácea, campos mistos cujas pequenas oscilações da topografia favorecem a vegetação arbustivo-arbórea e ilhas de matas e capões que se desenvolvem nas áreas onde a topografia mais elevada diminui o efeito da inundação. Esta dinâmica paisagística é controlada principalmente pelo fator hidrológico resultante da interação dos elementos do clima e a dinâmica marinha regional. Apesar da baixa densidade populacional existente no local não alterar a paisagem significativamente, constatou-se que este geossistema apresenta uma alta fragilidade potencial, pois, apesar da pequena declividade, a fragilidade dos solos é bastante elevada. Indícios desta fragilidade foram encontrados em sulcos e ravinas originados pelo pisoteio do búfalo (gado predominante na região). Verificou-se também que se trata de um geossistema extremamente dinâmico, cujos limites com os sistemas vizinhos (mangue, savanas e florestas) estão em constante migração resultante de ajustes decorrentes de variações dos elementos que os compõe. ABSTRACT According to Monteiro (2001) geosystemic analysis is a form of investigation of the physical geography that intends to promote a greater integration between the natural and the human aspects. The geosystems delimitation can be suitable as a way of perception of the environmental quality and for achieving the geographic prognosis, which is essential to the application of geography in planning. In this study the area covered by natural fields at Ilha de Marajó/Estado do Pará, denominated Campos Marajoaras, has been analyzed through a systemic approach with the objective of explaining how the natural and human elements interact in the landscape forming a geosystem. To accomplish that a bibliographic revision of the region has been made, as well as field work, a flight over the area, and analysis of maps, satellite images and hydro-meteorological data. The area is composed of grasslands

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DELIMITAÇÃO E ANÁLISE DO GEOSSISTEMA CAMPOS MARAJOARAS – ESTADO DO PARÁ

Juliana de Paula Silva – Universidade de São Paulo – [email protected] Luis Waldyr Rodrigues Sadeck – Sistema de Proteção da Amazônia – [email protected] Sérgio Alberto Queiroz Costa – Sistema de Proteção da Amazônia – [email protected]

RESUMO

Segundo Monteiro (2001) a análise geossistêmica é uma forma de investigação da geografia física que

visa promover uma maior integração entre o natural e o humano. A delimitação de geossistemas pode

servir como meio de percepção da qualidade ambiental e para atingir-se a prognose geográfica,

imprescindível para a aplicação da geografia no planejamento. Neste estudo a área recoberta por

campos naturais na Ilha de Marajó/Estado do Pará, denominada Campos Marajoaras, foi analisada

através da abordagem sistêmica a fim de explicar como os elementos naturais e humanos interagem na

paisagem formando um geossistema. Para tanto foram realizados uma revisão bibliográfica sobre a

região, trabalhos de campo, sobrevôo da área e análise de mapas, imagens de satélite e dados hidro-

meteorológicos. A área é composta por campos limpos com predominância de vegetação herbácea,

campos mistos cujas pequenas oscilações da topografia favorecem a vegetação arbustivo-arbórea e

ilhas de matas e capões que se desenvolvem nas áreas onde a topografia mais elevada diminui o efeito

da inundação. Esta dinâmica paisagística é controlada principalmente pelo fator hidrológico resultante

da interação dos elementos do clima e a dinâmica marinha regional. Apesar da baixa densidade

populacional existente no local não alterar a paisagem significativamente, constatou-se que este

geossistema apresenta uma alta fragilidade potencial, pois, apesar da pequena declividade, a

fragilidade dos solos é bastante elevada. Indícios desta fragilidade foram encontrados em sulcos e

ravinas originados pelo pisoteio do búfalo (gado predominante na região). Verificou-se também que se

trata de um geossistema extremamente dinâmico, cujos limites com os sistemas vizinhos (mangue,

savanas e florestas) estão em constante migração resultante de ajustes decorrentes de variações dos

elementos que os compõe.

ABSTRACT

According to Monteiro (2001) geosystemic analysis is a form of investigation of the physical

geography that intends to promote a greater integration between the natural and the human aspects.

The geosystems delimitation can be suitable as a way of perception of the environmental quality and

for achieving the geographic prognosis, which is essential to the application of geography in planning.

In this study the area covered by natural fields at Ilha de Marajó/Estado do Pará, denominated Campos

Marajoaras, has been analyzed through a systemic approach with the objective of explaining how the

natural and human elements interact in the landscape forming a geosystem. To accomplish that a

bibliographic revision of the region has been made, as well as field work, a flight over the area, and

analysis of maps, satellite images and hydro-meteorological data. The area is composed of grasslands

with the predominance of herbaceous vegetation, mixed fields whose small topography oscillations

favor a bush-arboreous vegetation and forest patches that occur in areas where the more elevated

topography decreases the effects of flooding. This dynamic is controlled mainly by the hydrological

factor resulting of the interaction of climate and regional maritime dynamic. Even though the low

population density of the area does not change the landscape significantly, this geosystem presents a

high potential frailty, given that, besides presenting a small declivity, the soil fragility is very elevated.

Evidences of this fragility have been found in grooves and ravines originated by the constant stepping

of buffalos (predominant cattle in the region). It has also been verified that it is an extremely dynamic

system, whose boundaries with adjacent systems (mangrove, tropical savannas and forests) are

constantly migrating as a result of adjustments made by variations of the elements composing them.

INTRODUÇÃO

A aplicação da teoria dos geossistemas como base para estudos ambientais no Brasil ainda é

extremamente subutilizada, apesar de ser uma das formas mais completas de abordagem para

diagnósticos aplicados ao planejamento ambiental. Segundo Monteiro (2001, p. 103) nada indica que

conceito de geossistema tenha se transformado em paradigma para a geografia, nem mesmo para a

geografia física no Brasil. Apesar de despertar interesse e ser utilizado por vários pesquisadores o

conceito continua abstrato e irreal mesmo passados 30 anos de suas primeiras aplicações no Brasil.

Segundo Monteiro (2001, p. 47 e 48) a análise geossistêmica é uma tentativa de melhoria na

investigação da geografia física visando promover uma maior integração entre o natural e o humano.

Seu estudo pode ser um meio de atingir-se a prognose geográfica, imprescindível para a aplicação da

geografia no planejamento.

Monteiro também relata que, no seu trabalho, busca detectar geossistemas como meio de percepção da

qualidade ambiental, sugerindo manchas dotadas de alguma solidariedade espacial, plasmada

sobretudo pela ação humana (p 102).

Este trabalho teve como objetivo a delimitação do geossistema campos marajoaras, sua caracterização

e análise através de uma abordagem sistêmica a fim de integrar dados físicos e sócio-econômicos

como subsídio para o planejamento sócio-ambiental.

O arquipélago do Marajó situa-se na foz do Rio Amazonas aproximadamente entre os paralelos

00o00’00” e -02 o00’00” e os meridianos -48o00’00” e -51o00’00” (figura 1).

Figura 1: Mapa de Localização dos Campos Marajoaras segundo IBGE, 2004

Segundo IBGE (2000) a mesorregião do Marajó abrange 3 microrregiões, duas delas compostas de

municípios pertencentes ao arquipélago (MRG do Arari e MRG do Furo de Breves) e uma composta

de municípios com sedes em áreas continentais (MRG de Portel). As áreas de campos objeto deste

estudo estão totalmente inseridas na microrregião do Arari. A Mesorregião do Marajó engloba 16

municípios, a maioria deles com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)

extremamente baixos (tabela 1).

MES

OR

REG

IÃO

DO

MA

RA

MICRORREGIÃO MUNICÍPIO IDHM 1991 IDHM 2000

ARARI

Cachoeira do Arari 0,60 0,68 Chaves 0,53 0,58 Muaná 0,58 0,65

Ponta de Pedras 0,61 0,65 Salvaterra 0,65 0,72

Santa Cruz do Arari 0,60 0,63 Soure 0,68 0,72

FURO DE BREVES

Afuá 0,51 0,61 Anajás 0,47 0,60 Breves 0,53 0,63

Curralinho 0,52 0,60 São Sebastião da Boa Vista 0,60 0,67

PORTEL

Bagre 0,50 0,57 Gurupá 0,51 0,53 Melgaço 0,42 0,53

Portel 0,51 0,61 Tabela 1: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) – fonte: IBGE, 2000 Este baixo IDHM motivou o Ministério da Integração no ano de 2006 a criar o Grupo Executivo

Ministerial (Decreto de 26 de Julho de 2006) e o Governo do Estado do Pará a criar o Grupo Executivo

do Estado do Pará (Decreto de 30 de julho de 2007) com o objetivo de elaborar o Plano de

Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó. Este documento foi lançado em

dezembro de 2007 e traz como principal objetivo “a partir da ação articulada dos diversos níveis de

governo e da sociedade civil, implementar um novo modelo de desenvolvimento local, pautado na

valorização do patrimônio natural e na dinamização das atividades econômicas sustentáveis, com

inclusão social e cidadania” (CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007 p. 74). O

documento é composto pela caracterização da área (diagnóstico sócio-econômico), objetivos, diretrizes

gerais e ações prioritárias.

Após análise do documento chegou-se à conclusão de que o diagnóstico, especialmente em seus

aspectos físicos, foi realizado de forma segmentada, fato que dificulta a compreensão dos ambientes de

forma integrada, comprometendo todas as fases posteriores do planejamento e prejudicando os

resultados esperados.

A proposta deste trabalho foi analisar os dados de uma porção deste território (campos marajoaras) de

forma sistêmica a fim de aplicar o conceito geográfico de geossistema como uma forma diferenciada

de produzir um diagnóstico sócio-ambiental como base para o planejamento.

MATERIAL E MÉTODO

Segundo Klir (1987), embora a noção de sistema seja antiga, o conceito de sistema geral e a idéia da

teoria geral dos sistemas são relativamente recentes. Ludwing Von Bertalanffy a esboçou pouco antes

da Segunda Guerra Mundial, mas a mesma só teve publicidade quando se formou a Sociedade para o

Progresso da Teoria Geral dos Sistemas em 1954, que mais tarde foi chamada de Sociedade para

investigação dos Sistemas Gerais (Vale, 2004, p.17). Bertalanffy publicou o livro Teoria Geral dos

Sistemas em 1968, sendo que apenas em 1975 este foi traduzido para o português.

A definição de sistemas é bastante discutida e encontrada na obra de vários autores. Algumas

definições são apresentadas a seguir:

“Um conjunto de objetos com relações estreitas entre si e entre seus atributos”. (HALL e

FAGAN, apud Chorley 1971 p. 4)

“Conjunto de objetos ou atributos de suas relações, que se encontram organizados para executar

uma função particular. Dessa forma o sistema é um operador que em um determinado lapso de

tempo recebe a entrada (input) e o transforma em saída (output)”. (THORNES & BRUBSDEN,

1977 apud Vale, 2004 p.23)

“Conjunto de unidades em relações entre si e o seu grau de organização permite que assuma

função de um todo que é maior que a soma de suas partes”. (MILLER, 1965 apud Vale, 2004

p.23)

“Os sistemas são constituídos de conjuntos de componentes que atuam juntos na execução do

objetivo global do todo. O enfoque sistêmico é simplesmente um modo de pensar a respeito

desses sistemas totais e seus componentes”. (CHURCHMAN, 1972 apud Vale 2004, p.23)

O estudo dos geossistemas é mais recente e foi iniciado na década de 60 na então União Soviética. Os

Geossistemas, de acordo com as proposições de SOTCHAVA (1976), são “sistemas territoriais

naturais que se distinguem na envoltura geográfica, em diversas ordens dimensionais,

generalizadamente nas dimensões regional e topológica. São subsistemas da envoltura geográfica

sendo ela própria um geossistema de nível planetário. Assim a "Geographical Cover", durante a sua

longa e complexa história de desenvolvimento, deu lugar a diversas condições naturais que,

independentemente da ação e presença humana, organizaram-se num elaborado sistema de complexos

físico geográficos (geossistemas). São constituídos de componentes naturais inter-condicionados e

inter-relacionados em sua distribuição, desenvolvendo-se, no tempo, como parte do todo.

Caracterizam-se por suas condições lito-estruturais, seu relevo, o clima, as águas sub-superficiais e

superficiais, os solos, as comunidades vegetais e animais e por seu funcionamento e sua dinâmica,

numa interação complexa - como um sistema aberto”. (MELO, 1997)

Segundo Christofoletti os geossistemas "representam a organização espacial resultante da interação

dos elementos componentes físicos da natureza, possuindo expressão espacial na superfície terrestre e

representando uma organização (sistema) composta por elementos, funcionando através de fluxos de

energia e matéria. As combinações de massa e energia, no amplo controle energético ambiental poderá

criar heterogeneidade interna no geossistema, expressando-se em um mosaico paisagístico.

Independentemente da ação e presença humana, a natureza, físico-biológica do sistema terrestre

organiza-se ao nível dos ecossistemas e geossistemas" (CHIRISTOFOLETTI, 1997).

A Teoria Geral dos Sistemas propõe que os sistemas podem ser definidos como conjunto de elementos

com variáveis e características diversas, que mantém relações entre si e o meio ambiente. A análise

poderá estar voltada para a estrutura desse sistema, para seu comportamento, para as trocas de energia,

limites, ambientes ou parâmetros (GREGORY, 1992 apud Rodrigues, 2001 p. 72)

A análise procurou seguir as orientações encontradas no arcabouço metodológico da teoria dos

sistemas, especialmente na integração dos dados obtidos através de diversas fontes.

Primeiramente foi realizada revisão bibliográfica da área. Não foram encontrados estudos envolvendo

diretamente o geossistema “campos marajoaras”. A maior parte dos trabalhos engloba todo o

arquipélago (AMARAL, 2007; CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007; LIMA et

al; 2005; COSTA et al 2002, entre outros) ou, em outros casos, somente a borda leste da Ilha, regiões

mais próximas de Belém e de melhor acesso para trabalhos de campo (FRANÇA, 2003, 2006). Há

também estudos realizados em domínios vegetais específicos (matas de terra firme ou várzea).

As informações foram agrupadas e confrontadas com dados primários (IBGE, RADAMBRASIL,

INMET) e posteriormente tratadas de forma integrada.

Foi realizado sobrevôo no dia 12 de outubro de 2008 e trabalhos de campo na área a fim checar os

dados levantados e obter fotografias panorâmicas para ilustrar a descrição do geossistema, bem como

registrar eventos importantes observados em campo.

Para delimitação do geossistema de forma cartográfica foram utilizadas 3 imagens Landsat TM

(224/060 de 21/08/2008, 224/061 de 21/08/2008 e 225060 de 11/07/2008). As imagens foram

registradas e classificadas através do método isodata (não supervisionado) no software ENVI 4.6. Cada

imagem foi classificada separadamente utilizando-se 20 classes iniciais. As classes foram

posteriormente agrupadas nas categorias água, mata, cerrado, campos, nuvem, sombra e praia. Em

seguida foi aplicado um filtro majoritário 3x3 seguido de edição visual, necessária para eliminar

alguns problemas encontrados na classificação automática, tais como bordas de nuvens confundidos

com campos, e áreas de campos alagados confundidos com a hidrografia.

Terminado o processo de edição, a classe campos obtida em cada imagem foi exportada em formato

vetorial para o software ArcGIS 9.2 para união e generalização cartográfica compatível com a escala

de apresentação. Foi realizado também um mosaico com 6 imagens landsat TM (223/060 de

03/08/2001, 223/061 de 03/08/2001, 224/060 de 21/08/2008, 224061 de 21/08/2008, 225060 de

11/07/2008 e 225061 de 11/07/2008) para visualização no layout final (figura 2).

A principal dificuldade encontrada no processo de classificação automática foi a presença de nuvens

nas imagens ópticas pesquisadas no ano de 2008.

Figura 2: delimitação da área dos campos marajoaras

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Estudos recentes apontam evidências de que o arquipélago se separou do continente num tempo

geologicamente bastante recente, provavelmente já no Holoceno (10 mil anos antes do presente).

Antes deste período, o Rio Tocantins cortava toda a região no sentido norte em direção ao oceano, até

que falhas tectônicas desviaram seu curso para nordeste. Este processo foi seguido pela criação do rio

Pará, no sul da ilha, refletindo sistemas de falhas com direção principal E-W, o que culminou com a

total separação da ilha do Marajó do continente (ROSSETI, 2006 apud AMARAL, 2007 – pag. 15).

Atividades neotectônicas, oscilações do nível do mar e influência da dinâmica costeira deram origem a

uma grande diversidade de feições morfológicas inseridas em duas grandes Unidades: 1 – Planalto

Rebaixado da Amazônia; 2 – Planície Amazônica (FRANÇA, 2003).

Figura 3: Mapa das Unidades morfoestruturais da Ilha de Marajó (adaptado de Radam 1974 apud FRANÇA, 2003)

De acordo com França (2003) a planície é constituída de sedimentos lamosos e arenosos quaternários

de origem fluvio-marinha eólica. As cotas topográficas não ultrapassam 5 m e sua abrangência vai de

leste a oeste até onde chega a influência das marés. O geossistema campos salinos está inserido na sub-

unidade definida pela autora como “Planície lamosa de supramaré”, constituída por sedimentos

clásticos quaternários, cuja origem está relacionada aos processos de afogamento e colmatagem de

paleocanais, que ligavam o interior da Ilha de Marajó à Baía de Marajó e Oceano Atlântico, entre o

Pleistoceno Superior e o Holoceno (Bemerguy 1981; Vital 1988; Costa et al. 2002 apud França, 2003).

Durante o período chuvoso (dezembro a maio) o regime é controlado pela pluviosidade, sendo

secundária a influência das marés. No Período seco (junho e novembro), a menor quantidade de chuva

favorece a maior penetração das marés, tornando salobra a água superficial.

De acordo com a classificação de Koppen o clima predominante na área é do tipo AF – Clima tropical

úmido, com o mês mais seco tendo uma precipitação média maior ou igual a 60 mm. A amplitude

térmica é muito baixa e os dias tem a mesma duração das noites. A única estação meteorológica da

área é a estação de Soure cujos dados pluviométricos foram sistematizados conforme gráfico 1. A alta

pluviosidade verificada no período chuvoso que vai de dezembro a maio é decorrente da forte

influência da ZCIT que está posicionada na região durante esta época do ano.

O período seco, que vai de junho a novembro ocorre devido à migração da ZCIT para o hemisfério

norte, diminuindo a umidade trazida pelo sistema. Além disso a proximidade com o oceano faz com

que a brisa leve a umidade para áreas a oeste da ilha, cobertas por florestas de terra firme. Na época

das secas as temperatura sofrem pequena elevação em decorrência da menor umidade.

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Prp. - Precipitação Total

Fdp - Frequência de Dias com Precipitação

Gráfico 1: Precipitação total e freqüência de dias com precipitação – série histórica de 1929 a 2008 (INMET, 2008)

Na região geomorfológica denominada Planície lamosa de supramaré, onde o clima apresenta de forma

marcante uma estação seca e outra chuvosa encontra-se a vegetação de campos naturais sazonalmente

alagados chamados campos marajoaras. Devido a oscilações do clima decorrentes de elementos que

influenciam a circulação atmosférica como El Nino, La Nina e Temperatura do Atlântico Norte, as

chuvas anuais apresentam-se mais ou menos abundantes (gráfico 2), modificando os balanços de

entrada e saída de energia. Este fato ocasiona uma constante migração do geossistema com os sistemas

vizinhos (mangues, savanas e florestas). Em escala detalhada, esta migração é sensível em curtos

períodos de tempo (figura 4) e mostra como a entrada de material trazida pela chuva e pela maré

controlam o balanço do geossistema.

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Precipitação TotalTemperatura de Superfície do Mar - Pacífico (El Niño (1+2)Temperatura de Superfície do Mar - Atlântico NorteZ(i) > 1 Anomalia PositivaZ(i) < -1 Anomalia Negativa

Gráfico 2: Influência da TSM do Pacífico e Atlântico Norte na Precipitação Total – série histórica de 1950 a 2008

(INMET, 2008)

Figura 4: pequenas migrações nos limites do geossistema observado nas imagens 224/060 de 01/08/2001 e 21/08/2008

A interação desses elementos gerou solos hidromórficos dos tipos Gley, Laterita e Solonchak

(RADAMBRASIL, 1974). Há indícios, encontrados em sulcos e ravinas originados pelo pisoteio do

búfalo (gado predominante na região) - (figura 5), de que tratam-se de solos com alta fragilidade aos

processos erosivos.

Figura 5: Evidencia de degradação decorrente do pisoteio do gado

(fotografia: Carlos Tadeu de Carvalho Gamba – 11/10/2008)

Segundo AMARAL (2007), os campos do Marajó apresentam diferentes feições de acordo com a

posição topográfica e a influência da rede de drenagem fluvial. Além dos campos úmidos limpos, com

predominância de elemento herbáceo, existem os campos mistos com “mondrongos”, correspondendo

a pequenas oscilações na micro-topografia que favorecem o estabelecimento do estrato arbustivo-

arbóreo. Existem ainda os campos com ilhas de mata e capões, de tamanhos e formas variados. Essas

ilhas geralmente se desenvolvem nos “tesos”, zonas de topografia mais elevada, onde geralmente os

efeitos da inundação não se fazem sentir. (pag. 16-19) - (figuras 6 e 7).

Figura 6: Fotografia panorâmica evidenciando a distribuição da vegetação relacionada com a microtopografia. (fotografia:

Carlos Tadeu de Carvalho Gamba – 12/10/2008)

Figura 7: Campos limpos e vegetação arbóreo-arbustiva ao fundo (fotografia: Carlos Tadeu de Carvalho Gamba –

11/10/2008)

Apesar do arquipélago do Marajó apresentar uma ocupação muito antiga (há indícios de culturas pré-

coloniais de vida sedentária há cerca de 5000 A.P. especialmente pela ocorrência de sambaquis), a

densidade demográfica na região dos campos é extremamente baixa. A microrregião do Arari, que tem

a maior parte da área recoberta por campo naturais, tem uma média de 4,11 hab/km2 segundo dados do

IBGE (2000).

As fazendas de criação de búfalo e o extrativismo vegetal são as atividades mais importantes na região.

As atividades são realizadas sem nenhum tipo de manejo ou práticas ambientalmente corretas. A

atividade agrícola é quase nula nessa região.

É grande o isolamento geográfico, especialmente no período denominado localmente de inverno

(dezembro a maio) quando a área permanece alagada, inviabilizando o transporte terrestre. Este fato

gera grandes problemas para a população, especialmente relacionados à educação e saúde. Os baixos

números de IDH apresentados na tabela 1 são decorrentes de fatores como baixo número de médicos e

leitos por habitante, carência de obras de infra-estrutura que geram uma elevada mortalidade infantil,

desnutrição, malária, óbitos por doenças parasitárias, taxas elevadas de analfabetismo, condições

inadequadas de moradia e elevado número de domicílios sem energia elétrica (IBGE, 2000 apud

CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007 pag 53-54).

A ausência do poder público também é marcante seja pelo baixo número de funcionários nas

prefeituras com curso universitário seja pela ausência de atividades culturais ou esportivas.

Outro grande problema da região é a questão da regularização fundiária. Os moradores da região, com

raras exceções, são posseiros nas áreas onde moram e realizam suas atividades produtivas. “A

regularização fundiária dos imóveis localizados nas ilhas que se situam no estuário do rio Amazonas,

onde se faz sentir a influência das marés, representa um verdadeiro desafio, seja para o poder público,

seja para as populações locais. A legislação em vigor não se adapta à realidade amazônica. Questões

de fundamental importância para as populações tradicionais que ocupam estas ilhas não encontram

amparo no ordenamento jurídico brasileiro, ao não esclarecer qual a modalidade da regularização

fundiária permite o uso sustentável dos recursos naturais”. (Treccani, 2003 apud CASA CIVIL DA

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007 pag 22).

A Área de Proteção Ambiental (APA) do Marajó abrange toda a extensão da ilha, entretanto, como

ocorre na maioria das APAs brasileiras não há um plano de manejo e fiscalização ambiental adequadas

a este ambiente extremamente rico e peculiar. Existem outras unidades de conservação no arquipélago,

mas nenhuma abrange as áreas de campos alagáveis do centro leste da ilha.

Além dos problemas sociais descritos e apesar da baixa densidade demográfica, foram encontrados

indícios de degradação ambiental gerados pela pecuária bufalina (figura 5). Apesar da baixa

declividade a fragilidade ambiental na área é muito alta devido principalmente aos solos hidromórficos

da região.

O diagnóstico sócio-ambiental realizado sob esta perspectiva aponta graves problemas tanto sócio-

econômicos quanto ambientais. A proposta de ações para elevar a qualidade de vida da população deve

ser realizada levando em consideração os processos naturais complexos da região.

CONCLUSÕES

A análise da região sob a abordagem geossistêmica apresentou-se extremamente satisfatória. A partir

dela pode-se demonstrar como os elementos físicos e humanos são interligados e não podem ser

entendidos isoladamente.

O geossistema campos marajoaras apresenta uma peculiaridade que imprime grande interesse

científico por tratar-se de um ambiente onde o clima, a maré e o histórico geológico-geomorfológico

interagem gerando uma paisagem única que apresenta constantes ajustes que buscam o equilíbrio

dinâmico do sistema.

Verifica-se que o ambiente é extremamente frágil e deve ser apropriado segundo critérios de manejo

adequados que levem em consideração as suas peculiaridades.

A população residente na área, carente de infra-estrutura básica e cuidados essenciais de saúde,

educação e cultura, sofre por viver em um ambiente onde as imposições geográficas imprimem um

estado de grande isolamento em relação ao resto do país.

O poder público federal e estadual mobilizou-se através do Plano de Desenvolvimento Territorial

Sustentável do Arquipélago do Marajó que vem agindo desde 2006 em prol da modificação positiva

desta realidade, vivida em todo o arquipélago do Marajó e, em especial, nas áreas alagáveis, onde os

problemas são agravados.

A contribuição da teoria dos sistemas para o planejamento e proposições de diretrizes seria

extremamente positiva para manutenção de preservação deste geossistema aliada à melhoria das

condições de vida da população tradicional.

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