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MARX E ENGELS síntese de uma trajetória teórico-política Primeira Parte da juventude à revolução burguesa de 1848 Sandra M.M. Siqueira Francisco P. Silva “Seja-me permitido aqui um pequeno comentário pessoal. Ultimamente, tem-se aludido, com frequência, à minha participação nessa teoria; não posso, pois, deixar de dizer aqui algumas palavras para esclarecer este assunto. Que tive certa participação independente na fundamentação e sobretudo na elaboração da teoria, antes e durante os quarenta anos de minha colaboração com Marx, é coisa que eu mesmo não posso negar. A parte mais considerável das ideias diretrizes principais, particularmente no terreno econômico e histórico, e especialmente sua formulação nítida e definitiva, cabem, porém, a Marx. A contribuição que eu trouxe – com exceção, quando muito, de alguns ramos especializados – Marx também teria podido trazê-la, mesmo sem mim. Em compensação, eu jamais teria feito o que Marx conseguiu fazer. Marx tinha mais envergadura e via mais longe, mais ampla e mais rapidamente que todos nós outros. Marx era um gênio; nós outros, no máximo, homens de talento. Sem ele, a teoria estaria hoje muito longe de ser o que é. Por isso, ela tem, legitimamente, seu nome” (Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã).

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Page 1: Dedicatória - Portal Lemarx · ... Karl Marx e Friedrich Engels. O que se ... não basta apenas interpretar o mundo, ... é preciso transformar a realidade

MARX E ENGELS síntese de uma trajetória teórico-política

Primeira Parteda juventude à revolução burguesa de 1848

Sandra M.M. SiqueiraFrancisco P. Silva

“Seja-me permitido aqui um pequeno comentário pessoal. Ultimamente, tem-se aludido, com frequência, à minha participação nessa teoria; não posso, pois, deixar de dizer aqui algumas palavras para esclarecer este assunto. Que tive certa participação independente na fundamentação e sobretudo na elaboração da teoria, antes e durante os quarenta anos de minha colaboração com Marx, é coisa que eu mesmo não posso negar. A parte mais considerável das ideias diretrizes principais, particularmente no terreno econômico e histórico, e especialmente sua formulação nítida e definitiva, cabem, porém, a Marx. A contribuição que eu trouxe – com exceção, quando muito, de alguns ramos especializados – Marx também teria podido trazê-la, mesmo sem mim. Em compensação, eu jamais teria feito o que Marx conseguiu fazer. Marx tinha mais envergadura e via mais longe, mais ampla e mais rapidamente que todos nós outros. Marx era um gênio; nós outros, no máximo, homens de talento. Sem ele, a teoria estaria hoje muito longe de ser o que é. Por isso, ela tem, legitimamente, seu nome” (Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã).

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Dedicatória

A todos os companheiros que lutam pelo socialismo..

Aos integrantes do Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas (LeMarx).

Aos nossos pais, irmãos e filhos.

Sumário

Introdução,

PRIMEIRA PARTE

I – A juventude, os hegelianos de esquerda e as inquietaçõesII – A Paris revolucionária e uma nova teoria da história em gestaçãoIII – O acerto de contas com o passado e o nascimento do materialismo histórico IV – A crítica da sociedade burguesa, a Liga Comunista e a classe operária em ascensãoV – A revolução de 1848, o Manifesto Comunista, o programa do proletariadoVI – A contra-revolução burguesa e as lições da Revolução de 1848

SEGUNDA PARTE

VII – A retomada dos estudos econômicos e o advento de Para a crítica da economia políticaVIII– O Capital, a análise do capitalismo e as possibilidades do socialismo IX – As lutas operárias nos vários países e a Primeira InternacionalX – A experiência da Comuna de Paris de 1871 e as lições sobre a transição ao socialismoXI – Os partidos operários, a luta contra o oportunismo e a defesa da estratégia socialistaXII - O legado de Marx, o esforço científico e o companheirismo de Engels

Conclusão, Bibliografia.

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Prefácio

Os homens apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-lo (Marx, Teses ad Feuerbach)

O presente livro é produto de nossas atividades teórico-

políticas, tanto no seio da Universidade, junto ao Laboratório de

Estudos e Pesquisas Marxistas (LeMarx), sediado na Faculdade

de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA),

quanto de nossa atuação no campo da luta de classes como

militantes socialistas.

Trata-se de uma pequena introdução à vida e à obra dos

fundadores do marxismo: Karl Marx e Friedrich Engels. O que se

pretende com o texto é despertar a curiosidade e o desejo de

conhecimento entre a juventude e os trabalhadores quanto à

leitura do marxismo, a partir de uma exposição didática sobre a

vida e obra de Marx e Engels, pelo menos em seus aspectos

mais decisivos. Mas não só isso.

Como disseram os dois revolucionários, não basta apenas

interpretar o mundo, a história, a sociedade e os indivíduos, é

preciso transformar a realidade. A teoria necessita se transformar

em força material, isto é, em instrumento para a organização

política dos explorados (em particular da classe operária) e para

a superação da sociedade capitalista e a construção do

socialismo. A própria teoria deve ser elaborada a partir da vida

real. Quando divorciada de uma prática política efetiva, a teoria

acaba se dissolvendo em mera retórica intelectual.

O marxismo, ao assimilar o que de melhor foi adquirido pela

cultura do passado (o conhecimento historicamente produzido

pelas várias gerações na história humana), tornou-se uma

concepção e um método de investigação e apropriação do

movimento do real, em suas contradições, em seus processos e

transformações históricas. A realidade passou a ser captada a

partir de um ponto de vista dialético, superando as concepções

idealistas e materialistas anteriores, marcadas pelo modo

metafísico (estanque, isolado, desarticulado, sem historicidade)

de pensar.

Dessa forma, o marxismo contribui (e continua a contribuir

ainda mais na atual crise estrutural do capitalismo!) de forma

decisiva para a elevação dos conhecimentos no âmbito da

filosofia e da ciência, em particular das ciências sociais

(Economia, História, Teoria Política, Educação, Direito,

Sociologia, etc.). Para tanto, Marx e Engels tiveram de assimilar

o patamar científico e filosófico de ideias desenvolvido até então,

produzindo uma nova teoria: a concepção materialista e dialética

da história.

Sem o desenvolvimento do modo de produção capitalista, o

avanço das forças produtivas com a Revolução Industrial do final

do século XVIII e começo do XIX, o advento da classe operária,

sua organização e resistência à exploração do capital, a teoria

marxista não teria aparecido na cena histórica. Portanto, o

marxismo é produto de todas essas transformações econômicas,

sociais e políticas. É, em essência, um conhecimento a serviço

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da emancipação do proletariado e demais explorados, isto é,

uma arma teórico-prática na organização e luta dos

trabalhadores pela superação do capitalismo e construção do

socialismo.

Colocando-se do ponto de vista do proletariado, o marxismo

resgatou a filosofia materialista e lhe deu uma base dialética.

Aplicou-a ao conhecimento da história da humanidade,

elaborando o materialismo histórico-dialético. Utilizou-o para a

compreensão das diversas formações econômico-sociais, desde

as sociedades primitivas ao capitalismo. Produziu a mais

profunda análise da sociedade capitalista, das suas bases

econômicas, das relações de classes e suas lutas político-

ideológicas, da estrutura social, da superestrutura jurídico-política

e das formas de consciência social.

Mostrou as possibilidades abertas pelo capitalismo à

construção do socialismo (ciência, técnica e socialização do

trabalho e da produção), a importância das organizações dos

trabalhadores, o desenvolvimento de sua consciência política de

classe e a necessidade do partido político revolucionário na luta

por uma nova sociedade. Enfim, forneceu-nos um método de

investigação da realidade, em toda a sua complexidade,

contradições e transformações.

Marx e Engels retiraram o véu da neutralidade reivindicada

pelos pensadores e demonstrou a determinação histórico-social

da ciência, da filosofia e das diversas formas de consciência

social, que aparecem e desaparecem em meio aos conflitos

materiais existentes e aos diferentes interesses entre as classes.

Nenhum pensador ou pesquisador desenvolve o conhecimento a

partir do nada ou isoladamente. A ciência e as demais formas de

conhecimento são condicionadas historicamente, não só pelo

patamar cultural do passado, mas pelo estado das condições

históricas, sociais, econômicas e políticas do contexto em que

são produzidas.

Numa sociedade baseada na propriedade privada, nas

diferenças materiais, nos conflitos de interesses, nas classes

sociais e na luta de classes não pode haver neutralidade

científica, em particular nas ciências sociais. Mesmo as ciências

naturais sofrem os influxos das contradições de classes, na

medida em que são controladas pelos grandes laboratórios dos

conglomerados capitalistas, que submetem a investigação

científica à medida do lucro e à acumulação do capital. Os

monopólios se apropriam das grandes conquistas da ciência e da

técnica, determinam os seus investimentos, metas, objetivos e

limites de sua aplicabilidade.

Hoje, a intelectualidade identificada com a sociedade

burguesa não é capaz de negar a relevância do marxismo no

século XX para a teoria científica e filosófica, nem para a prática

política de milhares de homens e mulheres em todo o mundo,

embora se oponham intransigentemente à concepção

revolucionária de Marx e Engels. O que fazem é alegar a sua

atualidade ou a sua morte em razão da desagregação do que

chamavam de “socialismo real”.

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Esse cabedal de conhecimentos produzido pelos fundadores

do marxismo, bem como pelos seus continuadores (os marxistas)

precisa ser objeto de estudo da juventude e dos trabalhadores,

preocupados com os rumos da vida social e o futuro da

humanidade. A crise econômica de 2008 mostrou definitivamente

a justeza das análises dos fundadores do marxismo e sua

atualidade para o debate sobre a crise estrutural do capitalismo e

a luta dos explorados pelo socialismo. Sem o marxismo como

guia, não avançaremos. Sob sua bandeira, teremos maiores

condições de vencer todos os obstáculos que se antepõem à luta

socialista, avançado teórica e praticamente na organização

política da classe trabalhadora e na elevação da consciência de

classe.

Tentamos abordar a temática de uma forma didática e

compreensiva para os que se iniciam no estudo do marxismo.

Cada temática foi desenvolvida procurando aproveitar o melhor

de cada obra e cada contexto histórico da vida de Marx e Engels

e de sua inserção no movimento operário e socialista de sua

época, em seus avanços e retrocessos, nas polêmicas com

tendências teóricas e políticas opostas, na assimilação das

conquistas da ciência de sua época.

Assim, dividimos o texto em dez capítulos, enfocando a

evolução das ideias e, articuladas a elas, da prática política de

Marx e Engels, em consonância com o contexto histórico de sua

época. Ao final do livro, colocamos à disposição dos leitores uma

bibliografia ampla sobre as ideias marxistas, com base na qual

se poderá aprofundar a investigação. Esperamos que o livro

cumpra o objetivo desejado, qual seja despertar o interesse pelo

marxismo e contribuir para a prática socialista.

Salvador, janeiro de 2012.

Sandra M. M. Siqueira

Francisco Pereira

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Introdução

E quando, na primavera de 1845 ele (Engels) veio domiciliar-se em Bruxelas, resolvemos trabalhar em comum para salientar o contraste de nossa maneira de ver com a ideologia da filosofia alemã, visando, de fato, acertar contas com a nossa antiga consciência filosófica (Marx, Prefácio à Contribuição a crítica da economia política).

Alguns marxistas, estudando a evolução da obra e da vida de

Marx e Engels, tentaram estabelecer uma relação entre os textos

da juventude e da maturidade dos fundadores do marxismo. O

objetivo era fixar mais claramente o momento em que surgiu a

concepção materialista da história, base das concepções

marxistas sobre a história, as formações econômico-sociais pré-

capitalistas, a sociedade burguesa, os indivíduos, as classes

sociais e as possibilidades do socialismo.

Uns identificaram esse momento qualitativo por ocasião em

que Marx, em 1843, produziu a primeira crítica de Hegel na obra

Crítica da filosofia do direito de Hegel, encontrando a

determinação social do Estado e do direito na própria

organização da sociedade. Outros deram ênfase aos textos

publicados nos Anais Franco-alemães (1844), tais como A

questão judia e a Crítica da filosofia do direito de Hegel –

Introdução, em que Marx descobre o proletariado como a classe

revolucionária da sociedade moderna e contrapõe a

emancipação humana à mera emancipação política burguesa.

Por sua vez, alguns viram nos Manuscritos econômico-

filosóficos (ainda em 1844) o momento no qual, articulando

filosofia e economia, Marx esboçou a primeira e mais original

crítica de conjunto das categorias burguesas. Por fim, não

faltaram os que estabeleceram o manuscrito de A ideologia

alemã, de 1845/1846, como o marco da nova concepção

científica da história da humanidade. Por coincidência, ambos os

manuscritos não foram públicos em vida por Marx e Engels.

Essa forma de abordar a relação entre a obra da maturidade

e da juventude de Marx e Engels, bem como o percurso trilhado

pelos fundadores do marxismo para romper com o idealismo

jovem-hegeliano, aderir à filosofia materialista, desenvolvê-la sob

o ponto de vista dialético, elaborar a concepção materialista da

historia e aplicá-la à análise da sociedade capitalista não resolve

os problemas, apenas obscurece o caráter dialético da evolução

intelectual e da articulação do pensamento marxista com o

movimento operário.

A tarefa fundamental consiste em compreender como se deu

o processo (e se trata de um processo dialético) de elaboração

das ideias marxistas em necessária vinculação com a prática

revolucionária de Marx e Engels, no contexto histórico em que

viveram e desenvolveram a sua trajetória teórico-política. É

evidente, veremos, que o marxismo plenamente amadurecido

não brotou do nada, foi produto da luta política e teórica no seio

do movimento operário internacional, na contramão das

tendências filosóficas e políticas utópicas (como, por exemplo, as

diversas vertentes do socialismo europeu e o anarquismo),

contra a influência das ideias burguesas, que tinham alguma

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influência no seio do proletariado, visando a superação das

ilusões democráticas dos trabalhadores no sistema capitalista e

suas instituições jurídico-políticas.

Durante suas vidas, os dois revolucionários procuraram

avançar as ideias socialistas, a partir dos avanços da ciência,

divulgar e defendê-las, atuando em estreita vinculação com o

movimento operário, junto às suas organizações políticas. Deram

ao pensamento filosófico e científico da sociedade um profundo

desenvolvimento, na medida em que assimilaram criticamente as

principais aquisições culturais da humanidade no campo da

filosofia, da história, da ciência, da política e da economia.

Apropriando-se do sistema filosófico idealista hegeliano (que

fazia da história um produto do espírito absoluto), Marx e Engels

assimilaram o seu núcleo revolucionário, a dialética, e a

desvincularam do seu envólucro místico. Compreenderam a

literatura filosófica, tanto vinculada ao idealismo filosófico como à

filosofia materialista. Sabiam da importância da ciência (desde

Copérnico, Kepler, Galileu e Newton) e da filosofia (de Hobbes a

Bacon e Locke, destes aos Iluministas do século XVIII como

Diderot, Holbach e Helvétius).

Através de Ludwig Feuerbach, que havia criticado o sistema

hegeliano, resgatando as conquistas dos pensadores

materialistas do século XVIII e realizado a crítica da religião

(expondo suas formas de alienação sobre os homens), Marx e

Engels passaram ao materialismo filosófico e, da crítica desse

patamar teórico, fundaram o materialismo dialético, que

utilizaram para o estudo da história e das formações econômico-

sociais, inclusive do capitalismo.

Diferentemente da metafísica, típica dos pensadores

dominantes (até o resgate da dialética efetuado por Hegel), que

encarava as coisas e os fenômenos isolados, desarticulados,

parados, estanques e descontextualizados, a dialética constituía

um modo de pensar o real em suas contradições, movimento,

mudanças, transformações, articulações e em seu contexto

histórico. A história, que em Hegel aparecia como um processo

de expressão do espírito, para Marx e Engels é igualmente um

processo, mas construído pelos homens concretos, em

determinadas condições materiais, tendo como fundamento o

trabalho. Nas sociedades classistas, marcadas pela divisão

social em classes antagônicas, a luta de classes é o verdadeiro

motor das transformações históricas.

Marx e Engels leram o melhor da produção da ciência

econômica de sua época, de William Petty a Quesnay, de Adam

Smith a David Ricardo. Compreenderam as ideias da Economia

Política clássica e do conjunto de sua análise sobre a sociedade

capitalista tiraram conclusões revolucionárias como a teoria do

valor-trabalho e da mais-valia, desvelando o segredo do lucro e

da riqueza produzida pelos trabalhadores e apropriada pelas

diferentes frações da classe dominante (industriais,

comerciantes, banqueiros, financistas, proprietários de terras

etc.), na forma de lucro, juro e renda da terra.

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Souberam extrair da crítica dos socialistas utópicos (Sant-

Simon, Charles Fourier, Etiene Cabet, Robert Owen etc.) o mais

expressivo das suas concepções sobre as contradições da

sociedade burguesa industrial e das mazelas que a propriedade

privada provoca entre os trabalhadores. Mas souberam ir além:

deram ao socialismo uma base científica, que lhe faltava, com a

compreensão igualmente científica e profunda das contradições

econômicas, sociais e políticas da sociedade burguesa e das

possibilidades criadas no seio da dominação do capital (ciência,

técnica e socialização do trabalho) para sua superação e

construção do socialismo.

Superaram também a indiferença e a desconfiança dos

socialistas utópicos em relação ao proletariado, ancorando no

movimento da classe operária a luta pelo socialismo. Não se

tratava, para Marx e Engels, de elaborar projetos utópicos de

sociedades futuras, recorrendo aos burgueses esclarecidos,

como faziam os pensadores socialistas pré-marxistas. O objetivo

concreto era articular a teoria socialista à prática revolucionária

no seio do movimento operário, construindo a organização

política do proletariado, defendendo a sua independência de

classe frente ao Estado dominante, à burguesia e seus governos,

desenvolvendo a sua consciência política pela experiência da

luta de classes.

Marx e Engels absorveram os melhores estudos políticos até

então realizados. Estudaram avidamente a história da

humanidade e as suas mais diversas formações econômico-

sociais, assimilaram as aquisições das ciências que estudavam o

passado do homem (em particular os estudos do historiador e

antropólogo americano Lewis Morgan), compreenderam os

processos revolucionários mais importantes da época moderna,

na Inglaterra e na França, a intervenção das classes sociais e

dos seus interesses antagônicos em choque, participaram e

avaliaram criticamente a experiência da revolução de 1848 na

França e Alemanha, tiraram conclusões da transição do

capitalismo ao socialismo pela análise da Comuna de Paris de

1871.

Como vemos, Marx e Engels tiveram de trilar um caminho

complexo e tortuoso, como todos os grandes cientistas, para

chegar aos cimos do conhecimento, ao ápice das ciências sociais

da nossa época. Constituíram a mais profunda, justa e atual

concepção de mundo, de história, de sociedade e dos indivíduos,

ainda não superada. A obra de Marx e Engels é não só uma

tentativa bem sucedida de compreender a história da

humanidade a partir da filosofia materialista, superando as

formas teóricas do idealismo, predominantes antes deles, e, a

partir da compreensão da história, a aplicação do materialismo

histórico à crítica da sociedade capitalista, das suas contradições

e da compreensão das possibilidades abertas para a sua

superação pelos trabalhadores.

Ainda em vida, os dois revolucionários viram suas ideias

penetrarem e influenciar setores do movimento operário e

socialista tanto no seio da Associação Internacional dos

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Trabalhadores, a Primeira Internacional, quanto nos partidos

operários socialistas fundados nas últimas décadas do século

XIX, em vários países, em particular o Partido Social-Democrata

Alemão e na Segunda Internacional (acompanhados de perto por

Engels até o final de sua vida, após a morte de Marx).

No século XX, várias organizações, partidos, movimentos

sociais, sindicatos e associações atuaram sob sua bandeira.

Revoluções tiveram o marxismo como seu referencial, entre elas

a mais importante, a Revolução de 1917, liderada pelo Partido

Bolchevique de Lênin e Trotsky. Enfim, a Terceira e Quarta

Internacionais fizeram avançar a teoria marxista à análise dos

problemas candentes do século XX. Chegamos ao século XXI

com derrotas e vitórias político-teóricas.

O capitalismo, em sua fase imperialista, caracterizada pelos

monopólios, pelo capital financeiro, pelas guerras, revoluções e

contra-revoluções encontra-se numa crise estrutural de grande

envergadura. O capital tentou de todas as formas reverter a

tendência de queda da taxa de lucro, analisada por Marx em O

Capital, através de medidas as mais diversas como a

reestruturação das empresas, flexibilização das relações de

trabalho, reformas neoliberais de destruição de conquistas e

direitos, liberalização de movimento do capital financeiro,

rebaixamento do nível médio dos salários dos trabalhadores,

intervenções bélicas em países de capitalismo atrasado para

controlar as suas riquezas e minar a resistência de povos,

aplicação da técnica e da ciência etc. Só se conseguiu produzir

mais desemprego, fome, miséria, violência e destruição da

natureza.

Todas as teorias, da esquerda adaptada ao capitalismo, do

centro e da direita, que defenderam a insuperabilidade, o

melhoramento, regeneração ou mesmo a humanização do

capitalismo foram, uma a uma, desmascaradas pela história.

Tanto o liberalismo, que eleva a liberdade econômica do capital a

princípio absoluto, o keynesianismo, que defendia uma economia

capitalista com certos controles estatais, e o neoliberalismo,

desastroso para os trabalhadores, mostraram a sua verdadeira

face: seu vínculo com a dominação do capital sobre o trabalho,

seu papel de instrumentos de legitimação do capitalismo.

O capitalismo sobrevive, na época imperialista, aprofundando

as suas crises e contradições, destruindo as conquistas e direitos

dos trabalhadores, aumentando o fosso entre capital e trabalho,

tornando instáveis e inseguras as condições de vida do conjunto

dos assalariados, camponeses, juventude e da classe média

urbana arruinada pelas crises. A perenidade do sistema, criticada

com afinco por Marx e Engels, não passa de um adorno

ideológico para encobrir o seu verdadeiro caráter, sua

transitoriedade, historicidade e, portanto, superabilidade.

Se nós vivenciamos uma crise estrutural do capitalismo, por

que não conseguimos superá-lo e abrir uma nova página na

história da humanidade? A resposta não é simples, tem a ver

com a história das lutas sociais no século XX e das que se abrem

no século XXI. No momento atual permanece a contradição

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apontada por Leon Trotsky no Programa de Transição, escrito

em 1938, por ocasião da fundação da Quarta Internacional, entre

as condições objetivas para a superação do capitalismo (o

desenvolvimento da técnica, da ciência, a socialização do

trabalho e da produção, as crises etc.) e as condições subjetivas

(o avanço da consciência de classe e a organização política dos

explorados).

A longa agonia do capitalismo tem como contrapartida o

retrocesso da consciência política de classe e a fraqueza

organizativa do proletariado e demais explorados nas últimas

décadas. O largo domínio do estalinismo nos países onde

ocorreram revoluções e nos movimentos sociais, as derrotas

decorrentes da prática dos partidos comunistas burocratizados

em vários países, o curso tomado pelos governos do chamado

“bloco socialista”, a deformação do marxismo pela vulgata

estalinista etc. contribuíram decisivamente para o estágio atual

dos movimentos e das organizações políticas. A queda da ex-

União Soviética e do Leste Europeu, além da restauração do

capitalismo em outros países teve impacto profundo na esquerda

em todo o mundo.

E, no entanto, o marxismo continua vivo. Os acontecimentos

ao contrário de superá-lo, tornam-no ainda mais atual. Lênin

definiu o marxismo a seu tempo como “o sistema das ideias e da

doutrina de Marx” (2006:15). Hoje, podemos dizer sem errar: o

marxismo é o conjunto das concepções de Marx e Engels,

desenvolvido, alargado e aprofundado por muitos outros

marxistas, tais como o próprio Lênin, Trotsky e Rosa

Luxemburgo. Mas não só eles. Em todos os continentes, os

marxistas se esforçaram para conhecer a realidade e as

especificidades de cada país, com o objetivo de elaborar o

programa socialista e reforçar a organização política da classe

operária e demais explorados.

Esta tarefa, que moveu gerações de militantes, continua

plenamente atual para a nossa geração e para as gerações

futuras. Não temos, pois, tempo a perder. O marxismo nos

forneceu uma filosofia materialista dialética, uma concepção

materialista e dialética da história, uma análise dos elementos

fundamentais das formações econômico-sociais pré-capitalistas,

uma crítica profunda da estrutura econômica, social e política da

sociedade burguesa, uma abordagem das possibilidades do

socialismo, uma base política, pela assimilação da experiência

da luta da classe operária, para a sua organização em partido.

Esse conjunto de análises deixado por Marx e Engels não

pode ser tomado como dogma, petrificado ou mistificado. Ao

contrário, os fundadores do marxismo sempre ensinaram que os

autênticos revolucionários socialistas devem ter o maior rigor

possível com o conhecimento da realidade e estar atentos

permanentemente às transformações da história. Por isso, cabe

aos marxistas não só assimilar o patamar de conhecimentos

produzidos por Marx e Engels, mas avançar na teoria e na

prática socialista, em estreita vinculação com o movimento

operário e dos demais explorados, estudando os avanços

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científicos de cada época, incorporando-os à concepção

marxista.

Quando a burguesia e seus representantes teóricos desejam

criticar o marxismo alegam, em primeiro lugar, que Marx e

Engels não deram conta dos problemas atuais. Trata-se

evidentemente de uma acusação despropositada, afinal Marx e

Engels viveram no século XIX e não podiam, por razões óbvias

analisar problemas que só se desenvolveram no século XX e

continuam presentes no século XXI. Entretanto, os fundadores

do marxismo compreenderam como profundidade e expuseram

as tendências da sociedade capitalista, como por exemplo, as

crises, suas causas e consequências, a formação dos

monopólios como resultado da concorrência, a concentração

(pela extração da mais-valia, isto é do excedente econômico

produzido pelos trabalhadores) e centralização (pela fusão) de

capitais.

O método materialista dialético elaborado por Marx e Engels

possibilitou aos marxistas do século XX dar continuidade ao

processo de análise das transformações capitalistas, o que foi

feito pelo esforço de homens e mulheres como Lênin, Trotsky e

Rosa Luxemburgo, entre tantos marxistas. Souberam atualizar o

pensamento de Marx e Engels sobre a fase imperialista do

capitalismo, suas contradições e consequências para a história

da humanidade, contribuíram para a organização do proletariado

e suas formas político-organizativas, em particular do partido

revolucionário, avançaram na compreensão da luta de classes,

da dinâmica entre capital e trabalho, da tática e da estratégia do

proletariado no processo revolucionário tanto nos países de

capitalismo avançado como nos países atrasados (coloniais e

semicoloniais).

No momento atual, os marxistas têm uma tarefa essencial

que é a superação da crise de direção revolucionária aberta com

o processo de destruição das conquistas das revoluções socais e

a restauração capitalista nos países onde a classe operária e os

demais explorados tomaram o poder (ex-União Soviética, Leste

Europeu, China etc.) e o fim da Terceira Internacional, sepultada

pelo stalinismo na década de 1940, depois de uma longa agonia

desde a década de 1920, quando as teses de Stalin sobre o

“socialismo em um só país” e a “revolução por etapas” se

tornaram dominantes na Rússia e nos partidos comunistas do

mundo todo.

O estalinismo significou uma deformação do marxismo e uma

degeneração do processo revolucionário nos Estados, partidos e

organizações dominadas pela burocracia no poder. Significou o

extermínio de grande parte da vanguarda comunista organizada

no Partido Bolchevique da época de Lenin e Trotsky. Os

chamados Processos de Moscou na década de 1930 na Rússia

levaram inúmeros revolucionários a julgamentos por crimes pré-

fabricados pela burocracia stalinista. Homens como Bukárin,

Zinoviev e Kamenev foram mortos e forçados à abjuração. A

oposição de esquerda trotskista (que lutava obstinadamente

contra a deformação, a burocratização e a destruição das

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conquistas da revolução) foi exterminada no país dos soviétes e

desencadeado um processo de perseguição e morte a Leon

Trotsky.

A economia soviética sofreu com os métodos da burocracia,

travando seu avanço frente aos países imperialistas, apesar das

grandes conquistas da Revolução de Outubro como a

socialização dos meios de produção, a nacionalização da terra, a

planificação da economia e o monopólio do comércio exterior. Na

segunda metade do século XX, a economia soviética já se

mostrava debilitada, perdendo de vez as vantagens adquiridas

pela planificação da economia e pelos métodos de socialização,

tendo consequências graves para a vida dos trabalhadores

soviéticos, principalmente a escassez de produtos essenciais. A

restauração capitalista se aprofundou nas décadas de 1980 e

1990 nos países do Leste Europeu e na União Soviética,

levando-os à desagregação econômica e política e ao fim das

grandes conquistas. O resultado foi a imposição das relações

capitalistas e de todas as suas mazelas, como desemprego,

miséria e exploração.

Com o fim da União Soviética e do Leste Europeu, bem como

do avanço da restauração capitalistas em outros países onde

ocorreram revoluções e os explorados chegaram ao poder, uma

parte expressiva da esquerda mundial se adaptou

completamente ao capitalismo, às suas instituições e aos

métodos burgueses de governar (parlamento e eleições),

seguindo os passos da social-democracia europeia e

internacional, do estalinismo e do chamado Eurocomunismo dos

Partidos Comunistas da França, Itália e Espanha.

Uma esquerda que, em sua grande maioria, foi talhada na

visão stalinista do marxismo e que aplicou toda uma política em

vários países de alianças com setores da burguesia (dita

progressista), que levou o proletariado a inúmeras derrotas em

várias situações e processos revolucionários (como Alemanha,

França, Itália, Espanha etc., antes e depois da Segunda Guerra)

não teve qualquer dificuldade de consolidar uma trajetória de

conciliação de classes em todo o mundo e de adaptação ao

eleitoralismo e ao parlamentarismo em benefício evidente para a

dominação do capital sobre o trabalho.

Essa realidade de adaptação de uma parte expressiva da

esquerda ao Estado burguês e à disputa institucional pelo poder

através das eleições e do parlamento, colocando-se como

alternativa no interior do modo de produção capitalista para

gerenciamento dos negócios comuns da burguesia, isto é, a

administração estatal, impõe para a esquerda socialista marxista

a luta pela superação da crise de direção revolucionária, a

atuação contínua nas organizações constituídas pelo proletariado

e demais explorados (sindicatos, associações e movimentos

sociais) e a construção de um autêntico partido da revolução

socialista.

Significa dizer que a velha separação da social-democracia

(depois assimilada pelas organizações comunistas estalinizadas)

entre o programa mínimo (reivindicações democráticas e

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econômicas) e o programa máximo (a estratégia socialista) deve

ser superada definitivamente. A tarefa consiste em articular a luta

cotidiana pelas reivindicações democráticas e elementares de

vida e trabalho do proletariado e demais explorados (salário,

emprego, terra, moradia, menor jornada, direitos e conquistas

sociais etc.) com o objetivo estratégico da tomada do poder e da

construção do socialismo. Sem isso, não conseguiremos avançar

na luta.

Por tudo o que foi dito, vale apena estudar o marxismo na

atualidade. E mais: assimilar a teoria marxista é uma

necessidade histórica para a intervenção política na luta de

classes, para a superação do capitalismo e construção do

socialismo. Não tem qualquer sentido a polêmica em torna de um

suposto fim do socialismo ou morte do marxismo, com a

desagregação da União Soviética e do Leste Europeu. O que

esteve (e está!) em crise não é a concepção fundada por Marx e

Engels, mas o próprio capitalismo. Evidentemente, os teóricos

burgueses tentam de todas as maneiras desviar a atenção dos

lutadores, embotar a consciência políticas dos trabalhadores e da

juventude, enquanto o Estado burguês e os capitalistas agem

para desorganizar os explorados.

Dito isso, podemos passar a uma síntese da evolução

histórica do pensamento de Marx e Engels, a partir das suas

obras, do contexto histórico em que viveram e da sua articulação

com o movimento operário.

I A juventude, os hegelianos de esquerda e as

inquietações

A crítica alemã não abandonou, até os seus esforços mais recentes, o terreno da filosofia. Longe de examinar as suas premissas filosóficas gerais, as suas questões saíram todas do terreno de um sistema filosófico determinado, o de Hegel (Marx e Engels, A ideologia alemã).

Karl Marx nasceu a 05 de maio de 1818 em Trier, na

Alemanha, morreu a 14 de março de 1883, em Londres,

Inglaterra. Friedrich Engels nasceu a 28 de novembro de 1820

em Barmen, na Alemanha, faleceu a 05 de agosto de 1895, em

Londres.

Marx era filho de um advogado judeu de nome Heinrich Marx

(1782-1838) e de Henriette Pressburg (1787-1863). Seu pai se

converteu posteriormente ao protestantismo por causa das

pressões da aristocracia de sua época ao exercício de direitos

pelos judeus, em particular cargos na esfera do Estado. Não

obstante, o pai de Marx era adepto de ideias liberais e

democráticas, razão pela qual sua casa constituía um ambiente

de discussão em torno de teóricos liberais, como Voltaire,

Rousseau, Diderot e demais pensadores iluministas. Engels, de

outro lado, era filho de um rico industrial do ramo têxtil da

Alemanha, de família religiosa e conservadora, em cujo seio teve

uma formação calvinista.

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Na Inglaterra, havia ocorrido a revolução democrático-

burguesa do século XVII e a revolução industrial do século XVIIII

e começos do século XIX. Na França, ocorreu a revolução

democrático-burguesa de 1789, quando a burguesia chegou

definitivamente ao poder político do Estado. A ciência e o

conhecimento filosófico ressurgiram com força e profundidade,

constituindo-se instrumentos na luta da burguesia contra o clero

e a nobreza feudais.

Gradualmente, as ideias iluministas e científicas tiveram

ressonância na Alemanha, que conhecera, desde o século XVIII,

a constituição do idealismo filosófico nas figuras de Lessing,

Fichte, Kant e Hegel. Este último filósofo tinha chegado ao ápice

da filosofia idealista, elaborando um sistema filosófico amplo e

profundo a partir do resgate e desenvolvimento do método

dialético, influenciando a juventude quanto à forma de pensar o

mundo, a história, a sociedade e o indivíduo.

O contexto histórico, no qual Marx e Engels nasceram e

cresceram, é marcado, portanto, pela influência das ideias

liberal-democráticas e pelas transformações capitalistas na

Alemanha, que se refletiam nas condições políticas, sociais e

jurídicas. A Renânia, onde Marx nasceu, por exemplo, esteve

sob domínio Francês na época de Napoleão e havia conhecido

um certo clima de liberdade.

A Alemanha ainda era dividida em várias regiões, sendo a

mais importante, a Prússia. Vivia-se também numa monarquia,

que retardava a passagem ao capitalismo, mantinha as relações

pré-capitalistas feudais no país, estava articulada ao domínio

espiritual da Igreja decadente e mantinha muitas limitações à

liberdade de expressão, organização e de imprensa.

Entretanto, como uma toupeira, as relações econômicas

capitalistas agiam sorrateiramente, introduzindo a produção e

circulação burguesa no país. À medida que avançava, causava

ebulição na juventude, que ansiava por liberdade de expressão,

modernização das relações políticas, econômicas e a

transformação do regime político estatal.

A industrialização na Europa, particularmente na Inglaterra,

fez brotar um proletariado fabril assalariado, marcado pela

exploração e pelas condições desumanas de vida e trabalho. As

suas condições materiais de existência e a exploração promovida

pelo capital empurravam-no para a organização (associações,

sindicatos, movimentos etc.) e formas de lutas (greves,

paralisações, ocupações etc.). Os ecos da batalha futura

começavam a emergir também na Alemanha.

Marx e Engels chegaram ao mesmo referencial filosófico por

caminhos bem particulares. Engels não terminou um curso

superior, mas chegou a frequentar algumas aulas de filosofia.

Educado para suceder o pai nos negócios (seu pai era sócio de

fábricas têxteis), mostrou, desde jovem, dotes literários na

escola, sendo influenciado inicialmente pelos pensadores

liberais-democráticos. Em 1841, Engels se uniu ao círculo jovem-

hegeliano e destacou-se na crítica da filosofia conservadora de

Schelling, teórico opositor das ideias de Hegel. Por influência de

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Moses Hess, revolucionário alemão, Engels se tornou comunista

mais cedo que Marx. Em 1842, Engels viaja a Manchester para

assumir os negócios do pai.

Marx, aos 17 anos, ingressou na Universidade de Bonn, onde

cursou Direito, transferindo-se em seguida para a Universidade

de Berlim. Numa Carta ao pai, datada de 1837, uma das únicas

preservadas, Marx apresenta um balanço de seu

desenvolvimento intelectual no primeiro ano de estudos na

Universidade de Berlim. Relata seu interesse pela poesia,

ciência, filosofia e arte. Diz que, ao estudar o direito, sentiu a

necessidade da reflexão filosófica. Como era característico de

Marx, para passar a um novo patamar intelectual, realizava uma

avaliação crítica do seu passado e das suas referências teóricas.

Essa carta é, portanto, a síntese do encontro inicial com as

ideias de filósofos idealistas como Kant e Fichte, da insatisfação

quanto ao sistema filosófico desses autores na explicação dos

dilemas que vivenciava. Mas, ao mesmo tempo expressa as

debilidades teóricas de Marx e a necessidade de superá-las a

partir do novo patamar teórico que havia chegado: o sistema

hegelinao. Por isso, Marx já deixa patente a influência de Hegel,

ao dizer que, para além do formalismo kantiano, que fazia uma

divisão entre o real e o ideal, entre as idéias e a realidade (dever

ser e ser), era preciso investigar as idéias na realidade mesma,

em seu movimento, em suas contradições, em seu devir.

Marx expõe como se deu sua leitura inicial, necessariamente

tortuosa, de Hegel e seu encontro com o Clube de Doutores

(Doctorclub), a ala esquerda do pensamento hegeliano, da qual

faziam parte Bruno Bauer, Karl Köppen, Adolf Rutenberg, Edgar

Bauer, Ludwig Buhl, Karl Nauwerk e Max Stirner. É o início de

uma complexa, crítica e autocrítica, relação com o pensamento

hegeliano.

Marx doutorou-se em 1841, em filosofia, na Universidade de

Iena, com a apresentação de uma tese de doutoramento sobre

os filósofos materialistas da antiguidade, Demócrito e Epicuro.

Sua tese intitulou-se: Diferença entre as filosofias da Natureza

em Demócrito e Epicuro.1 É a última presença de Marx na

academia enquanto viveu. Não chegou a frequentar mais a

universidade pelo resto de sua vida. Ao contrário, teve de

enfrentar pelo resto da sua vida o preconceito e a oposição da

intelectualidade acadêmica.

Em sua tese, Marx desenvolve uma análise criativa e única

dos filósofos materialistas da antiguidade e suas importantes

contribuições para o desenvolvimento filosófico e científico, em

especial a explicação materialista a partir do átomo. Demócrito e

Epicuro, diz Marx, não receberam a devida atenção da filosofia

moderna, inclusive de Hegel. Em meio ao idealismo filosófico

reinante na atmosfera intelectual da antiguidade, os dois filósofos

materialistas tentaram explicar o mundo a partir de elementos da

1Há as seguintes publicações em português: Karl Marx, Diferença entre as Filosofias da Natureza em Demócrito e Epicuro (Lisboa, Presença, 1972). Há uma edição brasileira: Karl Marx, Diferença entre as Filosofias da Natureza em Demócrito e Epicuro (São Paulo, Global, 1979).

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própria natureza, relegando as explicações puramente

sobrenaturais ou idealistas.

Para Marx, se “Hegel determinou no seu conjunto e com

exatidão, o elemento geral destes sistemas (de Demócrito e

Epicuro); mas a admirável grandeza e audácia da sua história da

filosofia, que marca o nascimento propriamente dito dessa

mesma filosofia, impedia-o de entrar em detalhes. Por outro lado,

a sua concepção do que chamava especulativo par excellence

não permitia que este gigantesco pensador reconhecesse nesses

sistemas a enorme importância que têm para a história da

filosofia grega e para o espírito grego em geral” (1972:124).

Marx era um exímio conhecer da filosofia de Hegel, sabia de

seus limites e seus avanços para o pensamento filosófico

moderno. Admirava a profundidade do hegeliano e estudou-o

apaixonadamente, em especial o seu núcleo revolucionário: a

dialética. Desde a morte do grande filósofo idealista, seus

discípulos se dividiram em velhos (conservadores) e jovens

(democrático-radicais) hegelianos, disputando a sua herança

teórica. Os velhos hegelianos procuravam no filósofo ideias que

justificassem teoricamente o Estado, a religião e o domínio da

aristocracia, portanto, com o objetivo de legitimar o status quo.

Os jovens hegelianos, por outro lado, amparavam-se nas

passagens do mestre, que serviam à crítica da religião e,

indiretamente, ao Estado monárquico, defendendo mudanças

liberais e democráticas na Alemanha. O fato da monarquia, da

aristocracia e dos intelectuais conservadores se utilizarem das

ideias hegelianas para justificar a dominação existente, fez com o

mesmo Hegel fosse acusado por seus próprios discípulos de ter

se adaptado à dominação aristocrática, na medida em que

tentava compatibilizar a sua filosofia com a legitimação do

Estado e do poder.

Não compactuando com essa visão, Marx dedica uma parte

da sua tese de doutoramento à crítica dos seus companheiros

jovem-hegelianos de esquerda, demonstrando o erro de método,

quando tratavam das limitações da filosofia de Hegel. Não era

suficiente para Marx tentar justiçar o emprego das ideias

hegelianas pelos conservadores e pelo governo por uma suposta

desonestidade moral e intelectual de Hegel. Era mais prudente

partir de uma análise imanente da sua concepção a fim de

demonstrar as suas limitações históricas e teóricas.

Para Marx, “no que diz respeito a Hegel, é uma prova de

ignorância da parte dos seus discípulos entenderem qualquer

determinação do seu sistema como uma adaptação cômoda,

numa palavra, moralmente. Esquecem que ainda não há muito

tempo, como se pode demonstrar de forma evidente a partir das

suas próprias obras, eles aderiam com entusiasmo a todas essas

determinações unilaterais. Se tivessem sido realmente seduzidos

pela ciência que recebiam já acabada ao ponto de se lhe

entregarem com uma confiança ingênua e não crítica, qual não

seria a sua falta de consciência ao censurarem seu mestre por

alimentar uma intenção escondida, ele para quem a ciência não

estava terminada mas sim em devir, e que não descansou

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enquanto não atingiu os limites extremos dessa ciência. Lançam

a suspeita sobre si mesmos e fazem crer que anteriormente não

tomavam a coisa a sério; é o seu próprio passado que combatem

julgando atacar Hegel. Mas esquecem, ao fazê-lo, que ele estava

numa relação imediata e substancial com o seu sistema, ao

passo que eles se encontram, relativamente a esse sistema,

numa posição de reflexão. Que um filósofo cometa uma

inconsequência por comodismo, é compreensível; até pode ter

consciência disso. Mas aquilo de que pode não ter consciência é

que a possibilidade de uma tal adaptação aparente tem a sua

origem mais profunda numa insuficiência ou numa compreensão

insuficiente do princípio de que parte. Se tal acontecer a um

filósofo, os seus discípulos devem explicar a partir da

consciência íntima e essencial desse filósofo o que nele

apresentava a forma de uma consciência exotérica. Desse modo,

o que constitui um progresso da consciência é simultaneamente

um progresso da ciência. Não se suspeita da consciência

particular do filósofo; descobre-se a forma essencial dessa

consciência, atribui-se-lhe uma caracterização e um significado

determinados e, desse modo, ela é ultrapassado”

(Idem:157/158).

Finalizada a fase universitária, Marx passou a se dedicar ao

jornalismo, tendo em vista que a censura na Alemanha

impossibilitava-o de exercer o magistério. Lembremos que tanto

Bruno Bauer quanto Ludwig Feuerbach, ambos jovens-

hegelianos, professores de Teologia e Filosofia, companheiros

de Marx, foram impedidos de ensinar nas universidades. De fato,

a situação na Alemanha era extremamente difícil, mesmo para os

intelectuais meramente críticos, ainda mais para os

revolucionários.

Dessa forma, não restou a Marx senão engajar-se como

colaborador na Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), um jornal

de tendência liberal-democrática, publicado em Colônia, entre

1842 e 1843, que defendia ardorosamente as ideias da

burguesia radical a favor de mudanças políticas e reformas do

Estado prussiano. Marx tornou-se seu redator-chefe do jornal

antes de ser fechado pela censura em 1843. Durante a sua

participação no jornal, este chegou a expressar ideias bastante

radicais para a época, razão pela qual esteve constantemente

sob o crivo da censura prussiana.

A experiência com o jornalismo na Gazeta Renana colocou-o

em contato com problemas materiais, isto é sociais e

econômicos. Teve de se posicionar sobre problemas da época

como a situação dos vinhateiros da região do Mosela, a

aprovação de leis criminalizando os camponeses pobres,

impedindo-os de pegar madeira ou entrar nas antigas florestas

comunais, as leis restringindo a liberdade de imprensa, a

situação de claro avanço da propriedade privada, entre outras

medidas do Estado e do parlamento renano.

Marx redigiu e publicou na Gazeta Renana os seguintes

textos, fundamentais na evolução do seu pensamento: O

Manifesto Filosófico da Escola Histórica do Direito, Debates

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acerca da Lei sobre o Furto de Madeira e Sobre a Liberdade de

Imprensa. Engels também publicou na Gazeta Renana uma

Crítica às leis de imprensa prussianas.2

Nesta época, coloca-se inteiramente ao lado dos pobres

contra a classe dominante, defendendo seus direitos a partir de

uma crítica baseada nas categorias filosóficas do hegelianismo.

No que se refere à limitação da liberdade de impressa pelo

parlamento, Marx polemiza: “Esses cavalheiros, que não querem

considerar a liberdade como um dom especial da aurora

universal da razão, mas como um dom sobrenatural de uma

constelação de estrelas particularmente favorável – e que vêem

na liberdade apenas uma característica individual de certas

pessoas e Estados -, são obrigados, por consideração à

congruência, a incluir a razão universal e a liberdade universal na

lista dos maus sentimentos e falsidades dos sistemas ordenados

logicamente”.

Dessa forma, defende Marx, “Desde o ponto de vista da

ideia, é evidente que a liberdade de imprensa tem uma

justificativa completamente diferente da censura, já que a

primeira é em si mesma um aspecto da Ideia, da liberdade, um

bem positivo; a censura é apenas um aspecto da falta de

liberdade, uma polêmica entre o ponto de vista da semelhança e

o ponto de vista da essência, uma mera negação”. Dessa visão,

2O texto sobre A liberdade de imprensa foi publicado em português em: Karl Marx, A liberdade de imprensa (Porto Alegre, L&PM, 2006) e Notas sobre as recentes instruções prussianas relativos à censura. In: Karl Marx e Friedrich Engels, Sobre literatura e arte (São Paulo, Global, 1986).

Marx conclui: “Uma lei da censura tem apenas a forma de lei.

Uma lei da imprensa é uma verdadeira lei. Uma lei de imprensa é

uma lei verdadeira porque é a essência positiva da liberdade”

(2006:41-56).

Durante este período, Marx é forçado, pela primeira vez, a

tomar posição sobre as ideias socialistas, pressionado por um

jornal de direita, a Allgemeine Augsburger Zeitung (Gazeta de

Augsburgo). Em resposta às provocações do periódico

reacionário, Marx conclui que seus conhecimentos eram

insuficientes para manifestar-se sobre elas: “confessei

francamente que os meus estudos feitos até então não me

permitiam ousar qualquer julgamento sobre o conteúdo das

correntes francesas”.

Com sua saída do jornal A Gazeta Renana, por conta da

censura, Marx se retirou do “cenário público para o gabinete de

estudos” (1982:24). Os tempos da Gazeta Renana despertaram

em Marx a consciência da necessidade de rever a teoria

hegeliana do direito e do Estado, a fim de compreender melhor

as questões materiais (econômico-sociais) e suas inter-relações.

Quanto a Engels, permanecia em Manchester dirigindo os

negócios do seu pai na indústria têxtil. É por essa época que

conhece a sua futura companheira, Mary Burns. A Inglaterra era

o centro do capitalismo europeu, estava muito a frente dos

demais países no que se refere ao processo de industrialização e

mecanização da produção. A Revolução Industrial havia criado

uma nova classe social: o proletariado. Suas condições de vida e

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de trabalho eram extremamente precárias. Sujeitos às mais

espúrias formas de exploração e mazelas, desde cedo essa

situação da classe operária chamou a atenção do jovem Engels.

Curiosamente, Engels, despertado por Mary sobre essa

situação de pobreza e exploração da classe operária, passa a

percorrer os centros industriais e os bairros populares,

levantando documentos e anotando as suas observações.

Veremos mais adiante, quão importantes foram esses dados na

elaboração da primeira crítica de conjunto da sociedade

capitalista liberal-concorrencial.

IIA Paris revolucionária e uma nova teoria

da história em gestação

Ser radical é segurar tudo pela raiz. Mas para o homem, a raiz é o próprio homem (Marx, Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel)

Por conta da censura, Marx deixa a Gazeta Renana, que

seria logo em seguida fechada pela monarquia prussiana. Em

junho de 1843 casa-se com Jenny von Westphalen, sua

companheira pelo resto de suas vidas. Dirige-se em seguida para

o balneário de Kreuznach, onde se dedica ao estudo e à crítica

do pensamento de Hegel, em especial sobre o direito e o Estado.

O produto mais autêntico deste acerto de contas com o

sistema hegeliano foi o Manuscrito de Kreuznach, também

chamado de Crítica à Filosofia do Direito de Hegel ou Crítica da

Teoria do Estado de Hegel, só publicado em 1927, pelo

historiador marxista do Instituto Marx-Engels David Riazanov, na

Rússia.3 Esse escrito significa um marco na evolução do

pensamento de Marx, na medida em que, ao reavaliar o sistema

hegeliano, Marx descobre o verdadeiro fundamento do Estado,

qual seja, a sociedade.

Encontrava-se, nessa época, sob a influência do

materialismo filosófico e humanista de Ludwig Feuerbach. Este

3O texto foi publicado em português: Karl Marx, Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (São Paulo, Boitempo, 2005).

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filósofo foi o primeiro a superar o idealismo hegeliano, publicando

em 1841 sua obra A essência do cristianismo e, em 1843, os

seus Princípios da filosofia do futuro. Feuerbach realizou do

ponto de vista da filosofia materialista uma crítica contundente à

alienação religiosa, mostrando as raízes materiais desse

processo.

Marx e Engels se tornaram materialistas por influência de

Feuerbach. Seus escritos daí em diante, até a superação dessa

influência em 1845 serão carregados pelas categorias e as

análises feuerbachianas, especialmente sobre a problemática da

alienação, da essência da religião, da manifestação da alienação

no processo de trabalho, da natureza da propriedade privada dos

meios de produção, da relação entre capital e trabalho e da

própria visão de Marx sobre o sentido do comunismo.

Em sua Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel,

Marx defendeu ideias radicais como a soberania popular,

opondo-se à monarquia, e cita passagens que se tornaram

célebres como: “A democracia é o enigma resolvido de todas as

constituições”; “O homem não existe em razão da lei, mas a lei

existe em razão do homem”; “não é a constituição que cria o

povo, mas o povo que cria a constituição” (2005:50). Enfim,

encontra seu objeto de estudo: a sociedade. No ano seguinte,

Marx iniciaria o estudo da anatomia da sociedade burguesa: a

economia política.

No final de 1843, em outubro, Marx viaja a Paris, que era

então o centro das idéias e movimentos socialistas. Nesse

período, dedica-se ao estudo da história da Revolução Francesa,

de 1789 e seus desdobramentos no século XIX, das idéias

socialistas e dos teóricos da ciência política. Em Paris, conhece

socialistas como Proudhon (o grande autor do clássico O que é a

propriedade?), Bakunin e Blanc, entra em contato com a Liga

dos Justos, uma organização fundada por Weitling nos anos

1830 e visita as diversas sociedades secretas de emigrados

alemães.

No começo de 1844, cria a revista teórica Anais Franco-

Alemães (Deutsch-Franzosische Jahrbucher), junto com Arnold

Ruge. No único número, publicado em fevereiro, Marx publicou

os textos A questão judaica e Introdução à Crítica da Filosofia do

Direito de Hegel. No jornal Vorwärts, dos emigrados alemães,

Marx veiculou as Glosas Críticas Marginais ao Artigo “O Rei da

Prússia e a Reforma Social” de um Prussiano. Dos estudos sobre

o pensamento econômico, Marx escreveu um conjunto de críticas

intitulado Manuscritos econômico-filosóficos.4

Os textos de 1844, de Marx e Engels, representam um

avanço considerável em suas concepções filosóficas, políticas e

econômicas. Em A Questão Judaica, Marx realiza uma crítica da

cidadania burguesa limitada e defende a perspectiva da

emancipação humana. Para ele, a emancipação política

4Os textos podem ser lidos em português: Karl Marx, Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. In: Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (São Paulo, Boitempo, 2005); Karl Marx, A Questão Judaica (São Paulo, Centauro, 2002); Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos (São Paulo, Boitempo, 2004); Karl Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos (São Paulo, Martin Claret, 2001). Também foi publicado recentemente (São Paulo, expressão popular, 2010).

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burguesa “representa um enorme progresso. Porém, não

constitui a forma final de emancipação humana, mas é a forma

final desta emancipação dentro da ordem mundana até agora

existente. Não será necessário dizer que estamos aqui

discorrendo sobre a emancipação real, prática”.

Para Marx, a “emancipação política é a redução do homem,

por um lado, a membro da sociedade civil, indivíduo

independente e egoísta e, por outro, a cidadão, a pessoa moral”.

Conclui que só “será plena a emancipação humana quando o

homem real e individual tiver em si o cidadão abstrato; quando

como homem individual, na sua vida empírica, no trabalho e nas

suas relações individuais, se tiver tornado um ser genérico; e

quando tiver reconhecido e organizado as suas próprias forças

(forces propres) como forças sociais, de maneira a nunca mais

separar de si esta força social como força política” (2001:13/44).

Outro texto axial, publicado nos Anais Franco-Alemães, foi a

Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Nele, Marx

assume-se socialista e revolucionário e, filosoficamente,

encontra-se com o sujeito revolucionário da época atual: o

proletariado. Conforme diz, da “mesma forma como a filosofia

identifica as armas materiais no proletariado, o proletariado tem

as suas armas intelectuais na filosofia”.

A teoria precisa tomar conta das massas, mas “a própria

teoria torna-se da mesma forma uma força material quando se

apodera das massas. A arma da crítica não pode substituir, sem

dúvida, a crítica das armas; a força material só será abatida pela

força material. A teoria é capaz de se apossar das massas ao

evidenciar-se ad hominem e, demonstra-se ad hominem logo que

se torna radicalizada. Ser radical é segurar tudo pela raiz. Mas

para o homem, a raiz é o próprio homem” (2005:145/156).

Engels também publicou nos Anais o texto Esboço de uma

Crítica da Economia Política, que muito influenciou Marx quanto

ao estudo crítico do pensamento econômico clássico. O escrito

de Engels é pioneiro na análise do pensamento econômico e

antecipa, por assim dizer, a crítica das categorias fundamentais

da economia. Começa por analisar as limitações das teorias

modernas, quando se trata de lidar com os problemas colocados

pela vida social. Engels deixa claro que pretendia com o esboço

crítico, “examinar as categorias fundamentais, demonstrar a

contradição introduzida pelo sistema da liberdade de comércio e

extrair as consequências dos dois aspectos da contradição”

(Idem: 58).

Para Engels, o “século XVIII, o século da revolução,

subverteu igualmente a economia. Mas todas as revoluções

deste século apenas abordaram uma face do antagonismo, sem

ultrapassar a outra. (Eis por que se contrapunha ao

espiritualismo abstrato o materialismo abstrato, à monarquia a

república, ao direito divino o contrato social.) A revolução

econômica, de repente, não poderia nunca superar esse

antagonismo. Os pressupostos permanecem os mesmos. O

materialismo não atacou o desprezo e a humilhação do homem

no cristianismo: limitou-se a instaurar a natureza como absoluto

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frente ao homem, substituindo-a ao deus cristão. A política não

pensou em examinar, em si e para si, os pressupostos do

Estado. A economia nem sequer teve a idéia de se interrogar

sobre o que justifica a propriedade privada” (1981:55).

Para Engels, o pensamento econômico burguês, “esta

ciência do enriquecimento, nascida do logro mútuo e da ambição

dos comerciantes, traz na fonte a marca do egoísmo mais

repugnante” (Idem: p. 53). Mostra que a “nova economia, o

sistema de livre comércio, apoiado na Wealth of nations, de

Adam Smith, revela-se como a hipocrisia, a imoralidade e a

inconsequência que, presentemente, afrontam todos os domínios

da liberdade humana” (Ibidem: 55/56). Examina as relações entre

a economia política como ciência e a justificação da propriedade

privada na sociedade capitalista: “Na situação atual, a ciência

deveria chamar-se economia privada, porque suas relações

públicas existem exclusivamente por amor à propriedade privada”

(Ibidem).

Analisando a categoria do valor, uma das mais importantes

da análise da economia, Engels expõe a sua posição: “Vivendo

entre contradições, o economista também desdobra o valor: o

valor abstrato ou valor real e o valor de troca. Acerca da natureza

do valor real, houve, há muito, uma discussão entre os ingleses,

que definiam os custos de produção como expressão do valor

real, e o francês Say, que pretendia medi-lo segundo a utilidade

de um objeto. Desde o início do século, a discussão ficou

pendente e desvaneceu-se sem ser resolvida. Os economistas

não sabem resolver nada” (Idem: 63). Tenta na verdade conciliar

as duas teorias principais do valor: a do valor-trabalho e da

utilidade: “Tentemos ver claro no meio desta confusão. O valor

de um objeto inclui estes dois fatores que foram arbitrariamente

separados e, como se viu, sem qualquer sucesso para as partes

em causa. O valor é a relação entre os custos de produção e a

utilidade” (Idem: 62).

Observa Engels claramente que a concorrência na economia

moderna leva aos monopólios e à concentração do capital: “A

concorrência assenta no lucro e o lucro origina, em troca, o

monopólio; em breve, a concorrência se transforma em

monopólio” (Idem: 69). Deixa patente que a economia capitalista

não é de todo imune à crises periódicas e que ao contrário

enfrenta contradições em seu movimento, coisa que os

economistas burgueses procuravam dissimular.

Para ele, o economista “deixa-se levar com sua teoria da

oferta e da procura e demonstra-nos que ‘nunca se pode produzir

demais’ – e a prática responde com as crises comerciais que

aparecem tão regularmente como os cometas, e de tal modo

que, hoje, temos uma, em média, a cada cinco ou sete anos.

Tais crises produzem-se há vinte anos com a mesma

regularidade que as grandes epidemias de outrora, e trouxeram

mais miséria e imortalidade que elas (Idem: 70).

Faz uma violenta crítica à especulação nas bolsas: “o ponto

culminante da imoralidade é a especulação na Bolsa, pela qual a

história e, nela, a humanidade são assimiladas ao conjunto dos

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meios próprios para satisfazer a cupidez do especular calculista

ou felizardo” (Idem: 71). Apesar de desenvolver as forças

produtivas, aumentar a capacidade e a produtividade do trabalho,

seus benefícios são controlados segundo os interesses privados:

“O capital cresce diariamente, a força de trabalho aumenta com a

população e a ciência submete cada vez mais ao homem a força

da natureza. Esta capacidade ilimitada de produção, manipulada

com consciência para o interesse de todos, reduziria em breve

ao mínimo o trabalho que incumbe à humanidade” (Idem:73).

Essas contradições também se manifestam na forma como o

capital faz avançar e se apropria da ciência e a técnica. O

capitalismo desenvolve as forças produtivas, emprega a técnica

mais avançada na produção, reduz o tempo de trabalho e

aumenta a produtividade, mas, como detém o controle da técnica

e da ciência, submete-a a medida do lucro, aumenta a

exploração do trabalhador.

No lugar de aliviar a vida dos trabalhadores na fábrica, torna-

a mais deprimente: “No combate do capital e da terra contra o

trabalho, estes dois primeiros elementos têm ainda uma

vantagem particular sobre o último: a ajuda da ciência, porque

também esta, nas condições atuais, é dirigida contra o trabalho.

Quase todas as invenções mecânicas, por exemplo, foram

provocadas pela falta de força de trabalho” (Idem: 79/80).

Engels, analisando as contradições do processo econômico

e sua expressão na teoria econômica, extraí “os mais fortes

argumentos econômicos para a transformação social (...). a

propriedade privada faz do homem uma mercadoria, cuja

produção e destruição dependem, também elas, apenas da

concorrência, e que o sistema concorrencial massacrou deste

modo, e massacra, diariamente milhões de homens; vimos tudo

isto e tudo isto nos leva a suprimir este aviltamento da

humanidade ao suprimir a propriedade privada, a concorrência e

os interesses antagônicos”.

A sociedade capitalista e a “concorrência coloca capital

contra capital, trabalho contra trabalho (...), como também cada

um destes elementos contra os restantes”, lançando o homem

em “estado de profunda degradação” (Idem:76/77). Engels deixa

patente de certa forma, que as condições sociais e econômicas

da sociedade capitalista moderna leva à disseminação das

contradições entre capital e trabalho, desenvolvendo a luta de

classes no sentido atual.

Nesse contexto, outro artigo de Marx de grande relevância é

A questão judaica. Intervindo numa polêmica instaurada por

Bruno Bauer sobre a situação dos judeus na Alemanha, Marx

aproveita o debate para expressar sua visão sobre a questão da

emancipação daquele povo. Para tanto, demonstra a natureza

em si mesma limitada da emancipação política nos marcos da

sociedade burguesa.

O mero acesso aos direitos civis e políticos na ordem do

capital não significava uma plena emancipação. Na verdade, ter

direitos no plano formal da sociedade capitalista é o máximo que

se pode obter na atual formação social e econômica. O acesso a

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esses direito, nem sequer significa o seu exercício real, já que

este depende de condições materiais.

Essas diferenças materiais, isto é, econômico-sociais, são

mesmo determinantes no exercício pleno da mera cidadania

burguesa. Daí porque proletários e capitalistas não podem ter

acesso igualmente aos mesmos direitos, não só porque na

sociedade burguesa todas as relações são mediadas pelo

dinheiro e os bens se constituem mercadorias a serem

compradas, como, por suas condições, apenas a burguesia pode

decidir sobre as questões do Estado.

Não à toa, a democracia no capitalismo é extremamente

limitada e mutilada. Nem o direito de greve é respeitado. A

burguesia ao reconhecer esse direito permite-se instaurar uma

série de restrições ao seu exercício. Quanto os trabalhadores

exorbiram as condições impostos, o poder judiciário se encarrega

de pôr limites, penalizando as organizações sindicais. O Estado,

a democracia e o direito desprezam as condições concretas reais

dos indivíduos e sua ligação às relações de classes. Os

trabalhadores só são aceitos na engrenagem das instituições

políticas da sociedade burguesa na condição de cidadãos,

dissolvidos, portanto, na a multidão de indivíduos.

Para Marx, “a emancipação política representa um enorme

progresso. Porém, não constitui a forma final de emancipação

humana, mas é a forma final desta emancipação dentro da

ordem mundana até agora existente. Não será necessário dizer

que estamos aqui discorrendo sobre a emancipação real,

prática”.

E, apesar de ser um avanço frente à servidão feudal e ao

escravismo antigo, a “emancipação política é a redução do

homem, por um lado, a membro da sociedade civil, indivíduo

independente e egoísta e, por outro, a cidadão, a pessoa moral”.

Frente a isso, só “será plena a emancipação humana quando o

homem real e individual tiver em si o cidadão abstrato; quando

como homem individual, na sua vida empírica, no trabalho e nas

suas relações individuais, se tiver tornado um ser genérico; e

quando tiver reconhecido e organizado as suas próprias forças

(forces propres) como forças sociais, de maneira a nunca mais

separar de si esta força social como força política” (2001:13/44).

No decorrer de 1844, Marx se dedica ao estudo do

pensamento econômico clássico. Com os Manuscritos

Econômico-Filosóficos, Marx estuda os economistas burgueses,

aprofunda sua visão da sociedade capitalista, da propriedade

privada e da alienação. Trata de temas como salário, capital,

trabalho e alienação, renda da terra, concorrência e monopólios

e dá continuidade à crítica da filosofia hegeliana. Expõe a sua

primeira abordagem do comunismo.

Para Marx, o “capital é, portanto, o poder de governo

(Regierungsgewalt) sobre o trabalho e os seus produtos. O

capitalista possui esse poder, não por causa de suas qualidades

humanas, mas na medida em que ele é proprietário do capital. O

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poder de comprar (kaufende Gewalt) do seu capital, a que nada

pode se opor, é o seu poder”.

No sistema capitalista o trabalhador “se torna tanto mais

pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção

aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma

mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a

valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em

proporção direta a desvalorização do mundo dos homens

(Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadorias;

ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e

isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral”.

O dinheiro é submetido à crítica mais severa: “O que é para

mim pelo dinheiro, o que eu posso pagar, isto é, o que o dinheiro

pode comprar, isso sou eu, o possuidor do próprio dinheiro. Tão

grande quanto a força do dinheiro é a minha força. As qualidades

do dinheiro são minhas – [de] seu possuidor – qualidades e

forças essenciais. O que eu sou e consigo não é determinado de

modo algum, portanto, pela minha individualidade. Sou feio, mas

posso comprar para mim a mais bela mulher. Portanto, não sou

feio, pois o efeito da fealdade, sua força repelente, é anulado

pelo dinheiro. Eu sou – segundo minha individualidade – coxo,

mas o dinheiro me proporciona vinte e quatro pés; não sou,

portanto, coxo; sou um ser humano mau, sem honra, sem

escrúpulos, sem espírito, mas o dinheiro é honrado e, portanto,

também o seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo, logo, é

bom também o seu possuidor, o dinheiro me isenta do trabalho

de ser desonesto, sou, portanto, presumido honesto; sou tedioso,

mas o dinheiro é o espírito real de todas as coisas, como poderia

seu possuidor ser tedioso? Além disso, ele pode comprar para si

as pessoas ricas de espírito, e quem tem o poder sobre os ricos

de espírito não é ele mais rico de espírito do que o rico de

espírito? Eu, que por intermédio do dinheiro consigo tudo o que o

coração humano deseja, não possuo, eu, todas as capacidades

humanas? Meu dinheiro não transforma, portanto, todas as

minhas incapacidades (Unvermögen) no seu contrário?”

(2004:23/161).

No conjunto da análise dos Manuscritos, o comunismo tem a

sua primeira formulação a partir de uma análise que articula

profundidade filosófica e argúcia na crítica da economia política:

“O comunismo é a posição como negação da negação, e por isso

o momento efetivo necessário da emancipação e da recuperação

humanas para o próximo desenvolvimento histórico. O

comunismo é a figura necessária e o princípio energético do

futuro próximo, mas o comunismo não é, como tal, o termo do

desenvolvimento humano – a figura da sociedade humana”

(Idem:114). Certamente, como veremos, a concepção de Marx

sobre o comunismo avançará mais adiante.

Os estudos de Marx sobre a conjuntura política e a realidade

econômica avançam ao longo de 1844. Nas Glosas Críticas

Marginais ao Artigo “O Rei da Prússia e a Reforma Social” de um

Prussiano, Marx critica o reformismo social, o Estado e a política.

Tomando como mote um artigo anônimo de um prussiano sobre

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a insurreição dos trabalhadores silesianos e a posição do

governo alemão diante das condições sociais, Marx analisa como

governos de países como França, na época da Conveção e de

Napoleão, e da Inglaterra agiram diante da situação de

pauperismo dos trabalhadores.

A miséria social era um problema que poderia ser resolvido

por reformas, por atos administrativos dos governos ou pela

atuação da filantropia e do assistentencialismo? Os governos

europeus dessa época incentivaram de todas as formas o

assistencialismo e a filantropia. Também aplicaram medidas

administrativas de caráter paliativo visando minimizar as

contradições sociais da sociedade capitalista nascente. Não

conseguiram solucionar o problema.

Quanto se tornou patente a falência dos planos de conteção

da miséria social, a burguesia passou a defender que “o

pauperismo é a miséria da qual os próprios trabalhadores são

culpados e ao qual portanto não se deve prevenir como uma

desgraça, mas antes reprimir e punir como um delito”. Daí Marx

afirmar: “a Inglaterra tentou acabar com o pauperismo

primeiramente através da assistência e das medidas

administrativas. Em seguida, ela descobriu, no progressivo

aumento do pauperismo, não a necessária consequência da

indústria moderna, mas antes o resultado do imposto inglês para

os pobres. Ela entendeu a miséria universal unicamente como

uma particularidade da legislação inglesa. Aquilo que, no

começo, fazia-se derivar de uma falta de assistência, agora se

faz derivar de um excesso de assistência. Finalmente, a miséria

é considerada como culpa dos pobres e, deste modo, neles

punida” (2010:53/54).

O limite dos governos e dos Estados na sociedae burguesia

é a tentativa de minimizar (mas não superar!) os problemas

sociais por medidas administrativas ou de caráter paliativas,

incentivando o assistencialismo e a filantropia. Não poderia ser

de outra forma, pois se efetivamente a burguesia quisesse

resolver o problema da miséria teria que suprimir a sua própria

dominação, o que é na prática impossível.

Marx então se pergunta: “Pode o Estado comportar-se de

outra forma?”. Responde: “O Estado jamais encontrará no

‘Estado e na organização da sociedade’ o fundamento dos males

sociais, como o ‘prussiano’ exige do seu rei. Onde há partidos

políticos, cada um encontra o fundamento de qualquer mal no

fato de que não ele, mas o seu partido adversário, acha-se ao

leme do Estado. Até os políticos radicais e revolucionários já não

procuram o fundamento do mal na essência do Estado, mas

numa determinada forma de Estado, no lugar da qual eles

querem colocar uma outra forma de Estado” (Idem:58/59).

Marx procura compreender a natureza do Estado, em que

sentido é o produto das contradições inerentes às sociedades de

classes e como está ligado ao processo de legitimação e

manutrenção do status quo: “Estado e a organização da

sociedade não são, do ponto de vista político, duas coisas

diferentes. O Estado é o ordenamento da sociedade. Quando o

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Estado admite a existência de problemas sociais, procura-os ou

em leis da natureza, que nenhuma força humana pode

comandar, ou na vida privada, que é independente dele, ou na

ineficiência da administração, que depende dele”, quando não

coloca a culpa de todos estes problemas na “má vontade dos

pobres” (Idem, Ibidem).

Dessa reflexão crítica sobre o Estado na sociedade

burguesa, Marx chega à seguinte conclusão fundamental: o

Estado “repousa sobre a contradição entre vida pública e

privada, sobre a contradição entre os interesses gerais e os

interesses particulares. Por isso, a administração deve limitar-se

a uma atividade formal e negativa, uma vez que exatamente lá

onde começa a vida civil e o seu trabalho, cessa o seu poder.

Mais ainda: frente a consequências que brotam da natureza

antissocial dessa vida civil, dessa propriedade privada, desse

comércio, dessa indústria, dessa rapina recíproca das diferentes

esferas civis, frente as essas consequências, a impotência é a lei

natural da administração. Com efeito, essa dilaceração, essa

infâmia, essa escravisão da sociedade civil é o fundamento

natural em que se apoia o Estado moderno, assim como a

sociedade civil da escravidão era o fundamento do qual se

apoiava o Estado antigo. A existência do Estado e a existência

da escravidão são inseparáveis” (Idem: 60).

Mas, como dissemos anteriormente, Engels tinha assumido a

partir de 1842 os negócios de sua família no ramo têxtil em

Manchester, na Inglaterra. Permaneceu algum tempo nessa

atividade, ocasião em que conheceu de perto a exploração do

proletarido pelos industriais, suas condições de trabalho, a

utilização da mão de obra de mulheres e crianças, o desemprego

e a competição estimulada pelo mercado, as jornadas estafantes

de trabalho, além das condições de vida dos trabalhadores nos

bairros operários.

Visitando estes lugares, Engels costumava anotar todas as

suas observações, coletando documentos, relatórios, livros e

textos sobre a situação do operariado na Inglaterra e o

desenvolvimento industrial. Dessas observações recolhidas da

realidade inglesa, Engels publicou em 1845 uma obra magistral:

A situação da classe trabalhadora na Inglaterra.5

Trata-se de uma análise contundente das raízes da

sociedade capitalista, da industrialização, do surgimento e

desenvolvimento do proletariado fabril, agrícola e mineiro, do

processo de concorrência, da tendência ao monopólio da

economia capitalista, dos processos de imigração, dos ramos da

indústria, dos movimentos do operariado, da formação de suas

organizações e formas de luta, enfim da denuncia das condições

de miséria e exploração dos operários.

Com a revolução industrial, ocorre para Engels, “a vitória do

trabalho mecânico sobre o trabalho manual e toda a sua história

recente nos revela como os trabalhadores manuais foram

sucessivamente deslocados de suas posições pelas máquinas.

5Toda a análise pode ser encontrada em Friedrich Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (São Paulo, Boitempo, 2007)

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As consequências disso foram, por um lado, uma rápida redução

dos preços de todas as mercadorias manufaturadas, o

florescimento do comércio e da indústria, a conquista de quase

todos os mercados estrangeiros não protegidos, o crescimento

veloz dos capitais e da riqueza nacional; por outro lado, o

crescimento ainda mais rápido do proletariado, a destruição de

toda a propriedade e de toda a segurança de trabalho para a

classe operária, a degradação moral, as agitações políticas”

(2007:50).

Essas transformações promoveram também o crescimento

da população, o processo de urbanização, o caráter complexo da

indústria, a articulação progressiva das economias nacionais, a

busca por matéria-prima e energia, o desenvolvimento dos meios

de comunicação e de transporte (estradas, pontes, canais,

ferrovias e navegação).

O capitalismo se desenvolvia de forma contraditória. Ao

mesmo tempo em que era capaz de avançar as forças produtivas

(a técnica, a organização do trabalho e os meios de produção),

bem como estimular a ciência, por outro lado, tinha como sua

condição essencial a exploração da classe operária, a

apropriação das riquezas produzidas pelo proletariado, a

concentrando da riqueza nas mãos de um grupo pequeno de

pessoas (os capitalistas), disseminando do outro lado a miséria

entre a população proletária.

Os proletários, aduz Engels, “surgiram com a indústria, foram

seu produto imediato”, sendo “os operários fabris, primogênitos

da revolução industrial, estão, como sempre estiveram, no centro

do movimento operário, ao passo que os outros se vincularam a

esse movimento na medida em que seus ofícios foram

arrastados pelo vórtice da indústria, e, com o exemplo da

Inglaterra, compreendemos a importância histórica da indústria: o

movimento operário evoluiu pari passu, com o movimento

industrial”.

Os trabalhadores foram forjando, contra a exploração do

capital e as condições de vida miseráveis, as suas formas de luta

e de organização. Do luddismo ao Cartismo, das associações

secretas aos sindicatos e às correntes socialistas, os

trabalhadores se organizaram, avançaram nas suas formas de

luta e construírem os organismos políticos necessários à sua

resistência à exploração e à luta pela transformação social,

econômica e política.

O jovem Engels tinha clareza de que os operários deveriam

“sair dessa situação que os embrutece, criar para si uma

existência melhor e mais humana e, para isso, devem lutar

contra os interesses da burguesia enquanto tal, que consistem

precisamente na exploração dos operários. Mas a burguesia

defende seus interesses com todas as forças que pode mobilizar,

por meio da propriedade e por meio do poder estatal que está à

sua disposição. A partir do momento em que o operário procura

escapar ao atual estado de coisas, o burguês torna-se seu

inimigo declarado” (Idem:247).

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IIIO acerto de contas com o passado

e o nascimento do materialismo histórico

O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade ‘burguesa’; o ponto de vista do novo materialismo é a sociedade humana, ou a humanidade socializada (Marx, Teses ad Feuerbach).

Ainda em Paris, Marx se encontra pela segunda vez com

Engels (lembre-se que a primeira foi em 1842, quando Marx

estava em Colônia a frente do jornal A Gazeta Renana).

Convencidos que haviam chegado a uma concepção filosófica e

de história comum, decidem elaborar e publicar a sua primeira

obra conjunta, que constitu, por assim dizer, o início de um

acerto de contas com o seu passado filosófico: A Sagrada

Família, Crítica da Crítica Crítica.6

Neste texto, os dois revolucionários defendem a filososfia

materialista contra o idealismo filosófico dos jovens hegelianos,

em especial dos irmãos Bruno e Edgar Bauer. Esses dois

pensadores fizeram parte, junto com Marx e Engels, dos

chamados jovens hegelianos de esquerda, discípulos de Hegel,

que procuraram tirar conclusões atéias e revolucionários do

sistema filosófico hegeliano.

Marx e Engels tinham experiementado, nessa época, o

encontro com organizações socialistas e com as idéias

revolucionárias dos socialistas franceses. Os jovens hegelianos

6Consultar o texto de Karl Marx e Friedrich Engels, A Sagrada Família (São Paulo, Boitempo, 2003);

tornaram-se, para Marx e Engels, um grupo idealista, que se

limitava a mera crítica (crítica da religião, crítica do Estado, crítica

dos autores da época) e nutriam a mesma ilusão de Hegel de

que as idéias, por si sós, tinham o poder mágico de modificar as

consciências, eliminar a alienação e o conservadorismo e formar

uma nova consciência.

E mais: os jovens hegelianos acreditavam que mudadas as

cosnciências, ou seja, realizado o movimento de transformação

no plano da consciência, das idéias, consequentemente a

realidade também mudaria. Por exemplo, em se tratando dos

operários, bastavam mudar a sua consciência de explorados,

para que se transformasse a situação real de exploração a que

estavam submetidos. Retirando a história da base do

conhecimento, para a Crítica crítica (jovens hegelianos),

asseveram Marx e Engels, “todo o mal reside apenas no modo

de ‘pensar’ do trabalhador” (Idem: 65).

As ideias têm, para Marx e Engels, um papel central na

transformação da realidade. Os marxistas não têm dúvidas

quanto a isso. Entretanto, as ideias podem se constituir em

instrumento para a transformação da realidade social, econômica

e política na medida em que se colocam como força material, isto

é, quando tomam conta das pessoas, quando se constituem

efetivamente como guia para a ação dos homens, em particular

dos trabalhadores.

Neste sentido, as ideias estão articuladas a interesses

sociais. Ninguém, ainda mais os pensadores, produzem as ideias

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ou as defendem isolados da sociedade. Assim como as ideias

dominantes se encontram ligadas ao interesse da burguesia de

manter o seu processo de dominação, as ideias comunistas se

fundem com o movimento dos trabalhadores, no seu esforço de

superação da realidade concreta de exploração a que estão

submetidos.

Nesse sentido, acrescentam os dois revolucionários: “Para a

execução das ideias são necessários homens que ponham em

ação uma força prática” (Idem:137). Ninguém em sã consciência,

apenas os idealistas mais conservadores, pode crer que as

idéias, tornados sujeitos autônomos, fora da história e da luta

concreta, são capazes, por si mesmas, de transformarem o real

ou de produzem a própria realidade, independentemente dos

homens concretos, que fazem a história da humanidade.

No lugar da mera reforma no plano da consciência, desligada

da história e do movimento social, Marx e Engels defendem a

necessidade de transformar as condições materiais (sociais e

econômicas) da sociedade, a partir da qual se poderia

efetivamente construir uma nova sociedade. Os próprios

trabalhadores começavam a compreender que, para mudar o

estado de coisas existente, era preciso se organizar e lutar

decisivamente contra o status quo.

Marx e Engels demonstram isso na seguinte passagem de A

sagrada família: “Mas esses trabalhadores massivos e

comunistas, que atuam nos ateliers de Manchester e Lyon, por

exemplo, não creem que possam eliminar, mediante o

‘pensamento puro’, os seus senhores industriais e a sua própria

humilhação prática. Eles sentem de modo bem doloroso a

diferença entre ser e pensar, entre consciência e vida. Eles

sabem que propriedade, capital, dinheiro, salário e coisas do tipo

não são, de nenhuma maneira, quimeras ideais de seu cérebro,

mas criações deveras práticas e objetivas de sua própria auto-

alienação, e que portanto só podem e devem ser superadas de

uma maneira também prática e objetiva, a fim de que o homem

se torne um homem não apenas no pensamento e na

consciência, mas também no ser massivo e na vida. A Crítica

crítica, pelo contrário, quer fazê-los crer que deixarão de ser

trabalhadores assalariados na realidade apenas com o fato de

deixar de se considerarem trabalhadores assalariados em

pensamento, deixando, de acordo com essa fantasia exagerada,

de deixarem-se pagar por sua pessoa. Na condição de idealistas

absolutos, de seres etérios, naturalmente eles podem viver do

éter do pensamento puro depois disso. A Crítica crítica os ensina

que eles superam o capital real com o simples domínio da

categoria do capital no pensamento, que eles realmente mudam,

tornando-se homens reais, se mudarem seu ‘eu abstrato’ na

consciência, desprezando toda a mudança real de sua

existência, quer dizer, das condições reais de sua existência,

portanto, de seu eu real como se fosse uma mera operação

acrítica. O ‘espírito’, que só vislumbra categorias na realidade,

naturalmente também reduz toda a atividade humana e sua

práxis a um processo de pensamento dialético da Crítica crítica.

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E é justamente isso que diferencia o socialismo dela do

socialismo massivo do comunismo” (Idem: 65/66).

Não há, portanto, dúvidas quanto à força material das ideias

para os dois revolucionários, desde que empunhadas pelos

homens concretos, os trabalhadores. Falamos anteriormente que

na Introdução a crítica da filosofia do direito de Hegel, publicada

em começos de 1844 nos Anais Franco-Alemães, Marx havia

descoberto o sujeito histórico revolucionário na sociedade

burguesia, capaz de levar o movimento de transformação a

diante, sem se deter nos limites do sistema, qual seja, o

proletariado.

Pois bem, no texto de A sagrada família, os autores

formulam essa perspectiva de forma ainda mais concreta: “o

proletariado pode e deve libertar-se a si mesmo. Mas ele não

pode libertar-se a si mesmo sem supra-sumir suas próprias

condições de vida. Ele não pode supra-sumir suas condições

sem supra-sumir todas as condições de vida desumana da

sociedade atual, que se resumem em sua própria situação. Não

é por acaso que ele passa pela escola do trabalho, que é dura,

mas forja resistência. Não se trata do que este ou aquele

proletário, ou até mesmo do que o proletariado inteiro pode

imaginar de quando em vez como sua meta. Trata-se do que

proletariado é e do que ele será obrigado a fazer historicamente

de acordo com o seu ser. Sua meta e sua ação histórica se

acham clara e irrevogavelmente predeterminadas por sua própria

situação de vida e por toda a organização da sociedade

burguesa atual. E nem sequer é necessário deter-se aqui a expor

como grande parte do proletariado inglês e francês já está

consciente de sua missão histórica e trabalha com constância no

sentido de elevar essa consciência à clareza completa”

(Idem:49).

A sagrada família é o momento em que os dois fundadores

do marxismo se posicionam sobre uma série de questões: arte,

direito, moral, religião, filosofia idealista e materialista e a

opressão da mulher. É nela também que realizam uma síntese

do desenvolvimento da filisofia materialista, desde o

revigoramento das ciências com a crise do sistema feudal até o

advento do capitalismo, como modo de produção dominante.

Para Marx e Engels, o “verdadeiro patriarca do materialismo

inglês e de toda a ciência experimental moderna é Bacon. A

ciência da natureza é, para ele, a verdadeira ciência, e a física

sensorial a parte mais importante da ciência da natureza. Suas

autoridades são, frequentemente, Anaxágoras, com suas

homeomerias, e Demócrito, com seus átomos. Segundo sua

doutrina, os sentidos são infalíveis e a fonte de todos os

conhecimentos. A ciência é a ciência da experiência, e consiste

em aplicar um método racional àquilo que os sentidos nos

oferecem. A indução, a análise, a comparação, a observação e a

experimentação são as principais condições de um método

racional. Entre as qualidades inatas à matéria, a primeira e

primordial é o movimento, não apenas enquanto movimento

mecânico e matemático, mas também, e mais ainda, enquanto

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impulso, espírito de vida, força de tensão ou tormento – para

empregar a expressão de Jacob Böhme – da matéria. As formas

primitivas desta são forças essenciais vivas, individualizadoras,

inerentes a ela, e que produzem as diferenças específicas. Em

Bacon, na condição de seu primeiro fundador, o materialismo

ainda esconde de um modo ingênuo os germens de um

desenvolvimento omnilateral. A matéria ri do homem inteiro num

brilho poético-sensual. A doutrina aforística em si, ao contrário,

ainda pulula de inconsequências teológicas. Em seu

desenvolvimento posterior, o materialismo torna-se unilateral.

Hobbes é o sistematizador do materialismo de baconiano. A

sensualidade perde seu perfume para converter-se na

sensualidade abstrata do geômetra. O movimento físico é

sacrificado ao mecânico ou matemático; a geometria passa a ser

proclamada como a ciência principal. O materialismo torna-se

misantrópico. E, a fim de poder dominar o espírito misantrópico e

descarnado em seu próprio campo, o materialismo tem de matar

sua própria carne e torna-se asceta. Ele se apresenta como um

ente intelectivo, mas ele desenvolve também a consequência

insolente do intelecto. (...) Locke, em seu ensaio sobre as origens

do entendimento humano, fundamenta o princípio de Bacon e de

Hobbes. Assim como Hobbes havia destruído os preconceitos

teístas do materialismo baconiano, assim também Collins,

Dodwell, Coward, Hartley, Priestley etc. jogam por terra a última

barreira teológica do sensualismo lockeano. O teísmo não é, pelo

menos para o materialista, mais do que um modo cômodo e

indolente de desfazer-se da religião. Nós já mencionamos o

quanto a obra de Locke veio a calhar aos franceses. Locke havia

fundado a filosofia do bom senso, do juízo humano saudável;

quer dizer, havia dito através de um rodeio que não existiam

filósofos distintos do bom senso dos homens e do entendimento

baseado nele” (2003:147-148).

No final de 1845, Marx redige um conjunto de teses que

desejava possivelmente aprofundar adiante: as chamadas Teses

ad Feuerbach. Essas teses não foram publicadas em vida por

Marx, sendo publicadas postumamente por Engels, em 1888,

como apêndice do seu texto Ludwig Feuerbach e o fim da

filosofia clássica alemã (veremos isso mais adiante). Nas

famosas teses, Marx faz uma síntese das idéias que começará a

desenvolver, junto com Engels, em A Ideologia Alemã, no

transcurso do mesmo ano até 1846.7

É a primeira crítica aberta a concepção materialista

humanista e abstrata de Ludwig Feuerbach, em cujas idéias

Marx se baseava, desde a crítica de Hegel em 1843, para

desenvolver as suas posições filosóficas e políticas. Falamos

atrás que Feuerbach foi muito importante na evolução do

pensamento de Marx e Engels. Tendo publicado em 1841 A

essência do cristianismo e em 1843 seus Principios da filosofia

do futuro, Feuerbach possibilitou, pela crítica ao idealismo de

7O texto de Marx pode ser encontrado em apêndice a Karl Marx e Friedrich Engels, A Ideologia Alemã (São Paulo, Boitempo, 2007) e Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã (São Paulo, Martins Fontes, 2002).

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Hegel e à alienação religiosa, a passagen de muitos dos jovens

hegelianos à filosofia materialista.

Portanto, Marx e Engels se tornaram materialistas por

influência da obra feuerbachiana. Os textos de Marx, de 1843 até

praticamente a 1845, quando supera de vez a filosofia

materialista abstrata e humanista de Feuerbach, são marcadados

pelas idéias desse filósofo, inclusive quando se tratava de

avançar na crítica da propriedade privada e do trabalho alienado

e para fundamentar a sua primeira concepção de comunismo.

Entretanto, o contato cada vez mais estreito com o

movimento operário, o envolvimento nos círculos de emigrados

socialistas, a atmosfera da luta de classes na França, o

esclarecimento sobre as diversas vertentes do socialismo,

levaram Marx e Engels a dar passos largos na superação de

resquícios do idealismo filosóficos e mesmo do materialismo

filosófico feuerbachiano. De modo que, nas Teses ad Feuerbach,

esse processo recebe uma elaboração nítida: Marx havia forjado

uma concepção filosófica ao mesmo tempo materialista e

dialética.

O materialismo dialético, conhecido como a filosofia marxista,

encontrava nas Teses ad Feuerbach a sua primeira formulação

consistente, inteiramente diferenciada tanto do materialismo do

século XVIII, de caráter mecanicista, quanto do materialismo de

Feuerbach, abstrato e humanista, portanto desvinculado das

condições concretas, reais e histórica dos homens, como parte

das classes sociais.

Marx inicia a sua elaboração, diferenciando-se do

materialismo anterior: “O principal defeito de todo o materialismo

existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que o objeto

[Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a

forma do objeto [Objekt] ou da contemplação, mas não como

atividade humana sensível, como prática; não subjetivamente.

Daí o lado ativo, em oposição ao materialismo, [ter sido]

abstratamente desenvolvido pelo idealismo – que, naturalmente,

não conhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer

objetos sendíveis [sinnliche Objekte], efetivamente diferenciados

dos objetos do pensamento: mas ele não apreende a própria

atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche

Tätigkeit]. Razão pela qual ele enxerga, n’A essência do

cristianismo, apenas o comportamento teórico como o

autenticamente humano, enquanto a prática é apreendida e

fixada apenas em sua forma de manifestação judaica, suja. Ele

não entende, por isso, o significado da atividade ‘revolucionária’,

‘prático-crítica’”.

O materialismo mecanicista do século XVIII, tanto quanto o

materialismo de Feuerbach, era uma filosofia cotemplativa,

preocupava-se apenas em compreender a realidade, mas não

apontava para um processo de transformação dessa realidade. O

mecanicismo do materialismo anterior consistia em contemplar a

realidade como algo parado, estanque e não em processo de

mudança ou em suas contradições.

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Por isso, o materialismo do século XVIII era metafísico e não

dialético. A metafísica é uma forma de pensar, em que as coisas

e os fenômenos são encarados de maneira isolada do contexto

histórico e das articulações com a totalidade das relações sociais

e da natureza. A dialética (desenvolvida pelos gregos e

recuperada por Hegel) consistia em encarar a história como

processo e as coisas e fenômenos em transformação, em seu

devir.

Além disso, a filosofia materialista anterior contemplava o

homem, o conhecimento e os objetos como coisas puramente

sensíveis. O homem, por exemplo, era mero produto da natureza

(desconsideravam o seu caráter de ser social) e o conhecimento

era um epifenômeno da matéria (desconheciam a sua força

material, quando tomado pelos homens concretos).

Para Marx, ao contrário, a realidade (a sociedade, os

indivíduos e o próprio conhecimento) aparece como uma

construção histórica, como atividade real, concreta. Os homens

são produto das condições históricas, mas também são os

construtores da história. Os homens constroem a sua história em

condições materiais determinadas. Para Marx, “A doutrina

materialista sobre a modificação das circunstâncias e da

educação esquece que as circunstâncias são modificadas pelos

homens e que o próprio educador tem de ser educado”.

O pensamento, como parte dessa construção, é

condicionado socialmente. Os indivíduos não pensam ou

elaboraram as suas idéias de forma isolada da vida social,

política e econômica. O rigor e a lógica do pensamento são

importantes, mas não suficientes como critérios de aferição da

objetividade, da verdade e da proximidade das idéias com o

objeto estudado.

A história e a prática social são é o lócus da verdade e da

realidade do pensamento: “A questão de saber se ao

pensamento humano cabe alguma verdade objetiva

[gegenständliche Wahrheit] não é uma questão da teoria, mas

uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a

verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior

[Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca da

realidade ou não-realidade do pensamento – que é isolado da

prática – é uma questão puramente escolática”.

Diferentemente das diversas vertentes idealistas da filosofia,

que procura engessar a essência humana, ora como um atributo

dado por um ser sobrenatural ou como uma dádiva da natureza,

que não pode ser modificada pela ação dos homens, Marx expõe

que a “essência humana não é uma abstração intrínseca ao

indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das

relações sociais”.

A essência dos indivíduos é radicalmente histórica, social,

portanto pode ser modificada historicamente pelos homens. Ao

contrário dos teóricos burgueses do século XVIII, que partiam

dos indivíduos isolados, egoístas, preocupados apenas com seus

interesses pessoais, como são os indivíduos aferrados à lógica

capitalista, Marx parte dos homens concretos, reais, que

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produzem a sua vida material, e, nessa base, todas as relações

sociais. Como algo construído pelos humanos, em condições

historicamente determinadas, a essência pode ser transformada.

O materialismo mecanicista, ao fazer abstração da história e

da realidade concreta, ao não considerar que “toda a vida social

é essencialmente prática”, ao não conceber os objetos sensíveis

e o próprio homem como atividade prática, como uma construção

histórica, diz Marx, só pode chegar ao máximo à “contemplação

dos indivíduos singulares e da sociedade burguesa”. O

materialismo dialético, de outro lado, ao analisar a realidade em

suas mutações, em suas contradições, enquanto uma construção

social dos homens concretos tem como horizonte “a sociedade

humana, ou a humanidade socializada”. Finaliza as suas teses

da seguinte assertiva: “Os filósofos apenas interpretaram o

mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”

(2007:533/35).

Mas a elaboração da nova concepção filosófica e científica, o

materialismo histórico-dialético, não para por aí. Entre 1845 e

1846, Marx e Engels concluíram o manuscrito de A Ideologia

Alemã, que não seria publicado por dificuldades editoriais, vindo

a lume na Rússia, em 1932.

É precisamente neste momento, que ocorre a fusão definitiva

da teoria revolucionária, que vinha sendo elaborada, com o

movimento socialista e operário na Europa. Em Bruxelas, Marx e

Engels levam à frente o projeto da unidade entre teoria e prática

revolucionária, organizando um Comitê de Correspondência

Comunista, com o objetivo de socializar as ideias e lutas do

operariado, aproximando os revolucionários e as organizações

de vários países.

O manuscrito de A ideologia alemã, diria Marx mais adiante,

foi abandonado à crítica roedora dos ratos, mas já havia

cumprido seu objetivo de esclarecer as posições dos fundadores

do marxismo. A Ideologia Alemã é a primeira síntese geral da

Concepção Materialista da História.8 É o acerto de contas final

com a sua consciência filosófica anterior: o hegelianismo e os

jovens hegelianos.

Trata-se da primeira e mais extensa, profunda e densa crítica

dos dois socialistas à filosofia idealista e a exposição da

concepção materialista da história, que seria alargada a diversos

setores da vida social, econômica, política e cultural nas obras

posteriores, não só por iniciativa de Marx e Engels, mas pelo

esforço de inúmeros revolucionários nas décadas finais do século

XIX e durante todo o século XX.

O materialismo histórico parte da perspectiva empiricamente

observável e historicamente demonstrada da anterioridade da

matéria sobre as ideias e a consciência. Trata-se de um fato já

explicado abundantemente pelas ciências da natureza, que

estudam a Terra e o universo (geologia, física etc.) e pelas

ciências sociais, que estudam o passado da humanidade

(paleontologia, arqueologia, história).

8Cf. as seguintes edições: Karl Marx e Friedrich Engels, A Ideologia Alemã (São Paulo, Boitempo, 2007) e Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã (São Paulo, Martins Fontes, 2002).

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A natureza inorgânica (mineral), durante bilhões de anos, e,

mesmo a orgânica (animais e plantas), existiu antes do advento

dos primeiros humanos e continuará a existir mesmo se a

humanidade for exterminada, desde que a própria Terra não seja

destruída inteiramente. Somente em determinadas condições

históricas é que a consciência começou a se desenvolver, sob a

base da matéria altamente evoluída (o cérebro) até chegar ao

estágio atual. A consciência é, portanto, um estágio superior de

desenvolvimento da matéria e só pode existir sob esta base

material.

Eis um dos motivos pelos quais a concepção filosófica e

científica materialista é inconciliável com as diversas concepções

idealistas, que se apegam ao princípio da anterioridade das

ideias, da consciência, do conhecimento, da alma, enfim de um

ser sobrenatural, sobre o desenvolvimento da natureza, posição

evidentemente sem qualquer base histórica real ou fundamento

científico.

As concepções idealistas, desde a platônica até as mais

recentes, no fundo se casam com as concepções religiosas, de

modo que a ideia primeira se confunde com a própria ideia de um

ser sobrenatural, superior e anterior ao mundo, que o teria

criado, segundo um plano preestabelecido, no qual o destino dos

homens se encontra previamente traçado e contra o qual é

impossível lutar. No máximo admitem um livre arbítrio do homem

em escolher entre o bem e o mal, afim de, ao final, ganhar ou

não a vida eterna.

Como dissemos mais acima, o novo materialismo de Marx e

Engels é completamente distinto das formas mecânicas de

materialismo anteriores, como o materialismo do século XVIII e

mesmo o de Feuerbach, embora haja uma linha de continuidade

entre eles. O materialismo de Marx e Engels é histórico e

dialético. O materialismo dos filósofos ingleses e dos iluministas

franceses é mecânico e metafísico.

A materialidade da qual partem Marx e Engels, ao analisar a

história, os indivíduos e a vida humana é a materialidade social:

as condições de produção e reprodução da vida social. Para

eles, as “premissas de que partimos não são bases arbitrárias,

dogmas; são bases reais que só podemos abstrair na

imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições

materiais de existência, tanto as que eles já encontraram

prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. Essas

bases são pois verificáveis por via puramente empírica”

(2002:10).

A consciência, por sua vez, não é secretada pelo cérebro

como a bílis pelo fígado, tal como pensavam os materialistas do

século XVIII. As coisas não ocorrem de forma puramente

mecânica como pensavam esses grandes pensadores. A

consciência é, sobretudo, um processo, é resultado de

determinadas condições histórico-sociais: “A consciência é,

portanto, de início, um produto social e o será enquanto existirem

homens” (Idem:24).

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O trabalho é a atividade que faz a mediação entre os homens

e a natureza na produção das condições materiais, necessárias à

existência da vida em sociedade. Nenhuma sociedade é possível

sem o trabalho, sem a relação metabólica do homem com a

natureza. Mais trabalho ou menos trabalho, explorado ou

associado, mas sempre o trabalho será, como dizem Marx e

Engels, a eterna relação do homem com a natureza para

produzir os meios de produção e de subsistência, enquanto a

humanidade existir.

Pode-se, dizem os dois revolucionários, “distinguir os

homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo o

que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos

animais logo que começam a produzir seus meios de existência,

e esse passo à frente é a própria consequência de sua

organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência,

os homens produzem indiretamente sua própria vida material”.

Na verdade, complementam, o que os homens são “coincide,

pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem

quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são

depende, portanto, das condições materiais da sua produção”

(Idem:10-11).

Mesmo a sociedade mais evoluída (comunista) terá como

base o trabalho associado, coletivo e destinado a atender as

necessidades sociais, estando todo o processo de trabalho sob

controle dos produtores. Portanto, pensar em uma sociedade,

sem a mediação do trabalho, por mais evoluída que seja técnica

e cientificamente, é teoricamente difícil. As máquinas terão de

ser acionadas, os bens e serviços terão de ser fiscalizados, os

bens terão de ser distribuídos entre os indivíduos etc. É bem

mais sensato se pensar na distribuição do tempo de trabalho

entre todos os membros, de modo que o período de dedicação à

necessidade de trabalho seja o mínimo possível e que no

restante do tempo os indivíduos possam se dedicar às atividades

do espírito: à arte, à ciência, à filosofia, à literatura, à vida plena.

Desta forma, no processo histórico, os homens estabelecem

entre si relações de produção, de cooperação ou de exploração,

que se expressam nas relações de propriedade. Ao longo da

história, os homens passaram por diversas formações

socioeconômicas, cada uma com determinadas formas de

trabalho. São estas condições econômicas, ao longo da história,

que constituem a base sobre a qual se constroem determinadas

formas de consciência social (arte, filosofia, religião, ciência,

direito, entre outras) e as instituições jurídico-políticas (Estado,

tribunais, juízes, prisões etc).

Para Marx e Engels, “Não é a consciência que determina a

vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na primeira

forma de considerar as coisas, partimos da consciência como

sendo o indivíduo vivo; na segunda, que corresponde à vida real,

partimos dos próprios indivíduos reais e vivos, e consideramos a

consciência unicamente como a sua consciência” (2002:20).

Por isso, os dois revolucionários fundam e explicam as idéias

e a superestrutura jurídico-política, apesar de sua autonomia

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relativa, a partir das condições sociais de existência: a “estrutura

social e o Estado nascem continuamente do processo vital de

indivíduos determinados; mas desses indivíduos não tais como

aparecem nas representações que fazem de si mesmos ou nas

representações que os outros fazem deles, mas na sua

existência real, isto é, tais como trabalham e produzem

materialmente; portanto, do modo como atual em bases,

condições e limites materiais determinados e independentes de

sua vontade. A produção das ideias, das representações e da

consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada à

atividade material e ao comércio material dos homens; ela é a

linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o

comércio intelectual dos homens aparecem aqui ainda como a

emanação direta de seu comportamento material. O mesmo

acontece com a produção intelectual tal como se apresenta na

linguagem da política, na das leis, da moral, da religião, da

metafísica etc. de todo um povo. São os homens que produzem

suas representações, suas ideias etc., mas os homens reais,

atuantes, tais como são condicionados por um determinado

desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações que a

elas correspondem, inclusive as mais amplas formas que estas

podem tomar” (Idem:18/19).

Não à toa, os pensamentos “da classe dominante são

também em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em

outras palavras, a classe que é o poder material dominante numa

determinada sociedade é também o poder espiritual dominante”

(2002:48). Isso ocorre, porque a classe dominante detém as

condições materiais (econômicas) da produção das ideias:

controlam os meios de comunicação, as instituições formadoras

de opinião e, através do Estado, a educação escolar.

A formação social nunca é uma forma completamente pura,

mas uma articulação de relações sociais e econômicas, em que

um determinado modo de produção social é dominante. Isto

significa que numa mesma formação social permanecem

resquícios de relações sociais anteriores. Na sociedade

burguesa, baseada na indústria e na exploração do trabalho

assalariado pelo capital, observa-se a permanência de relações

sociais pré-capitalistas, particularmente nos países capitalistas

mais atrasados. Nestes rege a lei do desenvolvimento desigual e

combinado, em que a última palavra da técnica se combina com

as mais atrasadas formas de organização do trabalho e da

produção.

Entretanto, na sociedade burguesa, o modo de produção

capitalista é o dominante e tende mesmo a se expandir

gradualmente, mercantilizando as relações sociais e colocando-

as sob o controle do capital, disseminando avanços e

retrocessos, impondo aos países retardatários no

desenvolvimento do capitalismo a necessidade de se adequar à

nova organização mundial dos mercados e da produção

capitalista, dissolvendo ou subordinando as relações de

produção capitalistas.

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O modo de produção é uma articulação de forças produtivas

(força de trabalho, ferramentas, instalações etc.) e relações de

produção (que se expressam nas relações de propriedade). As

relações de produção podem desenvolver ou obstaculizar o

avanço das forças produtivas. Enquanto foi possível expandir as

relações mercantis, sob a base da propriedade privada, as

relações de produção capitalistas incentivaram o

desenvolvimento da ciência e da técnica, aplicando-as ao

processo produtivo, aumentando a produtividade do trabalho,

incrementando a quantidade e a qualidade das mercadorias,

diminuindo o tempo de trabalho socialmente necessário para

produzi-las.

Hoje, quando os mercados estão partilhados entre as

potências, o emprego limitado da técnica na produção é

acompanhado do desemprego crônico e de crises de

superprodução, quase permanentes. As relações de produção

capitalistas tornaram-se um estorvo ao desenvolvimento da

ciência e da técnica e à sua aplicabilidade plena para resolver os

problemas da humanidade.

Quando isto ocorre, diz Marx, abre-se uma época de

revolução social. Desde o início do século XX, vivenciamos

revoluções proletárias em vários países. Esta concepção

materialista da história, desenvolvida por Marx e Engels ainda

em A ideologia alemã, é a base segura para a compreensão do

passado e do presente, abrindo perspectivas para a luta por

novas relações sociais (socialismo).

Marx e Engels sintetizaram, n’A ideologia alemã, as

consequências da nova concepção de história, da sociedade,

dos indivíduos e do conhecimento da seguinte forma: “1. No

desenvolvimento das forças produtivas, ocorre um estágio em

que nascem forças produtivas e meios de circulação que só

podem ser nefastos no quadro das relações existentes e não são

mais força produtivas, mas sim forças destrutivas (a máquina e o

dinheiro) – e, em ligação com isso, nasce uma classe que

suporta todos os ônus da sociedade, sem gozas das suas

vantagens, que é expulsa da sociedade e se encontra

forçosamente na oposição mais aberta a todas as outras classes,

uma classe formada pela maioria dos membros da sociedade e

da qual surge a consciência da necessidade de uma revolução

radical, consciência que é consciência comunista e pode se

formar também, bem entendido, nas outras classes, quando toma

conhecimento da situação dessa classe. 2. As condições nas

quais se podem utilizar forças produtivas determinadas são as

condições da dominação de uma classe determinada da

sociedade; o poder social dessa classe, decorrendo do que ela

possui, encontra regularmente sua expressão prática sob forma

idealista no tipo de Estado peculiar a cada época; é por isso que

qualquer luta revolucionária é dirigida contra uma classe que

dominou até então.3. Em todas as revoluções anteriores, o modo

de atividade permanecia inalterado e se tratava apenas de uma

outra distribuição dessa atividade, de uma nova divisão do

trabalho entre outras pessoas; a revolução comunista, ao

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contrário, é dirigida contra o modo de atividade anterior, ela

suprime o trabalho e extingue a dominação de todas as classes

abolindo as próprias classes, porque ela é efetuada pela classe

que não é mais considerada como uma classe na sociedade, que

não é mais reconhecida como tal, e que já é a expressão da

dissolução de todas as classes, de todas as nacionalidade etc.,

no quadro da sociedade atual. 4. Uma ampla transformação dos

homens se faz necessária para a criação em massa dessa

consciência comunista, como também para levar a bom termo a

própria coisa; ora, uma tal transformação só se pode operar por

um movimento prático,por uma revolução; esta revolução não se

faz somente necessária, portanto, só por ser o único meio de

derrubar a classe dominante, ela é igualmente necessária porque

somente uma revolução permitirá que a classe que derruba a

outra varra a podridão do velho sistema e se torne apta a fundar

a sociedade sobre bases novas” (2002:85/86).

Por último, é preciso destacar que, para nossos autores, o

Estado “não é outra coisa senão a forma de organização que os

burgueses dão a si mesmos por necessidade, para garantir

reciprocamente sua propriedade e os seus interesses, tanto

externa quanto internamente (...), Sendo o estado, portanto, a

forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem

valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a

sociedade civil de uma época, conclui-se que todas as

instituições comuns passam pela mediação do estado e recebem

uma forma política” (Idem:74). Diferentemente dos socialistas

utópicos anteriores a Marx e Engels, n’A ideologia alemã o

comunismo “não é nem um estado a ser criado, nem um ideal

pelo qual a realidade deverá se guiar. Chamamos de comunismo

o movimento real que supera o estado atual de coisas. As

condições desse movimento resultam das premissas atualmente

existentes” (Idem:32).

É preciso dizer que o período que estamos analisando da

vida e da obra de Marx e Engels é também um momento de

acerto de contas com outros socialistas, como Joseph Proudhon

e Weitling. Na Carta a Annenkov, escrita em dezembro de 1846,

Marx critica a obra de Proudhon, que tinha publicado um texto de

título Sistema de contradições econômicas ou Filosofia da

Miséria. É o fim de uma simpatia que Marx nutria por Proudhon

desde que o conhecera em Paris, em particular por sua obra O

Que é a Propriedade?, publicada em 1840, de influência

marcada entre os socialistas nessa década.9

Dominando o método do materialismo histórico-dialético,

convicto das contradições da sociedade burguesa e do papel

revolucionário da classe operária, Marx demonstra o caráter

reformista das teses e propostas de Proudhon, que sequer

arranhavam as relações de produção capitalistas, e, por

consequência, tornavam-no refém dos ideais burgueses

abstratos (liberdade, igualdade), já que os utilizava acriticamente

para a sua análise da sociedade burguesa.

9A Carta a P. V. Anenkov pode ser encontrada em anexo ao texto: Karl Marx, Miséria da filosofia (São Paulo, Centauro, 2001).

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Por isso, Proudhon não conseguia ir além de uma proposta

de reformas econômicas baseada nos pequenos produtores

individuais e na estruturação, entre eles, de relações mercantis

simples. Não tinha efetivamente uma visão revolucionária de

superação da economia mercantil capitalista e de construção do

comunismo, mas de uma volta à pequena economia mercantil do

passado. Não a toa, Proudhon chega ao máximo a propor

medidas paliativas para sanar as mazelas sociais do proletariado

como o chamado Banco do Povo e das cooperativas.

Marx considerava o livro A Filosofia da Miséria de Proudhon

“muito mau” (ruim), pois não havia compreendido “o estado social

atual na sua engrenagem”, lançava mão de um “fraco

hegelianismo”, procurava, tal como os idealistas de sua época,

as forças motrizes da história na “manifestação da razão

universal”, não conhecia, de fato, “o desenvolvimento histórico da

humanidade" (2001: 171/176), “o movimento real da história”,

sendo que, para Proudhon, “o homem não é mais que o

instrumento, que a ideia ou a razão eterna utilizam, para se

desenvolverem” (Idem:178).

Diferentemente de Proudhon, na visão de Marx os homens

fazem a história, mas a fazem em determinadas condições

materiais, produzidas no passado, pelas gerações anteriores. Por

isso, quase sempre o resultado do processo histórico em seu

conjunto é muito diferente do que cada indivíduo deseja em

particular. A história é, na verdade, uma síntese dos atos dos

indivíduos, vinculados a determinadas classes sociais, em

específicas condições sociais, econômicas, políticas e culturais.

Os homens, como diz Marx, “não são os livres árbitros das

suas forças produtivas – que é a base de toda a sua história –

pois qualquer força produtiva é uma força adquirida, o produto de

uma atividade anterior. Assim, as forças produtivas são o

resultado de uma atividade anterior. Assim, as forças produtivas

são o resultado da energia prática dos homens, mas esta energia

está ela mesma circunscrita pelas condições nas quais os

homens se encontram, pelas forças produtivas já adquiridas, pela

forma social que existe antes deles, que eles não criam, que é o

produto da geração anterior. Pelo simples fato de que toda a

geração posterior encontra forças produtivas já adquiridas pela

geração anterior, que lhe servem de matéria-prima para novas

produções, forma-se uma conexidade na história dos homens,

forma-se a história da humanidade, que é tanto mais história da

humanidade quando se desenvolvem as forças produtivas dos

homens e, consequentemente, as suas relações sociais. A

consequência necessária é que a história social dos homens

nunca é mais que a história do seu desenvolvimento individual,

que tenham consciência disso ou não. As suas relações

materiais formam a base de todas as suas relações. Essas

relações materiais não são mais do que as formas necessárias

nas quais se realiza a sua atividade material e individual” (Idem,

p. 176/177).

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Marx questiona: “O que é a sociedade, qualquer que seja a

sua forma? O produto da ação recíproca dos homens. Serão os

homens livres de escolher esta ou aquela forma social? De

maneira nenhuma. Imagine um certo estado de desenvolvimento

das faculdades produtivas dos homens e terá uma certa forma de

comércio e de consumo. Imagine certos graus de

desenvolvimento da produção, do comércio, do consumo, e terá

uma certa forma de constituição social, de organização da

família, das ordens ou das classes, numa palavra, uma certa

sociedade civil. Imagine essa sociedade civil e terá um certo

estado político, que não é senão a expressão oficial da

sociedade civil. É isto que o sr. Proudhon nunca compreenderá”

(Idem:176).

Marx deixa claro que todas as formas sociais, todas as

formas econômicas em que os homens produzem, consomem e

trocam são transitórias e históricas, o que significa que podem

ser superadas e, em seu lugar, emergir outra formação social.

“Os homens nunca resunciam ao que ganharam, mas isso não

equivale a dizer que nunca renunciem à forma social na qual

adquiriram certas forças produtivas”. Como ocorreu na Inglaterra

em 1640 e 1688 e na França, em 1789 e 1848, a burguesia

destronou a nobreza e clero e assumiu definitivamente os rumos

do poder político e do Estado.

Acrescentamos à análise de Marx: ocorreu também durante

todo o século XX, quando irromperam grandes revoluções, a

começar pela Revolução Russa de 1917, quando o proletariado

rompeu a dominação da classe dominante e instarou o seu

próprio poder, o Estado operário. Infelizmente, como veremos

mais adiante, condições históricas muito específicas do século

passado degeneraram as experiências de tomada do poder pelo

proletariado. Continará a ocontecer no século XXI com a crise

estrutural do capitalismo. Portanto, tanto como as formações

sociais do passado, a forma burguesa “de produção é uma forma

histórica e transitória do mesmo modo que o era a forma feudal”

(Idem:184).

Ao tratar do movimento da história e da estruturação da

sociedade capitalista moderna, a partir das categorias burguesas,

sem submetê-las a mais rigorosa crítica, afirma Marx, Proudhon

“prova claramente que não compreendeu o laço que une as

formas da produção burguesa, que não compreendeu o caráter

histórico e transitório das formas da produção numa época

determinada” (Idem:180).

Por falta de conhecimentos históricos “Proudhon não viu que

os homens, ao desenvolverem as suas faculdades produtivas,

quer dizer, ao viverem, desenvolvem certas relações entre eles, e

que a forma destas relações muda necessariamente com a

modificação e o crescimento destas faculdades produtivas. Não

viu que as categorias econômicas são apenas abstrações destas

relações reais, que elas não são verdades senão enquanto essas

relações subsistem” (Idem:181).

Deslocando as categorias de análise de suas determinações

reais, quais sejam das concretas relações sociais e econômicas,

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Proudhon caiu “no erro dos economistas burgueses, que vêem

nestas categorias econômicas leis eternas e não leis históricas,

que só são leis para um certo desenvolvimento histórico, para um

determinado desenvolvimento das forças produtivas. Assim, em

vez de considerar as categorias econômico-políticas como

abstrações das relações sociais reais, transitórias, históricas, o

sr. Proudhon, por sua inversão mística, só vê encarnações

destas abstrações nas relações reais” (Idem, ibidem).

Neste sentido, acrescenta Marx, os “homens que produzem

as relações sociais conforme a sua atividade material, produzem

também as idéias, as categorias, quer dizer as expressões

abstratas ideais dessas mesmas relações sociais. Assim, as

categorias são tão pouco eternas como as relações que

exprimem. São produtos históricos e transitórios” (Idem:183).

A transformação de categorias e formas sociais transitórias e

históricas em algo eterno leva os teóricos da burguesia (como

também ocorreu com Proudhon, que se manteve no horizonte da

sociedade burguesa) ao erro de supôr que “o homem-burguês é

a única base possível de toda a sociedade, do fato de que eles

não imaginam um estado de sociedade em que o homem tenha

deixado de ser burguês” (Idem:184).

Não por acaso, Proudhon foi levado a se colocar contra

formas de organização e de luta política do proletariado, como as

greves. Proudhon não compreendia o potencial revolucionário da

classe operária e o sentido do movimento comunista moderno.

Marx, então, só podia concluir: “um homem que não

compreendeu o estado atual da sociedade muito menos deve

compreender o movimento que tende a derrubá-lo e as

expressões literárias desse movimento revolucionário”

(Idem:185).

IVA crítica da sociedade burguesa, a Liga dos

Comunistas e a classe operária em ascensão

Na sociedade atual, na indústria baseada nas trocas individuais, a anarquia da produção, que é a fonte de tanta miséria, é ao mesmo tempo a fonte de todo o progresso (Marx, Miséria da filosofia).

O ano de 1847 seria decisivo na trajetória de Marx e Engels.

A sua aproximação ao movimento operário e às organizações

socialistas leva-os a ingressarem na Liga dos Justos, uma antiga

organização política secreta, que lutava pela emancipação geral

dos homens. Nesse mesmo ano Marx e Engels ajudaram a

fundar uma Associação Alemã Operária em Bruxelas, da qual

Marx se tornou vice-presidente.

Por força da intervenção de Marx e Engels, a Liga dos Justos

evolui rapidamente para uma organização proletária, mudando a

sua denominação para Liga dos Comunistas, inscrevendo em

seu estatuto no lugar da emancipação em geral a luta pelo fim da

propriedade privada e emancipação do proletariado do domínio

burguês.

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O Objetivo da Liga, previam os Estatutos aprovados em

dezembro de 1847 em seu art. 1º, passou a ser desde então “a

derrocada da burguesia, o domínio do proletariado, a abolição da

velha sociedade burguesa baseada sobre antagonismos entre as

classes e a fundação de uma nova sociedade, sem classes e

sem propriedade privada”.

No Congresso da Liga dos Comunistas em Londres, Marx e

Engels foram encarregados de escrever um manifesto,

apresentando as idéias e os princípios gerais da nova

organização comunista. Engels elaborou um documento em

forma de perguntas e respostas intitulado Princípios do

Comunismo,10 tratando dos principais problemas do movimento

comunista de sua época. Com base nele, Marx e Engels

elaboraram o Manifesto do Partido Comunista, que seria

publicado no ano seguinte, às vésperas das grandes convulsões

sociais de 1848 em Paris e restante da Europa.

Nos Princípios do comunismo, Engels afirmava claramente

que o “Comunismo é a doutrina das condições de libertação do

proletariado”. O autor tratava ali do comunismo como a nova

concepção revolucionária que deu uma base científica oa

movimento do proletariado, ao analisar as condições de

libertação desenvolvidas no próprio capitalismo, as chamadas

condições objetivas (suas contradições, a ciência, a técnica, a

socialização do trabalho e as crises) e as condições subjetivas (o

10Consultar Friedrich Engels, Princípios do comunismo (São Paulo, Global, 1980) e Friedrich Engels, Princípios do comunismo (In Revista Socialismo Científico, ano II, nº 05, Abril/Junho de 1998).

desenvolvimento organizativo do proletariado e o avanço da

consciência política de classe).

O proletariado é definido no texto de Engels como “a classe

da sociedade que retira sua subsistência unicamente da venda

de seu trabalho e não do lucro de um capital qualquer; a classe

cujo bem-estar, cuja vida e cuja morte, cuja existência toda

depende da demanda de trabalho, quer dizer, da alternância de

bons e maus períodos negócios, das flutuações de uma

concorrência desenfrada”.

Mais a frente completa Engels: o proletariado é “a classe dos

que não possuem absolutamente nada, que são obrigados a

vender aos burgueses seu trabalho, para receber em troca os

meios de subsistência necessários à sua manutenção”. Produto,

portanto, da revolução industrial, iniciada na Inglaterra, no século

XVIII e que se expandiu, de acordo com as particularidades de

cada um deles, para outros países.

A Revolução Industrial significou a introdução da maquinaria

moderna no processo de produção nas fábricas, superando as

condições de produção manufatureiras, dependentes do uso de

ferramentas individuais pelos trabalhadores. Com a aplicação da

máquina a vapor, das diversas máquinas téxteis, do tear

mecânico e de dispositivos mecânicos, substituindo as antigas

rocas de fiar e os teares manuais, da produção camponesa, das

manufaturas e do artesanato sucumbiram.

As máquinas elevaram a capacidade produtiva do trabalho

assalariado nas grandes indústrias capitalistas, fizeram

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desaparecer os pequenos produtores, os camponeses e sua

indústria doméstica, as corporações com seus mestres e

companherios, os operários das manufaturas, que ainda

possuíam os instrumentos de trabalho, aumentando

incomparavelmente o controle dos burgueses sobre o processo

de produção nas indústrias.

As máquinas e o sistama fabril tomaram conta primeiramente

da indústria téxtil, mas progressivamente se expandiram para

outros ramos como a estamparia de tecidos, a tipografia, a

cerâmica e demais setores da indústria européia. A mecanização

possibilitou uma maior divisão técnica e social do trabalho, na

medida em que o “trabalho foi dividido cada vez mais entre os

operários, e o operário que antes fazia um objeto inteiro passou

então a fazer apenas uma parte desse objeto. Tal divisão do

trabalho permitiu que os produtos pudessem ser fabricados mais

rapidamente e, portanto, a menor preço. Reduziu a atividade de

cada operário a um movimento mecânico muito simples,

constantemente repetido, que podia ser não só realizado mas

também melhorado por uma máquina”.

Os capitalis foram progressivamente se concentrando nas

mãos dos grandes capitalistas, que tinha condições de investir na

pesquisa científica e nas máquinas modernas, aplicá-las no

processo de produção, dividir o trabalho no interior das fábricas e

produzir mercadorias em grande quantidade e a menor preço.

Não havia como os pequenos produtores competirem seriamente

com a grande indústria. Portanto, cada vez mais, os antigos

camponeses, artesãos e pequenos comerciantes, engolidos pela

competição dos grandes capitalistas, passaram a engrossar a

classe operária.

O fortalecimento da classe burguesa levou-a ao poder nos

países mais importantes da Europa, que vivenciavam o

desenvolvimento industrial, como a França e a Inglaterra,

estendendo o seu poderio para o mundo todo. Concentrou o

poder político do Estado em suas mãos, destronou a aristocracia

e seus privilégios de nascimento, submeteu o clero aos seus

interesses mais mesquinhos, destruiu as antigas corporações de

ofício do feudalismo e, no lugar de tudo isso, impôs a

propriedade privada burguesa moderna, a grande indústria, o

mercado mundial, a livre concorrência, a igualdade e a liberdade

formais perante a lei e a constituição, uma única moeda, único

sistema tributário, juízes e tribunais nacionais, o Estado e os

governos burgueses, com seus exércitos modernos, polícias e

prisões.

O trabalho (a força de trabalho, na verdade), dizia Engels, foi

reduzida a mercadoria, como qualquer outra, vendida e

comprada no mercado. Como toda mercadoria, o preço (salário)

da força de trabalho corresponde em média aos seus custos de

produção, ou seja, à quantidade de meios de subsistência

indispensáveis para a reprodução do operário e da sua família,

para repor a sua capacidade de trabalho, o mínimo estritamente

necessário à sua subsistência.

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Os salários, adverte Engels, refletem também as flutuações

dos negócios e do mercado de trabalho, à lei da oferta e da

procura. Como veremos mais adiante, Marx e Engels avançará

em sua concepção da economia política burguesa, na medida

em que incorporam as condições históricas de cada país e a

relações de forças da luta de classes como fatores importantes

na compreensão do nível dos salários.

Engels procura no referido texto estabelecer diferenças

essenciais entre a condição do proletariado moderno e das

classes trabalhadoras das formações econômicas pré-

capitalistas: “As classes trabalhadoras viveram sob diferentes

condições e ocuparam posições diferentes diante das classes

possuidoras e domianantes, segundo as diferentes fases de

desenvolvimento da sociedade. Na antiguidade, os que

trabalhavam eram os escravos (Skalven) dos que possuíam,

como ainda é o caso em muitos países atrasados e inclusive no

sul dos Estados Unidos. Na Idade Média, eram os servos

(Leibeigenen) dos nobres proprietários de terras, como são ainda

hoje na Hungria, na Polônia e na Rússia. Na Idade Média e até à

época da revolução industrial existiram também, nas cidades,

oficiais-artesãos (Handwerksgesellen) que trabalhavam a serviço

de mestres pequeno-burgueses (kleinenbürgerlicher Meinster);

pouco a pouco, com o desenvolvimento da manufatura, surgiram

também operários de manufatura, empregados por capitalistas

mais encorpados”.

Pergunta Engels: o que dintinge o proletário do escravo? A

resposta é penetrante: “O escravo é vendo de uma vez por

todas; o proletário tem que se vender a si mesmo a cada dia e a

cada hora. O escravo singular, propriedade de um senhor, tem,

por interesse desse senhor, uma existência assegurada, por mais

miseráveis que seja ela; o proletário singular, propriedade, por

assim dizer, de toda a classe burguesa, e que só tem seu

trabalho vendido quando alguém dele necessita, não tem a

existência assegurada. Apenas está assegurada a existência da

classe proletária em seu conjunto. O escravo está fora da

concorrência; o proletário está a ela submetido e se ressente de

todas as suas frutuações. O escravo é considerado um objeto,

não um membro da sociedade civil (bürgerlichen Gesellschaft); o

proletário é reconhecido como pessoa, como membro da

sociedade civil. Portanto, o escravo pode ter uma existência

melhor do que a do proletário, maos o proletário pertence a uma

etapa superior de desenvolvimento da sociedade e ocupa

também, ele mesmo, uma posição superior à do escravo. O

escravo se liberta abolindo, entre todas as relações de

propriedade privada, apenas a relação de escravidão e

convertendo-se com isso em proletário; o proletário só pode se

libertar abolindo a propriedade privada em geral”.

E do servo? Engels arremata a sua argumentação: “O servo

(Leibeigene) tem a posse e o uso de um instrumento de

produção, de um pedaço de terra, em troca de uma parte do

produto ou da prestação de trabalho. O proletário tabalha com

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instrumentos de produção de um outro, por conta deste outro, e

recebe em troca uma parte do produto. O servo cede, o proletário

recebe. O servo tem uma existência assegurada, o proletário

não. O servo está fora da concorrência, o proletário está a ela

submetido. O servo se liberta ou refugiando-se nas cidades para

tornar-se artesão, ou dando ao seu senhor dinheiro ao invés de

trabalho ou produtos, transformando-se assim em arredantários

livres, ou ainda expulsando o seu senhor feudal e tornando-se

ele mesmo proprietário, em resumo, entrando de uma maneira

ou de outra na classe possuidora e na concorrência. O proletário

se liberta abolindo a concorrência, a propriedade privada e todas

as diferenças de classe”.

Uma das consequências marcantes do capitalismo, explica o

autor, é a sua tendência à internacionalização, impulsionada por

sua lógica de desenvolvimento interno, pela expansão da

produção e do comércio, pela anexação de países ao mercado

mundial e à divisão internacional do trabalho. Dessa forma, a

“grande indústria estabeleceu ligações entre todos os povos da

terra, uniu num único mercado mundial todos os pequenos

mercados locais, preparou em todas as partes a civilização e o

progresse e criou uma situação na qual tudo o que ocorre nos

países civilizados repercurte necessariamente nos demais

países. Assim, se hoje se libertarem os operários na Inglaterra e

na França, isso deve provocar em todos os demais países

revoluções que mais cedo ou mais tarde conduzirão à libertação

dos operários desses países”.

O capitalismo criou ao mesmo tempo as suas contradições.

Em primeiro lugar, ao transformar os trabalhadores em

proletários, concentrou-os nas fábricas e cidades industriais,

aumentou a sua força, tornou insuportável as suas condições de

vida e trabalho, precipitando na miséria e na opressão a vida dos

trabalhadores, fez crescer seu descontentamento, sua

organização, suas lutas e métodos de resistência. Os

trabalhadores foram criando associação e sindicatos.

Por outro lado, a concentração de riquezas e capitais nas

mãos da burguesia, bem como o desenvolvimento da ciência e

da técnica moderna, desenvolvendo rapidamente as forças

produtivas, deu à produção capitalista uma capacidade

incompavável. Essas forças produtivas altamente desenvolvidas

subverteram continuamente a grande propriedade e os mercados

nacionais, por terem esses se convertido em obstáculo ao seu

pleno desenvolvimento daquelas.

A burguesia não tem como aplicar plenamente a sua ciência

e a sua técnica, só as aplica no limite do lucro e para acumular

capital. Por outro lado, por causa da anarquia da produção

capitalista (o capitalista só tem controle da sua produção, mas

não do conjunto da economia), as forças produtivas

frequentemente rompem o controle imposto pela propriedade

privada e passa-se a produzir mais do que os mercados

suportam: sobreveem as crises cíclicas de superprodução,

traduzindo-se no Engels chama de “crise comercial” de “sete em

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sete anos”. Como consequências, aumenta-se a miséria dos

operários, arruína-se uma parte dos burgueses.

As contradições geradas no modo de produção capitalista

demonstram, conforme Engels, que “a partir daí todos estes

males só podem ser atribuídos a uma ordem social que deixou

de corresponder às exigências da situação real” e que “é

possível, através de uma nova ordem, acabar com todos estes

males”. Neste caso, “a abolição da propriedade privada é

indubitavelmente a forma mais simples e mais significativa de

caracterizar a revolução em toda a ordem social que o

desenvolvimento da indústria tornou necessária, e por esta razão

é justamente apresentada pelos comunistas como a sua principal

reivindicação”.

A nova ordem, nascida da revolução social, colocará o

funcionamento da indústria e de todos os ramos da produção nas

mãos da sociedade, organizada segundo um plano comum e

com a participação de todos os membros da sociedade. A

concorrência será substituída pela associação dos produtores.

Os instrumentos de produção serão utilizados em comum e a

distribuição dos produtos do trabalho será realizada segundo um

acordo comum, pela comunidade de bens.

A eliminação da propriedade privada e a apropriação coletiva

dos meios de produção, das forças produtivas, dos meios de

comunicação, colocando a própria produção e a distribuição dos

bens a serviço das necessidades sociais, segundo um plano

baseado nos recursos disponíveis, levarão a sociedade a

eliminar, antes de tudo, todas as “consequências deploráveis

hoje inerentes ao funcionamento da grande indústria. As crises

desaparecerão; (...) Ao invés de engendrar a miséria, a

superprodução garantirár, bem mais que as necessidades

imediatas da sociedade, a satisfação das necessidades de todos

e engendrará nossas necessidades, bem como os meios para

satisfazê-las. (...) ficará supérflua a divisão da sociedade em

diferentes classes contrapostas entre si. Tal divisão, além de

supérflua, será mesmo imconpatível com a nova ordem social. A

existência das classes tem origem na divisão do trabalho, e a

divisão do trabalho, tal como existiu até agora, desaparecerá

completamente”.

A educação dará aos jovens, acrescenta, “a possibilidade de

percorrer rapidamente todo o sistema de produção, colocando-os

em condições de se deslocarem por turnos de um para outro

ramo de produção, conforme as necessidades da sociedade ou

suas próprias inclinações. A educação, portanto, libertará os

jovens desse caráter unilateral que a atual divisão do trabalho

imprime a cada indivíduo. Desse modo a sociedade organizada

sobre bases comunistas oferecerá a seus membros a

oportunidade de empregar em todos os aspectos suas

capacidades universalmente desenvolvidas”.

Em síntese, diz Engels: “A associação geral de todos os

membros da sociedade para a exploração planificada e comum

das forças produtivas, a extensão da produção em proporções

que satisfaçam às necessidades de todos, o término da situação

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em que as necessidades de uns são satisfeitas às custas de

outros, a destruição completa das classes e de seus

antagonismos, o desenvolvimento universal das capacidades de

todos os membros da sociedade mediante a eliminação da

divisão do trabalho até agora existente, mediante a educação

industrial, mediante a mudança de atividades, mediante a

participação de todos nos bens criados por todos, mediante a

fusão do campo e da cidade: serão esses os principais

resultados da abolição (Abschaffunf) da propriedade privada”.

A revolução social abrirá, portanto, uma nova etapa no

desenvolvimento da história da humanidade, a formação social e

econômica comunista. Todas as transformações decorrentes de

uma revolução social terão consequências sobre as relações

sociais atualmente existentes como a família, a religião, a relação

entre as nações, nas formas de pensamento etc. Engels observa

que a revolução socialista tem um caráter internacional.

O fundamento do caráter internacional do socialismo se

encontra no fato de que ao “criar um mercado mundial, a grande

indústria trouxe já todos os povos da Terra, e especialmente os

povos civilizados a uma relação tão íntima uns com os outros

que ninguém é independente do que acontece aos outros. Além

disso, ela tem coordenado o desenvolvimento social dos países

civilizados a um tal ponto que em todos eles a burguesia e o

proletariado se tornaram as classes decisivas e a luta entre elas

a grande luta do dia-a-dia. Segue-se que a revolução comunista

não será meramente um fenômeno nacional (...). É uma

revolução universal e terá consequentemente um alcance

universal” (1980:121/139).

Por fim, Engels apresenta no texto de Princípios do

comunismo a diferença entre os comunistas e as diversas

vertentes do socialismo existentes em sua época. Divide-os em

três classes ou vertentes:

a) socialismo reacionário - os partidários da sociedade feudal

ou patriarcal destruída pelo capitalismo, que se apoiam na crítica

das mazelas da sociedade burguesa para difundir a tese da

necessidade de restaurar a sociedade feudal. Querem antes de

tudo voltar ao passado pré-capitalista do domínio da nobreza e

do clero, dos camponeses, artesãos e dos pequenos

comerciantes. Trata-se de uma defesa profundamente utópica e

reacionária, impossível de ser realizada. Os defensores dessa

perspectiva não raras vezes passaram ao campo da burguesia

contra o proletariado;

b) o socialismo burguês – defensores da sociedade atual que

procuram minimizar os seus males sociais, seja através do

assistencialismo, seja por meio de reformas sociais. Aspiram,

portanto, a um capitalismo sem as mazelas sociais. Na verdade,

apenas conseguem adiar a resolução dos problemas, de modo

que o objetivo fundamental é manter o pilar da sociedade

capitalista: a propriedade privada;

c) o socialismo democrático (da pequena burguesia radical) –

pode ter reivindicações comuns com o programa comunista, as

chamadas reivindicações democráticas, mas de nenhuma forma

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aspiram a transição ao comunismo, ao fim da propriedade

privada e a extinção das classes sociais. Querem simplesmente

as medidas suficientes para “abolir a miséria e fazer desaparecer

os males da sociedade atual”, sem extingui-la plenamente.

Ainda em 1847, Marx desenvolve as idéias apresentadas na

Carta a P. V. Annenkov, fazendo uma crítica de conjunto à

sociedade capitalista, a partir de suas divergências com as idéias

de Proudhon, contidas, como dissemos acima, em A filosofia da

miséria. Marx denominou a sua obra de Miséria da Filosofia.11

Mostra as fraquezas das teorias de Proudhon e sua

adaptação às relações de produção burguesas, quando

transformava os princípios e os idéias da sociedade burguesa em

princípos universais e os assimilava na sua concepção de

mudança da sociedade. Fora isso, Proudhon formulava, a partir

destes princípios universais, propostas para os trabalhadores que

se adaptavam inteiramente à lógica do capital, que, ao final, o

levava a se contrapor às formas de luta e organização do

proletariado como as greves e as coligações operárias.

Dessa forma, Marx, na crítica das teses e propostas do

socialista francês, expõe ao mesmo tempo de forma mais

profunda a teoria materialista da história, a partir de uma análise

dos teóricos da economia, consolidando, numa síntese concreta

do desenvolvimento econômico-social, as aquisições teóricas

anteriores. Expõe sua adesão definitiva à teoria do valor-

trabalho, desenvolvida por David Ricardo.

11Ver Karl Marx, A Miséria da Filosofia (São Paulo, Centauro, 2001).

Segundo Engels, no prefácio ao livro de Marx, a teoria do

valor-trabalho comporta, em síntese, as seguintes proposições:

“1º que o valor de cada mercadoria é única e exclusivamente

determinado pela quantidade de trabalho exigida para a sua

produção e 2º que o produto da totalidade do trabalho social é

partilhado entre as três classes dos proprietários fundiários

(renda), dos capitalistas (lucro) e dos trabalhadores (salário)”

(2001:10). Dessas assertivas de Ricardo, os economistas

ricardianos extraíam consequências socialistas.

Pois, dessas proposições, desenvolvidas ao limite, quais

Marx estava também tirando as consequências mais radicais

sobre a explicação da riqueza social capitalista pela exploração

da força trabalho, com todas as suas consequências no plano

econômico-político, quais sejam, a necessiade de organização

da classe operária para defender as suas reivivindicações

econômica, o desenvolvimento de sua consciência de classe e a

constituição em partido político na luta pelo socialismo. Mas

ainda não havia chegado, como o faria anos depois em O Capial,

à sua teoria da mais-valia. Deixemos isto para mais adiante. Por

enquanto, fixemos-nos na argumentação de Marx contra a

análise de Proudhon.

Para Marx, Proudhon não havia compreendido que as

relaçõe sociais “determinadas são também produzidas pelos

homens, da mesma maneira que os tecidos de algodão, de linho

etc. As relações sociais estão intimamente ligadas às forças

produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens

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mudam o seu modo de produção e, ao mudarem o modo de

produção, a maneira de ganhar a vida, mudam todas as suas

relações sociais. (...) Os mesmos homens que estabelecem as

relações sociais de acordo com a sua produtividade material

produzem também os princípios, as idéias, as categorias, de

acordo com as suas relações sociais. Por isso, essas idéias,

essas categorias, são tão pouco eternas como as relaçõe sociais

que exprimem. São produtos históricos e transitórios.” (2001:98).

Ao encarar as relações sociais capitalistas como relações

naturais e imodificáceis, economistas e determinadas correntes

socialistas utópicas acabavam por se colocar “de acordo apenas

num ponto: a condenação das coligações. Contudo, apresentam

motivos diferentes para o seu ato de condenação. Os

economistas dizem aos operários não entrem em coligações.

Entrando em coligações, vocês entrevarão a marcha regulçar da

indústria, impedirão os fabricantes de satisfazerem os pedidos,

perturbarão o comércio e precipitarão a invasão das máquinas

que, tornando o vosso trabalho parcilamente inútil, vos obrigarão

a aceitar um salário ainda mais baixo. Aliás, seria agir em vão, já

que o vosso salário sempre será determinado pela relação entre

a mão-de-obra oferecida e a mão-de-obra procurada e é um

esforço tão ridículo quanto perigoso que vocês se revoltem

contra as leis eternas da economia política. Os socialistas dizem

aos operários; não entrem em coligação porque, afinal, que

ganharão com isso? Uma subida de salário? Os economistas

provarão até à evidência que os poucos tostões que vocês

poderão ganhar, em caso de êxito, por alguns momentos, seriam

seguidos por uma baixa permanente. Calculadores habilidosos

poderão provar-nos que serão precisos anos para vocês

recuperarem, considerado apenas o aumento do salário, as

despesas que foram obrigados a fazer para organizar e manter

as coligações”.

Marx coloca-se na defesa das greves e das coligações

operárias, não só porque se constituem em instrumentos de luta

contra a concorrência no seio dos trabalhadores e por condições

mais favoráveis de vida e trabalho, mas pelo fato de, no seio da

organização e da luta, se forjarem a consciência e as condições

subjetivas necessárias à transformação da sociedade.

Diz ele: “Os economistas querem que os operários

permaneçam na sociedade tal como ela se formou e tal como

eles a consignaram e sancionaram nos seus manuais. Os

socialistas querem que os operários deixem a velha sociedade

onde ela está, para melhor poderem entrar na sociedade nova

que com tanta previdência lhes prepararam. Apesar de uns e de

outros, apesar dos manuais e das utopias, as coligações não

cessarma por um momento de se manifestar e de se ampliar com

o desenvolvimento e o crescimento da indústria moderna”

(Idem:149/151).

Os socialistas verdadeiramente consequentes deveriam,

pois, atuar no seio desses movimentos, visando a sua

constituição em movimento político e revolucionário.

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Ainda em 1847, Marx proferiu uma série de conferências

sobre a economia capitalista para os trabalhadores da

Associação dos Operários Alemães de Bruxelas. Em 1849,

publicou uma síntese dessas conferências na Nova Gazeta

Renana com o título de Trabalho assalariado e capital. O objetivo

do texto é claro: “Queremos que os operários nos

compreendam”. Esse texto demonstra já, da parte de Marx, um

profundo e minuncioso conhecimento das categorias e do

funcionamento da estrutura econômica capitalista. Constitui uma

rigorosa análise da lógica da exploração do trabalho pelo capital,

da base econômica em que se funda a dominação capitalista

sobre o trabalho assalariado e da luta de classes moderna.

Marx inicia o texto da seguinte forma: “De vários lados,

somos censurados por não havermos exposto as relações

econômicas que constituiem a base material das lutas de classes

e das lutas nacionais nos nossos dias. De acordo com o nosso

plano, tratamos dessas relações apenas quando elas explodiam

diretamente em enfrentamentos políticos (...). Agora, depois de

os nossos leitores verem o desenvolvimento da luta de classes

no ano de 1848 sob forma políticas colossais, é tempo de

aprofundar essas mesmas relações econômicas em que se

baseiam tanto a existência da burguesia e o seu domínio de

classe quanto a escravidão dos operários” (2006:31/32).

A primeira categoria analisada é a do salário e a sua

determinação na atual sociedade. Na aparência da vida cotidiana

da sociedade burguesa, parece que, ao contratar os seus

trabalhadores assalariados digamos por uma jornada de 8 horas

diárias, os capitalistas lhes pagam todo o trabalho realizado.

Entretanto, se analisarmos a fundo o funcionamento das relações

de trabalho e de produção, veremos que, na verdade, “o que os

operários vendem ao capitalista em troca de dinheiro é a sua

força de trabalho. O capitalista compra essa força de trabalho por

dia, uma semana, um mês etc. E, depois de comprá-la, utiliza-a

fazendo com que os operáios trabalhem durante o tempo

estipulado” (Idem:34), no nosso exemplo 8 horas diárias de

jornada de trabalho.

De fato, os trabalhadores são levados a pensar que recebem

por todo o trabalho desenvolvido e os próprios capitalistas e

governos se esforçam por apresentar as suas relações

econômico-sociais como as mais justas da história. Porém, não

há dúvida que, na sociedade capitalista, a força de trabalho

transformou-se em mercadoria, igual a qualquer outra, que se

compra e se vende no mercado de trabalho. Por mais que a

legislação e a constituição estabeleçam as condições de

aquisição dessa mercadoria valiosa, a mão de obra é

cotidianamente comprada, vendida, explorada e dispensada.

Os assalariados modernos têm formalmente a aparência de

liberdade, quando se trata de escolher para quem trabalhar, mas,

se não trabalham morrem de fome, passam as mais terríveis

necessidades. São, portanto, obrigados a trabalhar para

sarisfazer as necessidades básicas de si e da sua família. A

liberdade de trabalho do capitalismo esconde o fato de que a

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burguesia domina os meios de produção e os operários não têm

outra forma de garantir a vida a não ser a sua força de trabalho.

Assim, o capitalista troca seu dinheiro pela utilização da força de

trabalho durante uma determinada jornada, por tantas horas de

trabalho.

Além do valor de uso, de capacidade de atender a

determinada necessidade ou utilidade, toda mercadoria tem um

determinado valor de troca, isto é, pode ser trocada em

determinadas proporções por outras mercadorias. Significa dizer

que nem todos os produtos do trabalho são mercadorias. Alguns

são produzidos para o consumo imediato do produtor ou de sua

família e, neste caso, não se trata de mercadoria. Esta última

diferentemente daqueles é produzida para ser trocada. A

expressão em dinheiro do valor de troca da mercadoria chama-

se preço. Como diz Marx, o “valor de troca de uma mercadoria,

avaliado em dinheiro, é o que se chama precisamente o seu

preço” (Idem:35).

Como toda mercadoria, a força de trabalho também tem um

valor de troca, que é a quantidade de trabalho socialmente

necessário à produção e reprodução da força de trabalho, ou

seja, a quantidade de produtos necessários à produção e

reprodução da força de trabalho e da sua família. O salário é

preço da força de trabalho: “salário é apenas o nome especial

dado ao preço da força de trabalho, a que se constuma chamar

preço do trabalho; é apenas o nome dado ao preço dessa

mercadoria particular que só existe na carne e no sangue do

homem” (Idem, ibidem).

Dessa forma, o trabalhador, ao receber pelo uso de sua força

de trabalho o seu preço, o salário, recebe na verdade uma

determinada quantia que pode ser trocadada por uma

determinada quantidade de produtos (bens e serviços)

necessários à sua reprodução e da sua família. Se essa quantia

(o salário, o preço da força de trabalho) é suficiente para garantia

de uma vida digna para os trabalhadores nos mais variados

países é precisamente o tentaremos mais a frente analisar a

partir das indicações de Marx sobre a diferença entre salário

nominal e salário real. Mas continuemos.

Sendo uma mercadoria, que o seu proprietário (o

trabalhador) vende ao capitalista, dono do dinheiro e dos meios

de produção, os produtos do trabalho não são apropriados pelos

que produzem a riqueza. Os produtos produzidos pelos

trabalhadores, que representam tempo de trabalho incorporado,

não lhes pertencem, mas ao capitalista. O trabalho, na sociedade

burguesa, é trabalho explorado, como em todas as sociedades

de classes existentes até hoje na história da humanidade, desde

a antiguidade escravocrata. No capitalismo, o trabalho humano é

explorado na forma de mercadoria.

Em verdade, para o assalariado, diz Marx, o trabalho é “essa

força vital que ele vende a um terceiro para se assegurar dos

meios de vida necessários. A sua atividade vital é para ele,

portanto, apenas um meio para poder existir. Trabalha para viver.

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Ele nem sequer considera o trabalho como parte da sua vida, é

antes um sacrifício da sua vida. É uma mercadoria que adjudicou

a um terceiro. Por isso, o produto da sua atividade tampouco é o

objetivo da sua atividade. O que o operário produz para si próprio

não é a seda que tece, não é o ouro que extrai das minas, não é

o palácio que constrói. O que ele produz para si próprio é o

salário; e a seda, o ouro e o palácio reduzem-se, para ele, a uma

determinada quantidade de meios de subsistência, talvez a uma

roupa de algodão, a umas moedas, a um quarto num porão. E o

operário – que, durante 12 horas tece, fia, perfura, torneia,

constrói, cava, talha a pedra e a transporta etc. – valerão para

ele essas 12 horas de tecelagem, de fiação, de trabalho com o

arco de pua, ou com o torno, de pedreiro, ou escavador, como

manifestação da sua vida, como sua vida? Ao contrário. A vida

para ele começa quando termina essa atividade, à mesa, no bar,

na cama” (Idem:36/37).

A força de trabalho sempre foi mercadoria? Marx responde

que não. Para ele, o “trabalho nem sempre foi trabalho

assalariado, isto é, trabalho livre. O escravo não vendia a sua

força de trabalho ao proprietário de escravos, assim como o boi

não vende os seus esforços ao camponês. O escravo é vendido,

com a sua força de trabalho, de uma vez para sempre, ao seu

proprietário. É uma mercadoria que pode passar das mãos de

um proprietário para as mãos de outro. Ele próprio é uma

mercadoria, mas a força de trabalho não é uma mercadoria sua.

O servo só vende uma parte de sua força de trabalho. Não é ele

quem recebe um salário do proprietário da terra: ao contrário, é o

proprietário da terra quem recebe dele um tributo”.

E completa: “O servo pertence à terra e rende frutos ao dono

da terra. O operário livre, ao contrário, vende-se a si mesmo e,

além disso, por partes. Vende em leilão 8, 10, 12, 15 horas da

sua vida, dia após dia, a quem melhor pagar, ao proprietário das

matérias-primas, dos instrumentos de trabalho e dos meios de

subsistência, isto é, ao capitalista. O operário não pertence nem

a um proprietário nem à terra, mas 8, 10, 12, 15 horas da sua

vida diária pertencem a quem as compra. O operário, quando

quer, deixa o capitalista ao qual se alugou, e o capitalista

despede-o quando acha conveniente, quando já não tira dele

proveito ou o proveito que esperava. Mas o operário, cuja única

fonte de rendimentos é a venda da sua força de trabalho, não

pode deixar toda a classe dos compradores, isto é, a classe dos

capitalistas, sem renunciar à existência. Ele não pertence a este

ou àquele capitalita, mas à classe dos capitalistas, e compete a

ele a encontrar quem o queira, isto é, encontrar um comprador

nessa classe de capitalistas” (Idem:37/38).

Após essa diferenciação da condição do trabalhador

assalariado moderno em relação aos trabalhadores das

formações pré-capitalistas, Marx enfrenta a questão fundamental

sobre o que determina o preço de uma mercadoria, em particular

da mercadoria força de trabalho (o salário). Para Marx, em

Trabalho assalariado e capital, o preço de uma mercadoria

qualquer é determinado pela “ concorrência entre compradores e

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vendedores, a relação entre a procura e aquilo que se fornece, a

oferta e a procura. A concorrência, que determina o preço de

uma mercadoria”. Os vendedores disputam entre si os mercados,

uns vendem mais barato que outros. Os compradores disputam a

compra dos produtos entre si. Há também uma disputa entre

compradores e vendedores, cujo desenlace depende da relação

existente entre as partes. A alta e a baixa dos preços das

mercadorias influenciam os movimentos dos capitais para os

setores mais lucrativos.

Os preços das mercadorias flutuam, segundo a oferta e a

procura, para cima ou para baixo do custo de produção.

Portanto, “as oscilações da oferta e da procura reconduzem

sempre o preço de uma mercadoria aos seus custos de

produção. É fato que o preço real de uma mercadoria está

sempre acima ou abaixo dos custos de produção; mas a alta e a

baixa dos preços se compensam mutuamente, de forma que,

num determinado período de tempo, calculados conjuntamente o

fluxo e o refluxo da indústria, as mercadorias são trocadas umas

pelas outras de acordo com os seus custos de produção. O

preço delas é, portanto, determinado pelos seus custos de

produção” (Idem:42/43). Marx esclarece, entretanto, que isto

“não é válido, naturalmente, para um único produto da indústria,

mas apenas para o ramo inteiro da indústria. Isso também não é

válido, portanto, para o industrial individual, mas apenas para a

classe inteira dos industriais” (Idem, ibidem).

Em última instância, a “determinação do preço pelos custos

de produção é igual à determinação do preço pelo tempo de

trabalho necessário para a produção de uma mercadoria, pois os

custos de produção se compõem de: 1. Matérias-primas e

desgaste de instrumentos, isto é, de produtos industriais cuja

produção custou uma certa quantidade de dias de trabalho, que

representam, portanto, uma certa quantidade de tempo de

trabalho; 2. trabalho direto, cuja medida é precisamente o tempo”

(Idem:44).

As mesmas leis que determinam o preço das mercadorias

em geral se aplicam à mercadoria força de trabalho. Tal como

qualquer mercadoria, o preço da força de trabalho depende da

relação entre compradores (capitalistas) e vendedores

(trabalhadores), das altas e das baixas do mercado de trabalho,

mas tendem em média aos custos de produção da força de

trabalho. Tal como as mercadorias em geral, o custo de

produção da mercadoria força de trabalho corresponde ao preço

dos meios de existência necessários para manter o trabalhador

vivo e para reproduzi-lo como força de trabalho. É o seu salário.

Explica Marx: os “custos de produção da força de trabalho

simples se compõem, portanto, dos custos de existência e de

reprodução do operário. O preço desses custos de existência e

de reprodução constitui o salário. O salário assim determinado

chama-se o mínimo de salário. Esse mínimo de salário, tal como

a determinação do preço das mercadorias pelos custos de

produção em geral, é válido para a espécie e não para o

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indivíduo isolado. Há milhões de operários que, não recebem o

suficiente para existir e se reproduzir; mas o salário de toda a

classe operária nivela-se, dentro de suas oscilações, a esse

mínimo” (Idem:45).

Depois de analisar essas categorias, Marx parte para a

caracterização do capital. Os economistas burgueses, antes de

Marx e Engels, procuravam apresentar o capital como um

conjunto de matérias-primas, instrumentos de trabalho e meios

de subsistência empregados para produzir novas matérias-

primas, novos insturmentos de trabalho e novos meios de

subsistência. Como tudo isso é produto do trabalho12, logo o

capital para eles era apenas trabalho acumulado que serve para

uma nova produção. Colocadas as coisas dessa forma, podiam

esses economistas encontrar capital em todos os modos de

produção e assim eternizá-lo, naturalizá-lo como algo

permanente, perene, dado de uma vez para sempre, insuperável.

Em que erram esses economistas? Em desconsiderar as

condições reais, históricas e sociais em que os produtos do

trabalho humano se tornam efetivamente capital.

Marx responde: “Um negro é um negro. Só em determinadas

condições é que se torna escravo. Uma máquina de fiar algodão

é uma máquina para fiar algodão. Apenas em determinadas

12Falamos é claro da Economia Política clássica (em particular Smith e Ricardo), como Marx a considerava, uma vez que a Teoria Econômica vulgar, desde a Teoria Marginalista, abandonou a teoria do valor-trabalho, de modo que, ao contrário dos clássicos, sequer consideram seriamente o trabalho como produtor da riqueza na sociedade capitalista e tentam de todas as formas velar o fato de que o trabalho está na base do valor das mercadorias e que os capitalistas os exploram, extraindo da força de trabalho a mais-valia, isto é, a fonte do lucro.

condições ela se torna capital. Fora dessas condições, ela é

tampouco capital como o ouro, por si próprio, é dinheiro, ou como

o açucar é o preço do açucar”. Assim, para produzirem, “os

homens não agem apenas sobre a natureza, mas também uns

sobre os outros. Eles somente produzem colaborando entre si de

um modo determinado e trocando entre si as suas atividades.

Para produzirem, contraem determinadas ligações e relações

mútuas, e é somente no interior desses vínculos e relações

sociais que se efetua a sua ação sobre a natureza, isto é, que se

realiza a produção” (Idem:46).

As relações sociais entre os produtores e as condições de

produção e de troca variam com as transformações nos meios de

produção. Segundo Marx, “as relações sociais de produção

alteram-se, portanto, transformam-se com a alteração e o

desenvolvimento dos meios materiais de produção, as forças

produtivas. As relações de produção, na sua totalidade, formam

aquilo a que se dá o nome de relações sociais, a sociedade, e,

na verdade, uma sociedade num estágio determinado de

desenvolvimento histórico, uma sociedade com caráter próprio,

diferenciado. A sociedade antiga, a sociedade feudal, a

sociedade burguesa são conjuntos de relações de produção

desse tipo, e cada uma delas caracteriza, ao mesmo tempo, um

estágio particular de desenvolvimento na história da humanidade”

(Idem:47).

O capital é, conforme Marx diz, uma relação social de

produção. Nada tem natural, de dádiva da natureza ou da

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providência divina, nem é algo insuperável. Mas o “capital não

consiste apenas de meios de subsistência, instrumentos de

trabalho e matérias-primas, não consiste apenas de produtos

materiais; compõe-se igualmente de valores de troca. Todos os

produtos de que se compõe são mercadorias. O capital não é,

portanto, apenas uma soma de produtos materiais, é também

uma soma de mercadorias, de valores de troca, de grandezas

sociais”. E continua: “embora todo capital seja uma soma de

mercadorias, isto é, de valores de troca, nem toda soma de

mercadorias, de valores de troca, será, por isso, capital”

(Idem:47/48).

O que faz então de uma soma de valores de troca, de

mercadorias se converter em capital? Marx esclarece:

“Conservando-se e multiplicando-se como força social

independente, isto é, como força de uma parte da sociedade, por

meio da sua troca pela força de trabalho viva, imediata. A

existência de uma classe que possui apenas sua capacidade de

trabalho é uma condição preliminar necessária ao capital.

Somente quando o trabalho materializado, passado, acumulado,

domina sobre o trabalho vivo, imediato, é que o trabalho

acumulado se transforma em capital (...). Consiste no fato de o

trabalho vivo servir ao trabalho acumulado como meio para

manter e aumentar o seu valor de troca” (Idem:48/49).

Neste sentido, o “capital pressupõe, portanto, o trabalho

assalariado; o trabalho assalariado pressupõe o capital. Um é a

condição do outro; eles se criam mutuamente” (Idem:50). Isso

significa uma identidade de interesses? Apenas nessa condição

de mútua dependência, ou seja, como dois aspectos da mesma

relação social, se autocondicionando historicamente. No mais,

capital e trabalho, capitalistas e trabalhadores assalariados,

disputam permanentemente, aberta ou velada, a apropriação do

excedente produzido. Como nas sociedades de classes

anteriores, a sociedade capitalista é marcada pela luta de

classes, já dizia o Manifesto comunista de 1848.

O capitalista deseja se apropriar do máximo de mais-valia

possível, seja aumentando a jornada de trabalho, seja

introduzindo técnicas modernas e reorganizando o trabalho na

fábrica para aumentar a produtividade, isto é, a capacidade de

produção de mais mercadorias na mesma jornada de trabalho. O

trabalho, por outro lado, organiza-se em associações e sindicatos

e luta por condições mais suportáveis de vida, de trabalho e de

salário. Tenta limitar a sanha de lucro do capitalista e conquistar

direitos sociais e trabalhistas.

Dito isto, é preciso realçar que Marx estabelece uma

distinção entre salário nominal e salário real. “O preço em

dinheiro do trabalho, o salário nominal, não coincide, portanto,

com o salário real, isto é, com a soma de mercadorias que é

realmente dada em troca do salário. Ao falarmos, portanto, do

aumento ou da queda do salário, não temos de considerar

apenas o preço em dinheiro do trabalho, o salário nominal”.

Significa que os trabalhadores recebem uma determinada soma

em dinheiro do capitalista como salário (valor nominal), que

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corresponde a uma determinada quantidade concreta de bens e

serviços (valor real, poder aquisitivo real).

Marx cita exemplos em que o valor nominal do salário não

coincidia com o valor real. No século XVI, quando uma

enchurrada de ouro e prata transbordou a Europa vinda das

colônias o valor desses produtos diminuiu sensivelmente em

relação às demais mercadorias. O valor nominal (salário nominal)

dos trabalhadores continuou o mesmo, mas o seu poder

aquisitivo (salário real) diminui. A inflação corrói o valor real dos

salários. Com o mesmo valor se podia adquirir menos produtos.

Em 1847, com a má colheita, os meios de subsistência

aumentaram de preço. O salário dos trabalhadores permaneceu

o mesmo, mas não se poderia comprar a mesma quantidade de

produtos como antes. Mas, suponhamos, que em consequência

da aplicação de novas máquinas ou de uma boa colheita (mais

mercadorias disponíveis), é evidente que os preços tendem a

baixar, com o salário, mesmo permanecendo inalterado, os

operários poderão adquirir mais produtos que antes.

Marx alerta ainda para o chamado salário comparativo ou

relativo. O salário relativo “exprime a cota-parte do trabalho direto

no novo valor por ele criado, em relação à cota-parte dele que

cabe ao trabalho acumulado, ao capital”. A parte que capital e

trabalho se apropriam da riqueza produzida é completamente

diferentes. Para o capitalista, a soma de mercadorias obtida pela

exploração do trabalho deve ser suficiente para, com sua venda,

garantir “a reposição do preço das matérias-primas por ele

adiantadas; assim como a reposição do que se desgastou nas

ferramentas, máquinas e outros meios de trabalho, igualmente

adiantados por ele; segunda, a reposição do salário adiantado

por ele; terceira, o excedente que resta, o lucro do capitalista”.

Essa repartição entre operário e capitalista é desigual.

Isto significa que o “salário real pode permanecer o mesmo,

pode até subir, e, não obstante, o salário relativo pode cair”.

Pode-se ter uma situação (é isso que de fato acaba ocorrendo)

em que a cota-parte do capital pode subir em relação à cota-

parte do trabalho. “A repartição da riqueza social entre capital e

trabalho tornou-se ainda mais desigual. O capitalista domina com

o mesmo capital uma quantidade maior de trabalho. O poder da

classe dos capitalistas sobre a classe operária cresceu, a

posição social do operário piorou, caiu mais um degrau em

relação à do capitalista” (Idem:55). Portanto, salário e lucro estão

na razão inversa um do outro: a “cota-parte do capital, o lucro,

sobre na mesma proporção em que a cota-parte do trabalho, o

salário, cai, e inversamente. O lucro sobe na medida em que o

salário cai, e cai na medida em que o salário sobe” (Idem:56).

Marx realça que “se, a receita do operário aumenta com o

rápido crescimento do capital, a verdade é que, ao mesmo

tempo, aumenta o abismo social que afasta o operário do

capitalista, aumenta ao mesmo tempo o poder do capital sobre o

trabalho, a dependência do trabalho relativamente ao capital’.

Neste sentido, afirmar “que o operário tem interesse no rápido

crescimento do capital significa apenas afirmar que quanto mais

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depressa o operário aumentar a riqueza alheia, tanto mais

gordas serão as migalhas que sobrarão para ele; quanto mais

operários possam ser empregados e se reproduzir, tanto mais se

multiplica a massa dos escravos dependente do capital”

(Idem:58).

Na sociedade capitalista, a concorrência entre os capitais

estimulam a introdução de novas técnicas e métodos de

organização do trabalho na fábrica, tendo em vista o aumento da

produtividade, a produção de mais mercadorias e a acumulação

de trabalho excedente. É assim que os capitalistas podem vencer

uns aos outros e conquistar mercados. Devem, pois, vender as

suas mercadorias a um preço menor que as mercadorias de

outros. Na visão de Marx, um “capitalista só pode pôr outro

capitalista em debandada e conquistar-lhe o capital vendendo

mais barato. Para poder vender mais barato sem se arruinar tem

de produzir mais barato, isto é, aumentar tanto quanto possível a

força de produção do trabalho (produtividade). Mas a força de

produção do trabalho é sobretudo aumentada por meio de uma

maior divisão do trabalho, por meio de uma introdução

generalizada de maquinaria e de um aperfeiçoamento constante

da mesma” (Idem:59).

Agindo dessa forma, o capitalismo em condições técnicas e

de organização do trabalho mais vantajosas pode embolsar uma

parte maior de lucros que o seus concorrentes, conquista-lhes

uma parte dos mercados. Entretanto, “o privilégio do nosso

capitalista não é de longa duração; outros capitalistas

concorrentes introduzem as mesmas máquinas, a mesma divisão

de trabalho, introduzem-nas à mesma escala ou a uma escala

superior, e essa introdução torna-se tão generalizada até que o

preço do pano cai não somente abaixo dos seus antigos custos

de produção, mas também abaixo dos novos custos”. Recomeça

a concorrência em novo patamar, mais maquinaria, mais divisão

do trabalho, maior escala. “Vemos como o modo de produção, os

meios de produção são assim continuamente transformados,

revolucionados” (Idem:61).

Continua Marx: imaginemos “agora essa agitação febril ao

mesmo tempo em todo o mercado mundial e compreende-se

como o crescimento, a acumulação e concentração do capital

têm por consequência uma divisão do trabalho, uma aplicação de

nova e um aperfeiçoamento de velha maquinaria ininterruptos,

que se precipiram uns sobre os outros e executados em uma

escala cada vez mais gigantesca”. Do ponto de vista do

trabalhador, a “maior divisão do trabalho capacita um operário a

fazer o trabalho de 5, 10, 20: ela aumenta, portanto, 5, 10, 20

vezes a concorrência entre os operários. Os operários não fazem

concorrência uns aos outros apenas quando um se vende mais

barato do que o outro; fazem concorrência uns aos outros

quando um executa o trabalho de 5, 10, 20; é a divisão do

trabalho introduzida e constantemente aumentada pelo capital

que obriga os operários a fazer essa espécie de concorrência”

(Idem:63/64).

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Outra consequência do aumento da divisão do trabalho é a

simplicação do próprio trabalho. “A habilidade especial do

operário torna-se sem valor. Ele é transformado numa força

produtiva simples, monótona, que não tem de pôr em jogo

energias físicas nem intelectuais. O seu trabalho torna-se

trabalho acessível a todos. Por isso, de todos os lados, seus

concorrentes fazem pressão e, além disso, devemos nos lembrar

que, quanto mais simples, mais fácil de aprender é o trabalho,

quanto menos custos de produção são necessários para se

apropriar do mesmo, tanto mais baixo será o salário, pois, tal

como o preço de todas as outras mercadorias, ele é determinado

pelos custos de produção” (Idem:64).

A maquinaria, do seu lado, “produz os mesmos efeitos numa

escala muito maior, ao impor a substituição de operários

especializados por operários não especializados, de homens por

mulheres, de adultos por crianças, pois a maquinaria, onde é

introduzida pela primeira vez, lança os operários manuais em

massa na rua; e onde é desenvolvida, aperfeiçoada, substituída

por máquina de maior rendimento, despede operários em grupos

menores. Retratamos atrás, rapidamente, a guerra industrial dos

capitalistas entre si; essa guerra tem a particularidade de as

batalhas serem ganhas menos pela contratação e mais pela

dispensa do exército operário. Os generais, os capitalistas

disputam entre si quem pode dispensar mais soldados da

indústria” (Idem:65).

Como os economistas explicam a situação dos operários

tornados supérfluos pela maquinaria? Encontrarão novos ramos

de ocupação? Marx observa que os economistas “não se

atrevem a afirmar diretamente que aqueles mesmos operários

que foram despedidos arranjam emprego em novos setores do

trabalho. Os fatos contra essa mentira são demasiado gritantes.

Eles, de fato, somente afirmam que, para outras partes

constitutivas da classe operária, por exemplo, para a parte da

jovem geração operária que já estava pronta para entrar no ramo

da indústria desativado, novos meios de ocupação se

apresentarão. Esse é, naturalmente, um grande consolo para os

operários desempregados. Não faltarão aos senhores capitalistas

carne e sangue fresco para serem explorados e aos mortos será

determinado que enterrem seus mortos. Isso é mais um consolo

que os burgueses oferecem a si mesmos do que aos operários.

Se a classe inteira dos operários assalariados fosse aniquilada

pela maquinaria, que horror para o capital, o qual sem trabalho

assalariado deixa de ser capital!” (Idem:65).

Os capitalistas, portanto, enfretam uma contradição

fundamental. Quanto mais mobiliza “meios de produção

gigantescos já existentes e a pôr em movimento, para tal fim,

todas as possibilidades do crédito, nessa mesma medida,

aumentam os terremotos industriais, nos quais o mundo do

comércio só se mantém sacrificando uma parte da riqueza, uma

parte dos produtos e mesmo uma parte das forças de produção

aos deuses das profundezas – aumentam, em uma palavra, as

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crises. Elas se tornam mais frequentes e mais violentas pelo

próprio fato de, na medida em que cresce a massa de produtos,

portanto, a necessidade de mercados mais extensos, o mercado

mundial se contrair cada vez mais, restarem para exploração

cada vez menos mercados, novos, porque todas as crises

anteriores sujeitaram ao comércio mundial mercados até então

não explorados, ou apenas superficialmente explorados pelo

comércio. O capital, porém, não vive só do trabalho. Senhor ao

mesmo tempo elegante e bárbaro, arrasta consigo para a cova

os cadáveres dos seus escravos, numa verdadeira hecatombe

de operários que naufragam nas crises” (Idem:68).

VA revolução de 1848, o Manifesto Comunista

e o programa do proletariado

Proletários de todos os países, uni-vos! (Marx e Engels, Manifesto comunista).

Como dissemos, Marx e Engels se ligaram em 1847 à Liga

dos Justos, que, por sua intervenção, transformou-se numa

verdadeira organização comunista. No seu Concresso, foram

encarregados de redigir um manifesto sobre o programa e as

idéias da nova organização proletária. O texto só foi publicado

em fevereiro de 1848, quando explodiram as grandes convulsões

revolucionárias em Paris e restante da Europa.

Na França, a monarquia de Luís Felipe era derrubada e

proclamada a República. Os operários demonstraram força e

vigor, apresentando suas próprias reivindicações, diferenciando-

se claramente da burguesia e dos seus acólitos. Traídos pelo seu

oponente, o operariado se insurgiu contra a ordem dominante em

defesa de suas reivindicações, ocupando prédios e avenidas,

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erguendo barricadas. A burguesia reagiu à luta operária com

repressão, expurgos e prisões.

Expulsos de Bruxelas, Marx retorna a Paris e em seguida à

Alemanha, organizando, com Engels, em Colônia, a revista Nova

Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung). Participaram

ativamente das lutas políticas, dirigindo a associação operária de

Colônia e a resistência proletária em Elberfeld. Marx e Engels

nutriam uma confiança inesgotável na possibilidade da luta

operária ser vitoriosa.

Entretanto, o fato é que a burguesia, antes em conflito com a

nobreza e o clero, passa definitivamente para o lado da reação,

teórico e praticamente, aliando-se aos setores mais

conservadores da sociedade européia, que pouco antes tentaram

destituí-la do poder político, com o intuito de bloquear o

desenvolvimento da luta revolucionária independente do

proletariado e a sua vitória.

O Manifesto Comunista13 de 1848 é um marco na história do

pensamento da humanidade, constituindo uma síntese

monumental do desenvolvimento histórico da sociedade

burguesa e de suas contradições. Representa o desenvolvimento

do materialismo histórico e sua aplicação à compreensão da

história da sociedade moderna, das suas transformações, das

relações entre as classes sociais, do caráter do movimento

sociailista e das diversas tendêncais que atuavam em seu seio,

13O texto pode ser encontrado Karl Marx, O Manifesto Comunista (São Paulo, Boitempo, 1998).

do sentido do comunismo como um processo histórico, das

relações entre os comunistas e o movimento operário, do

programa comunista e da necessidade de constituição do

proletariado como partido político na luta contra a dominação

burguesa.

Os dois autores iniciam a análise no Manifesto com a

seguinte frase: “Um espectro ronda a Europa – o espectro do

comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa

Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e

Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha”. A

aversão às idéias comunistas era uma prova clara de que: “1º: O

comunismo já é reconhecido como força por todas as potências

da Europa; 2º: É tempo de os comunistas exporem, abertamente,

ao mundo inteiro, seu modo de ver, seus objetivos e suas

tendências, opondo um manifesto do próprio partido à lenda do

espectro do comunismo” (1998:39).

Para os autores do Manifesto, a história da humanidade (das

sociedades de classes) até a sociedade burguesa é a história da

luta de classes. “Homem livres e escravo, patrício e plebeu,

senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em

resumo, opressores e oprimidos em constante oposição, têm

vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma

guerra que terminou sempre ou por uma transformação

revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas

classes em conflito”.

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A sociedade burguesa, por acaso, aboliu as classes sociais?

De maneira nehuma. Ao contrário, dizem os dois revolucionários,

a “sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da

sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez

mais do que estabelecer novas classes, novas condições de

opressão, novas formas de luta em lugar das que existiram no

passado” (Idem:40). A burguesia e a indústria criaram as bases

para o advento do proletariado moderno, seu antagonista.

O capitalismo foi resultado de todo um processo de

transformações iniciadas no ventre da sociedade feudal,

mudanças que culminaram com o fortalecimento do poder

econômico da burguesia e a sua conquista do poder político do

Estado. Marx e Engels citam as principais transformações

ocorridas ao longo de pelo menos quatro séculos: as grandes

navegações, a colonização de novas terras, a expansão dos

mercados, o desenvolvimento da manufatura e do comércio, a

formação dos Estados nacionais, a concentração da riqueza nas

mãos dos comerciantes, entre outras.

No seio do mundo feudal, baseado na produção agrícola e

na exploração do trabalho servil pela nobreza e pelo clero,

desenvolveu-se um conjunto de mudanças, que incrementaram

as forças produtivas, agora em choque com as relações de

produção servis e com a economia limitada do feudalismo. As

novas forças produtivas criadas estavam em franco conflito com

as relações de propriedade feudais.

Marx e Engels explicam sinteticamente a essência da

transformação de um modo de produção e o advento de outro

nos seguintes termos: “os meios de produção e de troca, sobre

cuja base se ergue a burguesia, foram gerados no seio da

sociedade feudal. Numa certa etapa do desenvolvimento desses

meios de produção e de troca, as condições em que a sociedade

feudal produzia e trocava – a organização feudal da agriculturae

da manufatura, em suma, o regime feudal de propriedade –

deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno

desenvolvimento. Tolhiam a produção em lugar de impulsioná-la.

Transcormaram em outros tantos grilhões que era preciso

despedaçar; e foram despedaçados” (Idem, p.44/45).

O avanço do comercio centralizou as forças produtivas

diluídas na economia artesanal, doméstica e nas corporações de

ofício e as substitui por manufaturas, que concentravam mais

trabalhadores e aumentavam a produtividade do trabalho.

Aumentou a divisão do trabalho. No século XVIII, o capitalismo

avançou e suprimiu a dominação feudal da economia européia,

abrindo caminho à criação de um mercado mundial.

“A grande indústria, afirma nossos autores, criou o mercado

mundial, preparado pela descoberta da América. O mercado

mundial acelerou enormemente o desenvolvimento do comércio,

da navegação, dos meios de comunicação. Este

desenvolvimento reagiu por sua vez sobre a expansão da

indústria; e à medida que a indústria, o comércio, a navegação,

as vias férreas se desenvolveram, crescia a burguesia,

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multiplicando seus capitais e colocando num segundo plano

todas as classes legadas pela Idade Média” (Idem:41).

Essas transformações da base material foram

acompanhadas por profundas mudanças na forma de pensar o

mundo, a história, a sociedade, o Estado e os indivíduos. Como

dizem Marx e Engels, defendendo o ponto de vista da concepção

materialista da história, seria “preciso grande inteligência para

compreender que, ao mudarem as relações de vida dos homens,

as suas relações sociais, a sua existência social, mudam também

as suas representações, as suas concepções e conceitos; numa

palavra, muda a sua consciência? Que demonstra a história das

idéias senão que a produção intelectual se transforma com a

produção material? As idéias dominantes de uma época sempre

foram as idéias da classe dominante. Quando se dala de idéias

que revolucionam uma sociedade inteira, isto que dizer que no

seio da velha sociedade se formaram os elementos de uma

sociedade nova e que a dissolução das velhas idéias acompanha

a dissolução das antigas condições de existência” (1998:56/57).

Por isso, afirmam que a burguesia, em sua luta contra a

dominação da nobreza e do clero e o domínio das relações de

produção e de trocas servis, jogou um papel revolucionário: “A

burguesia desempenhou na História um papel iminentemente

revolucionário”. Sua intervenção histórica é notadamente

marcada por profundas contradiçãos. Destruiu as relações

feudais, patriarcais e idílicas. Em lugar dos laços feudais colocou

o laço do frio interesse do pagamento à vista, substituiu pelo

cálculo egoísta os antigos sentimentalismos e os fervores

sagrados da exaltação religiosa.

A burguesia fez da dignidade pessoal um simples valor de

troca, substituiu todas as liberdades pela liberdade do comércio,

converteu as atividades anteriores e os profissionais em seus

assalariados, criou e desenvolveu novas forças produtivas,

aumentando a produtividade do trabalho, conquistou novos

mercados e deu caráter cosmopolista à produção e ao consumo

capitalista, desenvolveu um intercâmbio universal, inclusive no

campo da cultura e a interdependência das nações, submeteu o

campo à cidade, concentrou os meios de produção, de

distribuição e de trocas, os meios de comunicação e de

transporte.

Para Marx e Engels, a “burguesia não pode existir sem

revolucionar os intrumentos de produção, por conseguinte, as

relações de produção e, com isso, todas as relações sociais (...).

Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de

todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de

segurança distinguem a época burguesa de todas as

precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e

cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias

secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-

se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e

estável se desmancham no ar, tudo o que era sagrado é

profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem

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ilusões a sua posição social e suas relações com os outros

homens” (Idem:43).

“Impelida, continuam os dois pensadores, pela necessidade

de mercados sempre novos, seguem Marx e Engels, a burguesia

invade todo o globo terrestre. Necessita estabelecer-se em toda

parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela

exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter

cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países (...).

No lugar do antigo isolamento de regiões e nações auto-

suficientes, desenvolvem-se um intercâmbio universal e uma

universal interdependência das nações”.

Portanto, sob “pena da ruína total, ela obriga todas as nações

a adotarem o modo burguês de produção, constrange-as a

abraçar a chamada civilização, isto é a se tornarem burguesas.

Em uma palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhanças”

(Idem:43/44). Assim ocorreu com diversos países da América, da

Ásia e da África, anexados ao modo de produção capitalista,

desde a sua fase comercial até a época imperialista, dissolvendo

ou submetendo as antigas relações de produção, de troca e de

distribuição existentes, colocando-as sob o signo do capital.

Como dissemos, o desenvolvimento do capitalismo é

contraditório. Ao mesmo tempo em que faz avançar as forças

produtivas, estimula o desenvolvimento da técnica e da ciência

em sua ascensão, constrói as bases para a superação do próprio

capitalismo. A classe operária, imerso em condições de vida e

trabalho marcadas pela exploração, é o seu coveiro. “A

burguesia, afirmam nossos autores, porém, não se limitou a forjar

as armas lhe trarão a morte; produziu também os homens que

empunharão essas armas – os operários modernos, os

proletários. Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do

capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos

oprários modernos, os quais só vivem enquanto têm trabalho e

só têm trabalho enquanto seu trabalho aumenta o capital. Esse

operários, constrangidos a vender-se a retalho, são mercadoria,

artigo de comércio como qualquer outro; em consequência, estão

sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, atodas as

flutuações do mercado” (Idem: 46).

O capitalismo desenvolve o seu coveiro, a classe que a

suplantará, mas avança também enquanto modo de produção

em suas contradições internas. A economia capitalista tem como

um traço essencial a anarquia da produção. Significa dizer que o

capitalista individual ou a empresa só tem controle sobre a sua

produção interna, mas não controla os outros capitalistas, nem

muito menos a economia como um todo. Não saber quanto o seu

concorrente produzirá, nem quanto a sociedade demandará em

termos de mercadorias (bens e serviços).

Era assim no século XIX. Mesmo depois da criação de

instrumentos de política econômica pelos governos dos Estados

capitlaistas e pelos grandes congromerados econômicos não

conseguiram superar essa contradição ao longo do século XX.

Ao impulsionar as forças produtivas, a ciência, a técnica, a

organização do trabalho e a concentração dos meios de

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produção, as contradições da sociedade, ao invés de diminuirem,

explodem em crises cíclicas de superprodução de valores

continuamente. É a contradição entre as forças produtivas e as

relações de produção. Desde 1825, quando ocorreu a primeira

crise do capitalismo, a economia burguesa convive

permanentemente com crises cíclicas, que fazem acumular as

suas contradições.

Marx e Engels descrevem essa contradição do sistema

capitalista da seguinte forma: “A sociedade burguesa, com suas

relações de produção e de troca, o regime burguês de

propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou

gigantecos meios de produção e de troca, assemelha-se ao

feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que

invocou. Há dezenas de anos, a história da indústria e do

comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas

modernas contra as modernas relações de produção, contra as

relações de propriedade que condicionam a existência da

burguesia e seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais

que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a

existência da sociedade burguesa. Cada crise, destrói

regularmente não só uma grande massa de produtos fabricados,

mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já

criadas” (Idem:45).

Neste sentido, as “armas que a burguesia utilizou para abater

o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia”. Isso

porque as “forças produtivas de que dispõe não mais favorecem

o desenvolvimento das relações burguesas de propriedade; pelo

conrário, tornaram-se poderosas demais para estas condições,

passam a ser tolhidas por elas; e assim que se libertam desses

entraves, lançam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a

existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-

se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu

seio. E de que maneira consegue a burguesia vender essas

crises? De um lado, pela destruição violenta de grande

quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de

novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A

que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais

destruidoras e á diminuição dos meios de evitá-las” (Idem,

ibidem).

O Manifesto deixa evidentes as condições objetivas para o

advento do capitalismo acima mencionadas. Mas para a

superação do sistema capitalista é necessária a organização e a

luta do proletariado. Para os dois revolucionários, de “todas as

classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só o proletariado

é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes

degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande

indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu produto mais

autêntico”. (Idem:49).

De uma massa indiferenciada e desorganizada como era no

início do século XIX, a classe operária vai sendo forçada a reagir

contra as condições de exploração impostas pelo capital nas

indústrias, nas minas, na agricultura. Os trabalhadores

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assalariados dos bancos, do comércio, das finanças e dos

setores de serviços também o seguem nessa linha mais a frente.

O luddismo é a primeira expressão da reação do proletariado

contra as consequências da mecanização. Depois formaram

associações e sindicatos para a defesa de suas reivindicações.

Sua organização é um contrapeso à concorrência interna à

classe, estimulada, aliás, pelas relações capitalistas e pelo

mercado de trabalho. O exécito industrial de reserva (os

desempregados) é manejado pela burguesia para forçar a baixa

dos salários e a competição entre os trabalhadores. Essa

organização do proletariado em classe “e, poranto, em partido

político, é incessantemente destruída pela concorrência que

fazem entre si os próprios operários. Mas renasce sempre, e

cada vez mais forte, mais sólida, mais poderosa. Aproveita-se

das divisões internas da burguesia para obrigá-la ao

reconhecimento legal de certos interesses da classe operária,

como, por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na

Inglaterra” (Idem:48).

Mas qual a relação do movimento operário com os

comunistas. Os “comunistas não têm interesses diferentes dos

interesses do proletariado em geral. Não proclamam princípios

particulares, segundo os quais pretendam moldar o movimento

operário. Os comunistas se distinguem dos outros partidos

somente em dois pontos: 1) Nas diversas lutas nacionais dos

proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns

do proletariado, independentemente da nacionalidade; 2) Nas

diferentes fases de desenvolvimentos por que passa a luta entre

proletários e burgueses, representam, sempre e em toda parte,

os interesses do movimento em seu conjunto”. Neste caso, o

objetivo “imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os

demais partidos proletários: constituição do proletariado em

classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder

político pelo proletariado” (1998:51).

Marx e Engels procuraram diferenciar os comunistas das

diversas vertentes de socialismo utópico, a partir de uma análise

histórica do capitalismo, das classes sociais e da luta de classes.

Mostram que o comunismo não é uma utopia, como acreditavam

os socialistas anteriores, mas uma possibilidade aberta pelo

desenvolvimento da sociedade burguesa atual, com o processo

de industrialização, articulação da economia mundial,

desenvolvimento da ciência e surgimento do proletariado.

A classe operária é a classe que produz a riqueza social,

apropriada pelo capital sob a forma de sobretrabalho, que vive

inteiramente de seu próprio trabalho e que não tem, portanto,

interesse em manter a sua exploração social. Relatam que as

“proposições teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo

algum, em idéias ou princípios inventados ou descobertos por

este ou aquele reformador do mundo. São apenas a expressão

geral das condições efetivas de uma luta de classes que existe,

de um movimento histórico que se desenvolve diante dos olhos”

(Idem:51/52).

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A revolução comunista, dizem, “é a ruptura mais radical com

as relações tradicionais de propriedade; não admira, portanto,

que no curso de seu desenvolvimento se rmpa, do modo mais

radical, com as idéias tradicionais” (Idem:57). Com o processo

revolucionário, ocorre “a elevação do proletariado a classe

dominante, a conquista da democracia. O proletariado utilizará

sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo o

capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de

produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado

como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente

possível o total das forças produtivas. Isso naturalmente só

poderá ser realizado, a princípio, por intervenções despóticas no

direito de propriedade e nas relações de produção burguesas,

isto é, pela aplicação de medidas que, do ponto de vista

econômico, parecerão insuficientes e insustentáveis, mas que no

desenrolar do movimento ultrapassarão a si mesmas e serão

indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de

produção” (Idem:58).

Marx e Engels apresentam no Manifesto um conjunto de

medidas a serem colocadas em prática no processo

revolucionário, mas o fundamental é que quando “no curso do

desenvolvimento, desaparcerem os antagonismos de classe e

toda a produção for concentrada nas mãos dos indivíduos

associados, o poder público perderá seu caráter político. O poder

político é o poder organizado de uma classe para a opressão de

outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se

organiza forçosamente como classe, se por meio de uma

revolução destrói violentamente as antigas relações de produção,

destrói, juntamente com essas relações de produção, as

condições de existência dos antagonismos entre as classes,

destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação

como classe. Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas

classes e antagonismos de classes, surge uma associação na

qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o

livre desenvolvimento de todos” (1998:58/59).

Marx e Engels, à exemplo de Princípios do comunismo acima

destacado, trataram de fazer uma análise crítica das correntes

socialistas da época e esclarecer a posição dos comunistas em

relação ao partidos políticos existentes em vários países.

Destacam na literatura socialista e comunista, as vertentes do

socialismo reacionário (socialismo feudal, socialismo pequeno-

burguês, o socialismo alemão ou “verdadeiro” socialismo), o

socialismo conservador ou burguês, o socialismo e o comunismo

crítico-utópicos.

Além do exame das condições objetivas para a superação do

capitalismo, ausente nas diversas vertentes utópicas de

socialismo e a clara compreensão do caráter histórico e

transitório da sociedade burguesa (afinal, o capital é um poder

social, nada tem de natural), o comunismo de Marx e Engels se

destaca por indicar que a emancipação do proletariado deve ser

realizada pelo próprio proletariado.

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Marx e Engels deixam patente a necessidade de organização

política do proletariado em um partido de novo tipo, capaz de

levar até as últimas conseqüências o processo de transformação

social, à superação do Estado burguês, que, para nossos autores

do manifesto não é “senão um Comitê para gerir os negócios

comuns de toda a classe burguesa” (Idem:42). O manifesto é

uma obra, que, ainda hoje, representa uma fonte para os

revolucionários, que lutam pela superação do capitalismo e a

construção de uma sociedade socialista. Finaliza a sua análise

com um lema que se tornou parte da luta socialista em todo o

mundo: “Proletários de todos os países, uni-vos!”.

Fica claro que o objetivo de Marx e Engels, com o Manifesto

comunista de 1848, era dotar o movimento socialista de uma

base científica, um firme conhecimento sobre a história e a

sociedade capitalista, suas contradições e possibilidades

concretas de sua superação. Para isso, Marx vinha avançando

seus estudos sobre a Economia Política clássica e sua

experiência concreta com a luta do proletariado. De cada

acontecimento histórico tirava as conclusões necessárias para o

futuro da luta da classe operária.

VIA contra-revolução burguesa e as lições da

Revolução de 1848

Os homens fazem sua história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstância de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (Marx, O 18 Brumário de Luis Bonaparte)

O período de 1848 é marcado pelo avanço da luta proletária,

na medida em que a classe operária participou dos levantes

revolucionários em vários países da Europa (França, Alemanha,

Polônia, Hungria, Austria, Itália), aparecendo pela primeira vez

no processo revolucionário como uma classe diferenciada da

burguesia e das classes remanecentes do feudalismo (nobreza,

camponeses, artesãos), portanto com suas próprias

reivindicações, organização e formas de luta. Mas também é

caracterizado por derrotas fragorosas impostas pela classe

dominante desses países ao proletariado.

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A burguesia aliou-se às classes mais reacionárias, à nobreza

e ao clero, para aplacar a força do proletariado em ascenção.

Abre-se, após o processo revolucionário de 1848, uma

avassaladora contra-revolução burguesa na Europa, que durará

praticamente durante toda a década de 1850. Os revolucionários

dos diversos países sofreram perseguições, calúnias,

repressões, condenações da justiça burguesa e prisões. Muitos

foram obrigados a sair dos seus países e se exililarem no

estrangeiro. Marx e Engels foram processados pela justiça alemã

por criticar as autoridades e participar da luta política das

massas. Apesar de serem absolvidos no processo judicial de

Colônia, tiveram de se refugiar em Londres, na Inglaterra.

Os fundadores do marxismo escreveram no período pós-

revolucionário obras de envergadura na evolução da concepção

materialista da história e sua aplicação aos problemas da história

concreta, contribuindo para o aprofundamento de conceitos como

classe, luta de classes, interesse de classe, partido político,

Estado, regimes políticos, revolução, contra-revolução,

bonapartismo, entre outros. Aprofundam, nesse aspecto, a

análise materialista sobre a chamada superestrutura jurídico-

política e as formas de consciência social.

São desse tempo as seguintes obras: As Lutas de Classes

na França de 1848 a 1850 (1850); 18 Brumário de Luís

Bonaparte (1852); Mensagem do Comitê Central à Liga dos

Comunistas (1850); Carta a Joseph Weydemeyer (1852); O

Recente Julgamento de Colônia (1852), todos de Marx;

Revolução e Contra-Revolução na Alemanha (1852) e As

guerras camponesas na Alemanha (1850), escritos por Engels.

Os escritos do período de 1849 a 1852, particularmente As

Lutas de Classes na França, Mensagem do Comitê Central à

Liga dos Comunistas, 18 Brumário de Luís Bonaparte traçam um

quadro histórico dos acontecimentos revolucionários europeus, a

partir do método materialista histórico-dialético, dos quais Marx e

Engels tiram importantes conclusões históricas sobre o caráter

contra-revolucionário da burguesia nos acontecimentos de 1848

em diante, o papel do operariado como classe com potencial

revolucionário, a crise econômica de 1847 como elemento

acelerador e potencializador das contradições sociais, da

diferença de interesses e da luta entre as classes sociais, e

desta como o motor dos fatos históricos do período.

Os textos são fundamentais para a compreensão do caráter

e do papel das classes sociais no contexto da revolução de 1848

e desdobramentos nos anos seguintes, a função do Estado

burguês na defesa do pilar fundamental da sociedade capitalista,

qual seja a propriedade privada, e dos interesses das classes

dominantes, e as limitações das vertentes do movimento

socialista, que atuavam nas lutas do proletariado da época.

Concluía, a partir da análise da luta de classes, que uma nova

revolução seria resultado de uma nova crise econômica e da

organização política dos explorados e não simplemente de meros

desejos subjetivos de grupos de militantes.

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Iniciemos com a Mensagem do Comitê Central à Liga dos

Comunistas14, escrito por Marx em 1850, em que faz um primeiro

balanço da atuação da Liga dos Comunistas nos eventos

revolucionários de 1848-1849 e, nutrindo esperanças numa

retomada da onda revolucionária, examina as condições

concretas da luta política na Alemanha, expõe o caráter

permanente da revolução socialista e alerta para o fato dos

operários manterem a vigilância frente a burguesia e a pequena-

burguesia, assegurando a independência de classe em todas as

situações, não deixando que a revolução se esgote nas tarefas

democráticas. Enfim, diziam que o grito dos operários deveria ser

“a revolução em permanência” (1982:188). A burguesia alemã,

aliando-se à aristocracia e ao clero, impôs uma derrota fragorosa

ao proletariado e demais explorados.

Destacam que “nos dois anos da revolução de 1848-1849, a

Liga afirmou-se duplamente; por um lado, porque os seus

membros intervieram energicamente no movimento por toda a

parte, na imprensa, nas barricadas e campos de batalha, à frente

nas fileiras do proletariado, da única classe decididamente

revolucionária. A Liga afirmou-se, além disso, pelo fato de a sua

concepção do movimento, tal como foi exposta nas circulares

dos congressos e da Direção Central de 1847, assim como no

Manifesto Comunista, se ter mostrado a única correta; pelo fato

de as expectativas formuladas nesses documentos se terem

14O texto pode ser encontrado em Karl Marx, Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas (In: Marx, Lênin, Trotsky, Textos sobre tática revolucionária, São Paulo, Edissões Massas, 2006).

plenamente realizado e a concepção das condições sociais do

momento, antes só em segredo propagada pela Liga, estar agora

na boca dos povos, abertamente apregoada nas praças públicas

(1982:178).

Por outro lado, os acontecimentos revolucionários mostraram

a necessidade do proletariado fortalecer a sua organização

política, seu partido, e defender a sua independência de classe

frente aos demais partidos em luta. Por isso, Marx e Engels

ressaltaram que “a sólida organização inicial da Liga enfraqueceu

significativamente. Uma grande parte dos membros, que

participou diretamente no movimento revolucionário, acreditou

que passara o tempo das sociedades secretas e que bastava a

ação pública. Alguns círculos e comunidades deixaram afrouxar

e adormecer pouco a pouco as suas ligações com a Direção

Central. Assim, enquanto o partido democrático, o partido da

pequena burguesia, se organizava cada vez mais na Alemanha,

o partido operário perdia o seu único apoio sólido, quando muito

permanecia organizado nalgumas localidades para objetivos

locais e, por isso, no movimento geral, caiu interiramente sob o

domínio e a direção dos democratas pequeno-burgueses. Tem

de se por termo a este estado de coisas, tem de se estabelecer a

autonomia dos operários” (Idem, ibidem).

Acreditando na proximidade de uma nova situação

revolucionária na Alemanha, depois da grande onde

revolucionário de 1848-49 e da derrota das forças

revolucionárias, Marx e Engels empreendem na Mensagem a

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necessidade da reorganização da Liga Comunista no país,

propondo que um “emissário parta neste preciso momento, em

que está iminente uma nova revolução, em que o partido

operário deve, portanto, apresentar-se o mais organizado, o mais

unânime e o mais autônomo possível, para não ser outra vez,

como em 1848, explorado e posto a reboque pela burguesia”

(Idem:179). O proletariado precisava se reorganizar

independentemente dos demais partidos, seja da burguesia, seja

da pequena burguesia democrática. Sem isso, cairia, como nos

eventos nos dois anos anteriores, nas mãos da burguesia ou dos

democratas pequeno burgueses.

Tratava-se na nova etapa, pós 1848-49, de demarcar o

programa e a organização política do proletariado frente à força

política em destaque, qual seja o partido democrático pequeno-

burguês, que abrangia a “grande maioria dos habitantes

burgueses das cidades, os pequenos negociantes industriais e

os mestres artesãos: conta entre os seus seguidores os

camponeses e o proletariado rural enquanto este último não tiver

encontrado um suporte no proletariado autônomo das cidades

(Idem:180/181).

Nesse sentido, Marx e Engels observam: “o papel que os

burgueses liberais alemães desempenharam perante o povo em

1848, esse papel traiçoeiro, srá assumido, na revolução que se

avizinha, pelos pequeno-burgueses democratas, que ocupam

agora na oposição o messo lugar que os burgueses liberais

antes de 1848. Este partido, o partido democrático, mais

perigoso para os operários do que o anterior partido liberal,

consiste em três elementos: I. As partes mais avançadas da

grande burguesia, que têm por objetivo a queda imediata e

completa do feudalismo e do absolutismo. Esta fração está

representada pelos antigos conciliadores de Berlim, que

propunham a recusa dos impostos. II. Os pequeno-burgueses

democrático-constitucionais, cuja finalidade principal durante o

movimento precedente foi a fundação de um Estado federal mais

ou menos democrático, como o ambicionavam os seus

representantes, a Esquerda da Assembléia de Frankfurt e, mais

tarde, o Parlamento de Stuttgart, e como eles próprios o

ambicionavam na campanha pela Constituição Imperial. III. Os

pequeno-burgueses republicanos, cujo ideal é uma República

federativa alemã, à maneira da Suíça, e que se dão agora o

nome de vermelhos e de sociais-democratas porque alimentam o

piedoso desejo de abolir a pressão do grande capital sobre o

pequeno, do grande-burguês sobre o pequeno. Os

representantes desta fração eram os membros dos congressos e

comitês democráticos, os dirigentes das associações

democráticas, os redatores dos jornais democráticos” (Idem:180).

O que desejavam de fato o partido da pequena burguesia?

“Os pequeno-burgueses democratas, muito longe de

pretenderem resolver toda a sociedade em benefício dos

proletários revolucionários, aspiram a uma alteração das

condições sociais que lhes torne tão suportável e cômoda quanto

possível a sociedade existente. Por isso reclamam, antes de

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tudo, a diminuição das despesas públicas mediante a limitação

da burocracia e a tranferência dos prinicipais impostos para os

grandes proprietários fundiários e grandes burgueses.

Reclamam, além disso, a abolição da pressão do grande capital

sobre o pequeno, por meio de instituições públicas de crédito e

de leis contra a usura que lhes tornassem possível, a eles e aos

camponeses, obter em condições favoráveis adiantamentos do

Estado em vez de os obterem dos capitalistas; e ainda o

estabelecimento das relações de propriedade burguesas no

campo, pela completa eliminação do feudalismo” (Idem:181).

Como desejavam os democratas pequeno-burgueses realizar

esse programa político? “Para realizarem tudo isto, necessitam

de uma Constituição democrática, seja ela [monárquica]

constitucional ou republicana, que lhes dê a maioria, a eles e aos

seus aliados, os camponeses, e de uma organização comunal

democrática que ponha nas suas mãos o controle direto dda

propriedade comunal e uma série de funções atualmente

exercidas pelos burocratas”. E complementam: “Além disso, a

dominação e o rápido aumento do capital devem ser

contrariados, em parte pela limitação do direito sucessório, em

parte pela entreda ao Estado do maior número possível de

trabalhos. No que se refere aos operários, antes de mais está

assente que devem, como até agora, permanecer operários

assalariados, apenas desejando os pequeno-burgueses

democratas que os operários tenham melhor salário e uma

existência mais assegurada; esperam eles consequir isto

[confiando], em parte, ao Estado a ocupação dos operários e

através de medidas de beneficência; numa palavra, esperam

subordinar os operários com esmolas mais ou menos disfarçadas

e quebrar a sua força revolucionária tornando-lhes

momentaneamente suportável a sua situação” (Idem, ibidem). É

o máximo a esperar de uma revolução por parte da pequena

burguesia democrática.

Que relação deveria manter o proletariado, por seu partido

revolucionário, com a pequena burguesia, representada pelo

partido democrático? Marx e Engels esclarecem: “está com ela

contra a fração cuja queda ele tem em vista: opõe-se-lhe em tudo

o que ela pretende para se consolidar a se mesma” (Idem,

ibidem). No campo do programa, as reivindicações da pequena

burguesia de modo algum devem bastar ao proletariado.

Enquanto a pequena burguesia, alertam nossos autores,

“querem pôr fim à revolução o mais depressa possível,

realizando, quando muito, as exigências atrás referidas, o nosso

interesse e a nossa tarefa são tornar permanente a revolução até

que todas ass classes mais ou menos possidentes estejam

afastadas da dominação, até que o poder de Estado tenha sido

conquistado pelo proletariado, que a associação dos proletários,

não só num país, mas em todos os países dominantes do mundo

inteiro, tenha avançado a tal ponto que tenha cessado a

concorrência dos proletários nesses países e que, pelo menos,

estejam concentradas nas mãos dos proletários as forças

produtivas decisivas. Para nós não pode tratar-se da

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transformação da propriedade privada, mas apenas do seu

aniquilamento, não pode tratar-se de encobrir oposições de

classes mas de suprimir as classes, nem de aperfeiçoar a

sociedade existente, mas de fundar uma nova” (Idem:182).

Marx e Engels passam a propor a tática da Liga Comunista,

o partido revolucionário do proletariado, frente ao partido da

pequena burguesa em três situações: nas condições em que

proletários e pequenos burgueses são oprimidos pela classe

dominante, na situação em que os pequenos burgueses sejam

preponderantes na luta revolucionária e no contexto em que seja

preponderante frente à atual classe dominante derrubada e ao

proletariado, ou seja, na eventual conquista do poder pelo partido

democrático pequeno-burguês na Alemanha. No primeiro

momento, em que lutam lado a lado, contra o atual estado de

coisas na Alemanha, dizem Marx e Engels, o proletariado deveria

rejeitar qualquer proposta de fusão com o partido pequeno

burguês em único partido social-democrata, sob pena de

sucumbir com seu programa, suas reivindicações e sua

independência política de classe.

Ao contrário, “os operários, principalmente a Liga, têm de

trabalhar para constituir, ao lado dos democratas oficiais, uma

organização do partido operário, autônoma, secreta e pública, e

para fazer de cada comunidade o centro e o núcleo de

agrupamentos operários, nos quais a posição e os interesses do

proletariado sejam discutidos independentemente das influências

burguesas. Quão pouco séria é, para os democratas burgueses,

uma aliança em que os proletários estejam lado a lado com eles,

com o mesmo poder e os mesmos direitos, mostram-no por

exemplo os democratas de Breslau, os quais no seu órgão, a

New Oder-Zeitung, atacam furiosamente os operários

organizados autonomamente, a quem intitulam de socialistas.

Para o caso de uma luta contra um adversário comum não é

preciso qualquer união particular. Assim que se trate de combater

diretamente um adversário, os interesses dos dois partidos

coincidem momentaneamente e, como até agora, também no

futuro esta ligação, só prevista para o momento, se estabelecerá

por si mesma” (Idem:183).

Diante das hesitações, indecisões e inatividades dos

pequeno-burgueses, os operários, como nas lutas anteriores, por

sua coragem, decisão e abnegação demonstradas no calor da

luta de classes, deverão conquistar o poder. Como nos

momentos anteriores, uma vez no poder os pequeno-burgueses

disseminarão entre os operários a necessidade de ordem, de

calmaria, de confiança no poder, de regresso ao trabalho, de

restrição de excessos, para excluir o proletariado dos frutos da

vitória. Ao proletariado caberia, desde o primeiro instante, “ditar-

lhes condições tais que a dominação dos democratas burgueses

contenha em si desde o início o germe da queda e que seja

significativamente facilitado o seu afastamento ulterior pela

dominação do proletariado. Durante o conflito e imediatamente

após o combate, os operários, antes de tudo e tanto quanto

possível, têm de agir contra a pacificação burguesa e obrigar os

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democratas a executar as suas atuais frases terroristas. Têm de

trabalhar então para que a imediata efervescência revolucionária

não seja de novo logo reprimida após a vitória. Pelo contrário,

têm de mantê-la viva por tanto tempo quanto possível. Longe de

opor-se aos chamados excessos, aos exemplos de vigança

popular sobre indivíduos odiados ou edifícios públicos aos quais

só se ligam recordações odiosas, não só há que tolerar estes

exemplos, mas tomar em mão a sua própria direção”

(Idem:183/184).

Desse modo, durante e após a luta, “os operários têm de

apresentar em todas as oportunidades as suas reivindicações

próprias a par das reivindicações dos democratas burgueses.

Têm de exigir garantias para os operários assim que os

burgueses democratas se prepararem para tomar em mãos o

governo. Se necessário, têm de obter pela força essas garantias

e, principalmente, procurar que os novos governantes se

obriguem a todas as concessões e promessas possíveis – o

meio mais seguro de os comprometer. Têm principalmente de

refrear tanto quanto possível, de toda a maneira mediante a

apreciação serena, com sangue-frio, das situações, e pela

desconfiança não dissimulada para o novo governo, a

embriaguez da vitória e o entusiasmo pelo novo estado de coisas

que surge após todo o combate de rua vitorioso” (Idem:184).

Frente ao governo oficial vitorioso, o proletariado tem de

“constituir imediatamente governos operários revolucionários

próprios, quer sob a forma de direções comunais, de conselhos

comunais, quer através de clubes operários ou de comitês

operários, de tal maneira que os governos democráticos

burgueses não só percam imediatamente o suporte nos

operários, mas se vejam desde logo vigiados e ameaçados por

autoridades atrás das quais está toda a massa dos operários.

Numa palavra: desde o primeiro momento da vitória, a

desconfiança tem de dirigir-se não já contra o partido reacionário

vencido, mas contra os até agora aliados [do proletariado], contra

o partido que quer explorar sozinho a vitória comum” (Idem,

ibidem).

Para enfrentar essa tarefa, de “opor-se enérgica e

ameaçadoramente a este partido, cuja traição aos operários

começará desde a primeira hora da vitória, têm os operários de

estar armado-se organizados. Tem de ser conseguido de

imediato o armamento de todo o proletariado com espingardas,

carabinas, canhões e munições; tem de ser contrariada a

reanimação da velha milícia burguesa dirigida contra os

operários. Onde não se consiga este último ponto, os operários

têm de procurar organizar-se autonomamente como guarda

proletária, com chefes eleitos e um estado-maior próprio, eleito, e

por-se às ordens, não do poder do estado mas dos conselhos

comunais revolucionários formados pelos operários. Onde os

operários estejam ocupados por conta do estado, têm de

conseguir o seu armamento e organização num corpo especial

com chefes eleitos ou como parte da guarda proletária. Sob

nenhum pretexto podem as armas e munições sair-lhe das mãos,

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qualquer tentativa de desarmamento tem de ser frustrada, se

necessário pela força. Liquidação da influência dos democratas

burgueses sobre os operários; organização imediata, autônoma e

armada dos operários; obtenção das condições mais dificultosas

e compromissórias possíveis para a inevitável dominação

temporária da democracia burguesa – tais são os pontos

principais que o proletariado e, portanto a Liga, devem ter

presentes durante e após a insurreição iminente” (Idem:184/185).

Sendo eleita após a vitória comum dos proletários e

pequeno-burgueses uma Representação nacional, o proletariado

deve, nessas condições, zelar para que uma “quantidade de

operários nãos seja excluída, por qualquer chincanas de

autoridades locais e de comissários do governo, seja a que

pretexto for; (...) sejam propostos candidatos operários, na

medida do possível de entre os membros da Liga e para cuja

eleição se devem acionar todos os meios possíveis. Mesmo onde

não existe esperança de sucesso, devem os operários

apresentar os seus própria candidatos, para manterem as suas

forças, trazerem a público a sua posição revolucionária e os

pontos de vista do partido. Não devem, neste processo, deixar-se

subornar pelas frases dos democratas, como por exemplo que

assim se divide o partido democrático e se dá à reação a

possibilidade da vitória. Com todas essas frases, o que se visa é

que o proletariado seja mistificado. Os progressos que o partido

proletário tem de fazer, surgindo assim como força independente,

são infinitamente mais importantes do que o prejuízo que poderia

trazer a presença de alguns reacionários na Representação.

Surja a democracia, desde o princípio, decidida e terrorista

contra a reação, e a influência desta nas eleições será

antecipadamente aniquilada” (Idem:185).

Diante das vacilações da pequena burguesia quanto à

confiscação das propriedades feudais, que certamente tentaria

em entregar aos camponeses as terras feudais como

propriedade privada, constituindo uma classe camponesa

pequeno-burguesa e mantendo o proletariado rural como

assalariado, os operários e seu partido, a Liga Comunista, deve

opor-se aos planos pequeno-burgueses e defender “que a

propriedade feudal confiscada fique propriedade do Estado e

seja transformada em colônias operárias, que o proletariado rural

associado explore com todas as vantagens da grande exploração

agrícola; desde modo, o princípio da propriedade comum obtém

logo uma base sólida, no meio das vacilantes relações de

propriedade burguesas. Tal como os democratas com os

camponeses, têm os operários de unir-se com o proletariado

rural” (Idem:186).

Sobre a organização política com a vitória comum do

proletariado e da pequena-burguesia, Marx e Engels afirmavam

que os “democratas ou trabalharão diretamente para uma

República federativa ou, pelo menos, se não puderem evitar uma

República uma e indivisível, procurarão paralisar o governo

central mediante o máximo possível de autonomia e

independência para as comunas e províncias. Frente a este

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plano, os operários têm não só de tentar realizar a República

alemã una e indivisível, mas também a mais decidida

centralização, nela, do poder nas mãos do Estado. Eles não se

devem deixar induzir em erro pelo palavreado sobre a liberdade

das comunas, o autogoverno, etc. Num país como a Alemanha,

onde estão ainda por remover tantos restos da Idade Média,

onde está por quebrar tanto particularismo local e provincial, não

se pode tolerar em circunstância alguma que cada aldeia, cada

cidade, cada província ponha um novo obstáculo à atividade

revolucionária, a qual só do centro pode emanar em toda a sua

força – Não se pode tolerar que se renove o estado de coisas

atual, em que os alemães, por um mesmo passo em frente, são

obrigados a bater-se separadamente em cada cidade, em cada

província. Menos do que tudo pode tolerar-se que, através de

uma organização comunal pretensamente livre, se perpetue uma

forma de propriedade – a propriedade comunal, e as desavenças

dela decorrentes entre comunas pobres e ricas, assim como o

direito de cidadania comunal, subsistente, com as suas

chincanas contra os operários, ao lado do direito de cidadania

estatal. Tal como na França em 1793, o estabelecimento da

centralização mais rigorosa é hoje, na Alemanha, a tarefa do

partido realmente revolucionário” (Idem:186/187).

Marx começa o texto de A luta de classes na França (1848-

1850)15 mostrando que “o progresso revolucionário não abriu

caminho com as suas conquistas diretas trágico-cômicas mas,

15Karl Marx, A luta de classes em França: 1848-1850 (Centelha, 1975).

pelo contrário, só fazendo surgir uma contra-revolução compacta

e poderesa, criando-se um adversário e combatendo-o que o

partido da subversão pôde finalmente converter-se num partido

verdadeiramente revolucionário” (1975:44). Significa que as

contradições, concentrando-se e explodindo em convulsões

revolucionárias, fazendo a classe operária aparecer como classe

politicamente revolucionária, obrigaram a burguesia a tomar

partido ao lado das camadas reacionárias, em defesa do Estado,

da propriedade privada e das instituições burguesas.

Essa passagem da análise de Marx é muito importante

porque expressa um período posterior ao primeiro momento do

processo revolucionário de 1848, em que burguesia e as massas

exploradas aparecem unidas contra a monarquia em favor da

república. O desenvolvimento do processo revolucionário é ao

mesmo tempo a expressão da diferenciação da organização e

dos interesses do proletariado, que passa a atemorizar a própria

burguesia no poder e a força a combatê-lo, restringindo a sua

organização, a liberdade de expressão e, em último caso,

atuando no sentido da repressão, prisões e expurgos dos

revolucionários.

Como sabemos, o processo revolucionário de fevereiro de

1848 na França derrubou a monarquia burguesa de Luís Felipe,

o duque de Orleans, que reinou de 1830 a 1848. Como observa

Marx, quem “dominou sob Luís Felipe não foi a burguesia

francesa mas uma fração dela: os banqueiros, os reis da bolsa,

os reis dos caminhos de ferro, proprietários das minas de carvão

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e ferro, proprietários florestais e uma parte da propriedade

imobiliária aliada a estes: a chamada aristocracia financeira.

Instalada no trono, ditava as leis nas Câmaras e distribuía os

cargos públicos, desde os ministérios às tabacarias” (Idem:45). A

burguesia industrial, outra fração da burguesia francesa,

constituia uma parte da oposição oficial no parlamento,

organizava-se enquanto partido, o dos republicanos burgueses, e

defendia seus interesses no parlamento.

A dependência entre o governo de Luis Felipe e a

aristocracia financeira levava a França a um processo de penúria

financeira permanente, ao desequilíbrio entre as receitas e as

despesas. Para Marx “o endividamento do Estado interessava

diretamente à facção burguesa que governava e legislava

através das Câmaras. O déficit do Estado foi precisamente o

próprio objeto das suas especulações e o seu principal local de

enriquecimento. Cada ano, um novo déficit. Cada quatro ou cinco

anos, um novo empréstimo. Ora, cada novo empréstimo oferecia

à aristocracia uma nova ocasião de saquear o Estado que,

mantido artificialmente à beira da bancarrota, era obrigado a

negociar com os banqueiros nas condições mais desfavoráveis.

Cada novo empréstimo proporcionava uma nova ocasião de

roubar o público que coloca os seus capitais em rendas do

Estado, mediante operações da Bolsa em cujos segredos

estavam metidos o governo e a maioria da Câmara” (Idem:47).

Essa relação espúria entre governo, parlamentares e a

aristocracia financeira alimentava a instabilidade do crédito

público e o acesso a informações privilegiadas, dando “aos

bancos e seus associados nas Câmaras e no trono, a

possibilidade de provocar flutuações extraordinárias e repentinas

na cotação dos valores públicos, cujo resultado era sempre,

necessariamente a falência de uma massa de pequenos

capitalistas e o enriquecimento fabulosamente rápido dos

grandes especuladores” (Idem:48). A aristocracia financeira

apoiando-se no governo e na maioria parlamentar nutria-se do

dinheiro público, apropriava-se de parte dos recursos do Estado.

O resultado de tudo isso era o descompasso entre as

despesas e as receitas, os gastos orçamentários e a

arrecadação do governo, os juros da dívida, a pilhagem dos

recursos estatais através de vários mecanismos, desde a

contração de empréstimos, a realização de contratos de

fornecimentos fraudulentos, corrupção, desfalques, vigarices de

toda espécie, sendo que as “relações entre a Câmara e o

governo, multiplicavam-se sob a forma de relações entre as

diferentes administrações e os diferentes empreiteiros. Assim

como os gastos públicos em geral e os empréstimos públicos, a

classe dominante explorava também a construção de caminhos

de ferro. As Câmaras lançavam os principais encargos desta

para cima do Estado e asseguravam o maná dourado à

aristocracia financeira especuladora. Recorde-se o escândalo

que explodia na Câmara dos Deputados, quando se descobriu

acidentalmente que todos os membros da maioria, incluindo uma

parte dos ministros, eram acionistas das próprias empresas de

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construção dos caminhos de ferro a quem eles confiaram, ato

contínuo, como legisladores, a execução de linhas de caminho

de ferro à custa do Estado” (Idem:48/49).

O domínio da aristocracia financeira e da especulação no

governo de Luís Felipe levava à dilapidação dos recursos

públicos, ao individamento do Estado, às negociatas fora e

dentro das bolsas, à reducão da capacidade de investimento do

governo nas atividades diretamente produtivas, e, por fim, a um

processo de oposição crescente dos representantes da

burguesia industrial. Os porta-vozes da burguesia industrial

(Grandin, Leon Faucher etc.) criticavam o governo e seus

defendores (Guizot), “a favor da indústria contra a especulação e

o deu caudatário, o governo” (Idem:46).

Tanto a pequena burguesia, quanto a classe camponesa,

encontrava-se à margem do poder e da participação na vida

política. Seus “representantes ideológicos e os porta-vozes das

citadas classes, os seus sábios, os seus advogados, os seus

médicos, etc.: numa palavra, os chamados ‘talentos’, faziam

parte da oposição oficial ou se encontram à margem do país

legal (não tinha sequer direito a voto). Marx conclui: “A burguesia

industrial via os seus interesses em perigo, a pequena burguesia

estava moralmente indignada, a imaginação popular exaltava-se.

Paris estava afogada em panfletos: ‘A dinastia dos Rotschild’, ‘os

judeus, reis da época’, etc., nos quais denunciava e

anatemizava, com maior ou menor talento, o domínio da

aristocracia financeira” (Idem:51).

Marx ressalta que dois acontecimentos econômicos

aceleraram e amadureceram o descontetamento geral em face

das contradições políticas da sociedade burguesa na França: a

“praga da batata e as más colheias de 1845 e 1846 avivaram a

efervescência geral do povo. A carestia de vida em 1847

provocou em França como no resto do continente, conflitos

sangrentos”; a “crise geral do comércio e da indústria em

Inglaterra” de 1847, que resultou na falência de bancos, fábricas

e comerciantes ingleses, repercutindo nos demais países. Na

França, a crise provocou uma onde de falências, particularmente

entre os pequenos produtores, comerciantes e artesãos. Em

fevereiro de 1848, a agitação nas barricadas provocou a

derrubada de Luis Felipe e a constituição de um governo

provisório.

Esse governo provisório, que sucedeu à monarquia, era

constituído pelos representantes das classes que lutaram contra

o governo anterior, tais como a própria burguesia (republicanos

burgueses do periódico Nacional), a pequena burguesia (Ledru-

Rollin e Flocon) e homens da classe operária (Luis Blanc e

Albert). Tão logo se instalou o novo governo e seus ministérios

foram partilhados pela burguesia, começou a agitação do

proletariado em defesa da proclamação da República. Os

operários de Paris estavam “dispostos a encetar de novo a luta e

a impôr a República pela força das armas” (Idem:55). As paredes

de Paris ostentavam as palavras de ordem: République

Française! Liberté, Égalité, Fraternité.

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A classe operária conseguiu impôr a República à burguesia

vacilante no poder. O proletariado, observa Marx, “apareceu

imediatamente em primeiro plano na qualidade de partido

independente; mas, repentinamente, lançava um deafio a toda a

França burguesa. O que o proletariado tinha conquistado era o

terreno à vista para lutar pela sua emancipação revolucionária,

mas de maneira nenhuma esta própria emancipação” (Idem:56).

Com a conquista do regime republicano, a classe operária

apenas preparava o terreno político para a batalha seguinte: a

conquista da sua emancipação real. Sabia-se que o governo

provisório e a República eram apenas formas de domínio da

burguesia e não do proletariado.

Para arrefecer a energia revolucionária do proletariado, que

havia imposto ao governo burguês o compromisso de dar

trabalho a todos os trabalhadores, a burguesia criou um

Ministério especial do trabalho e lá instalou os representantes do

proletariado, Luis Blanc e Albert. Com essa medida criava a

aparência de que se tratava de uma “República rodeada de

instituições sociais” (Idem:57). Na verdade, com issp não só

afastava os principais expontes da classe operária do governo,

como mantinha o controle sobre os postos mais importantes,

quais sejam: o Ministério das Finanças, do Comércio e das

Obras Públicas, ao lado dos bancos e da bolsa. Controlava os

tribunais, o exército e administração.

Criava-se uma falsa ilusão sobre a possibilidade de uma

emancipação proletária por dentro do governo burguês e nas

fronteiras da nação francesa, quando, na verdade, assevera

Marx, “as condições de produção da França estão condicionadas

pelo seu comércio exterior, pela sua posição no mercado mundial

e pelas leis deste. Como iria a França destruí-las sem uma

guerra revolucionária européia, que tinha na Inglaterra o seu

contra-golpe, o déspota do mercado mundial? (...). A classe

operária francesa ainda não chegara a este ponto; era ainda

incapaz de levar a cabo a sua própria revolução” (Idem:59).

Enquanto isso, a burguesia a frente do poder procurava

afastar qualquer desconfiança na nova república, restabelecer a

normalidade nas finanças do país e estimular a produção e o

comércio, quebrados pela crise econômica, abalados com o

processo revolucionário. Tentava desafogar o crédito público e

privado, afastando a suspeita de que o governo não detinha

recursos suficientes para cumprir com as suas obrigações junto

aos credores do Estado. Chegou a antecipar pagamentos antes

do vencimento para despertar a confiança fraturada. Manteve

intocada a aristocracia financeira e ampliou mesmo o seu poder.

Alguém teria de pagar pela penúria financeira. Primeiro foi a

pequena burguesia, que teve as suas rendas acima de 100

francos, depositadas nas cadernetas de poupança, confiscadas

pelo governo em troca de título públicos não reembolsáveis em

dinheiro. Os pequenos-burgueses foram obrigados a negociar

seus títulos na Bolsa e, com isso, a se tornarem reféns dos

especuladores. Em seguida, os camponeses, a grande maioria

da população francesa, foram surpreendidos com um novo

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imposto. Como diz Marx, enquanto “a revolução de 1789

começara por libertar os camponeses dos encargos feudais, a

revolução de 1848, para não pôr em perigo o capital e assegurar

o funcionamento do mecanismo do Estado, fez-se anunciar por

um novo imposto lançado sobre a população rural” (Idem:69).

Falatava ainda afastar qualquer ameaça, mesmo em

palavras, de parte do proletariado francês. Disso dependia a

retomada da confiança geral no governo. Para a burguesia, não

“havia portanto outro remédio senão acabar com os operários”

(Idem:70). Para isso, passou a utilizar o lupemproletariado

(massa desligada do proletariado industrial) parisiense contra o

proletariado, através da constituição de 24 batalões de guardas

móveis, haja vista a desorganização do Exército em face da

revolução e a inferioridade da Guarda Nacional perante o grosso

do proletariado. Além disso, milhares de operários, que haviam

perdido o emprego com a crise, foram recrutados para as

oficinas nacionais, medida claramente decidida a dividir a classe,

subodinando uma de suas partes ao governo.

Os setores da pequena-burguesia e do campesinato viam no

proletariado um inimigo comum. A República, à qual a classe

operária havia feito a sua bandeira, retirava as rendas dos

camponses e lhes impunha impostos. Quando se acirravam os

conflitos determinantes entre o governo burguês e o proletarido,

o campesinato tendia a cair nas mãos da burguesia contra o

proletariado. As relações entre a burguesia e o proletariado se

extremeceram em 17 de março de 1848, quando setores da

burguesia realizaram uma manifestação hostil ao setor pequeno-

burguês republicano do governo provisório (personaficado na

figura de Ledru-Rollin) e o proletariado teve de sair às ruas a

favor da República em perigo.

A 16 de abriu, os operários reuniram-se pacificamente para

preparar as eleições para o estado-maior da guarda nacional no

Campo de Marte e no hipódromo de Paris, quando espalharam

(a burguesia) um boato de que os operários estavam

conspirando para tomar a Câmara e proclamar um governo

comunista de Luis Blanc, Blanqui, Cabet e Raspail. Os operários

ficaram surpresos ao chegar à Câmara e encontrar os homens

da guarda nacional a sua espera para reprimí-la, se fosse o caso.

A 4 de Maio, a Assembléia Nacional decretou a veidadeira

República, a burguesa, apagando qualquer relação com a

república imposta pelos operários à burguesia em fevereiro.

Eliminaram do governo os representantes do proletarido, que

formavam o Ministério especial do trabalho.

A 15 de maio, o proletariado ocupou a Assembléia Nacional

“esforçando-se em vão por reconquistar a sua influência

revolucionária não conseguindo senão entregar aos carcereiros

da burguesia os seus chefes mais enérgicos. Foram presos

líderes proletários como Albert, Raspail, Sobrier, Barbés e, em

seguida, Blanqui. A burguesia investiu contra as oficinas

nacionais de operários, forçando a saíde de uns, despedindo

outros e forçando-os a ingressar nas fileiras do exército.

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Como afirma Marx, a “22 de Junho, com a fantástica

insurreição em que se travou a primeira grande batalha entre as

duas classes em que se divide a sociedade moderna. Foi uma

luta pela conservação ou aniquilamento da ordem burguesa. O

véu que envolvia a República rasgava-se” (Idem:80/81). Mais de

3.000 prisioneiros operários foram massacrados por uma ação

conjunta do exército, da guarda movel, da guarda nacional e das

guardas das províncias.

A República burguesa aparecia como aquilo que de fato ela

é: um “Estado cuja finalidade confessada é eternizar o domínio

do capital e a escravatura do trabalho”. Afastava-se oficialmente

o proletariado, reconhecia-se oficialmente a ditadura burguesa.

As consequências mais importantes do massacre do proletarido

em junho pela burguesia foram a manifestação da verdadeira

natureza da república francesa e da classe que a dominava, a

aproximação da burguesia às classes reacionárias do antigo

regime, o abandono dos povos que travavam naquele momento

da luta pela independência nacional à sua própria sorte, a

continuidade da opressão sobre o campesinato e a pequena-

burguesia e a sua aproximação ao proletariado.

Ainda, fez sentir, com clareza o sentido internacional de uma

sublevação operária na França. Como falou Marx: “ver-se-á

obrigada a abandonar imediatamente o terreno nacional e a

conquistar o terreno europeu, o único em que poderá levar-se a

cabo a revolução social do século XIX. Portanto, foi pela derrota

de Junho que se criaram as condições que permitiam à França

tomar a iniciativa da revolução européia. Só encharcada do

sangue dos insurretos de Junho é que a bandeira tricolor pôde

transformar-se na bandeira da revolução européia, na bandeira

vermelha” (Idem:85/86).

A nova situação política criada pela derrota do proletariado

em Junho foi o reforço do poder dos republicanos burgueses, o

recuo dos republicanos democratas (pequeno-burgueses) e a

existência de burgueses monárquicos (legitimistas e orleanistas)

como minoria na Assembléia Nacional. Portanto, os republicanos

burgueses governavam com apoio de um séquito de “escritores,

os seus porta-vozes, os seus ‘talentos’, as suas ambições, os

seus deputados, generais, banqueiros e advogados”, Cavaignac

à frente do poder executivo, Marrast da Assembléia Nacional. A

Constituição aprovada se encarregou de legitimar a república

burguesa, a vitória da burguesia sobre o proletariado. Retiraram

a proposta de um artigo prevendo o direito ao trabalho, contido

em um projeto anterior, e, em seu lugar, colocaram o direito à

assistência.

Quando se tratou de defender a forma da república

burguesia, os republicanos burgueses contavam com o apoio dos

republicanos pequeno-burgueses democratas, e, quando se

tratava de defender o conteúdo da república burguesa, observa

Marx, “já nem a sua linguagem os separava das frações

burguesas monárquicas, pois são precisamente os interesses da

burguesia, as condições materiais do seu domínio e da sua

exploração de classe que formam o conteúdo da República

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burguesa” (Idem:89). Todos os burgueses se coligavam quando

a propriedade privada estava em jogo.

No que se refere aos operários soblevados em Junho e aos

seus líderes, abateram-se sobre eles uma ditadura de classe e o

estado de sítio, com condenações, prisões e deportações de 15

mil insurretos. Líderes como Luis Blanc foram entregues aos

tribunais. Medidas antidemocráticas foram aprovadas como

restrições ao direito de associação, revogação da lei que limitava

a jornada de trabalho a dez horas, imposição de caução aos

jornais e restabelecimento da prisão por dívidas.

O período subsequente à sublevação dos operários de Junho

foi a bancarrota dos pequeno-burgueses (donos de cafés,

proprietários de restaurantes, taberneiros, pequenos

comerciantes, retalhistas, artesãos etc.), arruinados pelas

dívidas, pela diminuição do consumo e da produção, pela

cobrança de dívidas pelos bancos, dos aluguéis pelos

proprietários de imóveis, pelos fornecedores de matéria-prima.

Os republicanos burgueses negaram-lhes qualquer aprovação de

leis prorrogando os prazos de pagamentos ou indenização por

causa dos prejuízos causados pela revolução de fevereiro e seus

desdobramentos.

Essa situação levou ao descontentamento entre os pequeno-

burgueses e camponeses, criando condições para a eleição a 10

de dezembro de 1848 de Luis Napoleão (sobrinho de Napoleão

Bonaparte) para presidente da França, amparado, em grande

medida, nos votos do campesinato. Os camponeses foram às

urnas gritando “Basta de impostos, abaixo os ricos, abaixo a

república, viva o imperador!”. Assim, as “restantes classes

contribuíram para a conclusão da vitória eleitoral dos

camponeses. Para o proletariado, a eleição de Napoleão era a

destituição de Cavaignac, a derrocada da Constituinte, a

despedida do republicanismo burguês, a anulação da vitória de

Junho. Para a pequena-burguesia, Napoleão era o domínio do

devedor sobre o credor. Para a maioria da grande-burguesia, a

eleição de Napoleão era a ruptura aberta com a facção da qual

tinha tido que servir-se durante um momento contra a revolução,

mas que se lhe tornara insuportável desde que procurou fazer da

sua posição momentânea uma posição constitucional. Napoleão

no lugar de Cavaignac era, para ela, a monarquia em vez da

República, o começo da restauração monárquica, os Orleans a

que timidamente aludiam a flor de lis escondida por entre as

violetas. Finalmente, o exército, votou em Napoleão, contra a

guarda movel, contra o idílio da paz, a favor da guerra”

(Idem:104/105). Os proletários mais avançados lançaram

Raspail, como representante do operariado revolucionário. A

pequena-burguesia lançou Ledru-Rollin como seu candidato.

Luis Napoleão, tão logo foi reconhecido presidente da

França, tratou de nomear para seus ministros represenantes das

frações monárquicas: Odilon Barrot, orleanista; Falloux,

legitimista; Changarnier, legitimista, entre tantos. Os

representantes dos republicanos burgueses foram retirados dos

cargos que haviam oculpado no Estado, mas se mantiveram a

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frente da Assembléia Nacional Constituinte. Luis Napoleão e seu

Ministro Barrot decidiram restaurar o imposto sobre o sal, para o

desagrado dos camponeses.

A Assembléia Nacional Constituinte, ainda sob o controle dos

republicanos burgueses, instaurou a desconfiança em relação à

decisão do ministério sobre a imposição do imposto do sal, ao

reduzir o valor do imposto estabelecido. Os conflitos entre a

Assembléia Nacional e o novo governo (na pessoa de Barrot, do

Ministério) se intensificaram desde então. As acusações mútuas

se intensificaram sob a forma de uma guerra de petições, que

circulavam na França inteira, cada uma formulando a dissolução

da outra. Amparado nos votos que recebera o governo de Luis

Napoleão, mediante seus ministros decidiram mostrar força,

desoganizando a guarda movel (reduto dos republicanos

burgueses) e investindo sobre os clubes de proletários

revolucionários.

No fim de contas, a Assembléia Nacional não resistiu à

pressão e acabou servindo aos anseios de poder de Luis

Bonaparte, aprovando restrições ao direito de associação,

reprovando pedido de anista aos insurretos de Junho de 1848 (a

favor dos proletários revolucionários) até a sua autodissolução.

Como analisa Marx, esta “mísera Assembléia retirou-se de cena

depois de, dois dias antes do seu aniversário – 4 de Maio -, ter

tido a satisfação de rejeitar a proposta de anistia para os

insurretos de Junho. Com o seu poder destruído, odiada até à

morte pelo povo, repudiada, maltratada, posta de lado pela

burguesia, de que era instrumento, obrigada, na segunda metade

da sua vida, a desautorizar a primeira, despojada da usa ilusão

republicana” (Idem:128).

Começava então a luta política em torno da constituição da

Assembléia Nacional Legislativa, que a sucedeu, de modo que

cada partido deseja eleger o máximo de representantes. O fato é

que as forças políticas passaram a se dividir da seguinte forma:

a) o partido da ordem, formado pelo setor burguês monárquico

(orleanistas e legitimistas); b) os amigos da constituição, que na

verdade eram os republicados burgueses; c) o partido

democrático-socialista, formado a partir da junção entre os

republicanos democráticos pequeno-burgueses e os

revolucionários democráticos.

Os bonapartistas, isto é, os adeptos de Luis Bonaparte, “não

formavam uma fração uma fração séria da classe buguesa, mas

sim uma coleção de velhos e supersticiosos inválidos, de jovens

e incrédulos cavaleiros de indústria” (Idem:132). A pequena

burguesia continuava com suas vacilações. Representava “uma

massa vacilante entre a burguesia e o proletariado, cujos

interesses materiais exigiam instituições democráticas”

(Idem:136). Já o “partido do Nacional, os ‘amigos da Constituição

quand même, les republicains purs et simples, saíram

completamente derrotados das eleições. Só uma minoria ínfima

dentre eles foi enviada à Câmara Legislativia. Os seus chefes

mais notáveis desapareceram de cena, inclusive Marast, o

redator-chefe e o Orfeu da República ‘honesta’” (Idem:137). O

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partido da ordem acabou ganhando a maioria das vagas na

Assembléia Nacional Legislativa.

Marx nos oferece em A luta de classes na França (1848-

1850) uma análise primorosa sobre o papel político e as posições

da pequena burguesia e do seu partido frente aos problemas

políticas colocados pelo desenvolvimento do processo

revolucionário de 1848 na França. Isso fica patente nas posições

dos republicanos pequeno-burgueses em questões como a

invasão de Roma pelo exército francês para debelar o processo

revolucionário e nas medidas adotadas frente ao parlamento e ao

governo da França.

Quanto ao problema da ocupação romana pelo exército

francês, o partido democrático pequeno-burguês, por meio do

seu porta-voz principal (Ledru-Rollin) procurou opor-se por meio

da crítica à postura do governo, formulando uma queixa contra

Luis Bonaparte e seus ministros, com amparo na Constituição

francesa que, entre outras coisas, estabelecia em seu art. 5º, que

“A República Francesa jamais empregará as suas forças

militares contra a liberdade de qualquer povo”, enquanto o art.

54º proibia “o Poder executivo de declarar qualquer guerra sem o

consentimento da Assembléia Nacional”. O representante da

pequena-burguesa e seu partido, A Montanha, chegou a dizer o

seguinte: “Os republicanos saberão fazer respeitar a Constituição

por todos os meios, e se necessário foi, pela força das armas!”

(Idem:141).

Sabedor das limitações políticas da luta pequeno-burguesa

em torno das normas constitucionais, amparando-se na

legalidade burguesa, no interior de um Parlamento controlado

pelas frações burguesas, Marx formula a seguinte pergunta, por

demais reveladora de sua crítica: “Seria que Ledru-Rollin

acreditava poder derrotar a Assembléia Nacional através da

Constituição e o presidente através da Assembléia Nacional?”.

Responde logo em seguida à questão: “Era certo que a

Constituição proibia todo o ataque à liberdade dos outros povos,

mas o que o exército francês atacava em Roma não era,

segundo o ministério, a ‘liberdade’, mas o ‘despotosmo da

anarquia’. Seria que a Montanha, apesar de todas as suas

experiências da Assembléia Constituinte, não tinha ainda

compreendido que a interpretação da Constituição não pertencia

aos que a haviam feito, mas unicamente aos que a tinham

aceitado? Que era preciso que o seu texto fosse interpretado no

seu sentido viável e que o seu único sentido viável era o sentido

burguês? Que Bonaparte e a maioria monárquiva da Assembléia

Nacional eram os intérpretes autênticos da Constituição, como o

cura é o intérprete autêntico da Bíblia e o juiz o intérprete

autêntico da lei?” (Idem:142).

Marx compreende, pois, as limitações dessa oposição

legalista e parlamentar do partido da pequena-burguesia, a

Montanha. Na verdade, diz Marx, o “que a Montanha tentava a

11 de Junho era ‘uma insurreição dentro dos limites da razão

pura’, que dizer, uma insurreição puramente parlamentar (...) Se

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a Montanha conseguisse levar por diante uma insurreição

parlamentar, iria parar diretamente às suas mãos o governo do

Estado. Além disso, omais ardente desejo da pequena burguesia

era, como sempre, que a luta lhe passasse por cima, lá nas

nuvens, entre as sombras mortas dos parlamentares. Por último,

ambas, a pequena burguesia democrática e a sua representante,

a Montanha, conseguiriam, com uma insurreição parlamentar, a

sua grande finalidade: acabar com o poder da burguesia sem

desacorrentar o proletariado ou sem o deixar aparecer senão em

perspectiva; assim se teria utilizado o proletariado sem que este

se tornasse perigoso” (Idem:143/144).

Qual a postura dos represetantes do proletariado diante dos

fatos? “Os delegados proletários, afirma Marx, fizeram a única

coisa racional: obrigaram a Montanha a comprometer-se, isto é,

a sair dos limites da luta parlamentar, no caso de ser rejeitada a

sua ata de acusação. Durante todo o 13 de Junho o proletariado

conservou esta atitude de observação céptica e aguardou um

corpo a corpo inevitável, seriamente empenhado, irreversível,

entre o exército e a guarda nacional democrata, para se lançar

então na batalha e levar a revolução para além da finalidade

pequeno-burguesa que se lhe atribuía. No caso de vitória, estava

já formada a Comuna proletária que haveria de atuar ao lado do

governo oficial. Os operários de Paris tiham aprendido na escola

sangrenta de Junho de 1848” (Idem:145).

Rejeitada a acusação parlamentar formulada pelo partido da

pequena-burguesia. De fato, a “Montanha estava resolvida a

impôr o respeito da Constituição por todos os meios, ‘exceto pela

força das armas’”. Na manha seguinte, o partido pequeno-

burguês lancou uma proclamação, em que declarava “o

presidente, os ministros e a maioria da Assembléia legislativa

‘fora da Constituição’ (hors la Constitution)”, convidando a

“guarda nacional, o exército e finalmente também o povo a

‘sublevar-se’. ‘Viva a Constituição!’, era a palavra de ordem que

lançava; palavra de ordem que queria dizer pura e simplesmente:

‘Abaixo a revolução’ (Idem:146/147).

Como resultado da posição da pequena-burguesia,

organizou-se uma manifestação pacífica a 13 de Junho, em que

“30.000 homens, na sua grande maioria guardas nacionais

desarmados misturados com membros das sociedades secretas

operárias, que desfilavam ao grito de ‘Viva a Constituição’ (...). É

sabido como, ao chegar à entrada da rua da Paz, o cortejo foi

recebido nas avenidas pelos dragões e caçadores de

Changarnier de uma maneira muito pouco parlamentar e como,

num abrir e fechar de olhos, se dispersou em todas as direções,

deixando escapar um outro fraco grito de ‘Ás armas!’, para que

cumprisse o apelo às armas parlamentares do 11 de Junho” (...).

Parte dos representantes foram feitos prisioneiros e os demais

conseguiram fugir. Assim findou o 13 de Junho”. Marx conclui:

“Se o 23 de Junho de 1848 tinha sido a insurreição do

proletariado revolucionário, o 13 de Junho de 1849 foi a

insurreição dos pequeno-burgueses democratas, e cada uma

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destas insurreições a expressão clássica pura da classe que as

organizava” (Idem:147-149).

Os fatos do 13 de Junho de 1849 demonstravam, diz Marx,

que a Assembléia Nacional francesa “já não é mais do que o

Comité de Salvação Pública do partido da ordem” e a converção

da “ditadura legislativa dos monárquicos coligados num fato

consumado”. Como resultado do movimento parlamentar

decretado pelo partido da pequena burguesia, o partido da ordem

dentro e fora do Parlamento impuseram o estado de sítito e um

conjunto de medidas contra-revolucionárias para barrar a

resistência, mesmo limitada, da pequena burguesia e as

tendências de inconformismo da classe operária. Assim,

decretou-se “um novo regulamento, que suprimia a liberdade de

tribuna e autorizava o presidente da Assembléia Nacional a

castigar os deputados por distúrbio da ordem, por censura,

multas, suspensão de indemnidade, expulsão temporária e

cárcere” (Idem:150).

Mas as medidas do governo francês de plantão não pararam

por aí. Além de privar o partido da pequena burguesia de sua

força parlamentar, “desposajaram os pequeno-burgueses

democratas da sua força armada, ao licenciarem a artilharia de

Paris e as 8ª, 9ª e 12ª legiões da guarda nacional (...) A

dissolução dos guarda nacionais suspeitos de republicanismo

repetiu-se por todo o território francês”. Aprovou-se uma “nova lei

contra a imprensa, uma nova lei contra as associações, uma

nova lei sobre o estado de sítio, as prisões de Paris a abarrotar,

os refugiados políticos expulsos, todos os jornais que iam mais

além do que o Nacional, suspensos, Lyon e os cinco

departamentos limítrofes entregues aos enredos brutais do

despotismo militar, tribunais por todo o lado, o tantas vezes já

deputado exército de funcionários, uma vez mais depurado”.

Essas medidas foram aplicadas não “só contra o proletariado,

mas sobretudo contra as classes médias” (Idem:151).

Nem bem o estado de sítio foi retirado, aumentaram as

intrigas entre as frações políticas no seio do Estado e do

parlamento. Marx assevera que “Orleanistas e legitimistas

conservavam rancor às intrigas bonapartistas que se divulgavam

nas viagens principescas, nos intentos mais ou menos visíveis de

emancipação do presidente, na linguagem pretensiosa dos

jornais bonapartistas; Luís Bonaparte guardava rancor a uma

Assembléia Nacional que só considerava legítima a conspiração

legitimista-orleanista e um ministério que o atraiçoava

continuamente em proveito desta Assembléia Nacional”

(Idem:157/58).

O Estado continuava refém da alta burguesia financeira e um

dos ministérios de Bonaparte, o das Finanças, passou ao

controle direito de um dos seus representantes: “O seu ministro

das Finanças era Fould. Foud nas Finanças significava a entrega

oficial da riqueza nacional de França à Bolsa, a administração do

patrimônio do Estado pela Bolsa, e no interesse da Bolsa”

(Idem:162/63). A razão disso se encontrava na dívida pública

contraída e aprofundada pelo governo: “Por que é que é

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determinado o fato do patrimônio do Estado cair nas mãos da

alta finança?, pergunta Marx. Pelo crescimento incessante da

dívida do Estado. E o endividamento do Estado? Pelo constante

excesso das despesas sobre as receitas, desproporção que

constitui ao mesmo tempo a causa e efeito do sistema dos

empréstimos públicos” (Idem:165).

Por outro lado, o restabelecimento e aumento de impostos

incidiam sobre o campesinato, razão pela qual o governo, eleito

principalmente com os seus votos, viam se incrementar o ódio

contra os referidos impostos. O camponês se endividava ainda

mais. Para o governo, “O imposto é a quinta divindade ao lado da

propriedade, da família, da ordem e da religião”. A população

camponesa, à época mais de dois terços do total, era “composta

na sua maior parte pelos proprierários de bens de raiz

supostamente livres. A primeira geração, gratuitamente libertada

dos encargos feudais pela revolução de 1789, não tinha pago

nada pela terra. Mas as gerações seguintes pagavam sob a

forma de preço da terra, o que os seus antepassados semi-

escravos tinham pago sob a forma de rendas, décimas, imposto

braçal, etc. Quanto mais crescia a população, mais se acentuava

a divisão da terra, mais aumentava o preço da parcela, pois à

medida em que é insuficiente, aumenta a procura. Mas na

mesma porção em que subia o preço que o camponês pagava

pela parcela – quer a comprasse diretamente, quer ele a

contasse como capital pelos seus co-herdeiros-, aumentava

proporcionalmente o endividamento do camponês, isto é, a

hipoteca (Idem:174).

Nos anos de 1849 e 1850 na França a situação econômica,

social e política apresentava a seguinte posição: de um lado,

obsevava-se uma certa recuperação econômica nos setores da

indústria e do comércio, comparado com a crise de 1847 e seus

reflexos. Marx chega a dizer que as “indústrias parisienses estão

em plena atividade,e também se encontram bem as fábricas

algodoeiras de Ruão e Mulhouse, ainda que aqui, como em

Inglaterra, os preços elevados da matéria-prima tenham refreado

o efeito. O desenvolvimento da prosperidade em França foi, além

do mais, particularmente favorecido pela ampla reforma

aduaneira de Espanha e pela nova baixa de taxas alfandegárias

para os diferentes artigos de luxo no México; a exportação de

mercadorias francesas para ambos os mercados aumentou

consideravelmente. (...) A prova mais evidente da prosperidade

recuperada é o restabelecimento dos pagamentos do Banco em

moeda, por lei de 6 de Setembro de 1850” (Idem:197/198);

De outro, Marx mostra “como a prosperidade do comércio e

da indústria, recuperada no decorrer de 1848 e ainda

amargurada em 1849, paralizou o impulso revolucionário e

tornou possíveis as vitórias simultâneas da reação” (Idem,

ibidem). E apesar do refluxo na radicalidade que foi a marca da

Revolução de 1848 na França e demais países europeus, nos

quais estourou, a luta de classes continua ocorrendo. Significa

dizer que as condições de vida e de trabalho dos setores mais

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explorados da população (proletariado, camponeses, camadas

médias arruinadas pela crise) continuavam deploráveis. Assim,

apesar “da prosperidade industrial e comercial de que goza

momentaneamente a França, a massa da população, os 25

milhões de camponeses, sofrem uma grande depressão”

(Idem:201).

Entretanto, a partir de 1851, a “França atravessava uma

pequena crise comercial. Em fins de fevereiro registrou-se um

declínio das exportações em comparação a 1850; em março o

comércio experimentou um revés e as fábricas deixaram de

trabalhar; em abril a situação dos departamentos insdustriais

parecia tão desesperadora como depois das jornadas de

fevereiro, em maio os negócios não tinham ainda tomado pé; em

28 de junho o ativo do Banco de França demonstrava, pelo

enorme aumento dos depósitos e o decréscimo igualmente

grande em adiantamentos contra letras de câmbio, que a

prosução estava paralisada, e só em meados de outubro

começou a produzir-se uma melhora prograssiva nos negócios. A

burguesia francesa atribuía essa paralisação do comércio a

causas puramente políticas, à luta entre o parlamento e o poder

executivo, à precarização de uma forma provisória de governo, à

aterradora perspectiva do segundo domingo de maio de 1852.

Não negarei que todas essas circunstâncias exerciam um efeito

deprimente em alguns ramos da indústria de Paris e dos

Departamentos. Essa influência das condições políticas, contudo,

era apenas local e sem importância. (...) A causa comum que,

naturalmente, não deve ser procurada dentro dos limites do

horizonte francês era evidente. Os anos de 1849 e 1850 foram os

anos de maior prosperidade material e de uma superprodução

que só se manifestou como tal em 1851” (Idem:101/102).

Tal como ocorria com os trabalhadores assalariados nas

fábricas, expostos a uma profunda exploração pelo capital, os

camponeses sentiam o peso dos impostos, das dívidas, das

crises, dos preços, etc. Por isso Marx avalia que “a sua

exploração só se distingue da exploração do proletariado

industrial pela forma. O explorador é o mesmo: o capital.

Individualmente, os capitalistas exploram os camponeses

individualmente através da hipoteca e da usura. A classe

capitalista explora a classe camponesa pelo imposto do Estado.

O título de propriedade é o talismã por meio do qual o capital o

tinha vindo a enfeitiçar até ao momento, pretexto de que se valeu

para o incitar contra o proletariado industrial” Idem:177).

Nesse contexto, “Só por si a queda do capital pode erguer o

camponês; só por si um governo anticapitalista proletário, pode

fazê-lo sair da sua miséria econômica, da sua degradação social.

A República constitucional é a ditadura dos seus exploradores

coligados; a República social-democrática, a República

vermelha, é a ditadura dos seus aliados. E a balança sobe ou

baixa consoante os votos que o camponês deposita na urna

eleitoral. Está-lhe nas mãos decidir a sua sorte. Eis o que diziam

os socialistas nos folhetos, nos almanaques, nos calendários,

nas proclamações de toda a espécie. Esta linguagem tornava-

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lhes mais acessível graças aos escritos contrários do partido da

ordem que, dirigindo-se-lhe por sua vez pelo seu grosseiro

exagero, pela brutal interpretação e exposição das ideias e

intenções dos socialistas, terminou por chegar verdadeiramente

ao camponês e excitar o seu apetite do fruto proibido. Mas a

linguagem mais compreensível eram as próprias experiências

que a classe camponesa tinha obtido do uso do direito ao

sufrágio e as decepções que, na precipitação revolucionária, se

abateram sucessivamente sobre si. As revoluções são os

motores da história” (Idem:177/78).

O fato é que as ações do Estado, do governo e do

parlamento burguês contra os camponeses, desde o aumento e

manutenção de pesados impostos (como o imposto sobre as

bebidas), como as condições econômico-sociais do país fazem

com que “pouco a pouco, os camponeses, os pequeno-

burgueses, as camadas médias em geral, se iam colocando ao

lado do proletariado, levados pela oposição aberta contra a

República oficial, tratados por esta como adversários. Revolta

contra a ditadura burguesa, necessidade de uma modificação da

sociedade, manutenção das instituições democrático-

republicanas como seus órgãos motores, agrupamento em torno

do proletariado como força revolucionária decisiva – tais são as

características comuns do chamado partido da social-

democracia, o partido da Reública vermelha” (Idem: 183/184).

Marx, entretanto, expressa o verdadeira caráter do partido

social-democrata: “Esse partido da anarquia, como foi batizado

pelos seus adversários, é, como o partido da ordem, uma

coligação de interesses diferentes. Desde a reforma mínima da

velha desordem social até a subversão da velha ordem social,

desde o liberalismo burguês até ao terrorismo revolucionário, tais

são os polos extremos que constituem o ponto de partida e o

ponto de chegada do partido da ‘anarquia’’ (Idem, Ibidem).

Portanto, o revolucionário alemão tinha clareza que o partido

social-democrata, resultado da ação conjunta entre setores

pertencentes a interesses de classes diferentes era marcado por

contradições entre estratégias políticas frente à luta de classes.

Numa conjuntura político-revolucionária em que setores os

mais diversos em relação às condições de classe, aos objetivos

estratégicos da luta e aos próprios métodos de organização e

luta, era preciso diferenciar claramente as diferentes

perspectivas e interesses de classe. Isso porque o “progresso da

revolução tinha amadurecido tão rapidamente a situação que os

partidários de reformas de toda a espécie, as pretensões mais

modestas das classes médias se viam obrigadas a agreupar-se

em torno da bandeira do partido subversivo mais extremista, em

torno da bandeira vermelha”. Cada fração de classe agrupada

em torno do partido social-democrata, isto é, o partido mais

radical, procurava defender os seus interesses, necessidades e

as suas condições materiais como as mais adequadas para a

emancipação dos explorados, tentando direcionar a organização

e a luta para sua perspectiva quanto à transformação social

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desejada. Portanto, as posições sobre o socialismo eram muito

diferentes, se tratasse da pequena-burguesa ou do proletariado.

Diferentemente dos setores da burguesia republicana e da

pequeno-burgueses, com suas idéias abstratas e indefinidas de

transformação social (ora identificadas ao socialismo burguês e

ao socialismo doutrinário), que na verdade na passava de uma

tentativa de minimizar as condições sociais e econômicas

miseráveis do capitalismo, o proletariado, diz Marx, “agrupa-se

cada vez mais em torno do socialismo revolucionário, em torno

do comunismo que a própria burguesia batizou com o nome de

Blanqui. Este socialismo é a declaração permanente da

revolução, da ditadura de classe do proletariado como ponto

necessário de transição para se chegar à supressão das

diferenças de classe em geral, à supressão de todas as relações

de produção nas quais elas assentam, à supressão de todas as

relações sociais que correspondem a essas relações de

produção, à subversão de todas as idéais que emanam destas

relações sociais” (Idem:187).

Diante desse contexto político de reagrupamento das

camadas médias e do campesinato em torno do proletariado e do

desgaste do governo e do parlamento, o governo”desprezado

pelos seus inimigos e maltratado e humilhado diariamente pelos

seus supostos amigos, não via senão um meio de sair daquela

situação desagradável e insustentável: o motim. Um motim em

Paris teria permitido decretar o estado de sítio na capital e nos

departamentos e dominar deste modo as eleições. Por outro

lado, os amigos da ordem ver-se-iam obrigados a fazer

concessões a um governo que tinha conseguido a vitória sobre a

anarquia, se eles próprios não quisessem aparecer como

anarquistas” (Idem:188). As provocações contra o proletariado

organizado se sucederam, mas este “não cedia a nenhuma

provocação para um motim porque estava prestes a fazer uma

revolução” (Idem:189).

O fato é que nas eleições de 10 de Março de 1850 na França

foi eleitos candidatos socialistas, das diferentes vertentes

coligadas, com o proletariado à testa. Napoleão havia sofrido

uma derrota nas eleições parlamentares. Segundo Marx, com “o

10 de Março de 1850, a República constitucional entre numa

nova fase, na fase da sua dissolução. As diferentes frações da

maioria (isto é a maioria do parlamento francês vinculada ao

poder) voltam a unir-se entre si e com Bonaparte. Tornam-se de

novo as defendoras da ordem e ele volta a ser o seu homem

neutro” (Idem:191). A classe dominante, que até então havia

governado por meio do sufrágio universal, diante das condições

desfavoráveis da luta de classes, não tem qualquer pudor de

liquidar com o regimo político embasado no voto.

Como ocorrera em situações anteriores, a pequena

burguesia, através do seus representantes, tentaram esboçar

uma crítica e uma resistência no campo puramente parlamentar,

propondo ao parlamento francês a rejeição do projeto de lei que

extinguia o sufrágio, alegando a sua incompatibilidade com a

Constituição. O partido do governo, diz Marx, “respondeu

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dizendo que se fosse necessário se violaria a Constituição, mas

que, no entanto, não havia agora necessidade disso porque a

Constituição era susceptível de toda a espécie de interpretações

e que a maioria era a única competente para decidir da

interpretação correta” (Idem:205). A burguesia, ao rejeitar o

sufrágio universal, “com que se tinha coberto até então, de que

extraía a sua competência, confessa sem subterfúgios: ‘A nossa

vitória manteve-se até agora por vontade do povo; agora há que

consolidá-la contra a vontade do povo’” (Idem:194/195).

A supressão do sufrágio foi imposto pelo governo de

Bonaparte e pela maioria do parlamento francês sem maior

resistência. Para Marx, um “exército de 150.000 homens em

paris, o longo adiamento da decisão, o açaimo da imprensa, a

pusilaminidade da Montanha e dos deputados novamente eleitos,

a calma majestosa dos pequeno-burgueses mas, sobretudo, a

prosperidade comercial e industrial impediram qualquer tentativa

revolucionária por parte do proletariado. O sufrágio universal

tinha cumprido a sua missão. A maioria do povo tinha passado

pela escola de desenvolvimento, que só o sufrágio universal

podia dar numa época revolucionária. Tinha que ser

necessariamente abolido por uma revolução ou pela reação”

(Idem:206). Decretado o fim do sufrágio e imposta uma lei de

imprensa de caça aos jornais da oposição, “o partido

revolucionário e democrata desaparece da cena oficial”

(Idem:209).

Marx desenvolve em A luta de classes na França uma

análise magistral das condições materiais que estão na base das

contradições políticas pó-Revolução de 1848, em particular a

impossibilidade histórica do advento de uma nova revolução

social na França com a recuperação econômica e o

desenvolvimento capitalista. Segundo Marx, sob” esta

prosperidade geral, em que as forças produtivas da sociedade

burguesa se desenvolvem tão abundantemente quanto o

permitem o condicionalismo burguês, não se saberia falar de

verdadeira revolução. Semelhante revolução só é possível nos

períodos em que este dois fatores, as modernas forças

produtivas e as formas burguesas de produção entram em

conflito umas com as outras. As diversas querelas a que se

entregam por agora os representantes das diferentes frações do

partido da ordem continental e em que se comprometem

reciprocamente bem longe de darem ocasião a novas

revoluções, só são possíveis, pelo contrário, porque a base das

relações é, no momento, tão segura e – fato que a reação ignora

– tão burguesa. (...). Todas as tentativas de reação para conter o

desenvolvimento burguês, aí se destruirão tão fortemente como

toda a indignação moral e todas as proclamações entusiasmadas

dos democratas”. E conclui: “Uma nova revoção só será possível

como consequência de uma nova crise. Mas uma é tão certa

como a outra” (Idem:202/203).

Não obstante mais uma derrota da forças coligadas no

partido social-democrata e a imposição pelo governo e

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parlamento da supressão do sufrágio e de uma lei contra a

imprensa livre, os atritos entre as frações coligadas no partido da

ordem e entre estas e Bonaparte continuavam: “os incessantes

atritos entre Bonaparte e a Assembléia Nacional; a ameaça

constantemente renovada do partido da ordem se decompor nos

seus diferentes elementos constitutivos e a incessantemente

repelida fusão das suas frações; a tentativa de cada fração em

converter cada vitória sobre o inimigo comum numa derrota

momentânea dos aliados; os ciúmes, ódios e as mútuas críticas

severas, o contínuo desembainhar das espadas, que acaba

sempre num novo beijo Lamourette, toda essa deplorável

comédia de equívocos não se tinha desenvolvido nunca de um

modo mais clássico como durante estes últimos seus meses”

(Idem:210).

As condições históricas concretas, as contradições

econômicas e a dinâmica da luta de classes na França, com o

avanço das intrigas das frações burguês no âmbito do Estado e

das instituições parlamentares, a crise entre a Assembléia

Nacional e o presidente do país, criavam as bases para o

advento do bonapartismo: o golpe de Estado personificado na

figura de Luis Napoleão, de 2 de Dezembro de 1851. Essa

análise inicial seria desenvolvida na obra seguinte: O 18

Brumário de Luis Bonaparte, escrito entre dezembro de 1851 e

março de 1852, publicado em Nova York, na revista Die

Revolution, em 1952.16

16Karl Marx, O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann (São Paulo, Paz e Terra, 1971).

O fundamental do regime Bonapartista era que “o Estado

parece tornar-se completamente autônomo. A máquina do

Estado consolidou a tal ponto a sua posição em face da

sociedade civil que lhe basta ter à frente o chefe da sociedade de

10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora, glorificado por

uma soldadesca embriagada, comprada com aguardente e

salsichas e que deve ser constantemente recheada de salsichas.

Daí o pusilâmine desalento, o sentimento de terrível humilhação

e degradação que oprime a França e lhe corta a respiração. A

França se sente desonrada”. Mas só aparentemente o Estado se

encontra acima das classes e da luta entre elas. Na verdade, diz

Marx, “o poder estatal não está suspenso no ar. Bonaparte

representa uma classe, e justamente a classe mais numerosa da

sociedade francesa, os pequenos (Parzellen) camponeses”

(1977:114/115), a expressiva maioria da população francesa e

saudosista de Napoleão Bonaparte.

Tendo o campesianato e as classes médias como ponto de

apoio, como base social para o golpe e manutenção do poder,

Luis Napoleão, o sobrinho de Napoleão Bonaparte, mas, de fato,

representava em última instante (diante dos atritos e

desentedimentos das frações burguesas em disputa e do

desenvolvimento da luta de classes) a manutenção da

propriedade privada burguesa e, portanto, a dominação de

conjunto da burguesia. De fato, “depois do golpe de Estado, a

burguesia francesa gritava: Só o chefe da Sociedade de 10 de

Dezembro (isto é Luis Bonaparte!) pode salvar a sociedade

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burguesa! Só o roubo pode salvar a propriedade; o perjúrio, a

religião; a bastardia, a família; a desordem, a ordem!” (Idem:123).

Portanto, conclui Marx, “Bonaparte gostaria de aparecer como o

benfeitor patriarcal de todas as classes. Mas não pode dar a uma

classe sem tirar de outra” (Idem:124/125).

De fato, o sobrinho do imperador Napoleão Bonaparte, Luis

Bonaparte, não era mais que uma caricatura do tio. O que

possibilitou a subida e permanência ao poder do Estado francês

por esse personagem da história foram as condições sociais,

polítias e econômicas da época, em que uma figura cômica se

torna uma alternativa real para a classe dominante diante das

disputas e desentendimento entre suas frações, do

inconformismo das classes médias e da impossibilidade de

tomada do poder pela classe operária.

Por isso, no início de O 18 Brumário, Marx sintetiza a

natureza desse acontecimento histórico: “Hegel observa em uma

de suas obras que todos os fatos e personagens de grande

importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas

vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como

tragédia, a segunda como farsa. Caussidiére por Danton, Luis

Blanc por Robespierre, a Montanha de 1848-1851 pela Montanha

de 1793-1795, o sobhinho pelo tio. E a mesma caricatura ocorre

nas circunstâncias que acompanham a segunda educação do

Dezoito Brumário!” (Idem:17). No final da obra, Marx vaticina:

“Mas quando o manto imperial cair finalmente sobre os ombros

de Luis Bonaparte, a estátua de bronze de Napoleão ruirá do

topo da Coluna Vendôme” (Idem:126).

É preciso realçar algumas aquisições fundamentais de O 18

Brumário de Luis Bonaparte. Nesta obra, Marx apresenta de

forma contudente a sua concepção do papel do indivíduo na

história. Já em A luta de classes na França (1848-1850), Marx

havia dito: “Toda a época social necessita dos seus grandes

homens e, se não os encontra, inventava-os, como disse

Helvetius” (Idem:138). Situava a ação dos indivíduos em seu

contexto histórico concreto, na trama dos acontecimentos e na

dinâmica do conflito de interesses materiais e políticos das

classes sociais, nas condições construídas pela geração anterior,

nas relações sociais de produção correspondentes a um

determinado nível das forças produtivas.

Em O 18 Brumário de Luis Bonaparte, destaca mais

claramente o papel do indivíduo na história: “Os homens fazem

sua história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob

circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se

defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A

tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo

o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados

em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais

existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os

homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do

passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de

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guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem

emprestada.” (1977:17/18).

Para Marx, o “exame dessas conjurações de mortos da

história do mundo revela de pronto uma diferença marcante.

Camile Desmoulins, Danton, Robespierre, Saint-Just, Napoleão,

os heróis, os partidos e as massas da velha Revolução

Francesa, desempenharam a tarefa de sua época, a tarefa de

libertar e instaurar a moderna sociedade burguesa, em trajes

romanos e com frases romanas. Os primeiros reduziram a

pedaços a base feudal e deceparam as cabeças feudais que

sobre ela haviam crescido. Napoleão, por seu lado, criou na

França as condições sem as quais não seria possível

desenvolver a livre concorrência, explorar a propriedade territorial

dividida e utilizar as forças produtivas industriais na nação que

tinham sido libertadas; além das fronteiras da França ele varreu

por toda parte as instituições feudais, na medida em que isto era

necessário para dar à sociedade burguesa da França um

ambiente adequado e atual no continente europeu. Uma vez

estabelecida a nova formação social, os colossos antediluvianos

desapareceram, e com eles a Roma ressurrecta – os Brutus, os

Gracos, Os Publícolas, os tribunos, os senadores e o próprio

César. A sociedade burguesa, com seu sóbrio realismo, havia

gerado seus verdadeiros intérpretes e porta-vozes nos Says,

Cousins, Royer-Collards, Benjamim Constants e Guizots”

(Idem:18). Da mesma forma que as condições históricas

necessitaram de homens capazes de levar a frente o processo

de luta contra o poder feudal e sua estrutura sócioeconômica, e,

uma vez no poder, o novo contexto histórico necessitou e

produziu homens à altura da nova tarefa de legitimá-lo.

Outra lição importante da obra é a reflexão empreendida por

Marx sobre o caráter das revoluções burguesas do passado e as

revoluções proletárias. Para ele, a “revolução social do século

dezenove não pode tirar a sua poesia do passado, e sim do

futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de

toda veneração supersticiosa do passado. As revoluções

anteriores tiveram que lançar mão de recordações da história

antiga para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. A fim de

alcançar seu próprio conteúdo, a revolução do século dezenove

deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes a frase

ia além do conteúdo; agora é o conteúdo que vai além da frase”

(Idem:20).

Para tanto, as “revoluções burguesas, como as do século

dezoito, avançam rapidamente de sucesso em sucesso; seus

efeitos dramáticos excedem uns aos outros; os homens e as

coisas se destacam como gemas fulgurantes; o extase é o

estado permanente da sociedade; mas estas revoluções têm vida

curta; logo atingem o auge, e uma longa modorra se apodera da

sociedade antes que esta tenha aprendido a assimilar

serenamente os resultados de seu período de luta e embates. Po

outro lado, as revoluções proletárias, como as do século

dezenove, se criticam constantemente a si próprias, interrompem

continuamente seu curso, voltam ao que parecia resolvido para

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recomeçá-lo outra vez, escarnecem com impiedosa consciência

as deficiências, fraquezas e misérias de seus primeiros esforços,

parecem derrubar seu adversário apenas para que este possa

retirar da terra novas forças e erguer-se novamente, agigantado,

diante delas, recuam constantemente ante a magnitude infinita

de seus próprios objetivos até que se cria uma situação que

torna impossível qualquer retrocesso e na qual as próprias

condições gritam: Hic Rhodus, hic salta! Aqui está Rodes, salta

aqui!” (Idem:21).

Finalmente, quanto ao O 18 Brumário de Luis Bonaparte, de

Marx, é preciso realçar as suas contribuições sobre o caáter e a

dinâmica do processo revolucionário de 1848, o caráter das

classes e a luta entre elas, além dos desdobramentos políticos

da revolução européia. Neste sentido, Marx aprimora, aprofunda

e desenvolve a análise empreendida no texto anterior, A luta de

classe na França. Sobre o caráter da Revolução de 1848 na

França, Marx diz que seu primeiro periodo (da queda da

monarquia de uis Filipe, em 24 de fevereiro de 1848, a 4 de maio

do mesmo ano, com a instalação da Assembléia Constituinte) é o

prólogo da revolução, isto é, a improvisação de um governo

provisório, em que nada “e ninguém se atrevia a reclamar para si

o direito de existência ou de ação real. Todos os elementos que

haviam preparado ou feito a revolução – a oposição dinástica, a

burguesia republicana, a pequena burguesia democrático-

republicana e os trabalhadores social-democratas – encontram

provisoriamente seu lugar no governo de fevereiro”. O objetivo

deste período era a realização da “reforma eleitoral, pela qual

seria alargado o círculo dos elementos politicamente privilegiados

da própria classe possuidora e derrubado o domínio exclusivo da

aristocracia financeira” (Idem:23/24).

Ocorre que uma nova força social e política entre na cena

histórica revolucionária: a classe operária. O proletariado

levantou barricadas, participou da derrubada da monarquia de

armas em punho. Neste sentido, tendo-a “conquistado de armas

na mão, o proletariado imprimiu-lhe sua chancela e proclamou-a

uma república social. Indicava-se, assim, o conteúdo geral da

revolução moderna, conteúdo esse que estava na mais singular

contradição com tudo que, com o material disponível, com o grau

de educação atingido pelas massas, dadas as circunstâncias e

condições existentes, podia ser imediatamente realizado na

prática. Por outro lado, as pretensões de todos os demais

elementos que haviam colaborado na Revolução de Fevereiro

foram reconhecidas na parte de leão que obtiveram no governo.

(....) Enquanto o proletariado de Paris deleitava-se ainda ante a

visão das amplas perspectivas que se abriam diante de si e se

entregava a discussões sérias sobre os problemas sociais, as

velhas forças da sociedade se haviam agrupado, reunido,

concertado e encontrado o apoio inesperado da massa da nação:

os camponeses e a pequena burguesia, que se precipitaram de

golpe sobre a cena política depois que as barreiras da monarquia

de julho caíram por terra (Idem:24).

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O segundo período, analisado por Marx, é o da constituição

da República burguesa, que vai de 4 maio de 1848 a fins de maio

de 1849. depois da jornadas de fevereiro, constitui-se a

Assembléia Nacional como representante de toda a nação por

meio de eleições. A revolução era conduzida aos seus limites

propriamente burgueses pela classe dominante. Percebendo a

verdadeira natureza da Assembléia Nacional e a tentativa de

sufocar o avanço revolucionário, a classe operária tenta a 15 de

maio “anular pela força a sua existência, dissolvê-la, desintegrar

novamente em suas partes componentes, o organismo por meio

do qual o ameaçava o espírito reacionário da nação. Como se

sabe, o 15 de maio não teve outro resultado senão o de afastar

Blanqui e seus camaradas, isto é, os verdadeiros dirigentes do

partido proletário da cena pública durante todo o ciclo que

estamos considerando”. Para a burguesia, as “reivindicações do

proletariado de Paris são devaneios utópicos, a que se deve por

um paradeiro” (Idem:25).

Pois bem, às manipulações da burguesia, por meio do seu

isntrumento, a Assembléia Nacional Constituinte, o proletariado

de Paris “respondeu com a Insurreição de Junho, o

acontecimento de maior envergadura na história das guerras

civis da Europa. A república burguesa triunfou. A seu lado

alinhavam-se a aristocracia financeira, a burguesia industrial, a

classe média, a pequena-burguesia, o exército, o lupem-

proletariado organizado em Guarda Movel, os inlectuais de

prestígio, o clero e a população rural. Do lado do proletariado de

Paris não havia senão ele próprio. Com essa derrota o

proletariado passa para o fundo da cena revolucionária. Tenta

readquirir o terreno perdido em todas as oportunidades que se

apresentam, sempre que o movimento parece ganhar novo

impulso, mas com uma energia cada vez menor e com

resultados sempre menores. (...) Os dirigentes mais importantes

do proletariado na Assembléia e na imprensa caem

sucessivamente, vítima dos tribunais, e figuras cada vez mais

equívocas assumem a sua direção” (Idem, ibidem).

A derrota de junho, lança o proletariado “em parte a

experiências doutrinárias, bancos de intercâmbio e associações

operárias, ou seja, a um moivmento no qual renuncia a

revolucionar o velho mundo com ajuda dos grandes recursos que

lhe são próprios, e tenta, pelo contrário, alcançar sua redenção

independentemente da sociedade, de maneira privada, dentro de

suas condições limitadas de existência, e, portanto, tem por força

que fracassar. Parece incapaz de descobrir nvoamente em si a

grandeza revolucionária ou de retirar novas energias dos novos

vínculos que criou, aaté que todas as classesi contra as quais

lutou em junho estão, elas próprias, prostradas ao seu lado. Mas

pelo menos sucumbe com as honras de uma grande luta

histórico-universal; não só a França mas toda a Europa treme

diante do terremoto de junho, ao passo que as sucessivas

derrotas das classes mais altas custam tão pouco que só o

exagero descarado do partido vitorioso pode fazê-las passar por

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acontecimentos, e são tanto mais ignominiosas quanto mais

longe do proletariado está o partido derrotado” (Idem:26).

Marx conclui que a derrota do proletariado cria as condições

para a edificação da dominação burguesia na forma política da

república burguesa e que esta nada mais expressava que “o

despotismo ilimitado de uma classe sobre as outras” (Idem,

ibidem). Que todas as “classes e partidos se haviam congregado

no partido da ordem, contra a classe proletária, considerada

como partido da anarquiai, do socialismo, do comunismo. Tinham

‘salvo’ a sociedade dos ‘inimigos da sociedade’. Tinham dado

como senhas a seu exército as palavras de ordem da velha

sociedade – ‘propriedade, família, religião, ordem’” (Idem:27). À

derrota do proletariado sucede a mão de ferro da burguesa, a

sua contra-revolução, impondo aos revolucionários as mais duras

privações de liberdade de organização, de expressão, de

reunião, levando-os ao cárcere, deportações, ao exílio e aos

tribunais.

Marx desenvolve uma análise penetrante da estrutura e

dinâmica das classes sociais do período da Revolução de 1848

até o golpe de Luis Bonaparte, suas diversas frações, seus

conflitos de interesses, refletindo-se nas disputas políticas pelo

poder do Estado e nas eleições parlamentares. Expõe uma

análise materialista das determinações das classes sociais. No

essencial, Marx destaca, quando da análise das facções

monárquicas, que o “que separava as duas facções eram as

suas condições materiais de existência, duas diferentes espécies

de propriedade, era o velho contraste entre a cidade e o campo,

a rivalidade entre o capital e o latifúndio. Que havia, ao mesmo

tempo, velhas recordações, inimizades pessoais, temores e

esperanças, preconceitos e ilusões, simpatias e antipatias,

convicções, questões de fé e de princípio que as mantinham

ligadas a uma ou a outra casa real – quem o nega? Sobre as

diferentes formas de propriedade, sobre as condições sociais,

maneiras de pensar e concepções de vida distintas e

peculiarmente constituídas. A classe inteira os cria e os forma

sobre a base de suas condições materiais e das relações sociais

correspondentes. O indivíduo isolado, que as adquire através da

tradição e da educação, poderá imaginar que constituem os

motivos reais e o ponto de partida de sua conduta. Embora

orleanistas e legitimistas, embora cada facção se esforçasse pro

convencer-se e convencer os outros de que o que as separava

era sua lealdade às duas casa reais, os fatos provaram mais

tarde que o que impedia a união de ambas era mais a

divergência de seus interesses. E assim como na vida privada se

diferencia o que um homem pensa e diz de si mesmo do que ele

realmente é e faz, nas lutas históricas deve-se distinguir mais

ainda as frases e as fantasias dos partidos de sua formação real

e de seus interesses reais, o conceito que fazem de si do que

são na realidade” (Idem:45/46).

Da fração republicana da burguesia, Marx acentuava que

“Não era uma fração da burguesia unida por grandes interesses

comuns e destacadas das outras por condições específicas de

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produção. Era um grupo de burgueses de idéias republicanas –

escritores, advogados, oficiais e funcionários de categoria que

deviam sua influência às antipatias pessoais do país contra Luis

Filipe, à velha república, à fé republicana de um grupo de

entusiastas, e sobretudo ao nacionalismo francês, cujo ódio aos

acordos de Viena e à aliança com a Inglaterra eles atiçavam

constantemente.(...) Combatia a aristocracia financeira da

mesma forma que todo o resto da oposição burguesa. (...) A

burguesia industrial estava-lhe agradecida por sua servil defesa

do sistema protecionista francês, que ele aceitava, porém, mais

por razões nacionais do que no interesse da economia nacional;

a burguesia, como um todo, estava-lhe agradecida por suas

torpes denúncias contra o comunismo e o socialismo. Quanto ao

mais, o partido do National era puramente republicano, ou seja,

exigia que a dominação burguesa adotasse formas republicanas

ao invés de monárquicas e, principalmente, exigia a parte do leão

nesse domínio” (Idem:28/29).

Relativo à pequena burguesia, que, junto com represetantes

do proletariado formaram uma coligação chamada social-

democracia, defendia reivindicações democráticas, direcionando

as suas forças para o parlamento, para as disputas eleitorais, no

sentido de “exigir instituições democrático-republicanas como

meio não de acabar com dois extremos, capital e trabalho

assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e transformá-

lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas

propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam

enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o

conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a

transformação da sociedade por um processo democrático,

porém uma transformação dentro dos limites da pequena

burguesia. Só que não se deve formar a concepção estreita de

que a pequena burguesia, por princípio visa a impor um interesse

de classe egoísta. Ela acredita, pelo contrário, que as condições

especiais para sua emancipação são as condições gerais sem as

quais a sociedade moderna não pode ser salva nem evitada a

luta de classes. Não se deve imaginar tampouco, que os

representantes democráticos sejam na realidade todos os

shopkeepers (lojistas) ou defendores entusiastas destes últimos.

Segundo sua formação e posição individual podem estar tão

longe dda pequena burguesia como o céu da terra. O que os

torna representantes da pequena burguesia é o fato de que sua

mentalidade não ultrapassa os limites que esta não ultrapassa na

vida, de que são consequentemente impelidos, teoricamente,

para os mesmos problemas e soluções para os quais o interesse

material e a posição social impelem, na prática, a pequena

burguesia. Esta é, em geral, a relação que existe entre os

representantes políticos e literários de uma classe e a classe que

representam” (Idem:48).

Como tal, diferentemente do proletariado, cuja força se

encontra nas ruas, em suas manifestações, greves, ocupações,

bloqueis, assembléias, a força da pequena burguesia “estava na

própria Assembléia Nacional” (Idem:49). Neste sentido, para

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Marx, o “democrata, por representar a pequena burguesia, ou

seja, uma classe de transição, na qual os interesses de duas

classes perdem simultaneamente suas arestas, imagina estar

acima do antagonismo de classes em geral. Os democratas

admitem que se defrontam com uma classe privilegiada, mas

eles, com todo o resto da nação, constituem o povo. O que eles

representam é o direito do povo; o que interessa a eles é o

interesse do povo. Por isso, quando um conflito está iminente,

não precisam analisar os interesses e as posições das diferentes

classes. Não precisam pesar seus próprios recursos de maneira

demasiado crítica. Têm apenas que dar o sinal e o povo, com

todos os seus inexauríveis recursos, cairá sobre os opressores”

(Idem:51/52).

O campesinato francês, na época a maioria da população,

por sua vez, é analisado por Marx dessa forma: “milhões de

famílias camponesas vivem em condições econômicas que as

separam umas das outras, e opõem o seu modo de vida, os seus

interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade,

estes milhões constituem uma classe. Mas na medida em que

existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local

e em que a similitude de seus interesses não cria entre eles

comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização

política, nessa exata medida não constituem uma classe. São

consequentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de

classe em seu próprio nome, que através de um parlamento,

quer através de uma convenção. Não podem representar-se, ao

mesmo tempo, têm que ser representados. Seus representantes

tem, ao mesmo tempo, que aparecer como seu senhor, como

autoridade sobre eles, como um poder governamental ilimitado

que os protege das demais classes e que do alto lhes manda o

sol ou a chuva. A influência política dos pequenos camponeses,

portanto, encontra sua expressão final no fato de que o poder

executivo submete ao seu domínio a sociedade” (Idem:115/116).

Os camponeses continuaram submetidos a condições

difíceis, mesmo depois da ruina do feudalismo e da ascensão do

capitalismo: “no decorrer do século dezenove, os senhores

feudais foram substituídos pelos usurários urbanos; o imposto

feudal referente à terra foi substituído pela hipoteca; a

aristocrática propriedade rural foi substituída pelo capital

burguês. A pequena propriedade do camponês é agora o único

pretexto que permite ao capitalista retirar lucros, juros e renda do

solo, ao mesmo tempo que deixa ao próprio lavrador o cuidado

de obter o próprio salário como puder. A dívida hipotecária que

pesa sobre o solo francês impõe ao campesinato o pagamento

de uma soma de juros equivalente aos juros anuais do total da

dívida nacional britânica. A pequena propriedade, nesse

escravizamento ao capital a que seu desenvolvimento

inevitavelmente conduz, transformou a massa da nação francesa

em trogloditas. Dezesseis milhões de camponeses (inclusive

mulheres e crianças) vivem em antros, a maioria dos quais só

dispõe de uma abertura, outros apenas duas e os mais

favorecidos apenas três. E as janelas são para uma casa o que

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os cinco sentidos são para a cabeça. A ordem burguesa que no

princípio do século pôs o Estado para montar guarda sobre a

recém-criada pequena propriedade e premiou-a com lauréis,

tornou-se um vampiro que suga sangue e sua medula, atirando-a

no caldeirão alquimista do capital. O Code Napoléon já não é

mais do que um código de arrestos, vendas forçadas e leilões

obrigatórios. Aos quatro milhões (inclusive crianças etc.),

oficialmente reconhecidos, de mendigos, vagabundos,

criminosos e prostitutas da França devem ser somados cinco

milhões que pairam à margem da vida e que ou têm seu pouso

no próprio campo ou, com seus molambos e seus filhos,

constantemente abandonam o campo pelas cidades e as cidades

pelo campo. Os interesses dos camponeses, portanto, já não

estão mais, como ao tempo de Napoleão, em consonância, mas

sim em oposição com os interesses da burguesia, do capital. Por

isso os camponeses encontram seu aliado e dirigente natural no

proletariado urbano, cuja tarefa é derrubar o regime burguês

(Idem:119/120).

Além da análise da dinâmica das relações de classe, Marx

expresa na obra O 18 Brumário a natureza do Estado na

sociedade burguesa. Enfocando a estrutura do Estado burguês

na França, Marx avalia que “em um país como a França, onde o

poder executivo controla um exército de funcionários que conta

mais de meio milhão de indivíduos e portanto mantém uma

imensa massa de interesses e de existências na mais absoluta

dependência; onde o estado enfeixa, controla, regula,

superintende e mantém sob tutela a sociedade civil, desde suas

mais amplas manifestações de vida até suas vibrações mais

insignificantes, desde suas formas mais gerais de

comportamento até a vida privada dos indivíduos; onde através

da mais extraordinária centralização, esse corpo de parasitas

adquire uma ubiquidade, uma onisciência, uma capacidade de

acelerada mobilidade e uma elasticidade que só encontra

paralelo na dependência desamparada, no caráter caoticamente

informe do próprio corpo social – compreende-se que em

semelhante país a Assembléia Nacional perde toda a influência

real quando perde o controle das pastas ministeriais, se não

simplifica ao mesmo tempo a administração do Estado, reduz o

corpo de oficiais do exérctio ao mínimo possível e, finalmente,

deixa a sociedade civil e a opinião pública criarem órgãos

próprios, independentes do poder governamental. Mas é

precisamente com a manutenção dessa dispendiosa máquina

estatal em suas numerosas ramificações que os interesses

materiais da burguesia francesa estão entrelaçados da maneira

mais íntima. Aqui encontra postos para sua população excedente

e compensa sob forma de vencimentos o que não pode embolsar

sob a forma de lucros, juros, rendas e honorários. Por outro lado,

seus interesses políticos forçavam-na a aumentar diariamente as

medidas de repressão e, portanto, os recursos e o pessoal do

poder estatal, enquanto tinha ao mesmo tempo que empenhar-se

em uma guerra ininterrupta contra a opinião pública e

receiosamente mutilar e paralisar os órgãos independentes do

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movimento social, onde não conseguia amputá-los

completamente” (Idem:58/59).

O estado, na compreensão de Marx, aparece como

efetivamente ele é, uma articulação de órgãos, poderes e

instituições a serviço da classe dominante. Marx deixa claro que

todas “as revoluções aperfeiçoaram essa máquina, ao invés de

destroçá-la. Os partidos que disputavam o poder encaravam a

posse dessa imensa estrutura do Estado como o principal espólio

do vencedor” (Idem:114).

Sobre esse período, é necessário destacar ainda a síntese

empreendida por Engels dos acontecimentos revolucionários de

1848 na Alemanha, da derrota do proletariado desse país e do

processo de contra-revolução que se seguiu aos eventos

revolucionários. Essa análise consta da obra Revolução e contra-

revolução na Alemanha, composta por artigos escritos por

Engels (embora aparecessem assinados por Marx quando da

publicação) entre agosto de 1851 e setembro de 1852,

publicados no jornal New York Daily Tribune entre outubro de

1851 e outubro de 1852.

Sem dúvida, o texto de Engels completa e desenvolve a

análise dos acontecimentos de 1848-1849 para a Alemanha,

mostrando o papel reacionário da burguesia, em aliança com a

outros setores conservadores, contra o proletariado em luta.

Marx e Engels haviam extraído com esse conjunto de

documentos as lições mais importantes para os próximos

combates da classe operária e fizeram ao mesmo tempo avançar

as suas análises sobre a luta de classes na sociedade burguesa.

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ConclusãoA decadência do capitalismo e a necessidade de

estudar o marxismo para compreender a realidade e transformá-la

A conclusão desta pequena síntese da vida e da obra de

Marx e Engels não só pode ser outra senão que devemos

estudar com profundidade o marxismo e nos organizarmos nos

movimentos sociais, nos sindicatos e partidos políticos para

transformar-mos a realidade social, superar a sociedade

capitalista e sua base, a propriedade privada dos meios de

produção, e contruir uma nova sociedade, fundada na

propriedade coletiva e no trabalho associado.

Marx e Engels mostraram cientificamente a estrutura, a

dinâmica e as contradições do capitalismo, que geram sua

decadência, isto é, o confronto entre o alto desenvolvimento das

forças produtivas e as relações de produção e troca, que se

tornaram definitivamente um estorvo para a humanidade e para o

conjunto dos trabalhadores assalariados em particular. A classe

operária e o demais explorados (camponeses, classe média

arruinada, demais assalariado, juventude pobre) sentem na pele

o peso das contradições sociais, políticas e econômicas da

sociedade burguesa.

O capitalismo fez avançar a ciência, a técnica e a

organização do trabalho, movido pela concorrência entre os

capitais e a necessidade de lucro. Estimulou em sua fase

progressiva o desenvolvimento das forças produtivas. Ocorre

que essas mesmas forças produtivas hoje se tornaram uma

potência para além das possibilidades dos mercados

consumidores de todo o mundo. É que a aplicação das forças

produtivas só são interessantes para os capitalistas na medida

em que proporcionam lucro e levam à acumulação de capitais. A

técnica, a ciência e a organização do trabalho se entrelaçam com

o interesse do lucro e só neste limite são incentivados e

aplicados à produção. O capital não se importa com as

necessidades coletivas dos trabalhadores.

Na medida em que avança a técnica e se aplica a tecnologia

moderna ao processo de produção alargam também o

desemprego estrutural. Não por causa das máquinas e da

tecnologia, mas por seu controle pelo capital e por sua aplicação

capitalista. O choque entre as forças produtivas e as relações de

propriedade privada e das trocas burguesas se expressam nas

crises, no desemprego, na fome, na miséria e na destruição da

natureza. O desenlace tem de ser produto da luta de classes do

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proletariado e demais explorados contra a burguesia e sua

propriedade privada.

Não tem sentido, portanto, querer humanizar ou reformar o

capitalismo. Este sistema econômico-social é irreformável, seu

fundamento é a exploração do trabalho e a acumulação privada

de riquezas. As tentativas, desde o século XIX, de reformar o

capitalismo e criar limites humanitários à sanha de lucro do

capital não conduziram senão à impotência. O ideal de um

capitalismo organizado, racional e mais humana naufragaram em

crises, guerras, revoluções e contrarrevoluções, isto é, foi o

imperialismo que se impôs como fase de decadência do

capitalismo. As conquistas obtidas pela classe operária e demais

explorados foram resultado do avanço de suas lutas e de sua

organização política. Nas condições desfavoráveis da luta de

classes para os trabalhadores, quandos estes retrocederam

política e organizativamente, a burguesia não vacilou em destruir

as conquistas sociais.

Marx e Engels compreenderam o caráter irreformável do

capitalismo e as tendências imanentes às suas contradições

econômico-sociais, que criavam as condições objetivas para a

superação da sociedade de classes. O caráter cada vez mais

social da produção e do trabalho, a internacionalização das

relações econômicas, o avanço da indústria, da técnica e da

ciência são as condições materiais para a construção de uma

nova sociedade. Mas não são suficientes. O capitalismo, por

mais que decaia em crises, fome, miséria, opressão e destruição

ambiental, terá de ser derrubado por obra da classe operária e

da maioria explorada da sociedade. O avanço da barbárie em

todo o mundo, com as guerras, o desemprego e as condições de

miséria dos povos deixam claro a necessidade de uma via

socialista para responder ao atual estado de coisas.

O desenlace da crise mundial do capitalismo passa, portanto,

pela organização política da classe operária e da maioria

explorada em partido político próprio, que tenha como referencial

a estratégia do socialismo, isto é, da revolução proletária e da

conquista do poder, para reorganizar a sociedade e a economia

em bases coletivas, voltando a produção da riqueza e as forças

produtivas para as reais necessidades dos trabalhadores. Sem a

satisfação da condição subjetivo, a constituição da classe

operária em partido político e o avanço da consciência de classe

sobre a necessidade de tomar os destinos da sociedade e da

economias em suas mãos não há como superarmos o

capitalismo e abrir uma nova etapa na história da humanidade, o

socialismo.

Marx e Engels mostraram um caminho sólido para a vitória: a

articulação indissolúvel entre teoria e prática, entre as idéias e a

ação, entre o conhecimento e a realidade, que se pretende

transformar. Eis a tarefa colocada: assimilar o marxismo e,

dialeticamente, atuar na luta de classes.

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