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DISSERTAÇÃO INAUGURAL

SEGUIDA DE NOVE PROPOSIÇÕES,

APRESENTADA i .

ESCOLA MEDICOCIRURGICA DO PORTO, PAEA SER DEFENDIDA,

S 0 3 B A. P R E S I D Ê N C I A D O I L L . ™ E EX. .»° S N R .

LENTE PROPRIETÁRIO DA 5." CADEIRA,

PELO ALUMNO

JOÃO ANTONIO DE MORAES CALDAS.

■~<U<3XDir^^.J2^

PORTO NA TYP. DE MANOEL JOSÉ PEREIRA,

Largo do Correio, 4 e 6.

1869.

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ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

DIRECTOR O 111.™ e E x . m o S n r . Conse lhe i ro D r . F r a n c i s c o d e A s s i z S o u z a V a z .

S E C R E T A R I O O Ill.mo e Ex.mo Snr. Joaquim Guilherme Gomes Coelho.

CORPO CATHEDRATICO LENTES PROPRIETÁRIOS

Os IIl.mos e Ex.m°! Snrs. : 1.* Cadeira—Anatomia descriptiva e g e r a l . . . João Pereira Dias Lebre. 2.a » —Physiologia Dr. José Carlos Lopes Junior. 3.a » —Historia natural dos medicamen­

tos . Materia medica João Xavier d'Oliveira Barros. 4." » —Pathologia geral, Pathologia ex­

terna e Therapeutica externa. Antonio Ferreira Braga. 5.a • —Operações cirúrgicas e appare-

Ihos, com Fracturas, Hernias e Luxações Pedro Augusto Dias — Presidente.

6.a • —Partos, moléstias das mulheres de parto e de recem-nascidos. Manoel Maria da Costa Lei te .

7.a » —Pathologia interna, Therapeutica interna e Historia m e d i c a . . . . José d'Andrade Gramaxo.

8." » —Clinica medica Antonio Ferreira de Macedo Pinto. 9.» » —Clinica cirúrgica Agostinho Antonio do Souto.

10.a » —Anatomia Pathologica, com De- ^ formidades e Aneurismas D. 'Miguel Augusto Cesar d'Andrade

11.* >> —Medicina legal, Hygiene privada I e publica e Toxicologia geral . D. r José Fructuoso Ayres de Gouvêa

Osório. LENTES "JUBILADOS, í

ÍD. ' Francisco d'Assiz Souza Vaz. José Pereira Reis. D. r Francisco Velloso da Cruz.

[Antonio Bernardino d'Almeida. Secção cirúrgica Caetano Pinto d'Azevedo. *

( Luiz Pereira da Fonseca, j LENTES SUBSTITUTOS t

Secção medica í Joaquim Guilherme Gomes Coelho. I Vaga. «

Secção cirúrgica j ™ y d i o A^a Pereira do Vjflle.

LENTES DEMONSTRADORES Secção medica Vaga. Secção cirúrgica Vaga.

A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições [•Regulamento da Escola, de 23 de Abril de 1840, art. 155..]

A MEUS PREZADÍSSIMOS PAES

c ' w'ui/M/ cotação exbiewMòo c) wm pae» ovwej eátÕo euceiíxxòoA oò aJtiectoA mcuiò uu,t,0A ej WÍOAA AU-

vívmeA; w potàauioi cu |xowteí vewcCòcu á cuatco Sc fctckaaò ej matf/tou>.

Cam eòbcevueciòo auceio avtiaej oò oinoA pa/tco <xà ptócu)aó ~òej òeu funo ; o é-0j áe> o uê t<xuwewi

0 pteoeufe» t t a t a íno ueii/t leona/t* o ui-eti tvto-cmto eócoícvt: e o tetwio ~òt> eòbiemaàos TíeAveioA aej educação yixtewco: xeceuei-o cowto vtucto la/mhewi 7)OA VOAAOA eAícccoA &J cowio peimot o iwivvieiiAo ouwuyi çj axatu)ão que VOA c)ec)tcaxei óewime.

^ Mut/o^.

AO SEU PRESIDENTE

'M.3 &m H W A T f O T A ÏMT* 0 BI,

O F F E R E C E

EB TESTEMUNHO DE EXTREMA GRATIDÃO E RESPEITO

0 MutÁy.

-A.' M E l V C O i F L I A

DE

meu Pabrinho e minha mana Alïri

SAUDADE ETERNA

A SEUS IRMÃOS

EM SIGNA:.

aã asaaasa®3ái ^saaa^aa

O F P E R E C E3

/& 'aMo*^.

*

Usada em toda a plenitude da sua accepção geral, ficaria a palavra — amputação — do latim amputate — tendo em medicina uma significa­ção demasiadamente extensa, indicando a separação d'uma parte qualquer do organismo. Mas se, ainda hoje, o vocábulo amputação é empregado n'essa accepção lata. e se diga ainda amputação do seio, amputação da lingoa, amputação d'um tumor, etc., a necessidade urgente de precisão e concisão scientificas, no tocante á nomenclatura, exige que a palavra seja só empregada como já o fazia o nosso insigne cirurgião Antonio d'Al-meida (1) para designar as operações feitas nos extremos, cortando-os em um ponto qualquer da sua extensão, por isso é ella hoje geral­mente acceite e restricta á medicina operatória das extremidades, definin-do-se = a operação pela qual se separa do corpo uma parte ou a totali­dade d'um membro (2).

Ascendendo em procura da primeira prática das amputações, pela historia da medicina, encontram-se ellas aconselhadas e até já pra­ticadas desde os primeiros alvores d'ella, o que naturalmente se ex­plica, diz Velpeau, (3) por que a necessidade de subtrahir uma porção ou a totalidade dos extremos devia ter sido sentida em todos os tempos. Assim Hippocrates, verdadeiro creador da sciencia medica, que, até en­tão, só existia nos rudimentos esparsos das tradicções da prática medica, aconselha a amputação em casos de gangrena, causa a mais commum, senão a única, então conhecida como indicadora d'esta operação. Mas Hippocrates, por sem duvida receioso dos accidentes supervenientes, além de, por esses tempos, serem escassos os conhecimentos de pathologia,

(1) A. d'Almeida — Tratado completo de mcdicina-operatoria, t. 4.°, cap. 2." (2) Guérin— Éléments de chirurgie opératoire. Vidal (de Cassis). Traité de

pathologie externe. (3) Velpeau — Nouveaux éléments de médecine opératoire, tom. 1."

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d'analomia pathologica, e, o que mais é, de meios hemostaticos para sus­pender as hemorrhagias traumáticas, Hippocrates indicando a operação, recommenda, como preceito necessário e indispensável na prática, cortar o operador apenas na parte morta (1). Ora a sciencia tinha que progre­dir e o preceito hippocratico devia baquear; com effeilo, apparece Cel­so, cuja competência em ^aterias de cirurgia, relativamente ao tempo em que viveu, é incontestável, posto que ainda restem duvidas sobre se elle era ou não medico. Celso estende mais longe a amputação, indicando-a como necessária pelas partes sãs, separando tudo aquillo que estivesse eivado de gangrena. Esta, para aquelle tempo, ousada indicação de Celso era fundada na sua descoberta dos meios e modos de ligar os vasos cor­tados durante a operação, circumstancia e condição indispensáveis, e até então ignoradas para a prática que aconselhava.

Era, com effeito,'um grande e avantajado passo dado nos progressos d'esta parte da medicina operatória, e mal se concebe como, mais tarde, e depois das judiciosas reflexões de Celso e dos seus prestantissimos e louváveis esforços, Paulo Aegino e Fabrício d'Acquapendento ainda rever­tessem ao hippocratico preceito, ousando empenhar-se em fazer retrogra­dar a sciencia, causa tanto mais para admirar e tanto mais culpável quanto se sabe, que d'estes dous homens, o segundo pelo menos, devia conhecer os trabalhos de Celso, principalmente depois que o interpretara Ambró­sio Pareu, que esforçadamente se empenhou em reinvindicar a prática in­dicada e descoberta por Celso, já quasi esquecida e abandonada. Ainda assim, a prática da ligadura, apezar das suas visíveis e imagináveis van­tagens e indispensável uso, mau grado aos conselhos, empenho e peso prático de Ambrósio Pareu, fica sujeita a contestações e a ser rejeitada, indicando a espaços alguns cirurgiões a sua substituição, já pelo cautério, já por fios, já pela compressão directa nos extremos do vaso cortado, já pela torsão, já por meios hemostaticos, já, em fim, por outros meios re­conhecidamente inferiores, menos efficazes e mais impraticáveis !

Mas a verdade devia prevalecer, e Celso tinha, com effeito, começado de abrir e de trilhar o verdadeiro caminho n'este ponto : o tempo sanc-cionou os seus trabalhos e conselhos, e a ligadura reivindicou o uso da preeminência, que indisputável e vantajosamente lhe cabia. A sciencia

(1) Hippocrates.—Obras completas traduzidas por Litre, tom. 4—Desarti­culações.

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não pára, comtudo; após o primeiro valente e esforçado impulso, um mo­vimento intimo, secreto, se opera que fomenta os progressos ulteriores; fal­tavam, para mais completa se achar esta parte da cirurgia operatória, ou­tras descobertas, outros meios, outros trabalhos, que não só completas­sem o até então conhecido como necessário de melhoras, mas o que tam­bém diuturnamente a sciencia archivera como fructo das suas desveladas observações e acurados estudos. Um dos obstáculos mais grados e alta­mente embaraçosos não só para a execução das manobras operatórias, mas por que depauperando o operado o collocava em circumstancias menos favoráveis para as reacções salutares de que elle mais tarde urgente­mente carecia, era a perda de sangue; faltava encontrar modos e meios de suspender-lhe o curso no extremo em que se amputava. Archigenes, já depois de Celso e como seguidor e aperfeiçoador do seu methodo, sup-pria essa falta, que mal remediava, não só com aspersões d'agua fria, mas atravessando os vasos e tecidos circumvisinhos com uma agulha ; era um meio d'alguma efficacia, mas que, todavia, carecia de ser d'uso tem­porário; assim, porém, durante muito tempo, séculos mesmo, se reme­diou aquelle inconveniente. Era comtudo um meio imperfeito e devia de ser temporário; pertence só a tempos relativamente modernos a perfeita e completa execução de remover tão momentosa circumstancia ; essa glo­ria cabe a Morei, que inventou um iustrumento que resolve e faz recuar d'um modo brilhante essa difficuldade. Esse instrumento foi o tornique­te, elemento novo que marcou o ultimo termo a desejar na execução ope­ratória.

Ainda restavam, todavia, difficuldades d'outro género para resolver ; tão vasto se patenteava o campo que, ao primeiro relancear d'olhos, se antolhara mais estreito.

«Em posse da ligadura das artérias e do torniquete, diz Vidal (de Cassis), (1) removidos os temores das hemorrhagias, preoceupou os cirur­giões a necessidade de dar á ferida uma forma que favorecesse a cicatri-sação e a applicação de meios protheticos ; procurou-se pois o modo de obter um coto conveniente.» — E com effeito o modo de favorecera prompta cicatrisação, dando á ferida uma forma regular, os meios de pre­venir a saliência do coto, com os seus maus e porvindouros resultados, difficuldade que augmentava quando a operação tinha lugar no ante-braço

(1) Vidal. —Obra citada.

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e na perna pela existência de dois ossos, a que accrescia constantemente não só a retractilidade natural dos tecidos molles circumpostos e corta­dos que produzia grandes retracções d'esses tecidos, mas além d'isso a tendência natural do tecido ósseo pela sua superior dureza a introduzir-se por elles, a laceral-os, a produzir uma tendência constante no afrouxa­mento da sua resistência, deviam merecer todas as attenções e todos os cuidados. A estes incidentes accresciam ainda muitos outros que resulta­vam da observação dos operados depois de praticada a operação até ao restabelecimento completo : os cuidados a prestar para levantar as abati­das forças vitaes, os processos de curativos, evitando as suppurações ex­cessivas, a sua absorpção, os meios mais convenientes para collocar os operados, mil incidentes, emflm, que o caminhar incessante da sciencia e da prática operatória forneciam mais e mais cada dia, sempre com novas phases, com novas difficuldades a resolver. Ao principio a clinica civil era a que só fornecia as observações, mas mais tarde, com o desenvolvi­mento crescente da vida social e politica dos povos, avultava a clinica mi­litar com observações particulares, que reclamavam também considerações especiaes, différentes, diversas, desconhecidas até, inteiramente novas, emfim. — E' por isso que com tantas e taes contribuições, ajuntando cada dia mais e mais elementos se tem constantemente estudado e aperfeiçoado esta parte tão importante da cirurgia, a ponto de se multiplicarem infini­tamente os methodos e processos, de se discutirem acaloradamente as in­dicações e contra-indicações da operação, o tempo e lugar d'ella, no que tem de geral e especial, de se crearem estatísticas, de se compararem, de se estudarem, e, á custa d'esforços e fadigas, a medicina operatória se torna cada vez mais completa n'esta parte, sendo de esperar que mais se enriqueça com decisões ulteriores d'alguns pontos que por agora ainda pendem indecisos e irresolutos.

Mas no meio de tantos e tão louváveis esforços, de tão árduos tra­balhos, em que se teem empenhado tantas e tamanhas intelligencias, a medicina não podia nem devia deixar de desfitar um só momento a sua ideia altamente beneficente, altamente social, nem deixar de inspirar-se d'ella para preencher os seus fins humanitários. Uma ideia, pois, nova, devia preoccupal-a, devia surgir ao encarar o numero prodigiosamente crescente das amputações ; não devia só tratar-se do aperfeiçoamento da operação, devia tratar-se de evitada, de poupar o doente a mutilações ta­manhas e tão importantes. Com effeito, a prática das amputações, ao prin-

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cipio limitada, reslricta, acanhada, ia prodigiosamente crescendo a ponto de tornar-se espantosa. O grande desenvolvimento da industria e das ar­tes, que cada dia de novo se apropriam dos progressivos descobrimentos das sciencias physicas, já povoando as officinas de grandes maquinas, já cobrindo a superficie do solo de locomotivas, já inventando apparelhos horrivelmente destruidores; as revoluções da vida politica dos povos que os leva a expor a vida nos campos da batalha, aonde o uso da pólvora, os aperfeiçoamentos das armas e os materiaes de guerra, cada dia mais terríveis se tornam, todas estas circumstancias, emfim, e outras mui­tas que se desenvolvem a par e com o continuo desenvolvimento da vida da humanidade, vinham contribuir cada vez mais, e de um modo crescente e constante, com uma porção avultada para as estatísticas das amputações. Aqui, as clinicas civil e militar como que se davam as mãos, augmentando alternadamente as estatísticas, e completando-se uma á ou­tra no que uma d'ellas tinha de différente e especial.

E, em verdade, em face do numero avultadamente pasmoso e ater­rador dos amputados, devia despontar no espirito medico a ideia de obs­tar a tamanhas e tão importantes mutilações. Já em remotos tempos se haviam tentado e até praticado algumas operações em extremos com le­sões ósseas, nas quaes só o osso foi tirado, conservando-se as partes mol­les; Hippocrates, Celso e Galeno aconselhavam essas operações, e o ulti­mo chegou a pratical-a com bom êxito. Mas o exemplo de Galeno não ani­mou os cirurgiões que lhe sobrevieram a praticar as resecções, de modo que, esquecida e quazi abandonada a prática d'ellas, deixou para tempos modernos a gloria de perfeita e completa execução; nem isso admira, por que o estudo da physiologia experimental é todo dos nossos tempos. Fo­ram pois, o aperfeiçoamento e progresso d'essa parte da medicina que levantaram de todo o véo que encobria um caminho novo que desde logo começou a ser trilhado pela maior parte dos cirurgiões da primeira me­tade d'esté século. As bellas experiências de Duhamel sobre as regene­rações ósseas por meio do periosteo e a sua doutrina de que == o perios-teo faz o osso excitaram as attenções dos cirurgiões e d'ahi á prática ou­sada das resecções foi apenas um passo.

Os empenhos e aspirações da cirurgia moderna querendo denomi-nar-se merecidamente conservadora, não se realisaram, todavia, de todo ; diminuiu-se, é verdade, e com grande e immorredoura gloria da sciencia, o numero dos amputados; mas tão crescido ia esse numero, que vasto e

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muito vasto campo flea ainda á sciencia para as amputações. E' por isso que, por ser este ponto de summa importância pela sua vastidão e pela frequência das operações de que trata, lancei mão d'elle para remate dos meus trabalhos escolares.

O modo como dispuz as matérias que n'elle se conteem é o seguin­te: — Indicações, contra-indicações, tempo e lugar das amputações — Me-thodos geraes — Estatísticas — Considerações geraes sobre therapeutica.

Indicações e contra- indicações .

Um dos pontos mais capitães, sempre que se trata de amputações, é a determinação das suas indicações e contra-indicações ; pois que, como observa Vidal (de Cassis) uma amputação é sempre uma operação de ex­trema gravidade, por que expondo a accidentes mortaes é o seu mais fe­liz resultado uma mutilação, observação já feita por Velpeau que aceres-centa que = a amputação só deve. ser praticada em desespero de causa por que é o ultimo recurso, orneio extremo da cirurgia. = Já antesd'es-tes dous notáveis cirurgiões escrevia o nosso Almeida = «As amputações «devem ser o ultimo recurso da cirurgia contra as moléstias incuráveis «por outros meios mais suaves, por que nada custa tanto a um enfermo «como perder um membro, e a um cirurgião que tem humanidade, vêr-se «na precisão de desmembrar o seu similhante.»

D'aqui resulta que na indicação da amputação vão tácitas e implícitas duas condições essenciaes — a necessidade d'ella = e = a probabilidade de bom êxito — circumstancias que devem maduramente fazer reflectir o prático antes de tomar decisão definitiva de praticar a operação. E' ver­dade que ha um certo numero de operações em que a necessidade se não considera como condição capital ; são as operações ditas de comprazer : mas essas operações são geralmente condemnadas por quasi todos os ope­radores, fuudando-se nos constantes maus resultados d'ellas, e, ainda que até hoje, como observa Legouest, não ha dados estatísticos especiaes acerca de taes operações, que auetorisem a formular absolutamente a sua re­jeição, a prática d'ellas deve, todavia, só e exclusivamente restringir-se aos casos em que os resultados possíveis, e sobretudo prováveis, com­pensem de sobra os accidentes supervenientes na sua provável, e as mais das vezes constante, gravidade.

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A causa indicadora mais commum e por ventura talvez a única co­nhecida dos antigos, segundo dos seus escriptos se deprehende, é a gan­grena, como se vê em Hippocrates e nos medicos antigos até começos do século 16.° A partir d'essa epocha empenharam-se os cirurgiões em mi-nudenciosamente investigar e precisar as indicações; mas, como se tor­nava cada vez mais progressivamente crescente, com o progressivo cami­nhar da sciencia, o numero de circumstancias em que a operação era indi­cada, o formular positivo das causas indicadoras suscitou fortes e violen­tas discussões, ainda não de todo apagadas e resolvidas.

As indicações das amputações podem em geral ser consideradas de­baixo de dous pontos de vista, que encerram uma divisão dichotomica, em duas grandes cathegorias = deformidades congénitas ou adquiridas = e = lesões orgânicas ou traumáticas = divisão que comporta sub-divisões em relação ao lugar, ao tecido ou a qualquer outro ponto pertencente á execução operatória. O numero de casos que n'aquella divisão geral reclamam a amputação, é no primeiro grupo grandemente menor que no segundo, e n'este a indicação é muito menos vacillante, porque é ao primeiro grupo que, quazi exclusivamente, pertencem as amputações di­tas de comprazer. Além d'isso, a deformidade congenita não dispõe o in­dividuo, logo desde o seu nascimento, para exercer certos misteres, e por isso como que cria n'elle uma resignação natural, instinctiva, irreflectida, espontânea, desde os primeiros tempos, ou para obviar a esses inconve­nientes, ou para a resignação. E' por isso que, em taes casos, a amputa­ção fica restricta áquelles em que a parte em que se ella executa fique com os usos e faculdades normaes ou quazi normaes ; assim acontece com a amputação de dedos supra-numerarios, com certas ankyloses, etc. Ha ainda uma circumstancia que pôde, em taes casos, e em certos d'elles, ser causa indicadora que decida a prática da operação, e é quando no espirito do doente ha a ideia fixa e por todos os modos inamovível da ne­cessidade urgente d'ella, e n'essa ideia depõe a mais segura confiança. E' mister, todavia, que o medico, levantando a sua razão acima de toda a consideração de pouca monta, não ceda ao desejo de meras phantasias, com que pôde expor perigosamente a vida do que tão inconsiderada e in-nocentemente lh'a confia.

O numero dos casos reclamantes da operação pertencentes ao se­gundo grupo decresceu depois que a cirurgia estendeu e aperfeiçoou as resecções, mormente no tocante ás lesões ósseas de qualquer das duas es-

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pecies. E são as lesões ósseas as que mais vezes fazem necessária a am­putação, por que as lesões dos ossos, além d'estes serem o apoio e sus­tentáculo do membro, causam ou provocam, as mais das vezes, lesões nas partes molles, o que nas d'estas raro acontece ; por isso a cirurgia de dia para dia mais e mais empenhadamente se esforça, e não embalde, para, por meio .da resecção, obstar à amputação de um extremo. Em vista, pois, da existência d'esse meio e da sua efficacia, tornou-se de rigoroso pre­ceito preferir, quanto ser possa, a resecção á amputação, antepondo as considerações relativas ás indicações das primeiras ás das segundas, condição hoje considerada tacita quando se trata de indicações da ampu­tação.

Em uma serie de considerações geraes não podem formular-se re­gras e preceitos geraes tão amplos que abracem e comprehendam em si todos os casos possíveis, que necessitem a amputação, tão immensamente numerosos e innumeraveis são elles pela sua constante e extrema varia­bilidade. Mas ha um certo grupo e numero de moléstias, mais geraes, mais frequentes e mais graves, que podem apontar-se como causas indi­cadoras urgentes, e sobre cuja indicação concordam a maior parte, senão todos os operadores. Estas lesões podem dividir-se debaixo de três pon­tos de vista relativos ao lugar affectado, formando uma primeira subdivi­são da devisão geral apontada ; que são = lesões ósseas, lesões das par­tes molles e lesões mixtas = entrando n'estas as das articulações. Nas primeiras avultam o cancro dos ossos (1), a osteite, a carie e a necrose, quando se estendem a grandes porções do osso e o destroem na maxima parte. — São causas indicadas de vulto para as partes molles a gangrena, a podridão d'hospital, quando invadem toda a espessura do membro com tendências tenazes de constante e progressiva invasão d'elle, —quandose não limitam, — as combustões elevadas a altos gráos, as ulceras chroni-cas extensas rebeldes e que, pela sua extensão de rebeldia, alteraram profundamente o membro, as suppurações excessivas, os aneurismas vo­lumosos, mormente os diffusos, as contracções tetânicas enérgicas e persis­tentes. Nas lesões mixtas entram as lacerações profundas de partes molles e duras, as luxações com lacerações das partes molles e sabida das extremi­dades dos ossos nas grandes articulações, os tumores brancos que já desor-

(1) Não pertence a este lugar discutir em especial a curabilidade do cancro pela extirpação ; formulou-se apenas a indicação geral para a amputação n'esse caso.

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ganisaram ligamentos, cartilagens, etc., e alteraram profundamente as ex­tremidades dos ossos.

Ha, demais, considerações peculiares para cada indicação em cada caso especial, e, também, entram na indicação como condição forçada e altamente altendivel a idade, a constituição, o estado do doente, os seus hábitos, a natureza da lesão, a sua sede, a sua duração, o grão da sua gra­vidade, as constituições athmosphericas e medica, o lugar onde se pra­tica a operação, que faz differir em muito a operação feita nos grandes hospitaes ou nos recintos aonde se encontram amputados, das feitas em sítios isolados, todas condições d'alta ponderação, pois que, antes de se operar, deve o medico ter a convicção de debellar o mal em toda a sua totalidade e dar ao operado as maiores probabilidades de cura. D'envolta com estas considerações deveriam ir outras que com ellas tem intima relação, mas que guardamos para lugar mais apropriado n'este trabalho. -f~ Umas das primeiras, e cujas relações são mais intimas e que até, por

isso, também já, em parte, ahi vão incluídas, são as contra-indicações. Mas se para as indicações, como ficou dito, não se pôde formular com toda a minudência a sua determinação, o mesmo e mais agora acontece, por que a contra-indicação pressuppõe a indicação, e é por isso que, como diz Legouest, as contra-indicações das amputações são tiradas de exame maduramente reflectido das diversas circumstancias enumeradas nas in­dicações (I).. Assim é que, ponderadas as circumstancias indicadoras nas affecções cancrosas dos ossos, serão ellas causa indicadora só em quanto a affecção não houver invadido toda a economia, generalisando-se, isto é, em quanto não existir a cachexia cancrosa, ou ainda em antes de ter produzido os enfartes ganglionares dos ganglios visinhos, quando estes não poderem ser extirpados.

As mesmas razões subsistem para as affecções arthriticas de natu­reza escrophulosa adiantada e generalisada. mormente quando as mani­festações se patentearem em mais d'uma articulação, ou se repetirem, mes­mo depois do uso d'algum meio therapeutico de mais consideração. N'es­te caso a operação poderia alliviar momentaneamente o mal. Ainda algu­mas vezes se teem visto benefícios d'alguma duração, mas, em geral, a eco­nomia já enfraquecida pela moléstia constitucional mal pôde operar salu­tares reacções para favorecer a obra da arte.

. (1) Legouest — Dictionnaire encyclopédique des sciences médicales, art. ampu­tations.

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As lesões traumáticas que tomam o individuo em plena saúde e, ás vezes, no vigor d'uma forte constituição, terão a sua contra-indicação quan­do os estragos por ellas causados forem de grande monta ferindo órgãos de muita importância para a vida. N'estas lesões ha, em geral, quando ellas são grandes, um collapso que se lhes segue e que, ás vezes, pros­tra completamente os doentes ; em taes circumstancias a operação só de­verá ser praticada depois d'esse período de collapso, e quando reacções salutares comecem de manifestar-se ; d'outro modo á lesão traumatica na sua considerável gravidade vai accrescer uma nova causa de depauperação procedida da operação que menos probabilidade dá ás forças naturaes do organismo para reagirem.

Além das considerações relativas á lesão que exige a amputação, ha ainda considerações que a contra-indicam, já tiradas do estudo do indivi­duo e resultantes d'essa lesão, já de outras que affectam órgãos impor­tantes e indispensáveis para o exercício regular da vida. A estas perten­cem os tubérculos, as lesões orgânicas do pulmão, intestinos, cérebro, etc., as diarrheas antigas, as moléstias syphiliticas inveteradas, etc. De outra ordem, mas igualmente contra-indicadoras da operação, são as grandes epidemias, já manifestadas em extensas porções de uma ou mais popula­ções, já aquellas que se manifestam em recintos especiaes affectando só os operados. Em taes casos a dilação, além da experiência ter provado os seus bons resultados, é d'uma louvável prudência.

Do exposto pode deduzir-se, como preceito geral e corollario, que a indicação está subordinada ao estado geral do individuo. O exame d'esse estado, já no que tem de relativo á lesão,- já no que d'ella é independen­te, mas de que dependem o resultado da operação são os guias a seguir para o prático se decidir a pratical-a.

E' pois em ultimo resultado, a prática clinica, o discernimento e tino medicos offerecidos por uma sabia experiência que dictam as contra-in-dicações ; quando a moléstia principal ou apparentemente principal parece querer reclamar ou reclama, com effeito, a amputtgão : se de um lado o aphorismo medico = melius anceps remedium quam nullum = pode af-foitar á execução operatória, do outro o desejo de subtrahir o doente á dôr ou aos graves riscos da operação, feita em más circumstancias, o re­primem e o devem fazer recuar ante esse falso allivio.

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Tempo das amputações.

Algumas das considerações exaradas na parte anterior d'esté traba­lho já deixam entrever que a occasião, o momento de praticar a amputa­ção varia e deve variar com différentes circumstancias. E de tanta ma­gnitude são ellas em certos casos, que o momento, o tempo da amputação é considerado como um ponto de summa importância para ser discutido, e como tal tem sido a elle consagrados por todos os auctores considera­ções e lugar especiaes.

Parece, todavia, á primeira vista que o momento de praticar a am­putação não devera entrar em duvidas ou contestações, pois que, reco­nhecida e assente a indicação, não havia mais que hesitar e poder-se-hia formular, de um modo geral, que a amputação deve ser praticada logo que seja reconhecida como necessária. Mas percorrendo a enumeração das cau­sas indicadoras das amputações, e encdiMrando-se agrupadas n'ellas cau­sas tão différentes, sabendo que a amputação é reclamada por lesões sú­bitas, como são quasi todas as traumáticas, por accidentes que sobrevêm e acompanham muitas vezes essas lesões, e por affecções chronicas, ou ou­tras internas, suspende-se o primeiro e natural reparo.

Esta circumstancia que acaba de ser apontada, dá até lugar a divi­dir, debaixo do ponto de vista que aqui se trata, as amputações em dous grupos — amputações urgentes e amputações adiáveis ; ás primeiras, per­tencem as amputações feitas logo depois que a lesão se manifestou—como acontece com as lesões traumáticas — ás segundas aquellas que podem fazer-se no decurso do desenvolvimento da lesão, como em quasi todas as affecções orgânicas ou de causa interna.

Ainda assim, comtudo, algumas duvidas se teem suscitado acerca da epocha até á qual se deve adiar a amputação reclamada pelas lesões or­gânicas; awhtece isso com o cancro, a respeito do qual os operadores vaçillam quanto á epocha em que deve praticar-se a operação : na opi­nião de Legouest essa epocha não deve fazer vacillar ninguém. A ampu­tação reclamada por tal lesão deve ser praticada o mais cedo possivel. Acerca das outras lesões orgânicas variam também as opiniões, mas em ou­tro sentido ; alguns operadores praticam a amputação em quanto o indi­viduo está apenas affectado, no pleno vigor de forças, em que a lesão não produziu ainda accidentes geraes e o organismo pôde reagir com todo o

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seu vigor de reacção salutar. Outros reservam a operação para mais tar­de quando o estado geral já se acha tocado, quando as suppurações, a dôr, e outros accidentes da lesão já enfraqueceram o doente. E esta opinião tem em alguns operadores sido tão convicta que a teem estendido á prática de amputação nas lesões traumáticas.

A perícia e perspicácia do operador, o seu fino tacto medico, não o farão sossobrar em meio de opiniões tão desencontradas. Concebe-se muito bem que em lesões não infalivelmente mortaes, cujo desenvolvimento é lento, de modo que o membro affectado possa servir aos usos do doente, em quanto a lesão é pouco extensa, o operador relucte na prática da ope­ração e conserve ao doente o seu membro. Concebe-se, mesmo, que, com certas constituições e temperamentos nimiamente irritáveis e quando a le­são não vem acompanhada de symptomas gravemente incommodos para o doente, concebe-se, então, que o operador contemporise e espere para afrouxar essa nimia irritabilidade. Mas quando essas circumstancias se não derem, quando a causa fôr de natureza interna, geral, e que ameace in­vadir o organismo inteiro, se n'elle logo desde o começo não está radicada, n'esse caso a retardação da operação seria um erro grande, e grave res­ponsabilidade caberia ao operador que a aconselhasse.

Ha, porém, uma consideração especial, em um caso também espe­cial ; o que acaba de ser dito tem relação com a operação considerada em quanto ao doente ; independentemente do meio em que está collocado, acontece, porém, que grande numero, e o maior, das amputações são pra­ticadas nos hospitaes ; convirá, n'esse caso, operar o doente logo que elle entre no hospital, ou dever-se-ha esperar que se elle acclimate á vida no­socomial, a que vem completamente estranho ? As opiniões divergem ainda n'este ponto ; querem uns que se opere desde logo, opinam outros que se demore o doente, e que se deixe acostumar á vida especial do novo meio para que foi trazido. Este modo de vêr parece, com effeito, salvo os casos extremamente urgentes, o mais razoável, o mais conforme com os preceitos hygienicos. Para os doentes que vão de condições hygienicas ge-raes boas para ellas infinitamente peiores, como são as de todos os hos­pitaes em relação ás das habitações domesticas, para taes doentes, a mu­dança de hábitos, de condições, de temperatura, de meios ambientes, para tudo o que constitue o viver especial dos hospitaes, tal mudança produz, sem duvida, impressões no organismo, que não podem deixar de influir sobre os resultados da amputação.

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Nas amputações adiáveis pode escolher-se uma epocha do anno, uma estação, para as praticar; cumpre, porém, bem determinar qual das qua­tro estações seja a mais conveniente. Os medicos antigos levados n'este ponto, como em quasi tudo, mais por considerações theoricas que prá­ticas, consideravam a primavera e o outomno como as estações mais pro­picias, principalmente a primeira. Constantemente transmittida pela autho-ridade dos tempos, esta opinião vogou na sciencia geralmente aceite e re-commendada até muito perto de nós. Dupuytren, Sanson e Velpeau ainda a seguiram. Mas a creação de uma parte, um ramo novo da medicina, a estatística, veio invalidar aquella opinião. Malgaigne, a quem a Medicina operatória tanto deve a todos os respeitos, pelo seu trabalho, pelo seu ensino, Malgaigne, formando estatísticas das grandes operaçães feitas nos hospitaes de Paris, demonstrou, em contraposição da opinião geral, que era o inverno a estação do anno mais favorável ás amputações em indi­víduos de qualquer sexo; segue-se-lhe de perto o estio, em seguida a pri­mavera e por ultimo o outomno, estação mais desfavorável de todas. Es­tes resultados differiam, todavia, em quanto á idade, havendo algumas em que aquella ordem era alterada.

E', comtudo, de fácil previsão que aquelles resultados devem variar segundo os climas e segundo as circumstancias especiaes, em que estive­rem, não só os hospitaes, mas os grandes centros em que se elles acha­rem; assim, n'este ponto, as estatísticas francezas differem das inglezas ; o que, sem duvida, é devido ás circumstancias que acabam de ser apontadas. Mas no que parecem concordar, é em um resultado inesperado e imprevisto em quanto ás amputações traumáticas, sobre as quaes as es-tatiscas provam não variarem em qualquer estação do anno ! Fora dos hospitaes não ha estatísticas bastantes, sendo, porém, de prevêr-se facil­mente que os resultados deveriam desviar-se algum tanto, pelas condi­ções especiaes sobre que seriam creadas.

Até aqui as considerações expostas versaram todas sobre as amputa­ções adiáveis, quando o operador pôde escolher occasião, epocha, para praticar a operação; mas para as amputações traumáticas, as ditas urgen­tes, ha considerações e condições especiaes e peculiares. Parece que as amputações urgentes, não poderiam soffrer a menor duvida no tempo da sua execução, — por que são urgentes; mas sendo o grupo das causas reclamantes das amputações urgentes as lesões traumáticas, quasi exclu­sivamente, surgiram duvidas entre os cirurgiões sobre se a operação de-

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veria ser feita immediatamente depois da lesão, ou passado um lapso de tempo, mais ou menos longo, segundo os différentes cirurgiões, tempo em que appareciam ou phenomenos secundários, ou teria passado a excitação causada por certas causas traumáticas. Ás amputações praticadas nas pri­meiras circumstancias deu-se o nome de immediatas, primitivas, ás outras mediatas, consecutivas ou secundarias, e quando o lapso de tempo era de­masiado extenso, o de tardias.

Estas denominações, comtudo, não foram geral e unanimemente ac-ceites no mesmo sentido, do que proveio grande discordância, que muito enredou a questão principal. Legouest, lamentando esta falta de accordo, propõe que a amputação feita poucos instantes depois do accidente trau­mático, se chame immediata ; a que fôr axecutada antes da apparição dos phenomenos inflammatorios primitiva; a que fôr executada durante o pe­ríodo da inflammação mediata; a que o fôr pouco depois da manifestação d'estes phenomenos consecutiva; ulterior ou tardia a que tiver lugar mais tarde, quando a lesão pender para chronica ; secundaria em fim a que se succedesse a outra amputação.

Como quer que seja, muito conviria para a sciencia, se ella se deci­dir pela prática da amputação em taes casos, fixar epocha para a sua exe­cução ; mas os medicos mais auctorisados, e que mais de perto teem tra­tado a questão, medicos civis e militares, teem chegado a conclusões tão dia­metralmente oppostas, que ainda dista muito n'este ponto a sciencia de uma decisão definitiva. Alguns cirurgiões, querendo desviar e deslocar a questão e decidil-a, observaram que ella era simplesmente uma questão de diagnostico, para a qual deveriam entrar todos os dados fornecidos pelo estado do doente, e d'elles se deveria partir; mas, comtudo, conforme ou­tros objectam, não é assim ; com effeito, teem-se visto e veem-se muitas vezes accidentes traumáticos dos mais graves, e tanto que a amputação foi abandonada por inutil, em que não só o individuo sobreviveu, mas que o membro foi naturalmente conservado em um estado muito superior áquelle em que ficaria se a amputação tivesse sido praticada.

Fundados n'essas e em outras razões de peso teem-se obstinado al­guns operadores a restringir muito as verdadeiras operações urgentes, adiando a amputação traumatica para depois do apparecimento dos acci­dentes secundários; mas como se apresentassem, por outro lado, resulta­dos em favor da opinião contraria, invocou-se a estatística. Porém como a estatística, muito util a muitos respeitos, não pôde servir para tudo, a

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questão ficou no mesmo terreno. Legouest apresenta os resultados duvi­dosos d'esse exame estatistico comparativo, que são os seguintes : = 1.°, as amputações primitivas tomadas em massa teem sobre as amputações conse­cutivas apenas uma superioridade de cura quasi insignificante. 2.", as ampu­tações primitivas do membro superior, sem distincção de lugar, são mais felizes que as amputações consecutivas. 3.°, as amputações primitivas da perna são mais felizes que as consecutivas. 4.°, emfim, que as amputações primitivas da coxa são menos felizes que as amputações consecutivas.

E, em face d'isto, a que modos clínicos, práticos, auctorisam esses resultados? O mesmo auctor accrescenta considerações naturaes e rasoa-veis acerca do valor d'esse resultado dos dados estatísticos de que se ser­viu, considerações que tendem a invalidal-os. Com effeito, como apreciar pela estatística muitas e mui frequentes circumstancias especiaes, que apresenta cada ferido, circumstancias tão différentes entre si que talvez em um grande numero não concordem em dous d'elles ? Por ventura a media tomada dos resultados pôde representar um estado geral ? Pois provará a estatística que tal resultado seria melhor ou peior se a operação se não praticasse ? O auctor que vem citado conclue as observações, que expôz n'este sentido, do seguinte modo :— «Seja como fôr o calculo esta­tistico apresentado, nada altera o já estabelecido acerca da gravidade das amputações em geral, encaradas segundo o lugar em que são praticadas, isto é — que a mortalidade que se segue ás amputações é tanto maior quanto ellas são feitas mais próximas do tronco. Ainda o repito ; as esta­tísticas, feitas d'esté modo, só fornecem dados sobre os resultados abso. lutos das amputações feitas antes da apparição dos accidentes primitivos das feridas, e das amputações feitas depois da apparição d'estes acciden­tes ; dizem só que as amputações primitivas teem melhores resultados que as consecutivas — excepto nas amputações da coxa — não teem em conta a mortalidade dos feridos não amputados, e não trazem á prática instruc-ções proprias para decidir se vale mais amputar ou abster-se de o fazer. Ora é esse o ponto verdadeiramente delicado e litigioso da questão (1). »

Estabelecida a questão debaixo d'esse ponto de vista, e consultando ainda n'esta parte a estatística, os resultados são de todo o ponto favorá­veis á abstenção ; em verdade o numero das mortes nos não amputados é menor do que nos amputados, e não raro se teem visto regenerações e

(1) Legouest — Obra citada. 4

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conservações na sua integra de membros grandemente mutilados, e em que se não praticou a amputação.

Era por estes resultados que Velpeau dizia == quanto mais vou en­velhecendo, menos vou amputando —e Malgaigne = se eu tivesse a coxa quebrada por um tiro não me deixaria amputar.

As tendências da cirurgia moderna para se abster da amputação nas lesões traumáticas, são, pois, justas e rasoaveis, e teem em seu favor os resultados das observações. A cirurgia moderna quer para si o bello titulo de conservadora, que de direito lhe compete, e a que não cessa de aspi­rar para gloria sua e amor da humanidade. Mas é também necessário não cahir no excesso de nada fazer, o que por vezes tem ameaçado toda a medicina. O verdadeiro caminho a seguir consiste em um meio termo rasoavel, dictado pela prudência e pela razão.

Ha, finalmente, em quanto ao tempo, a fallar nas amputações du­plas ; os auctores, talvez pela sua menor frequência, pouco d'ellas faliam e grande numero as omitte. Velpeau e Vidal (de Cassis) não aconselham a praticar as grandes amputações duplas simultaneamente ; Larrey, pelo contrario, talvez por que era militar, aconselha a prática simultânea e im-mediata. Malgaigne parece ter fixado o verdadeiro modo de proceder, estabelecendo que as amputações duplas devem ser simultâneas quando forem reclamadas por lesões traumáticas, successivas quando por lesões orgânicas ou espontâneas.

Lugar das amputações.

Uma questão inhérente á que precede, e d'ella em parte dependente, é o lugar da amputação. A escolha do lugar para a amputação é, em algumas, uma circumstancia momentosa, e que pôde variar com o tempo que houver decorrido depois da existência da lesão que a reclama. Os auctores distinguem nas amputações um lugar de eleição, outro de neces­sidade ; o primeiro é da escolha do operador, o outro é dictado pelas exi­gências imperiosas do estado mórbido que reclama a amputação.

Esta divisão não é do mais exacto rigor ; por que, descendo á ana­lyse minuciosa e reflexiva do caso, vô-se que não pôde haver lugar d'elei-

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ção; o operador deve praticar a operação DO lugar em que ella possa dar ao operado mais probabilidades de cura, tanto em relação á moléstia, co­mo ao doente, considerado debaixo do ponto de vista da doença e da ope­ração. As estatísticas medicas mostram, e, além d'ellas, a razão indica, que as amputações teem tanto mais resultados felizes, quanto são prati­cadas em pontos mais afastados do tronco, dos grandes centros em que se concentra a actividade vital, sitio em que a ferida fica muito mais pe­quena, e por tanto mais fácil e prompta em cicatrisar. Esta só considera­ção e esta só prova destroe toda a deliberação na escolha do lugar para a amputação.

As amputações podem praticar-se na continuidade e na contiguidade dos membros ; ás primeiras dá-se o nome d'amputações propriamente taes, ás segundas o de desarticulações. Em todo o caso a amputação deve ser feita acima dos limites da lesão e separal-a em toda a sua extensão.

Teem-se suscitado duvidas e discussões sobre se a amputação tem mais graves resultados praticada na continuidade ou na contiguidade. Como observa Legouest, a escolha não poderia estabelecer-se peremptoriamente segundo as vantagens ou inconvenientes recíprocos. As amputações na continuidade são, na verdade, de mais fácil execução, teem uma ferida mais regular, mais pequena, mais bem disposta para a reunião, e mais favorável para a cicatrisação ; mas também teem o inconveniente de se­rem mais demoradas, e de exporem á necrose e á saliência do osso, á irritação das partes molles pela extremidade do osso dividido, á ostéo­myélite e infecção purulenta, além do abalo em todo o organismo, cau­sado pela serração do osso. Pela sua parte as desarticulações apre­sentam a vantagem de serem de mais rápida execução, não expõem tanto á saliência do osso, nem elle irrita as partes visinhas, poupam o tecido ósseo e não imprimem, por isso, ao organismo o abalo que sof-fre com a sua secção, nem, por tanto, expõem a hemorrhagias por elle, e parecem menos frequentemente seguidas d'infecçâo purulenta; mas teem em contraposição, ou o inconveniente de produzirem extensas feridas, difficeis de reunir por pouca abundância de tegumentos, conteem extre­midades de tendões, ligamentos e cartilagens, cuja existência, como cor­pos estranhos, produz suppurações abundantes e demoradas, trajectos fis-tulosos, exeavações e recintos em que se aggloméra o pus, o que pode produzir a infecção pútrida e as différentes alterações do tecido ósseo, com as suas más consequências.

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Em face d'isto, vistos os inconvenientes e vantagens de cada uma, não pôde o prático decidir-se de preferencia por uma ou por outra ; por isso prevalecerá sempre o preceito de amputar o mais longe possível do tronco, e assim a amputação praticada em uma articulação será mais grave do que a praticada acima d'essa articulação, e a praticada abaixo menos grave do que a desarticulação.

Um ponto de vista que deve presidir ao lugar da amputação, em qualquer dos casos, é o debellar o mal em toda a sua extensão ; é por isso que a operação deve ser sempre praticada em um ponto afastado dos limites da lesão, quando se separem, na porção amputada, as partes affe-ctadas e as que já estão tocadas, ainda que mais leve e remotamente. E quando praticada a amputação na continuidade houver algum receio, ainda que pouco fundado, será de prudência amputar na primeira articulação superior á lesão. Emfim e em resumo = a natureza da lesão e a sua ex­tensão, a gravidade da operação segundo a altura a que pôde ser prati­cada, são os elementos que determinam a escolha do lugar da amputa­ção = (1).

Metliodos geraes .

Antes de entrar a tratar dos methodos geraes hoje conhecidos na sciencia, apontarei em breves palavras os cuidados preparatórios que de­vem preceder as amputações. Em primeiro lugar, e antes de qualquer tra­balho da arte, deve preparar-se o doente para a operação. Alguns doen­tes, e mormente aquelles em que a lesão é antiga, por tanto habitual n'el-les, teem-se acostumado resignadamente aos soffrimentes, e acham-se pouco dispostos a consentir a operação ; outras vezes, são as pessoas que o cer­cam ou a família as que apresentam maior reluctancia. Em qualquer dos casos, o operador, firme nas suas convicções deve impor o que a sciencia reclama, e procurar, por todos os meios ao seu alcance, remover um falso medo, ou uma preoccupação errónea ; mas nunca deverá prati­car a operação sem consentimento do doente.

Não deve deixar-se decorrer grande lapso de tempo entre a resolu-

(1) Legouest — Obra citada.

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ção do doente e a execução da operação ; durante esse tempo poderia o doente mudar de opinião, ou estar em uma anciosa e vacillante duvida que lhe seria, por certo, prejudicial. Não é preciso, como em tempos mais remotos se usava, preparar os doentes com severa dieta ou com uso de medicamentos. Nas amputações de mais consideração basta um ligeiro laxante pouco tempo antes do dia marcado para a operação, e com o flm de evitar complicações do lado do apparelho digestivo, por occasião da manifestação da febre traumatica. A hora do dia deve variar com as circumstancias da lesão e da estação ; em geral, nos casos em que pôde esperar-se, escolher-se-ha a hora do dia em que mais serena seja a atmosphera, em que haja mais luz, e em que não haja calores ex­cessivos, etc... A posição do operado deve ser o decúbito dorsal; é a mais fácil para a administração do chloroformio, e a mais desembaraçada para os manejos operatórios.

Os apparelhos instrumental e de curativo deverão estar preparados e próximos, sobre mesas facilmente accessiveis ao operador e aos ajudan­tes. O apparelho instrumental compôr-se-ha de: — 1.°, facas rectas bem afiadas de um ou dous gumes e de um tamanho em relação não só com o membro em que tem de operar-se, mas também com o methodo opera­tório que se ha de seguir ; 2.°, de uma serra, se a amputação tem de ser feita na continuidade ; 3.°, de uma compressa de duas ou três pontas, se­gundo o numero dos ossos da parte em que se amputar; 4.°, de pinças, de ligaduras e fios encerados ; 5.°, d'agulhas curvas com fios encerados ; 6.°, de bisturis e tesouras em relação com as necessidades exigidas pela parte em que se operar.

O apparelho de curativo comprehende: — 1.°, um frasco com per-chlorureto de ferro; 2.°, uma compressa fenestrada e ceratada, de tamanho conveniente, e tiras agglutinativas ; 3.°, fios e compressas de différentes formas e tamanhos ; 4.°, agua fria e quente, esponjas, etc. Os apparelhos instrumental e de curativo devem ser subtrahidos da vista do doente, para evitar qualquer má disposição com um espectáculo desacostumado e ter­rível para elle.

Antes de começar a praticar-se a operação, o operador dispõe os ajudantes. O numero d'estes varia para cada amputação ; são, porém, in­dispensáveis — um que administre o chloroformio, o qual deve ser expe­rimentado em anesthesiar de modo que inspire confiança ao operador, e não se distraiha com qualquer accidente da operação; = u m outro para

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suspender o curso do sangue. Para este fim pôde usar-se do torniquete ou de qualquer outro instrumento; hoje, porém, prefere-se a compressão digital executada por um ajudante hábil e vigoroso, e exercitado n'este ponto, de modo que, com uma posição conveniente, só comprima a arté­ria e não as veias e nervos, para evitar a dôr e as phlébites. O outro aju­dante segura, pela parte inferior, o membro a cortar e liga os vasos ; com-pete-lhe evitar que o membro suba ou desça, para não impedir a progres­são da faca ou da serra. O quarto ajudante sustenta o membro pela parte superior e afasta as carnes. O quinto, emfim, ministra ao operador os instrumentos necessários, e recebe-os immediatamente depois que d'elles não careça. Em geral, este numero de ajudantes é sufficiente, e um maior pessoal, as mais das vezes, embaraça antes a operação, do que a facilita. Além d'estes ajudantes principaes, são precisos servos que podem ser necessários para trabalhos d'ordem inferior, e cuja falta pôde impedir o bom e prompto êxito da operação.

O processo operatório na prática das amputações era, nos primeiros tempos da sciencia, bem simples e singelo, mas excessivamente bárbaro. — Uns cortavam os tecidos com facas previamente introduzidas no fogo e aquecidas até á temperatura rubro-branca. Outros serviam-se de ma­chados, dos quaes um sotoposto ao membro cortava os tecidos quando ou­tro sobreposto a elle, e tornado mais pesado por meio de massas de chumbo, era deixado cahir com este peso sobre o membro, cortando-o simultaneamente. Esta era a prática de Botai ! — Cortados os tecidos, os meios de suspender a hemorrhagia não eram menos bárbaros ; uns usa­vam de cauterisações com ferro candente, outros com azeite em ebullição ! — Era epochas em que os meios anesthesicos de qualquer espécie eram completamente desconhecidos, é fácil de conceber o legitimo horror que inspiravam as amputações. — Uma circumstancia que mais pesava nos me­dicos antigos, e com cujo medo extremamente se aterravam, era a he­morrhagia, para suspender a qual imaginaram mil meios esquecidos já hoje; por tal modo, em fim, se tinha a amputação tornado uma operação tão terrível, que muitos medicos d'aquelles tempos preferiam abandonar o doente a uma morte certa e inevitável. (1)

Com o decorrer dos tempos e com os progressos da sciencia, a prá­tica operatória melhorou consideravelmente. Crearam-se modos geraes de

(1) Velpeau — Obra citada, etc.

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praticar as amputações, a que se deu o nome de methodos, modificaram-se esses modos, e a cada modificação se deu o nome de processo. Inven-taram-se e aperfeiçoaram-se os instrumentos, e, por ultimo, descobriu-se a anesthesia, o máximo desideratum a que podia aspirar a sciencia.

Podem hoje reduzir-se a três classes os methodos operatórios : — Methodo circular, Methodo de retalhos e Methodos mixtos: todos com uma indicação final, commum e única: conservar tecidos molles bastantes para cobrir facilmente, e na sua totalidade, a superficie de secção do membro.

O methodo circular consiste em cortar circularmente os tecidos mol­les sobrepostos ao osso, na parte em que elle tem de ser serrado. Ao principio os operadores praticavam o methodo circular de um modo sim­ples, ligavam o membro em duas partes, acima e abaixo do ponto aonde deviam praticar a amputação, e cortavam circularmente, e d'um só jacto, todos os tecidos até ao osso, serrando-o finalmente. Mais tarde a prática demonstrou que os tecidos, retrahindo-se naturalmente, deixavam o osso descoberto, e d'ahi provinham graves accidentes; modificou-se, então, este modo de proceder. Começaram de cortar os tecidos em pontos inferiores áquelle correspondente ao em que o osso tenha de ser serrado, arrega-çavam-se esses tecidos e praticava-se a secção do osso. Para melhor e mais desembaraçadamente proceder, propozeram e praticaram alguns operadores a amputação, cortando primeiro a pelle, depois os músculos ; outros porém cortam a pelle, depois d'ella os músculos superficiaes, e em seguida os profundos.

Estes dous modos de proceder são os hoje geralmente seguidos; em qualquer d'elles a amputação pelo methodo circular comprehende três tempos distinctos:—1.° incisão da pelle—2.° incisão dos músculos—3.° secção do osso.

\.° tempo — INCISÃO DA PELLE — A incisão da pelle pôde fazer-se de um só golpe, ou de muitos; alguns operadores cortam de uma só vez — um tempo—outros de duas —dous tempos —outros de quatro—quatro tempos ; invocando cada um a facilidade, a rapidez e a elegância na ope­ração.— Hoje os operadores fazem a incisão da pelle em um ou dous tempos ; o segundo modo é talvez mais commodo e corta mais regular­mente a membrana tegumentar, mas esses mesmos resultados se conse­guem fazendo a incisão em um só tempo, tendo o operador alguma prá­tica d'amputaçôes.

Para praticar este primeiro tempo da operação colloca-se o operador

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na posição mais conveniente e commoda, posição que tem de conservar durante toda a operação; ordena a um ajudante que, abraçando o mem­bro, retraiha a pelle para cima sem grande esforço nem pressão. Collo-cado pela parte de dentro ou de fora, segundo o caso, o operador, to­mando com a mão esquerda o membro, pouco acima do ponto em que tem de praticar a incisão, passando pela parte inferior a mão direita com a faca em punho, ou sem ella, caso em que tem um ajudante de lh'a apresentar, logo que a mão tenha passado completamente, cortará circu­larmente os tegumentos. N'este primeiro tempo o golpe não deve ser de­masiado superficial, para cortar juntamente com os tegumentos as apo­névroses subjacentes.

A dissecção da pelle deve ser feita de modo que, com a retracção operada pelo ajudante, tenha, não só a extensão sufficiente para cobrir a superficie de secção (em geral um cumprimento que pouco exceda à me­tade do diâmetro da superfície de secção), mas que fique em circumstan-cias de poder prestar-se á cicatrisação. Para esse fim dissecca-se a pelle, isolando-a dos tecidos subjacentes, de modo que lhe seja conservada toda a sua espessura com os seus vasos e nervos, subtrahindo-a, quanto ser possa, a uma gangrena consecutiva.

2.° tempo — INCISÃO DOS MÚSCULOS — Praticado o primeiro tempo da operação, levantada a pelle, ou em forma de canhão ou retrahida, proce-de-se á incisão dos músculos. Este segundo tempo da operação, em membros volumosos ou em que ha dous ossos, não pode fazer-se de uma só vez : a superficie dos músculos, demasiado escorregadiça, os attritos dos músculos superficiaes sobre os profundos, a structura tendinosa d'al-guns, faz com que a faca resvalle e não corte regularmente. — Para isso, fazem-se duas ou três incisões até collocar a superficie de secção em cir-cumstancias convenientes. Nos casos de dous ossos, em que nos espaços interosseos escaparam ao corte músculos ou tendões, introduzir-se-ha a faca no espaço interosseo, ou usar-se-ha de uma segunda faca apro­priada.

O modo de executar este segundo tempo não diffère do primeiro. O operador corta circularmente, tendo o cuidado de poupar a pelle. Nos casos em que uma só incisão não foi bastante, um ajudante levanta a porção muscular cortada, de modo que forme um cone maciço, cujo vér­tice corresponda ao osso, e pratica novas incisões até ter cortado com­pletamente todos os músculos.

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3.° tempo — SECÇÃO DO OSSO — Para proceder á serração do osso, é mister afïastar do ponto em que elle tem de ser serrado todos os tecidos cortados e que devem cobrir a superficie de secção. Consegue-se isso por meio de compressas de duas ou três pontas, segundo ha um só ou dous ossos no membro cortado ; a compressa será collocada de modo que cu­bra toda a superficie cortada, e para isso, collocada a base d'ella pela parte posterior do membro, as pontas circunscreverão o osso, vindo en-trelaçar-se pela parte anterior; nos casos de dous ossos, a ponta media passa entre elles e vem ajuntar-se ás pontas lateraes. Um ajudante, sus­tentando a compressa, retrahe com ella para cima toda a superficie seccio­nada, de modo que deixe desembaraçada a parte do osso em que elle tem de ser serrado.

Desviadas as partes molles pela compressa, o operador pratica a in­cisão do periosteo no ponto em que tem de ser applicada a serra. Alguns operadores, querendo evitar a ínflammação do invólucro do osso, prove­niente da incisão n'elle feita, propozeram raspar o osso em uma certa extensão, e applicar a serra no ponto mais alto em que elle foi desnuda­do. Este modo de proceder é hoje geralmente rejeitado, porque expunha a maiores inconvenientes do que os que pretendia evitar, pois que, não evitando a inflammação da membrana, expõe á necrose da porção do osso que fica nua.

Confiados na propriedade osteogenesica do periosteo, ainda alguns cirurgiões lembraram e propozeram cortal-o em um ponto inferior, des-collal-o do osso, e formar com elle um retalho que cobrisse a superficie de secção óssea, evitando assim não só a osteo-myelite, mas a infecção purulenta, por meio d'uma tenue camada d'osso por elle formada. Assim se procedeu, com effeito, em algumas amputações, mas a experiência não confirmou até hoje as presupposições theoricas n'esta parte.

Para proceder á secção do osso, o operador colloca a unha do pol-lex junto á incisão do periosteo, para marcar os limites á lamina da serra; depois, impellindo de dentro para fora, abre o caminho que ella tem de seguir. Os operadores, em geral, aconselham empregar nos primeiros movimentos impulsores da serra pouca força, levando-a devagar; mas Le-gouest, fundado na sua prática, aconselha que desde o principio a força impulsora seja a mesma e enérgica. Em todo o caso, como a prática de cada operador o leva a preferir um modo especial, e por fim todos dão os mesmos ou quasi os mesmos resultados, quando se approximar o fim

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d'esté tempo da operação, a força impulsora deve diminuir, porque, dimi­nuindo progressivamente a resistência do plano ósseo, fica sujeito, como uma potencia forte, a rachar ou a quebrar.

A direcção da serra deve ser sempre a mesma, sempre o mesmo plano de secção ; para isso é mister muito cuidado, não só da parte do operador, mas dos ajudantes que seguram as duas porções do membro, mormente no que sustenta a porção que hade ser separada, porque qualquer desvio de direcção causa graves desarranjos. — Serrado o osso, se a nova superficie apresenta saliências ou desigualdades, far-se-hão des-apparecer ou com a serra ou com pinças incisivas ; alguns operadores teem até proposto embotar os bordos de toda a secção do osso ou com fortes escalpellos ou com o cabo do martello, o que tem sido repellido da prática.

METHODO DE RETALHO — A amputação por este methodo pode ser de um ou dous retalhos : e consiste em talhar, em um dos lados do mem­bro, de preferencia aquelle em que mais abundarem os tecidos molles, uma porção de tecidos, tegumentos e músculos, que cubra a superficie da ferida. A forma e direcção do retalho serão indicadas pela necessidade reclamada pelas circumstancias especiaes da ferida.

A amputação feita com um retalho único é mais simples, e pôde di-vidir-se em três tempos. —No 1.°, o cirurgião forma o retalho, talhando-o ou de fora para dentro ou de dentro para fora, por transfixão. No pri­meiro caso, o operador corta as carnes de cima para baixo, depois trans­versalmente, e de novo para cima, até um ponto parallelo ao de que par­tiu ; convindo cortar primeiro os tegumentos, depois a porção muscular, porque a pelle, pela sua retractilidade, tende a fugir para cima. No se­gundo caso, atravessa as carnes com a faca em um ponto superior, des­cendo, em seguida ; por este modo, porém, é frequente deixar um reta­lho imperfeito, porque a pelle, retrahindo-se, deixa as extremidades dos músculos descobertas, e, além d'isso, não se presta como o primeiro a uma forma tão perfeita.

O 2.° tempo consiste no corte circular dos tecidos do lado opposto, na base do retalho. E' uma incisão circular e perpendicular ao osso, convindo, como no primeiro tempo, cortar em primeiro lugar os tegu­mentos, depois a porção muscular. Alguns operadores aconselham, es­pecialmente em certos casos, substituir a incisão por uma espécie de pe-

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queno retalho, do comprimento de um dêdo transverso, que dizem, fa­voreceria melhor a reunião.

0 3.° tempo consiste na secção do osso, do mesmo modo que no methodo circular.

Na amputação a dous retalhos, segue-se o mesmo modo operatório, podendo os retalhos ser ou lateraes, interno e externo, ou anterior e pos­terior, consoante mais favorável fôr uma ou outra posição para a reunião da ferida.

METHODOS MIXTOS. — Os methodos expostos são os capitães e irre-ductiveis um no outro, todavia podem combinar-se ambos dando lugar a methodos, antes modos, mixtos, como são o elliptico e o oval.

A combinação dos dous é de recente data. Baudens e Sédillot foram os iniciadores ; talham elles dous retalhos oppostos, curtos, redondos e pouco espessos, cortando depois de talhados e levantadas as carnes cir­cularmente debaixo para cima, em direcção perpendicular ou obliqua ao osso, e segundo a altura a que tem de ser serrado. Assim obteem dous retalhos bem seguros, bem como um cone ôco que envolve o coto, o que favorece a reunião, principalmente em individuos gordos.

O modo elliptico que è intermediário em resultados ao methodo cir­cular e de retalho, mas que mais se approxima do ultimo, consiste em dar á superfície da ferida uma forma elliptica, cujo plano é obliquo ao eixo do membro ; a extremidade inferior representa um retalho, em quanto que a superior apresenta uma forma que permilte a adaptação perfeita do retalho sobre a superficie de secção.

Para proceder á operação começa-se por uma incisão semi-elliptica dos tegumentos, de convexidade superior, que vem confundir-se com ou­tra de convexidade inferior, ou vice-versa ; de modo que o vértice da incisão superior corresponde ao ponto do nivel em que o osso deve ser serrado, e o da inferior forma a extremidade do retalho. O retalho pôde ser formado só pela pelle ou acompanhado por alguma porção de mús­culos, e é este o modo mais geralmente seguido.

O modo oval, próprio para as amputações na contiguidade, é inter­mediário aos methodos circular e de retalho, por que dá uma ferida de grandes bordos sem retalhos. Este modo é geralmente executado pela seguinte forma : começa-se por duas incisões obliquas partindo d'um ponto superior commum, um como v inverso, cujo vértice fica á altura da arti­culação ou superior a ella. As extremidades das incisões são ligadas por

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uma outra semi-circular; as primeiras são aprofundadas até ao osso; a ul­tima é superficial, ficando, assim, uma ferida estreita para a parte superior e terminada em forma de goteira, o que produz o inconveniente de dar pouco campo aos trabalhos operatórios, e deixar, algumas vezes, a su­perficie articular superior descoberta.

Para completa exposição do que ha a dizer sobre methodos em ge­ral, cumpre advertir que os methodos simples são mais próprios para as amputações na continuidade, e os mixtos para as desarticulações, espe­cialmente o ultimo que para ellas é exclusivamente reservado ; o metho-do circular é de todos aquelle que menos se presta ás desarticulações.

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T R A T A M E N T O .

Para maior facilidade e para mais completo desenvolvimento d'esta parte do presente trabalho, dividirei o tratamento em local e geral ; ao primeiro pertencem as applicações tópicas destinadas a favorecer a reu­nião da ferida e a sua cicatrisação : ao segundo os meios geraes para fa­vorecer as reacções do organismo em sentido favorável ao restabelecimen­to. Pela ordem de successão, os cuidados locaes, depois do membro am­putado, dirigem-se primeiro á suspensão do sangue, depois á reunião da ferida. Os meios conhecidos e seguidos hoje para suspender as hemor-rhagias, consecutivas ao traumatismo, são principal e quasi exclusivamente a ligadura. Os líquidos hemostaticos e a compressão digital são ainda de algum uso para suspender o curso do sangue em vasos arteriaes de pequenas dimensões, ou venosos, aquelles em geral que não podem ser ligados ; todos os outros meios empregados em différentes épocas estão hoje quasi totalmente banidos da prática.

A suspensão do curso do sangue deve merecer ao operador alguns cuidados, por que a prática tem demonstrado que varias vezes, depois de feitas algumas amputações, e suspendido seu curso, se teem produ­zido hemorrhagias ulteriores, ás vezes tardias em maior ou menor abun­dância, o que dá lugar a novos trabalhos e cuidados, e teem embaraçado o curso natural da ferida tendente á cicatrisação. Para obviar a esse in­conveniente, Dupuytren aconselhava deixar passar cerca de uma hora depois da amputação, sem recorrer ao emprego de quaesquer meios tó­picos curativos ; mas este preceito não tem prevalecido na prática, e tanto que quando hoje se emprega o chloroformio, alguns operadores es­peram tão somente que o doente recupere os sentidos, que se estabeleça bem a circulação por toda a parte, e procedem logo ao curativo. Em ge­ral os operadores ligam os vasos, cujas hemorrhagias são mais conside­ráveis, comprimem os menores, lavam a ferida, já com agua fria para favorecer a hemostasia, já com ella em uma temperatura mais elevada para vêr se se produz alguma hemorrhagia, e quando se cuida estar

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completa a suspensão da sahida do sangue, procedem ao curativo. E' mister, todavia, empregar um cuidado sério n'esta parte da operação e não se contentar com um exame superficial e ligeiro.

Depois de lavada a ferida, reúnem as linhas das ligaduras que se in­clinam para o angulo ou lado de mais declive, ou d'outro modo, sempre o mais conveniente para favorecer a sahida do pus, e o menos distante pos-sivel do ponto d'inserçao d'ellas. A forma de união dos bordos das par­tes cortadas que teem de cobrir os tecidos profundos deve variar com as circumstancias tanto do membro amputado, como do methodo seguido; em geral pôde formular-se que o modo a seguir deve ser aquelle que melhor e mais facilmente cubra a superficie de secção. Os operadores differem muito em opiniões em quanto ao modo de obter a reunião da ferida da amputação ; uns preferem a reunião immediata, outros a me­diata, e alguns um modo intermediário a que chamam immediata se­cundaria.

A reunião immediata deveria ser a preferida se a maior rapidez da cica-trisação se obtivesse sempre por esse meio, por que além de menor lapso de tempo possivel, evitaria a suppuração abundante ; mas como essas con­dições se não dão no maior numero dos casos, porque a prática tem de­monstrado que a reunião immediata raras vezes é perfeita em feridas d'am­putações, e demais tem o inconveniente de n'esses casos obstruir a sahida dos productos de secreção e outros que devem ser expulsos, e de impedir a inspecção do estado dos tecidos profundos, é por isso hoje quasi geral­mente rejeitada, concordando-se em que se aquelles inconvenientes se não dessem seria esse o modo preferível.

A reunião mediata não tem esses inconvenientes, mas tem em con­traposição outros, como a maior demora na cicatrisação, as suppurações mais abundantes, etc. Para obviar a esses inconvenientes, Halloran propoz a reunião immediata secundaria, que consiste em procurar a adhesão dos bordos da ferida depois da formação de alguns botões carnosos. Este modo, mais ou menos modificado, é hoje o mais geralmente seguido, e parece, com effeito, dever ser o preferido ; no entanto cada caso especial forne­cerá ao prático circumstancias especiaes que deve fazer adoptar de prefe­rencia um dos três modos, por que em therapeutica não ha nada abso­luto.

Os operadores não concordam igualmente sobre a epocha em que deve levantar-se o primeiro apparelho de curativo, querendo uns que seja logo

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no dia immediate», adiando outros a epocha para dous, 1res, até dez dias ; mas geralmente hoje a prática adopta a primeira opinião : é todavia este um ponto que deve variar com as circumstancias peculiares a cada am­putação.

O curativo empregado é o curativo simples; todavia em casos de com­plicações, de atonia ou de excitabilidade local, os meios tópicos variam com cada caso, podendo multiplicar-se infinitamente : umas vezes recor-re-se aos tópicos emollientes, outras aos tónicos, aos excitantes, aos anti-septicos, etc. — O numero de vezes que deve curar-se a ferida varia com as circumstancias; em geral nos casos médios são sufBcientes dous cura­tivos por dia.

O tratamento geral comprehende os meios hygienicose pharmacologi-cos a empregar para favorecer as reacções geraes do organismo. —E' rara a amputação de algum todo em que os symptomas geraes se não manifestam com mais ou menos intensidade segundo as circumstancias ; apparecendo em geral do segundo ao quarto dia esse conjuncto de symptomas cuja reunião constitue a febre traumatica.

O tratamento geral não pôde ser formulado de um modo absoluto ; tem de ser fundado nas indicações, e do estado de cada amputado depen­dem ellas. Podem achar-se indicados já os tónicos, já os excitantes, já os emollientes, etc., todavia o tratamento levemente tónico é na generalida­de dos casos o que deve ser seguido quando não haja indicações especiaes. Os medicamentos líquidos refrigerantes e levemente laxantes são os que devem ser administrados para uso ordinário.

Os meios hygienicos de toda a espécie oceupam no tratamento geral dos amputados um lugar muito importante. São indispensáveis bom leito, temperatura conveniente, e socego profundo nos aposentos em que jaz o doente ; todas as boas condições hygienicas geraes, são emfim indispen­sáveis. O regime alimentar tem sido desde todos os tempos considerado igualmente da maxima importância. Em tempos antigos, e ainda não muito remotos, era vedado ao doente o uso d'alimentos por largo período de tempo ; hoje, porém, em presença de dados estatísticos especiaes e dos esclarecimentos fornecidos pela prática quotidiana, administram-se ao doen­te alimentos tónicos desde o primeiro dia, sempre em relação com as suas necessidades e os seus desejos. Com a apparição da febre traumatica a quantidade d'alimentaçao diminue, podendo até, em casos em que é de­masiado intensa ou em que ha complicações d'orgâos digestivos, ser de

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todo supprimida, para se reverter ao uso d'ella quando se começar a dis­sipar uma e outras. *

Mas deve formular-se como preceito geral de urgência o alimentar os amputados. As excessivas dietas ou alimentações insuficientes pros­tram os doentes, sujeitam-os mais a complicações, favorecem os acciden­tes nervosos, a infecção purulenta, e pelo contrario uma alimentação re­gular sustenta as forças, evitando a dynamia tão frequente, impedindo as absorpções perigosas, activando a cicatrisação e apressando a cura.

As disposiões moraes do individuo são causa muito attendivel ; em geral os espiritos rudes, rebeldes a cogitações sobre o seu estado, teem grande vantagem para o resultado das amputações debaixo d'esté ponto de vista. Os espiritos illustrados, pensadores, abatidos pela dôr, receiosos pelo seu futuro, alanceados por saudades de família, da pátria, etc., suc-cumbem mais geralmente. — Não ha operador d'alguma prática que não tenha observado uma e outra cousa. Ao medico, portanto, como a po­tencia mais forte, pela sua posição, pela sua instrucção, pelos seus cui­dados e recursos, compete rigorosamente remediar por todos os meios ao seu alcance o mal, quando existe, procurando dispor do modo mais fa­vorável o estado moral do seu doente. E' numa occasião d'estas, que o facultativo operador pôde dar plenas provas da sua perícia e de eleva­ção d'espirito.

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E S T A T Í S T I C A .

A creação d'estatisticas medicas data de tempos recentes, e, em par­te, é á sua curta existência que se devem os seus ainda vagos e incertos resultados. A estatística, porém, não poderá nunca fornecer dados ma-thematicos, porque não pôde entrar n'ella um numero infinito de cir-cumstancias extremamente variadas e variáveis, que podem fazer differir em muito os resultados; por isso Sédillot (1) diz com justa razão : «que a apreciação numérica dos resultados das amputações é um problema que depende de circumstancias extremamente variáveis para serem compara­das e mathematicamente apreciadas.»

É por isso que os resultados das amputações variam de hospital para hospital, em localidades différentes, ou em uma mesma localidade. Um resultado que todas as estatísticas confirmam, e a que a observação já an­tes tinha chegado, é, que as amputações são tanto mais perigosas quanto mais se approximarem do tronco. Alguns operadores querem, comtudo, exceptuar a desarticulação do joelho, que consideram quasi tão perigosa como a amputação coxo-femoral (Sédillot), o que todavia, está longe de ser provado.

Tomando, porém, os resultados mais geralmente aceites, podem adoptar-se, como médios, no estado actual da sciencia, os resultados esta­tísticos apresentados por Lawrie, Malgaigne, V. Trélat e Fenwick.

A estatística que Lawrie apresenta das amputações feitas no hospital de Glascow é a seguinte : 1.'—Amputações por causas pathologicas ou lesões

orgânicas 153 Mortos. .35 ou 22,54 p. 100 2.°—Amputações por causas traumáticas 123 Mortos.. 65 » 53,65 » » Isto é, 31,11 por 100 mortos a maior nas amputações por causa traumatica do que

nas amputações por causa pathologica.

A estatística que Malgaigne apresenta das amputações feitas, desde

(1) Sédillot. Traité de médecine opératoire. 6

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o 1.° de Janeiro de 1841, até ao 1.° de Janeiro de 1846, nos hospitaes de Paris, è a seguinte :

Grandes amputações por lesões orgânicas 378 Mortos. 182 ou 48,41 p. 100 Pequenas » » • 146 Mortos. .11 » 7,53» » Grandes » » traumáticas 182 Mortos. 117 » 64,28 B » Pequenas » » « 83 Mortos.. 13 > 15,66» »

A estatística de V. Trélat é a seguinte :

Amputações pathologicas 568 Mortos. 223 ou 39,30 p. 100 Amputações traumáticas 470 Mortos. 261 ou 55,60 » »

A estatística de Fenwick é a seguinte :

Amputações da coxa pathologicas 313 Mortos. 124 ou 39,61 p. 100 Amputações da coxa traumáticas 174 Mortos.117 ou 67,24 » » Amputações da perna pathologicas 193 Mortos. .75ou 38,86 » » Amputações da perna traumáticas 193 Mortos. 100 ou 50,18 » »

Da reunião de todas estas estatísticas, que comprehendem 2986 casos d'aroputaçoes, resulta o seguinte :

Amputações pathologicas. Amputações traumáticas.

. . 153 casos 35 mortos 123 casos 65 mortos Malgaigne. ..524 » 193 » 265 » 130 V. Trélat.. ..568 » 223 » 470 » 261 »

..506 » 199 » 367 217 »

Total . . . 1751 » 650,.-" • 1225 » 673 » ou 35,40 mortos por 100 ou 54,93 mortos por 100

D'estas cifras, que apresento, resulta, que a mortalidade dos indi­víduos amputados por causas traumáticas é maior do que nos indivíduos amputados por causas pathologicas, na proporção de 54,93 por 100 para 35,40 por 100 : conclue-se, por conseguinte, que ha uma differença de 20 mortos a maior por 100 nos indivíduos amputados por causas traumá­ticas.

Em relação ás amputações primitivas e consecutivas não ha estatis-cas completas ; as que existem discordam em resultados.

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A estatística que Faure apresenta d'estas amputações em relação ao tempo, é a seguinte :

Amputares tomadas em grupo. Curados. Morlos. Curados por 100. Primitivas 5599 2435 3164 43,49 Secundarias ..2265. 975 1290 43^20

7864 3410 "1Ï51T 4 3 ' 3 6

Em relação ao lugar das amputações (continuidade ou contiguidade) faltam dados estatísticos satisfactorios ; em geral não ha gravidade abso­luta d'umas ou d'outras.

Em relação ao sexo dão as estatísticas 35 por 100 mortalidade nos homens, e 30 por 100 mortalidade nas mulheres.

Para mais completa ficar esta parte do presente trabalho, apresentarei a estatística geral dos resultados a que chegou Legouest, com que parece concordarem mais geralmente as opiniões, ainda que Sédillot as acha exa­geradas.

Amputações e desarticulações dos dedos o dos metacarpicos Amputações e desarticulações do3 artelhos Desarticulação tibio-tarsica Dita de punho Ablações dos metatarsicos e operações parciaes no pé Amputações do ante-braço Ditas do braço Desarticulações do cotovello Amputações da perna Desarticulações da espádua Amputações da coxa Desarticulação do joelho Desarticulação coxo-femoral ,

. 13,0 por 100

. 18,9 , »

.23,2 » » 35,0 > . 38.0 » . 41.1 » 47,7 » . .48,0 » » 49,9 » ,59,5 » , 74,0 . » 87,0 » » 87,7 » »

PROPOSIÇÕES

1." ANATOMIA. — O envolucro da cellula não é um elemento essencial da mesma.

2.° PHYSIOLOGIA. — A fome não tem sede especial.

3.° PHARMACOLOGIC. —O ferro combate a chlorose, modificando tão somente as funcções digestivas.

4.° PATHOLOGIA EXTERNA. — O cancro molle e o cancro duro são duas doen­ças inteiramente distinctas.

5.° MEDICINA OPERATÓRIA. — O apparelho amovo-inamovivel do B. de Sou-tin é preferível a todos os outros na fractura da perna.

6." — PARTOS. — Os vómitos incoercíveis auctorisam o aborto cirúrgico.

7.° — PATHOLOGIA INTERNA. — A classe das febres ditas essenciaes é pro­visória.

8.° ANATOMIA PATHOLOGICA. — O tubérculo é um producto de secreção.

9." HYGIENE PUBLICA. — As rodas são um grande obstáculo ao augmento da população de Portugal.

Approvada. Pôde imprimir-se. P. A. Dias Porto, 14 de Junho de 1869.

Presidente. Antonio Ferreira Braga servindo de Director.