delegações de radiodifusão no governo sarney

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Monografia - Gabriel dos Santos Martins - Faculdade de Direito UFBA 2011.1"Esta pesquisa visa compreender como foram realizados, no governo presidencial de José Sarney, processos de apropriação privada do espaço público destinado à comunicação por rádio e televisão no Brasil, tais como a monopolização da comunicação via televisão no estado da Bahia e a delegação de direitos de transmissão a emissoras controladas por políticos. O principal objeto de análise são as delegações de serviços públicos de radiodifusão outorgadas durante o governo Sarney, no período prévio à promulgação da Constituição Federal de 1988 – março de 1985 a outubro de 1988. De início, é empreendida uma revisão crítica dos principais diplomas da legislação brasileira concernente às atividades de radiodifusão, promulgados entre 1931 e 1985; em especial, daqueles determinantes dos procedimentos legais para delegação dos serviços de rádio e TV. No segundo momento, é apresentado o período histórico onde as delegações se desenrolaram – a Nova República; após, estas são enquadradas nas trajetórias políticas de José Sarney e Antonio Carlos Magalhães, respectivamente, Presidente da República e Ministro das Comunicações, à época. Por fim, são apresentados seus principais dados, identificada sua utilização política durante a Constituinte de 1988 e algumas de suas principais consequências na comunicação e na política do Estado da Bahia."

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UNIV

PRO

G

DELEGAÇÕES

RSIDADE FEDERAL DA BA

FACULDADE DE DIREITO

RAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREIT

 

BRIEL DOS SANTOS MARTINS

DE RADIODIFUSÃO NO GOVER 

Salvador 2011

IA

O SARNEY

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GABRIEL DOS SANTOS MARTINS

DELEGAÇÕES DE RADIODIFUSÃO NO GOVERNO SARNEY

Monografia de Conclusão de Curso apresentada comorequisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel emDireito, pelo Curso de Direito da Universidade Federal daBahia.

Orientadora: Profª. Sara da Nova Quadros Côrtes.

Salvador 

2011

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MARTINS, Gabriel dos Santos. Delegações de radiodifusão no governo Sarney. 2011. 153 f.Monografia (Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

GABRIEL DOS SANTOS MARTINS

DELEGAÇÕES DE RADIODIFUSÃO NO GOVERNO SARNEY

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahiacomo requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em ______ / ______ /______.

Banca Examinadora 

 ___________________________________________________________________ Sara da Nova Quadros Côrtes (Orientadora) – Universidade Federal da Bahia

Mestre em DireitoUniversidade de Brasília (UNB), Brasil

 ___________________________________________________________________ 

Samuel Santana Vida – Universidade Federal da Bahia

Mestrando em Direito

Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil

 ___________________________________________________________________ 

Chalini Torquato Gonçalves de Barros – Centro Universitário Jorge Amado

Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea

Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil

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Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante

De uma estrela que virá numa velocidade estonteanteE pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante

Depois de exterminada a última nação indígena

E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida

Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias

Virá! Impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi

Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi

Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu viO axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá! [...]

(Caetano Veloso)

You will not be able to stay home, brother 

You will not be able to plug in, turn on and drop out

You will not be able to lose yourself on skag and skip

Skip out for beer during commercials

Because the revolution will not be televised [...]

The revolution will not be televised, will not be televised

Will not be televised, will not be televised

The revolution will be no re-run, brothers

The revolution will be live

(Gil Scott-Heron)

Ao povo que se vira pra viver Ao povo que virá para virar 

Ao povo que viverá pra ver 

Ao povo que verá pra acreditar [...]

 Notícia do alto do satélite e

Ao vivo do Planalto, transformado em nova

Planície de flores nascidas do asfalto!

É dia do povo tomar o poder!

É dia de ocupar as telas de tevê!

(Conjunto Aperto de Mente) 

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RESUMO

Esta pesquisa visa compreender como foram realizados, no governo presidencial de JoséSarney, processos de apropriação privada do espaço público destinado à comunicação por rádio e televisão no Brasil, tais como a monopolização da comunicação via televisão noestado da Bahia e a delegação de direitos de transmissão a emissoras controladas por 

 políticos. O principal objeto de análise são as delegações de serviços públicos de radiodifusãooutorgadas durante o governo Sarney, no período prévio à promulgação da ConstituiçãoFederal de 1988 – março de 1985 a outubro de 1988. De início, é empreendida uma revisãocrítica dos principais diplomas da legislação brasileira concernente às atividades deradiodifusão, promulgados entre 1931 e 1985; em especial, daqueles determinantes dos

 procedimentos legais para delegação dos serviços de rádio e TV. No segundo momento, é

apresentado o período histórico onde as delegações se desenrolaram – a Nova República;após, estas são enquadradas nas trajetórias políticas de José Sarney e Antonio CarlosMagalhães, respectivamente, Presidente da República e Ministro das Comunicações, à época.Por fim, são apresentados seus principais dados, identificada sua utilização política durante aConstituinte de 1988 e algumas de suas principais consequências na comunicação e na

  política do Estado da Bahia. Entre os principais resultados, concluiu-se que processos deapropriação privada do espectro público da radiodifusão foram realizados, no governo Sarney,através dos procedimentos determinados pela legislação. O processamento de editais paradelegação de serviços de radiodifusão, feito pelo Ministério das Comunicações com base nasdeterminações do Código Brasileiro de Telecomunicações, instrumentalizou a distribuição dedelegações às forças políticas conservadoras identificadas com Sarney e ACM e aos próprios

  políticos. Durante o governo Sarney, foi delegado número recorde de outorgas (1.028),notadamente durante os trabalhos do Congresso Constituinte de 1987-88, marcado peladistribuição de delegações radiodifusão como forma de aliciamento de parlamentares, emfavor da aprovação do regime de governo presidencialista e dos cinco anos de mandato

 presidencial. Delegações do período ainda privilegiaram correligionários, ministros, aliados efamiliares de José Sarney. Os fenômenos do coronelismo eletrônico e da monopolização datelevisão baiana possuem relação direta com a distribuição de delegações ocorrida no governoSarney. Neste período, foram outorgadas 114 (cento e catorze) delegações de rádio amembros do grupo político carlista e 5 (cinco) concessões de televisão em nome da famíliaMagalhães ou de seus sócios, que passaram a compor a Rede Bahia de Comunicação etornaram-se o principal instrumento de manipulação e controle da informação pelo grupo

liderado por ACM, com vistas à ampliação e manutenção da hegemonia política e eleitoral noEstado.

Palavras-chave: comunicação; radiodifusão; delegações; concessões; coronelismo eletrônico;José Sarney; Antonio Carlos Magalhães.

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela 1 Delegações de radiodifusão no Brasil (1934-1988)..........................................92

Tabela 2 Delegações de radiodifusão no Brasil (1985-1988)..........................................92

Gráfico 1 Delegações de radiodifusão no Brasil (1985-1988)..........................................93

Tabela 3 Delegações de radiodifusão no Brasil (1988)....................................................93

Gráfico 2 Delegações de radiodifusão no Brasil (1988)....................................................94

Tabela 4 Delegações de radiodifusão no Brasil (1988): antes e depois da votação doscinco anos........................................................................................................102

Tabela 5 Delegações de televisão na Bahia (1985-1988)...............................................112

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACM Antonio Carlos Magalhães

Abert Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão

AI Ato Institucional

Anatel Agência Nacional de Telecomunicações

Arena Aliança Renovadora Nacional

C/c Combinado com

CBT Código Brasileiro de Telecomunicações

CF Constituição Federal

DCN Diário do Congresso NacionalDentel Departamento Nacional de Telecomunicações

DL Decreto-Lei

Contel Conselho Nacional de Telecomunicações

EmC Emenda Constitucional

FM Frequência Modulada

JB Jornal do Brasil

Minicom Ministério das Comunicações

OC Ondas Curtas

OM Ondas Médias

OT Ondas Tropicais

PDS Partido Democrático Social

PEC Proposta de Emenda Constitucional

PFL Partido da Frente Liberal

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PSD Partido Social DemocráticoPSOL Partido Socialismo e Liberdade

PT Partido dos Trabalhadores

Secom Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República

STF Supremo Tribunal Federal

TCE Tribunal de Contas do Estado

TV Televisão

UDN União Democrática Nacional

UHF Ultra High Frequency (Frequência Ultra Alta)

VHF Very High Frequency (Frequência Muito Alta)

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................09

2. LEGISLAÇÃO DE RADIODIFUSÃO NO BRASIL (1931-1985).................................16

2.1. 1931 a 1962 – O rádio, Getúlio e os “trustees”..................................................................16

2.1.1. Direito Administrativo da radiodifusão: um modelo decretado......................................16

2.1.2. Primeiros tratamentos constitucionais............................................................................32

2.2. 1962 a 1985 – O Código, a Ditadura e a Elite erguida......................................................35

2.2.1. Promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações: Goulart vs. Abert...............382.2.1.1. Análise legal do CBT...................................................................................................41

2.2.2. Cartas da Ditadura: em nome do Povo, o povo para fora da cultura..............................51

2.2.2.1. Análise legal da legislação da ditadura........................................................................53

2.3. 1985 – Um último retoque.................................................................................................61

3. DELEGAÇÕES DE RADIODIFUSÃO NO GOVERNO SARNEY (1985-88).............65

3.1. Transição? Da ditadura à Nova República.........................................................................65

3.2. Política e Comunicação de José Sarney e Antonio Carlos Magalhães..............................75

3.3. Delegações de radiodifusão, março de 1985 a outubro de 1988........................................90

3.3.1. No preço dos 5 anos: delegações como moeda política..................................................91

3.3.2. Coronelismo eletrônico e monopolização da televisão baiana.....................................106

4. CONCLUSÕES.................................................................................................................125

REFERÊNCIAS....................................................................................................................130

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1.  INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa surge da perplexidade diante da atual situação da comunicação

de massa por rádio e televisão no Brasil e do questionamento sobre os papéis do Estado e do

Direito na história de sua constituição1.

Inicialmente, cabe identificar, com base em Roberto Amaral Vieira (1984:53), o

referido conceito de “comunicação de massa” como a “produção, circulação e consumo de

 bens simbólicos”, que engloba

[...] o campo de uma série de fenômenos (sociais) que têm em comum: I) veiculação

(a mensagem é levada ao objeto da informação por intermédio de um veículo, oucanal, mediador-viabilizador da comunicação [...]) e II) utilização de recursossemiológicos (linguagem do emissor). Diz-se que o fenômeno é de comunicação demassa em face do universo a que a mensagem se dirige, em regra grandescontingentes populacionais caracterizados pela heterogeneidade.

  No Brasil da década de 30, as incipientes atividades de comunicação de massa via

difusão aérea de sons (rádio) e sons e imagens (televisão) foram decretadas como serviços

 públicos de competência da União (BRASIL, 1931, art. 1º) e unidas legalmente sob o termo

“radiodifusão”, expressão que designa os sons e imagens difundidos por meio de ondasradioelétricas (JAMBEIRO, 2001:86).

As perplexidades acerca das relações entre Direito, Estado e Comunicação de rádio e

TV no Brasil encontram, nesta primeira regulamentação legal, um marco histórico

fundamental que guia a presente pesquisa.

A partir do surgimento do rádio nas primeiras décadas do século XX, na maioria dos

  países foi tomada esta decisão política de determinar-se a ingerência do Estado sobre a

radiodifusão. Sob as justificativas do caráter público do espaço aéreo utilizado às transmissões

 – o espectro radioelétrico2 – e da necessidade de organização racional das ondas (com vistas,

inclusive, a não interferir nas emissões dos países vizinhos), firmou-se, mundo afora, a

1 Um olhar sobre as relações entre os sistemas de comunicação e o Estado foi empreendido, neste sentido, por Roberto Amaral Vieira (1984), no trabalho A Contradição público versus privado e a Construção da Realidade

 pelos Meios de Comunicação de Massa.2 “Espectro eletromagnético” é a expressão técnica que designa o conjunto das “faixas de ar”, ou melhor, dasfrequências de propagação utilizadas na transmissão de ondas eletromagnéticas (que servem a diversas

tecnologias: rádio, televisão, telefonia, micro-ondas, navegação aérea, comunicação militar, raios-X, etc.). Já“espectro radioelétrico” designa as faixas do espectro eletromagnético que servem à transmissão das ondas dasatividades rádio e TV, reunidas sob o nome de “radiodifusão”. (OBSERVATÓRIO DO DIREITO ÀCOMUNICAÇÃO, 2009).

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competência do ente estatal para regular o acesso ao espectro e a execução das atividades de

rádio e, futuramente, TV. (LOPES, V., 1997:221-237)

  No Brasil, através do enquadramento legal como serviço público, a exploração da

radiodifusão foi titularizada pelo Estado e submetida ao regime jurídico de Direito Público,

fundado na supremacia do interesse público sobre o privado (MELLO, 2007:652). É neste

momento inaugural que se fez a opção, futuramente consagrada pela legislação, que marcaria

toda a história da comunicação brasileira: foi concedida à União prerrogativa para permitir a

exploração da radiodifusão por emissores particulares, através de delegações3 de serviços

 públicos (BRASIL, 1931, art. 12, § 2º).

De forma introdutória, cabe dizer que delegações de serviços públicos de radiodifusãosão relações firmadas entre Estado e sociedades civis interessadas, que autorizam e

regulamentam o exercício das atividades de rádio e TV pelas últimas. Gênero de três espécies

(concessões, permissões e autorizações em sentido estrito), as delegações pactuam os direitos

e deveres decorrentes desta exploração, que tem prazo certo e renovável. No modelo

  brasileiro – importado do  Radio Act norte-americano, de 1927 (VIEIRA, 1994:126) – as

emissoras privadas podem ainda, em contrapartida à prestação do serviço, explorá-lo

comercialmente, através da publicidade.

A perplexidade inicial desenvolve-se com a constatação de que, após 80 (oitenta) anos

de instituição e permanente atualização desse controle estatal, a situação do rádio e da TV

 brasileiros está entre as mais antidemocráticas do planeta. (MENDEL e SALOMON, 2011;

FENAJ, 1991)

Sabe-se que os meios de radiodifusão gozam, no Brasil, de uma das maiores

 popularidades do mundo: televisores estão presentes em mais de 56 milhões de domicílios;

3 Seguindo o conceito utilizado pela doutrina dogmática do Direito Administrativo, utilizo nesta pesquisa otermo delegação, embora a legislação e a maioria dos trabalhos científicos e jornalísticos sirvam-se quasesempre de outros termos consagrados, como “outorga” ou “concessão” (entendida aqui como espécie dedelegação). Por isso, quando apropriado e como sinônimo, serão usados tais termos alternativos como forma dedar maior fluxo ao texto. A eleição baseia-se na diferença teórica entre espécies de transferência dos serviçosda Administração Pública, que podem envolver a titularidade do serviço (caso de outorga) ou somente suaexecução (caso de delegação). Como escreve Hely Lopes Meirelles (2009:408): “A transferência datitularidade do serviço é outorgada por lei e só por lei pode ser retirada ou modificada; a transferência da prestação do serviço é delegada por ato administrativo (bilateral ou unilateral) e pela mesma forma pode ser retirada ou alterada, exigindo apenas, em certos casos, autorização legislativa. Entre nós, a outorga de serviço público ou de utilidade pública é feita às autarquias, fundações públicas e às empresas estatais, pois que a lei,

quando as cria, já lhes transfere a titularidade dos respectivos serviços, e a delegação é utilizada para otraspasse da execução de serviços a particulares, mediante regulamentação e controle do Poder Público. [...] Adelegação pode ser feita sob as modalidades de: a) concessão; b) permissão; ou c) autorização – resultando daíos serviços concedidos, permitidos ou autorizados.”

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aparelhos de rádio, em 51 milhões – penetrações, respectivamente, de 95,7% e 87,9%. (IBGE,

2009:212) Para grande parte da população, estas duas tecnologias estão entre as fontes

  principais de informação, entretenimento e entendimento do mundo contemporâneo.

(BOURDIEU, 1997:26)

Sobre esta supremacia, escreve Antonio Albino Canelas Rubim (1999:19):

Sem condições financeiras e educacionais; sem uma participação social e,muitas vezes, política que desperte seu interesse pelo mundo escrito da imprensa,esses amplos setores marginalizados são fascinados pelos sonhos dourados e platinados dos veículos eletrônicos. Aqui [no Brasil], o rádio e, principalmente, atelevisão transformam-se nos meios por excelência de construção daquilo que, deimediato, é tornado socialmente público. Enquanto todos os diários brasileiros juntos

chegam à inexpressiva tiragem de poucos milhões de exemplares, o público diárioestimado da televisão é algo por volta de 80 milhões.

  Não obstante tamanha importância e centralidade sociais, essas modalidades de

comunicação são marcadas no país pelo caráter privado4, comercial e centralizado das

  produções, em detrimento de finalidades educativas e da promoção cultural e regional do

 povo brasileiro, proclamadas ao longo da história (BRASIL, 1931, art. 12; BRASIL, 1962,

art. 75; BRASIL, 1988, art. 221).

Convive-se com a monopolização do espectro público por canais pertencentes a grandes

conglomerados empresariais, articulados em redes nacionais e detentores de diversos outros

tipos de mídias (BRASIL. CONGRESSO NACIONAL, 2004; HERZ, OSÓRIO e GÖRGEN,

2002). Além disso, é marcante a presença de políticos de todas esferas (senadores,

governadores, deputados, prefeitos) no controle direto e indireto de centenas de emissoras

afiliadas e de redes regionais de comunicação (DONOS DA MÍDIA, 2011a; LAPCOM/UNB,

2009; PROJOR e LIMA, 2005; CRUZ e WIZIACK, 2011).

Estas são apenas algumas das situações conhecidas e denunciadas por parte da

sociedade civil e da opinião pública, mas que continuam sem efetiva solução. Note-se que a

crescente perplexidade e mobilização diante da exclusão das massas populares do acesso à

radiodifusão, não é apenas pessoal, mas coletiva. Em 2009, foi realizada a 1ª Conferência

4 Diante da preponderância quase absoluta, no Brasil, de utilização privada do espectro público por particularesque recebem delegações estatais, Venício Artur de Lima (2010) considera o modelo brasileiro como de mera“curadoria”, pois, na prática, “compete à União a exploração de um serviço que o delega para administração e

operação de terceiros”. Segundo o pesquisador da UnB, "[...] desde quando o rádio foi introduzido no Brasil, efoi regulado pelo Estado, optou-se por privilegiar esse modelo de curadoria. Não foi uma opção que contoucom a participação popular. Ao contrário, foi uma decisão de gabinete, sem que houvesse qualquer debate ou participação pública."

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 Nacional de Comunicação (Confecom), marco na mobilização social pela democratização da

comunicação (BRASIL. SECOM, 2010). No ano seguinte, o jurista Fábio Konder Comparato

assinou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), impetrada no Supremo

Tribunal Federal (STF) pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em face da omissão de

mais de duas décadas do Congresso Nacional na regulamentação dos artigos da Carta de 1988

que tratam da Comunicação Social (BRASIL, 1988, arts. 220 a 224; PSOL, 2010).

A presente pesquisa, cujo objeto central de estudo é o conjunto das delegações de

  serviços públicos de radiodifusão outorgadas durante o governo Sarney, busca expressar e

desenvolver estas perplexidades, situadas no âmbito das relações entre Estado, Direito e

Comunicação.

Para isto, tem o objetivo principal de compreender como foram realizados, no governo

 presidencial de José Sarney, processos de apropriação privada do espaço público destinado à

comunicação por rádio e televisão no Brasil, tais como a monopolização da comunicação via

televisão na Bahia e a delegação de direitos de transmissão a emissoras controladas por 

 políticos.

Este recorte é construído a fim de demonstrar qual o papel dos instrumentos legais e

estatais na constituição da realidade da comunicação de massa no Brasil. Crê-se que a históriadas delegações do governo Sarney – período também conhecido como “Nova República” –,

cujo contato inicial deu-se através de artigo de Paulino Motter (1994a), possui clareza e

espetacularidade raras, que a colocam como exemplo pertinente, mas não único, das formas

encontradas pelas elites políticas e econômicas à apropriação privada da comunicação de

radiodifusão brasileira.

Serão analisadas as delegações de radiodifusão outorgadas durante os anos 1985 a 1988

(período pré-Constituição/88). A limitação temporal aos primeiros três anos e sete meses degoverno, que vai de 15 de março de 1985 – dia que José Sarney assume a Presidência – a 05

de outubro de 1988 – data de promulgação da nova Constituição Federal, é pertinente porque

a Carta de 88 impôs modificações às regras para delegação dos serviços de radiodifusão, no

sentido de determinar que a outorga feita pelo Poder Executivo, a partir de então, só

 produziria efeitos após aprovação do ato pelo Congresso Nacional (BRASIL, 1988, art. 223).

A emergência de novas regras constitucionais foi, justamente, o maior motivo para que

o Poder Executivo, comandado por José Sarney e Antonio Carlos Magalhães (então Ministrodas Comunicações), aproveitasse das competências da União (que tinham data certa à

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supressão) para delegar, no período do recorte, centenas de canais (1.028) em tempo recorde,

sem necessidade da apreciação do Congresso. Pesou, ainda, a existência de dados específicos

sobre as delegações do período 85-88, reunidos em pesquisas anteriores (AMARAL, 2007;

FENAJ, 1991; MOTTER, 1994b).

A atual configuração da comunicação brasileira continua influenciada pelos processos

ocorridos na Nova República. São muitos os políticos (e seus grupos e famílias) beneficiados

 por outorgas estatais durante o governo Sarney que ainda permanecem como radiodifusores e

falam, diariamente, a milhões de brasileiros. Grandes exemplos são as próprias Redes Bahia e

Mirante de Comunicação, de propriedade respectiva das famílias Magalhães e Sarney.

O desenvolvimento da pesquisa ainda oportunizará um necessário olhar sobre acomunicação de radiodifusão no Estado da Bahia – em especial, sobre dois fenômenos,

delineados no momento oportuno: o coronelismo eletrônico e a monopolização da televisão

 baiana pela Rede Bahia, ambos constituídos, especialmente, neste período e pelas mãos do

então Ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães.

A hipótese do trabalho afirma que processos de apropriação privada do espectro público

foram realizados, no governo Sarney, através do cumprimento dos procedimentos legais

fixados à delegação dos serviços públicos de radiodifusão, processados pelo Ministério dasComunicações segundo as normas presentes no Código Brasileiro de Telecomunicações

(BRASIL, 1962) e seus regulamentos (BRASIL, 1963a; 1963b).

Reflete-se aí o entendimento de que a legislação não é fruto da “vontade livre” do

legislador, nem necessariamente vinculada aos ideais do “bem comum” ou da “justiça”

(NOVOA MONREAL, 1988:201), mas sim o decreto de um poder político previamente

estabelecido (PACHUKANIS, 1988:12) e organizado no Estado.

Representado modernamente como um ente uno, apartado e dotado de forças para

conciliar, em interesse comum, os interesses privados de uma sociedade cuja natureza é a

divisão de classes (CHAUI, 1997:06), o Estado é, em verdade, um fenômeno histórico, ente

real e central de poder que surge, mantém-se e é permanentemente reconfigurado dentro das

relações sociais travadas entre partes desiguais. É, enfim, lugar da luta de classes.

O Direito reflete e, ao mesmo tempo, constitui essa luta; não está afastado, mas

imbricado nas relações, representações e conflitos sociais, dos quais é fruto. Para além da letra

da lei – expressão da competência legislativa de ordenação social, monopolizada pelo Estado

  – fazem parte do fenômeno jurídico tanto suas motivações como suas profundas

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consequências. Não pode o Direito ser afastado do seu passado nem do seu futuro, nem de

outros conhecimentos teóricos que com ele se interrelacionam na complexa realidade social.

Para analisar essa realidade, e não virar-lhe as costas, como faz o positivismo jurídico

ao transpor a função legislativa para um domínio metajurídico, ignorando a finalidade das

normas (PACHUKANIS, 1988:18), esta pesquisa preocupa-se com a facticidade, as origens e

as relações que as leis da radiodifusão – e o Estado que as promulga – possuem com os

interesses materiais e sociais que as circundam e compõem.

Sobre esta postura crítica, Tarso de Melo (2009:40) sustenta que:

Ao atacar a idéia de que o Estado representa igualmente os interesses dasociedade, o que deve ser visado, principalmente, é o conhecimento mais exato possível da realidade do Estado, de suas instituições, de seus agentes, bem como dalegislação por ele produzida, a fim de fornecer, inclusive, melhores condições deluta e reivindicação àquelas que, em regra, estão alijados das decisões políticasfundamentais.

  No sentido desta afirmação, com vistas à resolução do problema proposto e à

constatação da hipótese, a metodologia desta pesquisa é composta por duas partes.

 Na primeira, será empreendida uma revisão crítica das principais normas da legislação

 brasileira concernentes à atividade de radiodifusão e promulgadas entre os anos 1931 e 1985;

em especial, daquelas determinantes do procedimento legal para delegação dos serviços

 públicos de rádio e TV.

Baseada na farta produção normativa, nos autores da ciência dogmática do direito

administrativo brasileiro (MELLO, 2007; ROCHA, 1996; DI PIETRO, 2009) e da história da

regulação de radiodifusão (LOPES, V., 1997; VIEIRA, 1994), o delineamento do modelo

legal da radiodifusão no Brasil tentará afastar-se de uma perspectiva estática e singularizante

do fenômeno jurídico, através do constante entrecruzamento da história da legislação com as

histórias da política, economia e comunicação brasileiras. Tratar-se-á, assim, de criticar o

nascimento e o desenvolvimento do sistema jurídico e da história social da comunicação

  brasileira que, a partir de 1985, regularia e culminaria nas delegações de radiodifusão do

governo Sarney.

 Na segunda etapa, serão analisadas as delegações de radiodifusão no governo Sarney,

no período de 1985 a 1988. Presente, o mesmo intuito de compreender Estado e Direito emmovimento, a fim de auferir as contradições e coincidências entre a forma dos mandamentos

legais e a materialidade das relações jurídicas e sociais.

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De início, será contextualizado o período histórico onde as delegações se desenrolaram

 – a denominada transição entre ditadura militar e democracia: a Nova República. Com base

nas obras de Florestan Fernandes (1985) e René Dreifuss (1989), este ponto servirá à crítica

da proclamada democracia brasileira – e do seu Estado Democrático de Direito –, estruturas

que sustentam processos de dominação política, jurídica, econômica e ideológica, entre eles,

da comunicação.

Logo após, as delegações serão relacionadas a diversos e comuns aspectos das

trajetórias políticas de José Sarney e Antonio Carlos Magalhães (ALMEIDA, G., 1999;

DANTAS NETO, 2006; GONÇALVES, 2000), respectivamente, Presidente da República e

Ministro das Comunicações, à época; em especial, aos seus projetos de reposicionamento

 político a partir da formação de extensas redes privadas de comunicação. 

Por fim, a análise da história das delegações e dos seus principais dados será feita com

dois destaques: o uso político das delegações como moeda de troca e aliciamento nas votações

do Congresso Constituinte de 1987-88 e suas principais consequências na comunicação do

Estado da Bahia, como a detenção de meios de radiodifusão por políticos – parte do fenômeno

do “coronelismo eletrônico” (SANTOS, 2006) – e a monopolização da televisão pela Rede

Bahia de Comunicação. São fontes principais deste momento os trabalhos de Paulino Motter 

(1994b), Clarissa Amaral (2007) e Suzy dos Santos (2006; 2008), além das declarações dos

  principais atores do processo: José Sarney, Antonio Carlos Magalhães e Rômulo Villar 

Furtado (secretário-geral do Minicom).

É com desejo de contribuir à compreensão e democratização da comunicação no Brasil

que apresento, a seguir, Delegações de radiodifusão no governo Sarney.

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2. LEGISLAÇÃO DE RADIODIFUSÃO NO BRASIL (1931-1985)

A revisão da legislação de radiodifusão cobrirá 54 anos. Inicia-se em 1931 com oDecreto nº. 20.047/31 (BRASIL, 1931), assinado por Getúlio Vargas, e alcança 1985, ano de

início da Nova República. A última norma a ser tratada neste capítulo será o Decreto nº.

91.837, de outubro de 1985 (BRASIL, 1985), promulgada pelo então novo Presidente da

República: José Sarney Ribamar Ferreira de Araújo Costa.

As mais de cinco décadas de exposição foram divididas em dois momentos, separados

  pela promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações (BRASIL, 1962). O corte

temporal entre 1931-1962 (31 anos) e 1962-1985 (23 anos) não é fruto de mero acaso: o CBT

é o diploma que, ao lado do inaugural Decreto de 1931 e da polêmica Constituição de 1988

(BRASIL, 1988), marca profundamente a história de configuração da atual comunicação de

radiodifusão brasileira. Quase cinqüentenário, o CBT serviu de base às delegações no governo

Sarney e regula a radiodifusão até hoje; por isto, ocupará lugar central no estudo.

2.1. 1931 a 1962 – O rádio, Getúlio e os trustees.

2.1.1. Direito Administrativo da radiodifusão: um modelo decretado.

A primeira regulamentação legal da radiodifusão no Brasil foi o Decreto nº. 20.047, de

27 de maio de 1931 (BRASIL, 1931). Estações de rádio já funcionavam no país desde os anos

205; todavia, até 1931, eram licenciadas pelo Departamento dos Correios e Telégrafos,

vinculado ao Ministério da Viação e Obras Públicas, com base no regulamento dos serviços

civis de radiotelegrafia e radiotelefonia (BRASIL, 1924). Não havia até então uma legislação

específica da atividade de rádio propriamente dita; o controle do Estado sobre as estações

5 Segundo Vera Maria Nusdeo Lopes (1997:279), a primeira transmissão de uma estação de rádio no Brasilocorreu no centenário da Independência, dia 07 de setembro de 1922. A empresa norte-americanaWestinghouse, participante da Feira Internacional que comemorava a data, instalou uma emissora de 500 W euma antena no pico do morro Corcovado; o que se ouviu foi um discurso do então Presidente da República,Epitácio Pessoa e a Ópera “O Guarani”, de Carlos Gomes, transmitida diretamente do Teatro Municipal. Ao

final dos anos 20, aproximadamente duas dezenas de emissoras de rádio funcionavam no Brasil (ALMEIDA,A., 1993:49). Note-se que nesta década a radiodifusão estava em sua fase inicial, formada por rádio-clubes erádio-sociedades, nascidos no meio da elite e financiados por mensalidades e doações dos ouvintes que tinham“poder aquisitivo para buscar no exterior os aparelhos receptores.” (LOPES, V., 1999:300)

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existentes possuía “preocupação eminentemente técnica, reduzida às telecomunicações,

sentido estrito.” (VIEIRA, 1994:125)

Esse primeiro diploma é marco fundamental à compreensão da história do rádio e

televisão brasileiros, na medida em que inaugurou o modo de intervenção do Estado sobre as

atividades de radiodifusão no país, cuja estrutura básica, até hoje, permanece.

Vivia-se no Brasil o fim da República Velha e o começo da Era Vargas. Pouco mais de

seis meses haviam se passado desde que as Forças Armadas depuseram da Presidência da

República o paulista Júlio Prestes e outorgaram o poder ao gaúcho Getúlio Dorneles Vargas – 

episódio conhecido como “Revolução de 30” –, que se manteria como “Chefe do Governo

Provisório” até a promulgação da Constituição de 1934. Nesse panorama político, o diploma inaugural de 1931 foi decretado por Getúlio6, que

detinha também competência para “exercer discricionariamente” as funções e atribuições do

Poder Legislativo (BRASIL, 1930)7. É marcante a ausência de qualquer discussão social, ou

mesmo legislativa, sobre o conteúdo dos dispositivos desta primeira regulamentação do rádio,

inaugurando a tradição jurídica dos organismos de regulação das Comunicações no Brasil,

onde nunca houve preocupação com a participação pública nos processos decisórios nesta

área (LEAL, S., 2000:57).O art. 1º do Decreto 20.047/31 tem enorme valor histórico. Foi nele que se determinou,

  pela primeira e definitiva vez , aquele que seria o modelo consagrado do exercício e do

controle da radiodifusão no Brasil. Sua redação fixou:

Art. 1º. Os serviços de radiocomunicação8 no território, nas águas territoriaise no espaço aéreo nacionais são da exclusiva competência da União. (BRASIL,1931, grifei.)

6 Getúlio Vargas o primeiro presidente a utilizar o potencial político e ideológico do rádio. No seu período maisautoritário (1939-1945), o Estado comandado por Vargas fiscalizava e censurava o conteúdo de programaçõesradiofônicas através do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), criado em 1939. Em 1940, a emissoraRádio Nacional foi encampada para que se tornasse instrumento oficial de afirmação do regime (LOPES, V.,1999:301). Doris Haussen (1995) aponta o “uso inteligente” deste veículo por Vargas, no Brasil e por JuanDomingo Perón, na Argentina. Ambos aspiravam, através das ondas radiofônicas, a construção de umimaginário social e de uma consciência nacional alinhados aos seus projetos de Estado nacional-populista.Segundo Anita Simis (2006), no primeiro governo de Getúlio (1930-1934), já se iniciava a construção de umEstado “autoritário e centralizador o suficiente para elaborar planejamentos econômicos que atendessem todasas regiões (…) e ainda um projeto de integração nacional no qual o cinema e o rádio assumiram um papel primordial.”7 O Decreto nº. 19.398/1930 foi, ao mesmo tempo, o diploma instituidor da – e instituído pela – Revolução.8 “Radiocomunicação” é o conceito utilizado à época para designar o que hoje se entende por telecomunicações(JAMBEIRO et al., 2002:04). Define o art. 2º: “para os efeitos deste decreto, constituem serviços da

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Assim, tanto a exploração como a regulação dos referidos serviços ficaram a cargo do

Estado, submetidos, desta maneira, a um regime de Direito Público e elevados à condição de

 serviços públicos. É o que se conclui a partir da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Sabe-se que certas atividades [...] destinadas a satisfazer a coletividade emgeral, são qualificadas como serviços públicos quando, em dado tempo e lugar, oEstado reputa que não convém relegá-las simplesmente à livre iniciativa; ou seja,que não é socialmente desejável fiquem tão só assujeitadas à fiscalização e controlesque exerce sobre a generalidade das atividades privadas [...]. Justamente pelo relevoque lhes atribui, o Estado considera seu dever assumi-las como pertinentes a si próprio (mesmo que sem exclusividade) e, em conseqüência, exatamente por isto, ascoloca sob uma disciplina peculiar instaurada para resguardo dos interesses nelas

encarnados: aquela disciplina que naturalmente corresponde ao próprio Estado, istoé, uma disciplina de direito público. (MELLO, 2007:651-652)

Sobre a “exclusiva competência da União” designada no texto legal, é sabido que no

direito brasileiro, a exclusividade significa a impossibilidade de delegação da competência

  por parte do Poder Público; é este, inclusive, o traço que a diferencia das competências

 privativas (SILVA, 2006:481). Apesar disso, o art. 12 do mesmo Decreto concedeu faculdade

à União para a delegação do serviço de radiodifusão aos particulares9, que poderiam explorá-

lo mediante concessão. Veja-se:

Art. 12. O serviço de radiodifusão é considerado de interesse nacional e definalidade educacional.

[...]

§ 2º  As estações da rede nacional de radiodifusão poderão ser instaladas etrafegadas, mediante concessão, por sociedades civís ou empresas brasileirasidôneas, ou pela própria União, obedecendo a todas as exigências educacionais etécnicas que forem estabelecidas pelo Governo Federal. (BRASIL, 1931, grifei.)

radiocomunicação, a radiotelegrafia, a radiotelefonia, a radiofotografia, a radiotelevisão, e quaisquer outrasutilizações de radioeletricidade, para a transmissão ou recepção, sem fio, de escritos, sinais, imagens ou sons dequalquer natureza por meio de ondas hertzianas.” (BRASIL, 1931). O serviço de radiodifusão é classificadoquanto aos seus fins, como a “difusão de comunicações radiotelefônicas destinadas a serem recebidas pelo público, diretamente ou por intermédio de estações translatoras.” (BRASIL, 1931, art. 3º, § 2º, “d”, grifei.) Osserviços de radiotelevisão e transmissão de imagens, mesmo que antecipados pelo legislador, só chegariam aoBrasil em 1950.9 Tal incoerência seria sanada pela Constituição de 1934, com a utilização do termo “privativa”. (BRASIL,1934b, art. 5º, VIII)

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Estes dois dispositivos já configuram o contorno básico do trusteeship model , modelo

de radiodifusão inaugurado pelo   Radio Act norte-americano (1927) (VIEIRA, 1994:126),

reproduzido pelo Governo Provisório de Vargas e consagrado pelo direito brasileiro.

  Neste modelo, o espectro eletromagnético é considerado um bem natural, público e

limitado.10 Desta assertiva, atribui-se ao Estado (o ente que, em tese, é o responsável pelo zelo

do patrimônio público) o poder de explorá-lo, se assim o quiser 11, e o dever de regular o

acesso e a utilização do espectro, fiscalizando a atividade dos radiodifusores privados – os

“trustees”12 –, que podem explorá-lo comercialmente, por tempo determinado e de acordo

com condições específicas.

 Na história mundial da regulação da radiodifusão, muitos outros países optaram por umsistema diferente. Durante décadas, o sistema europeu de radiodifusão, em especial a “área

televisiva, à exceção de Luxemburgo” (LOPES, V., 1997:222) foi o estatal 13.

 Neste, as rádios e televisões são exploradas unicamente pelo Estado, diretamente ou por 

meio de órgãos especialmente constituídos para tal fim. Esta opção afasta a iniciativa privada

da radiodifusão, a fim de, em tese, concretizar a persecução do interesse público, muito

embora certos governos, como o franquismo espanhol, preferissem e utilizassem o monopólio

estatal com motivações autoritárias. As fontes de receitas são públicas e, em alguns casos,cobram-se taxas anuais dos proprietários de aparelhos receptores, como forma de custeio do

serviço.

10 Gilberto Maringoni (2010:161), no estudo da relação entre evolução das comunicações e populismo políticona América Latina da "era de ouro do rádio" (anos 20-50), afirma: "o desenvolvimento tecnológico e aampliação do número de emissoras fez com que os países começassem a esboçar dispositivos legais pararegular algo inteiramente novo, o ar como espaço público. A suposição básica era a de que o espaçoradioelétrico não é ilimitado e pertence à nação. A maioria dos Estados entendeu que o funcionamento das

emissoras deveria ser feito sob o regime de concessão pública, renovável ou não, embora a maioria dasemissoras tivesse caráter privado. As emissões radiofônicas mostraram uma capacidade ímpar de consolidar aideia de nação."11 Nos Estados Unidos, não existem emissoras de alcance nacional de propriedade do governo federal ou deórgão a ele ligado. Seu sistema é quase que inteiramente privado (o que não significa desregulado; pelocontrário), à exceção das redes educativas, também chamadas de públicas, formadas por emissoras de rádio etelevisão financiadas por doações privadas, recursos públicos e de fundações e universidades, eventualmente pertencentes a governos locais. Para um detalhamento completo do modelo norte-americano, certamente o mais próximo do brasileiro, conferir LOPES, V., 1997, pp. 238-275.12 “Trustees” são os “fiduciários do público” que detém o privilégio de usar, mediante, autorizaçãogovernamental, o meio por onde circulam as ondas de rádio. (ALMEIDA, A., 1993:15)13

Casos de França, Itália, Portugal, Espanha, Suíça, Suécia, Grécia, Bélgica e muitos outros, obviamente comgraus variáveis de organização e de abrandamentos, na prática, da posição monopolista, como a existência demais de um organismo responsável pela diversidade de programação dos canais. Ver estudo panorâmico emLOPES, V., 1997, pp. 222-226.

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O inescapável lobby do meio empresarial – que encontrou nos novos meios de

comunicação o mais poderoso instrumento de indução ao consumo, a fim de fazer circularem

suas mercadorias e manter a expansão do capital monopolista –, somado às demandas por 

ampliação do pluralismo e da liberdade de expressão no rádio e TV, conduziram à queda

gradual, nos anos 60 a 80, dos sistemas estatais.

  Na Europa de hoje é predominante o sistema misto, como o brasileiro, japonês,

 britânico, alemão, entre outros. Todavia, diferentemente do Brasil14, o legado desta primeira

opção legislativa ainda é percebido “na maioria dos países europeus, [onde] a presença do

setor público não se limita a um único canal de caráter cultural, mas abrange vários, com

 programações complementares e não concorrentes.” (LOPES, V., 1997:226-237)

Voltando-se o olhar ao Decreto 20.047/31, que determinou o nosso trusteeship, destaca-

se o ponto em que o serviço de radiodifusão foi considerado como de “interesse nacional e

finalidade educacional15” (art. 12, caput, acima).

Desta norma, combinada com o art. 1º, deriva-se a seguinte conclusão: o caráter público

do serviço da radiodifusão no Brasil não adveio apenas de um critério subjetivo, de serviço

titularizado pelo Estado (BRASIL, 1931, art. 1º), ou de critério formal, pela consequente

submissão ao regime jurídico de Direito Público (DI PIETRO, 2009:102-103) (art. 12, § 2º, fine), mas da conjunção destes dois fatores, relacionados à limitação natural e necessidade de

organização racional do espectro eletromagnético, com a opção  política e normatizada que

 julga estratégica e socialmente relevante à Nação – “de interesse nacional” – a atividade de

comunicação por rádio e televisão, exigindo assim especial responsabilidade do Poder Público

(critério material, DI PIETRO, 2009: 104).

  Note-se que nessa primeira regulação da radiodifusão brasileira, o julgamento

estratégico acerca da sua relevância está mais baseado nos objetivos do projeto nacional eestatista de Getúlio Vargas, do que numa real inserção do rádio no meio social (v. nota 6). A

responsabilidade do Estado sobre os serviços de rádio significa o poder de controle sobre esta

atividade pelos grupos que ocupavam, naquele momento, o Estado.

14 A TV Brasil, braço televisivo da Empresa Brasil de Comunicação (criada pela Lei nº. 11.652/2008), é a primeira experiência de televisão pública no país (que não se confunde com estatal, no que se refere ao grau deautonomia governamental). (INTERVOZES, 2009:13)15 Roberto Amaral Vieira (1994:126) afirma com propriedade crítica que tal finalidade seria “mantida erepetida com pompa e circunstância em todos os diplomas legais, até a Constituição de 1988”, contudo “semconsequências objetivas quaisquer”.

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O desenvolvimento dos meios eletrônicos, especialmente a televisão, de crescente

importância, penetração e centralidade sociais, fazem com que na atual sociedade de

informação, onde homens e mulheres tomam, em grande parte, conhecimento do mundo e da

  política através dos meios eletrônicos, seja cada vez mais impossível dissociar o interesse

social das atividades de radiodifusão, isto é, seu caráter de serviço público, tal qual fez a

redação do decreto de 1931.

É neste sentido social que Juarez Freitas (1995) define os serviços públicos como

aqueles dotados de essencialidade, isto é, como aqueles considerados essenciais à realização

dos objetivos e demandas fundamentais do Estado e da sociedade. Tal consideração é firmada

através do direito positivo.

  Notável é que esta essencialidade não é compreendida a partir de idealismos, tão

comuns na doutrina jurídica, nos quais a atividade, por si, carrega qualidade de pública ou

 privada; pelo contrário, o serviço público é aqui entendido como tal porque humana, social,

historicamente essencial. Anota o jurista:

Direta ou indiretamente prestado pela Administração Pública ou, ainda, por   pessoas alheias ao seu âmbito, o que revela destacar é que o Estado não pode

 prescindir de sua [do serviço público] adequada prestação, justamente porquantoconsiderado, num dado contexto histórico, como essencial à consecução dos seus fins. O Estado pode e, em vários casos, deve prestá-lo por intermédio de terceiros, osquais, sob certo aspecto, deixam de ser meras pessoas de Direito Privado. Passam aser considerados autoridades, no que entender com essas funções, e a ter vinculaçãocom os motivos dados para os seus atos. A valia do serviço dado como que os publiciza.  A essencialidade vincula, pois, o serviço e as pessoas que o prestam aocomando do princípio da preponderância teleológica do interesse público, que devereger as relações jurídicas da Administração. De tal princípio dimanam os demaisregentes dos serviços públicos em geral, assim o da legalidade, o da moralidade, oda impessoalidade [...], o da publicidade, o da economicidade [...], o da legitimidade(…) (FREITAS, 1995:31-32, grifei)

Esta digressão é complementada pelas palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal

Federal, Eros Grau (2008a:133-134), quando comenta a Ordem Econômica na Constituição

Federal de 1988:

Esta, a noção de serviço público, há de ser construída sobre as ideiasde coesão e de interdependência social.

(…) diremos que assume o caráter de serviço público qualquer 

atividade cuja consecução se torne indispensável à realização e a odesenvolvimento da coesão e da interdependência social (Duguit) – ou, em outrostermos, qualquer atividade que consubstancie serviço existencial relativamente à

 sociedade (Cirne Lima). 

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Por isso, porque assume o caráter de serviço público, deve ser   prestada à sociedade pelo Estado (ou por outra pessoa administrativa, direta ouindiretamente).

Pois bem: a identificação dos casos nos quais a realização e o

desenvolvimento da coesão e da interdependência social reclamam a prestação dedeterminada atividade pelo Estado (= casos nos quais essa atividade assume caráter existencial em relação à sociedade) é conformada pela Constituição16. (grifei.)

 No sistema brasileiro de exploração estatal e privada, os radiodifusores privados apenas

 podem realizar transmissões no espaço radioelétrico – exercendo, assim, serviço público17 – 

mediante uma delegação, que autoriza e regulamenta a prestação indireta do serviço pelo

  particular. A delegação do serviço público é, pois, relação firmada “para a execução e

desempenho de atividade do Estado, de interesse geral, que este não pode ou não quer exercer 

diretamente.” (GOMES, O., 1997:45-46 apud GRAU, 2008b:311)

As primeiras delegações de serviço público no Brasil datam da segunda metade do

século XIX18. Historicamente, elas foram classificadas pela legislação e doutrina brasileiras

em três espécies: concessões, permissões e autorizações de serviço público.

16 No que se refere ao instrumento de normatização dos serviços públicos, é importante o que escreveu CarmenLúcia Antunes Rocha (1996:20): “Há que se relevar, todavia, que não apenas o constituinte originário ou

derivado define serviços públicos, podendo também o legislador infraconstitucional erigir a esta condiçãoatividades dotadas dos atributos que as submetem a este regime, observados, evidentemente, os limitesdefinidos na Carta Magna [...]. Assim, tanto tem sido considerada no Brasil como matéria constitucional adefinição de alguns serviços públicos, denominados pela doutrina ‘serviços públicos essenciais por definiçãoconstitucional’, como têm sido considerados tema fundamental, enobrecido em seu tratamento normativo, os princípios ou pelo menos a orientação sobre a sua forma de prestação. Em qualquer dos casos, a matéria não seexclui do campo de atuação legislativa infraconstitucional.”17 A experiência do pensamento português sobre este ponto é traduzida por João Bosco de Araújo Fontes Júnior (2001:60): “Também em Portugal se fala em serviço público prestado pela televisão e rádio para referir-se àatividade dos operadores privados, sendo incontornável que a comunicação social concretiza uma função derelevância pública, mesmo quando realizada por operadores privados. Daí porque esta atividade está submetidaa exigências constitucionais e legais que, em certa medida, a funcionalizam ao atingimento do interesse público.”18 Ana Lucia Berbert Fontes (1997:66) narra o nascimento deste processo: “O início da experiência brasileirade utilização de capitais privados para desenvolvimento de atividade de interesse público data da segundametade do século XIX. As razões da opção nacional pelo regime de concessões são idênticas às quedeterminaram igual escolha em época anterior por outros países do continente europeu. A falta de recursosfinanceiros e tecnológicos, bem como a carência de experiência administrativa empresarial levou o Estado brasileiro a atribuir a empresas privadas, predominantemente às estrangeiras, o desempenho de atividades deinteresse geral. Desaparelhado e sem recursos financeiros próprios, o Estado foi buscar, no mercado externo,capitais para implementar os serviços necessários ao atendimento das necessidades coletivas entãoidentificadas. Foram concedidos, nessa época, às empresas estrangeiras os serviços de iluminação primeiro àgás, depois elétrica, de ferrovias, de telefone etc." Adiciona-se à exposição da autora que não são motivos às primeiras delegações apenas o despreparo técnico ou a carência financeira, mas também a postura política eideológica dos comandantes do Estado brasileiro, geralmente baseada no liberalismo econômico e político e na

subserviência ao capital, especialmente estrangeiro. A própria Ana Berbert logo se aproxima, mesmo querapidamente, deste entendimento: "Posteriormente, mudança de concepção política, aliada ao fato de já contar o país com algum recurso de bens de capital, ensejou a utilização de verbas oriundas do fisco para prestar diretamente serviços públicos." (FONTES, 1997:67, grifei.)

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Os primeiros Decretos do período Vargas determinaram o instituto da concessão para as

delegações de rádio, como pode ser observado no art. 12, § 2º,  supra. A  permissão, neste

 primeiro momento, foi utilizada apenas para a execução de outros serviços (limitado, público

restrito e especiais)19, mas, a partir do Código Brasileiro de Telecomunicações (BRASIL,

1962), a radiodifusão sonora local seria delegada via permissão.

Somente a partir de 1985 (BRASIL, 1985), a autorização, espécie de delegação bastante

similar à permissão, foi estabelecida às outorgas de radiodifusão, mas apenas àquelas cedidas

a Estados, Territórios e Municípios. Em 1998 (BRASIL, 1998, art. 6º), também o serviço de

radiodifusão comunitária passou a ser outorgado mediante autorização. Portanto, em virtude

desta terceira espécie encontrar-se fora do âmbito temporal e material desta pesquisa, tratar-

se-á de descrever os institutos da concessão e  permissão, por serem a dupla instrumental à

execução indireta de serviços de radiodifusão no período encarado neste capítulo (1931-

1985), assim como nas delegações no governo Sarney (v. capítulo 3).

Sobre a concessão, a abordagem mais exata é a de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui oexercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por 

sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro,remunerando-se pela própria exploração do serviço20, em geral e basicamentemediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. (MELLO, 2007:683)

Para parte dos doutrinadores do Direito Administrativo brasileiro, inspirada pelos

autores franceses – que defendiam, na primeira metade do século XX, a concepção puramente

contratual da concessão (MELLO, 2007:692) –, tais pactos entre Estado e particulares foram

(e ainda são) comumente denominados “contratos administrativos”21.

19 “Art. 18. As permissões para a execução do serviço limitado, do serviço público restrito e dos serviçosespeciais, exceto o de amadores, serão dadas por portaria do ministro da Viação e Obras Públicas.” (BRASIL,1932)20 Importante ressaltar-se a possibilidade de remuneração do serviço concedido por outro meio, pois “é o quesucede nas concessões de rádio e televisão [...], em que o concessionário se remunera pela divulgação demensagens publicitárias cobradas dos anunciantes.” (MELLO, 2007:683). Como ressalta o autor, não se trata aíde “tarifas” e quem paga não é, necessariamente, “usuário”, mas há, igualmente, a exploração econômica doserviço público concedido. A lembrança de outras formas remuneração, além da tarifa, também é feita por Maria Di Pietro (1999:72), que afirma a obrigatoriedade de a remuneração ser “decorrente da própriaexploração do serviço”. A mesma característica é ignorada por outros autores (MEIRELLES, 2010:268;

GASPARINI, 2007:363), que se limitam à menção da tarifa.21 “A concessão de serviço público é contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega aoutrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco,mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço”. (DI

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  No entanto, cabe ressaltar que o contrato “não exaure a essência da concessão de

serviço público, conquanto lhe matize marcantemente a natureza.” (ROCHA, 1996:39).

A concessão é, na verdade, relação jurídica complexa (MELLO, 2007:692) composta

de três partes: a) um ato regulamentar  do Estado que fixa unilateralmente as condições de

funcionamento, organização e o modo de prestação do serviço oferecido aos usuários; b) um

ato-condição, por meio do qual o concessionário voluntariamente se insere na situação

 jurídica estabelecida pelo Poder Público; c) um contrato, onde se estabelecem os direitos e

deveres presentes nas cláusulas daquele primeiro ato e por cuja via se garante a equação

econômico-financeira dessa relação.

Esta lógica está presente nas primeiras normas regulamentadoras dos serviços públicosde radiodifusão no Brasil, sendo perceptível a mesma relação complexa: a) os Decretos

20.047/31 e 21.111/32 regulavam, unilateralmente, as condições da exploração; b) os

 pretendentes às concessões deveriam “dirigir requerimento ao Ministro da Viação e Obras

Públicas, por intermédio do Departamento de Correios e Telégrafos, atendendo aos requisitos

mencionados [...]” (BRASIL, 1932, art. 23); c) as concessões eram outorgadas por decreto,

acompanhado de cláusulas que regulem onus e vantagens a serem firmados em contrato 22.

(BRASIL, 1932, art. 16). Esta fórmula tríplice será repetida ao longo da história da legislação.

 Note-se que a concessão delega somente a execução do serviço do particular; logo, não

transfere propriedade alguma ao concessionário, nem se despoja de qualquer direito ou

 prerrogativa pública. A natureza pública do serviço impõe ao poder concedente (a União, no

caso da radiodifusão) “nunca despojar-se do direito de explorá-lo direta ou indiretamente,

desde que o interesse coletivo assim o exija.” (MEIRELLES, 2010:410)

PIETRO, 1999:72, grifei.) Não confundir com “contratos da Administração”: “A expressão contratos daAdministração é utilizada, em sentido amplo, para abranger todos os contratos celebrados pela Administração

Pública, seja sob regime de direito público, seja sob regime de direito privado. E a expressão contratoadministrativo é reservada para designar tão somente os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebracom pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público.” (DI PIETRO, 2009:251)22 Pontue-se que nos Estados Unidos, berço do trusteeship model , vige o sistema jurídico do common law,  baseado nos costumes, usos e decisões das Cortes. Desta maneira, “não existem propriamente contratosadministrativos tais como aqui entendidos, objetos de regulamentação e características próprias em relação aoscontratos regidos pelo direito privado. Assim, não se fala lá em concessão de serviço público, embora algumasatividades dependam não apenas de licença do Poder Público, mas de regulamentação e fiscalizaçãoadministrativa.” (LOPES, V., 1999:298). Desde 1934, quanto promulgado o Communications Act , toda acomunicação norte-americana, incluída a radiodifusão, é licenciada, regulamentada e supervisionada por umórgão governamental independente, o   Federal Communications Comission – FCC. (LOPES, V., 1997:238-

275). Apesar de claramente inspirada nos dispositivos norte-americanos, difere, neste ponto, nossa legislação,cujo cunho autoritário concentrou todo o processo de concessão e fiscalização no Poder Executivo(Presidência/Ministério), sem a previsão de um órgão colegiado e decisório de composição mais plural (SIMIS,2006).

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Em decorrência desta condição e para assegurar a utilidade pública do serviço, sempre

 permanecerá com o Poder Público a faculdade de, a qualquer tempo, no curso da concessão,

retomar o serviço23,  mediante indenização ao concessionário dos lucros cessantes e danos

emergentes resultantes desta encampação. Importarão sempre à Administração os poderes

fiscalizatórios e regulamentares da concessão, posto serem estas as maneiras de se garantir 

que a prestação indireta do serviço seja realizada no interesse da coletividade, mantendo-se

sempre o concessionário no dever de prestar o serviço em condições adequadas para o

 público. (FONTES, 1997:36-37)

A forma contratual na concessão não afasta sua condição basilar, que é a de ser a forma

de prestação e regulação de um serviço público. “Em conseqüência”, analisa Maria Zanella Di

Pietro (1999:74),

[...] tudo o que diz respeito à organização do serviço é fixado unilateralmente pelo Poder Público e pode ser alterado também unilateralmente para adaptação àsnecessidades postas em benefícios do interesse público.

Essa parte que é disciplinada unilateralmente pelo Poder Público impõe-se ao particular não tanto como decorrência do contrato, mas por tratar-se de normas quedecorrem do poder regulamentar da Administração. Muitas vezes, essas normasconstam da própria lei que disciplina o serviço, de tal modo que, ao assinar ocontrato de concessão, o concessionário está se sujeitado a uma situação estatutária,

regulamentar, que não admite qualquer discussão ou alteração, ainda que com aconcordância das partes.

O contrato onde se materializa a concessão refletirá este regime de Direito Público e as

características típicas à delegação de um serviço público, tais como prazo determinado,

realização intuitu personae (prestação do serviço por uma pessoa determinada), bilateralidade,

onerosidade e comutatividade (MEIRELLES, 2010:409).

Quanto à permissão, esta é ato unilateral , discricionário e precário, pelo qual o Poder Público (permitente) transfere a alguém (permissionário) o desempenho de um serviço de sua

alçada, proporcionado, tal qual na concessão, a cobrança de tarifas dos usuários (com

divergências pontuais, MELLO, 2007:733; DI PIETRO, 2009:301; MEIRELLES, 2010:192).

23 Neste sentido, coadunam Juarez Freitas (1995:31) – “a titularidade do serviço público [...] pertence

irrenunciavelmente ao Poder Público” – e a ministra do STF, Carmen Lúcia Antunes Rocha (1996:41): “Titular do dever de servir ao bem público e de impedir a sequência de um contrato de concessão desvirtuado oucontrário ao interesse coletivo, a regulamentação e a própria subsistência eficaz da concessão não são passíveisde ser renunciadas pelo Poder Público.”

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Enquanto a concessão representa um acordo de vontades substanciado em contrato, a

  permissão é ato unilateral de caráter negocial da Administração Pública (MEIRELLES,

2010:191). Em tese, o Estado vale-se da permissão quando não deseja constituir o particular 

em direitos contra ele, mas apenas em face de terceiros. Por isto, tal instituto é geralmente

utilizado quando o permissionário não necessita alocar grandes capitais e equipamentos para o

desempenho do serviço, ou quando a rápida rentabilidade do mesmo supera os riscos da

 precariedade (MELLO, 2007:734).

Este é o traço distintivo mais marcante entre os dois institutos: a  precariedade da

 permissão, que significa flexibilidade da Administração para – a qualquer tempo e desde que

fundada em razões de interesse público – estabelecer alterações ou encerrar esta espécie de

delegação, sem obrigação de indenizar o permissionário, característica que está sempre

 presente nas concessões.

Carmen Lúcia Antunes Rocha (1996:148) aponta que, não obstante tais conceituações

doutrinárias, na prática administrativa a permissão não é tida como um ato “sujeito às

injunções da vontade única do permitente”, posto que a atuação dos tribunais brasileiros não

deixa a descoberto direitos que nascem para os permissionários a partir da prestação de

serviço público, nem os consideram “submetidos ao exclusivo nuto dos administradores

 públicos”.

Da mesma maneira, a precariedade  fez com que se afirmasse que a natureza da

 permissão é a de uma outorga sem prazo (DI PIETRO, 2009, p. 302). Coaduna-se da opinião

contrária de Antunes Rocha (1996:164-165), que defende a obrigatória temporariedade das

  permissões, já que o prazo de duração integra o conjunto de exigências de validade da

delegação de um serviço público, posto que a inexistência de prazo para realização do serviço

implicaria a  substituição  definitiva da entidade competente (titular do serviço), pela pessoa permissionária (prestadora indireta), numa transferência ilegal “não apenas da incumbência de

fazer a entrega do serviço, mas da própria competência pública indisponível.”

E assim acontece na história da radiodifusão brasileira, onde a permissão dos serviços

sempre foi realizada por prazo determinado. Esta modalidade de permissão com prazo é

denominada por Hely Lopes Meirelles (2010:428) como “permissão condicionada” e admitida

“diante do interesse administrativo ocorrente”. Maria Sylvia Di Pietro pontua, corretamente,

que tal mitigação da precariedade acaba “aproximando de tal forma a permissão da concessãoque quase desaparecem as diferenças entre os dois institutos.” (DI PIETRO, 2009:302).

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A determinação de prazo também nas permissões de radiodifusão, tal qual nas

concessões, acabou por diferenciá-las em dois pontos principais: primeiro, mais teórica do

que prática, a distinção entre ato unilateral negocial vs. relação jurídica bilateral (que implica

mais formalidade e estabilidade para o serviço); segundo, mais prática do que teórica, entre os

órgãos competentes para cada espécie de delegação: de regra, do Presidente da República, via

decreto, para concessão; e do Ministro da pasta competente, via portaria, para permissão.

Por fim, o sistema de Decretos da Era Vargas definira que os pretendentes a permissões

deveriam apresentar, igualmente aos futuros concessionários, requerimento ao Ministério de

Viação e Obras Públicas, diferindo somente o rol de documentos exigido para cada tipo de

serviço (BRASIL, 1932, art. 24).

Considera-se que o fundamental nessas observações é o entendimento de que todas as

delegações são comandadas pela noção de serviço público, pois objetivam sua realização

indireta, devido funcionamento e atingimento de interesse público na boa prestação do

serviço; uma decorrência óbvia da finalidade pública presente em todos os atos da

Administração (DI PIETRO, 2009:261).

O serviço de radiodifusão, apesar de prestado indiretamente, via concessão ou

  permissão, continua sendo público, e nessa condição estará sempre sujeito às normas e prerrogativas de Direito Público. Desta forma, segundo a legislação brasileira, não se pode

executar o serviço delegado de radiodifusão (no qual predomina o interesse coletivo) na forma

de um serviço privado (no qual predomina o interesse particular) – noção contrariada pela

realidade da radiodifusão no país.

A partir destas breves considerações, buscou-se situar as primeiras opções do legislador 

 brasileiro dentro da doutrina dogmática administrativista que trata dos serviços públicos e de

suas respectivas formas de delegação. O que também se deve negritar nesta análise é que anormatização dos institutos da concessão e permissão foi o que possibilitou a execução dos

serviços de radiodifusão por emissoras privadas, opção legislativa mantida até os dias atuais.

Porém, mais do que mera possibilidade legal, a radiodifusão privada tornou-se a forma

 predominante de prestação do serviço público de rádio e TV no Brasil. O sistema privado e

comercial, financiado pela publicidade, foi o único plenamente desenvolvido no país,

  principalmente devido às escolhas e diretrizes governamentais que, especialmente desde a

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década de 60, privilegiaram, fomentaram e nunca limitaram24 a emergência de emissoras

comerciais (PEREIRA, S., 2010:240).

Pouco menos de um ano após o Decreto 20.047/31, seguiu-se a edição do Decreto

21.111/32, que “aprova o regulamento para a execução dos serviços de radiocomunicação no

território nacional” (BRASIL, 1932), complementando e aprofundando as determinações do

 primeiro texto legal.

Com um “texto avançado, para a época” (VIEIRA, 1994:127), os 109 artigos desse

novo decreto (o primeiro continha apenas 41) demonstravam a preocupação do Estado

getulista em controlar as incipientes telecomunicações. Seu conteúdo variado cobre, entre

outros pontos: atribuição de competências de execução e administração; determinação danatureza dos serviços; descrição dos processos de outorga; instituição de contravenções

 penais; normas sobre contabilidade, ensino e habilitação de técnicos e operadores; tarifas.

O tratamento jurídico que determinou a competência exclusiva da União sobre os

serviços de radiocomunicação, já tratado supra, foi repetido no art. 4º, assim como a menção

ao interesse nacional e finalidade educacional da radiodifusão (BRASIL, 1932, art. 11).

Interessa, em especial, o Capítulo IV desse Regulamento. É nele que se definiu o

 processamento das outorgas de concessões e permissões. No art. 16 determina-se o instrumento legal para a delegação das concessões: “Art. 16.

As concessões serão outorgadas  por decreto, acompanhado de cláusulas que regulem onus e

vantagens a serem firmados em contrato.” (BRASIL, 1932, grifei.)

 Não havia motivo especial para que a centralização de poderes, típica da Era Vargas25,

não se repetisse no campo das Comunicações. Assim é que também ao chefe do Poder 

24 Como exemplo, na vizinha Argentina, a Ley de Medios, n. 26.522/2009, que regula os serviços decomunicação audiovisual, reservou 33% do espectro radioelétrico para emissões de entidades sem finslucrativos (ARGENTINA, 2009, art. 89, “f”). Decretos políticos deste calibre resultam diretamente naqualidade e diversidade do conteúdo do serviço de rádio e TV ao qual a população de um país tem acesso.Quando a radiodifusão, como no Brasil, é monopolizada pelo modelo privado (comandado por empresárioscomprometidos apenas com seus custos econômicos), fruto de distribuições incriteriosas (para dizer o mínimo)e clientelistas do espectro público, acaba-se por verdadeiramente determinar um serviço público a partir da busca desenfreada por índices de audiência, com todas as distorções que isto implica, como a transformação do  público receptor do serviço em mercadoria, traduzida e vendida aos anunciantes conforme os números doIbope. É lamentável constatar que quando no Brasil se postulam limitações a tais práticas atentatórias àsociedade, os empresários da comunicação são os primeiros a utilizar-se do espaço público (que consideram

suas novas capitanias hereditárias) para abafar e satanizar o debate, “denunciando” os ataques à sua – frise-se:  apenas sua – liberdade de expressão. (Ver: REBOUÇAS, 2006; LIMA, 2004; VALENTE, 2010)25 A carga autoritária do período está presente no art. 1º, caput , do já citado Decreto 19.398 de 1930. “Art. 1º OGoverno Provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do

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Executivo coube a decisão final sobre a delegação das concessões de radiodifusão, via

decreto26, inexistentes qualquer detalhamento legal sobre critérios sociais ou parâmetros

mínimos à persecução do interesse público nesta decisão.

O § 1º do mesmo art. 16 determinou a estipulação, nas concessões, de certas condições

à execução do serviço, a serem estipuladas no contrato: “Além de qualquer outra exigência

que o Governo julgue conveniente aos interesses nacionais”, destacavam-se, entre elas: prazo

da concessão, máximo de dez anos, renovável a juízo do governo (BRASIL, 1932, art. 16, §

1º, alínea “c”); constituição da diretoria das concessionárias com dois terços (2/3), no mínimo,

de brasileiros (“d”); a intransferibilidade, direta ou indireta, da concessão (“l”); submissão aos

 preceitos estabelecidos nas convenções internacionais e regulamentos anexos, “bem como a

todas as disposições contidas em leis, decretos, regulamentos ou instruções que existam ou

venham a existir, referentes ou aplicaveis aos serviços da concessão” (“n”) e; submissão ao

“regime de fiscalização que for estabelecido pelo Governo” (“s”).

As companhias, empresas ou sociedades civis interessadas deveriam dirigir 

requerimento ao Ministro da Viação e Obras Públicas, por intermédio do Departamento de

Correios e Telégrafos, atendendo a requisitos, tais como apresentação de estatutos, prova da

nacionalidade, idoneidade moral e de suficiência do capital social para o fim visado, que

deveria estar, no mínimo, realizado na metade (art. 23 e alíneas). 

Foi criada a Comissão Técnica de Rádio, órgão vinculado ao Ministério da Viação e

Obras Públicas e composto por três técnicos, indicados pelos Ministros da Viação e Obras

Públicas, Exército e Marinha (BRASIL, 1932, art. 29). Cabia a esta comissão a organização

dos serviços de radiocomunicação, tal como a fixação das freqüências empregadas nos

serviços de cada concessionário, permissionário e dos respectivos Ministérios (art. 30), o

estudo das questões de caráter técnico suscitadas na aplicação dos decretos e o exame doslocais escolhidos para montagem das estações (art. 28).

Em meio ao texto do Decreto 21.111/32, outro artigo marca a história da comunicação

 brasileira:

Poder Executivo, como tambem do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia Constituinte, estabeleça estaa reorganização constitucional do país; [...]” (BRASIL, 1930)26 Vigente, neste tempo, a Constituição de 1891: "Art 48 - Compete privativamente ao Presidente da República:

1º) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e resoluções do Congresso; expedir decretos, instruções eregulamentos para sua fiel execução; [...]" (BRASIL, 1891, grifei). Todas as Constituições promulgadas no período estudado, de 1931 a 1969, repetiriam a mesma determinação (BRASIL, 1934b, art. 56; BRASIL, 1937,art. 74; BRASIL, 1946, art. 87; BRASIL, 1967a, art. 83; BRASIL, 1969, art. 81).

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Art. 73. Durante a execução dos programas é permitida a propagandacomercial, por meio de dissertações proferidas de maneira concisa, clara econveniente à apreciação dos ouvintes, observadas as seguintes condições:

a) o tempo destinado ao conjunto dessas dissertações não poderá ser superior a dez por cento (10%) do tempo total de irradiação de cada programa;

 b) cada dissertação durará, no máximo, trinta (30) segundos;

c) as dissertações deverão ser intercaladas nos programas, de sorte a não sesucederem imediatamente;

d) não será permitida, na execução dessas dissertações, a reiteração de palavras ou conceitos. (BRASIL, 1932)

O art. 73 é a primeira admissão legal da publicidade no rádio brasileiro. A porcentagem

inicial de 10% seria aumentada para 20% (BRASIL, 1934a, art. 6º, “a”) e 25% (BRASIL,1963b, art. 67). Concretizava-se aí o aval do Estado para a operação plena do sistema de

radiodifusão comercial, mantido pelas propagandas e baseado na persecução do lucro. Vera

Maria de Oliveira Nusdeo Lopes (1999:300-301) ensina que

A partir da introdução das mensagens publicitárias […] o rádio passou a setornar popular, voltado ao lazer e à diversão, com o virtual abandono da missãoeducativa sonhada por Roquete Pinto27. Na busca por mercado, as emissoras

 passaram a se organizar como empresas, a fim de atrair mais público, mercado paraos produtos anunciados e, conseqüentemente, mais anunciantes. […] desde logo orádio mostrou-se o melhor meio de divulgação de produtos em relação à publicidadeimpressa, por alcançar também os analfabetos […] e também por colher o ouvintedisponível em sua casa, sem possibilidade de se subtrair a ela, já que interessado na programação apresentada.

Esse dispositivo faz parte do processo descrito por James Görgen (2008:200): o sistema

de rádios no Brasil perdia aos poucos sua faceta inicial, onde predominavam as finalidades

culturais, educativas e sociais, e assumia uma natureza preponderantemente privada, tanto em

relação aos sujeitos executores (empresas capitalistas que aspiravam e necessitavam

tornarem-se concessionárias do serviço público), quanto ao caráter comercial de sua

 programação.

27 Edgar Roquette-Pinto foi fundador de uma das primeiras estações de rádio do Brasil, a Rádio Sociedade doRio de Janeiro (hoje, Rádio MEC). Considerado visionário por muitos, esse médico, antropólogo e educador 

 brasileiro, ao conhecer a radiotelefonia exposta pela primeira vez na Feira do Centenário da Independência doBrasil (v. nota 5), tornou-se convicto ativista das possibilidades educativo-culturais do rádio, pauta quedefenderia até seu falecimento, em 1954, após a fundação de outra rádio educativa, a Rádio Escola (hoje, RádioRoquette-Pinto). (O RÁDIO E..., 2011)

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O rádio como negócio passa a ser financiado não mais por doações, mensalidades ou

investimentos estatais (como na Europa), mas por reclames publicitários inseridos em meio às

  programações, viabilizando desta maneira a comunicação entre empresas anunciantes e a

massa de consumidores, dispositivo central e imprescindível no ciclo de circulação de

mercadorias e no processo geral da acumulação mercantil-capitalista. (FERRARETTO,

2007:05-06).

O próprio Estado se tornaria um dos maiores compradores dos espaços publicitários28.

Atualmente, gastos exorbitantes são prática comum e recurso constante no orçamento de

governos de todas as esferas e tendências políticas, que buscam, através dos poderes dos

midia, a legitimação e a vitória eleitoral perante a população.

A tensão entre Governo e radialistas, fruto do controle exercido pelo Estado através dos

dois decretos iniciais, eclodiria em 11 de julho de 1934, dia em que Getúlio Vargas baixou o

Decreto nº. 24.655/1934 (BRASIL, 1934a), apenas cinco dias antes da promulgação da

Constituição de 1934. Além de especificações técnicas e outras mudanças pontuais – como o

aumento da porcentagem de publicidade e a regulamentação e organização interna da

Comissão Técnica de Rádio –, o § único do art. 1º criou polêmica ao confirmar os amplos

 poderes do Estado sobre os radiodifusores:

Art. 1º A concessão para a execução dos serviços de rádiofusão [sic]obedecerá as condições estabelecida nêste decreto, bem como ás estipuladas noregulamento aprovado pelo decreto n. 21.111, de 1 de março de 1932, que com elasnão colidirem.

Parágrafo único. O Governo poderá, em qualquer tempo, desapropriar os  serviços das concessionárias ou permissionárias para o fim de executá-los,diretamente, ou por nova concessão a terceiros, nacionais nêste caso medianteconcorrência pública, sob a condição de participar nos lucros. (BRASIL, 1934a,grifei.)

Segundo Roberto Amaral Vieira (1994:128), “a resposta empresarial não se fez de

rogada”: foi criada a Federação Paulista das Sociedades de Rádio29, “com o explícito objetivo

28 Em 2010, na soma de todos os órgãos e empresas da Administração Direta e Indireta, o Governo Federalgastou R$ 1,62 bilhão em publicidade, distribuída entre 8.094 veículos de comunicação, de 2.733 municípios.Do total, R$ 1,18 bi (72,8%) foram destinados às emissoras de rádio e televisão. Em 2003, estas mesmasestatísticas eram, respectivamente, R$ 839 milhões, 499 veículos, 182 municípios e 70,44%. Tais valores nãoincluem publicidade legal, produção e patrocínio. (BRASIL. SECOM, 2011)

29 Geni Rosa Duarte (2003:44) afirma que a organização da Federação Paulista surgiu em oposição àsdeterminações do governo federal que instituíram a obrigatoriedade de apresentação da “Hora Nacional” – hoje, Hora do Brasil (BRASIL, 1934a, art. 5º) – e outras medidas no sentido de transmitir a programaçãoelaborada pelos órgãos federais de controle de informação, como o Departamento de Propaganda e Difusão

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de promover a revisão daqueles dois primeiros Decretos e a redução dos poderes já exercidos

  pelo Estado.” A organização do empresariado de radiodifusão será decisiva na história da

regulação da radiodifusão no Brasil, exercendo forte lobby sobre o Poder Legislativo,

especialmente através da Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão (Abert),

na elaboração do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, da Constituição Federal de

1988 e da Emenda Constitucional nº. 8/1995.

O sistema de decretos administrativos, cujos traços fundamentais foram detalhados

acima, regularia a radiodifusão brasileira (sofrendo seguidas alterações) por três longas

décadas. Sobreviveria a três Constituições (1934, 1937 e 1946) e à inauguração da televisão

no Brasil (1950), até a emergência, em 1962, do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei

nº. 4.117/62).

2.1.2. Primeiros tratamentos constitucionais

O rádio surge no Brasil durante a vigência da Constituição de 1891 (BRASIL, 1891).

Porém, o legislador constitucional ainda não havia redigido qualquer dispositivo sobre a

radiodifusão; os artigos mais próximos ao tema são os que tratam da competência privativa do

Congresso Nacional para legislar sobre o serviço dos correios e telégrafos federais (art. 34,

15), e da exclusividade da União para decretar taxas sobre os mesmos serviços (art. 7º, 4).

O tratamento constitucional inaugural veio com a Constituição Federal de 16 de julho

de 1934 (BRASIL, 1934b); no entanto, foi bastante tímido. Ainda não utilizando o termo

radiodifusão, apenas confirmava a competência privativa da União (v. nota 9) para “explorar 

ou dar em concessão os serviços de telégrafos, radiocomunicação e navegação aérea”

(BRASIL, 1934b, art. 5º, VIII). No § 3º do mesmo artigo determinava-se competência

supletiva dos Estados-membros na área de radiocomunicação, que poderiam atender “às

 peculiaridades locais, suprir as lacunas ou deficiências da legislação federal, sem dispensar as

exigências desta.”

Cultural (DPDC), que precedeu o Departamento de Informação e Propaganda (DIP). Emissoras paulistanas passaram então a instituir a “Hora do Silêncio”, desligando os equipamentos nos horários determinados pelogoverno. Este terminou recuando e limitou o programa a apenas meia-hora, bancando os custos daretransmissão.

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Os parcos e tímidos dispositivos referentes à radiodifusão significaram que nenhum

 ponto do sistema de decretos baixado nos anos anteriores foi alvo de mudança ou derrogação.

Fortalecida pelos acontecimentos da Revolução Constitucionalista de 1932 e pela presença

maciça de representantes das elites órfãs da República Velha (JAMBEIRO et al., 2002:21), a

Assembleia Constituinte de 34 conseguiu excluir do texto final a maioria dos pontos do

anteprojeto enviado por Vargas, deixando para trás propostas de reformas sociais constantes

no programa de 30. No entanto, o Governo Vargas logrou vitórias desejadas, entre elas a

manutenção do controle sobre a radiodifusão e a consolidação/constitucionalização da

Revolução de 1930. No dia posterior à promulgação da CF, a mesma Assembleia elegeria

Getúlio como mais novo Presidente da República.

 No Capítulo II (“Dos Direitos e das Garantias Individuais”) dessa Carta, assegurou-se a

livre manifestação do pensamento, sem dependência de censura, com a ressalva de

“espetáculos e diversões públicas” (BRASIL, 1934b, art. 113, 9), o que englobava o rádio (v.

notas 6 e 29).

Dois outros artigos, relacionados à exploração do serviço de radiodifusão, devem ser 

mencionados. O art. 131 estabelecia restrições à propriedade de empresas noticiosas, “numa

atitude que pode ser entendida tanto como reserva de mercado para a mão-de-obra nacional,

quanto uma precaução contra influências ‘colonialistas’” (JAMBEIRO et al., 2002:10); o art.

137 refere-se às tarifas cobradas pelas concessionárias de serviço público, e apesar de

inaplicável à radiodifusão – já que esta sobrevive da remuneração propagandística –,

“demonstra, contudo, que os serviços de telecomunicações, genericamente, eram vistos como

serviço público, e como tal deveriam estar sob controle do Estado.” (JAMBEIRO et al.,

2002:10). Literalmente:

Art. 131 - É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, políticas ounoticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros. Estes e as pessoas jurídicas não podem ser acionistas das sociedades anônimas proprietárias detais empresas. A responsabilidade principal e de orientação intelectual ouadministrativa da imprensa política ou noticiosa só por brasileiros natos pode ser exercida. A lei orgânica de imprensa estabelecerá regras relativas ao trabalho dosredatores, operários e demais empregados, assegurando-lhes estabilidade, férias eaposentadoria.

[...]

Art. 137 - A lei federal regulará a fiscalização e a revisão das tarifas dosserviços explorados por concessão, ou delegação, para que, no interesse coletivo, os

lucros dos concessionários, ou delegados, não excedam a justa retribuição do capital,que lhes permita atender normalmente às necessidades públicas de expansão emelhoramento desses serviços. (BRASIL, 1934b)

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A Constituição do Estado Novo, de 1937 (BRASIL, 1937) repetiu a competência

 privativa da União para explorar ou dar em concessão os serviços de radiocomunicação (art.

15, VII); foi adicionada competência para legislar sobre “correios, telégrafos e

radiocomunicação” (art. 16, X), com previsão da competência estadual supletiva (art., 18,

“b”).

A única inovação trazida por esta Carta foi a primeira utilização constitucional do termo

radiodifusão. No entanto, para estabelecer a censura (VIEIRA, 1994:129). Ao mesmo tempo

em que proclamava a garantia de brasileiros e estrangeiros ao direito à liberdade de

manifestação do pensamento, fazia-o com ressalva aos limites prescritos em lei. Esta poderia,“com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública”, prescrever a censura da

radiodifusão. Veja-se:

Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes noPaís o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termosseguintes:

[...]

15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou

 por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritosem lei.

A lei pode prescrever:

a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando àautoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação; (BRASIL,1937, grifei.)

A Carta de 1946 (BRASIL, 1946), promulgada num contexto de democratização

 política (que significou o retorno ao sistema representativo direto, mas elitista), apresentoumudanças pontuais em relação ao tratamento anterior, sem, contudo, democratizar o sistema

 brasileiro de radiodifusão.

Assim, o art. 5º, XII, como as Constituições anteriores, consagra o trusteeship model :

Art 5º - Compete à União: [...]

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os

serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de telefonesinterestaduais e internacionais, de navegação aérea e de vias férreas que liguem  portos marítimos a fronteiras nacionais ou transponham os limites de um Estado;(BRASIL, 1946)

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Esta Constituição restabeleceu a independência da livre manifestação do pensamento

em relação à censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas (art. 141, § 5) e no caso

de decretação de estado de sítio (art. 209, § único, I).

  No art. 160, as empresas de radiodifusão foram adicionadas àquele rol de empresas

  jornalísticas, cuja propriedade já era vedada a sociedades anônimas ao portador e a

estrangeiros, desde 1934; adicionou, ainda, que cabia exclusivamente a brasileiros a

responsabilidade principal pelas mesmas, assim como sua orientação intelectual e

administrativa. (BRASIL, 1946, art. 160)

O estudo das três Cartas revela a continuidade das estruturas burocrático-administrativas

que inauguraram as relações entre Estado e radiodifusão no Brasil na década de 30 durante as

seguidas mudanças de regimes políticos (e constitucionais), num processo análogo ao

estudado por Gilberto Bercovici (2010), em “O direito constitucional passa, o direito

administrativo permanece”, que situa o problema na transição ditadura militar – Nova

República (v. 3.1).

A persistência de uma legislação administrativa autoritária, em face da positivação

constitucional de direitos fundamentais – como a liberdade de expressão, garantida a todos – aparece como paradoxo interessante às classes dominantes do Estado e da Comunicação e que

funciona como fator de crise da própria ordem constitucional.

Foi sob a ordem de 46 que o Congresso Nacional promulgou o diploma que marcaria,

  profundamente, a história da radiodifusão no Brasil: o Código Brasileiro de

Telecomunicações – CBT, de 1962, tratado no próximo tópico.

2.2. 1962 a 1988 – O Código, a Ditadura e a Elite erguida.

Em 1962, o sistema regulatório das telecomunicações, cuja base ainda era formada

 pelos Decretos nº. 20.047/31 e 21.111/32, havia se tornado, nas palavras de Roberto Amaral

Vieira (1994:131), “uma malha quase incompulsável e efetivamente ineficaz” de decretos,

decretos-leis, portarias e leis. Cristiano de Aguiar Lopes (2009:04) denomina tal conjunto um

“cipoal regulatório de difícil entendimento, composto por peças orientadas por políticasmuitas vezes divergentes e conflitantes.” De fato, especialmente na telefonia, tal confusão

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resultara na instalação de inúmeros sistemas telefônicos, que utilizavam equipamentos de

diferentes origens e características. (OLIVEIRA, 2007).

As telecomunicações e as atividades de rádio e TV, na esteira da industrialização

  brasileira dos anos 50, cresciam vertiginosamente, reproduzindo as características desta

última. Emissoras de rádio e televisão já despertavam grandes interesses, pela constatação do

seu enorme poderio político-eleitoral e econômico. A participação da radiodifusão no “bolo”

 publicitário brasileiro, que em 1960 era de 25%, expandia-se, já em 1966, para mais do que o

dobro, 57% (PIERANTI e MARTINS, 2007).

Consolidavam-se, nesta época, as bases da radiodifusão brasileira, resumidas por José

Salomão David Amorim (1983 apud CASTRO, 2002:88): “[...] concentradora de propriedadee da produção de programas, dependente [de tecnologia e financiamentos externos], de

alcance nacional, fortemente comercializada, massificante e apoiada no entretenimento.”

A figura clássica destes tempos de expansão concentrada da comunicação de massa no

  país é o jornalista e político Assis Chateaubriand, dono do grupo   Diários Associados,

gigantesca e principal rede de rádios e jornais do país, à época. Foi ele o pioneiro fundador da

 primeira emissora de televisão brasileira, a TV Tupi, inaugurada em São Paulo, aos 18 de

setembro de 1950.Apenas seis anos após a inauguração da então inigualável “caixa mágica” no Brasil, a

Tupi – alavancada pelos acordos político-midiáticos entre o “capitão de indústria”30 Chatô e a

classe política dominante do Estado brasileiro, agora na figura de Juscelino Kubitschek 31 – já

havia se tornado, via decreto (v. nota 266),  Rede Tupi, executora de nada menos que onze 

30 Expressão de Fernando Henrique Cardoso (1972:142 apud FERRARETTO, 2007:07) que identifica osdirigentes empresariais e industriais cuja atuação é marcada pela obtenção de favores governamentais à

manutenção de seus negócios. Tal era o poder de Chateaubriand que o mesmo “acabou se transformando eminterlocutor informal do setor com o Governo e com a sociedade.” (ABERT, 2010)31 Todo o poder dos Diários Associados foi utilizado na campanha de JK, candidato do PSD à Presidência, “a ponto de transformar os Associados em uma rede de boletins oficiais da campanha.” (MORAIS, 1994:573). Oapoio nas eleições de 1955 foi o pagamento de uma dívida adquirida meses antes: a cadeira de senador doMaranhão, para a qual Assis fora eleito através de verdadeira “operação de guerra” armada pelos caciques doPSD, Tancredo Neves (MG) e Vitorino Freire (MA; chefe inconteste da política/elite local), que envolveu umacomplexa articulação de atos, tais como a renúncia do senador e do suplente, em mandato, em troca de cargosestatais e na empresa Schering, de Assis; a edição de 60 mil exemplares de O Cruzeiro, produzidos paracircular exclusivamente no Maranhão e recheados de propaganda eleitoral; um circuito fechado de TV,instalado, dias antes da eleição, em São Luis e; possíveis fraudes nas votações. A “operação Maranhão” foi avitoriosa repetição (com 70% dos votos) da “operação Paraíba”, que elegera Assis, dois anos antes e com

táticas tão torpes quanto – inclusive as renúncias –, ao mesmo cargo naquele estado. (MORAIS, 1994:517-573)Este é um exemplo clássico da relação clientelista entre Meios de Comunicação—Classe Política Dominante,que perpetuam sua dominação ideológica e política num movimento viciado de troca de “favores”, às custas do povo que vê, ouve e elege.

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concessões de canais de televisão, com emissoras nas principais capitais brasileiras e

constituindo verdadeiro monopólio32. (GÖRGEN, 2008:201-202)

A rápida menção à história de Chateaubriand serve para demonstrar o grau de total

liberdade que gozavam os grandes empresários de rádio e TV alinhados aos poderosos no

  país. A única vedação legal às suas atividades consistia na proibitiva constitucional à

  propriedade de empresas de radiodifusão por sociedades anônimas e por estrangeiros.

Lamentavelmente, não havia outras importantíssimas limitações – como até hoje não há – à

 propriedade cruzada33 e de veículos de comunicação por políticos34.

  Neste sentido, as palavras de Octavio Penna Pieranti e Paulo Martins (2007:07),

 pesquisadores da história de promulgação do CBT:

Já regulado o rádio, permaneciam sem regulação consolidada as transmissõesde televisão, apesar de obviamente demandarem especificações técnicas próprias. Aausência de regulação favorecia, em parte, os interessados em investir no setor. Se, por um lado, a obtenção de uma concessão dependia de critérios mais subjetivos, talcomo apoio político, por outro, não precisavam se preocupar, por exemplo, comquestões relativas a limites para a posse de emissoras, caráter dos investimentos etipo de programação a ser veiculada.

 Nestes tempos, vivia-se o cume de um complexo processo de lutas entre dois grupos de

interesses contraditórios: de um lado, os defensores das funções públicas, culturais e

educativas da radiodifusão, e de outro, aqueles que patrocinavam (e lucravam com) seu

caráter comercial. A unificação da malha legislativa brasileira concretizaria esta disputa.

32 Segundo Fernando Morais (1994:16), no ano de 1959, no qual Chateaubriand doa, a 22 empregados, 49% docontrole acionário do seu império das comunicações, o conglomerado   Diários e Emissoras Associados abrangia 90 (noventa) empresas, entre “dezenas de jornais, as principais estações de televisão, 28 estações de

rádio, as duas mais importantes revistas para adultos do país, doze revistas infantis, agências de notícias,agências de propaganda, [além de] um castelo na Normandia, nove fazendas produtivas espalhadas por quatroestados brasileiros, indústrias químicas e laboratórios farmacêuticos [...].”33 A propriedade cruzada dos meios de comunicação dá-se quando um mesmo grupo empresarial, no mesmomercado, é proprietário de mídias diferentes, tais como jornais, revistas, rádios e emissoras de TV. João Brant(2011) aponta duas razões para se limitar a concentração de propriedade nas comunicações: “A primeira éeconômica, [...] tendo a mesma base das leis antitruste. A concentração em qualquer setor é considerada prejudicial ao consumidor porque gera um controle dos preços e da qualidade da oferta por poucos agenteseconômicos, além de desestimular a inovação. [...] O segundo motivo tem mais a ver com questões sociais,  políticas e culturais. Os meios de comunicação são os principais espaços de circulação de ideias, valores e pontos de vista, e, portanto, são as principais fontes dos cidadãos no processo diário de troca de informação ecultura. Se este espaço não reflete a diversidade e a pluralidade de determinada sociedade, uma parte das visõesou valores não circula, o que é uma ameaça à democracia. Assim, é preciso garantir pluralidade e diversidadenas comunicações para garantir a efetividade da democracia.”34 A primeira emissora de televisão não-pertencente ao grupo   Diários Associados no país foi a TV Paulista.Fundada em 1952, também tinha como dono um político, o então deputado federal Oswaldo Ortiz Monteiro.

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2.2.1. Promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações: Goulart vs. Abert

Desde 1940, os radiodifusores brasileiros já se articulavam pela criação de umalegislação codificada para a indústria (ALMEIDA, A., 1993:50). Neste ano foi proposta,

formalmente, através de uma Comissão da Federação Paulista das Sociedades de

Radiodifusão, a criação de um Código Brasileiro de Radiodifusão, processo repetido em 1944

e 1946 (OLIVEIRA, 2007:07). Outras propostas e anteprojetos foram apresentados até

195235, sem seguimento, quando finalmente neste ano o projeto do Senador Marcondes Ferraz

foi conhecido pelo Congresso. Sua tramitação na Câmara dos Deputados e Senado Federal

duraria mais nove anos de “debates, alterações, revisões, negociações e o mais imaginável naespécie.”36 (VIEIRA, 1994:131)

O resultado seria a promulgação do Código Brasileiro em 27 de agosto de 1962

(BRASIL, 1962), onde se regulamentava, finalmente e a um só tempo, todos os serviços de

telecomunicações, o que engloba tanto comunicações   stricto sensu (telegrafia, telégrafo,

telefonia) quanto radiodifusão (rádio, TV e outros serviços que usam o espectro

eletromagnético).

A redação final do Código sintetizou o consenso dos interesses dos empresários deambos os setores. Prendendo-se à repartição das competências entre detentores do poder 

  político (historicamente elitizado) e militares (que ocupavam papel central no controle e

conhecimento técnico das Comunicações do país37); e a definições técnicas que impunham à

35 Getúlio Vargas, ao voltar ao poder em 1951, publicou o Decreto nº 29.783/51, estabelecendo o prazo deconcessão dos canais de TV em três anos e criando uma comissão para elaborar um Código Brasileiro deRadiodifusão e Telecomunicações. Com o suicídio do presidente em 1954, o decreto foi revogado, após pressão dos radiodifusores junto ao governo Café Filho. (REBOUÇAS e MARTINS, 2007:04)36 Euclides Quandt de Oliveira (2007), ex-presidente do Contel e ex-Ministro das Comunicações do governoGeisel, registra que entendimentos inicialmente forjados no governo JK entre os setores de radiodifusão etelecomunicações culminaram num acordo que considerou como melhor solução para os dois setores aunificação da regulação dos setores em um só código; assim, “a partir de 1957 passou a ter lugar uma açãomais ou menos conjunta, no Congresso Nacional, do pessoal de radiodifusão com o pessoal detelecomunicações.”37 "Desde as primeiras décadas do século XX, eles estudavam o setor com afinco, impulsionando, em 1959, acriação das Armas de Engenharia e de Comunicações do Exército Brasileiro. A capacitação dos militares nosetor refletia-se nos órgãos reguladores e superava em muito a preparação dos civis, [...]. Dos três membros daComissão Técnica de Rádio, responsável por regular o setor de 1931 a 1962, dois eram militares. Durante ogoverno de Costa e Silva, doze dos dezesseis funcionários do embrionário Ministério das Comunicações,criado em 1967, eram militares, totalizando uma ocupação de 68,7% dos cargos disponíveis, quando aocupação de cargos públicos por militares beirava os 12%. O predomínio dos militares no âmbito dasComunicações refletiu-se no Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel), criado pelo artigo 15 do CBT.Dos dez membros do órgão, quatro eram militares, indicados pelos ministros da Guerra, Marinha e Aeronáuticae pelo Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. De 1962 a 1967, todos os presidentes do Contel foram

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sociedade um modelo privatista, baseado em redes erguidas sobre uma infra-estrutura

estrangeira e bancada pelos investimentos estatais, o CBT não implementou política

verdadeiramente pública de radiodifusão: tratou-se de conjunto de normas que atendeu à

vontade de dominação privada de uma elite política e econômica sobre os veículos de

comunicação de massa do país.

Regras intencionalmente desvinculadas de princípios garantidores de um fim social, nas

 palavras do jornalista Daniel Herz:

Admitindo o uso privado de um recurso natural que é o espectro radiofônico  – considerado universalmente como um bem público – a legislação acolheu oconflito potencial entre o interesse público e o interesse privado. No entanto, oCódigo [Brasileiro de Telecomunicações] omite-se na definição de princípios queorientem o uso privado desse recurso natural de domínio público. (HERZ, 1991apud CASTRO, 2002)

O Presidente da República, João Goulart, que assumira o cargo após a renúncia de

Jânio Quadros, em 1961, estabeleceu nada menos que 52 vetos ao documento. A maioria

deles buscava retomar o poder do Estado (especialmente, do Presidente da República),

opondo-se às novas normas que, derrogando o sistema de decretos da década de 30, limitavam

seu papel como organizador e fiscalizador das concessões e garantiam, aos empresários, prerrogativas conflitantes ao interesse público, tal como o direito a uma renovação automática

das concessões, em caso de omissão decisória do órgão competente sobre pedido de

 prorrogação das mesmas.38 (BRASIL, 1962, art. 33, § 4º; PIERANTI, 2007b; PIERANTI e

MARTINS, 2007).

Conforme estudo de Pieranti e Martins (2007), encontros anteriores à apreciação dos

vetos ao CBT pelo Congresso Nacional, reuniram figuras marcantes da história política

 brasileira, tal como um dos principais críticos de Goulart, Carlos Lacerda, dono da Tribuna da Imprensa, e Antonio Carlos Magalhães, deputado que se tornaria dono de um império

midiático no Estado da Bahia.

militares." (PIERANTI, 2007a:06) Herança recebida desde o Decreto 20.047, de 1931: “Art. 27. Os Ministériosda Viação e Obras Públicas, da Guerra e da Marinha deverão manter estreitas relações em tudo que disser respeito às radiocomunicações, cumprindo ao primeiro trazer os dois outros ao par de todas as concessões,  permissões e licenças, bem como da instalação de estações e suas transformações e alterações técnicas.”(BRASIL, 1931)38 Descrever-se-á com mais detalhes, na análise legal adiante, o teor dos vetos que demonstram a tensão entreinteresses público e privado, inclusive o polêmico direito à renovação.

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Aos 26 dias de novembro de 1962, foi convocado o Congresso Nacional para

apreciação dos vetos, às 21h30. Constatada a falta de quorum, adiou-se a sessão para o dia

seguinte. Na manhã do dia 27, uma novidade: em encontro que reunira 213 empresas no Hotel

 Nacional de Brasília, foi fundada a Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão

(Abert), fruto direto da oposição dos interesses da classe empresarial ao fortalecimento da

 presença e controle do Estado no setor, manifestada nos vetos. João de Medeiros Calmon,

congressista e diretor-chefe dos Diários Associados, seria eleito seu primeiro presidente, em

“reconhecimento à luta na derrubada dos vetos”. (ABERT, 2010)

  Nos anos seguintes, esta entidade desempenharia papel crucial na história não só da

comunicação de massa, mas do Brasil, como instrumento difusor das teses consagradoras do

golpe militar de 196439 e na sustentação da ditadura, cujo projeto perpassava diretamente pela

relação promíscua40 entre Estado e empresas concessionárias de radiodifusão (entre

financiamento, fisiologismo e garantias ao privatismo e monopólio, de um lado, e

subserviência, propagandismo nacionalista e camuflagem das contradições e conflitos sociais,

do outro). Como certa vez disse, na presença de uma câmera, o general-de-exército Emílio

Garrastazu Médici, ditador de um país marcado pela desigualdade, miséria, opressão e tortura:

“Sinto-me feliz todas as noites quando assisto o noticiário. Porque no noticiário da Globo, o

mundo está um caos, mas o Brasil está em paz.” (BEYOND Citizen Kane, 1993; VIEIRA,

1994:131; GÖRGEN, 2008; HERZ, 1991).

A apreciação dos vetos pelo Congresso Nacional aconteceu no mesmo dia 27, e no

seguinte. Nestas duas sessões, todos os 52 vetos de Goulart foram derrubados, um a um, em

votação nominal e nada apertada41, o que sugere a despreocupação dos votantes com a

39 “A queda de Goulart representou uma reação à sua política trabalhista, seu compromisso com a esquerda, emum momento de Guerra Fria, e sua pretensão em tornar os trabalhadores o alicerce de seu poder. A imprensa [e

a mídia em geral, com exceção histórica de Última Hora] não só apoiou tal reação, como a incentivou atravésda exacerbação do medo, da difusão de uma imagem dúbia e radical de Goulart, além da conclamação do poder militar e da restauração de uma ordem que os meios de comunicação acreditavam não mais existir.”(PIERANTI, 2007b)40 “Se a imprensa escrita podia assumir, ainda que por vezes e de formas variadas, um caráter contestatório aogoverno, as empresas de radiodifusão sabiam que dependiam dele para permanecerem autorizadas. Por sua vez,os militares, em seu projeto estratégico nacionalista, tinham interesse direto na expansão de uma voz ‘oficial’.Em nome da segurança nacional fortaleceu-se um regime monopolista, que pudesse promover umauniformização cultural (e ideológica) de todo o país. A concepção unidirecional de comunicação era condiçãode sobrevivência para o regime. Estava feita a comunhão necessária. O Estado dependia das emissoras e asemissoras do Estado. Isso explica as definições sobre radiodifusão no Brasil serem caracterizadas na época – econtinuarem sendo ao longo dos anos – por uma incrível harmonia (ou, sem eufemismos, promiscuidade) entre

o governo e o empresariado.” (CASTRO, 2002:19)41 "Entre os vetos citados na seção anterior, os prazos das concessões (Artigo 33 § 3º) seriam mantidos por 181votos contra 50 e 7 em branco; a possibilidade de deferência automática da renovação às concessões seriamantida por 187 votos contra 49 e 2 em branco; a impossibilidade de punição a empresas que desmentissem

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impressão que a sociedade e seus eleitores poderiam ter de suas manifestações (PIERANTI e

MARTINS, 2007), “em um comportamento que beirava um incomum desafio à Presidência

da República” (PIERANTI, 2007b:01) e que demonstrou o total distanciamento entre Poderes

Executivo e Legislativo. O governo do Presidente João Goulart seria derrubado pouco mais de

um ano depois (01/04/1964), pelo golpe que instalaria e manteria no país uma ditadura militar 

e classista até 1985.

Foi assim que a sociedade brasileira recebeu, inteiriço, o CBT. Nas palavras da Abert,

“a vitória foi total.” (ABERT, 2010)

2.2.1.1. Análise legal do CBT

Inicialmente, o Código Brasileiro de Telecomunicações (BRASIL, 1962) trata de

atualizar a definição do que, para seus efeitos, eram considerados   serviços de

telecomunicações, para logo discipliná-los pelo Código42 e Regulamentos43. A radiodifusão

de sons e de imagens estava incluída neste conceito:

Art. 4º Para os efeitos desta lei, constituem serviços de telecomunicações atransmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens,

 sons ou informações de qualquer natureza, por fio, rádio, eletricidade, meios óticosou qualquer outro processo eletromagnético. Telegrafia é o processo detelecomunicação destinado à transmissão de escritos, pelo uso de um código desinais. Telefonia é o processo de telecomunicação destinado à transmissão da palavra falada ou de sons.

§ 1º Os têrmos não definidos nesta lei têm o significado estabelecido nos atosinternacionais aprovados pelo Congresso Nacional.

§ 2º Os contratos de concessão, as autorizações e permissões serãointerpretados e executados de acordo com as definições vigentes na época em que os

mesmos tenham sido celebrados ou expedidos. (parágrafo vetado e mantido)(BRASIL, 1962, grifei.)

eventuais notícias falsas rapidamente foi mantida por 235 votos contra 11 e sete em branco; e as restrições à  perempção da concessão constantes do artigo 75 foram mantidas por 243 votos contra 3 e 7 em branco."(PIERANTI e MARTINS, 2007)42 "Art. 1º Os serviços de telecomunicações em todo o território do País, inclusive águas territoriais e espaçoaéreo, assim como nos lugares em que princípios e convenções internacionais lhes reconheçamextraterritorialidade obedecerão aos preceitos da presente lei e aos regulamentos baixados para a suaexecução." (BRASIL, 1962).43 Diferentemente da Lei 4.117/62, que cumulava o tratamento das telecomunicações e radiodifusão, sua

regulamentação foi dividida: um Regulamento Geral – Decreto nº. 52.026, de 20 de maio de 1963 (BRASIL,1963a) e cinco Regulamentos Específicos; destes, interessa o Decreto nº. 52.795, de 31 de outubro de 1963(BRASIL, 1963b) – Regulamento Específico dos Serviços de Radiodifusão. Ambos serão paralelamenteabordados neste ponto da pesquisa.

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Ainda no capítulo reservado às definições, o serviço de radiodifusão era classificado

quanto “aos fins a que se destina”, sendo conceituado como aquele “[...] destinado a ser 

recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e

televisão.”44 (BRASIL, 1962, art. 6º, 4, “d”).

Sua finalidade é, então, marcada pela maneira de transmissão (direta e livre), o que

significa a inexistência de intermediações entre emissores e receptores e de limitações no

acesso ao serviço (além da posse do próprio aparelho de rádio ou TV), e pela definição da

abrangência de sujeitos receptores do serviço (o “público em geral”), o que denota sua

universalidade, “por força da qual o serviço é indistintamente aberto à generalidade do

 público.” (MELLO, 2007:659).

O art. 3º do Decreto Regulamentador dos Serviços de Radiodifusão (BRASIL, 1963b)

aclararia as  finalidades às quais está submetida a radiodifusão brasileira e reafirmaria seu

caráter público, limitador dos interesses privados. Infelizmente, de maneira apenas formal:

Art 3º Os serviços de radiodifusão tem finalidade educativa e cultural,mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são considerados de interêsse

nacional, sendo permitida, apenas, a exploração comercial dos mesmos, na medidaem que não prejudique êsse interêsse e aquela finalidade.

  No art. 10 e incisos, o Código determinou a competência privativa da União para

manutenção e exploração direta dos serviços integrantes do Sistema Nacional de

Telecomunicações (I, “a”) e dos serviços públicos de telégrafos, de telefones interestaduais e

de radiocomunicações. Esta exploração direta era ressalvada às exceções constantes da

mesma lei, incluídos aí os serviços de radiodifusão (I, “b”), que não faziam parte do novo

monopólio da União45, podendo ser explorados, indiretamente, por particulares. No mesmo

44 No mesmo sentido, de forma mais completa, o Regulamento Geral do CBT: "Art. 6º Para os efeitos dêsteRegulamento, os têrmos que figuram a seguir têm os significados definidos após cada um dêles. [...] 26)Radiodifusão - é o serviço de telecomunicações que permite a transmissão de sons (radiodifusão sonora) ou atransmissão de sons e imagens (televisão), destinado a ser direta e livremente recebida pelo público."(BRASIL, 1963a)45 "Por meio da nova legislação inaugurou-se uma política de telecomunicações monopolista nas mãos daUnião. Esta ganhou a competência de explorar diretamente os serviços em nível nacional e internacional. Osestados e territórios tiveram a incumbência de explorar diretamente ou através de concessões a telefoniaintermunicipal. A mesma regra foi mantida para os municípios em sua esfera de atuação. O novo ordenamentolegal autorizou o poder Executivo a criar uma empresa pública autônoma para explorar os serviçosinterestaduais e internacionais, a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel). O Sistema Nacional deTelecomunicações deveria formar um complexo de troncos e redes através dos quais se operariam os seguintes

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artigo, inciso II, ditava-se a competência privativa, ao mesmo ente, de fiscalização dos

serviços de telecomunicações concedidos, autorizados ou permitidos.

A Comissão Técnica de Rádio, órgão instituído nos Decretos da década de 1930, era

substituída por um poderoso órgão, o Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel), cujas

amplas competências e composição centralizadora e elitista, seriam alvos de diversos vetos do

Poder Executivo. Como visto, todos em vão.

O Contel foi subordinado diretamente à Presidência da República (o antigo CTR era

vinculado ao então Ministério de Viação e Obras Públicas), com organização e competências

seriam definidas por lei46.

 Na sua composição (BRASIL, 1962, art. 15), o Presidente, indicado pelo Presidente daRepública, e mais 13 (treze) membros: 3 (três) indicados pelos respectivos Ministros da

Guerra, Marinha e Aeronáutica; 1 (um), pelo Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (v.

nota 3737); 4 (quatro), pelos respectivos Ministros da Justiça e Negócios Interiores, das

Relações Exteriores, da Indústria e Comércio e da Educação e Cultura; 3 (três), pelas

Direções Nacionais dos 3 (três) maiores partidos políticos, segundo representação na Câmara

dos Deputados47; e ainda: o Diretor da empresa pública criada para exploração do Sistema

 Nacional de Telecomunicações (Embratel, criada em 16 de setembro de 1965); o Diretor doDepartamento de Correios e Telégrafos48; o Diretor Nacional do Departamento de

Telecomunicações49, este último, sem direito a voto.

Os requisitos legais de escolha do Presidente e membros do Conselho (art. 28)

limitavam-se às exigências de cidadania brasileira, “reputação ilibada” e “notórios

serviços: telefonia, telegrafia, difusão de sons e imagens, transmissão de dados,  fac-simile, telecomando e

radiodeterminação." (PEREIRA FILHO, 2002)46 “Art. 14. É criado o Conselho Nacional de Telecomunicações (C.O.N.T.E.L.), com a organização ecompetência definidas nesta lei, diretamente subordinado ao Presidente da República.” Partes vetadas emantidas: “Art 14. É criado o Conselho Nacional de Telecomunicações (C.0.N.T.E.L.), com a organização(VETADO) definidas nesta lei, (VETADO).” (BRASIL, 1962)47 Com o detalhe de que: “Art. 15. O Conselho Nacional de Telecomunicações terá um Presidente de livrenomeação do Presidente da República e será constituído: [...] § 1º Se os três partidos a que se refere a alínea "e"estiveram todos apoiando o Govêrno, o partido de menor representação será substituído pelo maior partido deoposição, com representação na Câmara dos Deputados.” (BRASIL, 1962)48 Os Diretores da Embratel e dos Correios poderiam ser representados “por pessoa escolhida entre os membrosdo seu Gabinete ou Diretores de sua repartição” (BRASIL, 1962, art. 15, “a” e “f”). O veto de João Goulart,neste caso, atacou somente a expressão "dos membros do seu Gabinete", acordando quanto à hipótese dosdiretores.49 Órgão que funcionaria como secretaria executiva do Contel. "Art. 25. O Departamento Nacional deTelecomunicações é a secretaria executiva do Conselho [...]" (BRASIL, 1962)

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conhecimentos de assuntos ligados aos diversos ramos das telecomunicações.” Uma vez

empossados, a substituição dos membros em decurso de mandato só poderia ser realizada

“por justa causa, verificada mediante inquérito administrativo, sob pena de nulidade das

decisões tomadas com o voto do substituto.” (art. 17, § único). Das deliberações do Conselho,

determinava o art. 24 que, se unânimes, caberia unicamente pedido de reconsideração para o

mesmo; se não unânimes, caberia recurso para o Presidente da República.

As 35 (trinta e cinco) competências distribuídas ao Contel (BRASIL, 1962, art. 29)

concediam-lhe um amplo leque de atribuições centrais, inclusive executórias, como se

 percebe no exemplo da alínea “e”:

Art. 29. Compete ao Conselho Nacional de Telecomunicações: [...]

e) promover , orientar e coordenar o desenvolvimento das telecomunicações, bem como a constituição, organização, articulação e expansão dos serviços públicosde telecomunicações. (BRASIL, 1962, grifei.)50.

Dentre elas, cabia ao Conselho o planejamento das Telecomunicações no país:

Art. 29. [...] c) elaborar o plano nacional de telecomunicações e proceder à

sua revisão, pelo menos, de cinco em cinco anos, para a devida aprovação peloCongresso Nacional; [...] f) estabelecer as prioridades previstas no art. 9º, § 2º, destalei51;

A fiscalização dos delegatários dos serviços públicos de telecomunicações:

Art. 29. [...] h) fiscalizar o cumprimento das obrigações decorrentes dasconcessões, autorizações e permissões de serviços de telecomunicações e aplicar assanções que estiverem na sua alçada; [...] j) fiscalizar as concessões, autorizações e permissões em vigor; opinar sôbre a respectiva renovação e propor a declaração decaducidade e perempção; [...] af) fiscalizar o cumprimento, por parte das emissôrasde radiodifusão, das finalidades e obrigações de programação, definidas no art. 38;

50 Goulart, através de veto, tentou realinhar e restringir tais poderes ao seguinte recorte: “e) Orientar ecoordenar o desenvolvimento das telecomunicações.”51

"Art. 9º O Conselho Nacional de Telecomunicações ao planejar o Sistema Nacional de Telecomunicações,discriminará os troncos e os centros principais de telecomunicações. [...] § 2º O Conselho Nacional deTelecomunicações estabelecerá as prioridades, segundo as quais se procederá à instalação dos troncos e redesdo Sistema Nacional de Telecomunicações." (BRASIL, 1962)

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E, fundamentalmente ao presente estudo, o Contel detinha competências de delegação

(outorga) e renovação de permissões e autorizações de serviços públicos, de atribuição de

requisitos e emissão das licenças de funcionamento52 das estações de radiodifusão. Veja-se:

Art. 29. Compete ao Conselho Nacional de Telecomunicações:

[...]

x) outorgar ou renovar quaisquer permissões e autorizações de serviço deradiodifusão de caráter local (art. 33, § 5º) e opinar sobre a outorga ou renovação deconcessões e autorizações (art. 34, §§ 1º e 3º); [...] aa) expedir certificados delicença para o funcionamento das estações de radiocomunicação e radiodifusão umavez verificado, em vistoria, o atendimento às condições técnicas exigidas; ab)estabelecer as qualificações necessárias ao desempenho de funções técnicas eoperacionais pertinentes às telecomunicações, expedindo os certificados

correspondentes;” (BRASIL, 1962, grifei.)

Os serviços de rádio e televisão seriam “executados diretamente pela União ou através

de concessão, autorização ou permissão.” (art. 32) Tal regra, que repetia a competência

  privativa da União na área, de resto já consagrada pelo direito positivo brasileiro, tanto

constitucionalmente como infraconstitucionalmente, inovava ao determinar (de forma

atécnica, como se verá) dois novos instrumentos à delegação de serviços públicos de

radiodifusão: permissões e autorizações.

Ao Regulamento Geral do CBT (BRASIL, 1963a) coube a definição dos conceitos:

Art. 6º Para os efeitos dêste Regulamento, os têrmos que figuram a seguir têm os significados definidos após cada um dêles.

1) Autorização - é o ato pelo qual o Poder Público competente concede ou permite a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, a  faculdade deexecutar e explorar em seu nome e por conta própria  serviços de telecomunicações,durante um determinado prazo. [...]

4) Concessão - é a autorização outorgada pelo poder competente a entidadesexecutoras de serviços públicos de telecomunicações, de radiodifusão sonora decaráter nacional ou regional e de televisão. [...]

23) Permissão - é a autorização outorgada pelo poder competente a pessoasfísicas ou jurídicas para execução dos seguintes serviços: - Radiodifusão de caráter 

52  Licença é o ato administrativo vinculado pelo qual o Poder Público, verificando que o interessado atendeu atodas as exigências legais, faculta-lhe o desempenho de atividades ou a realização de fatos materiais antesvedados ao particular. É resultante de um direito subjetivo do interessado, razão pela qual a Administração não  pode negá-la quando o requerente satisfaz todos os requisitos legais para sua obtenção. (MEIRELLES,

2010:191) Não se confunde, assim, com os institutos da concessão, autorização ou permissão. "Art 5º Para osefeitos dêste Regulamento, os têrmos que figuram a seguir tem os significados definidos após cada um deles:[...] 2) Certificado de licença - É o documento expedido pelo Contel, que habilita as concessionárias e permissionárias a iniciar a execução de serviços de radiodifusão." (BRASIL, 1963a)

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local, não incluindo o de televisão; - Público Restrito; - Limitado Interior; -Radioamador; - Especial. (BRASIL, 1963b, grifei.)

Da leitura deste artigo, depreende-se que a autorização concede ou permite, a outras pessoas, a faculdade53 de execução e exploração de  serviços de telecomunicações. O Código,

não utiliza, portanto (e apesar do imbróglio conceitual) da autorização para a delegação dos

serviços de radiodifusão, diferenciados que estão, pela mesma lei, dos serviços de

telecomunicações (BRASIL, 1963a, art. 7°, II).

Restringindo-se ao campo da radiodifusão e aos dois institutos de direito administrativo,

  já tratados acima (v. 2.1.1.), as concessões e permissões distinguiam-se pelo tipo e pela

abrangência de área do serviço delegado. A concessão era aplicada aos serviços: a) deradiodifusão sonora de caráter nacional ou regional; b) de televisão. E a permissão: a) ao

serviço de radiodifusão [sonora] de caráter local.

Ao Presidente da República – consolidando negativa tradição da ordem jurídica

 brasileira – determinou-se a prerrogativa de delegar as “concessões ou autorizações” (art. 34,

§ 1º). Ressalvas às autorizações54 de serviço de radiodifusão de caráter local , cuja

competência foi designada ao Contel (art. 33, § 5º), e à observância de preferência nas

concessões, para pessoas jurídicas de direito público interno, inclusive universidades (art. 34,

§ 2º).

De acordo com estes mandamentos, interpretados à luz do seu Regulamento de

Execução (BRASIL, 1963a, art. 6º e nota 54,  supra), assim se dividiram, a partir de 1962,

quanto à radiodifusão, as competências de delegação:

I.  Ao Presidente da República, via concessão: a) televisão [nacional, regional ou

local]; b) radiodifusão sonora regional ou nacional.

53 Não nos parece possível que a delegação para exploração de um serviço público – que é o que concretamentese pactua e realiza através destas “autorizações” do CBT – poderia ser  facultada ao concessionário. Em virtudede que, na execução do serviço público, prestada direta ou indiretamente, através de concessão, permissão ouautorização, tem o Estado, ou o ente que executa o serviço em seu nome, o “dever  inescusável  de promover-lhea prestação”, sendo este dever (e não faculdade) considerado por Celso Antônio Bandeira de Mello (2007:658)o primeiro princípio do serviço público, aspecto formal do próprio conceito e componente, portanto, do seuregime jurídico. 54 Há aqui, nas duas competências relativas a “autorizações”, contradição do CBT com seu Regulamento

Geral, que dita ser a permissão o instrumento normativo para outorga de radiodifusão sonora local . (BRASIL,1963a, art. 6º). No entanto, não deixa de ser legal o raciocínio do art. 33 do CBT, pela definição ampla – comose fora gênero – de autorização, constante no referido Decreto (art. 6º, 1). Aliás, como se percebe da sualeitura, o Código utiliza, diversas vezes, da dupla “concessão ou autorização”, no sentido de permissão.

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II. Ao Contel, via permissão: a) radiodifusão [sonora] local.55 

Esta repartição bipartite de competências e espécies de delegação (concessão e

  permissão), entre, respectivamente, o Presidente da República e outro órgão do Poder 

Executivo, é a estrutura normativa pela qual também se realizaram delegações na era dos

Decretos de 1930 e no governo Sarney. O “outro órgão” era, no passado, o Ministro da

Viação e Obras Públicas e seria, na Nova República, o Ministro das Comunicações, cargo

criado em 1967 (BRASIL, 1967b, art. 205) e competência instituída em 1972 (BRASIL,

1972, art. 5º).

Os prazos das delegações foram determinados em 10 (dez) anos para o serviço de

radiodifusão sonora e 15 (quinze) para o de televisão, podendo ser renovados por períodossucessivos e iguais, “se os concessionários houverem cumprido tôdas as obrigações legais e

contratuais, mantido a mesma idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interêsse

 público (art. 29, X)56.” (BRASIL, 1962, art. 32 e 33, § 3º).

Os legisladores, extrapolando sua competência legal, ainda determinaram, em benefício

dos radiodifusores lobbystas e/ou congressistas, que estavam “automaticamente mantidas”,

 por estes novos prazos, de 15 e 10 anos, todas as concessões e autorizações em funcionamento

ao tempo da promulgação do CBT (BRASIL, 1962, art. 117).O Código estabeleceu outras absurdas prerrogativas aos concessionários, em face de

mora do Poder Executivo na apreciação de pedidos de prorrogação de concessão e

transferência de ações ou cotas. Fala-se, inclusive, de um direito à renovação. Veja-se:

55 Interpretação confirmada pelos §§ do art. 6º do Regulamento Específico da Radiodifusão, lei posterior eespecífica, de outubro de 1963, que ainda adicionou às competências do Contel a delegação de permissões de

estações retransmissoras e repetidoras: “Art 6º À União compete prioritário nacional, inclusive águasterritoriais e espaço aéreo, a execução de serviços de radiodifusão. § 1º É atribuição do Presidente da Repúblicaa outorga de concessões para a execução de serviços de televisão e de serviços de radiodifusão sonora regionalou nacional. § 2º Compete ao CONTEL: a) outorgar permissões para a execução de serviços de radiodifusãosonora em onda local; b) outorgar permissões para a instalação de estações retransmissôras e repetidoras deradiodifusão.”; e pelo art. 17 do mesmo diploma: “Art 17. A outorga de autorizações para a execução deserviço de radiodifusão será feita através de concessões ou permissões.” (BRASIL, 1963b)56 Esta remissão do legislador ao art. 29, X, quando trata do atendimento ao interesse público como requisito darenovação da concessão, é sintomática da centralização de poderes e falta de participação popular nos processos instituídos por esta Lei. Este inciso X, estudado supra, é o que determinara competência do Contel para “opinar sobre a outorga ou renovação de concessões e autorizações”. Sua inclusão no final do § 3º do art.33 vinculava a conclusão sobre o atendimento ou não-atendimento do interesse público à opinião (de caráter 

decisório) emitida pelo órgão, o que, somada a restrita recorribilidade e ao elitismo de sua composição,contribuía ao distanciamento do interesse público do próprio público, do povo que frui (vê e ouve, mas não évisto nem ouvido) dos serviços de radiodifusão, subsistindo, na prática, um interesse substancialmentedesqualificado, privado e manejável pelos detentores do poder estatal.

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Art. 33. Os serviços de telecomunicações, não executados diretamente pelaUnião, poderão ser explorados por concessão, autorização ou permissão, observadasas disposições da presente lei. [...] § 4º Havendo a concessionária requerido, emtempo hábil, a prorrogação da respectiva concessão ter-se-á a mesma comodeferida se o órgão competente não decidir dentro de 120 (cento e vinte) dias .

[...]

Art. 38. Nas concessões e autorizações para a execução de serviços deradiodifusão serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos ecláusulas: [...] c) a transferência da concessão, a cessão de cotas ou de açõesrepresentativas do capital social, dependem, para sua validade, de autorização doGovêrno após o pronunciamento do Conselho Nacional de Telecomunicações. O

  silêncio do Poder concedente ao fim de 90 (noventa) dias contados da data daentrega do requerimento de transferência de ações ou cotas, implicará naautorização.

[...]

Art. 75. A perempção da concessão ou autorização será declarada pelo

Presidente da República, precedendo parecer do Conselho Nacional deTelecomunicações, se a respectiva concessionária ou permissionária decair dodireito à renovação. Parágrafo único. O direito à renovação decorre documprimento, pela concessionária ou permissionária, das exigências legais eregulamentares, bem como das finalidades educacionais culturais e morais a queesteve obrigada57 . (BRASIL, 1962, grifei)

Tais determinações legais são claramente incompatíveis com o próprio regime de

Direito Público, no qual se fundam as delegações de radiodifusão. Não se justifica, nem

  jurídica e, muito menos, socialmente, que ao particular se designem direitos deste calibre,quando está em pauta a prestação de um serviço público cuja exploração cabe à própria

União.

57 Detalhamento do Regulamento Específico: “Art 67. As concessionárias e permissionárias de serviços deradiodifusão, observado o caráter educacional dêsse serviço, deverão na organização dos seus programas,atender entre outras às seguintes exigências: 1. manter um elevado sentido moral e cívico, não permitindo airradiação de espetáculos, trechos musicais cantados, quadros, anedotas ou palavras contrários à moral familiar 

e aos bons costumes; 2. limitar a um máximo de 25% (vinte cinco por cento) pelo horário da sua programaçãodiária, o tempo destinado à publicidade comercial; 3. destinar um mínimo de 5% (cinco por cento) do horáriode sua programação diária para transmissão de serviço noticioso.” (BRASIL, 1963b) Na prática, a falta defiscalização das atividades de rádio e TV no Brasil faz com que tais determinações, presentes em tantas leis(que, se aplicadas, certamente mitigariam as distorções da nossa Comunicação) não sejam efetivadas. O percentual de publicidade é mais uma regra entre outras (como a reserva de programação à produção cultural eregional) à qual continuam se comprometendo formalmente os radiodifusores para, logo depois, desrespeitá-las, conscientes da impunidade que faz das morosas avaliações, que geralmente ultrapassam o tempo da própriaconcessão, grandes farsas que culminam sempre na decisão pela renovação dos canais. Neste sentido, Cristianode Aguiar Lopes (2008:12): “O Ministério das Comunicações, responsável por essa fiscalização, não conta comdelegacias regionais nos estados, extintas no final de 2002. Por isso, todo o trabalho de fiscalização, incluindo ainstrução dos processos de apuração de infração, fica concentrado em Brasília – mais especificamente noDepartamento de Acompanhamento e Avaliação de Comunicação Eletrônica da Secretaria de Serviços de

Comunicação Eletrônica, que conta com um reduzido quadro de funcionários. Ou seja: os licitantes sabem quedificilmente o Poder Público terá condições de averiguar se o que foi apresentado na proposta técnica durantea concorrência efetivamente será cumprido. Portanto, mais um incentivo a inflar ao máximo as propostasapresentadas.” (grifei.) Ver também: VENTURINI (2007); SEGUNDO (2010); AQUINO (2011).

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A delegação ao particular é, para o Estado, apenas um meio para a realização de sua

finalidade, qual seja, a boa prestação do serviço público à população. Ao particular, no outro

 pólo, o serviço é um meio para a realização de fim específico, no seu caso, o lucro.

Da seguinte lição de Celso Bandeira de Mello, conclui-se que não pode haver tal direito

à renovação e congêneres, pois no caso de prejuízo ou exigência do interesse coletivo, tanto

 pode, como deve o Estado intervir, exigir e até retomar as delegações de radiodifusão:

Ao Estado assistem todas as garantias necessárias à obtenção de seudesiderato. Por esta razão, pode dispor livremente sobre as condições de prestaçãodo serviço e modificá-las sempre que o interesse público o reclamar, assim comoretomá-lo sem que caiba oposição do concessionário. A este, por seu turno, caberãotodas as garantias atinentes à mantença do equilíbrio econômico-financeiroavençado por ocasião da concessão, pois foi o que através dela buscou. (MELLO,2007:693)

Para finalizar o dispendioso e intrigante estudo dos dispositivos do CBT, traçam-se

ainda mais algumas considerações sobre o processamento das delegações de concessões e

 permissões.

Seu início poderia ocorrer por iniciativa do Contel ou por requerimento de entidade

interessada (BRASIL, 1963b, art. 10). Julgada a conveniência da abertura do processo, omesmo órgão publicaria edital, convidando os interessados a apresentar propostas (BRASIL,

1962, art. 34). Estas deveriam conter certos requisitos; criticar-se-ão alguns deles, visto que a

lógica que carregam perpetua-se, até hoje, na radiodifusão brasileira, contribuindo tanto à

  propriedade cruzada e monopolização dos meios, quanto à utilização dos mesmos por 

 políticos:

1.   Declaração firmada pelos diretores e administradores indicados de que: não

 participam da direção de outra concessionária ou permissionária do mesmo tipo de serviço deradiodifusão, na localidade onde se pretende instalar a nova emissora; a sociedade ou

elementos que detém a maioria das cotas ou ações representativas do seu capital social, não

detém outra autorização para executar o mesmo tipo de serviço na mesma localidade; não

gozam de imunidade parlamentar ou fôro especial (BRASIL, 1963b, art. 14, 7, “a”, “b”, “c”).

Isto significou, na prática, o aval para que apenas os diretores e administradores

indicados – ao invés daquelas pessoas que exercem controle  de fato, ou, pelo menos, os

sócios e cotistas da empresa – fossem alvo das vedações, quando: exerçam a radiodifusão nomesmo perímetro; detenham cotas/ações de outra executora de radiodifusão; exerçam cargo

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 político. Esta é a legalização dos interesses dos parlamentares e dos empresários contrários à

importunação da Lei sobre suas detenções simultâneas de diversos meios de comunicação de

massa. Além disto, a vedação à posse de apenas um veículo na mesma localidade, permitiu,

logicamente, que em outra, a atividade (e os monopólios) não encontrassem restrições

quaisquer.

2. Prova de que a sociedade realizou no mínimo 50% (cinqüenta por cento) do capital 

 social  mediante apresentação de documento, comprovando o depósito feito em banco da

quantia correspondente. Os capitais mínimos exigidos das sociedades pretendentes à execução

de serviços de radiodifusão seriam indicados em Portaria pelo Contel. (BRASIL, 1963b, art.

14, 6, c/c art. 15)

  Neste caso, sob as vestes de uma exigência aparentemente lógica, restringe-se o

exercício da atividade de radiodifusão à detenção de poderio econômico, definido

discricionariamente e geralmente acessível aos radiodifusores privados já estabelecidos,

sustentando um ciclo monopolizador. Pesquisa de Cristiano de Aguiar Lopes (2008) revela

que o critério econômico é o que tem definido, na era das licitações 58, a eleição de quem

exercerá os serviços de radiodifusão no Brasil, o que vai de encontro direto ao interesse da

coletividade em receber o melhor serviço, que, definitivamente, não se adstringe ao critério

financeiro59.

Findo o prazo de apresentação das propostas, em caso de concessão, competia ao Contel

emitir parecer sobre as condições de execução do serviço, com indicação de quais

 pretendentes atenderam às exigências do edital, restando, ao final, a “livre escolha”, dentre

estes, pelo Presidente da República. Já nas permissões, o Contel, após a emissão de parecer 

idêntico ao caso anterior, selecionaria diretamente o pretendente que reunisse “as melhores

condições”.Em ambos os casos, fica evidente o tamanho do poder discricionário instituído pelo

CBT e tão aberto à manipulações (v. capítulo 3). Também nos dois tipos de delegação,

determinava-se a mera “observância” de critérios preferenciais na escolha das entidades:

58 A licitação passou a ser exigida para as delegações de radiodifusão somente a partir de 1996 (BRASIL,1996).59 “Com a preponderância do critério financeiro para a obtenção de concessões, estão sendo privilegiados

empresários já atuantes no setor, que dispõem de experiência e de recursos para operar novas emissoras. Comisso, são preteridos projetos que possam contribuir para uma maior democratização das comunicações, para amelhoria da qualidade do conteúdo do rádio e da televisão e para a regionalização da produção de comunicaçãoeletrônica.” (LOPES, C., 2008:13)

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residência dos diretores na localidade da emissora; entidade com maior número de cotistas ou

acionistas; melhores condições técnicas para execução do serviço; maior tempo de

 programação ao vivo; maior tempo dedicado à educação e instrução; maior tempo destinado a

serviço noticioso (BRASIL, 1963b, art. 16).

2.2.2. Cartas da Ditadura: em nome do Povo, o povo para fora da cultura

As Telecomunicações, setor considerado estratégico no “combate ao inimigo interno e

estrangeiro”, transformar-se-iam num poderoso instrumento de segurança nacional, integração

territorial e propaganda política durante a ditadura que, “de acordo com os ditames da Escola

Superior de Guerra, era posto a serviço da sustentação ideológica do regime militar.”

(VIEIRA, 1994:135) Neste sentido, foi extensa a produção legislativa do período ditadorial,

criticada a seguir.

Após o CBT, a legislação sobre radiodifusão sofreu as primeiras e decisivas alterações

em 1967. O começo deste ano foi de intensa atividade legislativa, exercida autoritariamente

 pelo Poder Executivo; destacam-se os Decretos-Lei nº. 200 e nº 236 e a Constituição Federal,

todos do primeiro semestre do mesmo ano.

O novo regime, instituído à força armada em 1º de abril de 1964, legislava com base em

Atos Institucionais (AIs), editados primeiramente pelo Comando Supremo da Revolução (no

caso do AI-1) e depois pelo Presidente da República e ditador Marechal Henrique Castello

Branco (AIs 2, 3 e 4); note-se que os dispositivos dos AIs eram imediatamente incorporados à

retalhada Constituição de 1946.

O governo militar declarava-se como revolução vitoriosa, autêntica e apoiada

inequivocamente pela Nação. Baseado nesta autolegitimação, a ditadura investiu-se no

exercício do Poder Constituinte, normativamente ilimitado (que não encontra limites em

outras leis). Segundo os Atos Institucionais, base legal da manutenção do golpe, o Povo,como único titular do Poder Constituinte, legitimava a atuação dos novos revolucionários. No

entanto, sua manifestação poderia dar-se por eleições populares ou pela revolução (BRASIL,

1964).60 

60 A transcrição de alguns trechos do preâmbulo do Ato Institucional nº. 01, de 09 de abril de 1964, revela alógica da dominação política, moral, institucional e econômica que se propagaria por mais de vinte anos: “ATOINSTITUCIONAL (Nº 1) À NAÇAO. É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acabade abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento,não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é umaautêntica revolução. A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz,não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. [...] A revolução vitoriosa seinveste no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a

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Baseados no discurso de “erradicação da corrupção e subversão”, “drenagem do bolsão

comunista” e “recuperação econômica, financeira, política e moral do Brasil” (BRASIL,

1965), os novos comandantes da Nação utilizaram-se de toda a força e legitimidade do

Estado, como monopolizador do Direito e da violência, para institucionalizar-se , isto é: para

manter-se no poder golpeado, afastando, prendendo (sem chance de habeas corpus61) e

eliminando os opositores à nova ordem.

Enfraquecendo e modificando as competências Poder Legislativo (cujos antigos

Partidos Políticos seriam logo extintos), suspendendo direitos políticos (BRASIL, 1965, art.

15) e garantias legais, como vitaliciedade e estabilidade (BRASIL, 1964, art. 7º) e, ainda,

afastando qualquer controle ou apreciação judicial sobre as determinações dos AIs (BRASIL,

1965, art. 19), o caminho dos militares e das elites que os apoiavam estava livre para aimplementação dos seus projetos, quaisquer que esses fossem.

A Constituição Federal de 1967 foi determinada pelo Presidente Castello Branco através

do Ato Institucional de nº. 4 (BRASIL, 1966). O Congresso Nacional foi convocado como

Assembleia Constituinte impelida à “discussão, votação e promulgação” do Projeto de

Constituição apresentado pela Presidência e redigido por Carlos Medeiros Silva, Ministro da

Justiça, e Francisco Campos, redator, entre outros, da Carta de 1937, do AI-1 e dos Códigos

Penal e de Processo Penal.A “lei constitucional do movimento de 31 de março”, nas palavras do próprio AI-4,

seria redigida a partir de reunião extraordinária do Congresso, marcada no rápido interstício

de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967. Neste último dia, após um processamento

acelerado e centralizado numa comissão composta por onze Deputados e onze Senadores

(indicados pelos Presidentes das Casas e lideranças partidárias, apoiadores do golpe), haveria

de ser promulgada a Constituição, segundo a redação final da Comissão, emendada, ou não, e

encerradas, ou não, as votações (BRASIL, 1966, art. 8º).

forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte.   Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novogoverno. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem quenisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à açãodas Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular. A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se apressa  pela sua institucionalização a limitar os plenos poderes de que efetivamente dispõe [...].” (BRASIL, 1964,grifei.)61

Do Ato Institucional nº. 5: "Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Art. 11 - Excluem-sede qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus AtosComplementares, bem como os respectivos efeitos." (BRASIL, 1968a)

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O art. 9º do Ato Institucional de nº. 4 é a base normativa utilizada para a promulgação,

diretamente por Castello Branco, dos Decretos que interessam à esta pesquisa (de nº. 200 e

236), ambos baixados nos últimos dias do mês de fevereiro de 1967. Veja-se a competência

de exceção:

Art 9º - O Presidente da República, na forma do art. 30 do Ato institucionalnº 2, de 27 de outubro de 1965, poderá baixar Atos Complementares, bem comodecretos-leis sobre matéria de segurança nacional até 15 de março de 1967.

§ 1º - Durante o período de convocação extraordinária, o Presidente daRepública também poderá baixar decretos-leis sobre matéria financeira.

§ 2º - Finda a convocação extraordinária e até a reunião ordinária doCongresso Nacional [15 de março], o Presidente da República poderá expedir decretos com força de lei sobre matéria administrativa e financeira. (BRASIL,1966, grifei)

A nova Constituição da República Federativa do Brasil seria aprovada em 24 de

  janeiro e entraria em vigor a partir de 15 de março, mesmo dia em que assume o segundo

ditador, Marechal Artur da Costa e Silva. Apenas dois dias após a edição de outro Decreto-

Lei, de nº. 314 (BRASIL, 1967d) que, com base na mesma competência  supra, impôs a

 primeira Lei de Segurança Nacional, aumentando e legalizando a repressão político-policial

ao instituir os famigerados crimes contra a segurança nacional e contra a ordem política e

social, prática ainda agravada pelo AI-5, de 1968 (BRASIL, 1968a).

2.2.2.1.  Análise legal da legislação da ditadura

Inicialmente, no que tange a Carta de 1967 (BRASIL, 1967a), cabe registrar que suas

características básicas remetiam à Carta do Estado Novo (BRASIL, 1937): procedia-se à

centralização de poderes na União e na Presidência da República e à redução da autonomia

individual, com a permissão constitucional para suspensão de direitos e garantias presentes na própria CF.

Quanto à radiodifusão, na vigência do governo militar mantinha-se o monopólio da

União sobre os estratégicos serviços de telecomunicações; competia-lhe explorá-los,

diretamente ou indiretamente, mediante autorização ou concessão, além de legislar sobre o

tema (BRASIL, 1967a, art. 8º, XV, “a”/XVII, I).

Continuavam presentes os dispositivos constitucionais aplicáveis às atividades de

rádio e TV, tais como os referentes à liberdade de manifestação de pensamento e à vedação à

 propriedade de empresas por estrangeiros ou sociedades anônimas. Todavia, foram incluídas

no texto legal restrições à aplicabilidade destas normas, relacionadas à hipótese de subversão

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da ordem vigente, possibilitando assim a repressão a eventuais liberdades que não estivessem

de acordo com os interesses do grupo dominante. É o teor dos arts. 150 e 166:

Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

§ 8º - É livre a manifestação de pensamento, de convicção política oufilosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto aespetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelosabusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a  propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou declasse.

[...]Art 166 - São vedadas a propriedade e a administração de empresas

 jornalísticas, de qualquer espécie, inclusive de televisão e de radiodifusão:I - a estrangeiros; II - a sociedade por ações ao portador; III - a sociedadesque tenham, como acionistas ou sócios, estrangeiros ou pessoas jurídicas, exceto osPartidos Políticos. § 1º - Somente a brasileiros natos caberá a responsabilidade, aorientação intelectual e administrativa das empresas referidas neste artigo.

§ 2º - Sem prejuízo da liberdade de pensamento e de informação, a lei  poderá estabelecer outras condições para a organização e o funcionamento dasempresas jornalísticas ou de televisão e de radiodifusão, no interesse do regimedemocrático e do combate à subversão e à corrupção. (BRASIL, 1967a, grifei.)

A Emenda Constitucional nº. 01, de 1969 – teórica e tecnicamente, apenas um

mecanismo de outorga de uma nova Constituição (SILVA, 2006:87) –, promulgada pelos

Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar 62, modificou

substancialmente os dispositivos gerais da Carta de 67.

Relevante à esta pesquisa, no entanto, apenas a nova redação que ampliava o rol da

intolerância sobre a manifestação do pensamento, presente no § 8º do art. 150, para: “[...]

 propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou de classe,

62 Em 13 de dezembro de 1968, mesmo dia em que o AI-5 determinou a competência do Presidente daRepública para decretá-lo, “em estado de sítio ou fora dele” (BRASIL, 1968a), foi determinado o recesso doCongresso Nacional por Costa e Silva, que, à época da Emc1, de 1969, estava enfermo, vindo a falecer emdezembro do mesmo ano. O notável, nestes movimentos jurídicos da ditadura, é a manipulação e representaçãoda dominação política através da legalidade e do Direito, percebida quando uma norma, impostaautoritariamente, abre caminhos (determina competências) para o exercício de outros poderes, cada vez maisrepressivos. Assim, os novos Atos (Institucionais, Complementares) sempre iniciam sua redação com a mençãoàs normas pregressas que representam a legitimidade daquele órgão no exercício do poder, como se não oexercesse arbitrariamente, mas apenas cumprisse atribuições legalmente conferidas e, em tese, fruto deconsenso parlamentar-representativo. Por exemplo, o Ato Complementar nº 38/68 começa com: “O Presidenteda República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 9º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro, de1968, resolve baixar o seguinte Ato Complementar: Art. 1º  Nos têrmos do art. 2º e seus parágrafos, do Ato

 Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, fica decretado o recesso do Congresso Nacional, a partir destadata.” (BRASIL, 1968b) Este processo nasce na representação inicial  de exercício do Poder Constituinteoriginário pelo povo (v. nota 6060), quando este, na realidade, está totalmente apartado e dominado pela elitemilitar e civil no poder, organizada no Estado.

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e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.” (BRASIL, 1969,

art. 153).

 Na prática, a censura, como nunca antes, alcançava quaisquer emissões de opiniões, que

arbitrariamente poderiam ser consideradas “contrárias à ordem, aos ideais e à consolidação do

Movimento de março de 1964” (BRASIL, 1968a, preâmbulo), inclusive as manifestações

radiofônicas e televisivas.

A doutrina da Segurança Nacional, ideologia ditatorial que pregava a responsabilidade

total do Estado no combate a ameaças externas e internas contra a Nação, admitindo, para

isso, restrições aos direitos individuais na persecução dos “objetivos nacionais permanentes”

(PIERANTI, 2007a:04), estava concretizada na Carta de 67, Capítulo VII, Seção V.

Os seus dispositivos envolviam a atividade de radiodifusão na medida em que estasestavam sob guarda dos amplos poderes de exceção dados ao Conselho de Segurança

  Nacional (CSN), órgão responsável pela formulação e execução da Política de Segurança

 Nacional e composto pelo Presidente e Vice-Presidente da República e todos os Ministros de

Estado (BRASIL, 1967a, art. 90).

  Nas áreas consideradas como indispensáveis à segurança nacional, o CSN detinha a

  prerrogativa de “dar assentimento prévio para concessão e instalação de meios de

comunicação, além de poder modificar ou cassar as referidas concessões e autorizações.”(BRASIL, 1967a, art. 91).

  No mesmo ano da Constituição, o Decreto-Lei nº. 200, de 25 de fevereiro de 1967

(BRASIL, 1967b), dispôs sobre a organização da Administração Federal. O DL estava

inserido na Reforma Administrativa maior que estruturaria o Estado sob a ditadura militar: o

PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo63, elaborado por Roberto Campos (Ministro

do Planejamento) e Octávio Gouvêa de Bulhões. (BERCOVICI, 2010:78)

Promulgada diretamente pelo Marechal Castello Branco, a reforma instituída pelo DL-200 também não seria debatida no Congresso Nacional. Incorporava o princípio da

subsidiariedade, de inspiração nas legislações fascistas de Mussolini e Franco (BERCOVICI,

2010:82) e presente na Carta de 1967 (art. 157, 8º. e 163), que proclamava a subsidiariedade

da intervenção do Estado no domínio econômico apenas quando o setor privado não pudesse

ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa

empresarial. Ou seja, coadunava-se com a situação que já era, há muito, a regra na

63 Também vinculadas ao PAEG, estavam as reformas do sistema monetário e financeiro (com a criação doBanco Central do Brasil, Lei 4.595/64) e do sistema tributário nacional (EmC. nº. 18/65 e Código Tributário Nacional, Lei 5.172/66).

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radiodifusão brasileira: um serviço público de exploração privada (MOTTER, 1994b:103)

com o Estado à parte, apenas a oportunizar, ao empresariado, o uso comercial do espectro

eletromagnético.

A Reforma criou também o Ministério das Comunicações (Minicom), ao lado de outros

do Ministérios do “Setor Social”: Educação e Cultura, Trabalho e Previdência Social e Saúde

(BRASIL, 1967b, art. 35). O Minicom assumiu as amplas e centrais funções do Conselho

 Nacional de Telecomunicações (Contel), incorporado à sua estrutura, restando ao Conselho as

atribuições de “órgão normativo, de consulta, orientação e elaboração da política nacional de

telecomunicações.” (art. 165, caput ). O Departamento Nacional de Telecomunicações

(Dentel), antes Secretaria-Executiva do Contel, passaria a integrar o novo Ministério como

“órgão central” (art. 165, § único). Em 1972, através do Decreto 70.568, o Contel seriafinalmente extinto, e suas atribuições seriam assumidas pelo Dentel.

O objetivo principal do Regime Militar na criação desta nova configuração

administrativa, cuja base seria o Ministério das Comunicações, era de promover, ainda mais, a

centralização das telecomunicações nas mãos do Poder Executivo, já que este área estava

vinculada diretamente à doutrina de Segurança Nacional. Já se citou que 68,7% dos cargos

disponíveis no embrionário Minicom, em 1967, seriam ocupados por militares (PIERANTI,

2007a:06).Outro decreto em tela, o Decreto-Lei nº. 236, de 28 de fevereiro de 1967 (BRASIL,

1967c), editado por Castello Branco apenas três dias após o DL-200, teve como objeto único a

reforma do Código Brasileiro de Telecomunicações.

Entre as principais alterações, destacam-se mudanças de duas ordens: a primeira, de

caráter “coerentemente autoritário” (VIEIRA, 1994:133), refere-se à alteração dos capítulos

do CBT que tratam do rol de crimes e de penalidades aplicáveis às atividades do rádio e TV; a

segunda consiste na imposição de limites à concentração de propriedade de emissoras que,lamentavelmente, foram burlados e desrespeitados e ainda o são até hoje.

 No que se refere ao primeiro ponto, o novo elenco de penalidades estendia-se da órbita

administrativa à penal. Constituía-se, a partir deste DL, como abuso do exercício da liberdade

de radiodifusão, o emprego destes meios de comunicação para práticas de quaisquer crimes

ou contravenções em vigor no país, inclusive “fazer propaganda de guerra ou de processos de

subversão da ordem política e social” (BRASIL, 1962, art. 53, “d”), “ofender a moral familiar 

  pública, ou os bons costumes” (“h”) e “colaborar na prática de rebeldia, desordens ou

manifestações proibidas” (“l”, grifei).

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As penas eram de quatro tipos (art. 59): multa; suspensão, de até 30 (trinta) dias;

cassação da concessão; detenção. Como exemplo, a instalação ou utilização de

telecomunicações, sem observância do disposto no CBT e nos seus regulamentos (incluindo-

se rádios comunitárias ou quaisquer forma de comunicação alternativa ao regime), foi

considerada como crime punível com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada a pena

da metade se houvesse dano a terceiro e sem prejuízo de proceder-se à busca e apreensão da

estação ou aparelho ilegal, mesmo antes da instauração do processo penal (art. 70).

Já sobre os limites à concentração de delegações, esta importante e inócua novidade

estava contida no art. 12:

Art 12. Cada entidade só poderá ter concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão, em todo o país, dentro dos seguintes limites:I) Estações radiodifusoras de som:a – Locais: Ondas médias – 4; Frequência modulada - 6 b – Regionais: Ondas médias – 3; Ondas tropicais – 3; sendo no máximo 2

 por Estadosc – Nacionais: Ondas médias – 2; Ondas curtas - 2II) Estações radiodifusoras de som e imagem - 10 em todo território nacional,

sendo no máximo 5 em VHF e 2 por Estado.[...]§ 2º - Não serão computadas para os efeitos do presente artigo, as estações

repetidoras e retransmissoras de televisão, pertencentes às estações geradoras.§ 3º - Não poderão ter concessão ou permissão as entidades das quais faça

 parte acionista ou cotista que integre o quadro social de outras emprêsas executantesdo serviço de radiodifusão, além dos limites fixados nêste artigo.§ 4º - Os atuais concessionários e permissionários de serviço de radiodifusão,

  bem como os cotistas e acionistas, que excedem às limitações estipuladas nesteartigo, a êle se adaptarão ao prazo máximo de dois (2) anos, a razão de 50% ao ano.

§ 5º - Nenhuma pessoa poderá participar da direção de mais de uma emprêsade radiodifusão, em localidades diversas, em excesso aos limites estabelecidos nesteartigo.

§ 6º - É vedada a transferência direta ou indireta da concessão ou permissão,sem prévia autorização do Govêrno Federal.

§ 7º - As emprêsas concessionárias ou permissionárias de serviço deradiodifusão não poderão estar subordinada a outras entidades que se constituemcom a finalidade de estabelecer direção ou orientação única, através de cadeias ou

associações de qualquer espécie. (BRASIL, 1967c)

Assim, quanto ao rádio, uma mesma entidade poderia ter 6 FMs; 9 OMs (4 locais, 3

regionais, 2 nacionais); 2 OTs regionais; 2 OCs nacionais; sendo as rádios regionais limitadas

ao máximo de 2 (duas) por estado. Quanto à televisão, eram admitidas 10 (dez) estações em

todo o território nacional, sendo no máximo 2 (duas) por Estado e 5 (cinco) VHF. 

 Não obstante esses limites sejam amplamente permissivos em relação aos aplicados em

outros países (MENDEL e SALOMON, 2011), ainda outros problemas, relacionados à própria estrutura da comunicação social brasileira, tornaram tais restrições praticamente letra

morta.

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O primeiro é a referência do artigo a entidades – regra que vem sendo interpretada pelo

Ministério das Comunicações como aplicável apenas a pessoas físicas acionistas da empresa

concessionária –, o que acaba por impor estes limites apenas aos cotistas registrados

individualmente, e não àqueles que, embora não constem como sócios, exercem o controle de

 fato (MENDEL e SALOMON, 2011:69-70), não raras vezes por intermédio de parentes,

empregados, administradores e laranjas64.

O segundo problema é que as entidades, encaradas apenas quanto à sua composição

formal, também não são consideradas como parte de um mesmo grupo/monopólio – o que

faria incidir o art. 12 – quando este é formado através da filiação de emissoras locais e

regionais às grandes redes nacionais65 que, na prática, estendem, centralizam e repetem uma

alta proporção de sua programação através das emissoras afiliadas, constituindo um

monopólio de conteúdo que se opõe à pluralidade cultural e regional do povo brasileiro.

O mesmo sistema de redes também foge à democracia no § 2º, quando não se

computam, para os efeitos desta limitação, as centenas de estações repetidoras e

retransmissoras de televisão pertencentes às geradoras, e no § 7º, sob a alegação do não

estabelecimento de vínculo direto de “direção ou orientação única”, apesar da realidade

demonstrar o contrário (EMISSORAS veiculam 10%..., 2009).

A terceira questão está relacionada às práticas recorrentes do Ministério das

Comunicações e dos delegatários: o Ministério exige declaração de que a nova concessão ou

64 Elvira Lobato (2011), em recente reportagem, confirma: “Empresas abertas em nome de laranjas são usadasfrequentemente para comprar concessões de rádio e TV nas licitações públicas realizadas pelo governo federal,[...] Por trás dessas empresas, há especuladores, igrejas e políticos, que, por diferentes razões, ocultaram sua participação nos negócios.” A mesma jornalista já relatou (LOBATO, 2007) como o Bispo Edir Macedo detémduas concessões no Estado de São Paulo como pessoa física, e outra através da Igreja Universal, burlando olimite pela inadmissível interpretação do Minicom.65

O Donos da Mídia (2011a), louvável projeto que mapeia os sistemas e mercados de comunicação no Brasildesde 1987, possui estatísticas reveladoras sobre a estruturação do sistema central de mídia brasileiro, feita a partir de redes nacionais de televisão. Segundo seus dados, os quatro conglomerados que lideram as maioresredes privadas de televisão (Globo, SBT, Band e Record) controlam, estão vinculados ou exercem algum graude controle sobre nada menos que 843 outros veículos de comunicação (DONOS DA MÍDIA, 2011b),demonstrando o altíssimo grau de concentração, propriedade cruzada e uniformização ideológica dacomunicação de massa no Brasil. Cabe sua precisa explanação: “[...] Este controle não se dá totalmente deforma explícita ou ilegal. Entretanto, se constituiu e se sustenta contrariando os princípios de qualquer sociedade democrática, que tem no pluralismo das fontes de informação um de seus pilares fundamentais.Desde a década de 60, a configuração do sistema de redes nacionais foi sendo construída com duascaracterísticas básicas: forte apoio dos recursos públicos e um modelo de negócios baseado na afiliação degrupos regionais privados a esses conglomerados nacionais. Até hoje, cerca de um terço das prefeiturasmunicipais e outra parcela substancial de empresas públicas estaduais financiam a interiorização dos sinais das

redes comerciais. [...] Considera-se veículos vinculados às redes nacionais todas as emissoras de TV geradorasou retransmissoras do sinal da cabeça-de-rede. Além disso, estão incluídos todos os demais veículoscontrolados pelos grupos regionais afiliados. Neste último bloco, são contabilizadas as estações de rádio, jornais, revistas e operadoras de TV por assinatura.”

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 permissão não burlará os preceitos do DL-236; o delegatário, por sua vez, firma a mesma,

crente na impunidade, falta de fiscalização ou até mesmo da delegação propositadamente

contra legem do Minicom, ocorrida tantas vezes na história brasileira.

Destacam-se, ainda, duas últimas Leis do período ditatorial brasileiro.

Em 1972, precisamente em 23 de julho, Emílio Garrastazú Médici, terceiro ditador,

sancionou a Lei 5.785/72 (BRASIL, 1972), que cuidou basicamente do processo de renovação

das delegações.

  No seu art. 1º, foram renovadas (novamente) as concessões e permissões de

radiodifusão sonora, que já haviam sido renovadas automaticamente em 1962 (BRASIL,

1962, art. 117) e que, agora, para insatisfação dos empresários radiodifusores, completavam

os dez anos de prazo do serviço. Seria uma oportunidade única para se rever a adequação e

cumprimento do interesse público pelas emissoras de rádio, mas o que se fez foi renová-las

  por prazos que iam de maio de 1973 a maio de 1974, a depender das potências e

frequências66.

A ideologia da subordinação à legalidade e aos interesses sociais que, repita-se, servia

apenas como a representação de uma liberdade quase total, era repetida no art 2º, apesar da

contradição com o próprio artigo anterior:

Art 2º A renovação da concessão ou permissão fica subordinada ao interessenacional e à adequação ao Sistema Nacional de Radiodifusão, dependendo decomprovação, pela concessionária ou permissionária, do cumprimento dasexigências legais e regulamentares, bem como da observância das finalidadeseducativas e culturais do serviço. (BRASIL, 1972)

O art. 4º fixava o período para que a entidade requeresse, ao Ministério das

Comunicações, a renovação da concessão ou permissão, entre os seis e três meses anteriores

ao término do prazo da delegação. Este procedimento parece válido; seu detalhecomprometedor está no § 2º, que confirmou o ilegal direito à renovação dos serviços de

66 “Art 1º As concessões e permissões para execução dos serviços de radiodifusão sonora que, em decorrênciado art. 117 da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações), foram mantidas  por mais 10 (dez) anos, contados da publicação da referida lei, ficam automaticamente prorrogadas pelosseguintes prazos: I - Até 1º de maio de 1973 - entidades concessionárias de serviço de radiodifusão sonora emonda tropical e em onda média de âmbito nacional (potência superior a 10 kw); II - Até 1º de novembro de1973 - entidades concessionárias de serviço de radiodifusão sonora em onda curta e em onda média de âmbitoregional (potência de 1 a 10 kw, inclusive); III - Até 1º de maio de 1974 - entidades permissionárias de serviço

de radiodifusão sonora em freqüência modulada e em onda média de âmbito local (potência de 100, 250 e 500kw). Parágrafo único. As permissões outorgadas para a execução de serviços auxiliares de radiodifusão serãorevistas pelo órgão competente do Ministério das Comunicações, por ocasião da renovação do serviço principal.” (BRASIL, 1972)

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radiodifusão (v. ponto anterior), em caso de omissão decisória dos historicamente omissos e

sobreatarefados órgãos competentes:

§ 2º Havendo a concessionária ou permissionária requerido a renovação no  prazo, na forma devida e com a documentação hábil, ter-se-á o pedido comodeferido, se o órgão competente não formular exigências ou não decidir o pedido atéa data prevista para o término da concessão ou permissão. (BRASIL, 1972, art. 4º)

Ao final desta pequena lei de oito artigos, promulgada em tempos de “milagre

 brasileiro” e campanha chauvinista “ame-o ou deixe-o” na nova TV em cores (inaugurada no

 país em 1973), determinava-se a bipartição das competências de renovação entre a nova dupla

de poderosos que centralizaria as delegações dos serviços de rádio e TV de todo um país: o

ato de decisão sobre pedidos de renovação de  permissão competia ao Ministro dasComunicações, após parecer do Dentel (BRASIL, 1972, art. 5º); sobre os de concessão,

competia a renovação ao Presidente da República, após parecer do Dentel e exposição de

motivos do referido Ministro (art. 6º).

A regulamentação da Lei 5.785/72 viria em 26 de janeiro de 1983, através do Decreto

nº. 88.066/83 (BRASIL, 1983), do último Presidente Militar, João Figueiredo. Destacaremos

apenas o 9º dos seus 10 artigos, que também trata do tema anteriormente debatido: o direito à

renovação automática.Esse dispositivo determinou que a prestação dos serviço público de radiodifusão poderá

ser realizada mesmo que expirada a concessão ou permissão. Veja-se:

Art 9º - Caso expire a concessão ou permissão, sem decisão sobre o pedidode renovação, o serviço poderá ser mantido em funcionamento, em caráter precário,excluída a hipótese do artigo 4º deste Decreto. (BRASIL, 1983)

Todo este esforço legal, que vai totalmente de encontro às bases do regime de Direito

Público que comanda os serviços públicos67

, teve único intuito: garantir a manutenção, aqualquer custo, das lucrativas e poderosas atividades dos radiodifusores, não importando o

interesse social e ignorando-se o papel fundamental do Estado na fiscalização e análise da

qualidade do serviço realizado à população.

Isto é, a omissão do Ministério das Comunicações, não é questionada quando serve

muito bem ao empresariado: durante os anos em que corre o longo prazo de delegação, de

67 Neste sentido, as concisas palavras de Hely Lopes Meirelles (2010:411): “Findo o prazo da concessão,devem reverter ao poder concedente os direitos e bens vinculados à prestação do serviço, nas condiçõesestabelecidas no contrato.”

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exercício irrestrito dos poderes do rádio e TV em favor do lucro e da sustentação do regime,

com total desrespeito às cláusulas firmadas em contrato.

Já quando a omissão do Minicom não lhes seria benéfica, pois necessitam renovar suas

licenças frente ao Estado, este mesmo ente, que em tese serve aos interesses coletivos,

determinou direito que garante a liberdade total dos radiodifusores sobre as concessões e

 permissões titularizadas pela União. Assim, até no momento-chave de renovação das mesmas,

quando deveria prevalecer uma análise crítica do serviço prestado e uma decisão consciente

sobre a continuação ou alteração do delegatário dos serviços frente ao interesse popular,

 privilegiou-se a acumulação e exploração privada.

2.2.3.  1985 – Um último retoque

Finda a ditadura68, o Decreto nº. 91.837, de 25 de outubro de 1985 (BRASIL, 1985),

 promulgado pelo Presidente Sarney no primeiro dos cinco anos que durariam seu mandato,

alteraria dispositivos do Regulamento Específico dos Serviços de Radiodifusão (BRASIL,

1963b).

Embora não tenha modificado substancialmente o sistema de delegações já consolidado

durante a ditadura, sua menção nos serve aqui como ponto de chegada da história dalegislação de radiodifusão tratada neste capítulo e para assentamento das bases legais do

estudo de caso empreendido no próximo tópico, onde analisaremos as delegações de

radiodifusão no governo Sarney, especificamente no período prévio à promulgação da

Constituição Federal de 1988.

O foco, neste ponto em que já foi delineado o arcabouço jurídico de Direito Público – 

Administrativo e Constitucional – sobre o qual se erguem as delegações de serviços de

radiodifusão, estará sobre os detalhes do processamento das delegações que permitiriam umrecorde de 1.028 concessões e permissões outorgadas entre janeiro de 1985 e outubro de

1988. A análise será feita sobre o texto do Regulamento de Radiodifusão (BRASIL, 1963b),

com as modificações impostas, à época, pelo Decreto 91.837/85.

O processamento das delegações de radiodifusão, determinado nesta norma, não se

enquadra em nenhum dos tipos de licitação conhecida na nossa legislação. Na realidade,

“trata-se de uma forma bastante simplificada de aferir a capacidade técnica do interessado”

(LOPES, V., 1997:310), guardando apenas algumas semelhanças com aquele instituto. Da

68 Sobre a transição da ditadura militar à Nova República, v. 3.1.

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mesma forma que parece garantir, minimamente, a possibilidade de vitória a todos os

interessados, sua “frouxidão”, claramente, dá margens a manipulações, conforme as

identificadas nas práticas do governo Sarney.

O início do processo poderia dar-se por iniciativa do Ministério das Comunicações ou

  por requerimento do interessado (BRASIL, 1963b, art. 10). Julgada a conveniência ou

examinado o pedido, o Minicom determinaria a publicação de edital de chamamento dos

interessados na exploração do serviço naquele local, via Diário Oficial da União, com

antecedência de 45 (quarenta e cinco) dias da data marcada para o início do prazo – de 15

(quinze) dias – que os interessados teriam para apresentar suas propostas (art. 11). Note-se

que a delegação de concessões ou permissões solicitadas por pessoas jurídicas de direito

 público interno, entidade da administração indireta ou para fins exclusivamente educativos69,não dependia de edital (art. 13).

A apresentação das propostas pelos interessados deveria ser instruída com diversos

documentos, relativos à entidade, aos sócios e aos administradores (BRASIL, 1963b, art. 14).

Da análise deste extenso rol, destaca-se que à entidade cabia: a) demonstrar recursos

financeiros, de acordo com as normas baixadas pelo Minicom, face ao custo das instalações,

equipamentos e acessórios indispensáveis ao serviço; b) provar depósito em banco de, no

mínimo, 50% do capital exigido para o empreendimento; c) declarar, através dos seusadministradores, que não possui autorização para explorar o mesmo serviço no mesmo

município onde agora é pretendente e que não excederá, se contemplada, os limites do art. 12

do DL-236/67; d) declarar que nenhum sócio integra o quadro social de outra executante do

mesmo serviço de radiodifusão, no mesmo município, nem de outras empresas, em municípios

diversos, em excesso aos limites do DL-236; e) constar expressamente, no contrato social ou

estatuto, que nenhuma alteração destes poderá ser realizada sem anuência do Ministério das

Comunicações, que as cotas são inalienáveis a estrangeiros ou pessoas jurídicas e que osadministradores serão brasileiros natos, ocorrendo sua investidura somente após aprovação do

Minicom.

Aos administradores, empregados ou até mesmo “testas-de-ferro” dos sócios, além da

mesma prova de nacionalidade, exigiam-se duas outras declarações, referentes: a) à não

69 Dentre as diversas normas desrespeitadas do Decreto-Lei nº 236/1967, um artigo era exceção: aquele que,destinado a reprimir as televisões educativas (e diminuir a concorrência das TVs comerciais), proibia aarrecadação de fundos destinada à sua própria sobrevivência: “Art 13. A televisão educativa se destinará à

divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates.Parágrafo único. A televisão educativa não tem caráter comercial, sendo vedada a transmissão de qualquer  propaganda, direta ou indiretamente, bem como o patrocínio dos programas transmitidos, mesmo que nenhuma propaganda seja feita através dos mesmos.” (BRASIL, 1967c)

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 participação na direção de outra executora de serviço de radiodifusão, no mesmo município,

nem de outras, em municípios diversos, em excesso aos limites do DL-236; b) ao não

exercício de mandato eletivo que lhes assegura imunidade parlamentar ou cargo de supervisão

ou assessoramento na Administração Pública, do qual decorra foro especial.

Já aos sócios – geral e logicamente, os reais controladores das emissoras de

radiodifusão –, ironicamente, impunha-se apenas uma exigência, qual seja: a prova da

condição de brasileiro, nato ou naturalizado.

É necessário que se perceba como o próprio procedimento de delegações de serviços de

radiodifusão, determinado pelas normas aqui estudadas, não só   facilita, mas promove a

abertura necessária aos processos de dominação da comunicação de massa no Brasil, marcada

 pela monopolização, propriedade cruzada dos meios e propriedade e utilização de emissoras por políticos70.

Assim, às bancadas do rádio, compostas de sócios controladores de empresas de

radiodifusão que ocupavam (com ajuda de seus rádios e TVs) as cadeiras do Congresso

 Nacional e das Assembleias Legislativas país afora, o caminho estava mais do que liberado:

estava legalizado, já que apenas aos administradores, devidamente selecionados, impunham-

se restrições.

Findo o prazo do edital, o Ministério das Comunicações procederia à análise das  propostas e documentos. Emitiria, então, parecer sobre a habilitação das entidades

interessadas, indicando as que atenderam os requisitos formais (art. 16).

Dentre as empresas indicadas pelo Ministério, era “ato de livre escolha” do Presidente

da República a delegação da concessão, via contrato, à entidade que elegesse. Paralelamente,

ao Ministro das Comunicações, cabia esta decisão na delegação das  permissões, via portaria

(art. 16, § 3º). Os prazos continuavam os mesmos: 15 (quinze) anos para televisão e 10 (dez)

 para rádio. A única restrição a tanta e oportuna liberdade de ação consistia na determinação deque estas autoridades “levariam em consideração” certos critérios técnicos, ao deferir a

delegação71.

70 Neste sentido, a manifestação de Vera Nusdeo Lopes (1997:310): “Conforme se verifica, poucos são oslimites e facilmente contornáveis por brechas legais, fazendo com que a norma impeditiva de oligopólios emonopólios nesta área seja praticamente letra morta. Não há qualquer regra proibindo a propriedade ‘cruzada’de meios de comunicação de massa na mesma área geográfica e tampouco algo semelhante à one-to-a-market rule, ou seja, no Brasil um radiodifusor pode explorar mais de uma TV em VHF ou combinação de emissora derádio AM-FM na mesma área geográfica.”

71 "Art. 16 Findo o prazo do Edital, o Ministério das Comunicações, por intermédio de seu órgão próprio,analisará as propostas, emitindo parecer sobre a habilitação formal das entidades que acorrerem ao seuchamado, indicando as que atenderam aos seus requisitos. [...] §1º A autoridade competente, ao deferir aoutorga, levará em consideração propostas que atendam aos seguintes critérios: a) que os administradores e

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Coincidentemente, o Decreto nº. 91.837, de outubro de 1985, instituidor desta redação,

foi baixado pelo Presidente da República (José Sarney) e pelo Ministro das Comunicações

(Antonio Carlos Magalhães). Já se havia iniciado o processo que culminaria, nas palavras de

Paulino Motter (1994b), “no maior ‘derrame’ de concessões de radiodifusão já registrado no

 país.”

sócios majoritários da entidade sejam naturais ou domiciliados no município ou região onde será explorado oserviço; b) que nem a entidade, nem seus sócios ou diretores detenham, direta ou indiretamente, outra outorga  para exploração de serviço de radiodifusão na localidade; c) maior índice de utilização de equipamentosnacionais na instalação da estação; d) proposta de maior atendendo, devidamente quantificado em percentual detempo de programação diária, a temas, autores e intérpretes nacionais, respeitando as diferenciações regionaisda cultura brasileira e procurando relacioná-las em seu próprio contexto; e) inclusão na programação diária de

maior tempo destinado a serviço noticioso; f) no prazo, em relação ao disposto nos artigo 34 e 36 desteRegulamento, para a efetiva entrada em serviço da estação. 2º Do contrato de concessão ou da portaria de  permissão constará, como condição obrigatória na execução do serviço, o cumprimento do indicado pelaentidade nos itens de sua proposta relativos às letras c, d , e e f do § 1º deste artigo." (BRASIL, 1963b)

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3. DELEGAÇÕES DE RADIODIFUSÃO NO GOVERNO SARNEY

(1985-1988)

3.1. Transição? Da ditadura à Nova República

Como ponto inicial de análise das delegações de radiodifusão no governo presidencial

de José Sarney, será feita uma abordagem prévia ao tema, com o intuito de contextualizar 

 politicamente o momento histórico em que aquelas se desenrolaram.

A própria denominação desse período – “Nova República” –, consagrada pela grandemídia e pelos livros didáticos, é de grande valia em tal exame, pois suas interpretações

  permitem vislumbrar as ideologias e contradições envolvidas neste momento-chave da

história recente do Brasil.

Tal época, que designa a primeira presidência civil em 21 anos – de José Sarney (1985-

1989) – é marcada pelo fim da ditadura militar (e também civil, classista), que comandara

autoritariamente o país de 1964 a 1985. Sob a égide desse regime, desenvolveram-se no

Brasil as contradições próprias à eclosão, imposição e maturação do capitalismomonopolista72 nas Nações capitalistas periféricas e dependentes (economica, tecnologica e

culturalmente) – os chamados “países de terceiro mundo”.

Assim, se para as classes abastadas da sociedade brasileira, a ditadura concretizou,

através da internacionalização do mercado interno, uma   sociedade de consumo e uma

modernização que lhes modificaram diretamente a existência, num crescente bem-estar 

 proporcionado pelo acesso a novas tecnologias, bens eletrodomésticos (incluída aí a televisão)

e produtos culturais, para a classe dominada, maioria miserável da população, restou apenas

72 Sérgio Caparelli (1982:18-19) demarca o nascimento desta nova formação produtiva, social e cultural: “Aaceleração desta vertente à concentração ocorre sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, com osconglomerados e multinacionais norte-americanos começando a atuar nos mercados representados pelos paísessubdesenvolvidos. E o Brasil foi um dos primeiros países da América Latina a reconhecer a nova hegemonia,reordenando suas atividades naquela direção, modificando uma política anteriormente dominada por umaaliança desigual com a Inglaterra. [...] O certo é que a década de 50 marcou uma reordenação do mercado brasileiro com a irrupção do capitalismo monopolista. O mercado é reorganizado – bem como o sistema de

  produção, através das operações comerciais, financeiras e industriais da grande corporação, principalmenteestrangeira. As tendências desta evolução eram anteriores, mas para Florestan Fernandes [em “A revolução  burguesa no Brasil”], ela se acentua no fim da década de 50 e adquire caráter estrutural posteriormente àRevolução de 1964.”

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observar, de longe (e pela tv73), o brilho desta sociedade dos consumidores que pudessem

  pagá-la e da “revolução” desigual, concentradora, dirigida e graduada a partir de fora do

 país74.

O Estado civil-militar, alinhado aos interesses dos grandes capitalistas, convivia com

esta exclusão de tantos, como órgão operacionalizador das políticas de aceleração da

acumulação capitalista e da fusão do Brasil às economias, sistemas de poder e organizações

ideológicas dos países centrais. (FERNANDES, F., 1986:15)

A política partidária se tornara ainda mais elitista, com o fechamento dos partidos e o

novo bipartidarismo de fachada, que garantia o controle dos Poderes Legislativo e Executivo,

com cassações de mandatos e escolha de senadores e governadores biônicos, além de prefeitos das capitais pelo governo federal. O regime de classes se solidificara com a opressão

  política, sindical, policial e cultural e arrocho salarial dos trabalhadores, impedidos de se

constituírem em classe predisposta política, legal e legitimamente a lutar por seus interesses.

(DREIFUSS, 1989:11)

Por cima de todos, a “Revolução de Março” impunha suas próprias leis. No topo da

hierarquia normativa, a Constituição de 1967 (v. 2.2.2) garantia a segurança jurídica

necessária à “paz social”, ao impor os ideais do Estado de Segurança Nacional. Nada mais,nas precisas palavras de Florestan Fernandes (1986:77), do que “ideais de segurança de

classe, que usam a Nação e o Estado como fonte de defesa de um conservantismo predatório.”

73 Cito os versos da canção "Menina Jesus", do baiano de Irará, Tom Zé (1978), cuja cortante poesia traduz ahistória de tantos brasileiros. Comentário do cantor: "O nordestino que vem tentar o Sul só pode visitar os seusquando tiver comprado três importantes símbolos da civilização: um rádio de pilha, um relógio de pulso e um  par de óculos escuros." Letra: "Valei-me, minha menina Jesus/ minha menina Jesus/ minha menina Jesus/valei-me.// Só volto lá a passeio/ no gozo do meu recreio/ só volto lá quando puder/ comprar um óculos

escuros/ Com um relógio de pulso/ que marque hora e segundo/ um rádio de pilha novo/ cantando coisas domundo pra tocar/ Lá no jardim da cidade/ zombando dos acanhados/ dando inveja nos barbados/ e suspiros nasmocinhas// Porque pra plantar feijão/ eu não volto mais pra lá/ eu quero é ser Cinderela/ cantar na televisão/Botar filho no colégio/ dar picolé na merenda/ viver bem civilizado/ pagar imposto de renda/ Ser eleitor registrado/ ter geladeira e TV/ carteira do Ministério/ ter CIC, ter RG// Bença, mãe!/ Deus te faça feliz/ minhamenina Jesus/ e te leve pra casa em paz/ Eu fico aqui carregando/ o peso da minha cruz/ no meio dosautomóveis/ mas/ Vai, viaja, foge daqui/ que a felicidade vai/ atacar pela televisão e vai/ felicitar, felicitar/ 

 felicitar, felicitar/ felicitar até ninguém mais respirar/ Acode, minha menina Jesus/ minha menina Jesus/ minhamenina Jesus/ acode!" (grifei.)74 Neste sentido: “[...] os propósitos ‘modernizadores’ se concentram e se intensificam na esfera da produção,dos níveis de consumo e dos padrões de vida. ‘Modernizar’ não quer dizer realizar as reformas e as revoluçõescapitalistas que tornam o desenvolvimento capitalista, nos seus limites históricos, um fator de transformação

da sociedade civil, da cultura e do Estado. ‘Modernizar’ significa reajustar as economias periféricas àsestruturas e aos dinamismos das economias centrais, para que o fluxo da expropriação dual do excedenteeconômico alimente as taxas de crescimento da acumulação capitalista nos ritmos necessários ao ‘bomandamento dos negócios’, ao assalto pirata do botim nacional.” (FERNANDES, F., 1986:60, grifei.)

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A Nova República é, então, marcada pelo alardeado fim deste momento sombrio da

história brasileira e pelo discurso da transição  democrática   para uma nova era, onde a

exploração e a censura não mais vingariam sobre a democracia.

Ocorre que esta transição, embora encontre base nas pretensões e pressões das massas

 populares e dos trabalhadores, não surgiu de uma ruptura com a ordem vigente, nem com a

deposição dos estratos privilegiados da sociedade que historicamente dominam o Estado

 brasileiro.

Tratou-se, contrariamente, de novo  realinhamento político das elites conservadoras,

nascido e premeditado no interior da sociedade política dominante. Imposta de cima para

 baixo, e assim recebida pela maioria excluída, a transição “lenta, gradual e segura”, iniciadadesde 1974 no governo Geisel, expurgava uma “nova” república de dentro para fora, “nascida

de uma costela da ditadura” (FERNANDES, F., 1986:07), deixando, mais uma vez, o povo à

margem dos processos de decisão, participação e cidadania, enquanto se garantia a

continuidade da ingerência militar na política interna brasileira. (ZAVERUCHA, 2010)

São completas as palavras do cientista político René Dreifuss, em O jogo da direita: na

 Nova República (1989:09):

A marca registrada das transformações do período republicano brasileiro – seja em sua fase velha, moderna, recente ou prematuramente envelhecida – é a datransição social e política morosa e arrastada, imediatista e preservadora deconteúdo. Trata-se de um constante realinhamento político conservador, apoiado notransformismo institucional e escorado na intervenção corretiva, geralmenteadministrativa (burocrático-partidária), policialesca ou manipulativa da opinião

  pública, e, muitas vezes, por via militar. Poderíamos dizer que o realinhamento  político conservador é da própria essência das elites dominantes brasileiras e temsido a marca registrada de suas práticas e do processo político por elas encaminhadoao longo deste século. A recente transição do regime autoritário empresarial-militar  para a presente situação pluralista não fugiu à regra [...]. (grifei.)

Esse contínuo rearranjo de poder pelas elites é marcado, no Brasil, pela persistência do

caráter patrimonial, clientelista e oligárquico do Estado. Suas reminiscências são coloniais , 

fruto da repetida inexistência de rupturas profundas entre estratos sociais tradicionais e novas

classes capitalistas. Assim, o que sempre se viu, nos movimentos transitórios da política

 brasileira, do Império à República Velha, ao Estado Novo, à “Democratização”, à Ditadura e

à Nova República, foi a preservação e readequação de antigas instituições e de velhos grupos

 burocráticos-políticos às novas organizações e relações do poder.

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O Estado burocrático-capitalista do século XX, no Brasil, continuou como coisa ou

máquina privada, permeado pela intensa acomodação dos interesses privados dos grupos

dirigentes. Na urbanização e industrialização brasileiras, as características do Estado privatista

e oligárquico comandado pelas elites rurais/imperiais foram absorvidas, preservadas e

sintetizadas pelas elites urbanas/republicanas, assim como suas estruturas produtiva,

distributiva e cultural75. O mesmo se passaria, agora, na Nova República.

 Na transição em análise, percebe-se que as classes militares e civis praticamente não

romperam com as mesmas composições que levaram, primeiro, à instauração da ditadura. E

se a esta coube definir e guiar os rumos do que lhe seguia, conotando-lhe um tom

especialmente político à “despedida”76, ela nada mais foi do que “uma ditadura semigloriosa,

que amarga uma derrota com sabor de vitória”, numa transição sonhada pelos militares, “que

convertia o Brasil em uma imensa bacia de Pilatos.” (FERNANDES, F., 1986:11/19)

Em 1984, eclodira no Brasil a campanha das “Diretas Já”, movimento cujo levante

 popular e de entidades políticas na luta pela redemocratização demonstrou uma enorme e rara

mobilização social por mudanças no país. As promessas da transição já se arrastavam há dez

anos, e a eleição direta do Presidente da República seria o marco da vitória da democracia

(mesmo que parlamentar) sobre a ditadura.

Formulada pelo deputado federal matogrossense e peemedebista que lhe empresta o

nome, a Proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira, apresentada ao Congresso

 Nacional ainda em 1983 (PEC nº. 5/1983), previa o restabelecimento das eleições diretas à

Presidência em dezembro de 1984.

Inconformado com o afastamento do poder golpeado vinte anos atrás, o comando da

ditadura pressionava os meios de comunicação a não divulgarem as imensas movimentações e

75 Sobre a formação conservadora do Estado brasileiro, as palavras de René Dreifuss (1989:10-11): “[...] aoexpandir sua manifestação política, etos ideológico e atividades econômicas, o empresariado urbano realiza um‘pacto social’ com as oligarquias rurais e outros agrupamentos localistas e da administração regional e central,absorvendo, nesse processo, a mentalidade escravagista, o servilismo oligárquico e a complacência despóticaestamental-estatal para dentro do seu universo de percepções e atitudes. Mais: interioriza, na estrutura citadinae no seu tratamento com as classes subalternas, as práticas e percepções servilistas e escravagistas dasoligarquias rurais, incorporando, além disso, as práticas regionalistas e localistas das camarilhas burocráticas,que são levadas para o estado nacional.”76 Segundo Florestan Fernandes (1986:18-19/36), uma das pontas do acordo entre as elites que criou a NovaRepública era aquela que enaltecia e recapturava uma suposta integridade da “revolução” de 64, que afirmava a

retomada de sua vocação democrática (que teria sido subvertida no decorrer do processo), através da transiçãoà democracia. Concluiu Fernandes: “No combate à ditadura, o fiel da balança seria dado pelo fulcro políticoque esta erigira como seu marco histórico.” O próprio Tancredo Neves, no momento eufórico do pacto que olevaria à vitória no Colégio Eleitoral, afirmaria que a ditadura “descumpriu suas promessas democráticas”.

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comícios na luta pelas Diretas (a TV Globo envolveu-se em grande polêmica ao manipular a

cobertura do comício de 25 de janeiro de 1984, realizado na Praça da Sé, em São Paulo 77).

Além disso, decretara medidas de emergência no Distrito Federal e outros municípios de

Goiás, dois dias antes da votação, que incluíam a possibilidade de prisões arbitrárias,

suspensão das liberdades de reunião e associação, intervenção em sindicatos e censura prévia,

com proibição da transmissão ao vivo de informações sobre a votação.

Para ser encaminhada ao Senado Federal, a Emenda necessitava da aprovação de 2/3

(dois terços) dos membros da Câmara (320 deputados). Votada em 25 de abril de 1984, foi

rejeitada: 298 deputados votaram a favor, 65 contra, 03 abstiveram-se e 113 não

compareceram.

Após tal derrota, que muitos não consideravam definitiva78, e apesar da contínua

 presença do povo nas ruas, um pacto conservador e conciliatório (ou, segundo a ideologia

dominante, uma aliança democrática) entre o antigo regime e a cúpula do PMDB, principal

 partido oposicionista, garantiria o arrefecimento do movimento pelo sufrágio, cuja intensidade

de massa e articulação legislativa, devia-se, em muito, à infusão deste próprio partido.

Tal acordo tinha como cláusula principal a realização, mais uma vez, de eleições

indiretas para Presidente da República, via Colégio Eleitoral79

(órgão elitizado, cooptado edocilizado pelos anos militares). Com o povo novamente afastado das decisões políticas, a

transição para a democracia já se iniciava de forma antidemocrática, ou melhor, não era

  plenamente realizada, impedindo um indesejado (pelas elites) deslocamento de poder e a

acumulação acelerada de forças políticas pelas classes subalternas. (FERNANDES, F.,

1986:27)

77 As primeiras manifestações populares pelas Diretas, ocorridos no início do mês de janeiro de 84(Curitiba/PR, 50 mil pessoas; Salvador/BA, 15 mil; Vitória/ES, 10 mil; Campinas/SP, 12 mil) foramignoradas/censuradas pelos noticiários de Rede Globo, “por decisão de Roberto Marinho”. Segundo o site deMemórias das Organizações Globo, “o presidente das Organizações Globo temia que uma ampla cobertura datelevisão pudesse se tornar um fator de inquietação nacional pelos noticiários de rede da emissora.” No dia 25de janeiro, o Jornal Nacional omitiu o caráter político do enorme comício da Praça da Sé, que reunira 300.000(trezentos mil) manifestantes (DÓRIA, 2009:180), noticiando-o como apenas mais uma entre as 450solenidades que, naquele dia, “comemoravam o aniversário da cidade”. (REDE GLOBO, 2011; HERZ, 1991;BEYOND Citizen Kane, 1993)78 Após a rejeição da Dante de Oliveira, foi apresentada nova emenda, no mesmo sentido, pelo deputadoTheodoro Mendes (PMDB-SP).79

“Art. 74. O Presidente será eleito, entre os brasileiros maiores de trinta e cinco anos e no exercício dosdireitos políticos, pelo sufrágio de um colégio eleitoral, e sessão pública e mediante votação nominal. § 1º Ocolégio eleitoral será composto dos membros do Congresso Nacional e de delegados das Assembléias

 Legislativas dos Estados.” (BRASIL, 1969, grifei.)

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O oportunismo do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) insultava a

vontade popular. Em troca da Presidência da República e dos lucros e dividendos do poder,

  postergava-se não somente o sonho das eleições diretas para anos depois80, como

desperdiçava a oportunidade histórica de se realizar, a partir de uma deposição repelida da

ditadura, uma transição mais profunda, estrutural e popular 81.

Sob a retórica paranóica da transição amedrontada pelo fantasma do recrudescimento da

repressão e veto dos militares82, os meios de comunicação de massa impuseram o discurso

necessário ao convencimento popular, propagando a vitoriosa campanha eleitoral do PMDB

no Colégio Eleitoral como um movimento de salvação nacional e a consequente Nova

República como a vitória do povo na luta pela democracia.

  Na verdade, a conciliação conservadora repetia a velha fórmula da composição de

interesses entre os dirigentes da política brasileira. A retirada estratégica dos militares através

da candidatura de Tancredo Neves foi arquitetada e acordada83 a partir das exigências do

grupo que aparentemente deixava o poder. Entre os principais custos da transação estavam os

vetos a uma Assembleia Nacional Constituinte84 e ao julgamento de quaisquer militares por 

abusos de direitos humanos (ZAVERUCHA, 2010:44-45). Assim, “o antiditatorialismo

80 Com os cinco anos de mandato de José Sarney, os brasileiros e as brasileiras não teriam direito a escolher seuPresidente da República por 29 (vinte e nove) anos: de 1960 (eleito Jânio da Silva Quadros) a 1989 (FernandoCollor de Mello).81 As palavras de Florestan Fernandes, escritas ainda em outubro de 1985, engrandecem esta análise: “Naverdade, o ‘movimento das diretas’ forneceu uma radiografia política da sociedade brasileira atual. O que essaradiografia revelou assustou os círculos conservadores do principal partido da oposição, impulsionou os‘liberais’ ou políticos ‘civilizados’ do governo ditatorial a mudar de barco em plena viagem e estimulou osmilitares da Presidência e de outros órgãos estatais a aproveitarem a oportunidade para se retirarem do centrodo palco rumo aos bastidores (resguardando para si, porém, o direito de ‘guardiães’ da democracia emergente!)[...]   As forças conservadoras descobriram, pelo movimento das diretas, que a inquietação social campeavamais solta e mais forte que em 1964. Avançaram no sentido de uma composição pelo alto, respeitando o seu

braço armado, já que, ‘em tempos de democracia’, ninguém sabe qual será a veneta do Povo...”(FERNANDES, F., 1986:22, grifei.)82 Como se já fosse “pedir demais” a “saída pacífica” da ditadura, no discurso oficial dever-se-lhes-ia agradecer tamanha oportunidade de uma transição – sem mortes, sem riscos, sem ousadias, sem mudanças. Nesta guerraideológica, até a Economia era invocada contra as Diretas. Palavras de Antonio Carlos Magalhães: “Eleiçõesdiretas agravarão a crise. Engana-se quem pensar que não haverá uma guerra de palavras contra o governo casosejam restabelecidas eleições diretas para a escolha do sucessor do presidente Figueiredo. [...] A realização deeleição direta para presidente da República, na atual conjuntura, poderá levar o Brasil inevitavelmente ao caoseconômico.” (MAGALHÃES, 1983 apud GOMES, J., 2001:708)83 Jorge Zaverucha, em   Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição Brasileira de 1988 (2010:44), afirma que Tancredo Neves negociou com os militares sua candidatura. Segundo o autor, citando OEstado de S. Paulo (09.07.1989), Paulo Maluf, candidato derrotado no Colégio Eleitoral, confirmou a

existência de um acordo sobre a transição, entre Tancredo e o então ministro do Exército, general Walter Pires.84 A Constituição de 1988 seria elaborada por um Congresso Constituinte, composto por deputados e senadoreseleitos para um mandato eletivo regular, em oposição a uma possível Assembleia Nacional Constituinte,reunida exclusivamente para discussão e promulgação de uma nova Carta.

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 passou por um processo análogo ao esvaziamento do republicanismo, provocado pela aliança

dos fazendeiros com os ‘republicanos históricos’.” (FERNANDES, F., 1986:27)

O celebrado candidato mineiro, disposto a todas as concessões para chegar à

Presidência, compôs sua chapa tendo como candidato a Vice-Presidente José Sarney, político

maranhense aliado da ditadura e recém-rompido com o Partido Democrático Social (PDS)85,

do qual era presidente até a vitória, em convenção interna, de Paulo Maluf sobre o coronel

Mário Andreazza para disputar a Presidência da República sob o signo do continuísmo,

quando Sarney rompe, cria o PFL86 e, após diversas negociações com Tancredo, passa a

ocupar o cargo de vice na chapa de oposição.

Em 15 de janeiro de 1985, a dupla Tancredo/Sarney vence a chapa do PDS (PauloMaluf/Flávio Marcílio) no Colégio Eleitoral. O resultado foi de 480 votos contra 180, com 17

abstenções87 e 9 ausências.

Porém, o inesperado aconteceria: na véspera da posse (que ocorreria em 15 de março),

Tancredo Neves é internado em Brasília, no Hospital de Base do Distrito Federal, com

85

Partido criado em 1980, foi o sucessor da Aliança Renovadora Nacional (Arena), braço partidário desustentação do regime militar, do qual Sarney também era presidente.86 Conhecida como Frente Liberal , a dissidência liderada por Sarney, Aureliano Chaves, Marco Maciel e JorgeBornhausen levou consigo 166 membros pedessistas do Colégio Eleitoral e deu origem ao Partido da FrenteLiberal (PFL), fundado em 25 de janeiro de 1985, atual Democratas (DEM). Durante seu governo, José Sarneyse aproximaria paulatinamente deste partido (foi a “pefelização do poder”), enfraquecendo e alijando os peemedebistas, sustentáculos da transição. (GOMES, J., 2001:649) Contextualiza-se esta breve nota com duaslongas, mas certeiras digressões de René Dreifuss sobre os partidos políticos no Brasil, feitas ainda em 1989:“Enquanto as instituições são geradas e geridas como assunto privativo de elite – estatizando a população como parte do seu estate de privilégios –, os partidos são tradicionalmente constituídos como condutos de atuação,não da, mas na incipiente sociedade civil-popular. Em outras palavras: são representações das partes do todoelitista. Assim, não se pode falar em instituições de Sociedade, que representem e consolidem a sociedade civil-  popular, mas sim de um estado geral de dominação a que as elites submetem o país. Seus partidos nunca

conseguiram ser mecanismos de governo ou de incorporação das ‘partes societárias’ ao universo estatal, masapenas agentes de manipulação e partes interessadas na briga pelo espólio deste. Tais agremiaçõesconvencionais foram concebidas como máquinas, retalhadas entre politiqueiros profissionais e pelegos  partidários, de extração empresarial, burocrática, militar, ou simplesmente recrutados no seio da população,como saída individual para a ascensão social ou a realização de ambições pessoais.” E: “Partidos como o PDS,o PFL, o PTB, o PL, o PDC, o PTR, o PSC e o PMDB são aparelhos  privados (personalistas e personalizados,  permeados e tecidos por compadrio, ‘cabidismo’ e empreguismo, clientelismo e protecionismo, conchavo e  paternalismo, caudilhismo, carreirismo, etc.), que servem a verdadeiros  pelegos partidários na máquinagerencial-estatal (a qual retalham entre si). A grande maioria desta sociedade de políticos desarmados éconserviológica (conservadora e fisiológica), embora de origem empresarial. Exemplarmente, dois terços dosdeputados eleitos em 1982 tinham como principal fonte de renda suas empresas agrícolas, industriais e deserviços, destacando-se os proprietários rurais, que perfaziam 42% do universo pesquisado, isto é, 437 (sic) parlamentares (num total de 479).” (DREIFUSS, 1989:13/40, grifos do autor.)87 Abstenções, em sua maioria, do Partido dos Trabalhadores (PT), que chegou a expulsar dos seus quadros osdeputados que votaram pela eleição indireta de Tancredo. O PT aparece como única agremiação partidária quemanteve certa postura crítica ao delírio ideológico da Nova República.

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suposta diverticulite (inflamação no intestino grosso), vindo a falecer oficialmente88, após

diversas complicações cirúrgicas, em 21 de abril, no Hospital das Clínicas de São Paulo.

Com a internação do Presidente eleito no dia 14, logo, antes de tomar posse, surgiram

dúvidas acerca da interpretação a ser dada à Carta de 1969, cuja redação89 determinava a

declaração dos cargos como vagos se, após 10 (dez) dias da data fixada, não se efetuasse a

  posse, com previsão de chamada do Presidente da Câmara ao exercício do cargo e novas

eleições.

É sabida a articulação política das Forças Armadas neste momento de quase-República.

Ela é descrita como determinante pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses

Guimarães, ao justificar porque não disputou com José Sarney o direito de substituir Tancredo:

‘Eu não fui ‘bonzinho’ coisa nenhuma. Segui as instruções dos meus juristas.O meu ‘Pontes de Miranda’ estava lá fardado com a espada me cutucando que quemtinha de assumir era o Sarney.’ (COUTO, 1997 apud ZAVERUCHA, 2010) O‘Pontes de Miranda’ chamava-se general Leônidas Pires Gonçalves, ministro doExército do governo Sarney. (ZAVERUCHA, 2010:50)

88 As causas de internação e a data da morte de Tancredo Neves suscitam ainda muitas versões, tal como a deenvenenamento (seu mordomo, João Rosa, foi diagnosticado com a mesma doença e faleceu 16 dias depois,após 7 cirurgias). Fato é que o itinerário médico do presidente eleito foi estranhamente desastroso em Brasília,quando levado ao Hospital de Base, que se encontrava com a área de UTI em obras; hoje também é constatávela manipulação do público sobre a real data do seu falecimento. Segundo Luis Mir (2010), historiador e pesquisador médico que realizou farta análise documental do episódio, reunida em livro, “[Tancredo Neves] foia óbito num quadro catastrófico decorrente de diagnósticos equivocados [apendicite, inicialmente],  procedimentos inadequados, avaliações heterodoxas, quebra de condutas e rotinas em cascata deresponsabilidade de seis médicos que chefiaram o atendimento. Tudo o que aconteceu clinica e cirurgicamentea partir do dia 26 de março no Instituto do Coração não alterou um centésimo o estado crítico do paciente.Tancredo Neves morreu cirúrgica e hemorragicamente em Brasília e foi enterrado clinicamente em São Paulo."89 "Art. 75 - O colégio eleitoral reunir-se-á na sede do Congresso Nacional a 15 de janeiro do ano em que findar o mandato presidencial. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982) § 1° Será consideradoeleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver maioria absoluta de votos. § 2° Senenhum candidato obtiver maioria absoluta na primeira votação, os escrutínios serão repetidos, e a eleição dar-se-á no terceiro, por maioria simples. Art. 76. O Presidente tomará posse em sessão do Congresso Nacional e,se êste não estiver reunido, perante o Supremo Tribunal Federal, prestando compromisso de manter, defender ecumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral e sustentar a união, a integridade e aindependência do Brasil. Parágrafo único. Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente ouo Vice-Presidente, salvo motivo de fôrça maior, não tiver assumido o cargo êste será declarado vago peloCongresso Nacional ." (BRASIL, 1969, grifei.) Apenas posteriormente, o § 1º do art. 75 seria redigido para queassim constasse: "§ 1º A eleição do Presidente implicará a do candidato a Vice-Presidente com ele registrado.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985)". Ainda: “Art. 78. Em caso de implemento [sic] do

Presidente e do Vice-Presidente ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados aoexercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo TribunalFederal. Art. 79. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente, far-se-á eleição trinta dias depois deaberta a última vaga, e os eleitos completarão os períodos de seus antecessores.” (BRASIL, 1969)

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José Sarney seria empossado interinamente como Presidente da República na data

 prevista de 15 de março, tornando-se titular do cargo após o polêmico falecimento do parceiro

de chapa. O General Lêonidas Gonçalves, como futuro ministro do Exército de Sarney,

manteria um papel atuante no desenrolar político da Nova República, especialmente na

votação do Congresso Constituinte sobre a duração do mandato presidencial.

A presença militar que ainda fardava o governo civil – dos 1900 funcionários da nova

Presidência, 250 eram militares da ativa (DREIFUSS, 1989:39) – demonstraria sua força no

texto da Constituição Federal de 1988, que “manteve muitas prerrogativas militares não

democráticas existentes na Constituição autoritária passada e chegou a adicionar novas

  prerrogativas”, mantendo a sociedade civil sob eterna guarda de um possível retorno.

(ZAVERUCHA, 2010)

A denominada transição  da ditadura à Nova República proporcionaria ao Brasil não

apenas a manutenção no poder deste corpo militar em sentido estrito¸ mas de todo o pessoal

recrutado com base na identidade política, ideológica e policialesca da ditadura

(FERNANDES, F., 1986:23).

Desta forma, os amigos do regime, revolucionários de primeira hora, líderes desarmados

e “generais civis” que ocuparam todos os principais cargos à paisana durante a vigência dogoverno militar, mantiveram-se circulando pelos labirintos do Estado burocrático e assim

como sua ditadura, não foram alijados nem derrotados, mas transportados à Nova República

como portadores e defensores da democracia e liberdade. Numericamente, “93% dos

integrantes do alto escalão da gestão Sarney (cerca de 2 mil pessoas) eram oriundos dos

governos militares” (JORNAL DO BRASIL, 18.06.1986 apud DREIFUSS, 1989:40).

Tanto o Presidente empossado José Sarney, quanto seu futuro Ministro das

Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, fazem parte deste quadro de reminiscências daditadura (v. 3.2.), cujo reflexo direto pôde ser percebido na sobrevivência de antigas práticas

autoritárias, como a censura90 e a violência contra manifestantes91.

90 "De 1985 ao início de 1987, 261 letras de música foram cortadas, outras 25 foram vetadas e filmes, novelas etextos teatrais foram censurados ou proibidos, como, por exemplo,  Je vous salue, Marie, de Jean-Luc Godard[...]" (PIERANTI, 2011:147)91 Palmério Dória (2009:93-94/181-183) registra diversos episódios de autoritarismo e violência na NovaRepública. Em junho e julho de 1987, o governo valeu-se da Lei de Segurança Nacional para efetuar duas  prisões durante manifestações contra seu governo. Contra o aumento de 49% das passagens de ônibus, em pleno congelamento de preços foram 100 (cem) prisões. Em novembro, após vaias a José Sarney em Belém, 17 pessoas foram presas. A três dias do réveillon, 4 mil garimpeiros de Serra Pelada se rebelaram; a Polícia Militar reagiu à bala e 133 foram mortos. Em 9 de novembro de 1988, 1.300 homens do Exército invadiram Volta

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É com base neste panorama crítico que se pode concluir que a Nova República – tal

como escreveu o sociólogo Florestan Fernandes, deputado federal constituinte, em 1988 – não

foi uma vitória da democracia, mas uma nova derrota do republicanismo:

[A Nova República] não rompeu com o passado, remoto ou recente. Nãocombateu de frente a ditadura. Contornou-a e prolongou-a. Nasceu de seu ventre efoi batizada em sua pia batismal. O Colégio Eleitoral tinha de ser o seu berço e,também, o seu leito de morte. A retórica empolgou a sua defesa, através da indústriacultural de comunicação de massas e da ação rasteira dos políticos profissionais.(FERNANDES, F., 1986:20)

Se a ideologia dominante proclamou e ainda proclama a Nova República como o

retorno da democracia e da liberdade, a interpretação alternativa desta alcunha leva, de novo,à velha, minúscula república brasileira, democracia esvaziada de uma sociedade política de

 poucos. Arremata René Dreifuss (1989:14):

Em plena República, a res publica no Brasil não passa de ficção, justamente por falta objetiva de ‘estado cívico’ da população, ou seja, por ausência induzida – coercitiva ou repressivamente – dos ingredientes culturais, sociais e políticos básicos, que lhe dariam sustentação e que em outros lugares foram constituídos esedimentados historicamente: cidadania, individualidade, legalidade, organização emanifestação política autônoma (cultural, sindical e partidária) e delegação

responsável de autoridade legítima. Enfim, o país carece de uma verdadeiraSociedade Civil e Política Popular e nesse contexto e sentido, o Estado é umaquimera.

As delegações de radiodifusão no governo Sarney (v. 3.3) são o exemplo concreto da

 persistência da contínua apropriação do público pelo privado e da dominação de classe no

novo Estado republicano, operada pelos políticos de plantão, a pleno vapor e de ânimos

renovados com a transição assegurada.

Imbrincadas pelo verniz democrático, imbricadas na complexa disputa da Constituinte

de 1988 e possíveis através da consagrada e legalizada concentração de autoridade: assim dar-

se-iam, em meio ao lamaçal da Nova República, as delegações de rádio e televisão no

governo José Sarney, mais um grande passo na constituição da Comunicação no Brasil de

hoje.

Redonda para expulsar 3 mil operários em greve por reposição salarial e turno de seis horas; mataram brutalmente três grevistas e feriram nove gravemente.

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3.2. Política e Comunicação de José Sarney e Antonio Carlos Magalhães

“Temos uma pequena televisão, uma das menores, talvez, da Rede Globo. E por 

motivos políticos. Se não fôssemos políticos, não teríamos necessidade de ter meiosde comunicação.” José Sarney (SARNEY E LÍRIO, 2005) 

“Quem tem televisão, rádio e jornal está sempre no poder.” Antonio CarlosMagalhães (FERNANDES, B., 1988)

Como descrito no capítulo 2, o direito brasileiro consagrou, historicamente, uma

repartição dúplice das competências para a delegação dos serviços públicos de radiodifusão.

Desta forma é que, também em 1985, ano de início da Nova República, os poderes para a

livre e final escolha dos concessionários (para televisão e rádio regional/nacional) e

  permissionários (para rádio local) concentravam-se, respectivamente, em dois órgãos:

Presidente da República (José Sarney, com o falecimento de Tancredo Neves) e Ministro das

Comunicações (cujo escolhido foi Antonio Carlos Magalhães, a partir de agora: ACM).

A história das delegações na Nova República é também a história dos seus atores

 principais. José Sarney e ACM, ocupantes dos cargos centrais no estudo de caso, são dois

  políticos raríssimos, possuidores de trajetórias semelhantes em diversos aspectos. A

explicitação, feita a partir de agora, dessas características e histórias coincidentes – inclusive

no que tange a mútua estratégia política de controle direto de veículos de comunicação – 

completará e, definitivamente, tornará mais clara a análise posterior do “derrame” de

delegações de rádio e TV, armado e assinado embaixo pela dobradinha Sarney/ACM durante

a Nova República.

Homens de longevas vidas públicas92, Sarney e ACM foram e serão sempre conhecidos

 pelo tino político extremamente apurado e hábil. Ambos marcaram a história da politicagem  brasileira pela imensa capacidade que demonstraram possuir para acompanhar e articular,

camaleonicamente e durante décadas, os movimentos da sociedade política dominante,

garantindo suas sobrevivências na cúpula do poder.

Esse constante e vitorioso reposicionamento, “processo ativo de adaptação do político à

cena política” (ALMEIDA, G., 1999:560), respeitou a lógica elitista da política no Brasil,

92 ACM faleceu em 2007, aos 79 anos, como senador da República; ocupara cargos políticos por mais de cinco

décadas, desde 1954 (deputado estadual/UDN). Sarney, aos 81 anos, ainda hoje é um dos políticos maisinfluentes do Brasil. Deputado federal pelo PSD em 1954, atualmente é presidente de honra do PMDB esenador pelo Amapá. No primeiro ano do governo Dilma Rousseff (2011) foi eleito pela quarta vez ao cargo de presidente do Senado Federal.

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explicitada no ponto anterior, na qual as transformações políticas e a modernização

econômico-social no Brasil, segundo Carlos Nelson Coutinho,

[...] foram sempre efetuadas no quadro de uma ‘via prussiana’, ou seja,através da conciliação entre frações das classes dominantes, de medidas aplicadas decima para baixo. [...] Essas transformações ‘pelo alto’ tiveram como causa e efeito  principais a permanente tentativa de marginalizar as massas populares não só deuma participação ativa na vida social em geral, mas, sobretudo no processo deformação das grandes decisões políticas nacionais. (COUTINHO, 1984:36 apudDANTAS NETO, 2006:52)

Tanto na Bahia quanto no Maranhão, a política anterior a ACM e Sarney já “era

instruída por uma formação social orientada pela tradição, herdada de uma elite, mais bem deuma oligarquia, cuja formação emblemática foram os coronéis.” (ALMEIDA, G., 1999:561;

GONÇALVES, 2000)

Filhos desta tradição, os dois atores foram [auto]definidos como portadores e

executores da modernização econômica, política e social dos dois pobres estados nordestinos,

num projeto centrado na retórica da implementação do Estado racional, burocrático,

 planejador e impessoal, em detrimento dos antigos tempos nepotistas.

 No entanto, a descontinuidade entre o “vitorinismo”93 e o “Maranhão Novo”94, entre a

“era dos coronéis”95 e o “carlismo96” é apenas ideológica, pois não houve real substituição da

93 Segundo Maria de Fátima da Costa Gonçalves (2000), pesquisadora do longo domínio da família Sarneysobre o Maranhão, o vitorinismo “é uma classificação ambígua, a posteriori, referida ao domínio de VitorinoFreire na cena política do Maranhão. A construção dessa categoria de classificação só tem eficácia para o grupoque quer realçar uma descontinuidade, em verdade uma aparente descontinuidade, em relação ao períodoanterior à gestão de José Sarney como governador do Maranhão.” Sarney surgiu na política partidária pelasmãos do próprio Vitorino, como assessor do governo Eugênio Barros em 1949 e liderado pelo PSD de Freire,quando eleito deputado federal, em 1958. A filiação à UDN aconteceria somente em 1962, quando rompe como governador Newton Bello. (GONÇALVES, 2000:75/131-132) Segundo Palmério Dória (2009:40), “Mais

tarde, Sarney renegará essas origens. Dirá, por exemplo, que foi da UDN desde sua fundação, em 1945.” O  jornalista baiano Sebastião Nery, em depoimento a Dória (2009:39-40), completa o quadro: “No segundogoverno de Vargas, Sarney era fiel escudeiro de Victorino. Foi Victorino inclusive quem fez o pai deledesembargador. Em 1954, Sarney foi candidato a deputado federal. [...] Ficou como quarto suplente. Victorinofez, de alguns deputados, secretários de Estado. E tirou três, só para Sarney assumir a bancada governista doPSD. [...] Sarney frauda a história dele nas menores coisas. Que mal tinha ele dizer que saiu do PSD para aUDN? Também não fala que foi da Arena, fala que foi do PDS.”94 A ascensão de Sarney no Maranhão foi construída sobre o discurso do “Maranhão Novo”, um projetocoletivo, político e literário, movido pela “Geração de 50” e pautado na pretensa retomada de um passado de prosperidade cultural e social do Estado maranhense. Para maior detalhamento dessa interessante análise, ver  Areinvenção do Maranhão dinástico (GONÇALVES, 2000).95 O “juracisismo udenista”, sob cuja liderança ACM ingressa na carreira política, inicia-se quando GetúlioVargas entrega, em 1931, o comando do Estado ao então tenente cearense Juracy Magalhães, de apenas 26anos. “Nomeado interventor com plenos poderes, Juracy foi mais tarde eleito governador, por pleito indireto,em 1934 e, numa política de acomodação, construiu, contra a elite de Salvador e Recôncavo, uma poderosaaliança com coronéis do sertão. Ocupou o cargo até 1937, quando renunciou, em desacordo com o golpe do

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 prevalência dos interesses pessoais e dos antigos laços de consangüinidade e poder das elites,

 por novos critérios de competência e interesse público, mas sim a tentativa de transformismo

dos favorecimentos privados sobre nova carapuça cultural, legal, estatal e universal.

Em resumo, Sarney e ACM representaram, em suas trajetórias, a modernização

conservadora (DANTAS NETO, 2006), feita pelos e para os mesmos “donos do poder” e

  pautada na sobrevivência de formações sociais e práticas políticas pretéritas, tais como o

clientelismo e coronelismo. O mérito desses dois políticos profissionais foi a habilidade,

adequação ao script 97  e liderança exercida na unificação das contradições, transição política e

 perpetuação da dominância das elites.

Portadores de um populismo progressista, centrado na vinculação manipulativa,carismática e propagandística de suas imagens pessoais ao discurso regionalista, à cultura e à

territorialidade (é o caso da literatura regional, no projeto sarneísta, e da baianidade 98, no

carlista) (GONÇALVES, 2000:63-102; ALMEIDA, G., 1999:569-570), Sarney e ACM

lograram, através da representação do rompimento com as dinastias e pela imposição do falso

critério político do amor à terra, implementar suas próprias dinastias, inclusive com a adoção

dos critérios de sangue na passagem do poder aos seus filhos e netos.

 Na história brasileira, demonstraram suas capacidades de eternizar-se, especialmente,em dois momentos-chave de transição política: primeiro, na virada dos tempos da República

coronelista/getulista à autocracia burocrático-militar, fruto do golpe; depois, da ditadura à

 Nova República, esta última, era de um novo autoritarismo, o midiático.

Estado Novo. Esta atitude, aliás, render-lhe-ia reingresso futuro na política baiana como líder popular e principal chefe da UDN local [...].” (DANTAS NETO, 2006:73-79)96

Assevera Paulo Fábio Dantas Neto (2006:92): “O chamado carlismo nunca foi mera obra do talento políticoou do apetite pessoal de poder de ACM, mas a expressão política de interesses, valores e atitudes das elites  baianas e nacionais que apostaram numa supressão autoritária do pluralismo para apressar, por cima, umamodernização que lhes preservasse dedos e anéis.”97 Importante ressaltar que o início do processo modernizante-conservador, que não rompeu com a tradiçãosocietal e o Estado autocrático, precedia a emergência de ambos políticos, encontrando neles, justamente, suatradução política e eleitoral. Neste sentido: “Argumento que o script em vigor na Bahia, a partir de 1954, era oda consolidação da Revolução de 1930. Por conseguinte, os quadros políticos que emergiram daquele contextocom chances de êxito foram os que regularam a sua prática de acordo com aquele influxo modernizante.Perderam espaço ou pereceram os que atrelaram sua conduta a uma sociedade tradicional. Venceu quem preconizou planejamento econômico, indústria, reforma urbana, cultura de massas; perdeu quem se aferrou aoimproviso, ao mundo agrário, práticas rentistas e imaginário da elite letrada, mas provinciana.” (DANTAS NETO, 2006:103/474)98 “[...] apelando ao repertório persuasivo da baianidade, procurava-se reduzir os adversários a um mínimo,através da representação discursiva da contenda eleitoral como um confronto entre os que amam e os que nãoamam a Bahia.” (DANTAS NETO, 2006:476)

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As políticas e retóricas moderno-conservadoras de José Sarney e Antonio Carlos

Magalhães encontraram na emergência da ditadura uma combinação potencial, a qual,

inteligentemente (para seus propósitos), não deixaram de aproveitar. A instauração de uma

“ordem política autocrática, ela mesmo dirigente de um processo modernizante, nacional, do

mesmo tipo passivo” (DANTAS NETO, 2006:474), adequava-se perfeitamente aos projetos

das elites99 representadas pelos dois personagens.

Assim, se suas carreiras pregressas100 não os tornam filhos da ditadura, como por vezes

se afirma, ao menos “de criação” seria justo dizer. Foram nas tenebrosas décadas do regime

militar que ambos, mestres do servilismo governista101, alçaram seus maiores vôos políticos,

que desembocariam na Presidência da República e no Ministério das Comunicações, em

1985.

Sarney e ACM, embora contemporâneos de partido – União Democrática Nacional

(UDN) –, faziam parte de grupos diferentes. ACM aderia ao grupo conservador conhecido

como “banda de música”, enquanto Sarney fazia parte da ala conhecida como “bossa nova”,

de caráter mais conciliador. (ALMEIDA, G., 1999:380). Mesmo assim, tanto Sarney quanto

Antonio Carlos apoiaram o golpe militar e participaram da captura dos governos estaduais

 baiano e maranhense, articulada diretamente pelo seu partido (ambos eram, à época, diretores

regionais da agremiação), logo transformado em Arena.

O sucesso do golpe político levara imediatamente ao reconhecimento, pelo novo círculo

de poder, do apoio “revolucionário” de primeira hora de Sarney e ACM, encarados agora

como quadro político da revolução, ensejando-lhes infiltração crescente e veloz no ambiente

 palaciano, de primeiro plano, da política brasileira. (DANTAS NETO, 2006:238/249-250)

99 “Entre meados de 1955 e da década seguinte criou-se um consenso entre os vários ramos da elite baiana: amodernização local não seria feita nem apesar de e muito menos contra prioridades e interesses do Estadonacional. O problema era saber como arrancar do centro político as decisões e os recursos para viabilizar anova alternativa.” (DANTAS NETO, 2006:40)100 Antes de 64, Sarney havia sido eleito deputado federal por duas vezes (PSD/1958 e UDN/1962), além desuplente, por uma (PSD/1954). Antonio Carlos, quase o mesmo: deputado federal em 1958 e 1962; estadual,em 1954, sempre pela UDN.101

A capacidade de Antonio Carlos Magalhães para “cativar e seduzir as pessoas que detêm poder político,com objetivo de articular relações passíveis de produzir resultados” é devidamente explorada na tese dedoutorado de Gilberto W. Almeida,   Política e mídia na Bahia: com ênfase na trajetória de Antonio CarlosMagalhães (ALMEIDA, G., 1999).

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Ambos possuíam relações muito próximas com o primeiro general-ditador, Humberto

de Alencar Castelo Branco102, um dos principais artífices do golpe, que chegaria a prenunciar,

referindo-se, diretamente, à dupla aqui biografada: “Esses rapazes vão longe.”

(GONÇALVES, 2000:132)

A confirmação dessa aposta inicial não tardaria em chegar: através da indicação direta

do próprio Castelo, Antonio Carlos Magalhães seria designado para a prefeitura de

Salvador 103 (1967-1970, governo estadual de Luiz Viana Filho), enquanto José Sarney era

referendado ao governo do Maranhão104 (1966-1970).

Cabe trazer a descrição deste momento histórico, feita por José Batista Freitas Mattos

(1996:25), em ACM: O mito, livro que exalta as virtudes e a história do seu biografado:

Treze de fevereiro de 1967. Antonio Carlos Magalhães assume a PrefeituraMunicipal de Salvador. Nos círculos políticos, na opinião pública baiana e em todosos setores da imprensa, criou-se uma expectativa muito grande. Afinal, tratava-se do

 parlamentar que mais veementemente combatera e denunciara a situação anterior à Revolução de 1964. Combatendo a desordem e a subversão dos valores cívicos e ocomunismo, sempre a favor dos princípios que direcionavam o Movimento deMarço. Época em que todos estavam preocupados com os destinos da Bahia.Críticos e não críticos. Todos buscavam uma resposta positiva. O presidente daRepública, Castelo Branco, chegou a dizer em telegrama enviado ao novo prefeito,datado em 16 de fevereiro de 1967: ‘Se a ARENA perdeu por algum tempo umatuante e combativo parlamentar revolucionário, Salvador ganhou administrador quetornará mais presente sua ímpar tradição numa grande cidade moderna, onde o progresso esteja com paz social.’” (grifei.)

102 Ao confirmar sua hipótese de doutoramento, Gilberto W. Almeida (1999:560) conclui que uma das viasestratégias tipicamente utilizadas por ACM, na sua constante adaptação ao cambiante meio político, foi a prática de “acordos e conchavos de bastidores, cultuando amizades de resultado.” Como se verá adiante, alémde Castelo Branco, outro amigo “deste tipo” será fundamental na sua trajetória política: Roberto Marinho, donodas Organizações Globo.103 “Em vão resultou a tentativa de localizar, na imprensa da época, pistas claras sobre o processo político quelevou à indicação de Antonio Carlos à prefeitura. O mecanismo, reabilitado pela ‘Revolução’, de nomeação dos  prefeitos de capitais pelos governadores, em si mesmo procedimento restrito a bastidores, era, na verdade,

como se sabe, apenas o invólucro ritualístico de que se revestia o processo ainda mais fechado da indicaçãomilitar. [...] Mas a memória política oral, depoimentos colhidos e a versão do próprio personagem interpretam-no como coroação de um entendimento político que teve lugar na cúpula do poder nacional, a partir do golpede 1964.” (DANTAS NETO, 2006:284-285). Fato marcante do exercício desse primeiro cargo executivo pelodito “prefeito do século”, foi o vultoso auxílio financeiro federal, de trâmite nunca revelado/desvendado,“espécie de donativos” (MATTOS, J., 1996:37) estimado em Cr$ 5mi (cinco milhões de cruzeiros) à época,com o qual o marechal-presidente  premiou ACM pela amizade e serviços prestados desde o golpe. (DANTAS NETO, 2006:284-289) Em parte, estes recursos foram utilizados no mutirão de obras realizados no sistemaviário da capital, que marcou sua administração como “prefeito do século”. Nasceram as Avenidas MarechalCastelo Branco, Antonio Carlos Magalhães e Marechal Costa e Silva, entre outras. (MATTOS, J., 1996:38)104 Glauber Rocha, um dos maiores cineastas brasileiros e ex-estudante da Faculdade de Direito da UFBA (nãoconcluiu o curso), filmou, em 1966, a pedido de Sarney, um documentário curta-metragem, intitulado

“Maranhão 66”. Ante às imagens e sons do discurso solene de posse do governador José Sarney, então com 35anos, que se comprometia a acabar com as mazelas do estado, e da celebração da multidão com o novogoverno, Glauber expôs e contrapôs a miséria do povo maranhense, vítima histórica da fome e da tuberculose.O filme está disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=t0JJPFruhAA. (Acesso em: 06 jun. 2011)

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 Na década de 70, como líderes da Aliança Renovadora Nacional (Arena), ambos seriam

novamente escolhidos pela cúpula do poder militar e referendados pelo partido de sustentação

do regime. ACM, sucedendo Viana Filho, cumpriria seu primeiro governo estadual105 (1971-

1975), enquanto Sarney tornava-se senador da República (1971-1978), reeleito em 1979.

ACM retornaria para um segundo mandato como governador biônico (1979-1983), após

ter exercido o cargo, também fruto da aliança com o oficialismo federal, de presidente da

Eletrobrás (1975-1978). Na diplomação do retorno ao governo, em 1º de dezembro de 1978,

ACM declarou: “Não deixaremos, de modo algum, que os princípios de 31 de março de 1964

se acabem nas mãos daqueles que não querem nada pelo bem do Brasil.” (GOMES, J.,

2001:706)

O último governo militar foi presidido pelo general João Batista Figueiredo (1979-

1985). O movimento que o levara tanto à candidatura, quanto à Presidência, foi articulado e

assessorado diretamente pelo “hábil e meticuloso ACM.” (MATTOS, J., 1996:92-93) Em

discurso proferido na solenidade de posse do novo chefe, Antonio Carlos reafirmaria sua

fidelidade, agradecendo, em nome da Nação, ao arbitrário regime que tanto poder lhe dera:

[...] Em verdade os presidentes Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo,representam um exemplo de elevado senso de responsabilidade. O primeiro, acabavade servir ao seu país, vencendo dificuldades de toda ordem, com a sua obstinação eindiscutível espírito público. A imagem do estadista, fiel aos seus princípios e aoscompromissos que assumiu com a legalidade institucional, será sempre recordada pela Nação agradecida. O segundo, além de representar a continuidade do presidenteque se despede, constitui, também a certeza de que o Brasil caminhará a passoslargos, em direção a um futuro promissor, auscultadas as aspirações coletivas e leal àsua vocação democrática. (MATTOS, J., 1996:95-96)

  No entanto, com a iminente derrocada da ditadura, na qual Sarney e ACM se

movimentaram com desenvoltura, liderando as bases arenistas de apoio ao regime, os dois

105 Sobre esses tempos de candidaturas impostas por cima, veja-se a versão de José Mattos, em textoanacrônico, de 1996: “Apoiado, não só pelo então governador Luiz Viana, como também pelo então presidenteda República, Emílio Garrastazú Médice [sic] como uma das grandes revelações de administrador, líder   político e defensor intransigente da Revolução de Março. Prestigiado popularmente, admirado por seuscorreligionários e, até mesmo, por muito dos seus adversários. [...] Juntando fidelidade e princípios, num único  propósito em defesa da Revolução. Tanto é que, no confronto de méritos e possibilidades, foram excluídasquaisquer outras postulações ao cargo. Foi então, que do alto da sacada do Palácio Rio Branco, o presidenteMédici, falando a uma enorme multidão que chegou a superlotar a Praça Municipal, referindo-se ao nome deAntonio Carlos Magalhães, candidato ao governo baiano, para um mandato a ser cumprido entre os anos de

1971 a 1975, ovacionado pela multidão, provando que a decisão presidencial seria a própria decisão das urnas[!], afirmava que ‘se fossem diretas as eleições para os executivos estaduais, em verdade, dos governadoreseleitos pelas Assembléias Legislativas, Antonio Carlos Magalhães foi dos raros, se não [sic] o único, a obter maior soma de votos dos deputados na bancada arenista.’” (MATTOS, J., 1996:61-62)

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 personagens, argutos estrategistas políticos, vislumbraram-se logo privados do poder político

e autocrático, antes garantido pela “amizade de resultados” com os fuzis militares.

Apegados ao poder e pragmáticos como poucos, a “troca de lados” era questão de

tempo, muito embora ACM tenha sempre prestigiado ao máximo a ditadura militar 106 – 

inclusive seus instrumentos de exceção107 – e demonstrado, no fim, sua “queda” pelos

militares, ao apontar o nome de mais um general, Leônidas Pires Gonçalves, futuro Ministro

do Exército no governo Sarney, para a sucessão de Figueiredo108.

O ponto marcante à mudança oportunista foi a eleição interna do PDS, na qual o coronel

Mário Andreazza – que tinha como um dos principais articuladores de sua candidatura,

 justamente, ACM (MAGALHÃES, 1995:16) – foi preterido por Paulo Maluf. Após a vitóriamalufista, registraram-se importantes defecções nas hostes do partido do governo. Os

  primeiros a sair foram os membros da  Frente Liberal , liderados por Sarney (v. nota 86).

ACM, comandante de uma bancada numerosa, foi convidado a também romper com o PDS e

 juntar-se ao PFL, mas pediu tempo para decidir. (ALMEIDA, G., 1999:380).

 Nesta época, a popularidade de ACM decaía junto com o regime militar. Firmava-se a

tendência – já revelada nas eleições de 1982 e que se espraiava pelos centros urbanos do país

106 Questionado em 1995 pelo jornalista Rui Xavier sobre “qual é a avaliação que o senhor faz hoje do regimemilitar?”, ACM resumiu assim os 21 anos que lhe deviam ser saudosos: “Acho que o regime militar trouxegrandes benefícios ao país, do ponto de vista do desenvolvimento. Trouxe grandes avanços tecnológicos,sobretudo na área de comunicações, onde os militares fizeram um bom trabalho. Teve presidentes eficientes eteve presidentes fracos. O mais fraco foi o Figueiredo e o mais popular foi o Médici. O mais competente, e quenão foi popular, foi o Geisel. E o Castelo Branco, sem dúvida, foi um grande presidente.” (MAGALHÃES,

1995:29)107 O Jornal da Tarde, de São Paulo, registrou, em edição de 30 de março de 1972, inúmeros pronunciamentosde Antonio Carlos Magalhães a favor do regime militar, prestes a completar oito anos: “Como político eadministrador, estou envolvido no processo de transformação revolucionária que se desdobra no País desde 31de março de 1964. [...] O Ato Institucional nº 5 e os demais dispositivos de consolidação do Estadorevolucionário permanecem instrumentos imprescindíveis para romper o cerco da agressão subversiva eassegurar a ordem pública. [...]   Não tem o governo ferido direitos nem atentado contra as liberdades

  fundamentais, na posse desses poderes revolucionários. Antes, só os vem utilizando para punir subversivos ecorruptos, e para realizar as reformas de que a nação necessita. Na verdade, o AI-5 só incomoda ostransgressores da lei e os perturbadores da ordem pública.” (MAGALHÃES, 1972 apud GOMES, J., 2001:705,grifei.)108 Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o deputado baiano Prisco Viana, Ministro da Habitação,

Urbanismo e Meio Ambiente, durante o governo Sarney, declarou: “[...] ele [ACM] está perdido como cego emtiroteio e por essa razão levantou, mais uma vez, a possibilidade de uma candidatura militar à presidência daRepública. Todos sabem que ele operou nos últimos anos sempre com cartas marcadas. Sabia comantecedência que general ia dar e corria para apoiá-lo [...].” (VIANA, 1984 apud GOMES, J., 2001:704-705).

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  – de negar apoio a candidatos historicamente governistas, em repúdio à ditadura que

 prolongava sua despedida109. (ALMEIDA, G., 1999:386/563)

Um caso serviria para demarcar publicamente a troca de lados do político baiano,

dando-lhe a nova imagem necessária à manutenção no poder. Contaria, para isto, com a ajuda

da grande mídia, sua contumaz parceira110 na manipulação da opinião pública, tática típica na

sua carreira111, em especial, após a construção do seu próprio conglomerado de comunicação.

Assim, em cerimônia de inauguração das obras de reforma do Aeroporto Dois de

Julho112, marcada no dia 04 de setembro de 1984113, foi amplamente divulgada e comentada

 pela mídia uma resposta dada por ACM, em bate-boca com o então ministro da Aeronáutica,

 brigadeiro Délio Jardim de Mattos, que, na ocasião e presença solene de diversos políticos doPDS, acusou os políticos que apoiavam Tancredo de “covardes” e “traidores”. (GOMES, J.,

2001:702)

 Na tentativa de atrelar sua imagem à vitoriosa campanha “oposicionista” de Tancredo

 Neves, assim respondeu ACM (sem ferir sua revolução):

109

Nas eleições de 86 ao governo da Bahia, Waldir Pires (PMDB), “amparado pelo uso inovador de técnicas erecursos comunicacionais [...] que constituíram um novo padrão de operação de campanhas eleitorais noBrasil” (SOUZA, 2007), recebeu 2.675.033 votos, impondo uma derrota histórica à hegemonia carlista, cujocandidato, Josaphat Marinho (PFL), quedou-se a mais de um milhão e meio de votos. (TSE, 2011). Centrada narevalorização da participação política, o modelo de marketing político implementado pelo estreante publicitário  baiano Geraldo Walter (que comandaria a vitória de FHC à Presidência, em 1994) marcou história. Foi,inclusive, utilizado no retorno de ACM para um terceiro mandato, em 1991, após a frustrante renúncia deWaldir Pires, em 1989, para disputar as eleições diretas presidenciais como vice de Ulysses Guimarães. Defato, o jingle da campanha de Waldir, “A Bahia Vai Mudar”, possui uma qualidade impressionante, ao melhor estilo baiano de   Armandinho, Dodô e Osmar . Segue a letra: “Chega de opressão/ Porque maiores são/ Os poderes do povo/ Nessa grande Nação// Valeu a luta lado a lado com você/ Valeu a luta do PMDB// Bahia!Bahia! Bahia!/ Todas as janelas vão se abrir/ Deixe entrar o sol da liberdade/ Que a grande vitória vem aí/Foram tantos anos de injustiça/ Agora não dá mais pra segurar/ Na capital e no interior/ O povo da Bahia vai

cantar// [Refrão:] Eu quero ver um tempo novo/ De vencer e construir/ A Bahia vai mudar/ Trabalhando comWaldir!” Ver mais em: SOUZA, 2007.110 [...] ACM é, de longe, o político brasileiro que melhor trafica com a moeda de mais alta cotação nessemercado, a única universalmente válida para comprar espaço na imprensa ano após ano, regime após regime.Essa moeda é a notícia. ACM é o que, no jargão das redações, se chama de fonte.” (MAGALHÃES, 1995:16)111 Clarissa Amaral (2007:185) afirma que “desde o seu primeiro mandato parlamentar, ainda na AssembléiaLegislativa da Bahia, ACM já pautava a sua atuação política em atitudes e ações planejadas, sempre com oobjetivo maior de atrair a atenção e gerar repercussão na mídia.”112 Nem o 02 de Julho de 1823, grande data da Bahia, que “homenageia um punhado de bravos baianos quemorreram lutando para consolidar a Independência do Brasil” (GOMES, J., 2001:710), sobreviveria aocarlismo. O nome do Aeroporto seria modificado em 1998, no governo do PFL, para Deputado Luis EduardoMagalhães, em homenagem post-mortem. 113 Tal é o grau de personalismo na política de ACM, que José Mattos (1996:146) admite que a reinauguraçãoem tela era “a festa política que organizou para marcar seus 58 anos”, de fato, completos no mesmo dia. Outrodetalhe é que a obra seria executada pela OAS, empresa de parentes de ACM. (ALMEIDA, G., 1999:381)

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Trair a Revolução de 64, a memória de Castelo Branco e Eduardo Gomes, éapoiar Maluf para presidente. Trair os propósitos de seriedade e dignidade da vida pública é fazer o jogo de um corrupto, e os arquivos dos órgãos militares estão comas provas da corrupção e da improbidade. (MATTOS, 1996:146)

Alardeada e maximizada pela grande imprensa como um belo improviso, símbolo da

“bravura civil” de Antonio Carlos114, a frase marcava/representava sua luta contra Maluf e a

ditadura (que sempre apoiara); logo, a favor de Tancredo e da democracia. É o que relatou,

com orgulho, o próprio Magalhães: “Só brigo pela Bahia. [...] Ou pelo Brasil, pela democracia

 brasileira. Se eu não tivesse brigado com o Délio, talvez o Tancredo não tivesse sido eleito.”

(MAGALHÃES, 1995:65)

  No entanto, a revelação da farsa seria feita pelo próprio ACM, em depoimento a

Ronaldo Costa Couto115. Na verdade, o ministro Mattos levara dois discursos; o próprio

Figueiredo116 ordenara que fosse lido o causador da polêmica; ACM, além de já ter preparado

a resposta, combinara com Roberto Marinho117 a divulgação extremada e heroicizada do

grande teatro118.

114 Por exemplo, a revista Veja de 16 de janeiro de 1985 registrou o episódio como sendo “a primeira vez em 20

anos um civil levantava a voz para um militar, no Brasil”. (ALMEIDA, G., 1999:381)115 Disse: “O brigadeiro foi lá com dois discursos. O Figueiredo mandou que ele lesse o ruim. Ele leu o maisforte contra nós. O Tancredo não queria que eu respondesse. Telefonou para mim. Eu lhe disse: ‘Eu vouresponder, porque é bom para você.’ Eu já estava com um acerto com o Roberto Marinho, ele deu ampla  publicidade. Eu fiz aquela resposta [...]”. (COUTO, 1999:378 apud GOMES, J., 2001:702). O jornalistaTeixeira Gomes conclui: “a confissão da trama antecipada [aí] está, com todas as letras: como poderia haver ‘acerto’ com Roberto Marinho sobre algo que não havia ocorrido? É óbvio: Antonio Carlos já possuía préviainformação sobre o discurso de Délio (essas coisas vazam com facilidade) e preparou folgadamente a resposta,enaltecida pelos seus admiradores como mais uma evidência dos seus arrebatamentos. No fundo, umasimulação bem sucedida de ira civilista retardatária, mas oportuna para fazer despencar o que já estava podre,corroído pela ação dos cupins de descrédito revolucionário.” (GOMES, J., 2001:702-703)116 Na leitura de João Carlos Teixeira Gomes, “a ditadura, trôpega, chegara ao fim amparando-se nas muletas

 políticas de um Maluf desacreditado. Com ou sem discurso violento, os militares já estavam no chão. Aliás,segundo revelação feita por Delfim Neto, em entrevista concedida a Ronaldo Costa Couto (1999:378), o próprio candidato da preferência do presidente Figueiredo era... Tancredo! Desiludido e enfastiado, o generalnão poderia obviamente tornar pública a sua opção pessoal, mas os fatos confirmam a informação de Delfim,tal o grau de desinteresse revelado por Figueiredo sobre os rumos da sua sucessão.” (GOMES, J., 2001:703)Gilberto Almeida (1999:381) confirma que o grande número de defecções do PDS ocorreu “especialmente porque Figueiredo amuou-se e declarou-se neutro.”117 “Segundo relata o jornalista Mário Sérgio Conti, no livro   Notícias do Planalto, depois de responder aoministro da Aeronáutica, ACM ligou para o diretor de telejornais da Rede Globo, Alberico Souza Cruz, parasaber se ele daria o seu discurso na íntegra. Souza Cruz respondeu que veicularia os trechos mais fortes comdestaque. Dez minutos depois, era o próprio dono da rede, Roberto Marinho, que ligava para o diretor detelejornais, dando a ordem: ‘Alberico, vamos dar na íntegra o que o Antonio Carlos disse sobre o ministro da

Aeronáutica.’ (CONTI, 1999:40-41)” (AMARAL, 2007:185)118 É através deste conto que Antonio Carlos Magalhães e seus seguidores buscam reescrever sua história. JoséMattos, em   ACM: O mito (1996), após o relato do “causo” do brigadeiro Mattos, é capaz de ofertar-lhe aseguinte conclusão: “  Assim sendo, ACM foi um dos políticos que mais se destacou na luta em prol da

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Era selada assim a entrada de ACM (e da sua cobiçada e fiel bancada) no PFL. A partir 

daí, “Antonio Carlos e toda a coorte de antigos ‘revolucionários’ bandearam para o lado de

Tancredo Neves a fim de salvar o seu futuro político.” (GOMES, J., 2001:394) Assim como

Sarney, ACM lograva êxito em fazer parte, mais uma vez, de um esquema político dominante;

e no mercado brasileiro do clientelismo político, o valor da bancada baiana ligada ao carlismo

 – que rendeu 22 votos a Tancredo Neves no colégio eleitoral (ALMEIDA, G., 1999:382) – era

um futuro ministério no novo governo, escolhido a dedo: o Ministério das Comunicações.

Segundo Clarissa Maria de Azevedo Amaral (2007), competiu ao megaempresário

Roberto Marinho – dono do conglomerado midiático Organizações Globo, o mais poderoso

instrumento da comunicação de massa brasileira – confirmar o nome do futuro Ministro das

Comunicações, aliás, como de praxe já ocorria durante os governos militares (AMARAL,

2007:186; MOTTER, 1994b:192). Tal qual Juscelino Kubitschek em relação a Assis

Chateaubriand na década de 50 (v. nota 31), Tancredo, desejoso do apoio da indústria da

comunicação para a efetivação do seu projeto político, repartia o bolo do poder estatal com o

sucessor de Chatô e novo chefe do Quarto Poder, “Dr.” Marinho.

Apesar de serem amigos desde 1959 (MAGALHÃES, 1995:97), ACM não era o nome

inicial de Roberto Marinho para o cargo de Ministro das Comunicações, que preferia a

Rômulo Villar Furtado, seu “homem de confiança” (MOTTER, 1994b:196), Secretário-Geral

do Ministério desde os tempos militares, em 1974 (ficaria até 1990, por 16 anos seguidos).

Atuando em favor de ACM, Tancredo Neves indicaria seu nome a Marinho, no

exercício do papel político do Ministério, enquanto a Furtado caberia o trabalho técnico.

Antonio Carlos seria finalmente aceito, após longa conversa com Marinho. (O ATACADO...,

1987:44-45 apud AMARAL, 2007:186) A amizade de 1959 facilitava a aproximação, em

1984, de dois atores que haveriam de tornar-se, na Nova República, aliados, senão sócios, para vantagem de ambos.

Em face da confirmação de ACM, o PMDB chegou a protestar, sem sucesso119, junto ao

futuro presidente (que não assumiria), de que caso ACM fosse contemplado com um

democratização em nosso país. Encarou todas as dificuldades como um verdadeiro soldado no campo de  batalha. Agiu com dignidade. Jamais escamoteou a verdade. O resultado todos viram. O apoio a Tancredo Neves, nada mais significou, do que as aspirações de um grande líder que sempre esteve ao lado dos interessesdo seu povo. O resultado da luta, todos nos já conhecemos.” Encararemos parte do resultado da luta no ponto

3.3.119 Pedro Bial confirma o poder do “Dr.” Roberto na Nova República: “Então, quando sai que o Antônio Carlosseria o ministro das Comunicações, o Ulysses Guimarães disse ao Tancredo: ‘Hoje o PMDB rompe com você.É inadmissível que seja o Antônio Carlos. O PMDB rompe com o governo’. Aí o Tancredo bateu na perna do

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ministério, “os peemedebistas ficariam desmoralizados perante o público, pois afinal quem

lutou, durante o regime militar, pela democracia, foi o PMDB, e nunca, jamais ACM.”

(ALMEIDA, G., 1999:383)

Falecido Tancredo, ACM assumia junto ao novo Presidente José Sarney. Realizava

assim o projeto de manter-se no poder político, incluído como parte do esquema da Nova

República, no importante cargo de Ministro das Comunicações120. Hábil como poucos quando

do lado de dentro do poder, o baiano de passado autoritário logo assumiria o papel de

“eminência parda” do governo Sarney, como seu orientador político e conselheiro-mor.

(PEREIRA, B., 1988 apud GOMES, J., 2001:650).

Pode-se afirmar que a passagem de ACM pelo Ministério foi mais do que estratégica;foi, realmente, salvadora de sua carreira. A onda de repúdio que renegara sua tradição política

na Bahia nas eleições de 1986 (v. nota 109109) poderia tê-lo alijado de vez da política baiana

e brasileira, o que não ocorreu.

Amparado mais uma vez pela máquina estatal, ACM trataria da insular-se, através do

Estado, novo fôlego. O cargo de Ministro das Comunicações permitiu-lhe, em poucos anos,

redimensionar em proveito próprio a correlação de forças políticas na Bahia e no Brasil, ao

 promover, ao lado de Sarney, um festival de concessões e permissões de rádio e televisão em proveito próprio, de amigos e de correligionários.

É neste ponto que reside o significado mais profundo das delegações realizadas, pelos

dois atores principais, durante a República iniciada em 85. Tanto José Sarney quanto Antonio

Carlos Magalhães triunfaram mais uma vez na política brasileira através da realização de um

  segundo reposicionamento político: a passagem do autoritarismo da ditadura ao autoritarismo

da mídia, através da monopolização, via Ministério das Comunicações, do espectro de

radiodifusão.

Veja-se quadro descrito por Gilberto W. Almeida (1999:385), no qual se enquadram

tanto Antonio Carlos, quanto Sarney:

 No começo dos anos 80 os políticos profissionais percebiam que o controlede meios de comunicação pavimentava o caminho da ascensão na atividade política,

Ulysses e disse: ‘Olha, Ulysses, eu brigo com o papa, eu brigo com a Igreja Católica, eu brigo com o PMDB,com todo mundo, eu só não brigo com o Doutor Roberto.'” (BIAL, 2009:315 apud SANTOS e CAPARELLI,2005:08)120 O baiano receberia, novamente, cobertura favorável para si na imprensa nacional, sobretudo na revista Veja,em suas edições dos primeiros meses da Nova República. (ALMEIDA, G., 1999:383)

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o que os colocava em constante busca por aproximação dos grandes atores dosnegócios daquele segmento. [...] Para responder à crucial pergunta em torno do  porque da escolha feita por ACM pelo Ministério das Comunicações, é precisoconsiderar que as idéias acerca da imbricação entre política e mídia já circulavam noBrasil. Coube a ACM agir, escolhendo a melhor estratégia para alcançar um

desejado controle sobre uma parcela dos meios de comunicação, com vistas amelhor se posicionar para conduzir seus negócios políticos.

ACM já detinha o jornal Correio da Bahia, inaugurado em 1979 (AMARAL,

2007:204), após tentativa frustrada de aquisição do   Jornal da Bahia, seu grande opositor 121.

Analogamente, desde 1973, O Estado do Maranhão era o veículo impresso de José Sarney

(JORNAL O ESTADO DO MARANHÃO, 2011).

Além do jornal, a família Sarney já era proprietária de três emissoras de rádio e de umaconcessão de televisão, obtida em 1982, durante o governo João Figueiredo. (MOTTER,

1994b:190) ACM, do mesmo modo, lograra obter, do amigo general, uma concessão de TV

 para sua estirpe, delegada em 05 de agosto de 1984 (AMARAL, 2007:187).

Logo após sua posse, ACM trataria de imediatamente negar as acusações que

apontavam sua vinculação com a TV Bahia, emissora que, fruto da concessão de Figueiredo,

estava sendo instalada em Salvador – seria inaugurada em 10 de março de 1985 (AMARAL,

2007:185). Indagado sobre o assunto, ele repetia que a emissora pertencia a amigos. Mas anova mentira seria logo revelada, e o Ministro assumiria publicamente que, de fato, a

emissora pertence à sua família122. (MOTTER, 1994b:192)

A família Sarney, alegando dificuldades em bancar o investimento e recorrendo à

 prorrogação do prazo de instalação, demoraria pouco mais de quatro anos para transformar a

121 Na tentativa de barrar as críticas do JB, ACM usaria toda sua força e imoralidade, inclusive militar, atravésdo acionamento da Lei de Segurança Nacional contra o jornalista João Carlos Teixeira Gomes. A bela saga deresistência à opressão carlista é relatada pelo próprio João, em Memória das trevas: uma devassa na vida de

 Antonio Carlos Magalhães (GOMES, J., 2001).122 Segundo Paulino Motter, em 1994, “os sócios controladores da TV Bahia eram: Antonio Carlos MagalhãesJúnior e Luis Eduardo Magalhães – filhos de ACM, este último, então deputado federal – e César Mata Pires,genro do ex-ministro e sócio da Construtora OAS, que nos últimos anos transformou-se numa das maiores do país.” (MOTTER, 1994b:192) A Relação de Sócios e Diretores por Entidades (BRASIL. MINISTÉRIO DASCOMUNICAÇÕES, 2011a), documento valiosíssimo, divulgado recentemente (30 mai. 2011) pelo Ministério

das Comunicações, sob novo comando de Paulo Bernardo, revela os atuais sócios da Televisão Bahia Ltda.:Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Junior, Cesar de Araujo Mata Pires, Arlette Maron de Magalhães (viúvade ACM), Luis Eduardo Maron de Magalhães Filho, Paula Maron de Magalhães Gusmão e Carolina Pimentelde Magalhães Guinle (os três últimos, herdeiros do falecido Luis Eduardo).

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sua concessão em emissora: a TV Mirante123, de São Luis do Maranhão, seria inaugurada,

durante o mandato do Presidente, também sem receios, em junho de 1986.

A legalidade foi parceira desta ampliação de empreendimentos comunicativos da dupla

Sarney/ACM. O funcionamento das duas novas TVs – incomparáveis máquinas de atuação

sobre a consciência do eleitorado dos seus estados – estava liberado, já que o direito

  brasileiro, habilmente construído por políticos-radiodifusores, continuava conivente e

convenientemente cego em relação ao controle indireto (e até direto!) de emissoras por 

 políticos, geralmente registradas em nome de parentes e terceiros, como neste caso (v. 2.3).

A permissividade da Lei era mais do que oportuna para Sarney e ACM que, percebidos

da “mudança na fonte do poder, que se deslocava da esfera militar para o controle dadivulgação de informações para a massa” (ALMEIDA, G., 1999:386-387), trataram de, desde

a derrocada militar, reposicionar-se estrategicamente no campo político, como controladores

de empresas de radiodifusão.

As emissoras de Sarney e ACM não demoraram em adquirir os disputados direitos de

transmissão da emissora de maior audiência nacional, a Globo. A migração seria concretizada

através dos habituais acordos e negociatas – cujo maior exemplo foi o caso NEC124 –, que

envolveram, mais uma vez, o acionamento dos poderes estatais para locupletamento privado.

123 Figuram como atuais sócios da Televisão Mirante Ltda.: Fernando José Macieira Sarney, José Sarney Filhoe Roseana Sarney Murad, todos filhos de José Sarney. (BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES,2011a:595)124 A TV Bahia iniciara seus trabalhos como afiliada da Rede Manchete, em março de 85. Pouco mais de umano depois, o ministro ACM foi acusado de promover o “estrangulamento” financeiro da   NEC do Brasil – subsidiária da multinacional japonesa   NEC Corporation, gigante da indústria de equipamentos detelecomunicações –, pertencente ao empresário brasileiro Mário Garnero, com o objetivo de obrigar sua vendaa um único comprador escolhido por ACM: seu amigo Roberto Marinho, dono das Organizações Globo. OMinistro determinara, ilegalmente e por um ano, à estatal Telebrás, principal cliente da NEC do Brasil, o

cancelamento de todas encomendas e a suspensão dos contratos e pagamentos, inclusive os referentes aequipamentos já entregues. Cedendo às pressões (que incluíram a liquidação extrajudicial de outra empresa deGarnero, o Banco de Investimento Brasilinvest) e intimidações (de possíveis compradores, como os gruposSharp e Modata), o controle acionário da NEC seria finalmente transferido a Roberto Marinho, por valor irrisório, em 23 de dezembro de 1986. Apenas três dias após a conclusão do negócio, a Telebrás liberou US$30 milhões em créditos atrasados à empresa (MOTTER, 1994b:193). Garnero “garante que Roberto Marinhonão pagou um centavo pelas ações, quitadas pela NEC Corporation para que o dono da Globo assumisse comotesta-de-ferro dos sócios japoneses.” (GARNERO acusa ACM..., 1992) Menos de um mês após a transação, aempresa de Marinho, sem justificativas, rompeu seu contrato com a TV Aratu, afiliada no Estado há 18 anos e  pertencente à família do senador Luiz Viana Filho. Em 20 de janeiro de 1987, a TV Bahia, da famíliaMagalhães, recebia o direito de retransmissão dos sinais da Globo.O ex-diretor geral da Rede Globo, Walter Clark, confirmaria que o empresário Roberto Marinho transferiu a programação da Globo na Bahia à emissorados Magalhães depois de “ganhar a NEC de presente.” (CLARK, 1991:289 apud MOTTER, 1994b:193). Ocaso renderia intensa luta judicial entre Aratu e Globo (declarada vencedora após dez anos), além de duas CPIsna Câmara dos Deputados, controladas pelos aliados de ACM, que suprimiram dos relatórios finais asacusações ao Ministro, apesar da conclusão sobre “ultrapassagem dos limites de sua autoridade, os preceitos delei e os termos contratuais.” (GOVERNISTAS e oposição..., 1992; CPI da NEC..., 1992) Segundo ACM, não

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Foi assim que nossos biografados garantiram, através da propriedade e utilização do

mais popular meio de comunicação, suas próprias manutenções no centro do poder como

atores principais da cena política brasileira. Passavam a participar diretamente das

reproduções e representações do jogo político, pelas quais a população da Bahia e do

Maranhão – historicamente dominadas125 e inseridas numa  sociedade centrada na mídia126 – 

formam, em grande parte e a longo prazo, suas convicções eleitorais bianuais, suas

 percepções políticas sobre a democracia eleitoral (na qual são manipuladas) e sobre a própria

atuação de Sarney e ACM nos cargos estatais.

É o que se conclui da lição de Venício Artur de Lima (1996), que delineia o novo

cenário de representação da política, tão bem e desde cedo compreendido pelos políticos

interessados em dominá-lo e monopolizá-lo. Segundo o autor, este é o

[...] espaço específico de representação da política nas “democraciasrepresentativas” contemporâneas, constituído e constituidor, lugar e objeto da

houve troca de favores; declarou: “era mais do que óbvio que, no dia em que eu tivesse uma emissora detelevisão na Bahia [...], a coisa mais natural do mundo, eu ministro ou não ministro, que, na primeiraoportunidade, o Roberto Marinho transferisse para mim a programação da Globo.” (Para mais detalhes:MOTTER, 1994b:192-194; AMARAL, 2007:186-187; GARNERO, 1988:238/ss; MAGALHÃES, 1995:95-98)

  No caso maranhense, a TV Mirante, da família Sarney, era inicialmente afiliada ao Sistema Brasileiro deTelevisão – SBT. Passaria a compor a Rede Globo no ano de 1991, através de um acordo com a TV Difusora,que trocou o sinal da Globo pelo SBT. A Difusora havia sido comprada, há poucos anos, pelo então governador do Maranhão e apadrinhado político de Sarney, Edison Lobão (senador pelo PMDB-MA; ministro das Minas eEnergia no governo Rousseff). (DÓRIA, 2009:62)125 Talvez não seja coincidência o posicionamento de Bahia e Maranhão no recente levantamento sobre o Perfilda Pobreza no Brasil, que revela a brutal e histórica exclusão social do povo brasileiro. O Maranhão aparececomo o líder nacional no ranking da “População Brasileira em Extrema Pobreza”, com um percentual de25,74% da população (1.691.183 pessoas) sobrevivendo com renda familiar entre R$0,00 (zero) e R$ 70,00(setenta reais) por mês. A Bahia possui o maior número absoluto de miseráveis (2.407.990), com índice de17,17% da população, o que lhe posiciona em 8º. lugar na estatística. No Brasil, ainda vivem em extrema  pobreza mais de 16 milhões (16.267.197) de pessoas – 8,5% do contingente populacional. (BRASIL.Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2011). Em entrevista à Carta Capital, José Sarney

contestou e até elogiou a situação do seu estado: "CC: O Maranhão ostenta os piores indicadores sociais doPaís. O senhor sente-se responsável? JS: É outra mentira. O IBGE tem dois mil índices. Em alguns o Maranhãoé ruim, em outros é bom. Por exemplo, é o segundo Estado menos violento do Brasil. Temos o segundo maior   porto, que movimenta 100 milhões de toneladas. Quando assumi não havia nenhum quilômetro de estrada.Hoje temos a melhor infra-estrutura do Nordeste. Dizem que temos o pior IDH do País. Não é verdade, osdados estão errados." (SARNEY e LÍRIO, 2005)126 Aduz o professor Venício de Lima (1996:249/ss) que as sociedades “media-centric”, caso do Brasil, sãoaquelas que “possuem sistemas nacionais consolidados de comunicações e que têm neles a fonte principal deconstrução do mapa cognitivo dos seus membros [...] e que dependem dos midia para construção doconhecimento público que possibilita, a cada um de nós, a tomada cotidiana de decisões. [...] Desta forma, oconceito de CR-P [cenário de representação da política], embora não ignore a importância de outros aparelhos  privados de hegemonia, reconhece nos midia, especialmente na televisão, um papel central na tarefa de

‘cimentar e unificar’ o bloco social hegemônico (e contra-hegemônico). [...] No Brasil, embora a crise dos partidos ainda seja tema controvertido, existe razoável consenso sobre a histórica inexistência de uma tradição partidária forte e consolidada. Torna-se, assim, mais fácil o exercício pelos midia de algumas das tradicionaisfunções dos partidos [...].”

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articulação hegemônica total, construído em processos de longo prazo, nos e pelosmidia, sobretudo na televisão. (LIMA, 1996:245)

A penetração e a credibilidade dos meios de comunicação e de imprensa seriam asnovas e fundamentais armas no arsenal da política contemporânea e midiática praticada por 

Sarney, ACM e muitos outros, alçados à nova condição de “políticos eletrônicos”.

A Nova República marca este momento em que  Política e Comunicação se fundem na

dimensão da videopolítica:

A mídia, no entanto, não se restringe à exibição da política. Como campo

 social específico dotado de poderes, espaços e tempos próprios, ela constitui novoslugares de disputa e exercício do poder e, em conseqüência, queira-se ou não, deespaço possível da política. Deste modo, a mídia intrinsecamente desempenha o  papel de ator político. Ao agendar temas, produzir imagens sociais, configurar atmosferas e construir cenários, a mídia realiza deslocamentos e transmissões de  poder e assim age politicamente. (RUBIM, 1999:169 apud ALMEIDA, G.,1999:390, grifei.)

O Estado, continuamente privatista e manejado pelas elites brasileiras, participou

diretamente do nascimento desse novo paradigma, como o ente operador da sempre existente,

 porém nunca tão intensa, apropriação privada do espaço público destinado à comunicação viarádio e televisão, pelos políticos conservadores e aliados às redes nacionais.

O mandato presidencial de Sarney e a ida de ACM para o Ministério das Comunicações

marcam a transição histórica destes políticos “de um modelo político tradicional para outro,

renovado e recauchutado, mais atualizado, mais apto a resolver a emblemática subsunção da

 política à mídia.” (ALMEIDA, G., 1999:390)

As inaugurações da TV Bahia (família Magalhães) e da TV Mirante (família Sarney)

nos primeiros anos da Nova República foram apenas os primeiros passos de uma longa

  jornada, com um objetivo político estrategicamente bem definido, qual seja, o de obter o

controle da informação política nos respectivos estados. (AMARAL, 2007:187)

Este plano, de manutenção do dominante como dominante, seria executado às pressas

no Ministério das Comunicações – antes da promulgação da nova Constituição, que instituiria

novas regras –, através de delegações de Sarney e ACM, de punhos próprios e para si

mesmos, que culminariam na constituição das Redes Bahia e Mirante.

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3.3. Delegações de radiodifusão, março de 1985 a outubro de 1988

 Neste ponto será feita a análise das delegações de radiodifusão no governo presidencialde José Sarney, de 1985 a 1988, com dois destaques: o uso político das concessões e

  permissões como moeda de troca nas votações do Congresso Constituinte de 1988 e as

consequências destas delegações na comunicação do Estado da Bahia – no seu controle por 

 políticos e na monopolização da televisão pela Rede Bahia de Comunicação.

Esta pesquisa limitou-se a um período de três anos e sete meses, que vai de 15 de março

de 1985 – dia que José Sarney assume a Presidência – a 05 de outubro de 1988 – data de

  promulgação da nova Constituição Federal. Tal escolha se deu porque a Carta de 88(BRASIL, 1988) impôs modificações às regras para delegação dos serviços de radiodifusão,

no sentido de determinar que a decisão do Poder Executivo, a parir de então, só produziria

efeitos após aprovação do ato Congresso Nacional (BRASIL, 1988, art. 223).

Por isso, as delegações aqui analisadas, que beneficiaram a muitos parlamentares – 

identificados127 por Paulino Motter (1994b) –, foram todas realizadas sob vigência da

legislação pretérita à nova CF, na qual o Poder Executivo gozava de total e exclusiva

liberdade – isto é, não havia necessidade de confirmação posterior – na escolha e renovaçãodos concessionários e permissionários dos serviços de rádio e TV.

A emergência dessas novas regras constitucionais foi, justamente, o maior motivo para

que o Poder Executivo, liderado por José Sarney e Antonio Carlos Magalhães, aproveitasse da

competência (que tinha data certa para ser suprimida) para travar verdadeira “corrida contra o

tempo”, delegando – no período aqui tratado – centenas de canais em tempo recorde, sem a

necessidade de apreciação do Congresso128.

127 A partir de listagem fornecida pela Secretaria de Fiscalização e Outorga do Ministério das Comunicações(MOTTER, 1994b:163).128 Até o final do seu mandato, Sarney encaminharia ainda mais uma centena de concessões ao Congresso.Excluídas desta análise, a maior parte delas só foi aprovada depois que o seu governo terminou. (MOTTER,1994b:163) A emergência das novas normas não logrou democratizar o processo de delegações de radiodifusão

no país. Os poderes de delegação continuaram concentrados no Poder Executivo, já que, na prática, oCongresso Nacional provou aprovar as outorgas e renovações às escuras (confirmando, cegamente, os  pareceres do Minicom), em proveito, inclusive, dos seus próprios membros. Esta crítica será retomada naconclusão da pesquisa.

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3.3.1. No preço dos 5 anos: delegações como moeda política

“Concessão só para quem estiver do lado do poder.” Deputado Jesus Tajra

(MOTTER, 1994b:162)

A Nova República, transição antidemocrática da ditadura, nascera sobre as bases e

diretrizes do regime militar, inclusive sua legislação.

Em relação ao processamento das delegações de radiodifusão, em 1985 vigia o modelo

recebido da ditadura. Criticado no capítulo 2, ele concentrava, de forma autoritária, o poder 

decisório sobre a escolha dos delegatários nas mãos do Presidente da República e do Ministro

das Comunicações. Favorecia, por isto, toda sorte de tráfico de interesses e barganhas políticas.

Essa estrutura jurídica servira ao governo imediatamente anterior, de João Figueiredo

(1979-1985). Seus últimos meses de mandato foram marcados por denúncias da distribuição

clientelista de concessões e permissões de radiodifusão. Figueiredo premiara com emissoras,

no apagar de luzes da ditadura, amigos e políticos fiéis ao regime. (LIMA, 1987; AMARAL,

2007:187).

Foi na esteira dessas denúncias que, logo no início de sua gestão, o novo Ministro das

Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, anunciou com alarde uma medida moralizadora,

recebida de forma positiva pela opinião pública e por aqueles que lutavam pela transparência

nos processos de outorga e pela democratização dos meios de comunicação.

Em maio de 1985, o Ministro anunciou a suspensão de 144 (cento e quarenta e quatro)

delegações feitas pelo ex-presidente Figueiredo, sob alegação da ocorrência de irregularidades

e com o intuito de sanar os vícios históricos do sistema de concessões (FENAJ, 1988). Note-

se que desta lista estava excluída a TV Bahia, concedida à família Magalhães em agosto de

1984.

 No entanto, a atitude de ACM “não passou de um gesto teatral e diversionista, que não

teve nenhuma continuidade.” (MOTTER, 1994b:296). Com o passar do tempo e

esquecimento da imprensa, todas as delegações inicialmente suspensas foram gradativamente

liberadas. O político baiano mostrara mais uma vez sua demagogia política, usando as

suspensões para retaliar adversários políticos selecionados e para autopromoção.

Tal carapuça não serviria por muito tempo: poucos meses depois, o governo Sarney e

seu Ministério das Comunicações iniciaram a mais farta distribuição de delegações da história

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do país – não apenas retomando, mas superando, em muito, as práticas inicialmente

condenadas.

Se em seis anos de governo do general Figueiredo (1979-1985) foram delegadas 634

concessões e permissões129, nos três e meio primeiros anos do governo de José Sarney (1985-

1988) este número foi de 1.028 delegações, representando quase 1/3 (um terço) do número

total de delegações na história brasileira, até aquele momento:

Tabela 1: Delegações de radiodifusão no Brasil (1934-1988)

Período/Governo Número de delegações %

1934-1979 1.483 47,15

João Figueiredo (1979-1985) 634 20,15

José Sarney (1985-1988) 1.028 32,7

Total 3.145 100

Fonte: MOTTER (1994b)

As 1.028 delegações durante os anos Sarney apresentam tendência ascendente,

conforme tabelas 2 e 3 e gráficos 1 e 2, abaixo:

Tabela 2: Delegações de radiodifusão no Brasil (1985-1988)

Serviço 1985 1986 1987 1988130 Total

TV 14 13 12 43 82

OM 47 50 53 164 314

FM 66 91 143 332 632

Total 127 154 208 539 1.028

Fonte: FENAJ (1991)

129 Este é o número disponível até maio/1984 e utilizado nesta pesquisa. Seja feita a ressalva que “os dadossobre esse período são truncados, mas sabe-se que em cinco anos de governo, de março de 1979 a maio de1984, foram outorgadas 634 concessões e permissões de emissoras de rádio e televisão. E ao completar seusseis anos de governo, esse número ultrapassou a casa das 700 outorgas.” (FENAJ, 1991)130 Até 05 de outubro de 1988, data de promulgação da nova Constituição Federal.

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Gráfico 1: Delegações de radiodifusão no Brasil (1985 a 1988)

O número de outorgas aparece marcado pelos trabalhos do Congresso Constituinte, em

1987 e 1988, especialmente nos seus cinco últimos meses, quando ocorreram as votações

decisivas dos temas caros ao Poder Executivo (forma de governo, duração do mandato

 presidencial, papel das Forças Armadas) e já estava aprovada a mudança no processamento

das delegações, que necessitariam, a partir da promulgação da nova Carta, do referendo do

Congresso. Veja-se:

Tabela 3: Delegações de radiodifusão no Brasil (1988)

Mês/ano TV OM FM Total

Jan. 88 3 17 15 35

Fev. 88 1 2 12 15

Mar. 88 1 11 7 19

Abr. 88 0 14 13 27

Mai. 88 1 8 5 14Jun. 88 3 9 29 41

Jul. 88 4 15 12 31

Ago. 88 10 15 50 75

Set. 88 16 71 170 257

Out. 88131 4 2 19 25

Total 43 164 332 539

Fonte: FENAJ (1991)

131 Até 05 de outubro de 1988, data de promulgação da nova Constituição Federal.

127154

208

539

1985 1986 1987 1988

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Gráfico 2: Delegações de radiodifusão no Brasil (1988) 

O número de delegações explicitado nas tabelas e gráficos acima é absolutamente

incompatível com a declaração do secretário-geral do Ministério das Comunicações, Rômulo

Villar Furtado, que em depoimento à CPI do Senado destinada a apurar irregularidades nas

delegações, esclareceu que havia “capacidade relativamente limitada de processamento de

editais”, que permitia ao Executivo processar, em média , “oito a dez editais por mês” (DCN,

1987 apud MOTTER, 1994b:165), o que demonstra uma clara manipulação do procedimento

 pelo Poder Executivo.

  Nos últimos dias da Constituinte, antes que vigorassem novas regras, foi tamanho o

número de delegações da União para exploração do espectro público que o Diário Oficial da

União de 29 de setembro de 1988 (última semana da Constituinte) dedicou nove páginas

somente à publicação dos decretos presidenciais que outorgaram, neste único dia, 59

(cinquenta e nove) novos canais de rádio e TV. (PLANALTO autoriza 59..., 1988 apud

MOTTER, 1994b:166).

Para mascarar o processo, o Diário Oficial fora autorizado, também mediante decreto

  presidencial, a publicar somente a razão social das novas emissoras; ocultava-se, assim, o

nome das pessoas físicas proprietárias. A explicação da manobra compartilharia o mesmo

nível de imoralidade. “Para economizar papel”, foi assim que o ministro Antonio Carlos

  justificou, ao Jornal do Brasil (02.10.1988 apud MOTTER, 1994b:167), a sonegação das

informações que dificultava a identificação dos beneficiados com as outorgas e buscava

3515 19 27

14

4131

75

257

25

Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out.

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acobertar o escândalo que, naquele momento, reconfigurava a comunicação de radiodifusão

no Brasil.132 

O alto número de delegações é explicado, em parte, pelo projeto de poder executado por 

José Sarney e por seus aliados nos primeiros anos da Nova República, cujo objetivo foi a

aprovação, nas votações da nova Constituição Federal, do regime de governo presidencialista 

e do mandato presidencial de 5 (cinco) anos. A seguir, procurar-se-á analisar a inserção das

delegações de radiodifusão no conjunto das pressões e barganhas feitas pelo Poder Executivo

durante os trabalhos da Constituinte de 1988.

Anteriormente, viu-se que o acordo que levara à Nova República teve como cláusula

  principal o adiamento das eleições diretas para o futuro distante. Tancredo prometera ummandato de quatro anos, relegando para 1988 o aguardado retorno das eleições diretas para

chefe do Executivo. No entanto, segundo a lei em vigor – a remendada Constituição de 67 – o

mandato do Presidente ainda era de seis anos.133 No Brasil, era tema de inquietação geral o

retorno ao voto direto. A Constituição de 1988 determinaria a nova duração do mandato,

marcando, ao mesmo tempo, a data das novas eleições e da saída de Sarney.

 Nestes tempos, a conjuntura política do país era de caos: o povo sofria com sucessivos

 planos econômicos e recordes inflacionários134

; o governo gozava de baixa popularidade e

132 Quando questionado sobre o alto e incompatível número de delegações feitas nas semanas que antecederama promulgação da nova Carta, ACM também tinha outra resposta pronta. Segundo o ministro, a pressademonstrada era “para não dar trabalho aos parlamentares.” Veja-se a notícia publicada pela Gazeta Mercantil,em 29 de setembro de 1988: “O ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, admitiu ontem emPorto Alegre que o governo está apressando a concessão de emissoras de rádio e tevê antes da promulgação danova Constituição, que prevê a participação do Congresso Nacional no processo de concessões. Lembrado deque seus adversários políticos o acusam de ser o recordista na concessão de canais [...], Antonio CarlosMagalhães contestou: ‘Nem são meus adversários que dizem isto. Eu mesmo estou dizendo: é uma realidade.Estamos dando antes do dia 5 as concessões que já estão prontas, porque isto vai facilitar.’ O ministro  justificou que no País, a partir da nova Constituição, haverá ‘uma nova prática que prevê a participação dos

congressistas no processo de concessão. Mas vem aí o processo de férias naturais do Congresso Nacional, por isso estamos apressando as coisas, dando andamento ao que já está pronto para não dar trabalho aos parlamentares. E completou: ‘Querem agilidade na Constituinte e não querem no Executivo.’” (PORCELLO,1988 apud GOMES, J., 2001:352)133 “Art. 75. Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por Partido Político, obtiver maioriaabsoluta de votos, não computados os em branco e os nulos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25,de 1985) § 1º A eleição do Presidente implicará a do candidato a Vice-Presidente com ele registrado. (Redaçãodada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985) § 2º Se nenhum candidato obtiver maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição trinta dias após a proclamação do resultado, somente concorrendo osdois Candidatos mais votados e podendo se dar a eleição por maioria simples. (Redação dada pela EmendaConstitucional nº 25, de 1985) 3º O mandato do Presidente da República é de seis anos. (Redação dada pelaEmenda Constitucional nº 8, de 1977)” (BRASIL, 1969)

134 Em fevereiro de 1986, o governo Sarney baixou o Plano Cruzado, substituindo o antigo Cruzeiro. Baseadona política de inflação zero, tratou-se de um grande golpe eleitoreiro – um “estelionato político”, nas palavrasde Delfim Netto –, que somava a tentativa de combate à inflação ao congelamento artificial de preços e saláriose a uma intensa e efetiva campanha política e de propaganda, a fim de garantir a vitória eleitoral naquele ano.

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estava marcado por denúncias de corrupção.135 Mesmo assim, o político maranhense fez o

 possível para, na contramão do interesse popular, manter-se no poder. Contou, para isto, com

a força da máquina estatal, dos governadores aliados e da cobertura militar que, encabeçada

 pelo general Leônidas Pires Gonçalves, seria decisiva mais uma vez.

A maioria dos deputados do “Centrão” – coligação parlamentar entre PMDB e PFL que,

apesar do nome, foi criada e utilizada para garantir o conservadorismo no texto Constituinte136 

 – não demonstrava apoio ao desejo do Presidente, receosos de suportar, publicamente, projeto

tão inoportuno e impopular. O empresariado, que continuava combinado à cúpula do poder na

 Nova República (DREIFUSS, 1989), passou a utilizar sua insatisfação com a instabilidade

econômica para negociar, em troca do apoio aos cinco anos, suas demandas por uma

Constituição alinhada às teses e interesses do capital.

Para arregimentar o apoio que lhe faltava, Sarney usou todo um arsenal de pressão e

clientelismo. De início, entregou aos seus partidos de sustentação (PMDB e PFL) um abaixo-

assinado intitulado “Democracia e Desenvolvimento”, com o qual os compromissários

atestariam seu aval ao mandato de cinco anos e ao presidencialismo; logo depois, o Estado

Brasileiro doou Cz$ 108,5 mi (milhões de cruzados) à Confederação Evangélica do Brasil,

entidade desativada vinte anos antes, mas que agora reaparecia como “órgão de ação

comunitária e sem fins lucrativos”, sob o comando de vinte constituintes “cincoanistas”.

(JORNAL DO BRASIL, 08.10.1987 apud DREIFUSS, 1989:202)

Pouco antes da votação do tempo de mandato na Comissão de Sistematização, foi

realizado um desfile de ameaças de guerra, através do porta-voz da Presidência da República,

Frota Neto, que revelava o mito da soberania constituinte no Brasil. Avisou:

Ela veio de forma avassaladora: em 15 de novembro, o PMDB elegeu 21 dos 23 governadores. Apenas seisdias depois, era editado o Plano Cruzado II, e o povo, com salários congelados há nove meses, foi obrigado aarcar com enormes aumentos em um só dia: 100% nas bebidas, 60% na gasolina, 120% nos telefones e energia,etc. Atônito com a reação da massa, que no mesmo dia explodiu em Brasília – na conta da revolta, 27 saques,depredações e incêndios –, Sarney mandou os tanques do Exército às ruas. Seu governo findaria com doisnúmeros imbatíveis: a maior inflação da história, 1.764% ao ano; o gasto com educação, 4,6% do orçamento.(DREIFUSS, 1989:99; DÓRIA, 2001:93/183)135 O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal que apurou irregularidades naAdministração Federal recomendou o julgamento do presidente José Sarney por crime de responsabilidade.(MOTTER, 1994b:305)136

“A Constituição de 1988 – todos parecem esquecidos – resultou em grande parte das pressões e dasmanobras do governo Sarney, desenvolvidas sobretudo pelo ministro das Comunicações, e usando o Centrão para impor a sua vontade, numa articulação de interesses muitas vezes lesivas ao povo brasileiro.” (GOMES, J.,2001:352)

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O presidente considerará pessoalmente rompidos com ele e com o governotodos aqueles que votarem contra os cinco anos de mandato. [...] Um ato dehostilidade implica num rompimento que terá suas conseqüências. [...] Essainiciativa de rompimento, através de um ato de hostilidade, será considerada mesmocomo uma declaração de guerra. [...] Todos têm de arcar com as conseqüências do

seu ato unilateral de rompimento. [...] (JORNAL DO BRASIL, 12.11.1987 apudDREIFUSS, 1989:202)

Apesar das ameaças, em novembro de 1987, a Comissão de Sistematização aprovaria

quatro anos para Sarney. Essa decisão colocou o “Centrão” no meio do palco, como bancada

decisiva na votação final do mandato em plenário. Em face da derrota inicial, José Sarney

frasearia, de forma cínica e inconsequente, o aceite da vontade popular: “A eleição em 88 é

irreversível. Nenhuma Constituinte, nenhum Congresso, vota contra o povo. E o povo quer 

eleições.” (JORNAL DO BRASIL, 18.11.1987 apud DREIFUSS, 1989:203)

As pressões continuariam até a votação final. Apelava-se, mais uma vez, às táticas de

arrefecimento da opinião pública e terrorismo ideológico através do fantasma de nova

intervenção militar e perda das conquistas “democráticas”. O ministro ACM, que nunca foi a

favor de diretas (v. nota 82), assim declarou: “Se der quatro anos de mandato para o

 presidente Sarney na Constituinte, meu candidato à presidência da República será o ministro

do Exército, general Leônidas.” (A TARDE, 14.03.1988 apud GOMES, J., 2001:709)

Sarney praticava chantagem pública, ameaçando renunciar (o que significava, à época,

abrir chance à retomada do poder pelos militares) caso o resultado lhe fosse adverso; em

conversas com parlamentares, declarava-se apreensivo com a situação, enfatizando que se

fossem aprovadas as eleições para 88, “o país poderia não resistir à crise institucional.”

(JORNAL DO BRASIL, 17.03.1988 apud DREIFUSS, 1989:203).

A primeira vitória definitiva viria em 22 de março de 1988, quando emenda favorável

ao presidencialismo, do senador Humberto Lucena (PMDB-PB), foi aprovada por 334 votos a212, com três abstenções. Três dias antes desta votação, para arrefecer os planos de um bloco

empresarial que se articulava no Congresso em favor do parlamentarismo (uma manobra anti-

Brizola e Lula, candidatos que assustavam as elites nas futuras eleições presidenciais), o

assessor especial de Sarney, Thales Ramalho, reuniu-se com empresários paulistas e foi capaz

de comunicar-lhes que a adoção do parlamentarismo implicaria no risco de um golpe militar,

como resposta de médio prazo, “talvez daqui a uns três meses.” (JORNAL DO BRASIL,

25.03.1988 apud DREIFUSS, 1989:205).

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O aprovação dos cinco anos seria ainda orquestrada perante deputados – entre os

recursos para influenciar suas decisões, foram loteados cargos na administração direta e

indireta e acatados pedidos de liberação de verbas públicas137 –, governos estaduais – os

ministros Prisco Viana (Desenvolvimento Urbano) e Antonio Carlos Magalhães

(Comunicações) coordenaram a ação coativa de 15 (quinze) governadores138, que

  pressionaram suas bancadas em favor do mandato de cinco anos – e ministérios – Paulo

Brossard, ministro da Justiça, encarregou-se de pressioná-los, com respaldo militar, contra as

eleições de 88, obtendo apoio de 21 deles (num total de 27). Os ministros militares e do

Sistema Nacional de Informações (SNI) também fecharam posição, de forma pública e

notória, contra o mandato de quatro anos. (DREIFUSS, 1989:205-206)

 No fim de semana anterior à votação da emenda do deputado Matheus Iensen (PMDB-

PR), que fixava o mandato em cinco anos, a ofensiva final: era divulgada pela imprensa que o

Presidente José Sarney recebera, do general Leônidas (ministro do Exército), informação de

que os militares consideravam “inviável” a realização de eleições presidenciais em 1988 e que

  preferiam ao presidencialismo.139 (JORNAL DO BRASIL, 22.03.88 apud DREIFUSS,

1989:206)

A votação dar-se-ia em 02 de junho de 1988. A gigantesca manobra política sairia

vitoriosa: por larga margem – 344 votos a favor, 212 contra e três abstenções – foi aprovado o

mandato de cinco anos140. O Presidente José Sarney ficaria até 1989; o futuro Presidente, a ser 

137 Este jogo de promessas e fisiologismo já havia derrubado o ministro Aníbal Teixeira (Planejamento),denunciado pela liberação ilegal de verbas a fundo perdido, isto é, sem a necessária previsão orçamentária, ematendimento a pedidos de parlamentares “cincoanistas”. (MOTTER, 1994b:168)138 Com a exceção histórica de quatro governadores que não apoiariam o projeto sarneísta: Waldir Pires (BA),Miguel Arraes (PE), Pedro Simon (RS) e Moreira Franco (RJ). (DREIFUSS, 1989:205)139

O livro O jogo da direita: na Nova República, de René Dreifuss (1989) é fruto da pesquisa e articulação demais de 75 mil páginas de jornais e revistas publicados durante a Nova República. Vale registrar nesta nota asedições de jornais dos meses de maio e junho de 1988, especialmente do  Jornal do Brasil , que registraram avitoriosa manobra da elite civil e militar contra as eleições diretas naquele ano, classificada pelo JB como“conto do golpe”: JB, 07.05.88 (Sarney fala de ameaça de ditadura); Coluna do Castello, JB, 07.05.88; VillasBôas Correa, JB, 12.05.88; Coluna do Castello, JB, 25.05.88; O Globo, 31.05.88 (encontro Sarney-Leônidas);Vanda Célia, JB, 02.06.88 (redistribuição de cargos e emissoras de rádio); JB, 02.06.88 (Ermírio de Moraescomunica que militares vetariam a eleição em 88); Dora Tavares de Lima, JB, 04.06.88 (promessas de Sarneyaos deputados em troca do apoio aos cinco anos). (DREIFUSS, 1989:206)140 Até parlamentares que já haviam se manifestado publicamente a favor do voto direto em 1984 foramconvertidos à tese dos cinco anos. O deputado Theodoro Mendes (PMDB-SP), ardoroso defensor das Diretas Jáe autor de Proposta de Emenda Constitucional neste sentido (v. nota 7878), trocou de lado e votou contra osquatro anos – após receber três delegações de rádio durante a Nova República. (MOTTER, 1994b:178) Para alistagem completa dos votos, ver Jornal do Brasil, 03.06.88; listagem dos que votaram a favor das diretas em84, e contra em 88: JB, 05.06.88 (apud DREIFUSS, 1989:206).

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eleito pelo voto direto, assumiria para o exercício de 1990-1994. Restara a Ulysses Guimarães

apenas

[...] a melancólica tarefa de desmentir “qualquer ameaça de golpe militar ou decontestação dos quartéis às decisões da Assembléia”, enquanto o general CarlosOlavo Guimarães, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, qualificavade “fantasia” a versão de que a Constituinte votara sob o temor de golpe militar.(DREIFUSS, 1989:207)

A distribuição de concessões e permissões, realizada pelo Ministério das Comunicações,

aparece como uma das principais formas de aliciamento dos deputados em favor dos cinco

anos.

O pesquisador Paulino Motter, ao cruzar os nomes dos parlamentares constituintes que

receberam delegações de radiodifusão durante o governo Sarney com suas respectivas

votações nos temas de duração do mandato presidencial e regime de governo, concluiu:

Dos 91 constituintes que foram premiados com pelo menos uma concessãode rádio ou televisão, 84 (92,3%) votaram a favor do presidencialismo e 82 (90,1%)votaram a favor do mandato de cinco anos. Portanto, entre os parlamentares beneficiados com a distribuição de emissoras de rádio e televisão, o governo colheu

uma cesta de votos suficiente para assegurar a folgada vitória obtida nas duasvotações analisadas. (MOTTER, 1994b:173, grifei.)

Esse número de 91 (noventa e um) parlamentares é reconhecidamente incompleto, pois

não foi possível identificar todos os parlamentares que receberam concessões em nome de

terceiros; um subterfúgio muito utilizado para camuflar a propriedade de canais de

radiodifusão. A lista de Motter incluiu apenas os políticos que receberam alguma concessão

de radiodifusão no próprio nome ou em nome do cônjuge, de filhos ou irmãos. As únicas

exceções foram os deputados Luis Eduardo Magalhães (PFL-BA), Rita Furtado141 (PFL-RO)e Paulo Pimentel (PFL-PR), cujas emissoras em nome de “testas-de-ferro” foram identificadas

e contabilizadas.

 Número tão significativo demonstra que 16,3% dos constituintes, num universo de 559,

tornaram-se delegatários de radiodifusão durante o governo Sarney. Pelo apoio quase

141 O secretário-geral do Minicom entre 1974 e 1990, Rômulo Villar Furtado, também construiu, ao lado de suaesposa, a deputada Rita Furtado (PFL-RO), seu próprio “império midiático”. O casal controlava em 1994 um

total de 16 emissoras no Estado de Rondônia, todas elas em nome de terceiros. “[...] Uma das concessões maisescandalosas do governo Sarney foi sem dúvida a da TV Lagos, em Cabo Frio (RJ), outorgada no dia 25 de  julho de 1988” à Empreendimentos Radiodifusão Cabo Frio Ltda., empresa na qual Rômulo Villar Furtadoconstava como um dos acionistas. Sobre a expansão do “Império Furtado”, ver MOTTER, 1994b:195-198.

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unânime aos pleitos do Poder Executivo (“sim” aos cinco anos e ao presidencialismo), a suas

emissoras foram distribuídas nada menos que 165 (cento e sessenta e cinco) novos canais: 79

(setenta e nove) de rádio FM; 54 (cinquenta e quatro) de rádio OM; 30 (trinta) de TV.

Os membros do grupo político de Sarney foram os grandes beneficiados com esta

operação. Os parlamentares que compunham o “Centrão” representam mais de 9/10 (nove

décimos) do grupo identificado. Dos 91 políticos, 50 (cinqüenta) eram do PFL; 33 (trinta e

três) do PMDB; 5 (cinco) do PDS; 2 (dois) do PTB; 1 (um) do PDC.

Essa estatística demonstra que a correlação de forças político-partidárias no Brasil – e,

 portanto, a própria democracia brasileira – foi diretamente atingida pelo processo estudado

nesta pesquisa, na medida em que houve uma clara distribuição dos novos canais de rádio etelevisão apenas em favor dos grupos políticos conservadores, o que lhes garante vantagem na

disputa ideológica, eleitoral e política que pauta a democracia representativa no país.

Casos notórios, nestes dados, são os do deputado Ubiratan Diniz Aguiar (PMDB-CE),

que recebeu, entre maio e setembro de 1987, nada menos que 12 emissoras de rádio,

espalhadas por 6 estados; o da bancada do Piauí, formada por 13 representantes, dos quais 9

ganharam pelo menos uma emissora142. Destacam-se, ainda, nomes conhecidos da política

nacional, como o deputado Aécio Neves (PMDB-MG; neto de Tancredo, recebeu duas FM143

)e o senador José Agripino Maia (PFL-RN, uma FM e uma TV).

Entre todos beneficiados, a maioria não possuía negócios na área de radiodifusão – eram

os novos concessionários, impulsionados por tamanha disposição, antes nunca vista, do

Ministério das Comunicações em conceder canais a políticos. Outros, já radiodifusores,

ampliaram sua influência nos estados com a delegação de novos canais. Existiam ainda, no

142 “Mais que pelo número expressivo de constituintes beneficiados, o caso do Piauí impressiona pelaexistência do que poderíamos denominar de ‘consórcios eletrônicos’, formados em torno de emissoras nasquais figuram como cotistas uma plêiade de políticos. O exemplo mais emblemático deste fenômeno é a RádioChapada do Corisco Ltda. (OM), de Teresina, outorgada em 23 de junho de 1988, tendo como acionistas cinco parlamentares do PFL piauiense [...]”. Sobre o loteamento dos canais disponíveis entre os principais grupos políticos dos Estados-membros, ver MOTTER, 1994b:180.143 Recentemente, a Rádio Arco-Íris Ltda. – cuja permissão foi outorgada por ACM, via portaria, em 25 defevereiro de 1987 – foi alvo, juntamente com seu proprietário (senador Aécio Neves, PSDB-MG) derepresentação ao Ministério Público Federal (MPF) do bloco parlamentar estadual “Minas Sem Censura”, queaponta a rádio como “um dos mecanismos utilizados pelo primeiro representado [Aécio] para ocultação de seu

 patrimônio e prática de sonegação fiscal.” (AZENHA, 2011a) Em 1988, Aécio votou pelo parlamentarismo e pelos cinco anos (MOTTER, 1994b:174). Segundo Luiz Carlos Azenha (2011b), o bloco “Minas Sem Censura”conta que Aécio “votou a favor dos cinco anos de mandato para o então presidente da República, José Sarney. Na época, seus adversários políticos passaram a chamá-lo de ‘Aecinco’”.

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Congresso Constituinte, 55 (cinquenta e cinco) deputados que já eram proprietários de

emissoras de rádio ou televisão, mas que não receberam novas delegações no governo Sarney.

A soma destes três grupos resulta na “bancada do rádio”, que em 1988 era composta

 por 146 (cento e quarenta e seis) parlamentares, isto é, mais de um quarto (¼) (26,1%) do

Congresso. Este número explica, em parte, como as propostas de democratização da

comunicação na Constituinte – como a criação de um Conselho Nacional de Comunicação,

órgão colegiado de composição democrática, responsável pela política e análise das

delegações – foram derrubadas pelo bloco conservador, formado por políticos controladores

de emissoras e grupos regionais de comunicação, aliados e afiliados das grandes empresas e

redes nacionais de TV. (FENAJ, 1988)

Dos 129 (cento e vinte e nove) deputados federais da legislatura 1987-1990 que eram

membros da bancada do rádio, 52% conseguiram se reeleger nas eleições de 1990. Tal índice

revela a força dos meios de radiodifusão na nova democracia eleitoral brasileira, posto que a

 porcentagem média dos deputados-constituintes que conseguiram se reeleger à Câmara foi de

apenas 38%. (MOTTER, 1994b:199)

Além dos Constituintes, o governo Sarney “levou ao paroxismo o clientelismo das

concessões de radiodifusão” (MOTTER, 1994b:181), ao conceder emissoras a seus própriosgovernadores e ministros144, aos herdeiros da família real145 e até para um colunista social146.

Do conjunto desses dados, pode-se aqui reafirmar a conclusão publicada pelo Jornal do

Brasil, três dias antes do fechamento dos trabalhos constituintes, após pesquisa dos nomes dos

  proprietários de 107 emissoras que receberam delegações naquele período final de

Constituinte:

Com raras exceções, os contemplados foram parlamentares que votaram afavor dos cinco anos, governadores que usaram o peso de suas bancadas no mesmoobjetivo ou ministros que se engajaram nesse combate. Quando não foram eles  próprios os beneficiados, foram parentes deles, empresários a eles ligados ou  pessoas de seus esquemas. (JORNAL DO BRASIL, 02.10.1988 apud MOTTER,1994b:167)

144 Pelos menos quatro ministros de Sarney se tornaram delegatários durante a Nova República: João AlvesFilho (Interior), Jáder Barbalho (Reforma Agrária/Previdência e Assistência Social), Aluízio Alves(Administração) e José Tavares (Transportes). (MOTTER, 1994b:181)145 A família Orleans e Bragança ganhou a Rádio Tribuna de Petrópolis Ltda., em 05 de setembro de 1988.(MOTTER, 1994b:181)146 Rádio Atividade FM, de Brasília, propriedade de João Gilberto Amaral Soares, colunista social do CorreioBraziliense, e sócios. (MOTTER, 1994b:181)

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De fato, logo após a aprovação do mandato de cinco anos, em 02 de junho de 1988, foi

intensa a aceleração na distribuição de delegações de radiodifusão, o que denota o uso das

concessões como pagamento pelos votos. A média mensal de outorgas quase quadruplicou,

conforme tabela 4:

Tabela 4: Delegações de radiodifusão no Brasil (1988): antes e depois da votaçãodos cinco anos

Período (5 meses) Número Média mensal147 

Jan. a Mai. 88 110 22

Jun. a Out. 88148 429 85,8

Fonte: FENAJ (1991)

A utilização das delegações no governo Sarney como possível pagamento pela

aprovação dos cinco anos também é demonstrada pelo fato de que, das 165 delegações feitas a

91 parlamentares durante o governo Sarney, 70 (42,4%) foram outorgadas a partir de 03 de

 junho. (MOTTER, 1994b:178)

Ao final dessa “enxurrada” de concessões promovida às vésperas da promulgação da

nova Constituição, e face às críticas da oposição que apontavam a operação, ACM brindaria a

opinião pública com mais uma triste pérola. Em nota divulgada pela sua assessoria sob o

título “ACM rebate crítica sobre concessões”, o ministro qualificou como descabidas as

críticas ao número de concessões, defendendo-as como responsáveis pela criação de mais de

dez mil novos empregos diretos. Disse: “A radiodifusão dinamiza as atividades comerciais e

industriais, amplia o mercado de trabalho e melhora a distribuição de renda” (MINISTÉRIO

defende concessões..., 1988 apud MOTTER, 1994b:189); sem responder, como de praxe, à

acusação principal de que as delegações foram dadas com base em critérios clientelistas.

Ainda quanto ao conteúdo das outorgas do período 85-88, não se pode deixar de notar 

que o Presidente da República, José Sarney, enquanto defendia seus interesses nas votações

constitucionais, não deixou de privilegiar o seu império midiático pessoal.

147 Note-se que foram contabilizados, como um mês completo, apenas 5 (cinco) dias de outubro, nos quais 25(vinte e cinco) novos direitos de exploração dos serviços de radiodifusão foram outorgados pelo Poder Executivo.148 Até 05 de outubro de 1988, data de promulgação da nova Constituição Federal.

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 No início da Nova República, a família Sarney já possuía sólidos negócios na área de

comunicação (v. ponto anterior). Durante seu mandato, denúncias de que o presidente Sarney

estava usando seu poder para expandir negócios pessoais, tendo concedido canais a seus

filhos, foram levadas pela deputada Cristina Tavares (PMDB-PE) à CPI do Senado149 

encarregada de apurar possíveis irregularidades nas concessões. O deputado Sarney Filho

(PFL-MA) desmentiu veementemente todas as acusações; o ministro ACM deu novamente a

cara à tapa, testemunhando não haver nenhuma delegação em nome de Sarney Filho ou da

irmã Roseana, outorgada durante o governo Sarney. (ACM nega que..., 1988 apud MOTTER,

1994b:190)

A despeito das ferrenhas defesas do acusado, os dados do período comprovam que o

 presidente Sarney beneficiou familiares, amigos, sócios e aliados políticos. De acordo com

levantamento realizado junto ao Minicom, o pesquisador Paulino Motter (1994b:160)

constatou que, somente no Maranhão, pelo menos 16 (dezesseis) emissoras de rádio e

televisão foram delegadas pelo presidente José Sarney a oito pessoas diretamente ligadas à

sua família.150 

Parte destas delegações, feitas, inicialmente, em nome de terceiros para camuflar a

apropriação privada das concessões públicas pelo clã do então Presidente, foram, aos poucos,

sendo transferidas aos “verdadeiros” donos. É o caso da TV Mirante (v. nota 123) e da Rádio

149 A CPI destinada a apurar irregularidades nas delegações de rádio e televisão operadas pelo Ministério dasComunicações durante o governo Sarney não teve resultados exitosos. Os trabalhos da Comissão enfrentarammuitas dificuldades e oposições, desde o início: os líderes dos partidos não indicaram representantes, obrigandoo presidente do Senado a designá-los de ofício, em 11 de junho de 1987; a partir daí, o PMDB e PFL,acordados, elegeram, por unanimidade, o senador Marcondes Gadelha (PFL-PB) como presidente, ele que jáfigurava na lista dos favorecidos pelas concessões no governo Sarney. Apenas quinze dias após assumir ocargo, a família Gadelha ganharia mais uma concessão, um canal de Ondas Médias em Esperança/PB.(MOTTER, 1994b:304) Quando requisitadas informações ao ministro das Comunicações sobre os detalhes dasoutorgas no período, ACM limitou-se a, provocativamente, encaminhar cópias de artigos do Regulamento dos

serviços de radiodifusão (BRASIL, 1963b) e do Decreto nº 9.387/85 (BRASIL, 1985). O conluio, o despreparoe a falta de interesse dos parlamentares membros da Comissão (muitos beneficiados economica e politicamentecom as outorgas), somados à parca repercussão da CPI na grande mídia (interessada no silêncio do  status quo)resultou, após quase um ano de adiamentos, num relatório de duas páginas, que afirmava a legalidade dosistema (“eventuais distorções possibilitadas pela lei vigente, só serão superadas a partir de uma reformulaçãolegislativa”), declarava prejudicado o objetivo de apurar a política de concessões de emissoras em todo país,em virtude de que “nova Constituição estabelecerá uma nova política para o setor” e renunciava a apurar irregularidades (“tudo leva a crer que nenhuma irregularidade será denunciada”). Para detalhes, ver DCN,1988:2532-2533 apud MOTTER, 1994b:302-315, Apêndice: “A CPI do Silêncio”150 São elas: o deputado federal Albérico França Ferreira Filho (PMDB-MA), primo do presidente; JoséAniesse Sobrinho e José Carlos Moraes, ex-diretores do Grupo Mirante; Fernando Lameira, amigo de FernandoJosé Macieira Sarney, filho mais novo do presidente; José Reinaldo Tavares, ex-ministro dos Transportes;

Ricardo Jorge Murad, cunhado de Roseana Sarney e de Fernando Sarney; Manoel Moraes Guedes, sócio da TVMirante; Jurandy de Castro Leite e seu irmão Juarez de Castro Leite e José Ribamar Fiquene. Para maior detalhamento das razões sociais, localidade e sócios de cada empresa beneficiada, ver MOTTER, 1994b:190-191. Ver ainda: DONOS DA MÍDIA, 2011c.

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Mirante do Maranhão Ltda., de Imperatriz, emissora que ganhou, à época, duas delegações de

rádio e uma de TV. Inicialmente registrada em nome de Juarez de Castro Leite e Hélio

Herêncio Farias, hoje seus dois únicos sócios são Fernando José Macieira Sarney e Teresa

Cristina Murad Sarney (BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 2011a:376;

MOTTER, 1994b:190)

O Sistema Mirante, de propriedade da família Sarney, é atualmente o maior 

conglomerado de comunicação do Estado do Maranhão e um dos maiores do país. O

maranhense de hoje é informado pelo grupo através do jornal O Estado do Maranhão, por 

quatro emissoras de TV (Rio Balsas, Mirante Cocais, Mirante São Luiz e Mirante Imperatriz)

e mais 17 (dezessete) rádios AM e FM. (DONOS DA MÍDIA, 2011c; IMIRANTE, 2011)

Tanto poder midiático é mais uma arma à manutenção da hegemonia política dos

Sarney no Maranhão. O melhor e mais recente exemplo aconteceu quando Jackson Lago

venceu Roseana Sarney nas eleições para o governo do estado, em 2006, interrompendo 40

anos de política estadual comandada pelo clã. (SANTIAGO, 2006)

Imediatamente após as eleições, o grupo político derrotado ingressou com ação na

Justiça Eleitoral com vistas à cassação do mandato de Lago. Durante os dois anos seguintes à

sua posse em 1º de janeiro de 2007, os meios de comunicação do Sistema Miranteexecutaram, diariamente, “um bombardeio, uma campanha de intimidação e de preparação do

 povo para a volta ‘inevitável’ de Roseana”, repetindo sem tréguas a mensagem de “cuidado,

ele [Jackson Lago] está sendo julgado no Supremo.” (DÓRIA, 2009:86) O governador acabou

cassado, num processo com cara de “golpe judiciário”: a Justiça, ao invés de dar posse ao vice

eleito, entregou o cargo à perdedora, Roseana Sarney151.

O uso do seu complexo midiático como instrumento político já foi, inclusive, admitido

 pelo senador José Sarney, em entrevista concedida à Carta Capital:

151 Tal fato fez a jornalista Míriam Leitão comparar a situação com o impeachment  de Fernando Collor em1992: quem assumira fora seu vice, Itamar Franco, e não Luiz Inácio Lula da Silva, o segundo colocado!(DÓRIA, 2009:88) Da mesma maneira, o próprio Sarney fora empossado com a morte de Tancredo, e nãoPaulo Maluf. Ironicamente, a candidatura de Roseana à Presidência da República, que em 2002 vivia clima delua-de-mel com a grande mídia, que embarcara na sua candidatura como havia na de Collor (DÓRIA,2009:106), seria sepultada via televisão: a edição de 07 de março de 2002 do Jornal Nacional mostrou, em cimade uma mesa, 27 mil notas de 50 reais encontradas na empresa Lunus – de Roseana e de Jorge Murad, seumarido – em operação da Polícia Federal. R$ 1,35 mi (um milhão e trezentos e cinquenta mil reais) que

necessitaram de oito versões para serem explicados, afinal, como dinheiro de campanha, o que incorria emcrime eleitoral, já que não havia chegado o momento da arrecadação. Após o caso Lunus, Roseana, à épocacom 23% das intenções de pesquisa, despencaria para 15%, sendo ultrapassa por José Serra, que atingiria 17%.Ao final, Lula seria eleito no segundo turno. (DÓRIA, 2009:107-108)

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[...] CC: O fato de a vida política do Maranhão organizar-se em torno dafigura do senhor não demonstra a existência de uma oligarquia?

JS: Nunca exercemos o poder de maneira pessoal. Somos gente simples.Tenho 14 irmãos; tinha, porque hoje são 11. Vivemos lá, casamos no Maranhão, os

meus filhos estão lá, os filhos deles estão lá. Gente de classe média. A única participação em empresas é relativa à atividade política: jornal, rádio e televisão.

CC: Mas isso não faz a diferença?

JS: Isso não é ter grupo econômico. Temos uma pequena televisão, uma dasmenores, talvez, da Rede Globo. E por motivos políticos. Se não fôssemos políticos,não teríamos necessidade de ter meios de comunicação. (SARNEY E LÍRIO, 2005)

O beneficiamento pessoal dos Sarney apenas reafirma a lógica de conveniências e

favoritismos políticos que regeu as mais de mil delegações de radiodifusão no período de

1985 a 1988.

Conclui-se que o procedimento legal de escolha dos delegatários152, que deveria servir 

  para eleição da emissora melhor capacitada à execução dos serviços de radiodifusão à

 população, de acordo com o interesse público, foi utilizado como instrumento para conceder 

os direitos de exploração do espectro àqueles que, habilitados num processamento formal,

eram previamente escolhidos pelo chefe do Poder Executivo e pelo Ministro das

Comunicações. No mesmo sentido, interpretação empreendida por Othon Jambeiro (2001:90):

  Na verdade, o Presidente da República, na decisão final, e o Ministro dasComunicações, desde as primeiras ações, receberam do Código atribuições que lhes  permitem controlar todo o processo de concessão dos serviços de radiodifusão,inclusive a interpretação da legislação, as queixas do público, e a aplicação de penase multas. Historicamente, fosse o presidente civil ou militar, ele tem sido absolutono exercício desse poder, na maioria das vezes guiado exclusivamente por razões denatureza politico-partidárias.

Os editais do Ministério das Comunicações, produzidos em série153, tornaram-se

 procedimentos de cartas marcadas, com objetivo certo, qual seja, o de premiar, um a um, os

152 Segundo o relatório final da CPI das Concessões (v. nota 14949), a ritualística das concessões, em síntese,era a seguinte: “I – publica-se um edital com prazo de 45 a 60 dias para recebimento de propostas dosinteressados (empresas e entidades); II – de posse das propostas, o Dentel faz um relatório, dando por habilitadas as empresas que atenderam as exigências formais do edital (atos constitutivos, situação fiscal,condição dos sócios e diretores etc). O relatório é enviado ao Ministro, que depois, leva os dados e informaçõesao Presidente da República que, em ato discricionário e pessoal, escolhe a empresa que deve receber aconcessão, expedindo o correspondente decreto.” (DCN, 1988:2532-2533 apud MOTTER, 1994b:315) (v. 2.3)153 Cabe rememorar a declaração, já citada acima, do secretário-geral do Minicom, Rômulo Villar Furtado: oMinistério possuía capacidade de tramitação de oito a dez editais por mês, isto é, aproximadamente cento e

vinte por ano. A concretude das relações jurídicas e políticas, pautada na entrega do espectro público em escalaindustrial (e enquanto ainda houvesse tempo e autoridade para tal; v. nota 132) suplantou a técnica jurídica:somente em setembro de 1988, foram delegados 257 (duzentos e cinquenta e sete) canais, todos mediante esse processamento.

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aliados de Sarney e Antonio Carlos Magalhães, interessados na detenção de meios de

comunicação, e os políticos que aceitaram receber delegações em troca de voto ou apoio ao

 projeto de manutenção no poder presidencial.

As delegações de radiodifusão no governo Sarney também serviram aos interesses

  privados do ministro Antonio Carlos Magalhães, grande artífice dos processos relatados

acima. Da mesma maneira que Sarney, ACM – cuja hegemonia política estava em declínio no

Estado da Bahia – não perdeu a oportunidade para ampliar sua própria rede de comunicação

de massa, além de proceder à distribuição de delegações de serviços de rádio e televisão a

emissoras de amigos e aliados políticos. Estes fenômenos serão tratados no próximo ponto

desta pesquisa.

3.3.2. Coronelismo eletrônico e monopolização da televisão baiana

Como passo final do caminho escolhido, nesta pesquisa, para analisar as delegações de

radiodifusão no governo Sarney, analisar-se-ão algumas das consequências das concessões e

  permissões do período na comunicação de rádio e TV no Estado da Bahia. Em pauta, os

 proveitos auferidos por Antonio Carlos Magalhães, por sua família e por seus correligionários

na área da radiodifusão, durante sua estada ministerial na Nova República.

Ao contrário do que ACM afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo (1991 apud

MOTTER, 1994b:181) – “não me incomodo em dar concessão a adversários [...], os nossos

também ganham e tem para todos” –, o processo de distribuição de canais encabeçado pelo

ministro teve o intuito claro de conquistar e expandir a hegemonia do seu grupo político na

Bahia, de modo que só foram concedidas delegações a emissoras de rádio e televisão dos

empresários e políticos dos partidos conservadores aliados de ACM, notadamente do Partido

da Frente Liberal (PFL).

Esse processo está enquadrado na transição política delineada no ponto 3.2., onde

 políticos tradicionais passam a adquirir e utilizar-se de meios de comunicação de massa como

forma de gerir, conquistar e representar os processos políticos da democracia representativa.

O caso da Bahia é paradigmático na medida em que o PFL baiano, encabeçado pelo

líder Antonio Carlos, é exemplo ideal dessa nova era da política: o “partido eletrônico de

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ACM”154 construiu e manejou, nos seguintes anos 90, uma estrutura midiática capaz de

conduzir seus membros à vitória eleitoral através da união entre marketing político, utilização

de meios de comunicação de massa, construção de marcas e vinculação a candidatos

governistas (LUZ, 1996).

 Na análise do recorte baiano em evidência, é fundamental localizá-lo em meio a um

fenômeno de grande pertinência no Brasil atual: o coronelismo eletrônico. Não obstante a

existência de diversas concepções em torno dessa expressão155 (tratadas em FARIAS, 2009),

adota-se aqui a categoria analítica desenvolvida por Suzy dos Santos (2006; 2008), que se

utiliza da herança conceitual do coronelismo, desenvolvido por Victor Nunes Leal (1948).

Segundo Suzy dos Santos (2008:225), o coronelismo eletrônico é o

[...] sistema organizacional da recente estrutura brasileira de comunicações, baseadono compromisso recíproco entre poder nacional e poder local, configurando umacomplexa rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefeslocais, proprietários de meios de comunicação. (SANTOS, 2008:225)

A atualização do coronelismo da enxada e voto (LEAL, V., 1948) à era eletrônica da

comunicação de massa é feita por esta pesquisadora a partir de “cinco enunciados hereditários

154 Cita-se aqui inspirada conclusão de Jane Márcia Lemos Luz (1996), que detalha a política midiática: “ACM,  pode-se dizer, confere uma marca própria ao PFL (especialmente na Bahia), o que dentro do atual padrãomercadológico-midiático da política gera adesão e visibilidade ao partido/produto. Mais que isso, essa marcaconferida é a própria marca de ACM, de ação, competência, moralidade e modernidade, que foi construída paulatina e midiaticamente, inclusive suplantando a marca de atraso que o partido carrega historicamente. É justamente essa ‘imagem social fixada’ que ACM busca transferir a seus candidatos em períodos eleitorais, por meio de associação de imagens e superexposição, nesse jogo de fazer notar, de publicizar, de construir/destruir (ou manipular elementos de) cenários, climas que potencializem atitudes, idéias (e voto). Nesse processo deconstrução/manutenção de uma imagem social é que o partido eletrônico encontra razão de ser. Recorrendo àteoria política para compreeender melhor o fenômeno, encontramos que o partido político, tradicionalmente,

define-se por uma associação que busca um fim objetivo ou pessoal, destinado a obter benefícios, poder eglória. Tal qual o partido político, o partido eletrônico tem a natureza da sua ação voltada à conquista do

  poder político dentro de uma comunidade, valendo-se, para isso, de estratégias de publicização docandidato/ator social. Entram aqui as funções de dar visibilidade ao político, de promover debates sociais e deser porta-voz de um grupo ou ideologia. Assim, enquanto um partido político possui mecanismos próprios para pôr em evidência idéias/pessoas entre uma eleição e outra, o partido eletrônico cuida disso midiaticamente, naconstrução cotidiana de “fatos político-midiáticos”, onde entra o jogo da superexposição de uns contrapondoa subexposição de outros. Nesse processo de manutenção de uma imagem pública entram os elementos jácitados, como agendamento de temas com vistas à promoção de um ‘debate social’, dentro de um contexto derepresentatividade de grupos sociais/idéias. A mídia atua, dessa forma, como um “palanque”, conformando umdiscurso político novo, mais simbolizado e fundamentalmente imagético, onde o lugar da política é virtual. O‘PFL de ACM’ seria, então, dentro do seu quadro atual de personalidades/atores políticos, o protótipo dessanova forma de viver a política, conjugando mídia e elegibilidade como um verdadeiro partido eletrônico, eainda contando com um protagonista sem igual. (LUZ, 1996:52, grifei,)155 Vale citar que o termo foi utilizado pela primeira vez em um trabalho acadêmico por Célia Stadnik (1994),então graduanda no curso de Jornalismo.

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do coronelismo”: 1) a circunscrição a um momento de transição do sistema político nacional;

2) as relações clientelistas com alto grau de reciprocidade; 3) a debilidade da distinção entre

interesses público e privado; 4) o controle dos meios de produção baseado no poder político

em detrimento do poder econômico, e; 5) o isolamento da municipalidade.  (SANTOS,

2006:04).

Assim, o coronelismo eletrônico insere-se num período histórico semelhante àquele

estudado por Victor Nunes Leal, qual seja, o de transição entre dois momentos políticos. Em

1948, realizava-se a passagem do Estado Novo à democracia; na década de 80, a transição era

da ditadura militar a uma nova democracia, diretamente influenciada pelos poderes dos meios

de comunicação.

Ambos os fenômenos são resultado da   superposição de formas desenvolvidas do

regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. (SANTOS, 2006:08)

Assim como o coronelismo – forma de manifestação do poder privado da estrutura rural e

oligárquica num contexto de democratização e expansão da cidadania –, o coronelismo

eletrônico surge como manifestação (e adaptação) do poder privado de certos grupos

 políticos, que através das relações clientelistas e da propriedade de meios de comunicação,

 buscam reproduzir a hegemonia política que detinham na ditadura – o domínio do Estado e

sua operação em privilégio dos interesses privados – no novo regime político de extensa base

representativa, a Nova República.

Foi neste sentido que se observou a inserção de José Sarney e Antonio Carlos

Magalhães nas relações do coronelismo eletrônico, quando efetuaram, durante a transição dos

anos 80, seu segundo reposicionamento político – e também dos seus aliados –, através da

detenção e utilização de emissoras de rádio e televisão.

Primeiramente, figuraram como pólos locais receptores dos favores do governo federal,quando em recompensa ao apoio à ditadura, receberam as delegações da TV Bahia e TV

Mirante, durante o governo Figueiredo. Depois, atuaram como ocupantes dos cargos federais

(Presidente da República e Ministro das Comunicações) que centralizam o poder de conceder 

acesso ao espectro de rádio e TV e que “constitui a moeda do governo na barganha pelos

favores desejados” (SANTOS, 2006:17), cuja maior expressão esteve nas negociações e

  pressões sobre as votações da Constituinte de 1988. Após as delegações dos canais de

comunicação, passariam a utilizá-los como instrumento político.

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Este momento da pesquisa é, então, a narrativa das relações do coronelismo eletrônico,

com recorte territorial no Estado da Bahia e temporal nos anos em que Antonio Carlos

Magalhães exerceu o cargo de ministro das Comunicações. As delegações analisadas também

demonstrarão o uso das competências e poderes estatais em benefício da Rede Bahia, rede

regional de comunicação de propriedade da família Magalhães, cujo maior trunfo está na

detenção do monopólio da televisão baiana, constituído nessa época.

 Números apresentados por Paulino Motter (1994b:194) demonstram que, durante sua

gestão no Minicom, Antonio Carlos Magalhães privilegiou a Bahia: dos canais destinados aos

nove estados da região Nordeste, 32,4% do rádio e 26% da televisão ficaram com os

conterrâneos do ministro.

Mas um olhar apurado sobre o conteúdo desses dados revela quem foram, exatamente,

os verdadeiros privilegiados. Segundo levantamento de Clarissa Maria de Azevedo Amaral

(2007), durante a Nova República, ACM distribuiu, somente na Bahia, 114 (cento e catorze)

delegações de serviços de rádio (OM e FM) e 6 (seis) de televisão para emissoras dos seus

correligionários e familiares156.

Os dados organizados por essa pesquisadora (AMARAL, 2007:188-198) levam a um

aprofundamento das conclusões de Motter (1994b), pois se pode compreender que adistribuição de canais na Bahia durante o governo Sarney não esteve somente associada à

votação das proposições na Constituinte157, mas a um projeto político mais amplo, que

envolvia, como já se escreveu, a) o redimensionamento das forças políticas; b) o controle da

informação no estado.

156 Tais números são fruto da seguinte metodologia aplicada pela pesquisadora de Ciência da Informação: “Paracontabilizar esses números e identificar o parentesco e a vinculação política dos beneficiados, percorremos oseguinte caminho: primeiro, recorremos aos decretos das concessões publicados no  Diário Oficial da União,entre 1985 e 1990, catalogados e arquivados pelo ex-deputado estadual Ewerton Almeida (PMDB-BA),comparando-os com as cópias dos contratos sociais das empresas, registrados na Junta Comercial da Bahia(Juceb). Com isso, obtivemos uma primeira relação de emissoras, a data das concessões e o nome dos seus  primeiros proprietários. Para identificar o parentesco e o vínculo político dos proprietários, entrevistamosdiversos políticos de vários partidos e também funcionários das emissoras. Finalmente, cruzamos essa primeirarelação das emissoras com a listagem que se encontra disponível no site do Ministério das Comunicações,obtendo uma segunda lista com o nome dos proprietários atuais. Como algumas emissoras utiliza, atualmente,apenas o nome fantasia, realizamos uma pesquisa no site da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para fazer o cruzamento da razão social das emissoras com os seus respectivos nomes fantasia. Além disso,verificamos também a situação atual da emissora para sabermos quais ainda estão em operação e quantas foramdesativadas ou nunca entraram em funcionamento.” (AMARAL, 2007:189)157 “[...] até porque, ele [ACM] já controlava os votos da bancada baiana do seu partido, o PFL, e dos partidoscoligados, únicos beneficiados com a distribuição das concessões no estado.” (AMARAL, 2007:188)

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Das 114 (cento e catorze) delegações de rádio identificadas, 103 (cento e três) foram

outorgadas diretamente pelo Poder Executivo, até a data de promulgação da Constituição, 05

de outubro de 1988. As 11 (onze) restantes, cujos processos já haviam sido despachados pelo

Ministério antes da nova Carta, foram referendadas pelo Congresso Nacional, de acordo com

as novas regras, nos anos de 1989 (oito delegações) e 1990 (três).

  Na listagem completa, organizada por “Município”, “Nome da emissora”, “Data da

concessão” e “Sócios/diretores/gerentes” (AMARAL, 2007:190-193), identificou-se os

vínculos dos aliados de Antonio Carlos com cada uma das 114 (cento e catorze) emissoras,

num extenso rol de prefeitos158, deputados159, secretários160, governadores161 e senadores162 

carlistas.

Esses políticos, em sua maioria absoluta de partidos conservadores – especialmente do

PFL – passaram a controlar, juntos, grande parte da comunicação social por radiodifusão

sonora no estado163, atingindo as casas de milhões de eleitores baianos164.

158 Como exemplo, assim como nas notas seguintes: Rádio Emissora OM e Catuense FM, ambas deAlagoinhas/BA, delegadas, respectivamente, em 08.06.85 e 05.02.86, sócio: Antonio Pena (ex-prefeito doPFL); Eldorado FM, Feira de Santana/BA, 06.09.86, sócio: Ângelo Mário Carvalho (ex-prefeito pela Arena).159 Litoral Norte FM, Lauro de Freitas/BA (26.03.87), FM Macaubense, Macaúbas/BA (04.08.06) e FMPatrocínio, Paripiranga/BA (23.05.86): todas ligadas a Félix Mendonça (ex-deputado, PFL), Felix MendonçaJúnior (seu filho e atual deputado federal, PDT-BA) e Cristiana Mendonça Mathias (filha); Rio Corrente FM eRio Corrente OM, de Santa Maria da Vitória/BA, delegadas, respectivamente, em 12.11.85 e 04.08.88: pertencentes ao então deputado pelo PFL e atual deputado federal pelo PR-BA, José Rocha; Estação 93 FM,Jequié/BA (03.08.85): Leur Lomanto (ex-deputado), cujo filho, Leur Lomanto Júnior, é atual deputado estadual pelo PMDB-BA.160 FM Iemanjá, Salvador/BA (17.06.86): Kleber Pacheco, ex-secretário de Comunicação e ex-secretário deEducação do governo Antonio Carlos Magalhães. A FM Iemanjá atualmente adota o nome fantasia Globo FM  e integra a Rede Bahia.

161 Oboró FM, Ruy Barbosa/BA (12.12.85): pertencia a Otto Alencar, ex-vice-governador, ex-governador e ex-deputado pelo PTB.162 Rio Novo FM, Ipiaú/BA (06.12.88); FM Aimoré, Piritiba (05.03.86): ambas ligadas a César Borges (ex-governador e ex-senador pelo PFL).163 Segundo o Ministério das Comunicações (2011b), na Bahia de hoje (2011) existem apenas 176 (cento esetenta e seis) emissoras de rádio em funcionamento (92 FM, 84 OM; excluindo-se as rádios comunitárias); em1999, segundo relação do Sindicado dos Trabalhadores em Rádio (Sinterp), eram 144 (cento e quarenta equatro) (GOMES, J., 2001:365). Esses números revelam o tamanho da reconfiguração e dominação do espectro baiano realizado no governo Sarney (1985-1989) em prol do grupo político de ACM, que recebeu, de 1985 a1989, 114 delegações de rádio identificadas por Clarissa Amaral (2007).164 A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE, 2009) atesta que na Bahia são 3.562.000 (três milhões, quinhentos e sessenta e dois mil) osdomicílios que possuem, ao menos, um aparelho de rádio, ou 82,8% do número total de residências permanentes. A Bahia é o quarto Estado com maior número de aparelhos de rádio no Brasil, atrás de São Paulo,Rio de Janeiro e Minas Gerais. (IBGE, 2009:212)

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111

Do coronelismo ao coronelismo eletrônico, pelas mãos de ACM, aconteceu na Nova

República, ao vivo, a revitalização da elite carlista pelas ondas do rádio, novas táticas de

arregimentação do voto:

O surgimento e expansão do rádio no Brasil, e particularmente na Bahia,segue caminhos cruzados aos das oligarquias locais/regionais: com odesenvolvimento das tecnologias da comunicação e a urbanização, o "voto decabresto" dos chamados "currais eleitorais" vai cedendo lugar à mídia radiofônica,concentrando as sedes das emissoras em municípios que representam pólo político ede atração econômica e sociocultural da região. (LUZ, 1996:18)

Já no que se refere às delegações de televisão, os números são menores, porém tão ou

mais marcantes.

Ao final de 1985, eram 5 (cinco) as emissoras de TV aberta em funcionamento na

Bahia: a pioneira TV Itapoan, inaugurada em 1960; a TV Aratu, de 1969 (v. nota 124); a TV

Bandeirantes, concedida em 1981; a TV Bahia, da família Magalhães, concedida em 1984 e

inaugurada no ano seguinte e; a TV Educativa, pertencente ao Governo do Estado, vinculada

à Fundação Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) e inaugurada em novembro

de 1985. (AMARAL, 2007:195)

 No mandato de Sarney, foram outorgadas, via decreto do Presidente da República, mais

6 (seis) delegações para exploração de serviços de televisão aberta no estado. Destas, 5

(cinco), localizadas estrategicamente nos pólos regionais da Bahia – Feira de Santana,

Itabuna, Juazeiro, Vitória da Conquista e Barreiras – integram atualmente o grupo empresarial

da família do ex-ministro Magalhães, a Rede Bahia de Comunicação, enquanto a sexta foi

delegada, à época, a Timóteo Alves de Brito (ex-prefeito de Teixeira de Freitas, ex-deputado

estadual e correligionário de ACM).

Segundo Clarissa Amaral (2007:194), “inicialmente, essas emissoras ficaram em nome

de correligionários e amigos, mas a partir de 1992, começam a passar para nomes de seus

familiares.” ACM sempre negou seus vínculos com tais empresas; entretanto, o nome de seus

filhos, do genro (César Mata Pires, dono da empreiteira OAS) e dos netos figuraram e ainda

figuram no contrato social da maioria delas, assim como o nome da sua esposa, Arlete Maron

de Magalhães, a partir da formação da holding Rede Bahia de Comunicação, em 1998.

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Veja-se a tabela 5, abaixo, atualizada com a listagem oficial mais recente dos sócios e

diretores das empresas de radiodifusão no Brasil (BRASIL. MINISTÉRIO DAS

COMUNICAÇÕES, 2011a):

Tabela 5: Delegações de televisão na Bahia (1985-1988)

Emissora Município Data Sócios/Diretores (2011)

TV Subaé Ltda. Feira de Santana 10.04.85 Antonio Carlos Peixoto de MagalhãesJúnior; Arlette Maron de Magalhães;Florisberto Ferreira de Cerqueira;Modezil Ferreira de Cerqueira; SolangeRodrigues de Souza; Zildete Ferreira deCerqueira

Televisão Sul Bahiade Teixeira deFreitas S/A

Teixeira deFreitas

05.05.86 Nizan Mansur de Carvalho GuanaesGomes; João Augusto Marques Valente;Maria Eunice Valente de Almeida

TV Oeste BaianoLtda.

Barreiras 07.05.88 Marco Antonio Leão Carlos de Souza eBaltazarino Araújo Andrade

Televisão NorteBaiano Ltda. (TVSão Francisco)

Juazeiro 08.06.88 Luiz Fernando Pedreira Laranjeira eBernardo Carvalho Farias

Televisão SantaCruz Ltda.

Itabuna 04.11.86 César de Araújo Mata Pires e AntonioMenezes Filho165 

Televisão ConquistaLtda (TV Sudoeste)

Vitória daConquista

08.01.88 Luis Eduardo Maron de Magalhães Filho;Carolina Pimentel de Magalhães Guinle;Paula Maron de Magalhães Gusmão166 

Fontes: BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES (2011a); AMARAL (2007)

Percebe-se que as concessões de televisão aberta no Estado da Bahia durante o período

1985-1988 seguiram a mesma lógica do processo comandado nacionalmente por Sarney e

ACM: a utilização dos procedimentos legais de delegação para beneficiamento e

locupletamento privados, em detrimento do caráter público dos serviços de radiodifusão.

O grupo do patriarca Antonio Carlos, que na sua entrada no Ministério das

Comunicações detinha 1 (um) dos 5 (cinco) canais de TV disponíveis à população baiana – a

165 Em 1986, a concessão da TV Santa Cruz foi autorizada em nome de Antonio Menezes Filho, HelenilsonJorge de Almeida Chaves, Manoel Souza Chaves e Paulo Ricardo Chaves. A partir de 1992, manteve-se comosócio apenas o primeiro, que passou a dividir a participação no negócio com César Matar Pires, genro de ACMe um dos donos da OAS. Menezes, ex-deputado carlista e sócio da família Magalhães, já havia recebido, juntamente a Lúcia Menezes, uma delegação de rádio em Itabuna – a emissora Meridional FM (FM Sul 102,1),hoje integrante da Rede Bahia, delegada em 06.05.88. (AMARAL, 2007:191/201)166 Herdeiros do falecido político Luis Eduardo Magalhães, filho de ACM.

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recém-inaugurada TV Bahia, de Salvador –, sairia da Nova República com o controle de

metade (6/12) das emissoras de TV aberta no estado167.

Paralelamente à distribuição das emissoras de rádio e TV aberta, ACM outorgou, via

  portaria, 344 retransmissoras (emissoras repetidoras que possibilitam que os sinais das

emissoras geradoras alcancem locais que não recebem diretamente o sinal original)

diretamente à TV Bahia, ampliando significativamente a inserção do conteúdo produzido pelo

seu principal veículo nas centenas de municípios do estado168. (AMARAL, 2007:196)

Da mesma maneira, as cinco delegações concedidas ao grupo dos Magalhães,

localizadas nas grandes cidades do interior da Bahia, serviram apenas para repetir,

regionalmente, a lógica de uniformização cultural inerente ao sistema brasileiro de redes (v.nota 65). A programação televisiva produzida na capital Salvador pela “cabeça-de-rede” TV

Bahia (por si, já pequena, devido à repetição, na maior parte da programação, do sinal da TV

Globo, oriundo do Rio de Janeiro) passou a ser retransmitida para toda população interiorana

  pelas novas TVs. Até hoje, a exceção a esta regra fica por conta de parcos minutos de

noticiário local; enquanto isso, o povo interiorano/baiano continua a consumir, diariamente,

os padrões de vida e de pensamento impostos pelas grandes emissoras comerciais, localizadas

nas capitais/sudeste.

A união em rede das delegações de TV consumar-se-ia a partir de 1992, com a

 passagem da administração – pela aquisição direta ou celebração de contratos de gestão169 – 

das cinco novas emissoras a uma holding  (sociedade empresarial que controla outras

sociedades) constituída pelos Magalhães – a Bahiapar Participações e Investimentos170,

também administradora da TV Bahia.

167 Além das onze emissoras já citadas, durante a Nova República foi inaugurada, em 1987, a TV Cabrália,afiliada da Rede Mulher e administrada pela Igreja Universal do Reino de Deus. (AMARAL, 2007:196)168 Para uma análise do serviço de retransmissão como o principal instrumento de interiorização da  programação das grandes emissoras e do seu poder estratégico na manutenção dos seus poderes político eeconômico, conferir GÖRGEN, 2007.169 As TVs Oeste e São Francisco, de propriedade de sócios e amigos da família Magalhães, possuem contratosde gestão, desde 92, com a Bahiapar, que administra ambas empresas. (AMARAL, 2007:195-196/202).170

A Bahiapar tem como donos: ACM Júnior, com 33,33% das ações; César Mata Pires, com mesmo percentual; Luis Eduardo Maron de Magalhães Filho, Carolina Pimentel de Magalhães Guinle e Paula Maronde Magalhães Gusmão, herdeiros de Luis Eduardo Magalhães, que detinha igual participação. (AMARAL,2007:200)

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  Note-se que união jurídica aguardou o decurso de 5 (cinco) anos em obediência à

legislação171, que determinava este prazo para transferência de delegações dos proprietários

originais (os possíveis “testas-de-ferro” que receberam os canais do poder público, via ACM)

aos novos compradores, que aguardavam desde o momento da concessão inicial (família

Magalhães).

Em 1998, a Rede de Televisão se transformou em Rede Bahia de Comunicação, quando

emissoras de rádio também começaram a firmar contratos de gestão com a Bahiapar.

(AMARAL, 2007:202) O conglomerado é atualmente formado por 16 (dezesseis) empresas:

seis emissoras de TV aberta172 (TVs Bahia, Santa Cruz, Sudoeste, Subaé, São Francisco e

Oeste173); uma emissora de TV fechada (TV Salvador); quatro rádios (Globo FM, 102,1 FM

Sul, Bahia FM, CBN Salvador); um jornal (Correio da Bahia); um portal de internet (iBahia);

uma empresa de TV por assinatura (BahiaSat); uma construtora (Santa Helena, primeira

empresa do grupo, fundada em 1975) e; uma empresa de marketing (icontent). (REDE

BAHIA, 2011)

As delegações concedidas ao final dos anos 80 resultaram em imensos proveitos

econômicos à família de ACM174. A Rede Bahia é atualmente avaliada em R$ 300 milhões de

171 “Art. 91 Não será autorizada a transferência, direta ou indireta, da concessão ou permissão, durante o período de instalação da estação e nem nos 5 (cinco) anos imediatamente subseqüentes à data de expedição docertificado de licença para funcionamento. (Redação dada pelo Decreto nº 91837, de 25.10.1985)” (BRASIL,1963b)172 Em entrevista concedida à  Folha de S. Paulo (LOBATO, 1996), ACM Júnior “afirmou que a família só é proprietária de duas emissoras de televisão: TV Bahia, de Salvador, que funciona como cabeça de rede, e TVSanta Cruz, de Itabuna. As outras três (TV Sudoeste, de Vitória da Conquista; TV Norte, de Juazeiro; e TVOeste, de Barreiras), segundo ele, pertencem a terceiros e são administradas por contrato de gestão. Ainformação de mercado é que as cinco pertencem, de fato, aos Magalhães, embora estejam registradas em nomede outras pessoas.” A TV Subaé, não mencionada nesta notícia, está registrada em nome do próprioentrevistado (ver tabela 5).173 Consulta ao Sistema de Controle da Radiodifusão da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL,2011) mostra que 4 (quatro) das 6 (seis) delegações de serviços de TV administradas pela família Magalhãesestão vencidas – isto é, o prazo de 15 (anos) da concessão expirou e não houve renovação. Apesar disto, todasemissoras continuem em funcionamento, com o aval da legislação infraconstitucional (BRASIL, 1962, art. 33;1972, art. 4º) e da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988, art. 223, § 2º).174 Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Júnior, presidente da Rede Bahia, foi senador da República entre2007 e 2010, pelo DEM-BA. Suplente do pai, assumiu o cargo em virtude do seu falecimento. Em entrevista,ignorou publicamente a relação necessária entre a política de seu pai e o bom andamento dos seus negócios:“M&M Regional - O fato de a rede pertencer a Antônio Carlos Magalhães ajuda a atrair anunciantes? ACM Jr.- Não há vínculo entre a política e os negócios. Não ganhamos nem perdemos qualquer negócio por causa da

 política. Nesse ponto ela é absolutamente neutra, ou seja, não nos traz aumento no volume de negócios emmídia e não tira nem um centavo da rede. O posicionamento político da família que controla a empresa nãoafeta negativa nem positivamente essa questão.” (SUZUKI, 2006, grifei.) Mesmo que perguntado sobre

anunciantes, o discurso de ACM Jr. faz parecer que a Rede Bahia é fruto apenas da legítima iniciativa privada,quando a empresa – por ser da família Magalhães – obteve benesses federais diferenciadas que lhe permitiramatingir quase a totalidade do público baiano para vendê-lo, como mercadoria, aos anunciantes interessados emfazer circular suas mercadorias.

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reais (LEAL, C., 2008); a maior parte do seu faturamento vem da área televisiva 175; suas

empresas de mídia atingem a totalidade dos 417 municípios baianos e detêm nada menos que

78% da audiência no estado. (AMARAL, 2007:206) Segundo seu portal na internet, a Rede

Bahia é o “primeiro e único grupo de emissoras de TV aberta a cobrir todo o Estado, é o

maior do Norte e Nordeste e um dos maiores do país” (REDE BAHIA, 2011) – o site só não

descreve como esse monopólio de cobertura foi constituído em favor dos Magalhães: durante

a passagem e através dos atos de ACM no Minicom.

Sobre as características das empresas controladas pelos coronéis eletrônicos, firmou

Suzy dos Santos (2006:18):

A ausência de expressividade econômica frente ao crescimento de elitescomerciais e industriais impeliu o coronel à valorização de seu poder político.Semelhante situação ocorre no coronelismo eletrônico. As empresas de comunicaçãocontroladas pelos coronéis não obedecem às lógicas usuais de mercado. Os veículosde comunicação sob sua influência são financiados por anúncios publicitáriosgovernamentais, e os veículos de comunicação governamentais sob sua gestão, pelasverbas públicas. A direção das empresas no âmbito local e regional é, usualmente,cedida aos parentes ou afiliados, prescindindo dos valores do capitalismo ocidental,como, por exemplo, eficiência. Os serviços oferecidos pelas empresas dos coronéissão pobres, não têm condições de competitividade em termos de qualidade deconteúdo ou de distribuição eficaz.

Apesar de presente, na gestão da Rede Bahia, esta marca do parentesco suscitada por 

Suzy dos Santos, a empresa baiana figura como exceção à teorização sobre a falta de

competitividade dos meios constituídos pelos novos coronéis, na medida em que seus

números parecem demonstrar que sua administração está moldada nas modernas técnicas da

Administração de Empresas – afinal, ACM Jr. “formou-se administrador de empresas, em

1975, nos bancos da Universidade Federal da Bahia, onde atualmente [2000] dá aulas de

Finanças Corporativas.” (GRAMACHO, 2000)  No entanto, o financiamento das empresas com dinheiro público é uma das relações

constatadas entre a Rede Bahia e os governos (estadual e municipal) que estiveram sob

comando do grupo liderado por Antonio Carlos Magalhães.

175 Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo (GRAMACHO, 2000), o faturamento da Rede Bahia em1999 foi de R$ 185 milhões. ACM Jr. declarou que “a área de TV respondeu por 72% do lucro do grupo no ano passado, o que é bastante expressivo.” Em 1996, os números eram pouco menores: “o faturamento anual dogrupo é de cerca de R$ 90 milhões. A TV responde por 65%”, declarou o presidente da Bahiapar. (LOBATO,1996)

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Segundo pesquisa de Clarissa Amaral (2007) a partir dos Relatórios de Prestação de

Contas do Tribunal de Contas do Estado (TCE), de 1998 a 2005 – governos estaduais da

Bahia, gestões César Borges e Paulo Souto, ambos do PFL – os gastos do Estado com

 propaganda e publicidade oficial somaram R$ 450,7 milhões (R$ 56,33 mi/ano)176. Em quatro

desses oito anos, o gasto verificado na prestação de contas foi maior do que o autorizado pelo

Poder Legislativo na Lei Orçamentária. Em 2005, previstos R$ 38,9 milhões, foram

despendidos R$ 111,3 milhões, uma diferença entre gasto e previsão de 186%.177 (AMARAL,

2007:212)

Importante aqui é ressaltar que as exorbitantes verbas destinadas à propaganda dos

governos do grupo de ACM beneficiaram diretamente os veículos das empresas de

comunicação da Rede Bahia, garantindo a pujante saúde financeira do conglomerado, além

das agências publicitárias de amigos e familiares, casos da Propeg e Pejota.

Levantamento realizado pelo então vereador Emiliano José (PT-BA) no ano de 2000,

apresentado a Clarissa Amaral durante entrevista, demonstra que o governo do Estado

destinou, naquele ano, mais de 2/3 (69,6%) da verba de TVs somente à TV Bahia. O mesmo

índice da Prefeitura de Salvador, gerida então por Antonio Imbassahy (PFL-BA), foi de

66,9%. E no que toca a mídia impressa, de 93 anúncios do Governo e Prefeitura, 77,42%

foram para o Correio da Bahia e o restante à Tribuna da Bahia; o A Tarde, jornal de maior 

circulação no estado, ficou com zero178. (AMARAL, 2007:215)

176 O ranking monitor do Ibope apontou o governo baiano como 13º maior anunciante do país, entre os anos1990 e 2003. Dos estados-membros, a Bahia foi de longe o maior gastador com publicidade do Brasil, à frentede São Paulo: “O grau de importância dessa área nas ações de governo poder ser dimensionado quandocomparado aos gastos realizados em outras áreas. Em 1999, por exemplo, os gastos com  propaganda/publicidade foram superiores aos investimentos nas áreas de saúde, agricultura e combate ao

desemprego. Aplicou apenas R$ 32 milhões em agricultura, metade, portanto, dos R$ 63,4 milhões empregadosem publicidade, e quatro vezes menos, cerca de R$ 15 milhões, em combate ao desemprego.” (AMARAL,2007:214)177 A situação é mais grave em virtude de ter sido prática comum desses governos a utilização de outrasrubricas para camuflar despesas com publicidade, tais como “difusão cultural”, “difusão do conhecimentocientífico”, “promoção da produção vegetal”, “animal”, “industrial”, “comercial” e “do turismo”. A propostaorçamentária de 2001, por exemplo, previa gastos de R$ 20,5 milhões com propaganda e publicidadegovernamental na rubrica “Despesa com promoção e divulgação da ação governamental”. No entanto, onúmero total das rubricas “alternativas” usadas para propaganda somava R$ 147 milhões. Não obstante todasessas denúncias, as contas estaduais foram sempre aprovadas pelo TCE. (AMARAL, 2007:213)178 Emiliano José foi processado na Justiça por calúnia e difamação pelo prefeito Antonio Imbassahy e pelo  presidente da Rede Bahia, ACM Jr., por ter denunciado o esquema de enriquecimento privado através dasverbas públicas. Na queixa contra o ex-vereador, os advogados da Prefeitura e da Rede Bahia argumentaramque a maior parte da verba era destinada à TV Bahia por ser a emissora de maior audiência. Porém, os dadosreferentes à mídia impressa comprovam que esse não era o critério utilizado na distribuição das quantias.Sentença judicial proclamada em 2003 condenou ao pagamento de R$ 10,8 milhões ao   A Tarde, como

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Antonio Carlos Magalhães já havia conseguido transformar a TV Bahia numa extensa

rede de comunicação, através das delegações arranjadas quando ministro. Depois, através do

 propagandismo oficial sem conteúdo de utilidade pública e voltado para a exaltação pessoal

de suas realizações administrativas, tratava de alimentar os cofres de suas próprias

empresas179, enquanto projetava sua presença ideológica sobre a Bahia.

A partir da Nova República, o vigoroso crescimento da Rede Bahia transformou-a em

verdadeira máquina de atuação sobre a consciência política do povo baiano. Um dos períodos

mais críticos da manipulação exercida pela mídia carlista passou durante o governo estadual

de Waldir Pires, justamente quando ACM encontrava-se no Minicom e pretendia retornar ao

Palácio de Ondina nas eleições de 1990, eleito pelo voto direto pela primeira vez.

  Nestes tempos, seu aparato eletrônico assumiu a função diuturna de denegrir a

reputação dos seus adversários e dar amplo destaque ao seu discurso, baseado na competência

e moralidade administrativa. O processo descrito por Clarissa Amaral (2007:199) revela a

articulação em rede, no período pré-eleitoral, entre os velhos e novos instrumentos midiáticos

de ACM e do seu grupo:

Uma das estratégias colocadas em prática nesta ocasião consistia no seguinteesquema: as principais matérias da editoria de política do  jornal  Correio da Bahia,de sua propriedade, eram repercutidas à exaustão pela TV Bahia e afiliadas edifundidas pelas emissoras de rádio que comentavam os assuntos em destaque efranqueavam os microfones dos programas de entrevista e jornalísticos para osintegrantes do grupo explanarem as idéias-chave. O jornal atuava, assim, comoinstrumento de comando de ACM para dar unicidade e repercussão à cobertura política no estado, através das emissoras sob a sua liderança. (AMARAL, 2007:199,grifei.)

Teixeira Gomes (2001) também relata várias ocasiões em que a Rede de TVs foi

utilizada por seu dono como palanque para agressões diárias e desqualificações contra ogoverno Waldir: era comum ao espectador baiano se deparar, ao ligar a TV na emissora de

maior audiência, com a imagem do ministro de Estado tecendo comentários de baixo nível ou

 bradando ao vivo: “Vá trabalhar, governador!”. Às constantes acusações de ACM, sempre foi

indenização pelos prejuízos decorrentes da ausência de publicidade oficial no jornal. (FARIA, 2006 apudAMARAL, 2007)179 É interessante notar que a vocação comercial de ACM, que se tornou um multimilionário, está diretamenteligada ao fato de ter exercido, em toda sua vida profissional, somente cargos públicos: oficial do gabinete doreitor Edgar Santos, relator de debates na Assembleia Legislativa, deputado estadual, prefeito, governador, presidente da Eletrobrás e senador. (GOMES, J., 2001:415)

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negado pela emissora o direito de resposta (assegurado pela Lei de Imprensa, vigente à época)

 – prática protegida pelas decisões do Tribunal de Justiça da Bahia (detalhes em GOMES, J.,

339-346/369-381).

Assim, vê-se que já na década de 90, Antonio Carlos Magalhães colheu os frutos do seu

 posicionamento estratégico, ao final dos 80, como ministro das Comunicações no governo

Sarney. Logrou expandir os limites do seu conglomerado de mídia, ao mesmo tempo em que

retomou, com a ajuda dos meios de comunicação, a hegemonia política no Estado da Bahia.

A importância das delegações de radiodifusão, estudadas neste capítulo, na trajetória do

 político baiano está delineada nas conclusões de Clarissa Amaral sobre o controle e uso da

informação pelo clã carlista:

O modelo informacional adotado pelo grupo de ACM é baseado no controle eno tratamento da informação e na sua disseminação pelos meios convencionais decomunicação de massa. [...] [Este modelo] determinou o Regime de Informação que  prevaleceu no Estado, entre 1985 e 2000 e moldou, por critérios de poucaflexibilidade, estabelecidos pelo “chefe”, seus elementos: sujeitos, instituições,regras, autoridades informacionais [...].   Este modelo constituiu-se em uma das

 peças-chave utilizadas pelo grupo para manter sua hegemonia política no Estado. As formas de controle e uso da informação [...] abrangem as seguintes táticas: a)controle do processo de difusão da informação pública / governamental no âmbitodos três poderes; b) obtenção de concessões e criação de meios de comunicação demassa; c) barganha com as verbas da publicidade oficial  [...] A aliança com ooficialismo federal, qualquer que fosse o governo; o controle sobre as instituições  públicas do Executivo, Legislativo e Judiciário; e a perseguição política aosadversários são as três estratégias que, aliadas ao regime de informação estabelecido, possibilitou a manutenção da hegemonia política do grupo no Estado. (AMARAL,2007:243-244, grifei.)

Em resumo, ACM não foi o “Ministro das Comunicações do Brasil”; não “voltou suas

atenções para o campo social”; e não “democratizou a informação” (MATTOS,

1996:121/123), conforme afirma a versão de José Mattos (1996):

[...] Antonio Carlos Magalhães, escolhido que fora por Tancredo Neves, passa a enfrentar um novo desafio, desta vez junto ao governo federal: ser Ministrodas Comunicações, quando pode, afinal, a partir do ano de 1985, provar ao país quea sua ascensão política não houvera sido por mero acaso. À frente do Ministério dasComunicações soube administrar suas responsabilidades sem, contudo, deixar-selevar por nenhuma controvérsia. (!) Pelo contrário, o trabalhou que prestou à Nação,até o último momento em que esteve à frente do Ministério, serviu para que a  população brasileira pudesse avaliar, com conhecimento de causa, o seu estilodeterminado na administração pública. (MATTOS, 1996:17, grifei.)

 Não, pelo contrário; a análise da história das delegações de radiodifusão no governo

Sarney, centralizada no Ministério das Comunicações, revela o aprofundamento do processo

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de concentração e dominação da comunicação brasileira, operada por Antonio Carlos e José

Sarney, em favor de chefes políticos regionais de uma elite desvinculada dos interesses

sociais, focada no seu projeto de poder econômico e político e acoplada à estrutura excludente

da comunicação brasileira, como condôminos das grandes redes.

Como visto no capítulo 2, a legislação brasileira foi (e ainda é) amplamente permissiva

com as principais práticas que puderam ser identificadas na história do coronelismo eletrônico

  baiano: a propriedade e utilização privada de veículos por políticos, que contribui para a

manipulação da já enfraquecida democracia eleitoral brasileira, o monopólio dos meios de

comunicação num mesmo território e em propriedade cruzada de diferentes plataformas de

mídia (impressa, televisiva, radiofônica), que permitiram a uniformização e controle da

informação política pretendidos por ACM.

A análise das delegações do governo Sarney demonstra que o instrumento utilizado à

apropriação do espectro público destinado às atividades de rádio e televisão foi o próprio

 procedimento legal, determinado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações e regulamentos

(BRASIL, 1962, 1963a, 1963b), que concedia poderes arbitrários de escolha dos delegatários

a duas pessoas, os ocupantes dos cargos de Presidente da República e do Ministro das

Comunicações – um modelo concentrador e autoritário, presente na legislação da radiodifusão

desde 1931. Foi através desta competência que ACM e seu grupo conseguiram monopolizar a

comunicação de massa na Bahia.

  Neste sentido, à conclusão deste ponto, somar-se-ão algumas explicações dadas

diretamente por Antonio Carlos Magalhães – em livro de entrevistas a cinco jornalistas

convidados180 e em outros jornais – e por Rômulo Villar Furtado, secretário-geral do

Minicom, em depoimento à CPI das Concessões, que completarão o esforço analítico

desenvolvido.Em primeiro lugar:

Míriam [Leitão] – Mas, lá na Bahia, especificamente, eu estava lendo uma pesquisa para essa nossa conversa, fizeram uma contabilidade recente – saiu isso na Folha de S. Paulo: o senhor e seus aliados, pessoas ligadas ao senhor, têm na Bahia90 emissoras de rádio e televisão.

ACM – Não é verdade. O mal é que você só lê – você é d’O Globo – a Folhade S. Paulo. Esse é que é o seu grave erro, começa por aí.

180 Ancelmo Gois (Veja), Marcelo Pontes (Jornal do Brasil), Maurício Dias (Jornal do Brasil), Míriam Leitão(O Globo), Rui Xavier (Estadão). Vínculos empregatícios de 1995. (MAGALHÃES, 1995)

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Míriam – Eu tenho que ler tudo, senador. Eu começo meu dia lendo cinco jornais. Quantas há, senador, quantas? Se não são 90, são quantas? 85?

ACM – Eu não sei. O que posso lhe garantir é que todas lá foram concedidas  praticamente sem concorrência. Quer dizer, só havia um interessado pleiteando a

concessão. [...]ACM – [...] em 80 por cento ou 90 por cento dos casos, no meu tempo, essas

concessões tinham candidatos únicos. 

Maurício [Dias] – Em função de quê?

ACM – Porque economicamente não era um bom negócio. Agora, politicamente era vantajoso, porque o interessado levava para a sua área de atuaçãoum instrumento político importante. [...] (MAGALHÃES, 1995:87-88, grifei.)

As declarações sobre a existência de candidato único na maioria dos processos

iluminam dois curtos e fundamentais artigos, localizados em meio ao Regulamento da

Radiodifusão (BRASIL, 1963b) e que tratam dos trâmites iniciais do processo de outorga:

Art. 10. O início do processamento da outorga de concessão e permissão paraexploração de serviço de radiodifusão dar-se-á: (Redação dada pelo Decreto nº91837, de 25.10.1985) I - por iniciativa do Ministério das Comunicações; II - por 

  solicitação do interessado, mediante requerimento dirigido ao Ministro dasComunicações.

Art. 11. Examinado o pedido e julgada a conveniência, o Ministro dasComunicações determinará a publicação do Edital de chamamento dos interessados

na exploração do serviço no Diário Oficial da União, com antecedência de 45(quarenta e cinco) dias da data marcada para o início do prazo, improrrogável, de 15(quinze) dias, que os interessados terão para apresentar suas propostas. (Redaçãodada pelo Decreto nº 91837, de 25.10.1985) (BRASIL, 1963b, grifei.)

Deduz-se que este foi o principal artifício utilizado por ACM para distribuir delegações

de rádio e TV para seus correligionários e amigos.

Interessados em “levar para a sua área de atuação um instrumento político importante”

(MAGALHÃES, 1995:88), os políticos locais dos municípios baianos tratavam de solicitar,em requerimento endereçado ao próprio ministro ACM181, a abertura de um edital na

localidade desejada, conforme determinado pela lei (BRASIL, 1963b, art. 10, II).

O exame desse pleito e o julgamento da sua conveniência – ambos desvinculados de

critérios materiais que impusessem a prevalência dos interesses sociais – eram de

responsabilidade do mesmo ministro, que determinava, caso assim lhe conviesse, a publicação

de respectivo edital (BRASIL, 1963b, art. 11).

181 Declarou, certa vez, ACM: “Não condeno os parlamentares que pedem emissoras de rádio e televisão parasuas regiões, esse é um comportamento normal e eu o respeito.” (MAGALHÃES diz que..., 1988 apudMOTTER, 1994b:170)

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Após a apresentação das propostas pelos interessados no prazo especificado, era emitido

 parecer de habilitação formal pelo Ministério, para que, por “ato de livre escolha” (BRASIL,

1963b, art. 16) e entre as emissoras habilitadas, o Presidente da República delegasse as

concessões (TVs e OMs) e, analogamente, o ministro das Comunicações delegasse as

 permissões de radiodifusão (FMs).

Porém, se a candidatura fosse única (o que era a regra, como relatado por ACM) – uma

hipótese bastante provável, em face do pequeno tamanho da maioria dos municípios

interioranos em disputa182, da falta de transparência do próprio Ministério e dos requisitos

econômicos que restringiam a entrada no negócio à elite detentora de capital183 –, o Ministério

das Comunicações praticamente cumpria procedimento de fachada: confirmava-se a

habilitação documental da emissora única para que Sarney ou ACM conferisse ao mais novo

radiodifusor da cidade, geralmente um aliado que agora lhe devia o favor, o direito de

transmitir, entreter e informar a população da localidade desejada, inclusive e principalmente

sobre o candidato mais apto a vencer as próximas eleições.

Tal raciocínio encontra mais solidez face à já citada discrepância entre capacidade

declarada de processamento de editais pelo Minicom – 08 a 10 editais/mês, segundo Villar 

Furtado – e a materialidade das delegações concedidas: média maior que 85 por mês, entre

  junho e outubro de 1988; 257 somente no mês de setembro (ver tabelas 2 e 3), o que

demonstra verdadeira produção em série desses procedimentos.

Percebe-se, pois, que a entrega de mais um canal no interior da Bahia e a delegação dos

serviços de TV para a Rede Bahia tiveram sempre a   forma jurídica como fator de acesso a

condição de comunicador: do nascimento da empresa – já que o político, que geralmente não

era radiodifusor, constituía a sociedade jurídica e reunia seus capitais com o fim de participar 

do processo descrito acima –, à habilitação dos papéis, à escolha final do delegatário, tudo perpassou pela legalidade instituída historicamente pelos legisladores brasileiros.

182 “Ancelmo [Gois] – No Brasil, praticamente todo o sistema da radiodifusão está nas mãos de políticos.Talvez não exista em nenhum outro país no mundo essa distorção: você vai pelo interior do Nordeste inteiro, o proprietário da rádio é sempre um político. Rui [Xavier] – No Nordeste só, não; em São Paulo também. ACM – Mas quem é que quer, no interior do estado, fazer rádio?” (MAGALHÃES, 1995:86)183 "Art. 14 Publicado o Edital, o interessado deverá apresentar sua proposta no prazo e local estipulados,instruída com: (Redação dada pelo Decreto nº 91837, de 25.10.1985) I - Documentos relativos à entidade: 1.requerimento dirigido ao Ministro das Comunicações; [...] 3. prova de que depositou em banco, no mínimo,

50% (cinqüenta por cento) do valor correspondente ao capital exigido para o empreendimento; [...] 6.demonstração de recursos financeiros, de acordo com normas baixadas pelo Ministério das Comunicações,compreendendo, especialmente, a origem e o montante dos recursos de que dispõe para fazer face ao custo dasinstalações, equipamentos e os acessórios indispensáveis à exploração do serviço; [...]" (BRASIL, 1963b)

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A discricionariedade era tamanha que ACM nunca temeu defender publicamente sua

liberdade pessoal no momento de escolha dos delegatários, tendo declarado à   Folha de S.

 Paulo: “Em igualdade de condições (técnicas e financeiras) eu jamais deixo de dar a

concessão para alguém que apóia o governo” (MAGALHÃES, 1988 apud GOMES, J.,

2001:350); e em Política é paixão (MAGALHÃES, 1995):

Maurício – Mas o problema que está se observando aí é o sistema de doação[das delegações], que não obedece a nenhum outro critério, a não ser o político.

ACM – E a qual critério você quer que se obedeça? Há algumas condições  preliminares: ter capital para a instalação da emissora e qualificação do ponto devista técnico. Se os candidatos preenchem essas condições, qual é o critério que vocêvai usar para selecionar o candidato vencedor?

Maurício – Escolhe os aliados?

ACM – Sim, mas então quero saber qual o critério que vai ter?

Ancelmo – Mas não pode ser o critério político.

ACM – Será político sempre. Qual seria, então? (MAGALHÃES, 1995:86)

O critério político foi confirmado pelo secretário-geral Rômulo Furtado, em entrevista

 pessoal à Paulino Motter (1994b:196), na qual declarou que durante o governo Sarney “houve

atendimento claro a pedidos políticos”, favorecendo os aliados do governo, o que na sua

opinião “não tem nada de anti-ético ou de imoral”.

Durante a CPI instituída para apurar irregularidades nas delegações, outras declarações

de Furtado revelaram sobre que bases foi realizada a imensa distribuição de delegações de

radiodifusão no governo Sarney. A legalidade aparece novamente como a garantia de atuação

e de impunidade dos atores envolvidos neste processo, que, infelizmente, estavam corretos

nessa análise, já que a manutenção das outorgas estende-se até os dias atuais.

Rômulo Furtado esclareceu que com base no Regulamento da Radiodifusão, “o

 presidente da República ou o Ministro das Comunicações podem escolher livremente entre os

habilitados por um edital a quem dar a concessão, uma vez que não está previsto nenhum

critério objetivo.” (MOTTER, 1994b:309, grifei.) Quando interpelado pelo senador Nelson

Wedekin, respondeu claramente:

(Nelson Wedekin) – Em última análise, o critério de escolha é, digamosassim, absolutamente pessoal.

(Rômulo Furtado) – É, sim senhor. (DCN. II, 20 nov. 1987, p. 3061 apudMOTTER, 1994b:309)

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Furtado afirmou a legalidade das delegações de radiodifusão no governo Sarney, feitas a

 partir da antidemocrática concentração de autoridade, determinada em lei. Segundo ele, na

vigência da Lei nº. 4.117/62 e do Regulamento de Radiodifusão, “  jamais alguma concessão

ou permissão foi outorgada ao arrepio das normas em vigor. Se havia o componente político

na escolha dos beneficiários, era porque a lei assim o permitia.” (DCN, 1987:3064 apud

MOTTER, 1994b:310, grifei.)

O próprio relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito admitiu o papel do

Direito como operacionalizador e legitimador das “práticas condenáveis”:

 Não resta dúvida que o sistema regulador das concessões de rádio e TV, pela

legislação vigente, é autoritário e ilegítimo, ensejando práticas condenáveis.Entretanto, do ponto de vista jurídico, o sistema é legal. Eventuais distorções  possibilitadas pela lei vigente, só serão superadas a partir de uma reformulaçãolegislativa. (DCN, 1988:2532-2533 apud MOTTER 1994b:314)

Antonio Carlos Magalhães, que nos debates da Constituinte sobre a Comunicação

Social repetia exaustivamente que “não podia descumprir as leis” (CALDAS, 2011:112) – que

tantos benefícios lhe trouxeram, também legitimou na legalidade as delegações que concedeu:

Míriam – O senhor, como ministro das Comunicações, acha que é corretoisso? O senhor ter concessões, seus amigos terem concessões?

ACM – Eu acho. Meus amigos terem concessões não é nada demais. Achoisso tão correto quanto você trabalhar. Agora não tenho nenhuma concessãoassinada por mim mesmo, quando ministro. Você pensa que a concessão da TVBahia foi dada por mim? Não, não é verdade. [...]

Ancelmo – O pessoal do PT pediu [uma delegação] para os metalúrgicos doABC, na sua época, para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, e o senhor não deu.

ACM – Muitas vezes, você sabe, somos obrigados a assumir aresponsabilidade por atos de outros.

Ancelmo – Por quê? Por que só um modo de pensar tem direito a ter rádio, enão o outro modo de pensar?

ACM – Se o Lula fosse presidente da República, provavelmente ele não daria para os adversários dele no ABC, isso é coisa do poder. Ele daria? Você acha quedaria?

Ancelmo – Não sei, só sei que seria correto dar.

ACM – Então, você procure criar outros critérios.   Eu dei pelos critérioslegais, não cometi nenhuma ilegalidade. [...]

Ancelmo – Mas à luz da legislação universal alguém não pode ter 80 por cento.

ACM – Meu amigo, a legislação universal não é a que rege o Brasil. A querege o Brasil é a brasileira, quem faz isso é o Congresso. Você proponha aoCongresso. Quando você tiver essa legislação no Congresso, o ministro das

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Comunicações vai cumprir, porque se ele não cumprir, o Supremo Tribunal Federalfará que ele cumpra. Agora, enquanto não houver essa legislação, evidentemente eleobedecerá à lei brasileira em vigor.

Maurício – Agora, qual é a sua visão dessa legislação, o senhor acha que ela é

correta, do ponto de vista democrático?Ancelmo – Um sujeito ter rádio, jornal, televisão, tudo?

ACM – Não vejo nada demais.

Ancelmo – O senhor acha um pecado menor?

ACM – Acho. (MAGALHÃES, 1995:89-90)

Espera-se que a soma do conjunto das análises desenvolvidas nos pontos anteriores – da

história da legislação, às manobras da Nova República, às consequências presentes na

comunicação da Bahia –, às declarações finais dos principais artífices dos processos em foco,

sirva como fechamento crítico e realista do estudo, feito nesta pesquisa, sobre as centenas de

“pecados menores” cometidos na história das delegações de radiodifusão do governo Sarney.

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4.  CONCLUSÕES

Esta pesquisa foi realizada em duas etapas, articuladas com o objetivo principal decompreender como foram realizados, no governo presidencial de José Sarney, processos de

apropriação privada do espaço público destinado à comunicação por rádio e televisão no

Brasil, tais como a monopolização da comunicação via televisão na Bahia e a delegação de

direitos de transmissão a emissoras controladas por políticos.

  Na primeira parte, foram revisadas e criticadas as principais normas da legislação

 brasileira concernentes à atividade de radiodifusão e promulgadas entre os anos 1931 e 1985;

em especial, aquelas determinantes do procedimento legal de delegação dos serviços públicos

de rádio e TV.

  Na segunda, foram analisadas as delegações de radiodifusão outorgadas durante o

governo de José Sarney, nos anos 1985 a 1988 (período pré-Constituição/88). De início, as

delegações foram contextualizadas no período histórico da Nova República e nas trajetórias

  políticas de José Sarney e Antonio Carlos Magalhães, respectivamente, Presidente da

República e Ministro das Comunicações, à época. Depois, foram apresentados seus principais

dados, identificada sua utilização como moeda política durante a Constituinte de 1988 e

algumas de suas principais consequências na comunicação e na política do Estado da Bahia.

Após tal percurso, são as principais conclusões:

a)  As características básicas do modelo da radiodifusão brasileira, inauguradas

 pelo primeiro tratamento legal, de 1931, foram mantidas, de forma atualizada, até o governo

José Sarney (1985-1989). Nesse modelo, a fim de garantir-se o controle do Estado – isto é,

dos grupos que ocupam o Estado – sobre a atividade de radiodifusão, as modalidades decomunicação por difusão de sons (rádio) e sons e imagens (televisão) foram declaradas como

de “interesse nacional”, o que lhes conferiu caráter de serviço público, juridicamente

submetido ao regime de Direito Público. A competência de exploração da radiodifusão foi

designada à União, com possibilidade de delegação a particulares, mediante concessões ou

  permissões de serviços públicos. Ao Presidente da República sempre coube, após

  processamento, a escolha final dos concessionários; a outro órgão do Poder Executivo

(Ministro da Viação e Obras Públicas; Conselho Nacional de Telecomunicações; a partir de

1972, o Ministro das Comunicações) coube delegar as permissões. Às emissoras privadas foi

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garantida, em contrapartida à prestação do serviço, sua exploração comercial, através da

 publicidade.

 b)  A concentração, determinada pela lei, dos poderes de escolha dos delegatários

em dois órgãos de cúpula do Estado – Presidência e Ministério – e sem definições objetivas

que pautassem a decisão em critérios democráticos e sociais, abriu margem às relações

clientelistas entre Estado e radiodifusores que marcaram a história da comunicação brasileira.

A elite dominante do aparelho estatal, seja civil ou militar, sempre utilizou o controle sobre o

acesso às delegações como forma de reproduzir sua hegemonia política e ideológica, na

medida em que privilegiou com outorgas apenas os empresários da comunicação alinhados à

  preservação do  status quo, inclusive políticos; destacou-se, nesse sentido, o papel da

radiodifusão na implementação e sustentação do Estado de Segurança Nacional, durante a

ditadura militar (1964-1985);

c)  A proclamada transição da ditadura à Nova República foi fruto de um novo

realinhamento das forças políticas conservadoras. Do passado, persistiram a

instrumentalização do Estado em função de interesses privados e grande parte do quadro

institucional e da legislação do antigo regime, inclusive a de radiodifusão;

d)  As trajetórias políticas de José Sarney e Antonio Carlos Magalhães, principaisartífices do processo encarado nesta pesquisa, mostram como os dois políticos civis lograram

atualizar, à Nova República, as relações de dominação política, jurídica, econômica e

ideológica que marcam a história brasileira (e as suas próprias). Os principais traços comuns

identificados nas suas biografias e que serviram para contextualizar, dentro dos seus projetos

de poder, as concessões (assinadas por Sarney) e permissões (assinadas por ACM) do período

1985-88, foram: a representação e articulação das elites; o apoio ao golpe de 1964 e a aliança

com o oficialismo federal durante a ditadura; o reposicionamento político através de extensasredes privadas de comunicação, as Redes Mirante e Bahia, constituídas a partir do manejo da

estrutura burocrático-estatal;

e)  Durante o governo José Sarney, de março de 1985 a outubro de 1988, foi

delegado um número recorde de outorgas (1.028), que constituiu, em apenas três anos e meio,

1/3 (um terço) dos canais brasileiros. Os trabalhos do Congresso Constituinte de 1987-88

foram marcados pela distribuição de delegações de radiodifusão como forma de aliciamento

de parlamentares, em favor da aprovação do regime de governo presidencialista e dos cincoanos de mandato presidencial: 91 (noventa e um) constituintes, em sua maioria do PFL (50) e

do PMDB (33), receberam 165 (cento e sessenta e cinco) concessões e permissões de

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radiodifusão. Delegações do mesmo período privilegiaram também familiares,

correligionários, ministros e aliados do Presidente José Sarney, cuja família logrou, assim,

constituir a Rede Mirante de Comunicação;

f)   Na Bahia, as delegações de radiodifusão do governo Sarney reconfiguraram o

  panorama da comunicação via rádio e televisão no estado. Os fenômenos do coronelismo

eletrônico e da monopolização da televisão no Estado da Bahiaa são consequência direta do

  processo ocorrido no Ministério das Comunicações e comandado por Antonio Carlos

Magalhães: foram distribuídas 114 (cento e catorze) delegações de serviços de rádio a

membros do grupo político carlista e 5 (cinco) concessões de televisão em nome da família

Magalhães ou de seus sócios. O monopólio televisivo da Rede Bahia de Comunicação e a

extensa rede de emissoras de rádio comandadas por seus aliados – ambos frutos das

delegações do período – tornaram-se os principais instrumentos de manipulação e controle da

informação pelo grupo liderado por ACM, com vistas à ampliação e manutenção da sua

hegemonia política e eleitoral no Estado;

g)  Conclui-se que processos de apropriação privada do espectro público da

radiodifusão foram realizados, no governo Sarney, através dos procedimentos determinados

  pela legislação, confirmando a hipótese do presente trabalho. O processamento legal dos

editais de delegação de serviços de radiodifusão, feito pelo Ministério das Comunicações com

  base nas determinações do Código Brasileiro de Telecomunicações e seus regulamentos

(BRASIL, 1962; 1963a; 1963b), não somente permitiu, mas instrumentalizou a distribuição

de delegações às forças políticas conservadoras identificadas com Sarney e ACM e aos

  próprios atores principais que, atuando em nome da União, reordenaram a correlação de

forças partidárias do país e expandiram seus conglomerados midiáticos, respectivamente,

Redes Mirante e Bahia de Comunicação;

h)  Os processos identificados no governo Sarney não são exceção à história da

radiodifusão brasileira. Desde o modelo implantado em 1931, seu desenvolvimento foi

  pautado pelos interesses das elites políticas e econômicas que, através de formas jurídicas

construídas por si e para si, via Poder Legislativo, pretenderam camuflar e constituir a

dominação dos meios de rádio e TV, sob as vestes do interesse público e da impessoalidade

do Estado. Processos como a monopolização e a propriedade cruzada dos meios de

comunicação não foram fruto da simples repartição dos canais entre a elite dominante: a

 permissiva legislação brasileira, aliada à falta de fiscalização estatal, impôs falsos limites à

eclosão de tais problemas, permitindo, ao final, tanto o controle direto como o indireto dos

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meios de comunicação por monopólios e políticos. As normas estatais, sobre as quais se

desenvolveram políticas governamentais ao longo da história, não apenas garantiram o

 procedimento necessário à constituição desse panorama, mas impuseram ao Brasil o modelo

comercial de radiodifusão, fundado no lucro privado, reprodutor do modo de produção

capitalista na área da Comunicação e sustentáculo à circulação de suas mercadorias, tendente

à concentração monopolista e à industrialização da cultura, sempre em detrimento do

desenvolvimento de outras perspectivas em favor do interesse social, tais como a utilização

das novas tecnologias à educação, comunicação e informação populares e plurais. Os diversos

dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que trataram do interesse nacional e da

finalidade educacional da radiodifusão, das liberdades de expressão e informação garantida

aos cidadãos, da adoção de critérios técnicos nas outorgas, do regime de Direito Público querege a exploração direta e indireta dos serviços públicos no Brasil, entre outros, nunca

serviram para suplantar a situação, imposta pelas relações reais de poder, de

instrumentalização do Estado e da Comunicação de radiodifusão em favor da reprodução da

dominação política, econômica e ideológica na sociedade brasileira.

Esse conjunto de conclusões desdobra-se em novos aprofundamentos que suscitam

novos temas e problemas de pesquisa no âmbito das relações entre Estado, Direito e

Comunicação no Brasil que não puderam ser tratados neste trabalho, por sua limitação teórica

e temporal. Listaremos dois deles, a seguir:

1.  O primeiro diz respeito à forma de perpetuação de processos de dominação da

comunicação, tais como os ocorridos no governo Sarney. Esta é uma análise que passa, mais

uma vez, pelas engrenagens do poder estatal. No Brasil, uma vez outorgadas, as delegações

tornam-se praticamente propriedade dos beneficiados, já que as renovações das delegações

são feitas às escuras no Minicom e no Congresso, sem a devida fiscalização e análise do

conteúdo das transmissões efetuadas, em face do seu caráter público. Neste sentido, é

fundamental estudar a continuidade dos processos do coronelismo eletrônico pós-Nova

República – casos dos governos Fernando Henrique Cardoso (BRENER e COSTA, 1997a;

1997b) e Luis Inácio Lula da Silva (LIMA e LOPES, 2007; LIMA, 2008) – e analisar os

novos mecanismos impostos pela Constituição Federal de 1988. O Capítulo V desta Carta

(“Da Comunicação Social”) cristalizou prerrogativas conservadoras e contrárias ao interesse

social, tais como a necessidade de votação nominal de 2/5 (dois quintos) do Congresso

 Nacional para não-renovação de uma delegação e de decisão judicial para cancelamento de

delegação antes de vencido o prazo. Outro ponto fundamental são os dispositivos

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constitucionais que tratam da vedação ao monopólio e ao oligopólio, da complementariedade

entre sistemas privado, público e estatal e das finalidades educativas da radiodifusão,

continuamente desrespeitados sob a justificativa de que lhes falta a devida regulamentação

legal, competência do Congresso Nacional ainda não exercida, após 23 anos de promulgação

da Carta.

2.  O segundo caminho envolve discussões sobre as relações entre Direito, Estado

e ideologia. Buscar-se-ia compreender o enquadramento dos procedimentos legais de

delegação dos serviços de radiodifusão no Brasil como – no teor das ideias de Louis Althusser 

(1985) – relações ideológicas (imaginárias e vividas) que dissimulam e, ao mesmo tempo,

constituem as reais condições de existência (e dominação). São alguns questionamentos:

como a ideologia jurídica positivista, que privilegia a forma e o procedimento sobre amaterialidade das relações políticas e sociais, logra camuflar e criar o panorama da

comunicação brasileira? Como as categorias jurídicas fundamentais do direito (sujeito de

direitos, acordo de vontades/contrato, propriedade) e dos ramos administrativo e

constitucional, em especial (serviço público, interesse público, liberdade de expressão),

 participam dos processos de dominação dos meios de comunicação no Brasil? Há uma real

oposição entre estas determinações e a prevalência dos interesses privados ou, pelo contrário,

são justamente estas as formas jurídicas que garantiram o acesso da elite aos meios decomunicação e a aceitação social desta dominação não-violenta, exercida através do Estado?

Em que medida os próprios procedimentos da democracia representativa podem ser 

entendidos como relações ideológicas, já que garantem aos detentores do poder econômico e

ideológico, uma disputa desigual, a ocupação e a instrumentalização do Estado em proveito

 privado?

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