daniel defoe - o diabo e o relojoeiro
TRANSCRIPT
-
7/31/2019 Daniel Defoe - o Diabo e o Relojoeiro
1/3
1
Vivia na parquia de S. Bennet Fynk, perto da Bolsa Real, umaviva pobre e honesta, a qual, tendo perdido o marido, aceitou in-
quilinos em sua casa, isto , alugou algumas peas desta a m de
reduzir a despesa do aluguel.
Entre outras, cedeu a gua-furtada a um fabricante de maqui-
narias de relgio, ou que fazia peas do gnero, e, segundo o hbito
da poca, trabalhava para as relojoarias.
Certo dia, um homem e uma mulher subiram para falar como relojoeiro sobre alguma coisa relacionada a sua prosso. Che-
gando perto da escada, e vendo a porta inteiramente aberta, con-
seguiram enxergar o pobre infeliz (o fazedor de relgios ou de seus
mecanismos) enforcado numa viga que saa da parede, um pouco
abaixo do teto. Surpreendida com o espetculo, a mulher parou e
gritou para o homem que a seguia pela escada para que corresse e
cortasse a corda do infeliz.Naquele momento, de um canto do quarto, que da escada
no era possvel ver, corre outro homem, trazendo na mo um ban-
co dobradio, como quem vinha com muita pressa, e coloca-o no
cho debaixo do pobre enforcado, e, apressado sempre, sobe ao
Daniel Defoe
O Diabo e o Relojoeiro
-
7/31/2019 Daniel Defoe - o Diabo e o Relojoeiro
2/3
2
banco, ra do bolso uma faca e, segurando a corda com uma das
mos, acena com a cabea para o casal que se achava na porta,
como para dizer-lhes que parassem, que no subissem, e mostra-
lhes a faca na outra mo, como se esvesse a ponto de cortar a
corda do enforcado.Nisso a mulher estacou, mas o homem que estava no banco
dobradio connuava a remexer na corda com a mo e com a faca,
como procurando o n, mas sem dar o corte. Ento a mulher gritou
outra vez, e o homem que vinha atrs dela falou:
Vamos subir disse ele supondo que havia algum obst-
culo e ajudar o homem que est no banco.
Mas o homem que estava no banco fez-lhe de novo sinaispara carem quietos e no subirem, como a dizer: Fao isso num
instante. Deu dois cortes com a faca como se cortasse a corda e
parou outra vez. Entretanto, o pobre connuava enforcado e, con-
sequentemente, morrendo. Nisso a mulher pergunta:
Que h? Por que no corta a corda duma vez?
E o homem que estava atrs dela, esgotada a pacincia, em-
purrou-a para o lado e disse-lhe: Deixe que resolvo isso!
E sobe correndo e invade o quarto.
Mas, quando ali chegou, vejam, o msero l estava enforcado,
porem no se via nenhum homem com faca, nem banco dobradi-
o, nem outra coisa qualquer. Tudo isso no passara de espectro e
iluso, desnados, sem dvida, a deixar perecer e expirar o pobre
infeliz que se nha enforcado.
O homem cou to surpreso e aterrado que, no obstante a
coragem de que dera mostra, caiu no cho como morto. E a mulher
viu-se na obrigao de cortar a corda ao enforcado com uma tesou-
ra, s o conseguindo com grande esforo.
Como no tenho movo para duvidar da veracidade desta
histria, que soube por pessoas em cuja honesdade posso conar,
penso que no nos ser nada dicil saber quem podia ser o homem
do banco: era o Diabo, que l se pusera a m de acabar o assass-
nio do homem, a quem, na sua condio de Diabo, havia tentado e
levado a ser o carrasco de si mesmo. O fato, alis, corresponde to
-
7/31/2019 Daniel Defoe - o Diabo e o Relojoeiro
3/3
3
bem a natureza do Diabo e ao seu ocio, o de assassino, que nunca
o pus em dvida. Nem me parece injusa com o Diabo acus-lo
desse crime.