de marques guatura, josé felipe - análise do mito de unurato, dos arapaços

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS UFSCAR CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CECH DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DCSO MONOGRAFIA ANÁLISE DO MITO DE UNURATO, DOS ARAPAÇOS JOSÉ FELIPE DE MARQUES GUATURA 273732 SÃO CARLOS, DEZEMBRO DE 2010

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Page 1: DE MARQUES GUATURA, José Felipe - Análise do Mito de Unurato, dos Arapaços

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS – UFSCAR

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS – CECH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DCSO

MONOGRAFIA

ANÁLISE DO MITO DE UNURATO, DOS ARAPAÇOS

JOSÉ FELIPE DE MARQUES GUATURA 273732

SÃO CARLOS, DEZEMBRO DE 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS – UFSCAR

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS – CECH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DCSO

MONOGRAFIA

ANÁLISE DO MITO DE UNURATO, DOS ARAPAÇOS

Trabalho de conclusão de curso,

apresentado ao Departamento de

Ciências Sociais, sob orientação do

Prof. Dr. Geraldo ANDRELLO, da

Universidade Federal de São Carlos,

como parte dos requisitos para

obtenção da formação plena de

bacharelado em Ciências Sociais

JOSÉ FELIPE DE MARQUES GUATURA 273732

SÃO CARLOS, DEZEMBRO DE 2010

Page 3: DE MARQUES GUATURA, José Felipe - Análise do Mito de Unurato, dos Arapaços

3

______________________________

Prof. Dr. Geraldo ANDRELLO

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4

AGRADECIMENTOS

Minha graduação não seria possível sem a participação de inúmeras pessoas em

minha vida.

Agradeço à todos os meus colegas de turma – Ciências Sociais/06 – e de outros

cursos também pelo companheirismo e história que vivemos juntos, formando em boa

dose o meu caráter de hoje. Sem este grupo, que absorveu e desfez todas as pressões

acadêmicas de uma graduação, com certeza meu amadurecimento enquanto pessoa seria

outro – e sem falar de todas as celebrações que passamos juntos!

Agradeço também à todo corpo docente do Departamento de Ciências Sociais.

Em especial: a Vera Cepêda, que nos recepcionou na Universidade e nos ajudou sempre

que necessário; à todos os professores de Antropologia – Marina Cardoso, Igor

Machado, Luis Henrique de Toledo, Marcos Lanna, Clarice Cohn, Jorge Villela, Piero

Leirner – e em especial à Geraldo Andrello, pelo material cedido e pela paciência com

minhas intempéries.

Agradeço, por fim, à minha família. José Ulysses (pai), Eleni (mãe) e Pedro

(irmão), Priscila (cunhada), e minha namorada, Talita, por todo apoio dado a mim.

Dedico esta monografia em memória de Ulysses Soares Guatura, Ivone Bretternitz

Guatura, Aparecida Trevezanuto de Marques e Eugênio de Marques.

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RESUMO

Esta monografia pretende entender o mito do Unurato, à luz da teoria de Roy Wagner e

o arsenal teórico da antropologia-filosofia, aliado a observações levantadas em algumas

etnografias. O mito em questão é proveniente do grupo Arapaço, localizado no médio

rio Uaupés, na região do Alto Rio Negro, e destaca uma relação conflituosa com a

mercadoria ou “coisas dos brancos”.

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6

ABSTRACT

This monograph attempts to understand the Unurato‟s myth, enlightening by Roy

Wagner's theory and the theoretical arsenal of the anthropology and philosophy,

combined with observations made in some ethnographies. The myth in subject is from

the Arapaço group, located at middle Uaupés river in the Upper Rio Negro zone, and it

highlight a conflictous relation to the goods or “things from whites".

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8

1. TEORIA E METODOLOGIA ............................................................................................. 10

2. TESES ................................................................................................................................ 23

2.1 Howard, C. V.: “A Domesticação das Mercadorias: Estratégias Waiwai” ......... 23

2.2 van Velthem, L. H. “Feito por Inimigos”: Os brancos e seus bens nas

representações Wayana do contato .......................................................................... 25

2.3 Buchillet, D. Contas de vidro, enfeites de branco e “potes de malária”:

Epidemologia e representações de doenças infecciosas entre os Desana do Alto Rio

Negro ...................................................................................................................... 30

2.4 Wright, R. M. Ialanawinai: O Branco Na História e Mito Baniwa. .................... 36

3. MITO DE UNURATO ........................................................................................................ 43

4. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 56

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 58

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INTRODUÇÃO

A presente monografia pretende apresentar algumas análises sobre o mito de

Unurato, proveniente do grupo Arapaço, localizado no médio Uaupés, no noroeste

amazônico – região referida em trabalhos acadêmicos como Alto Rio Negro (ARN).

O mito em questão é rico em dúvidas e estranhamentos, e não obstante que o

escolhemos para fonte de esclarecimento e conhecimento. Unurato, uma semi-

divindade, é figurado na mitologia Arapaço ora como um senhor das mercadorias dos

brancos, ora como um personagem que transita entre o mundo dos brancos –

sobressaindo como importante nesta “cosmologia do contato”. Ademais, o que nos salta

na análise a primeira vista, é que de alguma forma há um esforço ou um mecanismo

simbólico que agrega, tenta conciliar, interpreta, e tantos outros conceitos na literatura

antropológica, o fenômeno do contato entre índios e o branco (e seus objetos). A

percepção é a de que haveria uma configuração cosmológica primária e que, embebida

do contato, molda essa variável que até então não existia – i.e. a figura do branco, e o

que se configurou nos dias de hoje. Porém, não perdendo o substrato, uma lógica

precedente do que seria Arapaço – e talvez de outros grupos que dividem, na mesma

região do Uaupés, uma cosmologia vasta e contínua, em que cada grupo detém um

domínio específico dela.

Assim, defronte a tal empreitada, escolhemos na mercadoria (ou genericamente

“objetos dos brancos1”) uma forma de entrar em tal análise, uma chave para o

entendimento. Porque, talvez, pela sua “objetividade”, no sentido que é um objeto

1 Bruce Albert (2002) em O Ouro Canibal faz essa mesma relação entre mercadoria e “objeto dos

brancos”, e por isso trago aqui a mesma relação.

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externo. A priori, podemos pensar que a mercadoria que é para uma pessoa da

civilização ocidental, sociedade nacional, enfim, é a mesma para uma pessoa Arapaço,

Por tanto, resolvemos partir para outras monografias2, teses, livros que tratam deste

mesmo fenômeno: da cosmologia do contato e suas facetas.

Em suma, à luz da teoria de Roy Wagner e o arsenal teórico da antropologia-

filosofia, aliado a observações levantadas em algumas etnografias, entender o mito do

Unurato, do grupo Arapaço, bem como sua relação com a mercadoria ou “coisas dos

brancos”.

2 Majoritariamente encontradas na coletânea Pacificando o Branco, organizado por Bruce Albert (2002).

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1. TEORIA E METODOLOGIA

Antropologia estuda cultura. Parece uma assertiva óbvia e simples a primeira

vista, assim como sociologia estudaria sociedade ou o “social” 3. Logo, muitos trabalhos

antropológicos têm como objetivo explicar grupos coletivos, descrevendo suas técnicas,

danças, linhagens, tecnologias e filosofias, dando-lhes ora ar de estranheza, ora ar de

simpatia. Ao final destes “muitos trabalhos”, é como se coroasse estes grupos coletivos

como uma cultura – nova, diferente, criativa – e, assim, novamente a antropologia

estudou uma cultura.

Este movimento parece cíclico. Partimos de uma cultura para explicar uma

cultura. O antropólogo que se aventura em tal empreitada sabe disso. Ele parte de sua

própria cultura, com seus valores (bias4 para alguns) para explicar uma outra coisa que

só pode ser traduzida e exemplifica nessa linguagem elementar, que acusa ao mesmo

tempo algo que para nos é semelhante e diferente, como diz Lévi-Strauss5. É a condição

sine qua non da antropologia6. É seu ferramental teórico, e, portanto, não pode, e nem

deve, se livrar dele.

Porém, o importante não é coroar no final de um trabalho a cultura – isso é

inevitável – e sim demonstrar precisamente o que você está querendo dizer por isso. O

que inventamos, conceitualmente, para traduzir certos comportamentos e significados às

3 Para uma discussão mais a fundo sobre sociologia e a terminologia “social”, ver Reassembling the

Social de Bruno Latour (2005). 4 Conceito tratado por várias áreas de conhecimento (estatística, medicina, etc...). A tradução, nem sempre

usada, é viés, que denota uma série de julgamentos/valores que atrapalhariam os resultados de pesquisas. 5 “What does „to mean‟ mean? It seems to me that the only answer we can give is that „to mean‟ means

the ability of any kind of data to be translated in a different language. […] To speak of rules and to speak

of meaning is to speak of the same thing; and if we look at all the intellectual undertakings of the

mankind, as far they have been recorded all over the world, the common denominator is always to

introduce some kind of order” (LEVI-STRAUSS, 1977) 6 O que importa aqui não uma apologia ou uma recusa do seu uso, e sim tornar menos misterioso, ou

obscuro, o que dizemos sobre ela – a tal “cultura”.

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vezes dizem mais sobre “nós” do que sobre “eles”. E aqui está todo o esforço para

eliminar o “nós”, porque em antropologia o que nos importa é saber puramente sobre

“eles” 7.

Este tipo de raciocínio está presente na obra de Roy Wagner “The Invention of

Culture” onde o autor destrincha este movimento de criação da “cultura” para explicar

os nativos em Papua Nova Guiné. O seu insight veio depois que ele percebeu que seus

nativos, além de outras pessoas que habitavam o local, como o reverendo Kenneth

Mesplay, tinham teorias sobre o que seriam antropólogos e suas atividades:

“Assim o reverendo Kenneth Mesplay, que estava encarregado de

uma escola de missão e de outros serviços em Karimui, onde fiz

meu trabalho de campo, falava que nas vilas onde antropólogos

tinham vivido mostravam padrões distintos em lidar com

europeus [...] Um antropólogo é como um „missionário da

cultura‟, acreditando (como todo bom missionário) nas coisas que

inventa, e está apto em adquirir um substancial segmento local no

seu esforço em inventar a cultura.” (WAGNER, 1982:7 cf. nota

de rodapé 1 – tradução própria)

Além disso, os nativos Daribi tinham também uma classificação, uma noção,

própria para antropólogo: chamavam-no de storimasta8. E cultura, aquilo que o

7 No mìnimo, seria um deslocamento de ponto de vista: “His „safe‟ act of making the stranger familiar

always makes the familiar a little bit stranger” (WAGNER, 1981) [“Seu ato „seguro‟ de fazer o estranho

familiar sempre faz o familiar um pouco mais estranho”].

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antropólogo estava inventando para os nativos, era cargo (mercadoria, lucro,

ordenado9).

Assim Wagner discorre sobre a forma como tinha entendido e como entendemos

em sentido geral a cultura. De um modo mais geral, “cultura” pode ser entendida sob a

forma culta, erudita – a dos teatros e livros, a “boa cultura”. De outro modo, pode ser

aquilo que nos distingue da Natureza. Pra todo modo, na antropologia se estuda cultura

sempre no viés de artefatos, técnicas, linhagem, mitos, costumes, etc. Já, para os nativos

de Daribi, cultura significava cargo. Essa relação, esse feedback, Roy Wagner chamou

de Antropologia Reversa, assim dando mais voz ao nativo, e sua explicação, nos

trabalhos de antropologia.

Assim, nos importa agora é saber como se dá esse processo de invenção de

significantes para significado, para então sistematizar uma metodologia de análise. O

que nos importa aqui é saber como se dá o estabelecimento de uma noção explicativa;

seus alcances e trajetos.

Neste movimento de invenção de uma categoria explicativa, como a de

“cultura”, por exemplo, sempre nos usufruímos de uma linguagem comum, de um

mínimo elementar de significados, que via de regra encontra seu refúgio em figuras de

linguagem como nas metáforas, metonímias/sinédoque, que estão à disposição num

panteão semântico de dada configuração simbólica.

Por exemplo: pense numa situação onde tem que explicar para alguém,

semelhante, o sabor do chocolate. É a tradução de uma experiência própria. Uma pessoa

que tenha a mesma experiência iria responder de forma rápida e concisa: “chocolate tem

8 Em The Invention of Culture, Wagner (1981) não deixa muito claro o que seria esta palavra

“storimasta”, porém o interessante aqui saber é forma que os nativos classificam e alocam algo novo

dentro de seu sistema de significados. 9 “Profit, wage-labor, production” (id. 1981:31)

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sabor de chocolate!”. Se outra pessoa não teve esta experiência, então teríamos que

explicar de outra maneira: chocolate é algo doce. Aproximamos, mas não exatamente. E

assim sucessivamente, até conseguirmos o máximo de aproximação de uma experiência

real. Ainda assim, falamos que é “doce” para uma pessoa que saiba o que realmente

estamos dizendo sobre “doce”, o seu sabor-doce. Quando se dá em outras línguas,

outros lugares, teremos que nos dobrar mais ainda para explicarmos o que seria. Neste

movimento de tradução há ruídos que, ao passar do tempo, vão sendo eliminados até

que exista um signo, um símbolo, uma palavra específica para este conjunto de

experiências que significa “chocolate”. Esse processo se dá a regalia do tempo , não tem

um fim previsível, quando se trata de objetos ou, genericamente, “coisas desconhecidas”

à determinada pessoa.

Franz Boaz10

, estudando esquimós, se deparou com isso. Não com essa anedota

do chocolate, óbvio. Mas com uma coisa que ele não podia entender: os nativos tinham

oito nomes para a cor branca. Mas não eram oito nomes para a mesma cor, e sim, oito

sutis distinções do branco da neve.

Sempre quando nos deparamos com algo novo, que não nos é comum, usual,

temos que recorrer a formas de explicação que sejam inteligíveis para o máximo

número de pessoas, partindo de experiências que são coletivas, de certa forma.

Inventamos. Antropologia é a tentativa de agregar à nossa semântica algo que não

existia, ou, se existia, existia de modo incipiente. Assim, como princípio, todos os seres

humanos são demiurgos de suas próprias experiências, plagiadores de significados,

deuses dos seus próprios sentidos, criando clichês originais e inovadores. Como diria

Wagner, “o homem é o xamã de seus significados” (WAGNER, 1981:34)

10

BOAS, Franz Antropologia cultura. “Franz Boas; textos selecionados, apresentação e tradução Celso

Castro”. 2ª Ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.

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14

Nessa mesma perspectiva – a de construção de categorias explicativas –

Foucault, na trilogia História da Sexualidade11¸ nos dá uma pista. Não cabe aqui

retomar passo a passo seu raciocínio lógico, até porque não conseguiria resumir com

devida maestria. Porém, analisando os modos de subjetivação12

, dispositivos

discursivos, a discursividade, durante a Idade Média até o advento da psicanálise no

século XIX, o tema sobressalente é a da problematização – a saber, de o quê, em

determinadas épocas, interessava ser discutido, analisado, debatido. Exatamente: do quê

as pessoas estão falando ou o quê está em jogo para elas. Nos próximos volumes da

obra, onde discute como em outras épocas, mais precisamente na greco-latina, Foucault

analisa, a partir disso, como se dá a formação de outro tipo de sujeito. Assim, o autor

abre mão de conceitos do nosso tempo, na medida do possível, em sentindo a tentar, de

alguma forma, entender o que eles estão dizendo. Logo, ele parte para descrição bruta

do que seria Enkrateia, Aphrodisia, Chresis – categorias deles, intraduzíveis num

primeiro instante – para então tentar aproximar com categorias que nós podemos

entender como sexualidade, desejo, etc. Foucault esgota as formas como os gregos

articulam suas relações com o sexo, com o prazer, com o desejo, para preencher tudo o

que se pensa a esse respeito com os valores, morais e éticas deles mesmos13

.

Cabem aqui então duas ressalvas: Primeiro, que não tentamos fazer uma simples

transposição da teoria de Foucault para o que seria uma análise antropológica; isso seria

apenas uma replicação – grosseira e improdutiva – de sua teoria. O que importa, e é

importado, é como podemos, a partir de categorias nativas, nos aproximar mais do

11

Mais precisamente: FOUCAULT, M. I - A Problematização Moral dos Prazeres. IN: História da

Sexualidade 2; o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984. Pag. 31. [Porém, para uma

percepção melhor do assunto, aconselho ler os três volumes desta obra] 12

Como forma de modelagem da episteme, e, por conseguinte, o sujeito moderno. 13

Grande parte desse movimento aqui devo à minha colega de classe Amanda Guerreiro, que, em 2009,

participamos das aulas de “Antropologia Polìtica”, lecionada pelo Prof. Dr. Jorge Villela, e que no

fechamento da disciplina desenvolvemos um seminário tentando aliar a metodologia do que Roy Wagner

chama de Antropologia Reversa e a Problematização de Michel Foucault.

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pensamento “deles” usando menos de metáforas “nossas”. Não seria frutìfero jamais

tentar achar em outros coletivos categorias/dispositivos consagrados da teoria

foucaultiana como “disciplina”, “poder-saber”, “panópticos”, etc. Segundo, e o motivo

principal de Foucault nesta monografia, é que, de certa forma, sua metodologia nos

ensina a não levar problematizações14 ao campo de pesquisa e sim deixar que elas

venham até você. No limite, é como Marcel Mauss chegou às categorias nativas de

mana e hau, no Ensaio Sobre a Dádiva.

Assim, se faz notar nas pesquisas recentes no Alto Rio Negro uma crescente

demanda dos grupos indìgenas, onde o antropólogo se vê “a disposição” no âmbito de

fazer uma ponte entre órgãos do Estado nacional e “seus nativos”. Um exemplo é o de

Geraldo Andrello, que participou na produção de um livro-dossiê pelo IPHAN chamado

Cachoeira de Iauaretê, que culminou na declaração do local como um lugar sagrado

para os povos dos rios Uaupés e Papuri e foi considerada Patrimônio Imaterial pelo

Ministério da Cultura. Andrello também ajudou na produção de livros da coleção

Narradores Indígenas do Alto Rio Negro, por demanda nativa. Ainda, há interesses de

grupos, como os Arapaços, em publicar seus mitos e “benzimentos” nos livros. Cabe

entender como se dá essa demanda e que efeitos resultam, entre esses povos e pra fora

deles, desde a reivindicação até a produção final de um registro diferente de seus

conhecimentos. Cabe lembrar ainda que isso é um processo em andamento na região e

rico em informações antropológicas.

Dadas essas considerações, se faz necessário ir ao foco de análise desta

monografia. Qual é a relação entre a mercadoria no mundo indígena? Como é

articulado, neles, esse “objeto dos brancos”, que foi fundamental para o contato na

colonização? Claro que esse assunto está longe de se esgotar (se isso for possível pra

14

Formas pré-concebidas, antes de campo, de teorias e categorias a serem estudadas.

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16

qualquer assunto). Para tal empreitada, creio que é necessário levantarmos um inquérito

em nós mesmos sobre “o que é uma mercadoria”; e não vejo outro filósofo mais

articulado neste assunto do que Karl Marx. Levo assim, aceitando os riscos, a noção de

mercadoria de Marx15

como a noção geral “nossa”, da sociedade nacional, de como é

articulada na economia cotidiana16

. Ou seja, como esses objetos, a mercadoria, são

concebidos, distribuídos e consumados na sociedade nacional17

.

Sendo assim, a mercadoria é a forma elementar da riqueza. Fruto do trabalho

humano, aquele é um objeto externo que satisfaz necessidades humanas, tendo assim, de

forma intrínseca, seu valor de uso. Porém, essa mesma mercadoria tem outra faceta. Ela

adota outro valor, o de troca. Seria a equalização de valores de uso, que ao mesmo

tempo os apaga, na medida em que são as mercadorias cambiadas entre pessoas. Cabe

saber que valor, em geral, está corporificado, materializado na mercadoria mediante o

trabalho humano empregado para fazê-lo no decorrer do tempo. A forma comum do

valor da mercadoria é o dinheiro. Em síntese: mercadoria provém do homem, que,

mediante sua força de trabalho e tempo empregado, transforma a natureza para

satisfazer suas necessidades.

Porém, a mercadoria apresenta, ainda segundo Marx, uma dimensão que não é

mensurada por seu valor – parece escapar a ela. Esse “caráter misterioso da mercadoria”

é definido como fetichismo, que encobre as características sociais do próprio trabalho do

homem. Confundem-se as relações entre pessoas e objetos.

15

MARX, K. A Mercadoria. IN: O Capital (Crítica da Economia Política) Volume 1. Editora Civilização

Brasileira S.A., 1968. Pag. 41-94. 16

Mesmo em debates atuais na área de ciências políticas, há discordâncias sobre noções marxistas, de

mercadoria, em análises políticas e econômicas. Por exemplo, o debate que Negri propõe sobre a noção

de trabalho. 17

Porém, com ressalvas que farei quando for oportuno. Mais precisamente na relação de fetiche.

Page 17: DE MARQUES GUATURA, José Felipe - Análise do Mito de Unurato, dos Arapaços

17

“Se as mercadorias pudessem falar, diriam: „nosso valor de uso

pode interessar aos homens. Não é nosso atributo material. O que

nos pertence como nosso atributo material, é nosso valor. Isto é o

que demonstra nosso intercambio como coisas mercantis só como

valores de troca estabelecemos relações umas com as outras‟”.

(MARX, 1968:92)

Assim, é como se as mercadorias perdessem sua objetividade clara de serem

apenas coisas, quantificada pelo trabalho e tempo, e tomassem de assalto uma dimensão

social que não é delas. Ao invés de manterem apenas relações ideais entre elas, se

confundem com pessoas: relações materiais entre pessoas e relações sociais entre

coisas. Como se elas fossem dotadas de uma agência que não é delas e sim dos homens.

Acredito que nesse ponto, no da noção de mercadoria, mais precisamente na de

fetiche, é que deve ser relativizado18

. Não creio que o fetichismo seja um ruído, ou uma

ilusão, da dinâmica da economia dos objetos, e sim algo que diz muito sobre como

pensamos “objetos” e “pessoas”.

Tomando como exemplo as considerações que Bruno Latour faz em seu livro

Reflexões sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches19, onde conta-se uma anedota

sobre um fato que aconteceu nos idos do século XVI quando portugueses encontraram-

se com nativos na costa da África Ocidental. Peço licença em aqui transcrever em bruto

tal história.

18

No sentido de tomarmos por outro ponto de vista. 19

LATOUR, B. Como os modernos fabricam fetiches entre aqueles com entram em contato. IN: Reflexão

sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2002. Pag. 15-25.

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18

“A acusação, pelos portugueses, cobertos de amuletos da Virgem

e dos santos, começa na costa da África Ocidental, em algum

lugar da Guiné: os negros adoravam fetiches. Intimados pelos

portugueses a responder à primeira questão: „Vocês fabricaram

com suas próprias mãos os ídolos de pedra, de argila e de madeira

que vocês reverenciam? ‟, os guineenses responderam sem hesitar

que sim. Intimados a responder à segunda questão: „Esses ìdolos

de pedra, de argila e de madeira são verdadeiras divindades? ‟, os

negros responderam com maior inocência que sim, claro, sem o

que, eles não os teriam fabricado com suas próprias mãos! Os

portugueses, escandalizados, mas escrupulosos, não querendo

condenar sem provas, oferecem uma última chance aos africanos:

„Vocês não podem dizer que fabricaram seus fetiches, e que estes

são, ao mesmo tempo, verdadeiras divindades, vocês têm que

escolher, ou bem um ou bem outro; a menos que, diriam

indignados, vocês não tenham miolos, e que sejam insensíveis ao

princípio de contradição como ao pecado da idolatria”.

(LATOUR, 2002:16 [grifo no original])

Mais a frente, Latour complementa a história de forma interessante:

“Pena que os africanos não tenham devolvido o elogio. Teria sido

interessante que eles perguntassem aos traficantes portugueses se

eles haviam fabricado seus amuletos da Virgem ou se estes caíam

Page 19: DE MARQUES GUATURA, José Felipe - Análise do Mito de Unurato, dos Arapaços

19

diretamente do céu. – „Cinzelados com arte por nossos ouvires‟,

teriam respondido orgulhosamente. – „E por isso são sagrados? ‟,

teriam então perguntado os negros, „Mas claro, benzidos

solenemente na igreja Nossa Senhora dos Remédios, pelo

arcebispo, na presença do rei‟. – „Se vocês reconhecem então, ao

mesmo tempo, a transformação do ouro e da prata no cadinho dos

ouvires, e o caráter sagrado de seus ícones, por que nos acusam de

contradição, nós que não dizemos outra coisa? Para feitiço, feitiço

e meio.” (LATOUR, 2002:18)

Apesar de essa alegoria ser fantasiosa – fictícia para ser mais exato –, nos trás

algo em que pensar. O ponto em questão é que no fetichismo da mercadoria na verdade

estamos operando de forma que os objetos tenham uma agência própria deles. Talvez,

mais do que isso: há uma noção de pensar objetos/pessoas na sociedade ocidental e

outra noção para outras sociedades. Importante é salientar que objetos e pessoas

mantêm relações estreitas, de difìcil cirurgia teórica, em todo lugar, tanto em “nós”

quanto “neles”. Assim, creio que numa análise, essas coisas têm que ser levadas em

consideração, descrevendo todas as relações que são produzidas20

entre os termos,

humanos ou “não-humanos”, ou seja, objetos, e não relegar estas relações para

explicações que as concluem como ilusão ou ruídos.

Portanto, creio que numa antropologia reversa, onde os nativos criam suas

teorias próprias sobre o mundo ocidental com base em sua cosmologia nativa, há uma

20

Análoga a esta metodologia é a de Latour, sobre ator-rede: o que importa é a descrição densa de todas

as relações possíveis, e não solapar com uma explicação externa.

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20

desconstrução, ou realinhamento, das fronteiras de todas as noções até então inventadas,

naquele sentindo de invenção de Wagner, para explicação antropológica.

Um caso interessante disso é o de David Yanomami, relatado por Bruce Albert

em seu artigo O Ouro Canibal e a Queda do Céu. David, que foi educado por

missionários na língua portuguesa e depois iniciado na prática xamânica yanomami,

tece uma rica teoria que relaciona desde a gênesis do mundo, sua escatologia, e a

atividade garimpeira dos brancos na floresta em território Yanomami:

“Eu sou Yanomami, um filho de Omamë que nos criou, faz muito

tempo, quando os brancos não estavam aqui. Criou a nós e criou a

floresta com os rios e o céu (...) Antes, os ancestrais animais se

metamorfoseavam sem parar (...) O que eu sei são as palavras que

ele deixou (...) Omamë criou nossa floresta, mas os brancos a

maltratam, é por isso que queremos protegê-la. Se não fizermos

isso, vamos desaparecer. É isso que eu penso. Eu cresci, tornei-

me adulto e aprendi a língua dos brancos. É por isso que eu lhes

falo, para defender a floresta e impedir que a gente desapareça”

(ALBERT, 1995:10)

Em sua teoria, embasada na escatologia Yanomami, o mundo é constituído por

minérios que ficam debaixo do solo, funcionando como um axis mundi. Omame,

demiurgo Yanomami, escondeu esses minérios propositalmente para que os homens não

pegassem, até porque não lhe serviam de alimentos mesmo. Porém, os brancos-

garimpeiros, que David diz serem homens-queixada em relação ao animal que chafurda

Page 21: DE MARQUES GUATURA, José Felipe - Análise do Mito de Unurato, dos Arapaços

21

na lama e come terra, retiram esse minério deixando instável o mundo em que vivem.

Não contentes, continuando a lógica, eles queimam o metal produzindo muita fumaça

que vem a provocar diversos males aos yanomamis, pois há uma relação entre fumaça e

doenças. Além do mais, essa fumaça é deletéria para os espíritos auxiliares dos xamãs,

que, uma vez órfãos dos mesmos, param de segurar o céu e que, possivelmente, venha a

rebentar em nossas cabeças. Em resumo: Xamãs seguram os céus. Fumaça do ouro

mata os espíritos auxiliares dos xamãs e, por conseguinte, os próprios. Logo, o céu

cairá.

David Yanomami, segundo Bruce Albert, dispõe de uma gama nova de discursos

que lhe possibilita discorrer sobre a atividade dos brancos garimpeiros e a situação

yanomami de demarcação de territórios. Esse novo modo discursivo se dá pelos novos

contextos criados por movimentos ambientalistas, os ecologistas, e a inserção do

ambientalismo na agenda política de várias Nações no final do século XX. Porém, não

seguindo a reificação da Natureza, como é de costume no pensamento ocidental

moderno. Entretanto, é claro que David encontra no discurso ambiental uma plataforma

para ser ouvido e fazer valer suas demandas, uma vez que um possível fim apocalíptico

dos seres humanos está confirmado, tanto nessa teoria yanomami quanto nas notórias

teorias ambientalistas.

Portanto, o que se tornar mister é analisar como que os diferentes grupos étnicos

traduzem ou interpretam o contato com branco e toda uma gama de socialidade que isso

propõe. Nos termos de Roy Wagner: como se dá a invenção de conceitos próprios, por

meio de metáforas, do que é o novo dentro do convencional. Que seja, como as

cosmologias ameríndias incorporam o evento do contato e como se resignificam a partir

de um universo simbólico aquilo que nunca se tem total conhecimento, seja artefatos

diversos, língua, aspectos físicos, ou seja, o Outro. No limite, é o que Bruce Albert,

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22

citando Terence Turner na Introdução do livro Pacificando o Branco, diz como uma

“antropologia da antropologia dos outros”:

“Nenhuma sociedade, desde que consiga sobreviver, pode deixar

de capturar e transfigurar em seus próprios termos culturais tudo

que lhe é proposto ou imposto, até nas mais extremas condições

de violência e sujeição, independente de qualquer confronto

polìtico” (ALBERT, 2002b:15)

Portanto, esse modo de encarar, essa perspectiva, acaba sendo frutífera pelo

espanto, num bom sentido, que causa quando se nota novas formas de construir

significados lógicos para questões que até então eram dados como esgotados, como no

caso do ambientalismo. Esgotados no sentido explicativo: onde já se pensaria como

concluída uma explicação, achar novos modos de lógicas para o mesmo evento, sendo

estes com causas-consequências de mesma ordem ou não. No caso de David, veio a

calhar à lógica yanomami com discursos ambientais. Mas se faz pensar em quantos

mais discursos há a possibilidade de cruzamento, por assim dizer, e até que níveis

podem se concordar ou não.

Assim, creio necessário um olhar atencioso no caso de Unurato, um ser

mitológico Arapaço que se identifica ora como senhor das mercadorias, ora como um

Arapaço que virou branco por meio das mercadorias. Não há acuidade nas nuanças que

tomam a caricatura de Unurato e no exato papel que as mercadorias tomam neste enredo

mítico, porém o que pretendo é iniciar uma reflexão onde não se sabe ao certo o fim

dele, e provavelmente, certamente, deixando em aberto algumas linhas de raciocínio –

lembrando que contarei com alguns textos de Janet Chernela e materiais cedidos por

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23

Geraldo Andrello, cujo sou eternamente grato. Porém, isso se dará na terceira parte

desta monografia. Antes analisarei textos selecionados da obra Pacificando o Branco

em que aparecem situações interessantes para nosso objetivo aqui.

2. TESES

Os artigos que levantarei aqui neste capítulo estão todos publicados no livro

Pacificando o Branco, organizado por Bruce Albert e Alcida Rita Ramos, e tem como

objeto ilustrar movimentos onde há agregação simbólica do contato em cosmologias,

em diversos níveis – servirão, portanto, para nos iluminar sobre este fenômeno. Esses

artigos serão o de Catherine V. Howard, A Domesticação Das Mercadorias, de Lúcia

Hussak van Velthem, “Feito Por Inimigos”, de Dominique Buchillet, Contas De

Vidros, Enfeites De Brancos e “Potes De Malária”, e Robin M. Wright, Ialanawinai: O

Branco Na História e Mito Baniwa.

2.1 Howard, C. V.: “A Domesticação das Mercadorias: Estratégias Waiwai”

A autora apresenta neste texto como os Waiwai, grupo de língua caribe do norte

da Amazônia, apropriaram das mercadorias provindas dos brancos em seus próprios

termos.

Alerta para os riscos que tomam a mercadoria em si, vindos de teorias

antiquadas e que não apresentam uma análise adequada, tanto de um lado etnocêntrico

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24

onde a mercadoria seria o que os indígenas buscam por serem melhores ou uteis, quanto

por uma visão romantizada de um tipo indígena de ser, onde a mercadoria teria uma

função degeneradora de uma cultura pura dos próprios.

Porém, o que a autora aponta na lógica Waiwai é que a mercadoria, em linhas

gerais, amplia a rede de trocas interétnicas. Um dos pontos a se levantar é que tais

mercadorias não apareceram junto com os brancos, cronologicamente. Segundos seus

dados etnográficos, a mercadoria “branca”, por assim dizer, surgiu por meio de trocas

entre outros grupos que já teriam contato com o branco. Logo a mercadoria “branca” já

teria se alocado de forma peculiar na estrutura cosmológica destas populações,

fornecendo um mapa simbólico ímpar sobre o que é o branco e o que são suas

mercadorias.

O contato com o branco era percebido como “letal”, por experiência já

conhecida durante a época colonial, porém os relatos de como eram operacionados tais

mercadorias iam desde trocas hiper-ritualizadas com outros grupos, até ornamentado

rituais fúnebres (por exemplo, uma garrafa e um caneco junto ao corpo de uma Waiwai

por preocupação de eventual sede em sua caminhada para outros níveis espirituais).

Assim, na cosmologia Waiwai, a mercadoria aparece como uma criação de uma

divindade Arara, onde teria apresentado para os indígenas tal dádiva.

Observa-se uma extrema ritualização, cuidados em sentido amplo, de como tais

trocas se efetuam, em oposição à forma grosseira de como se dá com os brancos,

atentando até para a “evitação” do contato de certos grupos brancos (seringueiros,

extrativistas, etc.), como no caso onde os missionários, que mesmo sendo rudes nos

tratos da troca, se mostram melhores nesse âmbito. Porém, as mercadorias são de

extrema valia no que tange a extensão do campo relacional dos Waiwai com outros

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25

grupos. É como se houvesse uma harmonização da mercadoria, tentando, por extensão,

pacificar as relações com os brancos.

2.2 van Velthem, L. H. “Feito por Inimigos”: Os brancos e seus bens nas

representações Wayana do contato

No artigo de Lúcia H. van Velthem temos uma abordagem mais prática, no que

toca esta monografia, sobre como é pensado os objetos dos brancos em uma cosmologia

outra.

O objetivo do artigo é abordar as concepções Wayana que estão ligadas aos

objetos e materiais adquiridos por meio do contato com os brancos e outros grupos da

região. Os Wayana são um povo indígena de língua Carib. No Brasil, encontram-se às

margens do rio Paru de Leste, ao norte do Estado do Pará, no Parque Indígena de

Tumucumaque e na Área Indígena Paru do Leste. Em fins de 1999, os Wayana

contabilizavam 504 pessoas.

Reforça o papel do contato interétnico, desde Colombo no Descobrimento, na

interpretação dos nativos sobre os bens materiais industrializados dos brancos. Cabe

lembrar que este contato, como de costume na história, foi traumático e, portanto,

moldou as concepções do branco na cosmologia da etnia.

A etnia Wayana, segundo a autora, desenvolveu com os objetos industrializados

uma estética que expressaria características próprias. Apresentam uma lógica.

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26

Contrapõe-se aos próprios objetos de sua própria cultura, assim fomentando a dicotomia

eu-outro, fundamental para a reafirmação étnica.

“A penetração dos objetos industrializados nas culturas indìgenas constitui um

elo fundamental do contato interétnico desde os primeiros encontros (...) Os objetos

industrializados, ao mudarem de domínio, pode igualmente mudar de significado,

conforme as concepções das sociedades que os adotam” (VAN VELTHEM, 2002:61).

Pode-se dizer o mesmo de objetos indígenas quando entram em sociedades ocidentais.

Onde antes se usava uma cuia, banco, forquilha de cigarro para a criação da vida, no

Alto Rio Negro, pode-se ser visto como um “objeto cultural” ou móvel de decoração em

nossa sociedade, por exemplo. Assim, reforça-se a tese de que tal mecanismo cognitivo

constitui meios de reconstruções simbólicas que almejam a reafirmação étnica.

Para entender como os Wayana operam este artefato em seu próprio prisma, a

autora tenta deduzir esta lógica a partir das noções de “estrangeiro”, “inimigo” para

chegar à noção de objeto.

Para os Wayana, todos os outros são estrangeiros, desde brancos e negros até

outros grupos com os quais tem contato desde antes do descobrimento. Estrangeiro

sempre é um inimigo potencial. Agressividade, na cosmologia, tem conotação de não-

humano, animal, sobrenatural e isso tem uma relação atenuada com o branco, dado as

turbulências do contato. O branco, especificamente, é “inimigo covarde”. Ser débil, sem

vigor pessoal, apenas “a arma dele tem força”. Além do mais, o branco é considerado

como “experimentador de nossa carne”, canibal21

. Não só a qualificação de covarde

compõe a noção de branco Wayana. “A consideração do comportamento, da aparência

física, do nome constitui alguns dos elementos essenciais na identificação dos

21

Reforçado por eventos de massacres vividos ao longo do tempo.

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27

componentes da cosmologia Wayana e, conseqüentemente, a percepção dos brancos

constrói-se por meio desse prisma” (VAN VELTHEM, 2002:65).

Basicamente, a noção de pessoa é composta em duas variáveis: aparência física

(pele, pilosidade, enfeites) e nome. O branco tem pele clara. Mesma cor quando os

Wayana ficam doentes, pálidos. Os negros são o que ficam expostos ao sol, viajantes, e

sem adornos, ao contrário da vida social da aldeia. A coloração “ideal” é a vermelha,

junto com a tinta de urucu, socialmente ativa. Logo, branco e negro são aparências a-

sociais, o que demarca já uma tendência a não-humanidade, agressão e predação:

“Diante do exposto, conclui-se que pessoas com pele

„esbranquiçada‟ ou „enegrecida‟ estão, por definição, excluídas

momentaneamente do convívio social, como os reclusos, os

doentes, os viajantes. Portanto, muito mais do que apenas

evidenciar a diferente coloração da pele dos brancos e dos negros,

essa classificação indica a posição de exclusão desses indivíduos

da vida social Wayana” (VAN VELTHEM, 2002:66)

Dado esse quadro, cabe agora entender como os Wayana pensam objetos.

Assim, a autora entende na cosmologia Wayana um continuum de como se podem

entender os objetos que são feitos por inimigos deles: “as formas de incorporação dos

objetos industriais à sociedade Wayana estão estreitamente conectadas às concepções

simbólicas que fundamentam todo o sistema de objetos e as concepções estéticas

agregadas” (van Velthem, 2002:70).

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28

Dois termos da língua Wayana são usados para bens: “coisa”, elementos

inanimados produzidos pelos seres humanos e “imakhé”, “o que é (intrinsecamente)

meu”, “enfeite” – que tem por prerrogativa ser executado por um wayana, ter local de

armazenamento próprio, possuir funções e regras específicas de uso. Ou seja,

ritualizado.

Objetos dos brancos não podem ser enfeites, pois são concebidos por mãos

estranhas e de local desconhecido, sem atentar para um “protocolo” de execução que é

dado pela cosmologia, uma “ritualidade” do objeto:

“A espingarda do branco „mata todos os bichos‟ ao passo que,

entre flechas wayana, encontramos as que são próprias para os

porcos selvagens e as antas, outras que são exclusivas para os

macacos, outras ainda para os pássaros... Embora eficaz, a

espingarda não propicia a singularidade funcional necessária para

uma valorização estética” (VAN VELTHEM, 2002:70)

A partir daí, a autora encontra um paralelismo semântico entre brancos e seus

objetos: Branco = falso parente = inimigo; logo, os bens industriais, são falsas coisas,

pois são produzidos por falsos parentes.

Assim, fica claro que a distinção de uma coisa e outra se dá pela posse do bem

por determinado grupo. Lembrando que há duas modalidades de posse/bem na cultura

Wayana: 1- tuwaré: saber fazer, saber executar, manufaturas originalmente Wayana. 2-

irmató, posse de um bem do qual não se sabe nada, ou seja, objetos advindos do

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29

contato, por exemplo: arkapusá irmató, “dono da espingarda”. Animais domésticos,

caças e crianças cativas frutos de expedições guerreiras caem nessa segunda categoria.

Portanto, segundo a autora, há uma associação de bens industriais com caça e crianças

cativas. Bens são simbolicamente concebidos como presas de guerra. Uma

metaforização. Reféns materiais passíveis de domesticação.

“Os bens do contato têm tratamento especìfico em função de sua

origem externa não sendo imediatamente utilizados, ficando

guardados ou amarrados nas vigas das casas por tempo

determinado. Posteriormente, ao serem utilizados, não possuem

local fixo de armazenamento, e podem ser encontrados nos mais

diversificados locais” (VAN VELTHEM, 2002:72)

Tratamento idêntico é dado ao cativo de guerra, que chegava amarrado à aldeia e

amarrados nas vigas da casas e só era solto após certo período. Sem nome, sem

moradia. Submetido a pintura. Um prisioneiro completamente desprovido de vontade,

assim como um “objeto” inanimado.

Os objetos são desprovidos de nome. A autora diz que isso serve para reforçar o

estatuto alienígena do artefato, não sendo produzido e ritualizado como devem ser as

coisas Wayana. Porém, resguardam na língua o nome original. “Espingarda” é arkapusá,

do espanhol “arcabuz”, um exemplo entre tantos outros objetos que carregam, porém na

fonética wayana, o nome original em português, francês, etc.

Em suma, a autora chega à seguinte conclusão:

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30

“Conseqüentemente, em vez de serem derrotados pela quantidade

e pretensa superioridade técnica dos bens industriais, procuram

neutralizá-los como „cativo de guerra‟ e os domesticam,

submetendo-os as suas próprias perspectivas nominativas e

estéticas”. (van Velthem, 2002:76)

Parece que assim, dada as contingências históricas do contato, os Wayana

lograram aquilo que vem dos seus inimigos o mesmo lugar dos cativos de guerras tem

em sua ritualidade sócio-cosmológica. Uma extensão daquilo que, pelo contato, não

conseguiram domar, controlar, ou no limite, domesticar.

2.3 Buchillet, D. Contas de vidro, enfeites de branco e “potes de malária”:

Epidemiologia e representações de doenças infecciosas entre os Desana do Alto Rio

Negro

O texto de Dominique Buchillet poderia muito bem estar tanto aqui, enquanto

um suporte de argumentação para produção desta monografia, quanto na parte teórica e

metodológica (capítulo 1) por sua densidade etnográfica e análise cosmológica, como o

texto de Bruce Albert.

O objetivo do artigo é estudar entre os Desana como foi formulado na

cosmologia deles quatro doenças epidêmicas freqüentes no contato: varíola, sarampo,

gripe e malária. Foca-se mais nas representações xamânicas dessas enfermidades:

“Demonstrarei como a simbolização xamânica dessas quatros

infecções realizada pelos Desana está alicerçada em

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31

considerações de duas ordens: a experiência histórica do contato

interétnico e as características epidemiológicas de cada uma

dessas patologias. Nas doenças que associam aos brancos –

varíola, sarampo e gripe –, os Desana identificaram uma

especificidade – o grande poder de contágio – ligada a uma

peculiaridade que lhes é exclusiva e que está inscrita no mito de

origem da humanidade” (BUCHILLET, 2002:114)

Os Desana são um grupo oriental da região do Alto Rio Negro (ARN). Ocupam

em um hábitat disperso as margens do Rio Uaupés e seus afluentes Tiquié e Papuri na

região do Alto Rio Negro, no Brasil, e do Departamento Del Vuapés, na Colômbia.

Sendo certa de 1.400 no Brasil, distribuídos em aproximadamente 60 comunidades, eles

mantêm com os demais grupos lingüísticos da região intensas relações matrimoniais

e/ou econômicas (que é uma característica dos grupos da região).

A autora trabalha, assim, com várias frentes de análise. Uma, que seria a

progressão histórica do contato com o branco, desde com os primeiros surtos de

sarampo e varíola, até a interferência militar na paisagem amazônica. Outra frente é a

comparação entre as noções biomédicas e xamânicas das patologias que assolam a área.

Portanto, há um levantamento considerável de questões sanitaristas no que tange a

epidemiologia das enfermidades – questões técnicas da varíola, do sarampo, da gripe e

da malária – e de mitos Desana da origem e surgimento dessas doenças. Reservo-me

aqui a não transcrever em bruto todas as informações biomédicas das doenças. Cabe

apenas dizer, a titulo de explicação, que a varíola-sarampo-gripe se enquadra num rol de

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32

doenças contagiosas, que não necessitam de intermediários para sua transmissão, ao

contrário da malária, necessária um vetor (mosquito) para que se alastre.

Sobre as doenças contagiosas, virulentas, são necessários contingentes

populacionais de grande porte para que a doença se dê de forma endêmica. Coisa um

tanto quanto incomum nos povos do ARN:

“Parece evidente que o tamanho relativamente pequeno das

comunidades indígenas da região do ARN e, sobretudo, a sua

grande dispersão geográfica frustraram a manutenção endêmica

de doenças infecciosas virulentas agudas, com a varíola e o

sarampo.” [...] “Não se deve estranhar que os Desana façam,

como veremos, uma estreita associação entre essas doenças e a

entrada dos brancos e objetos manufaturados em seu território”.

(BUCHILLET, 2002:119)

Sobre a varíola e o sarampo, as duas doenças têm como características erupções

cutâneas, exantemas, que se alastram pelo corpo inteiro e são especialmente

contagiosas. Alguns sanitaristas relacionam o contágio até mesmo por objetos e roupas

que tiveram contatos com enfermos.

Ademais, a forma pustulenta da exantema é relacionada pelos Desana como

contas de vidro (um tipo de miçanga de vidro), um item de troca abundante na época da

colonização:

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33

“Depois de perceberem a similaridade entra a forma do exantema

provocado por essas duas infecções virais e a das contas de vidro

que passaram a ser um bem importante nas suas trocas

econômicas com os brancos nas primeiras fases do contato, os

índios do ARN estabeleceram uma relação entre as duas doenças,

explicando, pelo recurso do mito, como as contas se converteram

no seu corpo em sarampo e em varìola” (BUCHILLET,

2002:122)

Essa doença foi automaticamente relacionada ao branco e seus objetos, criando

uma relação cosmológica, na tentativa de explicar sua origem. No mito, um ancestral do

branco cozinhava em um recipiente contas de vidro. Por um descuido, deixou derramar

a espuma proveniente do cozimento no chão, assim espalhando a doença no mundo.

Outro mito relata que mulheres brancas colhiam as contas de vidro das arvores e,

quando as deram para as mulheres indígenas, que as usaram no mesmo instante, sua

pele contraiu a enfermidade.

Disso se desdobra que o mito traz uma seletividade patológica. As mulheres

brancas não contraíram a doença, já as indígenas sim. O que não é de se espantar, dado

que essas doenças são antigas no Velho Mundo e que, na explicação biomédica,

populações expostas por longo período de tempo tendem a desenvolver certa resistência

imunológica. Fato observável pelo mito também.

“Faz sentido, portanto, deduzir que a maioria dos brancos que

invadiram o ARN já havia sido exposta a essas doenças e

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34

desenvolvido uma imunidade duradoura. Tal era a situação dos

índios que se confrontavam pela primeira vez com essas infecções

que, na época dos primeiros contatos, deviam ter-se manifestado

de maneira particularmente fulminante e afetado todas as classes

de idade indistintamente.” (BUCHILLET, 2002:124)

De toda análise até então, destacam-se três aspectos: 1- que essas doenças são

dos brancos, porém de ações involuntárias (derramamento de espuma, contas de vidros);

2- que atingem especificamente os índios, e; 3- que as suas erupções cutâneas, as

exantemas, tomaram a forma de conta de vidro, bens de troca importantes entre índios e

brancos.

Já para a gripe não há uma teoria indígena geral. Talvez, aponta a autora, por

causa da diversidade de sintomas: cefaléia, catarro, etc... Apenas sua identificação com

a mercadoria dos brancos, que parecem carregar o “catarro” dentro delas:

“Informante Desana: „A gripe vem dos objetos dos brancos da sua

mercadoria, da sua comida... A gripe dos brancos é muito

contagiosa. Ela ataca todo mundo, ela começa pouco depois da

chegada dos navios ou dos aviões que transportam mercadoria‟”

(BUCHILLET, 2002:124)

Parece que fica exposto que os Desana têm um temor especial da gripe, já que

não encontram um referencial mítico para a explicação do surgimento do mundo da

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35

doença, associando muitas vezes como um atributo intrínseco dos brancos. Uma frase

citada no artigo me chamou extrema atenção, quando um informante Desana diz: “Não

sabemos como os brancos criaram a gripe... Por isso, fazendo uma comparação com a

nossa própria cultura, procuramos na dos brancos o que poderia provocar essa doença”

(BUCHILLET, 2002:125 [grifo meu]). Retornarei a este ponto ao final da monografia,

por se tratar explicitamente de uma antropologia reversa. Todavia, certos desanas

comparam a gripe dos brancos e uma doença tradicional, atribuídas a enfeites de penas.

O equivalente na cultura dos brancos seria os espinhos da coroa de Cristo ou os

grampos dos cabelos das mulheres brancas. Outros dizem sobre a existência de um

motor dentro da cabeça da pessoa (cefaléia). Disso, desdobram-se duas coisas: que não

há uma resolução única Desana da gripe, uma teoria geral, e que ela está

intrinsecamente relacionada aos brancos e seus objetos. Um exemplo deste segundo

ponto é que em técnicas terapêuticas xamânicas “tem por objetivo retirar do corpo do

paciente [gripado] todos os objetos dos brancos, antes de refrescá-lo, invocando o frio

das estrelas” (BUCHILLET, 2002:126)

Já a malária, os Desana identificam-na como uma doença do universo e

autóctone. Tem explicação enraizada em sua cosmologia: um ancestral teria sido

envenenado com curare por meio de um dardo e vomitado pelos quatros cantos do

mundo a malária. Em outro mito, um xamã, ao cair morto envenenado também, seus

ossos explodem espalhando esta doença. Há uma associação do paludismo ao curare

pelo efeito paralisante deste veneno vegetal, similar aos sintomas da malária. Já sobre as

epidemias de malárias, os desanas as relacionam com “potes de malárias” que ficam nas

inúmeras cachoeiras da região e que os xamãs têm controle sobre eles.

Por fim, os desanas fazem uma distinção clara entre as doenças. As contagiosas

(varíola, sarampo e gripe) estão intrinsecamente relacionadas com o branco e suas

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mercadorias, já a malária é considerada uma doença autóctone. Isso demonstra mais do

que apenas uma nosologia nativa, mas também uma concepção de pessoa branca

mitologicamente: uma diferença radical entre índios e brancos inscrita no mito de

origem Desana.

A saber, na mitologia Desana, o ancestral dos brancos aceitou do criador uma

cuia com o poder de fabricar objetos manufaturados, além de consumir o ipadu,

garantindo-lhes o poder de se multiplicarem e viverem bastante. Na borda, a cuia estava

infestada de insetos, que o ancestral dos índios não teve coragem em consumir, selando

o destino deles como pessoas que não se multiplicam e não tem poderes em fabricar

objetos. Portanto, a capacidade de reprodução dos brancos é análoga a capacidade de

fabricação de objetos e também de suas doenças, sendo a “contagiabilidade” uma

característica intrìnseca “branca”. Extremo contágio e patogenia seletiva são, portanto,

dimensões fundamentais da percepção histórica e cultural das doenças que os Desana

associam aos brancos, que estabelecem, por contingências históricas do contato, uma

caracterização dos próprios brancos e seus itens.

2.4 Wright, R. M. Ialanawinai: O Branco Na História e Mito Baniwa.

O artigo de Robin Wright trata em outro nível a questão do contato. Não foca

tanto mais nos objetos do branco, mas sim na figura do homem branco na mitologia

Baniwa – sua construção mitológica a partir da conjuntura histórica do contato, desde a

época colonial.

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37

Os Baniwa, de língua arawak, vivem nas fronteiras entre o Brasil, a Venezuela e

a Colômbia. A maior parte vive do lado brasileiro, num total de aproximadamente 3.750

pessoas, distribuídas em 103 comunidades ao longo do Rio Içana e seus afluentes, o

Cuiary, o Aiary e o Cubate. O nome “baniwa” refere-se, na verdade, a um grupo falante

de uma língua arawak próprio do Rio Guainia, mas, desde o início do período colonial,

tem sido aplicado a todos os povos de língua arawak da região.

O artigo tenta resolver a questão do messianismo e milenarismo recorrentes na

região do noroeste amazônico. Um dos temas repetitivos, na região, são mitos e contos

que descrevem a transformação do nativo em branco ou vice-versa. Veremos que isso

também acontece no mito de Unurato, dos Arapaços, e por isso nos dão algumas pistas

de como tratar esse assunto.

Nos movimentos messiânicos que acontecem com os Baniwa há sempre a

assertiva de evitar o contato com branco e, se possível, viver sem precisar dele. Porém,

dada as condições avançadas do contato hoje em dia, isso se torna de difícil

concretização.

Porém, os baniwas identificam em sua cosmologia personagens brancos

associados a divindades. Uma dessas divindades é Kuwai, Filho do Criador. Portanto,

Wright vai entender a categoria “branco” enquanto constructo histórico de dois séculos

e meio de contato, sendo a guerra a forma mais marcante desta relação com os brancos.

Logo, cabe questionar como se entende mito e história e como uma esfera influi em

outra.

“Mito como história no sentido mais essencial do termo, como

processo de produção da sociedade que implica, ao mesmo tempo,

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38

tempo, um processo de produção do „outro‟, ou seja, quem é

exterior à sociedade” (WRIGHT, 2002:433)

A metodologia efetuada pelo autor é constituída por dois momentos. No

primeiro, analisa-se dois séculos e meios de contato – ora intermitente, depois intenso –

com os brancos. Desde os primeiro militares da colônia, missionários, até comerciantes

e mineradoras no séc. XX o que cabe saber é que este contato sempre foi conflituoso e

belicoso. Muitos baniwa denominam o branco como “patrão” por causa de trabalhos,

forçado ou não, realizados durante todo esse período. Além disso, a doença também,

como via de regra, surtiu efeitos devastadores na demografia do grupo. Logo, não é de

se estranhar que esse tipo de relação deletéria entre os termos tenha resultados em

movimentos messiânicos que pregavam o fim da exploração econômica pelos brancos e

a autonomia deles (WRIGHT, 2002:439). Na primeira metade do séc. XX, a população

baniwa havia se reduzido drasticamente.

No segundo momento, Wright recorre à construção histórica oral dos Hohodene,

um sib22

baniwa, sobre os brancos, que remetem ao tempo dos seus avós – o que indica

que próximo ao início daquilo que entendemos com história de fato. O personagem

principal é Keroaminali, um guerreiro importante do sib.

Em resumo, história deflagra-se assim: 1- campanha de pacificação dos militares

brancos, aliados a outros povos arawak, contra os Molé-dakenai (povo aliado), que

foram massacrados, e os Hohodene, que foram feitos prisioneiros. 2- Descimentos

forçado ao Rio Negro (Barcelos), onde Hohodene sofrem aculturação (perdem adornos,

beberam e dançaram nas casas dos brancos e perderam seus filhos que se transformaram

22

Unidade territorial populacional na região do Alto Rio Negro. Similar a “clã” e à noção de “aldeia”,

porém com especificidades mais atenuadas, como história, ancestrais, etc...

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39

em brancos/soldados). 3- Recuperação étnica, fuga de Barcelos para o Içana, aliança

com os Walipere-dakenai, por meio de casamentos, rituais, danças, bebida,

redistribuição de terras. 4- Segundo descimento instigado por um Baré/caboclo/regatão

que falhou, decisão coletiva valorizando o trabalho e modo de vida Hohodene.

Para entender essa história, cabe entender também a guerra baniwa que tem por

objeto vingar-se de um parente morto e/ou capturar um cativo a fim de, grosso modo,

repor sua lacuna. Os militares brancos, junto a outro grupo indígena, haviam investido

por causa da morte de um soldado branco, identificado como “filho deles”, e, portanto,

nada mais lógico de terem capturado os filhos de Keroaminali a fim de repor a falta. A

disposição dos enfeites e adornos, as danças, a bebida na “casa dos brancos” marca este

tipo de assimilação aos brancos. A fuga de Barcelos e a nova aliança com outro clã

mostram a capacidade Baniwa de conseguir resistir e fazer crescer/prosperar de novo

sua sociedade. O terceiro episódio, que é a aliciação por parte de um personagem dúbio,

identificado como Baré, ou caboclo, ou regatão, para um novo descimento traz a

desconfiança do novo coletivo formado e que hesitam e ficam na terra deles, preferindo

viver em paz e longe dos brancos.

“O que é notável nesse episódio é a afirmação que fazem os

irmãos de sua consciência histórica como fonte de uma estratégia

política para enfrentar o inimigo externo. Diante da escolha entre

seguir o branco ou permanecer em suas aldeias, os irmãos

decidem manter sua autonomia, porque as suas roças, casas, e a

prosperidade são superiores à convivência com os brancos.”

(WRIGHT, 2002:445)

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40

Esse conto mostra como os Baniwa criaram estratégias de como lidar com o

contato. A partir disso, indaga-se sobre a cosmogonia branca baniwa, já que ele é

associado freqüentemente com e como divindades: Kuwai, filho do criador; Amaru, a

mão dos brancos; e Uliamai, sucuri adultera.

Um fato curioso é que a brancura, o branco, são cores por excelência de suas

divindades. Poder-se-ia alegar, como freqüentemente se alegou, que isso tenha se dado

conseqüentemente por uma “confusão”, uma associação direta entre os homens brancos

e deuses. Porém, Wright demonstra uma extensa compilação mitológica Baniwa e fica

óbvio que isso denota uma complexidade além do que uma simples identificação

representativa.

“Kuwai é um forasteiro, um „outro‟, mas pertencente à

humanidade. É do cosmo (o sol é seu pai) ligado verticalmente ao

mundo celestial e, no entanto, é alimentado por animais da

floresta, no plano horizontal e fora da sociedade. Suas relações de

parentesco são ambìguas, situadas entre consangüìneo, afim e „um

não se sabe quem”. A fonte de sua geração é o xamanismo

criativo, contudo, ele encarna e projeta doenças devastadoras.

Desafiando o tempo em seu crescimento, os limites em seus

orifícios abertos e o espaço em suas associações, o corpo de

Kuwai é „liminar‟ por excelência. Sua maleabilidade – ser todas

as coisas ao mesmo tempo e, principalmente, ser outro, embora de

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41

dentro – é essencial para se compreender como Kuwai pode

tornar-se vários outros seres, inclusive o homem branco”

(WRIGHT, 2002:452)

Observa-se que Kuwai é muito mais que uma simples identificação

representativa do branco na mitologia baniwa. O ser sobrenatural representa, como

demonstra Wright, a figura de um intermediário errante cujos poderes ameaçadores são,

finalmente, controlados e transformados nos poderes ancestrais pelos quais a sociedade

é reproduzida por meio da alteridade, do “outro”, daquilo que não se tem total

conhecimento e controle sobre.

Não é à toa também que o ser seja identificado simbolicamente, e não

representativamente, com o branco, que analogamente tem incríveis poderes de

reprodução e destruição, na perspectiva baniwa. Também não é de se estranhar, como

demonstrado no artigo, que na ritualização da morte baniwa, o cadáver seja enterrado

sentado, com um pedaço de papel na mão para que ele “leia”, “escreva” e não se

preocupe com os vivos (WRIGHT, 2002:446-447)

Portanto, a construção da categoria “brancos” por parte dos baniwa vai além de

apenas relações de trabalho. “Mito e história são formas complementares de consciência

que explicam experiências sociais em níveis diversos” (WRIGHT, 2002:459-460) e se

tem algum objetivo claro ou funcional, é de produzir identidade e alteridade, garantindo

a reprodução da sociedade baniwa.

Wright conclui, defendendo que as tradições baniwa propõem, portanto, duas

soluções para a questão do contato com os brancos: a primeira solução fornece um

modelo de estratégias políticas constituído por precedentes históricos e adaptáveis às

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42

circunstâncias atuais; a segunda, milenarismo e messianismo, tenta reestruturar a

sociedade segundo um modelo ritual/mítico que possibilita aos pregadores assumir o

controle do tempo cósmico e ter um papel ativo na criação de seu próprio destino

(WRIGHT, 2002:461)

***

Esse levantamento bibliográfico nos dá o mínimo de suporte para entender como

os nativos entendem o branco e formulam das mais diversas formas sua experiência e

vivência com eles. Há a questão das mercadorias e a tentativa de sua pacificação, de

como ela é feita pelos “inimigos” e domesticada, dos efeitos que elas trazem, por fim,

como eles, os brancos, chegaram ao mundo e qual sua forma de viver.

Cabe agora dar um passo adiante e entender, minimamente, como os Arapaços

equalizaram esta questão.

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43

3 MITO DE UNURATO

Nesta parte da monografia atentarei para uma interpretação do mito de Unurato,

herói/avô do povo Arapaço, que povoam o médio Uaupés na região do Alto Rio Negro.

Não há muitos registros sobre o grupo na literatura. Somente um texto de Janet

Chernela sobre o próprio personagem em questão, que foi traduzido para o português na

coletânea Pacificando o Branco e dados demográficos aleatórios na internet. Portanto

presto-me em grande parte aqui nesta sessão pelos dados contidos no artigo de Chernela

e uma contribuição inestimável de Geraldo Andrello, que me forneceu transcrições em

bruto que tinha coletado do mito quando trabalhava na área.

Minha interpretação fica comprometida, obviamente, por falta de profundidade

etnográfica do povo em questão. Caberia, para uma excelência mínima de análise, um

trabalho de campo exaustivo, fazendo um levantamento sócio-político atual dos

Arapaços e documentar toda sua história para então estes caminhos serem mais sólidos.

Porém, o que proponho aqui enquanto “interpretações” são linhas de investigação,

pistas, prováveis andamentos a seguir. Ou seja, fazer aflorar o máximo de indagações e

tentar aproximar com algumas coisas do que vimos aqui até então.

Os Arapaço povoam o médio Uaupés, na região do Alto Rio Negro, ao noroeste

amazônico. Compartilham com os povos da região (Tukanos, Desana, Tarianos, etc...)

uma “macrocosmologia” e caracterìsticas como exogamia lingüìstica, patrilinearidade,

etc. Num ultimo levantamento feito por Chernela (1988 apud CHERNELA e LEED,

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44

2002;471) havia cerca de cinco aldeias Arapaços com uma população que variava de 11

a 87 pessoas – 40 pessoas em média – distribuídas ao longo dos Uaupés.

Sobre a “macrocosmologia” dos grupos da região, cabe saber resumidamente o

seguinte23

: todos eles vieram a ser e popular as intermediações do Alto Rio Negro por

meio de uma cobra-canoa que, subindo o rio, foi deixando pelas beiras os descendentes

de cada grupo, numa ordem hierárquica de montante à jusante. Cada grupo da região

divide a mesma cosmogonia, e tendo especificamente um ancestral comum a cada que

os diferenciam. A partir daí, cada grupo recria sua história. Logo, é comum, dizem os

estudiosos, que se ouça “sobre essa parte tal grupo sabe explicá-la melhor porque

aconteceu com ancestral dele” e coisas desse tipo.

Unurato é um caso específico dos Arapaços. Além deste mito, que será

transcrito aqui, uma peculiaridade do grupo é que eles se “tukanizaram”, isto é, o

Tukano não é a língua original deles. Isto, num contexto de exogamia lingüística, torna-

se crucial, além de fazer sobressair a figura de Unurato como ponto distintivo maior

entre os grupos.

A versão que apresentarei aqui é uma conjunção com uma parte encontrada no

texto de Chernela e Leed (2002) e que Geraldo Andrello gentilmente me cedeu.

23

Para versões na integra da cosmogonia dos grupos Tukano ou Arawak, ver a coleção Narradores

Indígenas do Rio Negro publicado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)

junto ao Instituto Sócio-Ambiental (ISA). Há também um bom resumo no capítulo 6, Gente de

Transformação¸do livro de Geraldo Andrello Cidade do Índio: Transformações e cotidiano em Iauaretê,

São Paulo: Editora UNESP: ISA; Rio de Janeiro: NUTI, 2006.

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45

Mito de Unurato

Concepção (CHERNELA e LEED, 2002)

Foi por isso que ele o chamou de Igarapé Yahuri, a Casa de Água da

Capivara. Um dia ... lá embaixo estava o Igarapé Nyumunya, o Igarapé

da Bacaba, era esse o nome. Ele [Dia Pino] costumava ir à boca desse

24igarapé. Ia até a beira, jogava um tapete feito de cacuri por cima da

água até o outro lado e atravessava. Sendo uma cobra, ele tinha pele

como camisa. Ia até esse lugar chamado Porta de Sangue e entrava. Lá

encontrava a mulher e lá ele nascia. Tirava toda sua pele de cobra e fazia

amor com ela. No começo ... Antes.

Todos os dias quando voltava da roça, ela ia até a beira do igarapé para

tomar banho. Pegava o pote e a cuia. Se ele não estivesse lá, ela batia a

cuia na água. Ele ouvia e vinha correndo. Ele é o nosso avô, a cobra. Nós

somos cobras-pessoas porque ele era o nosso avô. Nós, Arapaço, somos

os primeiros. O resto são aqueles outros lá.

Ele subia o barranco, tirava a pele e deitava com ela. Deitou tantas vezes

que a barriga dela começou a crescer: estava gestante. Então o marido

dela de antes [Iapo] os viu e resolver matar a cobra. Quando a mulher foi

à roça, ele caminhou até o igarapé, subiu numa arvore e ficou esperando.

Ela desceu o barranco como sempre, bateu a cuia na água: “kuru, kuru,

24

Os Arapaço concebem Dia Pino com um de seus ancestrais primordiais. Nota-se pela sua classificação

como “avô”, caracterìsticos dos grupos do Alto Rio Negro.

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46

kuru, weh”. Dia Pino ouviu e veio logo. Chegou à beira, tirou a pele, fez

amor com ela. Estava confiante.

Um pica-pau [Arapaço] estava por lá comendo cupim; quando ele picava

o ninho, os cupins iam no chão. Foi então que Iapo soprou um dardo de

zarabatana. O dardo entrou na cobra. A cobra pensou que fosse mutuca

nas costas e sacudiu com um tapa. Nem sentiu. Então Iapo soprou de

novo. A mulher viu os cupins caírem no chão, olhou para cima e viu o

pica-pau [assistente do marido] tirando cupim. Ela empurrou a cobra de

cima dela e disse: “Ele está nos olhando”. Ela se levantou e ele [Dia

Pino] caiu dentro d‟água. Caiu na água. Ele rolou, rolou na água. Lá em

baixo tem uma ilha de nome Wametiri Nukuno, foi pra lá que ele foi. Ele

boiou até essa ilha [Ilha do Nome]. Continuou até Numia Nituku [Lago

da Mulher] e aí parou.

No outro dia, Iapo foi pescar por lá. Estava feio e pestilento. Ele mesmo

fez essa imitação. Nossos ancestrais, o Primeiro Povo é que fez isso. Ela

não gostou do que ele fez. Quem Olhasse parecia coberto de feridas

pestilentas. Parecia uma ferida aberta, mas era só imitação feita de beiju.

Enfim ele estava como que coberto de feridas. Foi matar o marido-cobra

da mulher. Matou peixinhos, piaba. Fez dois embrulhos de peixe e ficou

com um. Cortou o pênis da cobra e embrulhou junto com os peixes. Ela

torrava farinha quando ele voltou. Ele deu um embrulho para ela assar.

“Está aqui”, disse ele, “já pronto”. Ela pôs o embrulho no fogo. No fogo!

“Come”, disse ele, “eu também vou comer”. Ele pôs o seu embrulho no

fogo. Quando estava assado, a mulher seu embrulho, pôs pimenta,

enrolou em beiju e comeu. Ele pegou a flauta, deitou na rede e tocou.

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47

Deu-lhe um nome. Ele tocou: “Puxa! Uma mulher gostava do marido que

a fez comer o pênis do [amante]”. Foi isso que ele tocou. Foi assim que

ela entendeu, assim que ele tocou. Ela pegou a cuia e foi para o igarapé.

Bebeu água e vomitou. O pênis caiu na água com estrondo e se tornou o

peixe unyaka. Ela então voltou para casa. E o marido tinha decidido

abandoná-la.

Nascimento de Unurato (Geraldo Andrello, s/d)

Depois da subida de Butûyari-O‟âkĩhi25

, sua esposa, em certo dia, foi

pegar camarões em um igarapé, e viu cascas de cunuri espalhadas por ali.

Nesse momento, a criança que ela carregava na barriga começou a falar:

- Mãe, o que é isso?

- Não adianta você nem perguntar, porque não é humano e não pode

subir no pé de cunuri para apanhar frutas para sua mãe, disse a mulher.

- Calma, deixa que eu subo.

Dizendo isso, o Unurato saiu do corpo da mulher, começando por colocar

a cabeça para fora de sua vagina. Já para fora, ele dizia sem parar:

- Ĩhô, ĩhô... [expressão dos Arapaços: Mãe, mãe...], pois não queria se

separar de sua mãe.

25

Iapo, que deixou a mulher e subiu o rio.

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48

- Sim, o que, dizia a mulher.

Unurato foi subindo pelo pé de cunuri, sem parar de chamar pela mãe. E

a mulher ia atrás respondendo. Ao mesmo tempo, o pé de cunuri foi

ficando mais alto. Mas Unurato precavia-se mantendo a ponta de seu

rabo presa à vagina da mãe. A mulher fez então um pequeno cone de

folhas e colocou ali dentro um pouco de saliva. Pegou então a ponta do

rabo da cobra e colocou dentro da saliva e deixou no chão. Com isso,

Unurato não percebeu que a mãe se desvencilhava dele. Ela também

colocou ali um pequeno sapo que fazia um certo ruído:

- Uû, uû, uû... E isso parecia a Unurato que era sua mãe que ali

estava respondendo aos seus chamados.

Mas a mulher o deixou ali, pegando sua canoa, baixando pelo igarapé e

subindo o Uaupés. Ela remava só de um lado. Na foz do igarapé tukano,

dasê-yaa, a mulher atravessou para o outro lado do rio, onde ficava sua

casa, wi‟ì-turíro. Para fazer isso, ela passou o remo para o outro lado da

canoa. Ao fazer isso, o remo molhado produziu um reflexo à luz do sol

que foi bater lá no cunurizeiro onde estava o Unurato. Então ele percebeu

que a mãe já não estava ali. Desceu da árvore e caiu na terra.

Imediatamente, passou a perseguir a canoa, chegando na praticamente ao

mesmo tempo que a mulher. Mas ainda houve tempo para que ela se

escondesse na casa, onde seus parentes esconderam-na debaixo de um

pote. Unurato caiu bem em cima da casa, pois vinha através do vento. Lá

do telhado, chamava:

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- Mamãe, saia para fora, saia para fora...

Depois de muito tempo que Unurato ficou chamando pela mãe, os

parentes dela não agüentaram mais. Foram então tirar a mulher debaixo

do pote para entregar à cobra, mas ela havia se transformado em uma

pirarara. Virão então que o jeito seria joga-la ao rio. Feito isso, Unurato

foi para junto de sua mãe. Esse foi um castigo de Butûyari-O‟âkĩhi

[Iapo].

Migração e Retorno de Unurato

Depois de ir atrás da mãe, Unurato baixou pelo Uaupés até o Lago de

Lua, que fica próximo à atual comunidade de Assai. Mas esse lago era

pequeno para ele. Então continuou descendo pelos rio Uaupés e Negro,

chegando até a atual cidade de Barcelos, onde encontrou um bom lugar

para habitar em um grande lago. Mas não foi possível que ele

permanecesse ali, pois esse lago era na verdade a boca de uma cobra-

piraíba, e que ia se fechando à medida em que ele entrava. Novamente,

rumou rio abaixo, chegando até mipî-wi‟ì, a casa do assai, já próxima a

Belém do Pará.

[Na versão de Chernela e Leed (2002), Unurato teria ficado por Manaus,

onde bebia e dançava com os homens brancos à noite]

Lá, ele encontrou uma pessoa. Como queria deixar de ser um waî-masa

[gente-peixe], Unurato pediu-lhe que o acertasse com um tiro de

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50

espingarda entre os olhos. Assim, ele iria abandonar a pele de cobra e

assumir a aparência de um ser humano [branco, na versão de Chernela e

Leed (2002)]. Ele orientou esse homem para que o alvejasse em uma

praia quando estivesse saindo da água. E assim se sucedeu, com o

homem o aguardando na praia com a espingarda em punho. As águas do

rio subiam pouco a pouco, e o homem ia se afastando até que ficou

parcialmente dentro d‟água. Então a cobra começou a boiar e homem se

assustou. Ao atirar, já tremia de medo. E acabou acertando o olho da

cobra. Unurato, assim, se transformou em uma pessoa, mas ficou com um

olho defeituoso [cego].

Unurato era uma pessoas muito trabalhadora e construía muitas casas.

Começava pela noite, e de manhã a casa já estava pronta. Chegou a fazer

uma cidade e inventava muitas outras coisas. Vendo isso, os americanos,

vendo a rapidez com que ele podia fazer tantas coisas, levaram-no para

sua terra. Isso é o que se conta sobre o Unurato.

Foi ele que construiu a cidade de Brasília. Inventou o avião e tantas

outras coisas.

Não faz muito tempo, o rio Uaupés teve uma cheia fora do comum, com

as águas subindo bem além do limite usual. Nessa época, circulou pelo

Uaupés um comentário de que o Unurato estava voltando. Por isso o rio

vinha enchendo. Ipanoré iria se tornar um estirão para que ele passasse e

em wi‟. [Segundo a versão de Chernela e Leed (2002), Unurato retornaria

para os Arapaços na forma de um submarino-cobra contendo no seu

interior muitas mercadorias para eles].

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51

O mito é rico em temas recorrentes. Levantam aqueles social dramas, no sentido

que Victor Turner dá entre os Ndembo. A questão do adultério, do conflito entre

natureza e cultura, o contato conflituoso é saliente a toda hora. Uma coisa que nos

chama atenção é a tríade Iapo – Mulher de Iapo – Dia Pino. Caberia saber mais sobre a

figura de Iapo, já que o destino de sua mulher é selado por um tipo de maldição

atribuída por ele. No Alto Rio Negro sabe-se que os casamentos são virilocais, e que os

parentes da mulher de Iapo que a entregaram para Unurato. Iapo, também, aparece

doente, com exantemas pelo corpo, depois que mata Dia Pino (ancestral arapaço). Se ele

é responsável pela morte do ancestral daquele povo, dificilmente ele é associado

também como um ancestral legítimo. Portador de doença e assassino de um ancestral,

provavelmente pode-se haver uma relação entre Iapo e a figura do branco, mas nada

explícito, cabendo, portanto, mais dados para tal afirmação. O comportamento da

mulher de Iapo também é de se levantar estranhamentos. A negação do filho, como

índice disso o abandono, é altamente condenável. Sua fuga e sua entrega para Unurato

por parte de seus parentes (que não é seu clã, pela virilocalidade) acusam também um

movimento dúbio da personagem. Umas das indagações que ficam aqui sem respostas,

por ora, é que: até que ponto Iapo e sua mulher são arapaços, e até indígenas da região?

Caberiam mais dados para tal inquérito.

Unurato nasce de uma relação proibida entre Dia Pino, avô dos Arapaços, e a

mulher de Iapo. O local em que se dá essa relação é à beira do rio. Chernela e Leed

(2002) correlacionam o rio como um índice liminar por excelência, já que por ele se

transita, se vive, separa-se, etc. No mito, o rio é o lugar dos acontecimentos: a

concepção de Unurato, a morte de Dia Pino, a migração para Manaus, é onde é alvejado

Unurato por um tiro e é por ele que o herói voltará com as mercadorias. Ademais,

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52

Unurato mesmo é um ser liminar por excelência, semelhante ao Kuwai Baniwa

apresentado por Robin Wright (pág. 40-41 desta monografia).

Chernela e Leed (2002) salientam bastante o papel da violência no mito, como o

episódio que Dia Pino é morto por Iapo através de dardos de zarabatana e quando

Unurato é transformado em branco por meio um tiro de espingarda, alvejando-o no

olho. Diz os autores que “é por meio desse ato de violência real ou simbólica que se

conectam categorias e identidades, ao mesmo tempo em que se reafirmam na sua

diferença.” (CHERNELA e LEED, 2002:478). Isso é certo já que a partir desses eventos

de agressão, afirmam a discordância entre os ancestrais e a diferença entre os povos.

Porém, no caso de Unurato, isso vai além. Parece-nos um caso de “predação ontológica

do inimigo”, nos termos do perspectivismo de Viveiros de Castro, porém com algumas

diferenças. Enquanto no primeiro caso Dia Pino padece e ora volta para o leito do rio,

na casa dos seres aquáticos, ora é mutilado o pênis e servido à amante, Unurato, já se

transforma em branco (capturado) após ser ferido no olho. Em um branco que não se

lembra que é Arapaço, esquece o nome Arapaço e fala português, trabalha em Brasília,

tem o conhecimento das mercadorias e que vai voltar para a tribo, na forma de

submarino-cobra, com a “barriga” cheia de mercadorias. Aqui vale lembrar que a

gestação e vômito são recorrentes nos mitos para geração de novos seres. A mulher que

comeu o pênis de Dia Pino, o vomitou criando um tipo de peixe comum na região. Isso

indica um tipo simbólico, que são “processos marcadamente distintos do pa‟mîsehé

[povos de Iauaretê, “gentes de transformação”], que se passa dentro do corpo da cobra -

canoa para dar origem aos ancestrais da humanidade” (ANDRELLO, 2006:357).

Caracteriza um poder do personagem do mito em gerar, criar, transformar uma “força

de vida”. Assim, talvez, Unurato ao transformar-se em branco teria adquirido esse

poder? É uma questão aberta.

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53

Aqui vale uma ressalva. Há indícios apresentados por Chernela e Leed (2002)

que os Arapaço eram nos séculos da colonização um dos primeiros povos a ter o contato

com os brancos. Assim, detinham privilégios no acesso das mercadorias. Além do mais,

mulheres foram “capturadas” por brancos e homens foram levados para trabalhar. Isso

acarretou um decréscimo populacional ao longo do tempo, já que pela patrilinearidade

os filhos das mulheres arapaço não eram considerados arapaço e os brancos não

trocavam mulheres com os índios. Além do mais, foram assimilados ao Tukano e

português, perdendo a tal língua original (arawak?). Não se estranha então que Unurato

tenha nascido pela boca da mulher de Iapo, que se comunique antes de gestação com a

mãe e esta o censura e ao mesmo tempo tenta tornar-se branco.

Chernela e Leed fazem estreita relação entre o atirar do branco no Unurato e sua

relação com a violência, mas não passa essa mesma relação para Iapo e Dia Pano. Dia

Pano, o Avô dos Arapaços, foi alvejado por Iapo, que era um ser que tocava flauta

(conhecimento por excelência), mas doente e que abandona a mulher. Logo, Iapo parece

ser mais branco, por matar um ancestral dos Arapaços, carregar doenças (a pestilência,

imitação com beiju) e abandonar a mulher gestante. Inversão estrutural do mito?

Creio aqui que há uma relação histórica, com os acontecimentos desde a

colonização da região, muito mais rica. Os homens arapaços que descem para trabalhar

com os brancos e não trazem mercadorias, a doença, a queda demográfica dada ao

casamento de Arapaço com branco, etc... Parece que Unurato vem exatamente a redimir

as intempéries sofridas ao longo de séculos de contato. Mas, mais uma vez, seria

necessário um levantamento bruto, um trabalho de campo, para sedimentar tal hipótese.

Portanto, torna-se inviável uma análise de como os Arapaços ritualizam a mercadoria,

para aproximar com a análise feita por Catherine Howard, entre os Waiwai – o que com

certeza traria resultados frutíferos, a saber, um pouco sobre essa ânsia arapaça, e de

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54

Unurato, em ser o “proprietário” por excelência das mercadorias, uma vez que aparece

nos relatos a história que os americanos o teriam raptado para apropriarem-se de seu

saber-tecnologia.

Parecem-nos também que, parafraseando o informante de Dominique Buchillet,

os arapaços tentam ver nos brancos como eles fazem a mercadoria a partir de uma visão

interior do mito de Unurato. Como Geraldo Andrello diz

“O mundo dos brancos é, assim, o exterior do mundo dos ìndios.

Trata-se, porém, de um exterior imediatamente interior, pois é

abordado no mito por um processo de disjunção e conjunção

espaço-temporal, isto é, pela apropriação por parte dos brancos

daquelas mercadorias que depois traria novamente ao Uaupés. [...]

Assim como os operadores do mito, as mercadorias se insinuaram

como objetificações de capacidades subjetivas” (ANDRELLO,

2006:422)

A espingarda é a objetificação máxima da subjetividade dos brancos, a saber,

“rapidez, intrepidez, coragem, falta de medida” (id. 2006:385). Ela aparece no mito de

Unurato como um operador material que o transforma irreversivelmente em um homem

branco cego, que não se lembra de sua descendência (caboclo?) e não lembra seu nome

(língua?). Além do operador material, temos o operador simbólico: Unurato passava as

noites em Manaus “dançando e bebendo” com os brancos. Como vimos nas teses

(capítulo 2) isso é um mecanismo ritual de assimilação de um grupo por outro, uma

espécie de dabucuri.

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55

No mais, e em suma, creio que as análises de Chernela e Leed dão conta de

explicar várias passagem do mito e que por isso reservo-me em não reproduzi-las aqui

repetidamente. Apenas mencionar: as relações de trocas conflituosas entre índios e

branco que se dão assimetricamente (mulheres, mercadorias), a relação que Unurato faz

com os homens brancos não perpassam pela aliança, dando assim caráter violento e a-

social. Porém agregamos aqui algumas análises, quanto a perspectividade possível no

mito – a captura “falida” do branco por Unurato – a ânsia pela mercadoria onde aponta

um messianismo latente (a volta de Unurato aos Arapaço, trazendo mercadorias).

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56

4. CONCLUSÃO

Por isso, fazendo uma comparação com a nossa

própria cultura, procuramos na dos brancos o

que poderia provocar essa doença

Informante Desana à Dominique Buchillet

Essa frase do informante Desana, refletindo sobre a origem da gripe no seu povo

e no mundo, é a essência do que busca esse método da antropologia reversa e que

busquei, um tanto quanto confusamente, nesta monografia.

Ficaram em aberto várias questões nesta monografia que adoraria desenvolve-las

até as conseqüências máximas. Mas com pés no chão, creio que só com um trabalho de

campo na região do médio Uaupés poderia levar, de modo sério como tentei até agora,

estas análises para frente.

O mito do Unurato mostra-se rico por ser algo específico de um povo que sofreu

as intempéries de séculos de contato, assim como tantos outros povos da região. Sua

lucubração é digna de uma análise profunda onde só podem se tirar frutos.

Problematizações sobre os brancos são recorrentes nas cosmologias ameríndias,

portanto não é de se estranhar que há variadas formas de inventar brancos para poder

seguir em frente com a reprodução social dos grupos. Cabe, portanto, tentar achar a

gramática desta vasta produção intelectual dos povos para entender, de um outro ponto

de vista, o que foi que aconteceu em séculos de contatos conflituosos. A presente

monografia não respondeu nada sobre os anseios da pergunta e só fez aflorar questões

sobre os Arapaços, sobre Unurato e sobre o papel do branco em sua vivência. Mas,

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como diz Claude Levi-Strauss, “o estudioso não é o homem que fornece as verdadeiras

respostas; é aquele que faz as verdadeiras perguntas”.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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