contos de fantasmas - daniel defoe

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivode oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercialdo presente contedo

    Sobre ns:

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • D a n ie l D e f oe

    Traduo de Henrique de Arajo Mesquita

  • ndice

    Primeira Parte

    A Apario da Senhora VealO Fantasma em Todos os CmodosO Espectro e o SalteadorO Eclesistico do Testamento PerdidoUma Estranha Experincia de Dois IrmosO Diabo Brinca com um MordomoO Diabo e o Relojoeiro

    Segunda ParteUm acusador fantasmagricoUma Iluso Referente a um Urso e um AsnoO Fantasma tilOs Presuntos e o QuakerO Adivinho na Feira de Bristol

  • PrimeiraParte

    HI S T RI A S V E RD A D E I RA S D E FA N T A S MA S

  • AApariodaSenhoraVeal

    P RE F CI O

    Este relato verdadeiro e cercado por muitas circunstncias que podem induzir qualquerhomem sensato a acreditar nele. Foi enviado por um cavalheiro, um juiz da paz emMaidstone, no Kent, e pessoa de muita inteligncia, a um amigo seu em Londres, tal comoest aqui redigido. O texto certicado por uma dama parente do citado juiz da paz e que pessoa de mente sbria e de grande compreenso, a qual vive em Canterbury, a umas poucasportas da casa em que mora a senhora Bargrave, nomeada no relato. O juiz da paz acreditaque sua parente de esprito to atilado que nunca se deixaria enganar por qualquer fraude.Ela prpria garantiu-lhe positivamente que a questo toda tal como aqui relatada e redigidaconstitui a verdade, e a mesma coisa que ela ouviu aproximadamente nas mesmas palavras daboca da mesma senhora Bargrave, a qual, ela sabe, no tinha razo para inventar e divulgartal histria, nem desejo de forjar e contar uma mentira, sendo uma mulher muito honesta evirtuosa, e toda a sua vida um exemplo de piedade. O proveito que podemos tirar dessedocumento ter em mente que h uma vida por vir depois desta e um Deus justo queretribuir cada um segundo os atos feitos com este corpo atual; devemos, portanto, reetirno que tem sido a nossa vida; no esquecer de que o tempo de que dispomos curto e incerto eque, se quisermos escapar punio reservada aos mpios e alcanar a recompensa dos queprocedem bem, que a vida eterna, temos de, no tempo que nos resta, voltar a Deus por umrpido arrependimento, deixando de cometer o mal e aprendendo a fazer o bem. partindo embusca de Deus, se com felicidade Ele possa ser de ns encontrado, e de levar tais vidas nofuturo que Lhe possam ser agradveis.Isto que vou contar to raro em todas as suas circunstncias, e fundado em to boaautoridade, que toda a minha leitura e as minhas conversas nada me forneceram desemelhante. E coisa apta a satisfazer o investigador mais destro e exigente.A senhora Bargrave a pessoa a quem a senhora Veal apareceu depois de falecer. Ela minha amiga ntima, e posso atestar-lhe a probidade, por estes ltimos quinze ou dezesseisanos, por meu prprio conhecimento. E posso conrmar a reputao de honestidade de quegozou desde sua mocidade at o momento em que a conheci, o que necessrio; porque, emfuno do relato que fez da apario da senhora Veal, ela objeto de calnia por parte dealgumas pessoas que so amigas do irmo da mencionada senhora Veal, s quais o relato daapario parece uma ofensa, e fazem o que podern para acabar com a reputao da senhoraBargrave e para ridicularizar a histria que conta. Mas, dadas as circunstncias do que sepassou e a boa disposio da senhora Bargrave, no obstante os maus-tratos inditos a que foisujeita por um marido muito cruel, no h em sua sionomia o menor sinal de desalento. Nemeu a ouvi pronunciar uma expresso de desespero ou de queixa, nem mesmo quando submetidas barbaridades do marido, de que eu fui testemunha, assim como vrias outras pessoas cuja

  • reputao no se pode pr em dvida.E preciso que vocs saibam que a senhora Veal era uma moa solteira e nobre de cerca detrinta anos de idade e, por alguns anos, vinha sofrendo de ataques que nela se manifestavamporque ela interrompia o que estava dizendo com alguma extravagncia abrupta. Ela erasustentada pelo nico irmo que tinha, e tomava conta da casa deste ltimo em Dover. Erauma mulher muito religiosa, e o irmo um homem sbrio, ao que tudo demonstrava, mas agoraele faz o que pode para reduzir a pedaos esta histria.A senhora Veal era intimamente ligada senhora Bargrave desde a infncia. Naquela poca,as condies em que vivia a senhora Veal eram ruins. O pai no tomava cuidado das crianascomo devia, o que as expunha a privaes, e tambm a senhora Bargrave vivia naquelestempos com um pai cruel, embora no lhe faltassem nem comida nem roupa, coisas quefaltavam senhora Veal. Estava, portanto, dentro das possibilidades da senhora Bargraveajudar a senhora Veal de vrias maneiras, o que esta ltima muito apreciava. Muitas vezes, eladizia:- Senhora Bargrave, a senhora no apenas a melhor, mas a nica amiga que tenho nomundo e nenhuma circunstncia na vida dissolver jamais tal amizade.Elas lamentavam juntas a fortuna adversa e liam o livro de Drelincourt sobre a morte e outroslivros bons. E assim, como duas amigas crists, elas se confortavam reciprocamente.Algum tempo depois, os amigos do senhor Veal arranjaram-lhe um lugar na Alfndega deDover, o que fez com que a senhora Veal, a pouco e pouco, se desprendesse da intimidade coma senhora Bargrave, embora nunca houvesse entre as duas, alguma coisa como uma briga.Mas, gradualmente, surgiu entre elas uma indiferena, at que, por m, a senhora Bargravepassara dois anos e meio sem ver a amiga, embora por cerca de um ano a senhora Bargravetivesse estado ausente de Dover e houvesse passado os ltimos seis meses em Canterburymorando em casa prpria.Em tal casa, em 8 de setembro ltimo, 1705, ela estava sentada sozinha na manh,meditando sobre sua vida desafortunada e buscando argumentos que a inclinassem resignao devida Providncia, embora sua situao parecesse difcil. "E", pensou ela, "eu fuiajudada at agora e no duvido de que ainda o serei e estou certa de que minhas aiesterminaro quando for mais apropriado" e, depois de tais pensamentos, tomou de sua obra decostura, coisa que ela mal acabara de fazer quando ouviu bater porta. Levantou-se para verquem era e deu com a senhora Veal, que estava de roupa de montaria. Naquele exatomomento, o relgio bateu doze badaladas.

    Madame - disse a senhora Bargrave -, estou surpreendida em v-la. Por tantotempo estivemos separadas!

    Mas disse-lhe que cava feliz em voltar a v-la, e fez meno de dela se aproximar, com o queconcordou a senhora Veal, at que os lbios das duas quase se tocaram.E ento a senhora Veal passou a mo pelos olhos e disse:

    No me sinto muito bem.

  • Disse senhora Bargrave que partiria sozinha numa viagem e tivera um grande desejo devisit-la antes de seguir.

    Mas - ponderou a senhora Bargrave - como que a senhora parte em viagemsozinha? Isso espanta-me, porque sei que seu irmo lhe to aficionado.Ora - disse a senhora Veal -, enganei meu irmo e vim sozinha, tal era o meudesejo de ver a senhora, antes de partir em viagem.

    Assim a senhora Bargrave seguiu com ela para outro aposento e a senhora Veal sentou-senuma cadeira de braos, exatamente onde a senhora Bargrave estivera sentada quando ouviraa senhora Veal bater porta.Ento disse a senhora Veal:

    Minha querida amiga, eu vim renovar nossa amizade antiga, e peo seu perdo porme ter apartado. E, se puder perdoar-me, a senhora uma das melhores mulheres.Ora - disse a senhora Bargrave -, no mencione uma tal coisa. Isso nunca mepreocupou. Posso facilmente perdo-la.Que pensou a senhora de mim? - perguntou a senhora Veal.Pensei - respondeu a senhora Bargrave - que a senhora era como o resto domundo e que a prosperidade a tinha feito esquecer a nossa ligao.

    Ento a senhora Veal lembrou senhora Bargrave os muitos servios amistosos que esta lhetinha prestado no passado e muito das conversas que, uma com a outra, tinham mantido notempo de adversidade; lembrou-lhe os livros que liam e, em particular, o conforto querecebiam da meditao do ensaio de Drelincourt sobre a morte, que ela classicou como omelhor dos livros sobre o assunto. Tambm mencionou os livros que o doutor Sherlock e doisautores holandeses traduzidos escreveram sobre a morte e vrios outros. Mas disse queDrelincourt possua a viso mais clara da morte e de nossa futura condio, entre todos os quetinham tratado do assunto. Ento perguntou senhora Bargrave se ela dispunha de umexemplar da obra de Drelincourt.

    Sim - disse a senhora Bargrave.Traga-o - pediu a senhora Veal.

    E ento a senhora Bargrave subiu ao andar de cima e trouxe o livro.

    Querida senhora Bargrave - afirmou a senhora Veal se os olhos da f estivessemabertos como os olhos do corpo, veramos numerosos anjos a nosso redor, paraguardar-nos. As idias que temos do cu no so nada perto do que , como dizDrelincourt. Portanto, suporte com pacincia seus sofrimentos e acredite que oTodo-Poderoso a tem em particular considerao e que as tribulaes que aafligem so marcas do favor de Deus. E quando essas tribulaes tiveremalcanado o objetivo pelo qual foram mandadas elas lhe sero retiradas. Eacredite-me, minha querida amiga, acredite no que lhe digo: um minuto de futura

  • felicidade a recompensar infinitamente de todos os seus sofrimentos; pois nuncapoderei acreditar - (nesse ponto, a senhora Veal bateu com a mo no joelho comgrande veemncia, a mesma veemncia que marcou tudo o que dizia) - que Deussuportar que a senhora passe todos os seus dias em aflio; mas esteja certa deque seus males a deixaro, ou a senhora os deixar dentro em breve.

    Falou de uma maneira to celestial e pattica que a senhora Bargrave chorou vrias vezes,tanto aquilo tudo a impressionou.Ento a senhora Veal mencionou o livro do doutor Hoerneck sobre o ascetismo, no m doqual ele faz um relato da vida dos cristos primitivos. Ela recomendou tais modelos para nossaimitao, e disse que as conversas deles no eram como as de hoje em dia.

    Pois agora disse ela s h conversas vs e superficiais, muito diferentes dasque mantinham. Eles falavam para edificao recproca e para que aumentassemutuamente a f; assim no eram como ns somos, e ns no somos como eram.Mas acrescentou - poderamos fazer como faziam. Havia entre eles umaamizade cordial, mas onde acharemos tal maravilha hoje em dia? de fato difcil - respondeu a senhora Bargrave - encontrar um verdadeiro amigonos dias que correm.O senhor Norris - disse a senhora Veal - escreveu um bonito livro de versosintitulado amizade na perfeio, livro que eu admiro enormemente. A senhoraconhece o livro?No - disse a senhora Bargrave -, mas publiquei os meus prprios versos.A senhora publicou? - perguntou a senhora Veal. - Ento, v busc-los.

    A senhora Bargrave buscou os versos no andar de cima e os ofereceu senhora Veal, para queos lesse, mas esta os recusou e disse que olhar para baixo lhe daria dor de cabea; pediu ento senhora Bargrave que lesse os versos, coisa que esta ltima fez.Quando admiravam "Amizade", a senhora Veal disse:

    Querida senhora Bargrave, eu a amarei para sempre.

    Nos versos usam-se por duas vezes as palavras "pertencentes aos Campos Elseos".Disse a senhora Veal: - Esses poetas tm tais nomes para o cu!Passava muitas vezes a mo pelos olhos e dizia:

    No acha a senhora que estou muito afetada por meus ataques?No - respondeu a senhora Bargrave -, acho que est com to boa aparnciaquanto jamais a vi.

    Depois de toda essa conversao, em que a apario pronunciou palavras de uma qualidademuito superior s que a senhora Bargrave disse que poderia usar, e que consistiu em muito maisdo que aquilo de que se podia lembrar (no se deve pensar que seria possvel reter inteiramenteuma conversa que durou uma hora e trs quartos, embora a senhora Bargrave declare que se

  • lembra da maior parte do que trataram), ela pediu senhora Bargrave que escrevesse, em seunome, uma carta a seu irmo, dizendo-lhe que desse anis a tais e tais pessoas, e que haviauma bolsa com ouro no escritrio dela, e que ela lhe pedia que desse duas peas de ouro aoprimo Watson.Como falava muito e com pressa, a senhora Bargrave entendeu que lhe vinha um dos ataquesa que era sujeita, e colocou-se assim numa cadeira bem diante dos joelhos dela, para impedirque casse ao cho, se sobreviesse o ataque. Pois a cadeira de braos, pensou a senhoraBargrave, impediria que a senhora Veal casse para qualquer dos lados. E, tentando divertir asenhora Veal, tomou de uma das mangas do vestido desta e elogiou o tecido. A senhora Vealdisse-lhe que era de seda lavada, e feita recentemente.No obstante isso, a senhora Veal insistiu em seu pedido, e disse senhora Bargrave que nodevia recusar-lhe o favor; e queria que contasse ao irmo toda a conversa, quando tivesse umaoportunidade para tanto.

    Querida senhora Veal - respondeu a senhora Bargrave isso parece to fora depropsito que no posso dizer como cumprir o seu desejo. E que histriamortificante ser a nossa conversa para um jovem!Bem! - disse a senhora Veal - no quero que recuse.Parece-me muito melhor - ponderou a senhora Bargrave - que a senhora mesma ofaa.No - respondeu a senhora Veal embora isso lhe parea agora fora de propsito, asenhora compreender a razo por que o peo mais tarde.

    A senhora Bargrave, ento, para satisfazer a insistncia com que lhe era feito o pedido,dispunha-se a buscar caneta e tinta, mas a senhora Veal disse-lhe:

    No faa nada agora. Faa-o quando eu me for. Mas faa-o com certeza.

    Isso foi uma das ltimas coisas que lhe requereu ao despedir-se. E a senhora Bargraveprometeu o que lhe era solicitado.Ento, a senhora Veal pediu notcias da lha da senhora Bargrave. Esta respondeu que a lhano estava em casa.

    Mas se a senhora quiser v-la - acrescentou a senhora Bargrave - eu a mandareichamar.Faa isso - disse a senhora Veal.

    Ao que a senhora Bargrave deixou a visitante e foi ter com um vizinho para que estechamasse a jovem senhorita Bargrave. Quando a senhora Bargrave regressava, a senhoraVeal estava do lado de fora da porta, na rua, diante do mercado de animais do sbado (que dia de tal mercado) e parecia prestes a partir logo que a senhora Bargrave chegou-lhe perto.Esta perguntou-lhe por que estava com tanta pressa.Respondeu a senhora Veal que devia partir, embora talvez no seguisse viagem antes desegunda-feira; e disse senhora Bargrave que estimaria voltar a v-la na casa do primo

  • Watson antes de seguir viagem para onde ia. Ento a senhora Veal disse que se despediria, eandou para longe da senhora Bargrave vista desta ltima, at que uma volta da rua no adeixou mais ver, o que se deu exatamente uma hora e quarenta e cinco minutos da tarde.A senhora Veal morreu no dia 7 de setembro ao meio-dia, de seus ataques, e, antes de morrer,no disps de mais do que quatro horas de conscincia. Nesse perodo, ela recebeu ossacramentos. No dia que se seguiu ao da apario da senhora Veal, dia esse que foi umdomingo, a senhora Bargrave sofreu muito de um resfriado e de uma dor de garganta, e nosaiu de casa. Mas, na manh de segunda-feira, ela mandou uma pessoa perguntar em casa docomandante Watson se a senhora Veal estava l.As pessoas da casa caram intrigadas com a pergunta da senhora Bargrave e mandaram-lhedizer que a senhora Veal no estava l, nem era esperada. Diante dessa resposta, a senhoraBargrave disse empregada que esta certamente se enganara de nome, ou zera algumatolice.E, embora estivesse doente, colocou o chapu e foi ela prpria casa do comandante Watson,embora no conhecesse ningum da famlia, para ver se a senhora Veal estava ou no l. Elesdisseram que muito os intrigava a pergunta, pois a senhora Veal no estivera na cidade;tinham certeza de que, se houvesse estado, t-los-ia procurado.

    Estou certa - disse a senhora Bargrave - de que passou comigo no sbado quaseduas horas.

    Responderam-lhe que era impossvel, pois eles teriam visto a senhora Veal, desde que estahouvesse vindo cidade.O comandante Watson chegou quando discutiam e disse que a senhora Veal estavacertamente morta, e que se estava gravando o seu nome para colocar a inscrio no caixo.Isso muito surpreendeu a senhora Bargrave, que foi ver imediatamente o gravador e vericouque a notcia procedia.Ento ela relatou toda a histria ao comandante Watson e famlia, e o vestido que a senhoraVeal usara, e que riscas, que cores tinha, e que a senhora Veal lhe havia contado que eralavado.Ento, a senhora Watson exclamou:

    A senhora certamente a viu, pois ningum sabia, alm da senhora Veal e de mim,que o vestido era lavado.

    A senhora Watson acrescentou que a descrio do vestido era exata.

    Pois - disse ela - eu ajudei a faz-lo, eu prpria.

    A senhora Watson fez a notcia correr pela cidade, e sustentou a demonstrao da verdade doque dizia a senhora Bargrave quanto apario da senhora Veal.E o comandante Watson levou imediatamente dois cavalheiros senhora Bargrave paraouvir-lhe o relato do acontecimento da prpria boca.E ento a histria espalhou-se com tal rapidez que cavalheiros e pessoas de qualidade, a parte

  • judiciosa e ctica do mundo, vieram v-la em grupos, o que se tornou para ela uma tal cargaque foi forada a recolher-se; pois, em geral, acreditavam no que ela dizia, e viam claramenteque a senhora Bargrave no era uma hipocondraca, pois sempre aparecia com um aspecto tosatisfeito e agradvel que conquistou a estima de todas as pessoas de posio, e pensa-se que um grande favor obter o relato da boca da prpria senhora mencionada.Eu deveria ter contado a vocs, antes, que a senhora Veal disse senhora Bargrave queesperava a irm e o cunhado, vindos de Londres para visit-la.Respondeu a senhora Bargrave: - Como se d que a senhora arranjou tal programa to fora deordem?

    No podia ser. de outra forma - afirmou-lhe a senhora Veal.

    E a irm dela e o cunhado chegaram a Dover, justo no momento em que a senhora Vealexpirava.A senhora Bargrave perguntou-lhe se queria tomar ch.Respondeu a senhora Veal: - No me seria desagradvel. Mas garanto que aquele louco (com oque se referia ao senhor Bargrave) quebrou todos os seus utenslios de ch.

    No obstante - disse a senhora Bargrave -, tirarei alguma coisa em que possatomar ch.

    A senhora Veal, no entanto, recusou a bebida e disse:- No tem importncia. Deixe isso.Todo o tempo que permaneci com a senhora Bargrave, tempo que somou algumas horas, elarememorou outros ditos da senhora Veal. E esta disse mais uma coisa material senhoraBargrave, a saber, que o velho senhor Breton concedeu senhora Veal dez libras por ano, oque constitua um segredo, e desconhecido para a senhora Bargrave at que a senhora Veal ocontou.A histria da senhora Bargrave nunca varia, o que intriga aqueles que pem em dvida averdade do relato, ou no querem reconhec-la. Uma empregada num quintal vizinho casada senhora Bargrave ouviu-a falar com algum no momento em que a senhora Veal estavacom ela. A senhora Bargrave foi ter com seu vizinho de porta logo depois de despedir-se dasenhora Veal, contou a tal vizinho a conversa maravilhosa que mantivera com uma velhaamiga. O livro de Drelincourti sobre a morte tem sido, desde que isso aconteceu, compradoextraordinariamente. E deve ser observado que, no obstante todo o cansao e aborrecimentoque a senhora Bargrave sofreu por causa dessa apario, ela nunca recebeu o valor de umcentavo por causa do relato, nem suportou que sua lha recebesse qualquer coisa de qualquerpessoa, o que demonstra que no tem interesse algum nessa histria.Mas o senhor Veal faz o que pode para abafar o assunto, e diz que est pronto a ver a senhoraBargrave, mas, contudo, uma questo de fato que esteve com o comandante Watson desdeque lhe morreu a irm, mas nunca se aproximou da senhora Bargrave. E alguns dos amigosdele dizem que ela uma grande mentirosa, e que ela tinha conhecimento da penso de dezlibras por ano, concedida pelo senhor Breton. Mas a pessoa que arma isso tem a reputao de

  • um mentiroso notrio entre pessoas que sei serem de carter ilibado. O senhor Veal demasiado cavalheiro para dizer que ela mente, mas se limita a dizer que ela cou louca emvirtude dos maus-tratos que sofreu de parte do marido. Mas a senhora Bargrave no necessitade mais do que se apresentar porque, com sua presena, ela refuta essa acusao de loucura. Osenhor Veal diz que perguntou irm, no leito de morte, se queria fazer alguma disposiotestamentria, ela respondeu que no.Agora, as coisas que a senhora Veal, em sua apario, queria doar eram to desprovidas deimportncia, no havendo nenhum propsito de fazer justia com a doao, que o projetodaquela senhora me parece consistir em habilitar a senhora Bargrave a demonstrar a verdadeda apario, conrmando ao mundo a realidade do que vira e ouvira, e garantindo a suareputao no meio das pessoas razoveis e compreensivas da humanidade.Alm disso, o senhor Veal confessa que havia uma bolsa de ouro, mas que ela no foi achadana escrivaninha da senhora Veal e sim no estojo dos pentes. Isso no parece provvel, pois asenhora Watson diz que a senhora Veal tomava tal cuidado com a chave de sua escrivaninhaque no a conava a ningum. Se era assim, no h dvida de que no colocaria seu ouro forada escrivaninha. E o fato de que a senhora Veal passava com freqncia a mo pelos olhos eperguntava senhora Bargrave se os ataques que ela sofria no a haviam afetado, parece-metudo feito de propsito para relembrar os ataques senhora Bargrave, para prepar-la a nojulgar estranho que ela prpria no escrevesse ao irmo para que ele distribusse os anis e oouro, coisa que parecia tanto com o pedido de uma pessoa prestes a falecer. E esse foi o efeitoproduzido na senhora Bargrave, a quem tudo pareceu resultado dos ataques, e foi um dosmuitos exemplos de seu enorme amor pela senhora Bargrave, e cuidado com ela, para que notemesse, o que transparece em toda a maneira de conduzir-se a apario, particularmente emque veio ter com a senhora Bargrave durante o dia, quando esta estava sozinha, e evitou asaudao; e tambm na maneira de partir, para impedir uma segunda tentativa de saudao,de proximidade, de beijos.No posso descobrir por que motivo o senhor Veal julga que este relato uma ofensa (comoca evidente pelo fato de que tenta abaf-lo), pois, em geral, as pessoas julgam que a senhoraVeal um bom esprito, dado o teor celestial de sua conversao. Seus dois grandes objetivosforam reconfortar a senhora Bargrave em suas aies e pedir-lhe perdo pela quebra deamizade, com uma conversa pia feita para encorajar a amiga. Supor que a senhora Bargravepossa ter inventado uma tal histria do meio-dia de sexta-feira at o meio-dia de sbado(desde que se acredite que ela soube de imediato da morte da senhora Veal), sem confundircircunstncias e sem ter interesse algum na coisa, implica julg-la mais inteligente, com maissorte e mais velhaca tambm do que passar pela cabea de uma pessoa qualquer.Perguntei-lhe se ouviu um som quando bateu com a mo no joelho da senhora Veal. Ela dizque disso no se recorda, e acrescenta:- Parecia ser to substancial quanto eu, que com ela falava; e to possvel persuadir-me deque sua apario que fala comigo como persuadir-me que eu no vi a senhora Vealrealmente, pois eu no sofri qualquer medo. Eu a recebi como uma amiga, e como tal dela medespedi. Eu no daria um centavo para fazer com que qualquer pessoa acreditasse em mim.No tenho qualquer interesse nisso. O que isso me acarretar, e por um longo tempo, pelo quesei, so problemas. E se a coisa no fosse divulgada casualmente, nunca teria se tornado

  • pblica.Mas agora ela diz que far um proveito ntimo do acontecido, e recolher-se- o mais possvel; etem cumprido esse propsito. Ela conta que um cavalheiro veio de uma distncia de trintamilhas para ouvir o relato, e que ela narrou a histria para uma sala cheia de gente. Vrioscavalheiros escutaram a histria da prpria boca da senhora Bargrave.A coisa muito me impressionou, e nela acredito tanto quanto na histria mais bemfundamentada. E parece-me estranho que tenhamos a tendncia a negar a veracidade defatos porque no podemos resolver coisas de que no possumos noes certas oudemonstrativas.Em qualquer outro caso, a autoridade e a sinceridade da senhora Bargraveteriam bastado para confirmar o que contasse.

  • OFantasmaemTodososCmodos

    Uma certa pessoa de importncia, que passava com sua famlia o vero em sua casa de campo,foi obrigada, por um motivo especial de sade, a deixar a mencionada casa e a seguir para Aix-la-Chapelle, com a nalidade de submeter-se aos banhos medicinais daquela cidade. Ocorreuisso, parece, no ms de agosto, dois meses antes do momento em que usualmente regressava aLondres para o inverno.Saindo assim mais cedo do que de costume, no retirou a moblia da casa, como faziausualmente a famlia, ou carregou os objetos de prata e outros bens valiosos, mas deixou tudoao cuidado do mordomo e de trs empregados. E pediu ao padre da parquia que casse de olhonos empregados e que lhes desse uma mo, com gente da aldeia prxima, se isso se zessenecessrio.No teve o mordomo notcia pblica de qualquer perigo que ameaasse a casa, mas sentiu,durante trs dias ou quatro, sucessivos, impulsos ntimos de terror, de que a residncia estavasitiada e a ponto de ser assaltada por um grupo de bandidos, que assassinariam todos que nelamoravam e, depois de pilh-la, a incendiariam. E essa viso de tal forma o obcecou e tanto oimpressionou que em nada mais podia pensar.Por esse motivo, no terceiro dia ele foi ter com o padre e contou-lhe suas apreenses. Em talocasio, o padre e o mordomo mantiveram a seguinte conversa, assim comeando omordomo:

    Padre - disse ele o senhor sabe a responsabilidade que me cabe e que o meu patrome confiou toda a casa e a rica moblia que a guarnece. Estou em grandeperplexidade a esse respeito e venho pedir-lhe conselho.

    Padre - Qual o problema? Voc ouviu falar em algum perigo iminente?Mordomo - De nada ouvi falar. Mas tais foram as apreenses que senti e de tal forma meimpressionaram que...E nesse ponto ele relatou as singularidades da inquietao que dele se tinha apossado eacrescentou, alm do que j contei, que um dos empregados sentira a mesma coisa e o zeraciente disso, embora ele de nada tivesse falado com o empregado.Padre - E possvel que voc tenha sonhado com isso?Mordomo - No! Estou certo de que no podia ter sonhado, porque no me tem sido possveldormir.Padre - Que posso fazer por voc? Que quer voc que eu faa?Mordomo - Gostaria, antes de mais nada, que o senhor me dissesse o que pensa dessas coisas ese devo lev-las a srio.A essa altura, o padre interrogou-o com mais rigor sobre a questo das apreenses, e mandouvir o empregado, examinou-o em separado, e, sendo um homem muito sensato e honesto,assim respondeu ao mordomo:

  • Meu caro senhor mordomo, eu no atribuo grande importncia a essas coisas, mastambm no acho que devam ser postas de lado. Por isso, eu o aconselho amanter-se vigilante e a me dar parte do menor alarma que suceder.

    Mordomo - No grande conforto dizer-me o senhor para vigiar, se me atacarem com maiorfora do que posso suportar. Creio que, se quaisquer bandidos alimentam o projeto de assaltar acasa, eles tm conhecimento do poder de que disponho.Padre - Quer que eu reforce a sua guarnio?Mordomo - Gostaria que o fizesse.Padre - Mandarei alguns homens com armas de fogo para passarem a noite na casa.Nessas condies, o padre mandou-lhe cinco camaradas fortes, com mosquetes e com umadzia de granadas de mo. Enquanto permaneceram na casa, nada sucedeu. O padre, vendoque nada acontecia, e no querendo continuar a despender o dinheiro do proprietrio,mandou chamar o mordomo e, repreendendo-o com irritao, disse-lhe o que pensava.Padre - No sei como se explicar com o patro, mas voc o fez efetuar uma enorme despesaaqui, mantendo uma guarnio na casa, todo esse tempo.Mordomo - Lamento isso, padre, mas que posso fazer?Padre - Controle suas emoes e tenha coragem. No v deixar o patro desperdiar duzentasou trezentas libras com as apreenses que voc tem.Mordomo - Mas o senhor prprio disse que no se deviam desprezar tais impresses.Padre - E verdade, mas tambm disse que no se lhes devia atribuir demasiada importncia.Mordomo - Que me resta, ento, fazer?Padre - Mande embora os homens e vigie o mais que puder. Se lhe chegar alguma notciaslida de perigo, mande dizer-me e eu o ajudarei.Mordomo - Ento, que os bons anjos protejam a casa de meu patro, porque ningum mais ofar.- Amm - disse o padre -, confio em que os bons espritos tomaro conta de todos vocs.Isso dizendo, ele abenoou o mordomo, o qual partiu reclamando muito, porque cara semguarnio e entregue aos bons espritos.Contudo, parece que as impresses do mordomo, por mais ntimas que fossem e vindas ele nosabia de onde, no eram de to pouca importncia quanto o padre pensava. Pois, assim comoele tinha na mente a impresso de que algum planejava um crime, assim realmente as coisasse passavam, como vocs vero.Um grupo de ladres, que obtivera a informao de que o nobre proprietrio partira com afamlia para Aix-la-Chapelle, mas que deixara a casa com a moblia, com a prataria e commuitos objetos de valor, havia planejado pilhar a residncia e queim-la depois, exatamentecomo o dissera o mordomo.Eram vinte e dois ao todo e armados dos ps cabea. No entanto, enquanto esteve em casa afora adicional para revigorar a guarnio do mordomo, organizou-se um sistema segundo oqual trs homens montavam guarda a noite inteira, e os ladres no ousaram assaltar aresidncia.Logo, porm, que lhes chegou ao conhecimento que os homens do padre haviam sidodispensados, renovaram o projeto e, para abreviar a histria, atacaram a casa na altura da

  • meia-noite. Como dispunham, segundo acredito, de todo o instrumental necessrio, foraramlogo uma janela, e doze penetraram na casa, enquanto o resto cava de sentinela em lugaresestratgicos, para impedir que chegasse socorro da cidade.O pobre mordomo e os trs empregados viram-se numa situao desesperada. Estavam noandar de cima e haviam erguido, nas escadarias, a barricada que puderam, logo que ouviram osladres entrarem. Quando tomaram conscincia de que os bandidos j se achavam no interiorda casa, nada mais lhes foi dado fazer do que se manterem no andar superior, at que secompletasse a pilhagem e tudo fosse incendiado, eles inclusive.Mas parece que foi resolvido, seja pelos bons espritos que o padre mencionou, seja por algumaoutra entidade, reservar-lhes um destino melhor, como se ver.Quando os primeiros do bando ingressaram na casa e abriram a porta, deixando passar quantosjulgaram necessrios, com os quais, como disse acima, somaram doze, fecharam novamente aporta, e, portanto, se trancaram dentro da casa. Dois caram do lado de fora da porta, comuma senha combinada, para que trouxessem mais gente, se necessrio.Os doze, correndo pelo salo, ali encontraram pouco que lhes satiszesse a cupidez. Mas,quando irromperam em seguida numa saleta muito bem mobiliada, onde a famlia costumavareunir-se, viram com surpresa, numa grande cadeira de braos, um homem idoso e grave, comuma peruca preta que lhe vinha at os ombros, com uma veste de rico brocado e uma gola derendas, tpica de advogados. O senhor os olhava com grande surpresa e parecia-lhes fazersinais de que tivessem misericrdia. No disse palavra, nem eles disseram muito, com exceode um dentre eles que, surpreso, exclamou: - U! Quem est a?De imediato, os viles entraram a derrubar as belas cortinas de damasco das janelas e aapossar-se de outras coisas ricas, mas um deles disse a outro, com uma praga:

    Faa com que o velho idiota nos conte onde est escondida a prataria.

    Outro acrescentou:

    Se ele no contar, corte-lhe a garganta, incontinenti.

    O velho cavalheiro, com gestos de rogo, e como se lhes estivesse pedindo que lheconservassem a vida, com grande medo, indicou-lhes outra saleta, que era a sala de jogos, econtgua primeira, e dava, por uma outra porta, no salo de onde se divisavam os jardins.Levaram algum tempo forando o caminho para essa sala de jogos, mas, quando lograramentrar, caram surpreendidos de ver o mesmo homem idoso, na mesma vestimenta e mesmacadeira, fazendo os mesmos gestos e rogos silenciosos que fazia na sala anterior.No se preocuparam muito, de incio, pois pensaram que ele penetrara por outra porta, ecomearam a injuri-lo por lhes dar o trabalho de arrombar uma porta quando havia outrapara o mesmo cmodo. Mas um deles, pior do que os outros, disse com uma grande praga que ovelho malandro tinha, de propsito, vindo por outra porta para esconder a prataria e odinheiro, e mandou que lhe arrebentassem o crnio. Ao ouvir isso, outro dos bandidos jurou aovelho que, se no lhes mostrasse, de contnuo, onde estavam as pratas e o dinheiro, ele omataria naquele mesmo momento.

  • Diante dessas palavras furiosas, o velho cavalheiro apontou para as portas que davam no salo,as quais, sendo um par de portas de dois batentes, foram logo abertas. Os bandidos seprecipitaram no grande salo, onde, olhando para a extremidade do aposento que lhes estavamais distante, deram novamente com o homem idoso, na mesma vestimenta e atitude queantes.Quando viram isso, os que estavam na vanguarda entre eles gritaram alto:

    Ora, esse velho sujeito tem trato com o diabo, certamente. Aqui est ele,novamente, antes de ns!

    Mas agora era diferente o caso, pois quando eles saram da primeira saleta, ansiosos pelaprataria e dinheiro, e querendo logo em tudo botar as mos, todo o grupo se precipitou nasegunda saleta. E dessa vez quando o velho cavalheiro indicou o terceiro cmodo, eles nocorreram todos para o salo, mas quatro caram para trs na saleta ou sala de jogos, no emvirtude de ordem ou projeto, mas acidentalmente.Dessa forma, eles caram na seguinte confuso: enquanto alguns deles gritaram do salo que ovelho l estava, outros responderam da saleta:

    Como possvel isso, com todos os diabos? Ele est aqui na sua cadeira, fazendo assuas macaquices.

    Diante disso, dois deles voltaram primeira saleta, e ali viram-no de novo, sentado comoantes. Apesar desse fato, longe de terem idia do que estava se passando, imaginaram quealgum os enganava ou deles zombava e que havia trs diferentes velhos, todos vestidos com amesma vestimenta para a mesma ocasio, para mostrar-lhes que os homens do andar de cimano tinham medo deles.

    Bem - disse um dentre eles -, eu matarei um dos velhos marotos. Eu os ensinarei azombar de ns.

    Ao dizer isso, erguendo o seu mosquete to alto quanto possvel, golpeou o velho cavalheiro,como pensava que fosse, com toda a fora que possua. Mas eis que nada havia na cadeira e omosquete voou em mil pedaos, ferindo-lhe gravemente a mo. E um pedao do cano,batendo-lhe na cabea, quebrou-lhe a cara e o fez cair no cho.Ao mesmo tempo, um daqueles que estavam no salo correu para o homem que estava alisentado, jurou que lhe tiraria a veste de no brocado, antes que lhe cortasse a garganta.Quando tentou segur-lo, no entanto, nada havia na cadeira.Isso acontecendo em ambos os cmodos, eles caram, todos, horrivelmente confusos egritaram nas duas saletas, no mesmo momento, de uma maneira terrvel.Como estavam possudos do maior espanto diante daquelas coisas, estacaram, depois doprimeiro clamor, e olharam um para o outro durante algum tempo, sem dizer palavra. Por m,um deles falou:- Tornemos primeira saleta e vejamos se o velho saiu de l tambm.Por causa disso, dois ou trs que se encontravam mais prximos daquele cmodo para ali

  • correram e voltaram a ver a velha gura, como a haviam visto no incio. Diante dessa vista,bradaram pelo grupo e disseram aos outros acreditar que todos estavam enfeitiados e que eracerto haverem apenas imaginado distinguir um homem nos outros cmodos, pois o cidadovelho e real estava ali, onde sempre estivera, desde o princpio.Todos ento correram para o mesmo cmodo, dizendo que vericariam se era ou no o diabo.E um deles declarou:

    Deixem-me entrar. Falarei com ele. No a primeira vez que tenho negcios como diabo.E eu tambm - disse um outro - chegarei at ele.

    E acrescentou, com uma praga, que cavalheiros como eles, no negcio em que estavam, nodeviam temer parlamentar com o diabo.Um terceiro (pois agora a coragem tornou a ampar-los) gritou:

    Que seja o diabo, ou a av do diabo, eu lhe falarei. Estou resolvido a destrinchareste assunto.

    E, com essas palavras, correu antes dos outros e, fazendo o sinal da cruz, disse ao velhocavalheiro reclinado na cadeira:

    Em nome de So Francisco e de So... (e recitou o nome de dois ou trs santos queconsiderou suficientes para atemorizar o diabo), quem s tu?

    A gura no fez movimento ou pronunciou palavra. Mas quando lhe olharam a face, viramque, em lugar de seu ar digno de piedade e de seus gestos de quem pede pela vida,transformara-se no mais horrvel monstro que jamais se viu e tal como no posso descrever. Eque, no lugar das mos erguidas para pedir misericrdia, havia agora duas adagas de fogo, queno amejavam, mas eram incandescentes e terminavam numa ponta que era uma chamaazulada. Numa palavra, viram o diabo ou alguma outra coisa na mais temvel forma que podeser imaginada. E fui de opinio, quando primeiro li a histria, que os bandidos de tal maneiracaram aterrorizados que a imaginao lhes construiu no pensamento, mais tarde, uma coisaainda mais terrvel do que o prprio diabo podia simular, ao aparecer.Seja, no entanto, como for, tal era a gura que, quando lhe chegaram perto, nenhum delesteve a coragem de encar-lo e muito menos de falar-lhe. E aquele que foi to atrevido a pontode aproximar-se do velho, armado com todo um exrcito de santos, caiu ao solo, tendodesmaiado de pavor.Em todo esse tempo, o mordomo e seus trs homens permaneciam no andar de cima,extremamente preocupados com o perigo que corriam e esperando que, a cada momento, osladres tentariam forar a barricada nas escadas e cortar-lhes as gargantas. Ouviram obarulho confuso que se fazia embaixo, mas no podiam ter idia do que era e muito menos doque signicava. Mas, enquanto durou o rudo, passou pela cabea de um dos empregados queera certo que todos os bandidos se encontravam na saleta, e que, enquanto ali cavam,ocupados com o que quer que fosse, ele poderia subir ao teto da casa e jogar uma das granadas

  • de mo pela chamin, talvez logrando ferir os assaltantes.O mordomo aprovou o projeto, mas com um acrscimo:- Se voc limitar-se a atirar uma granada numa saleta, eles fugiro todos para a sala de jogos, eassim no sofrero prejuzo. Mas leve trs e coloque uma em cada chamin e assim eles nosabero para onde correr.Com essas ordens, dois dos homens muito conhecedores da casa subiram ao telhado e, pondofogo no pavio das granadas, colocaram uma em cada um dos tubos. Elas desceram chiandopelas chamins, com um barulho terrvel e (o que foi pior do que tudo) atingiram a saleta ondese localizavam todos os ladres, exatamente no momento em que o sujeito que falara com oespectro, atemorizado at desmaiar, caa ao cho.No se pode exprimir o grau de pavor que se apossou do grupo todo. Alguns correram de volta sala de jogos de onde tinham procedido e outros fugiram para a porta que se comunicava como salo, mas todos, no mesmo instante, ouviram o diabo, como pensavam, descendo pelachamin.Tivesse sido possvel que os pavios das granadas houvessem continuado a queimar no interiordo tubo das chamins, onde o vazio do lugar aumentava mil vezes o som e de onde a fuligem,entrando em combusto, caa em ocos de fogo, os bandidos teriam perdido o entendimento,imaginando que, assim como havia entre eles, na cadeira, um terrvel diabo, outros dez mildemnios desciam pela chamin para destru-los e, talvez, para carreg-los.No se podia isso passar. Assim, quando j o barulho os atemorizara o suciente, as bombaschegaram aos cmodos, todas as trs juntas. Aconteceu, como se fosse de propsito, que abomba destinada saleta onde todos se encontravam explodiu logo que chegou lareira. Notiveram tempo sequer para pensar no que seria, e muito menos para ter conhecimento segurode que se tratava de uma granada de mo. Mas, como lhes causou muito mal, eles acreditaramcom tanta certeza que era o demnio como acreditavam que o espectro sentado na cadeira debraos tambm o era.O rudo da exploso da granada foi to repentino e to inesperado que os deixou a todos namaior confuso. Tambm foram terrveis os estragos que, entre eles, a bomba causou. No sfoi morto o homem que desmaiara e que jazia no cho, mas tambm o foram dois outros.Cinco dentre eles sofreram ferimentos graves; um teve as duas pernas quebradas e de talforma sucumbiu ao desespero que, quando a gente dos arredores entrou na sala, matou-se coma pistola, para impedir que o prendessem.Se os outros houvessem fugido da saleta para os dois cmodos restantes, provvel quetivessem sido feridos pelas outras bombas. Mas, como ouviram o barulho em ambos os cmodosexternos e, alm disso, imaginavam que no se tratava de uma granada de mo, mas dodemnio, no tiveram poder para mexer-se. E se o pudessem no teriam sabido para onde ir.Por isso permaneceram imveis at que ambas as bombas nos outros cmodos explodissem.Ficando ento perplexos, tanto com o barulho quanto com a fumaa, e esperando que maisdemnios descessem pela chamin at onde estavam, correram todos para a porta principal,ajudando como podiam os feridos. Um entre esses ltimos morreu nos campos, depois dedeixarem a casa.Devo observar que, quando assim se alarmaram com o que no sabiam o que fosse que baixavapela chamin, gritaram que o diabo na cadeira mandara chamar mais demnios, para destru-

  • los. de supor que, se as bombas no houvessem sido jogadas, todos teriam fugido. E certo queo diabo artificial, juntando-se em momento to crtico aos diabos visionrios, ou o que quer quefossem, completou a desordem entre eles e forou-os a fugir.Quando chegaram porta onde estavam os dois homens de sentinela, chamaram oscamaradas que estavam postados nas avenidas que davam para a casa. Estes vieram eajudaram a carregar os feridos. Mas, depois de ouvirem o relato daqueles que tinham entradona casa e de se reunirem em conselho, um pouco adiante (reunio essa que o mordomo e osempregados puderam divisar, apesar da escurido), todos resolveram retirar-se.Ocorreu outro acidente que, embora no se relacione com o meu assunto, devo registrar, paracompletar a histria. Duas das granadas puseram fogo nas chamins, com os seus paviosacesos. A terceira, entrando por um tubo onde no havia fuligem, pois o aposento no haviasido muito usado, no ps fogo na chamin. O fogo, lanando chamas pelo telhado, como natural, foi visto por algum na aldeia, que correu, de imediato, e alarmou o padre, o quallevantou todo o povo, acreditando que algum desastre se passara e que a casa fora incendiada.Se o resto dos bandidos no houvesse resolvido afastar-se, como eu disse acima, teriamcertamente cado nas mos dos moradores da aldeia, que acorreram logo, com as armas queencontraram, para a casa. Mas os ladres haviam escapado, deixando, como cou dito atrs,trs do grupo mortos na casa e um nos campos.

  • OEspectroeoSalteador

    Uma histria nos conta que Hind, o famoso assaltante, o mais famoso desde Robin Hood,encontrou um espectro na estrada num stio chamado Stangate-hole, no condado deHuntingdon, lugar onde usualmente cometia seus roubos, e famoso por muito assalto deestrada, desde ento.O espectro apareceu na forma de um simples vendedor rural de gado. E como o diaboconhecia muito bem os lugares em que Hind se escondia e que freqentava, chegou a umahospedaria, ps o cavalo na cocheira e fez com que o hospedeiro carregasse a mala que trazia,que era muito pesada, at o quarto que alugara. Quando se viu no quarto, abriu a mala, retirouo dinheiro, que parecia estar contido em vrios pequenos embrulhos, e o colocou em no maisdo que dois sacos, distribudos de maneira a pesar igualmente dos dois lados do cavalo e achamar tanta ateno quanto possvel.E raro que as hospedarias que abrigam ladres no sejam freqentadas por espias, para queproporcionem aos primeiros as necessrias informaes. Hind soube do dinheiro, olhou ohomem, olhou o cavalo, para que os pudesse reconhecer. Apurou a direo para onde se dirigiao comerciante. Esperou-o e encontrou-o em Stangate-hole, bem no fundo da garganta entreas duas colinas, e o fez parar, dizendo-lhe que devia entregar o dinheiro.Quando Hind mencionou o dinheiro, o vendedor simulou surpresa, ngiu cair em pnico,tremeu, demonstrou bem o medo, e num tom digno de compaixo disse:

    No passo, como o senhor v, de um homem pobre! Na verdade, senhor, nodisponho de dinheiro.

    (Assim o diabo mostrou que podia dizer a verdade, quando isso lhe servia.)

    Seu velho vagabundo! - disse Hind. - Voc no tem dinheiro? Vamos, abra os seusalforjes e d-me os dois sacos, um de um lado da sela e outro, de outro. Como quevoc pode no dispor de dinheiro e, contudo, seus sacos so muito pesados paraficarem, os dois, de um lado s? Vamos, entregue o que tem, ou eu o farei empedaos neste mesmo momento.

    Ao dizer isso, claro que Hind se excedeu, pois pronunciou ameaas que no podia cumprir.O pobre diabo lamentou-se e chorou, e repetiu que o salteador deveria estar enganado; deviatom-lo por outra pessoa, porque ele, de fato, no tinha dinheiro.

    Vamos, vamos - disse Hind venha comigo.

    E tomou o cavalo do vendedor pelas rdeas e o conduziu para dentro da mata, muito densa deambos os lados da estrada, porque o negcio tomaria tempo e seria perigoso concluir na

  • estrada aberta.Quando se achava no interior da mata, disse:

    Vamos, senhor Vendedor de Gado, desmonte e d-me os sacos neste exatominuto.

    Em poucas palavras, fez o pobre homem desmontar, cortou as rdeas e as cilhas do cavalo,abriu os alforjes, onde deu com os dois sacos.

    Muito bem - disse Hind -, aqui esto eles, e to pesados quanto antes.

    Atirou-os ao cho e abriu-os com a faca: num ele encontrou uma corda para enforcar, oubarao, e noutro deparou com uma pea de estanho slido na forma exata de uma forca. E ocampons que se achava atrs dele disse:- Eis o seu destino, Hind. Tome cuidado! Se Hind cou surpreso com o que achou nos sacos -pois no havia um s centavo de dinheiro no saco onde deu com a corda -, mais surpreso aindacou ao ouvir o vendedor cham-lo pelo nome, e virou-se para mat-lo, pois julgou ter sidoreconhecido. Mas o sangue lhe gelou nas veias quando, virando-se (como eu disse) para mataro camarada, no deparou com mais do que o pobre cavalo.Caiu ao cho e ali permaneceu por um tempo considervel. No lhe foi possvel dizer quantotempo, porque estava sozinho, mas deve ter sido questo de muitos minutos. Voltando a si, porm, partiu aterrorizado ao mais alto ponto e envergonhado, pensando no que tudo aquilosignificava.Indiquei que no havia dinheiro num dos sacos, mas havia uma moeda no outro, moeda essaque a histria diz que era escocesa: uma moeda na Esccia intitulada de um "quatorze", o quecorresponde em ingls a treze pence e meio penny para pagar o carrasco. possvel supor queda tenha derivado o dito popular, at hoje em uso, de que treze pence e meio penny o soldodo carrasco.

  • OEclesisticodoTestamentoPerdido

    Conta-se esta histria do falecido reverendo doutor Scot, um homem eminente por suaerudio e piedade e cujo juzo era conhecido por ser to slido que dificilmente se abalava.O doutor, tal como me foi relatada a histria, estava sentado sozinho ao lado da lareira, sejaem seu estdio ou em sua saleta em Broad Street, onde vivia, e lendo um livro, com a portabem fechada e trancada. Ele tinha certeza de que no havia ningum mais no aposentoquando, erguendo casualmente a cabea, cou extremamente surpreso de ver sentado numacadeira de braos do outro lado da lareira um cavalheiro idoso e grave, com uma vestimentanegra de veludo, uma longa cabeleira, e olhando-o com uma sionomia agradvel, como seestivesse a ponto de falar.Uma outra pessoa que conta esta histria diz que o velho cavalheiro apareceu de p e, quandoacabava de abrir a porta do estdio e de nele penetrar, foi ele que saudou o doutor e primeirofalou com este ltimo. Mas a diferena entre as duas verses pequena.As duas verses concordam em que o doutor cou grandemente surpreso vista do visitante.E certo que v-lo sentado era o que havia de mais surpreendente, pois o doutor, vendo ovelho cavalheiro numa cadeira e sabendo que a porta estava trancada, devia imediatamente e primeira vista ter concludo que se tratava de um esprito, ou apario, ou o diabo, chamem-no vocs como quiserem. Se o tivesse visto perto da porta, deveria, primeira vista, supor queera realmente um cavalheiro que viera falar-lhe, e podia pensar que deixara de trancar aporta, como pensava ter feito.Mas, seja qual for a verso exata, o certo que o doutor entrou em grande desordem quelavista, como o reconheceu para as pessoas a quem contou a histria e da boca das quais ouvi orelato, tendo, portanto, havido poucos intermedirios entre o doutor e mim.Foi o espectro, ao que parece, que comeou a falar, pois faltou nimo ao doutor, como ele disse,de se dirigir apario. Digo que o espectro ou a apario falou em primeiro lugar e expressou odesejo de que o doutor no se amedrontasse ou se surpreendesse, pois no lhe causariaqualquer dano. Armou-lhe que vinha tratar de um assunto de grande importncia para umafamlia prejudicada e que corria grande perigo de ser arruinada, e que, embora o doutor fosseum estranho para aquela famlia, ainda assim, sabendo-o um homem ntegro, ele (o espectro)o escolhera para executar um ato de acentuada caridade e de justia, e que sabia que dele(doutor) podia depender em matria de execuo.O doutor no se encontrava de incio em condio de esprito que lhe permitisse receber bemesse prefcio com a ateno necessria, mas parecia antes inclinar-se a deixar o aposento, sepudesse, e fez uma ou duas vezes tentativas de chamar algum da famlia, o que pareceudesagradar um tanto apario.Mas parece que esse desagrado da apario era pena perdida, pois ele (doutor), como contoumais tarde, estava desprovido do poder de sair do aposento, mesmo se estivesse perto da porta,ou de chamar socorro, se algum estivesse disponvel.

  • Neste ponto a apario, vendo que o doutor estava ainda imerso em confuso, solicitou-lhenovamente que recuperasse o controle de suas emoes, pois nada lhe aconteceria de mal ouprprio a inquiet-lo; solicitou-lhe tambm que lhe permitisse explicar o negcio que a zeraaparecer, o qual, quando o doutor o houvesse escutado, dar-lhe-ia talvez menos causa paraficar surpreso ou apreensivo do que se mostrava agora.A essa altura, e dado o tom tranqilo com que foi pronunciada a explicao que figura acima, odoutor recuperou-se do susto para dizer, embora ainda sem segurana:

    Em nome de Deus, que s tu?Desejo que no se amedronte - repetiu a apario. - Sou um estranho para osenhor, e se lhe revelar o meu nome este nada lhe dir, mas o senhor podeexecutar a tarefa sem perguntar.

    O doutor ainda no se reconfortara e continuava inquieto e nada disse, por algum tempo.A apario voltou a dizer-lhe que no temesse, mas recebeu, em resposta, a mesma perguntaignorante:

    Em nome de Deus, que s tu?

    Ao ouvir isso, o espectro mostrou-se aborrecido, como se o doutor no o tivesse tratado com odevido respeito, e censurou-o um pouco, dizendo-lhe que o poderia ter aterrorizado at queobedecesse, mas que escolhera aparecer calma e tranqilamente. Usou outras palavras tocorteses que o doutor comeou a sentir-se melhor. Por fim, perguntou o doutor:

    Que quer o senhor de mim?

    Diante dessa pergunta, a apario, como que satisfeita, passou a contar a sua histria assim:

    Eu vivi no condado de... (no me lembro exatamente o nome do condado, mas eraum dos condados ocidentais da Inglaterra), onde eu deixei um excelente domnioque est agora nas mos de meu neto. Mas a posse est sendo disputada por meusdois sobrinhos, filhos de meu irmo mais moo.

    Nessa altura, ele revelou o prprio nome, o nome do neto, os nomes dos sobrinhos, mas eu notenho autorizao para publicar tais nomes, nem tal seria conveniente, por numerosas razes.Nesse ponto, o doutor interrompeu a apario, e perguntou-lhe por quanto tempo o netoestivera na posse do domnio. A apario respondeu que o neto possura o domnio por... anos,deixando implcito que morrera havia o mesmo nmero de anos.Prosseguiu a apario e disse ao doutor que seus sobrinhos combateriam com muita fora oneto no processo, e o expulsariam da manso e do domnio, o que o fazia correr o perigo de serinteiramente arruinado e de ver sua famlia reduzida pobreza.Ainda assim, o doutor no conseguia discernir o mago do assunto, ou o que poderia fazer paraajudar ou remediar o mal que ameaava a famlia, e, por isso, fez algumas perguntas apario. Pois agora se encontravam num p de maior familiaridade do que no incio.

  • Perguntou o doutor:

    E que posso eu fazer, se a lei estiver contra ele?Ora - respondeu o espectro no assiste qualquer direito aos meus sobrinhos. Mas ogrande instrumento de deciso, que o testamento, perdeu-se. E, por falta de taldocumento, o meu neto no lograr comprovar o seu ttulo propriedade dodomnio.Bem - disse o doutor -, e, mesmo assim, que poderei fazer no caso?Se o senhor proceder para a casa de meu neto, acompanhado por pessoas emquem possa confiar, eu lhe darei instrues que lhe permitiro localizar odocumento, que est escondido num lugar onde o coloquei com minhas prpriasmos e onde o senhor levar meu neto a encontr-lo, em presena do senhor.

    Mas por que motivo no pode o senhor orientar o seu prprio neto a fazer isso? - perguntou odoutor.

    coisa que no me deve perguntar. H diversas razes, de que poder tomarconhecimento mais tarde. Entrementes, s posso depender da honestidade dosenhor. E de tal forma eu arranjarei o assunto que suas despesas lhe seroindenizadas e receber uma retribuio generosa pelo trabalho que tiver.

    Depois dessa explicao e de diversas repreenses (pois no foi fcil convencer o doutor aseguir em tal tarefa at que o espectro pareceu zangar-se, e chegou mesmo a amea-lo pelofato de recusar), o doutor finalmente prometeu apario fazer o que esta queria.Obtida a promessa, a apario disse que o doutor poderia comunicar ao neto que conversaracom o av (mas no em que data e de que maneira) e pedir para visitar a casa, e que, numandar superior ou sto, ele encontraria grande quantidade de madeira velha, de cofresvelhos, velhos bas e coisas semelhantes, agora fora de moda, jogadas a um canto eempilhadas para permitir que ali se colocasse moblia mais moderna, cmodas, armrios eoutros mveis.Acrescentou que num determinado canto estava um certo ba velho com um cadeadoquebrado e, neste cadeado, uma chave que no podia ser virada na fechadura ou retirada.Neste ponto, descreveu-lhe minuciosamente o ba, tanto da parte de fora, o cadeado e acobertura, quanto da parte interior, e deu-lhe indicaes de um lugar escondido que nenhumhomem poderia achar ou a que poderia chegar, a menos que se zesse em pedaos o velhoba.- Em tal ba - disse o espectro - e em tal lugar est o grande documento ou testamento, queregula a herana, e sem o qual a famlia ser arruinada e posta na rua.Tendo dito isso, e prometendo o doutor seguir para o campo e executar tal importante tarefa,a apario, assumindo um aspecto muito agradvel e sorridente, fez os seus agradecimentos edesapareceu.Passados alguns dias e dentro do prazo fixado pelo espectro, o doutor partiu para o condado quelhe fora indicado. Chegando com muita facilidade casa do cavalheiro em questo, pelas

  • informaes que tinha recebido, bateu na porta e perguntou pelo proprietrio. Depois que osempregados lhe disseram que o dono da casa estava e de dizerem a este que um eclesistico oprocurava, o cavalheiro apareceu porta e, com muita cortesia, convidou o visitante a entrar.Depois que o doutor ali estivera por algum tempo, reparou que o cavalheiro o recebia com umacortesia inusitada, pois se tratava de um estranho e sem propsito ostensivo. Conversaram deforma muito amistosa, e o doutor simulou muito ter ouvido a respeito da famlia (como, defato, havia) e a respeito do av.

    De quem, ao que creio, senhor - disse ele -, o domnio lhe vem por via direta.Ai de mim! - respondeu o cavalheiro, e balanou a cabea. - Meu pai morreujovem, e meu av deixou as coisas em tal confuso que, por faltar um documentocapital, que ainda no foi encontrado, tenho enfrentado dificuldades que meerguem dois primos, filhos do irmo de meu av, que j me deram muita despesa arespeito da propriedade.

    A essas palavras, o doutor, parecendo um tanto curioso, disse:

    Mas tenho f em que o senhor j venceu tais dificuldades.No, na verdade - respondeu o cavalheiro -, para ser franco com o senhor. Nuncaas venceremos, a menos que possamos encontrar o testamento, o qual, noentanto, pretendo localizar, pois pretendo empreender uma busca completa domesmo.Desejo de corao que o senhor o localize - exclamou o doutor.No tenho dvida de que o encontrarei. Tive um sonho estranho a respeito doassunto, a noite passada.Um sonho a respeito do testamento? - perguntou o doutor. - Espero que tenha sidoum sonho feliz: de que o testamento seria encontrado.Sonhei - respondeu o cavalheiro - que um homem que eu nunca vira em minhavida vinha visitar-me e ajudava-me a procurar o documento. E possvel que oestranho seja o senhor.Teria grande prazer em ser tal homem - disse o doutor.O senhor pode ser o homem que me ajudar a procurar.Sim - afirmou o doutor -, eu posso ajud-lo a procurar, e isso farei de todo ocorao, mas preferiria ser o homem que o ajudasse a encontrar o documento.Quando pretende o senhor fazer a busca?Amanh - respondeu o cavalheiro - ou, pelo menos, assim eu havia planejado.Mas de que maneira pretende conduzir a busca?Ora - respondeu o cavalheiro -, nossa opinio que meu av estava to preocupadoem preservar esse documento, e sentia tanta desconfiana de que alguns que ocercavam tentariam retir-lo dele, se o pudessem, que o escondeu em algum lugarsecreto. E estou resolvido a pr a casa abaixo at ach-lo, se estiver acima da terra. possvel - ponderou o doutor - que ele de tal maneira tenha ocultado odocumento que seja necessrio destruir a casa, antes de encontr-lo, e talvez nem

  • assim o senhor o consiga. Sei de coisas semelhantes que se perderamcompletamente pelo cuidado que se tomou em preserv-las.Se fosse feito de material que o fogo no destrusse - adiantou o cavalheiro -, euporia fogo na casa para descobri-lo.Suponho que o senhor remexeu, vezes repetidas, todos os bas, malas e cofres deseu av?Claro - respondeu o cavalheiro -, revirei-os todos de cima para baixo, e l jazem,numa pilha, num grande sto, com nada dentro deles. Destrumos trs ou quatroem busca de gavetas secretas, e eu os queimei de raiva, embora fossem excelentesbas de cipreste, que custaram dinheiro quando estavam na moda.Lamento que os tenha queimado - disse o doutor.S os queimei depois de faz-los em pedaos e verificar que era impossvel quecontivessem alguma coisa escondida.

    Isso aliviou o nimo do doutor, porque este comeou a inquietar-se quando lhe foi dito quealguns bas haviam sido feitos em pedaos e queimados.

    Bem, senhor - disse ele -, se lhe posso prestar qualquer servio em sua busca,voltarei e v-lo-ei novamente amanh. Estarei presente ao seu trabalho de busca.No - respondeu o cavalheiro -, no pretendo apartar-me do senhor, uma vez queteve a bondade de me oferecer os seus servios. O senhor passar aqui a noite eparticipar da busca, desde o incio.

    O doutor conseguira o que desejava na medida em que se zera conhecido e desejado na casae chegara um certo grau de intimidade com o dono. Assim, embora simulasse que queria ir-se, no foi necessria muita insistncia para que permanecesse e consentiu em passar a noitena residncia do cavalheiro.Um pouco antes do cair da noite o cavalheiro convidou-o a dar um passeio pelo parque, masele declinou do convite com uma brincadeira.

    Eu preferiria, caro senhor - disse ele, sorrindo -, que o senhor me permitisse visitaresta bela manso que ser demolida amanh. Gostaria de ver a casa por uma vez,antes que o senhor a destrua.Com todo o meu corao - respondeu o cavalheiro.

    E assim levou-o para o andar superior, mostrou-lhe todos os melhores cmodos e toda amoblia e pinturas, e retornando ao topo da grande escada por onde haviam vindo, ofereceu -lhe descer novamente.

    Mas, senhor - disse o doutor por que no subimos mais acima?No h nada ali, a no ser stos e velhas malas cheias de coisas velhas, e umlugar que se comunica com o torreo e com a torre do relgio.Ora, deixe-me ver tudo, agora que estamos com as mos na massa - disse o doutor.- Adoro visitar velhas torres altas e torrees, as obras magnficas de nossos

  • ancestrais, embora estejam passando de moda agora. Rogo deixar-me v-las.O senhor ficar cansado - respondeu o cavalheiro.No, no - disse o doutor. - Se o senhor, que as viu tantas vezes, no se cansar, nome cansarei, posso assegurar-lhe. Por favor, subamos.

    O cavalheiro subiu e o doutor seguiu-o.Depois que haviam errado pela parte abandonada de uma velha casa, parte essa que nonecessito descrever, passaram por um grande aposento cuja porta estava aberta e em cujointerior havia uma grande quantidade de madeira velha.

    E que lugar este? - perguntou o doutor, olhando para dentro, mas no fazendomeno de entrar.Este o quarto! - disse o cavalheiro maciamente, porque havia um empregado queos acompanhava. - Este o quarto de que lhe falei onde esto todas as coisasvelhas: os bas, os cofres e as malas. Veja! Esto todos empilhados quase at o teto.

    Com isso, o doutor entrou e olhou em volta, pois este era o lugar a que fora mandado e quedesejava ver. Passara apenas dois minutos no aposento quando vericou que tudo estavaexatamente como o descrevera o espectro em Londres, seguiu diretamente para a pilha de quea apario lhe falara, e ps os olhos no prprio ba com o velho cadeado enferrujado, com achave que no virava na fechadura nem saa.

    Por Deus, senhor - disse o doutor -, o senhor teve bastante trabalho se remexeutodas essas gavetas e bas, e tudo o que pode haver neles.Na verdade, senhor - respondeu o cavalheiro -, eu esvaziei cada uma dessas caixase examinei todos os velhos escritos que contm, um por um, com alguma ajuda, verdade, mas ainda assim no houve uma s pea que no me passasse pelas mos.Bem, senhor - ponderou o doutor -, vejo que trabalhou seriamente, e acho que oassunto de grande importncia para o seu bem. Neste mesmo momento, umaestranha idia passa-me pela cabea. Ser que o senhor poder satisfazer minhacuriosidade, abrindo e esvaziando um pequeno ba que me chama a ateno? Podeno haver nada nele, pois o senhor sabe que nunca estive aqui antes. Mas tenho aimpresso que ele contm lugares secretos que o senhor no encontrou. possvelque em tais lugares nada se encontre, se existirem e forem achados.

    O cavalheiro olhou para o ba, sorrindo.

    Lembro-me muito bem de t-lo aberto. - E, virando-se para o empregado: - Will,no se lembra voc deste ba?Sim, senhor - respondeu Will -, lembro-me muito bem de que o senhor estava tofatigado que se sentou sobre o ba, quando havia retirado tudo do interior. Osenhor bateu com a tampa e mandou-me trazer uma limonada. O senhor disseque estava to cansado que se achava a ponto de desmaiar.Bem, senhor, eu s queria remexer o ba por uma imaginao minha, e muito

  • provvel que no haja nada nele.No tem importncia. O senhor o ver virado de cabea para baixo. E assimtambm ver todo o resto, desde que o queira.Meu caro senhor, se me fizer a vontade quanto a este, no o perturbarei mais.

    De imediato, o cavalheiro fez com que o ba fosse retirado da pilha e aberto, pois no estavatrancado - a chave nem o abria nem o fechava. O doutor, ngindo olhar para os papis eprestando pouca ateno ao ba, reclinou-se e meteu sua bengala no ba, mas retirou-a logo,como se tivesse cometido um engano. E, virando-se para o ba, fechou-lhe novamente atampa e sentou-se nele, como se estivesse muito fatigado.No entanto, aproveitou a oportunidade para falar suavemente com o cavalheiro, para quemandasse embora o empregado por um momento.

    Porque quero dizer-lhe uma ou duas palavras, sem que ningum nos escute. - Eento disse em voz alta: - Senhor, pode mandar buscar um martelo e um buril?Sim, senhor - disse o cavalheiro. - Vai, Will, buscar um martelo e um buril.

    Logo que Will se apartou, disse o doutor:

    Deixe-me dizer-lhe uma coisa. Encontrei o seu documento. Encontrei otestamento. Apostarei com o senhor uma centena de guinus como o tenho nesteba.

    O cavalheiro abriu novamente a tampa, pesquisou todo o interior do ba, mas no deparoucom nada. Confuso e espantado ele disse ao doutor:

    Que quer o senhor dizer? O senhor no nenhum mago. No h mais aqui do queum ba vazio. verdade - disse o doutor -, eu no sou um mago. Mas digo-lhe novamente que odocumento est neste ba.

    O cavalheiro voltou a chamar por seu empregado com o martelo. Mas o doutor sentou-se comtoda a calma sobre a tampa do ba.Por m, chegou o empregado com o martelo e o buril, e o doutor ps-se a trabalhar com o ba:bateu com o martelo no fundo.

    Oua - disse ele -, o senhor no ouve? No o ouve claramente?Ouvir o qu? - disse o cavalheiro. - Eu no o compreendo.Ora, o ba tem um fundo duplo, senhor, um falso fundo. O senhor no ouve obarulho de vazio?

    Numa palavra, eles imediatamente abriram o fundo e imediatamente encontraram opergaminho estendido no ba, como se estivesse numa gaveta.No me possvel descrever a surpresa e a alegria do cavalheiro e, logo depois, de toda a

  • famlia. Pois o cavalheiro mandou subir a esposa e duas de suas lhas ao sto, no meio detodas as coisas abandonadas, para ver no apenas o documento, mas onde fora achado e paradizer-lhes como o fora.Vocs podem facilmente supor que o doutor foi tratado com cortesias fora do comum pelafamlia e enviado (depois de ali passar uma semana) para Londres na prpria carruagem docavalheiro. No me lembro se revelou ou no o segredo ao cavalheiro. Quero referir-me aosegredo da apario, por meio da qual o lugar onde jazia o documento lhe foi revelado, e que oobrigou a vir at aquela casa para descobri-lo. Digo que no me lembro de tal parte da histria,mas no substantiva. Tudo o que me foi relatado da histria, eu o reproduzi. E a verdade dorelato me foi confirmada de tal maneira que no o posso pr em dvida.

  • UmaEstranhaExperinciadeDoisIrmos

    T. H., um cavalheiro de fortuna, filho mais velho da famlia (sendo o pai um baronete, homemde famlia honrada, e que ento ainda vivia), porque era um homem jovem e dado a prazeres,teve um caso com uma certa senhora, caso em que seu irmo mais jovem (mais do que eledado a prazeres) era seu rival. A mulher era bonita e no desprovida de meios, mas, emmatria de recursos, muito inferior ao irmo mais velho, cuja fortuna era calculada em duasmil libras por ano, dinheiro que lhe caberia pela morte do pai, Senhor G. H.O mais jovem dos dois irmos estava realmente apaixonado pela dama, e queria com ela casar-se se pudesse obter para tanto o consentimento do pai, e, por duas ou trs vezes, tinha faladocom o velho baronete a respeito do assunto. O pai no era muito contrrio idia, mas julgavaque a fortuna da dama era muito reduzida.Sir G. disse ao lho que, fosse ele o mais velho, no haveria diculdade no projeto, pois, comoo domnio estava livre de qualquer hipoteca, o herdeiro no teria necessidade de fazer fortunapor meio de uma mulher, mas que o irmo mais moo teria sempre de procurar uma fortunapara remediar-se. Costumava brincar com o lho e dizer-lhe que era essa circunstncia quelhe fazia admitir a sua maneira de viver; que um lho mais moo tinha de ser bonito, culto, devestir-se bem e ser alegre; que o primeiro devia ser visto com bons olhos pela corte; que osegundo o deveria ser pelas damas. Que o primeiro podia ser um tolo, capaz apenas de assinar onome, assobiar para os cachorros e de montar a cavalo. Mas, como era raro que o mais velhotivesse cabea, a natureza sabiamente dava esprito ao segundo e a propriedade ao mais velho.- Assim - disse o cavalheiro -, a situao de seu irmo muito diferente da sua.Era com tais argumentos bem-humorados que o velho cavalheiro procurava persuadir seu filhoa no casar-se com a dama. Mas no o proibiu de continuar em sua corte mesma,ameaando-o de retirar-lhe o apoio, a respeito de dinheiro. Assim, o jovem cavalheiro andavaabertamente em companhia da dama e, embora no lhe tivesse proposto casamento,projetava faz-lo.Por outro lado, o mais velho procurava a mesma senhora com um propsito diferente e muitopior, porque queria fazer dela sua amante e no sua mulher.Com esses diferentes projetos, os irmos muitas vezes se encontravam na casa damencionada senhora, ou seja, na casa da tia com quem ela vivia. Pois o pai lhe tinha falecidoe a me a abandonara, de forma que ela dependia de seu prprio critrio.O irmo mais velho contava com a seguinte vantagem em seu interesse: a senhora o amava eteria cado muito contente se ele a desejasse para casamento, mas tal no era o projeto dele.Numa palavra, o caso assim se resumia: o irmo caula amava a dama, mas esta amava o maisvelho.O irmo mais velho procurava vencer-lhe a virtude, e o caula procurava conquistar-lhe aafeio.Mas, como eu disse, correndo as coisas em favor do mais velho, a dama estava em perigo de

  • sacricar a honra pela paixo que a possua, e os honestos propsitos do irmo caula corriamo perigo de ser tambm sacrificados.Os dois jovens mantinham, cada um por seu lado, as suas pretenses, mas nenhum dos doisera to discreto a ponto de esconder do outro, em certa medida, que alimentava propsitosquanto dama, sem, no entanto, revelar inteiramente a natureza de tais propsitos. Noentanto, como muitas vezes se encontravam no apartamento da senhora, era impossvel quese passasse muito tempo antes que entrassem numa conversa sobre o assunto, e isso osenredou numa confuso, como j o veremos.O irmo mais velho comeou uma noite a tratar do assunto com o caula, de maneira umtanto rude.

    Jack - disse ele ns dois muitas vezes damos um com o outro aqui. Eu no entendoisso. Por favor, diga-me o que pretende? um tanto esquisito que dois irmostenham a mesma amante. No nos comportemos como italianos, meu caro Jack.No - disse Jack -, que pretende voc? Se algum de ns est errado, creio que voc.No - respondeu T. -, no estou de acordo. Estou certo. Estou seguro disso. Sempreestou, e estarei certo. Por favor, tome nota disso.No tomo nota de nada. Todo o mundo sabe que estou certo e continuaro a sab-lo e voc tambm o saber, Tom.Por favor, Jack - disse Tom -, procure alterar uma parte de seu comportamento.Que comportamento? No o compreendo. Mas se o compreendesse, no sei dequalquer comportamento meu que esteja errado, e no modificarei nada emminha maneira de comportar-me.Trata-se de que, quando o encontro aqui, o que me parece excessivamentecomum, observo que voc sempre se esfora para permanecer depois que eu saio epara me fazer sair. Digo-lhe que isso no me agrada.Em nada modificarei essa maneira de proceder, posso garantir-lhe - disse Jack. -Parece-me que tenho mais que fazer aqui do que voc. E, quanto a vocencontrar-me aqui com muita freqncia, o aborrecimento recproco. Parece-me que voc vem com freqncia excessiva, a menos que entretenha umpropsito honesto.Voc muito impertinente, senhor Jack, com seu irmo mais velho. Penso quetenho de amans-lo um pouco - disse Tom.Ora, meu bom irmo mais velho - respondeu Jack -, quando voc for um baronete,voc poder assumir esses ares de importncia. Mas at ento, no tem direito areverncias, como parece pensar.Olhe aqui, Jack - disse Tom eu no estou brincando com voc, e no quero quebrinque comigo. A melhor resposta que um cavalheiro d a uma brincadeira umtapa na orelha, ou uma bengalada.Ora, caro senhor - respondeu Jack -, devo considerar-me um cavalheiro igual avoc, ou seno no seria seu irmo. E, como voc parece disposto a falarseriamente, peo-lhe vnia para dizer que serei tratado como um cavalheiro. E, se

  • voc no sabe como faz-lo, eu o ensinarei.

    Ambos estavam agora de cabea quente. Pois, diante das ltimas palavras do irmo maismoo, o mais velho tomou da bengala, ao que o mais jovem lanou mo da espada.- Olhe - disse ele -, se est disposto a tratar seu irmo de tal maneira, tenha em conta que olho de meu pai pode ser morto, mas no se submeter a bengaladas, e eu no as suportarei desua parte. Estou a seu dispor, no momento que quiser.Algumas pessoas que ali estavam, amigos de ambos, se interpuseram e os separaram naquelemomento. Mas voltaram a encontrar-se no mesmo lugar e, embora tivessem decorrido dois,trs ou mais dias, logo ingressaram na mesma espcie de discusso. O pior que era o maisvelho, logo aquele dos dois a quem no assistia razo, quem comeava a disputa.Aconteceu que deram um com o outro na residncia da dama e foram levados sala de visitas,mas, desafortunadamente, a senhora no se encontrava em casa. Ela havia dito empregadaque, se os cavalheiros viessem no estando ela em casa, nunca os deixasse entrar juntos, ou,pelo menos, no os colocasse no mesmo aposento, pois havia percebido que comeavam airritar-se um com o outro. Ela sabia que ambos eram esquentados e raivosos e temia algumadesgraa entre eles, embora fossem irmos.Mas alguns dos empregados da tia da dama tendo atendido porta, quando o irmo mais velhobateu, conduziram-no mesma sala onde o mais jovem aguardava o regresso da senhora.Isso teve tanta inuncia no que se seguiu, como se o diabo, que est sempre pronto a armardas suas, o houvesse arranjado de propsito, pois logo que os dois irmos se encontraramcomearam a discutir.

    Bem, Jack - disse o mais velho -, voc continua a fazer daqui um de seus lugaresfavoritos, apesar do que eu lhe disse.Eu, de fato, no compreendo a sua maneira de falar - respondeu Jack. - Vocparece tomar comigo uma liberdade a que no tem qualquer direito.Que liberdade eu tomo? - perguntou o mais velho. - Quis saber o que o traz casada Senhora...? Foi isso tomar excessiva liberdade? E volto a perguntar a mesmacoisa; isso uma ofensa?E eu lhe respondi que no lhe prestaria contas do que fao, no verdade? Foi issouma ofensa para voc? Se foi, no sei o que fazer. Dar-lhe-ei agora a mesmaresposta. No tenho idia do que voc pretende, fazendo tal pergunta.Sei o que quero dizer com ela, e espero uma resposta melhor. o que lhe digo empoucas palavras - respondeu o mais velho.Se voc quer transformar isso numa briga, seja bem-vindo - disse.Direi tudo em to poucas palavras quanto voc quiser. Diga-me o que deseja, e teruma resposta direta ou uma recusa direta.Ora, minha pergunta curta - disse o mais velho. - Por que motivo voc visita aSenhora...? fcil compreender a pergunta.Eu responderei com a mesma pergunta - disse Jack. - Por que motivo voc a visita?Ora, isso uma resposta to grosseira quanto possvel dar a um irmo mais velho- disse o morgado - e cheia de despeito. Mas melhor responder em poucas

  • palavras. Eu a visito por um motivo que no suporta rivais. Espero que voc mecompreenda agora.Bem, e eu fao o mesmo - disse Jack -, mas h entre ns uma questo que decidirquem tem direito, e essa questo consiste em saber quem a visitou primeiro?Ora, isso verdade - disse o mais velho - em muitos casos, mas no em amor. Emtal caso, a prioridade de nada vale. No questo que me preocupe.Ento, tambm no h fora em ser o irmo mais velho. Tambm essa questono me preocupar.No, no - disse o mais velho. - No o espero. No h parentesco quando seprocura uma mulher. No existe para mim irmo ou pai, tio ou primo, quando faloem minha amante.Muito bem - disse Jack -, agora voc me respondeu melhor do que pretendia. Etalvez cheguemos a um entendimento mais cedo do que eu pensava.Que quer voc dizer, por um entendimento?Que quero dizer? Quero dizer que voc corteja a Senhora... para fazer dela umaprostituta.Use melhores palavras, Jack - disse o mais velho. - Quero dela fazer uma amante.No h melhores palavras. Uma prostituta uma prostituta. Diga o que quiser.Para mim a mesma coisa.Bem, supondo que voc tem razo, que que voc tem que ver com o assunto?Ora, suponha que eu cortejo a mesma senhora para transform-la em minhamulher. Creio que nesse caso estou em melhor posio.No, em absoluto, Jack. No permitirei que faa sua mulher de minha amante.Nem posso eu permitir que voc transforme em prostituta a minha mulher.Mas no terei escrpulos nisso, posso assegurar-lhe - disse o mais velho -, desde queela consinta. Por mais que voc seja meu irmo, farei o que desejo, se puder.E no lhe enganarei: consinta ela ou no, eu lhe cortarei a garganta por essemotivo, por mais irmo meu que voc seja.Muito bem, Jack - respondeu o mais velho -, ento eu sei o que posso esperar devoc. verdade - disse Jack a velha regra dos cavalheiros andantes. Conquiste-a e use-a.E o que deve ser feito ento? - perguntou o mais velho.No lhe preciso dizer o que deve ser feito. Digo-lhe que ela minha mulher. Pensoque basta dizer isso para que voc saiba o que fazer.E eu lhe digo - respondeu o mais velho - que ela minha amante. Basta dizer-lheisso. Voc um corno, ou o ser. Penso que justo dizer-lhe issoantecipadamente.E penso que isso consiste em dizer-me que devo cortar-lhe a garganta. Pois nuncaserei um corno, ou deixarei que algum assim me chame.

    Isso falando, o irmo mais jovem levantou-se numa raiva violenta e saiu, e o irmo mais velho,to esquentado quanto ele, disse-lhe que fazia bem em deixar-lhe o lugar.

  • Tal afirmao ainda mais irritou o mais moo e, voltando-se para o mais velho, exclamou:

    Espero que voc tenha a cortesia de acompanhar-me.No, Jack - respondeu o mais velho, e praguejou. - Voc no lutar por minhaamante e por minha propriedade, ao mesmo tempo. Tomarei primeiro, medidaspara que voc nada consiga com essa luta.De todo o corao - replicou Jack. - Damos a um bandido na forca tempo pararezar.Eu corrigirei seu atrevimento amanh de manh, sem falta - disse o mais velho. preciso que eu espere tanto tempo? - respondeu Jack e acrescentou alguma coisamuito amarga, para significar que o irmo era muito covarde para lutar. Mas foi ocontrrio que aconteceu, porque naquela mesma noite ele recebeu um desafio domais velho, indicando o lugar e o tempo para que se encontrassem no dia seguinte,s cinco da manh.

    Os dois inconsiderados e esquentados jovens foram levados a esse ponto de raiva antes pelaviolncia de seus temperamentos e paixes do que por cime real, porque qualquer um dos doismal comeara a envolver-se com a dama. Mas, como eram ambos de cabea quente eteimosos, ergueram a tempestade entre os dois e, coincidindo o fsforo e a madeira, a chamase elevou devido mera natureza das coisas.Meu propsito no , porm, fazer reexes morais, mas relatar o fato. Feito o desao, notinham mais que fazer do que encontrar-se, lutar, servir um de assassino do outro, e entregaras conseqncias ao curso do tempo.O pai, o bom velho cavalheiro, ainda vivo na poca, nada podia saber do que se passava entreseus filhos, porque estava morando, naquele mesmo tempo, em sua casa de campo no condadode W..., a sessenta milhas pelo menos de Londres.Cedo da manh, segundo o combinado, os irmos se prepararam para o duelo, e seguiram, porcaminhos diferentes, para o lugar de encontro, pois moravam em diferentes partes da cidade.O irmo mais novo, cujo sangue parece era o mais quente, foi o primeiro a sair e malamanhecera quando chegou ao lugar escolhido. Ali ele viu seu irmo, como sups, andandoapressadamente de um lado para o outro, como se esperasse com impacincia a vinda dele.

    Ora - disse ele com seus botes -, estou certo de que cheguei cedo. No entanto,no fique impaciente, irmo Tom. Breve estarei com voc.

    E, com essas reexes, apressou o passo. No dera muitos passos, no entanto, quando viu oirmo, como ainda julgava que fosse, vindo como que para encontr-lo, e com a espadadesembainhada.Voltou a falar com seus botes: - Voc muito lento com sua espada. Pensou que eu no lhedaria tempo para desembainh-la?Como cou, porm, surpreendido quando, chegando perto da gura, vericou que no setratava do irmo, mas do pai e que, em vez de ter na mo uma espada, tinha apenas umapequena bengala, como a que o velho cavalheiro usava para caminhar.

  • Ele cou ainda mais estupefato porque supunha que seu pai, como eu disse acima, seencontrava em sua casa de campo, a uma distncia de cerca de sessenta milhas. No entanto,no lhe restou qualquer dvida quando no apenas o viu ainda de mais perto, mas quando o pailhe falou.

    Ento, Jack? - disse o velho cavalheiro. - Voc desafia seu pai e lhe mostra aespada?

    De fato, Jack, quando sups que via o irmo com a espada na mo, desembainhara a prpriaespada.

    O senhor pode estar certo - afirmou ele - que no supunha que se tratava dosenhor. No tenho dvidas de que sabe quem eu esperava encontrar aqui. umamanobra pobre e covarde a dele: primeiro desafiar-me, e depois mandar o senhor.O senhor no teria agido da mesma maneira, quando jovem.J no momento para falar, Jack - disse o pai. - Tenho aqui o seu desafio e vimlutar com voc, e no conversar. Portanto, empunhe sua espada. Voc sabe queno h consideraes de parentesco quando surgem brigas por causa de amor.

    Com essas palavras, o pai tirou da espada e avanou contra ele.

    Tirar da espada! - exclamou Jack. - E contra meu pai? Que o cu no o permita!Deixar-me-ei matar primeiro.

    Mas, voltando o pai a avanar e com uma sionomia furiosa como se, de fato, fosse mat-lo,Jack retirou a espada e a bainha e atirou as duas coisas no cho, gritando:-Tome-as, senhor, mate-me com elas. Por Deus, que quer o senhor?Mas como aquele que lhe parecia o pai correu para ele, Jack apartou-se e, pondo-se de um saltofora de seu alcance, pareceu resolvido a deitar a correr. Visto isso, o pai inclinou-se, pegou-lhea espada e ficou quieto.O jovem, surpreso e espantado com o encontro, mergulhou em terror e confuso, e no sabiao que fazer. Mas, voltando atrs muitos passos e observando que seu pai partira, como pensava,resolveu que, mesmo no dispondo de espada, iria at o lugar do encontro e veria se seu irmohavia vindo. Pois, por mais que estivesse desarmado, o irmo no poderia dizer que ele noviera.Nessas condies, foi para o lugar escolhido e sentou-se no cho, esperando ali por duas horas,mas nada viu de seu irmo. Mas, quando de l saiu ao m de duas horas, ele encontrou aespada jazendo no cho onde fora atirada, ou to perto de tal lugar quanto podia imaginar,embora estivesse seguro de que ali no estava quando passou pela segunda vez no mesmolugar.Isso o tornou muito curioso, e no sabia que explicao dar ao ocorrido. Mas pegou da espada efoi para casa, pensando no sentido que teria aquilo tudo.No passara muito tempo em casa quando o empregado do irmo mais velho veio aos seusaposentos com uma mensagem muito corts do patro, que queria saber como ele passava. O

  • empregado tinha ordens para perguntar, de parte do irmo, se alguma coisa de extraordinriolhe acontecera aquela manh e de dizer-lhe que o irmo mais velho estava muito enfermo,motivo por que no viera em pessoa.O carter estranho da mensagem aumentou a surpresa que sentira antes. Por esse motivo, elechamou o mensageiro e com ele manteve a seguinte conversa:Jack - Que se passa, Will? Como passa meu irmo?Will - Meu patro manda saudaes a Vossa Senhoria, e quer saber como passa.Jack - Na verdade, no estou inteiramente bem, mas como est seu patro? Que se passou?Will - Para dizer a verdade, no sei o que se passa. Penso que alguma coisa amedrontou seuirmo esta manh.Jack - Amedrontou, Will? O que o amedrontou? No fcil amedrontar seu patro.Will - Sim, verdade. Mas alguma coisa extraordinria se passou. No sei o que foi, porque noestava a seu lado. Dizem na casa que ele viu o pai, ou viu uma apario na forma de seu pai.Jack - Ora, eu tambm vi. Agora, voc me amedronta, porque me pareceu coisa de poucaimportncia antes. Penso que era certamente meu pai.Will - No era, senhor, infelizmente. Seu pai? Ora, meu velho patro estava em... no condadode... e muito doente, sexta-feira passada. Eu vim de l. Seu irmo mandou-me a ele com umamensagem.Jack - E voc o viu pessoalmente, Will?Will - Se Vossa Senhoria quiser que eu jure, eu jurarei. Eu o vi e falei com ele, e ele estavamuito doente. Estou certo de que Vossa Senhoria acredita que conheo meu velho patro.Jack - E claro que o conhece. Creio que passou quatro anos com ele, no passou?Will - Eu o vesti e despi por cinco anos e meio. E posso dizer que o conheo com suas roupas ousem as roupas.Jack - Bem, William, espero que voc concorde que eu tambm conheo meu pai, ou aquele aquem tenho chamado meu pai por estes ltimos trinta anos.Will - Claro.Jack - Bem, diga ento a meu irmo que eu vi meu pai ou o diabo. Vi e falei com ele. Estouamedrontado.Seguiu Will de volta, com esta mensagem, para seu patro, e este, juntamente com Will, veioter com seu irmo.Logo que entrou no aposento do irmo, correu para ele e beijou-o.

    Querido Jack - disse ele -, que se passou conosco hoje? Ns dois bancamos os tolos;mas perdoe-me e diga-me o que se passou.

    Jack recebeu-o com todo o amor e ternura imaginveis e os dois entraram imediatamente acomparar experincias. Will contara ao irmo mais velho o que lhe mandara dizer o maisnovo: que vira o pai e com ele falara. E agora o mais novo contou todos os detalhes como osrelatei acima: que o pai avanara para ele com tal fria que realmente pensou que o mataria, eque fugira.O mais velho contou sua histria com o mesmo propsito: que, quando vinha para o lugarescolhido, o pai o encontrara e perguntara-lhe aonde ia. Que respondera com uma inveno,

  • e dissera que ia a Kensington para ali reunir-se com alguns cavalheiros, que seguiriam com elepara Hampton Court.Disse que a essa altura o pai se zangara.

    E observei - afirmou ele - que seu rosto tornou-se vermelho como o fogo. Bateucom o p, como costumava fazer quando o provocavam, e disse-me que eu oenganava com uma mentira; que conhecia meu destino to bem quanto eu; queeu ia assassinar meu irmo mais moo, e que ele viera satisfazer minha fria comseu sangue, e que eu devia assassin-lo, em vez de matar meu irmo.Fiquei to confuso - acrescentou o mais velho - que nada pude dizer por um bomtempo. Recobrei o controle, no entanto, e ia desculpar-me, quando se enfureceuainda mais. Quando lhe disse que entretinha intenes to honestas para com aSenhora... quanto as suas, ele me chamou de mentiroso. E ele estava certo. Disse-me, em resumo, que eu a cortejava para corromp-la, mas que voc a cortejavahonradamente para com ela casar-se, e que ele lhe dera seu consentimento. Nosoube o que responder e ento pedi-lhe perdo. Assim, mandou-me voltar paracasa e reconciliar-me com meu irmo, ou ele usaria para comigo outroprocedimento, na prxima vez que me visse. E agora, caro Jack - disse o maisvelho -, vim para pedir-lhe perdo, no apenas em obedincia a meu pai, mas devontade prpria, porque estou convencido de que o ofendi muito.

    Podem ter certeza de que os irmos tornaram- se imediatamente to bons amigos quanto emqualquer poca em que o haviam sido em suas vidas. Mas, contudo, Jack no sabia ao certo sevira a aparncia real de seu pai, e as palavras do empregado do irmo no lhe deixaram acabea em paz a noite toda. Pois o encontro entre os dois irmos fora to ocupado pelosxtases da reconciliao que no lhe sobrou tempo para mais nada.Na manh seguinte, o jovem cavalheiro tornou a ver o irmo, para pagar a visita e voltar afalar nos assuntos que lhes interessavam.

    Caro irmo - disse Jack -, inquieta-me uma parte de nossa histria. Estou contentede que tenhamos voltado a entender-nos, mas no consigo saber quem fez a pazentre ns. Se o que diz o seu empregado Will for verdade, o pacificador no foimeu pai.Sim - disse o irmo -, Will contou-me que na sua opinio era meu pai ou o diabo.Sim, eu disse isso - afirmou Jack - mas isso era para significar certeza de que no setratava de meu pai, e no que eu supunha que fosse o demnio. Mas, diga-me, porfavor, faz quanto tempo meu pai est na cidade?No - disse o mais velho -, eu no sabia que ele estava na cidade. Mas que eu o vieu sei muito bem.Mas voc no mandou Will procur-lo no campo? E possvel que ele tenha vindodesde ento, em to pouco tempo?Sim, ele pode ter vindo - respondeu o mais velho. - Muitas vezes ele faz todo ocaminho em pouco mais de um dia; algumas vezes num dia. Voc sabe que seis

  • cavalos andam depressa.Mas, por favor, qual a sua opinio? Voc o viu to bem quanto eu. Era realmentemeu pai? Seu empregado Will diz que impossvel. Alm disso, ele diz que meu paiestava enfermo e de cama.Will diz que ele no estava bem, mas no disse que estava de cama. Mas confessoque nunca cogitei nesse problema. Era certamente meu pai! Quem mais poderiaser? Como voc disse, irmo, deveria ser meu pai ou o demnio.No, tambm no sei o que dizer quanto a ser demnio. Creio que no h entre odiabo e meu pai qualquer forma de correspondncia.Alm disso, irmo - respondeu o mais velho -, por que o diabo nos quereria tantobem a ponto de preocupar-se em reconciliar-nos? Creio que ele teria preferido ver-nos matar um ao outro, como estvamos prestes a fazer.Eu acredito - disse J