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I
Homens em rota de colisão
As ordens que tinha recebido da CIA eram claras: espalhar contra-
informação sobre as intenções dos EUA em relação ao regime de Fidel e, ao
mesmo tempo, apoiar no terreno a operação prevista no Programa de Ação
Encoberta, com os seus 4 milhões e meio de dólares, para o derrubar.
Com sorte e algum engenho, quando terminasse a minha missão,
alguns trocos desse dinheiro iriam diretamente para a minha conta na Suíça, e
daí para a Isla de Pinos, onde me refugiaria a gozar uma merecida reforma
antecipada com Lola, a minha doce e caliente Lola...
Se falhasse, os rublos que Nikita me tinha prometido se as coisas lhe
corressem de feição no Kremlin, fariam o mesmo efeito...
Mas vamos por partes e comecemos pelo princípio, para não baralhar
o amável leitor…
Cuba era, desde a sua independência do domínio espanhol, em 1898,
uma espécie de protectorado dos EUA. A totalidade das refinarias do petróleo,
90% das minas, 80% do tabaco (e que tabaco!), 40% das plantações de açúcar,
enfim, todas as áreas importantes da economia cubana estavam nas mãos dos
americanos.
O povo era dócil, trabalhador, alegre por natureza, e ia vivendo, entre
salsas e rumbas, mojitos e guarapas, sem causar grande mossa a Fulgêncio
Batista que, desde 1933, era senhor absoluto da ilha e servo obediente dos
interesses dos EUA.
Mas, em 1959, mais de uma década depois do fim da II Guerra
Mundial, os personagens da cena internacional são outros, os tempos são de
mudança, e não há senhores para sempre, nem servos que não se irritem.
No México, emigrados cubanos, descontentes com o regime de
Batista, iam preparando o regresso à sua Cuba natal, e, em Washington,
Eisenhower, apesar de ter planos bem definidos para não deixar que o Bloco
de Leste lançasse as sementes do comunismo na América do Sul, estava quase
de saída.
Um novo rosto se perfilava no horizonte para ocupar a Casa Branca.
Um Kennedy, senador democrata e católico, sucessor de famílias históricas e
influentes, Kennedys e Fitzgeralds, ia marcar o rumo da história americana e
do mundo, apesar de ter sido um dos poucos presidentes que não chegou a
aquecer a cadeira presidencial da Sala Oval por muito tempo.
Dois tiros certeiros, em Dallas, em 22 de novembro de 1963, três anos
após a sua eleição, fariam dele o quarto presidente americano a ser
assassinado. Sei que, mesmo nos corredores do Kremlin, se lamentou a sua
morte e na América deixou uma memória que se renova de cada vez que se
questionam as circunstâncias do seu assassinato.
Quando Kennedy foi eleito em 8 de novembro de 1960, percebi que as
águas mornas em que navegara a diplomacia americana, desde a deposição de
Arbenz, na Guatemala, em 1954, iam agitar-se. A sua ideia de apoiar as
democracias do mundo a virarem costas à influência soviética, e o objetivo
estratégico dos EUA de conter o alastramento do comunismo na América
Latina, só poderiam dar esse resultado. E eu tinha de aproveitar esta onda para
me instalar de vez nas águas cálidas do Caribe.
Enquanto o jovem presidente ia distribuindo cumprimentos e simpatia
por onde passava, acompanhado da sua mulher glamorosa, Jacqueline, e
assumindo a herança de Eisenhower de manter livre a América, de Norte a
Sul, livre do comunismo, algo estava em marcha no México, com Fidel e o
carismático Che, a liderarem a mudança…
Fidel ia ser mesmo um osso duro de roer... Um tio de Lola, que me
dera a provar os mais inebriantes charutos que alguma vez fumara,
convencido que eu era um jovem jornalista dissidente do imperialismo e
admirador do grande revolucionário, fez-me um retrato fiel do líder das
aspirações cubanas: em 1953, ao comando do assalto ao quartel de Moncada,
apesar de feito prisioneiro, mostrara de que raça era feito. Aquele percalço não
o faria desistir de libertar Cuba do regime ditatorial de Batista que durava há
tempo demais.
Além disso, a sua estadia nos EUA, depois de amnistiado, permitira-
lhe conhecer o american way of life, mas também as fragilidades da política
externa de Uncle Sam.
Se, por um lado, os EUA se assumiam como o país mais rico do que
qualquer outro, dominando a economia mundial, o certo é que a divisão do
mundo após a II Guerra Mundial, formalizada por duas alianças militares
internacionais, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN),
liderada pelos Estados Unidos, e o Pacto de Varsóvia, liderado pela União
Soviética, iniciaria um longo período de tensões políticas e militares entre
estes dois grupos, a chamada Guerra Fria, e seria acompanhado de uma
corrida armamentista sem precedentes.
Fidel sabia que podia tirar partido desta situação e ter o apoio da
URSS para consolidar a sua posição face aos EUA e ao mundo.
Em 8 de janeiro de 1959, quando o vi, a dirigir-se vitorioso a milhares
de cubanos eufóricos, depois de um processo revolucionário único em toda a
América Latina, com a deposição de Batista, percebi que Washington devia
começar a habituar-se à ideia de ter um vizinho que não podia controlar. Pior:
um vizinho que podia causar-lhe grandes dores de cabeça.
Aliás, a sua primeira medida – a promulgação de uma reforma agrária
que colidia com os interesses de milionários e empresas americanas, não
deixava margem para dúvidas. Depois, no primeiro país que visitou já como
governante após a sua subida ao poder, a vizinha América, mostrou que Cuba
tinha de ser tratada como um Estado soberano e senhor do seu destino, e não
como um país de segunda.
Mas quem sente que não é bem recebido em casa alheia nunca mais lá
põe os pés. Em contrapartida, a URSS recebeu-o de braços abertos,
comprando todo o açúcar cubano em troca de auxílio económico e militar.
Claro que esta parceria não era desinteressada: a União Soviética viu
neste conflito entre Cuba e os EUA uma oportunidade de fazer sentir a sua
presença paredes meias com o seu inimigo de estimação. Além disso, era uma
porta aberta à influência da ideologia comunista numa América do Sul em
mudança e ao escoamento de produtos do maior país do mundo.
Por outro lado, Fidel, temendo que o poder militar americano se
fizesse sentir em Cuba como acontecera na Guatemala, viu com bons olhos
esta ligação fraterna a Kruchtchev e ao estreitamento entre os dois países
separados por milhares de quilómetros, mas unidos na ideologia e nos
interesses.
Eu próprio contribuí para esta amizade, depois de ter enviado a Nikita
umas dezenas de caixas de charutos perfumados e um relatório sobre o
interesse de Fidel em procurar apoio sólido em quem lho podia dar…
Esta ligação entre Havana e Moscovo estaria na origem do embargo
que, tanto anos depois, ainda se mantém. Acho até que foi Cuba que impôs um
embargo à América e já não quer outra coisa!
Mas quando Fidel subiu ao poder, ainda era Eisenhower quem
ocupava a Casa Branca. Ele, que não era nada parvo, percebeu que tinha de se
fazer alguma coisa contra aquela ilha incómoda do Golfo do México. Mas não
foi esperto o suficiente para saber que estava a lidar com guerrilheiros,
homens habituados a dormir pouco e ao relento na Sierra Maestra, a lutarem
com a força maior que se pode ter: a convicção de uma vontade.
Mas, ordens eram ordens e a CIA estava pronta, como sempre, a
cumpri-las: Eisenhower mandou preparar o tal Programa de Ação Encoberta
Contra o Regime de Castro, que de encoberto tinha pouco e mais explícito não
podia ser.
Romanov, um agente frio como gelo, nascido e criado em Kiev, que
trabalhava há muito nas Caraíbas, riu-se a valer quando lhe passei esta
informação! E ele era homem para não achar graça a nada. Mas dessa vez
consegui ver-lhe o dente de ouro enquanto bebíamos um mojito no mesmo bar
do Paseo del Prado onde Ernest Hemingway tinha passado tantos finais de
tarde emoldurados pelo fumo e pelo aroma de um belo Cohiba…
Quanto a Eisenhower, apoiado pelo diretor da CIA, Allen Dulles,
estava convencido que podia fazer em Cuba o que fizera seis anos antes na
Guatemala. Também andei por lá, em 1954, a sondar o “inimigo”, a colher
informações preciosas para que operação fosse um êxito, como foi.
Mas em Cuba nada seria assim tão fácil. Depois da euforia de ver
Fidel no poder, o povo percebeu que a falta de comida, a falta de trabalho, a
falta de oportunidades, não iria resolver-se do dia para a noite. Mas daí até
apoiarem um golpe de estado ou ofensiva militar contra o carismático Fidel, ia
uma grande distância…
Em suma, três homens, um mesmo confronto:
Kennedy, o jovem presidente oriundo de famílias poderosas da
América e da exclusiva Harvard, a querer deixar a sua marca de ambição
e fortalecer a posição americana nos países latino-americanos e no
mundo, herdada de Eisenhower.
Kruchchev, filho de pais operários, ele próprio trabalhador desde
a adolescência em fábricas e minas, depois de uma difícil disputa
interna com políticos poderosos da era estalinista, vê Cuba como um
aliado forte para uma incursão no outro lado do mundo.
Fidel, o guerrilheiro, o orador, o líder de um povo motivado para
a mudança, a defender por todos os meios a soberania de Cuba e uma
ideologia que nasceu das próprias circunstâncias históricas que a
acompanham desde o tempo em que foi uma colónia de Espanha.
O que resultou desse confronto iria perpetuar-se pelos anos vindouros,
mas essa é outra história…
II
O plano
A ideia inicial de Washington era preparar exilados cubanos, fugidos
ao regime de Fidel, para se infiltrarem na ilha e organizarem uma dissidência
anticastrista.
Lembro-me bem das muitas viagens que fiz em Cuba, nesse tempo, na
pele de um negociante de charutos, a recolher informações no terreno e a
descolar rótulos para os substituir por outros, em código, que agente Jane 009
recebia em Miami, e entregava, depois, aos manda-chuvas da CIA. A
organização ficava a saber assim com quem podia contar quando se desse a
chegada do contingente militar que iria destituir Fidel. Mal eles sabiam como
o plano iria ser um fiasco!
Mas eu sabia. Eu sabia que os russos estavam atentos ao que se
passava naquela ilha a milhares de quilómetros, um trunfo com que poderiam
contar, mesmo ali às portas dos imperialistas americanos!
E era comigo que contavam. Eu ia jogando nos dois tabuleiros,
observando os peões que dum lado e do outro se deslocavam para um embate
que ficaria na história da Guerra Fria.
Por outro lado, havia um povo que já idolatrava Fidel e daria a vida
pela Pátria contra os imperialistas e capitalistas que os tinham explorado anos
a fio.
Penso que Kennedy também se apercebeu de como a situação era
complexa e que devia manter-se meio distanciado daquele plano, simulando o
apoio americano àquela incursão de cubanos descontentes. Quando lhe
sugeriram que pusesse a força aérea americana a apoiar as forças terrestres,
recuou com aquele ar de jovem certinho e bem comportado de Harvard. Foi
hábil da parte dele esta manobra...
Assim, entre janeiro e abril de 1961, a guerra de palavras intensificou-
se entre a Casa Branca e o Palácio de la Revolución. Fidel estava convencido
que Kennedy tentaria fazer em Cuba o que se fizera na Guatemala, e não se
coibia de o denunciar a quem o queria ouvir; e claro, Washington desmentia.
Mas no dia 15 de abril desse ano, o bombardeamento de metade da
pequena força aérea cubana não deixava margem para dúvidas acerca das
intenções americanas. Nessa madrugada, seis bombardeiros B-26 camuflados
como se fossem cubanos bombardearam os principais aeroportos militares de
Cuba.
Agora, que já sou um pacato cidadão incógnito de uma aldeia sem
nome, virada para o mar, posso dizer que fui eu quem deu informações dos
locais a bombardear…
O objetivo da CIA era passar a ideia de que se tratava de uma
sublevação da própria força aérea cubana… Enfim, gato escondido com rabo
de fora…
As agências de notícias americanas divulgavam a informação como a
CIA queria, e o embaixador dos Estados Unidos na ONU, Adlai Stenvenson,
defendeu que o Conselho de Segurança devia emitir uma resolução
autorizando a intervenção dos Estados Unidos para “normalizar” a situação na
ilha… Aquela operação serviria como uma espécie de senha para o que
aconteceria dois dias depois.
Mas Fidel sabia que era tudo uma manobra de contra informação mal
montada. Romanov tinha-se encarregado de dizer isso mesmo ao Kremlin…
Agora, havia provas inequívocas da hostilidade dos EUA contra Cuba, e no
seu longo discurso no dia seguinte ao bombardeamento, o líder cubano não
poupou críticas ao imperialismo de Uncle Sam e assumiu, com todas as letras,
o caráter socialista da revolução.
Dirigindo-se aos Compañeros del Ejército Rebelde y de las Milicias
Nacionales Revolucionarias, enfim a todos os cubanos, relembrou o caminho
percorrido pelos que tinham lutado pela libertação do povo cubano da ditadura
e comparou o ataque dos bombardeiros americanos ao desastre inflingido
pelos japoneses em Pearl Harbour, porque ambos tinham violado as mais
elementares regras de respeito entre os povos. Acentuou a diferença entre a
América capitalista, imperialista, governada por castas privilegiadas e
poderosas, e uma Cuba de obreros, de gente digna e valente que luta contra a
exploração do homem pelo homem e pelo desenvolvimento do seu país.
Depois de se referir à contra-informação que foi passando nos mídia
americanos sobre esse ataque, acentuou a cobardia de atacar um país sem
defesa e acabou entre Viva la Revolución socialista! Viva Cuba libre! Patria
o Muerte!
Em Washington, como em Moscovo, o alcance destas palavras não
passou despercebido.
Claro que os russos sabiam que ali tinha havido dedo da política e do
dinheiro americano e, um ano mais tarde, Kennedy estaria a braços com outra
crise, a dos mísseis que Kruschev mandou plantar em Cuba, como retaliação
pelas ogivas americanas na Turquia, na Itália e na Grã-Bretanha, e para evitar
novo ataque àquela ilha caribenha.
Mas isso é outra história. E que história! O mundo esteve à beira da
3.ª guerra mundial e a desconfiança entre as duas potências não podia ser
maior. Nunca as relações entre as duas superpotências tinham estado tão frias,
mas nessa altura já eu estava retirado das lides de espionagem, no calor de
uma ilha tropical ao largo de Cuba...
Claro que se, em 1961, Kennedy tivesse mandado aviões com a estrela
americana para bombardearem as tropas castristas quando a ofensiva se desse,
e Fidel tivesse pedido apoio aos russos, teríamos o caldo entornado e talvez eu
não estivesse agora de papo para o ar, nesta praia de sonho, a ver o meu filho a
apanhar caranguejos...
Mas voltemos aos dias que anteciparam a invasão da Baía dos Porcos.
O nome era sugestivo e não agoirava grande coisa...
Eu fui um dos que reuniram provas de que aquela baía, no sul da ilha,
era ideal para o desembarque, ao contrário de outra opção, Trinidad. Não
havia bases militares por perto, só uma ou outra aldeia piscatória pontuava a
paisagem e ninguém ia imaginar que alguma coisa acontecesse ali, muito mais
longe da bela Florida americana do que a costa norte de Cuba. Por outro lado,
os 145 quilómetros da capital era uma distância razoável para chegar depressa
a Fidel se tudo corresse bem, mas também daria alguma margem de manobra
se as coisas corressem mal, como eu já previa que ia acontecer...
As informações que eu ia dando a Nikita, através de Romanov, eram
um bocado evasivas, pois não podia pôr em risco o meu trabalho para a CIA.
Eu sabia como a Agência Central de Inteligência podia ser tão implacável
como a KGB se descobrisse o meu jogo duplo.
Entretanto, o tal Programa de Ação Encoberta estava prestes a mostrar
os seus frutos. O Exército Cubano de Libertação estava pronto para invadir a
ilha. Mas a preparação militar daqueles homens, no Panamá e na Guatemala,
pouco habituados aos rigores da guerra, entre mosquitos e chuva constante,
não seria suficiente para enfrentar os homens de Fidel.
A ideia da CIA era levar aqueles homens e o armamento até ao largo
da Baía, fazê-los desembarcar mas manter a marinha americana afastada do
conflito que se desenrolava em solo cubano.
A estratégia de Washington era, portanto, apresentar a operação
Zapata como uma iniciativa autónoma dos tais cubanos descontentes e negar
qualquer responsabilidade no que se passara.
Mais tarde, quando as forças de “libertação” tivessem estabelecido o
controlo naquela parte da ilha, com um governo provisório, então apareceria a
América salvadora a reconhecer a legitimidade do poder instituído e a prestar
o apoio necessário.
Concluindo: o plano americano de instaurar um regime anticomunista
em Cuba tinha tudo para dar errado.
E porquê?
O exército de libertação era formado por descontentes que iriam
confrontar-se com um exército bem preparado e um povo motivado que,
acima de tudo, não abdicaria de um caminho de anos para se ver livre de
uma ditadura.
Fidel sabia que podia contar com o seu povo e com a ajuda de
Moscovo, se o seu país se visse em apuros.
Os americanos estavam metidos a 100% neste plano, mas, no
momento decisivo, apareceram meio camuflados e lançaram uma
estratégia de contra-informação que não legitimava nada as suas
pretensões e só dava razões aos “inimigo”.
III
O ataque
Em 17 de abril de 1961, atrás de uma chuva de panfletos
“revolucionários” e de bombardeiros, cerca de 1500 homens invadiram os
pântanos da praia Girón. Eu estava em Havana, no aconchego da minha Lola,
mas o eco do confronto fez-se ouvir nos poucos rádios que havia e que
reuniam à sua volta umas dezenas de cubanos atentos.
Lola, de mãos na cintura, blasfemava palavrões contra los
imperialistas de un perro que vinham desinquietar los hermanos fideles de
Cuba. Solo un americano merecia a sua considéracion, eu, lo muchacho más
guapo, descontente com a América imperialista e que tinha voltado costas à
herança paterna…
Se ela soubesse que eu estava a par de tudo, porque tinha enviado para
a CIA, através do meu contacto em Miami, um relatório pormenorizado sobre
o que poderia interessar para a operação de desembarque, e que também tinha
informado o Kremlin de que um ataque americano estava iminente, matava-
me ali mesmo, sem dó nem piedade! Aliás, não sei de quem devia ter mais
medo: se da CIA, se percebessem que eu passava informações a Moscovo, se
do KGB, se soubessem que só lhes contava meias verdades, se dela, se
descobrisse que eu trabalhava para a América imperialista! Para sorte minha,
nem ela nem eles descobriram!
Bombardeiros americanos lançaram um ataque ineficiente, enquanto
jatos T-33, usados por Fidel, atingiram dois bombardeiros americanos B-26.
Após dois dias de combates, naquela que ficou conhecida pela Batalha de
Girón, o exército chefiado por Che Guevara ao comando de 25000 homens,
200000 milícias e 9000 polícias, venceu, sem dificuldade, o tal exército de
libertação que, comandado pelo americano Richard Bissel e pelos cubanos
Pepe San Roman e Erneido Oliva, pouco deram que fazer aos cubanos, antes
de se renderem. Saldo final: 294 mortos, 176 cubanos, 118 americanos
mortos. Quatro pilotos morreram. Cinco oficiais foram executados, e nove,
condenados a 30 anos de prisão. Os restantes seriam libertados em dezembro
de 1962, em troca de 53 milhões de dólares para comida e medicamentos.
Os que não morreram renderam-se, tendo sido feitos prisioneiros 1189
soldados, e o povo cubano cantou vitória mais uma vez!
O impacto deste desaire dos EUA foi notório: legitimou a atitude da
URSS de colocar mísseis em Cuba o que agudizou a “guerra fria” que ainda
iria manter-se mais uns bons anos após o desaparecimento de Kennedy e de
Kruschev da cena internacional.
Segundo o historiador Richard Gott, “a invasão foi um dos maiores
erros estratégicos dos Estados Unidos no séc. XX, reforçando o controle de
Castro sobre Cuba, garantindo a permanência de sua revolução e ajudando a
dirigi-lo para o lado soviético".
Em casa de Lola, os festejos duraram até madrugada e eu fui um dos
que brindou à vitória cubana!
IV
E agora, senhores presidentes?
O fracasso da operação em Cuba envergonhou a administração de
Kennedy, fortaleceu a posição de Kruschev no Kremlin, mas deixou Castro
preocupado com a possibilidade de uma nova invasão americana.
Em 21 de abril, Kennedy assumiu a sua responsabilidade no plano
arquitetado por Eisenhower e a CIA, mas que ele assinou por baixo.
Contudo, em privado, Kennedy culpou os militares e os serviços de
inteligência pela estratégia seguida, convencido de que a CIA lhe tinha
mentido para que ele não tivesse escolha senão invadir Cuba.
Em agosto de 1961, numa conferência económica no Uruguai, Che
Guevara enviou uma nota a Kennedy por meio do secretário da Casa Branca,
com o seguinte: "Obrigado pela Playa Girón. Antes da invasão, a revolução
era fraca. Agora, ela é mais forte do que nunca". Sobre as deserções dentro do
governo cubano, Guevara afirmou que "a revolução socialista deixa de lado os
oportunistas, os ambiciosos e os medrosos e avança para um novo regime livre
desta classe de vermes".
No ano seguinte, em 1962, a Crise dos Mísseis demonstraria,
claramente, a força da relação de Cuba com a URSS.
Em fevereiro, Washington apertou o embargo económico contra
Cuba, e a CIA continuou a elaborar planos anticastristas para desestabilizar o
governo de Fidel.
Perante isto, Fidel volta-se para Moscovo para garantir proteção, e
Krushchev consegue convencê-lo de que mísseis fixados nos Estados Unidos
seriam um melhor elemento de dissuasão do que um acordo militar.
Em outubro de 1962, aviões espiões americanos localizam esses
mísseis. Kennedy não podia aceitar a presença de um arsenal nuclear
soviético a apenas 150 quilómetros do solo americano, e alertou Krushchev
sobre a possibilidade de um ataque iminente, se os armamentos não fossem
removidos.
A Crise dos Mísseis atingiu o seu auge entre 14 e 27 de outubro,
quando Washington determinou um bloqueio naval a Cuba e a mobilização de
140 mil homens.Castro, por sua vez, mobilizou um efetivo de 400 mil, no caso
de uma invasão americana.
Sem consultar o líder cubano, em 28 de outubro, Krushchev recuou
e concordou com a remoção dos mísseis, sob a condição de os Estados Unidos
não invadirem Cuba. A América, por seu lado, retirou os seus mísseis da
Turquia.
O acordo prejudicou os planos de Fidel, que incluíam negociar o
fim do embargo americano à ilha, assim como das atividades anticastristas, a
interrupção das violações do espaço aéreo e o encerramento da base militar
americana na baía de Guantánamo.
Os Estados Unidos não conseguiram evitar, porém, que Cuba e a
URSS mantivessem uma parceria por quase 30 anos, depois de Washington
ter abandonado as suas ambições militares em relação à ilha.
Enfim, Kennedy acabou por perceber que a paz precisa de consensos e
cedências, o que não podia ter sido mais claro num seu discurso, em 1963:
“…nenhum governo, nenhum sistema é tão mau que o seu povo deva ser
considerado desprovido de virtude. Como Americanos que somos, achamos o
comunismo profundamente repugnante, pois ele nega a liberdade e a
dignidade pessoais. Mas, podemos cumprimentar os russos pelos seus
numerosos sucessos”.
Quanto a mim, acho que contribuí também para que Cuba não fosse o
barril de pólvora que se temia.
Mais do que o meu país ou dos dólares, ou dos rublos que recebi, foi a
minha ligação a esta ilha do Caribe que mais me incentivou a evitar que uma
guerra a destruísse.
BIBLIOGRAFIA
Infopédia – Dicionários e enciclopédias em
Língua Portuguesa, disponível em
http://www.infopedia.pt
E-Biografias – o Portal das Biografias,
disponível em www.e-biografias.net
Encyclopedia Britannica disponível em
www.britannia.com
John F. Kennedy Library and Museum,
disponível em www.jfklibrary.org
Neves, P. A., Pinto, A. L., Carvalho, M. M.,
(2006), Cadernos de História - livro 5, pp.
68 e 69
Porto, Porto Editora
Maria Sofia Ferreira, n.º 12 – 11.º E