dan a das sombras a est tica do cinema expressionista alem o na fotografia

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC Bianca de Araujo Dança das Sombras A estética do cinema expressionista alemão na fotografia São Paulo 2011

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Page 1: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

Bianca de Araujo

Dança das Sombras

A estética do cinema expressionista alemão na fotografia

São Paulo

2011

Page 2: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

1

BIANCA DE ARAUJO

Dança das Sombras

A estética do cinema expressionista alemão na fotografia

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Campus Lapa Scipião, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Fotografia.

Orientadores:

Profª. Ana Lúcia Reboledo Sanches

Prof. Flávio Brito

São Paulo

2011

Page 3: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

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Aluna: Bianca de Araujo

Título: Dança das Sombras - A estética do cinema expressionista alemão na fotografia

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Campus Lapa Scipião, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Fotografia. Orientadores Profª. Ana Lúcia Reboledo Sanches Prof. Flávio Brito

A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão em sessão pública realizada em __/__/____, considerou o(a) candidato(a):

1) Examinador(a) 2) Examinador(a) 3) Presidente

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3

Dedico este trabalho a todos os

amantes do cinema de horror

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4

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores que, nesses quatro anos, me

proporcionaram o conhecimento necessário para a realização deste e muitos

outros trabalhos, bem como a conclusão de mais uma etapa importante na minha

vida. Aos meus orientadores por me emprestarem seu conhecimento e seus

livros, especialmente a Ana Lúcia que a parte disso também proporcionou imenso

apoio moral. A Natana, Fernanda e Gabriel pelo maravilhoso desempenho em

frente à minha lente. Ao incentivo das amigas queridas e principalmente a minha

mãe por todo o apoio durante todos os anos da minha vida e pelas visitas

freqüentes à locadora desde muito cedo.

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5

D'O Gabinete do Dr. Caligari escapou um grito que ecoará para

sempre.

Luiz Nazário.

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6

RESUMO

A seguinte dissertação explora os elementos estéticos do cinema expressionista

alemão com o intuito de apontar sua potencialidade fotográfica. O movimento

expressionista é contextualizado historicamente, tendo como base a bibliografia

especializada sobre o tema, desta maneira, é possível construir uma base sólida

para o estudo mais aprofundado dos elementos presentes no cinema considerado

expressionista, tais estudos tiveram base teórica e foram complementados por

uma análise das obras dos principais mestres da cinematografia expressionista.

Para concluir a pesquisa, os conhecimentos adquiridos durante o estudo foram

aplicados no projeto fotográfico elaborado a partir das análises realizadas. Os

resultados revelam que a linguagem fotográfica tem a capacidade de reproduzir a

essência do cinema expressionista em sua totalidade, contudo, a compreensão

prévia do tema e seus elementos estéticos mostra-se indispensável para a

realização de tal projeto.

Palavras-chave: cinema; fotografia; cinematografia; expressionismo alemão.

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ABSTRACT

The following research explores the aesthetic elements of German expressionist

cinema in order to point out its photographic potential. The history of the

expressionist movement its put into context based on specialized bibliography,

building a solid base for a deeper study of expressionist cinema and its elements,

such studies had a theoretical base supplemented by the analysis of works

involving the greatest masters of expressionist cinema. To conclude the research,

the information acquired in the course of the study was applied in the photographic

project developed from the accomplished analysis. The results reveal that the

photographic language has the potential to reproduce the essence of expressionist

cinema in its entirety; nevertheless, a previous comprehension of the theme and

its aesthetic elements proves to be vital to the accomplishment of such project.

Keywords: cinema; photography; cinematography; German expressionism.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Edvard Munch, O Grito, têmpera em cartão, 1893............................ 15

Captura 1 – Assassinato acompanhado através da sombra ............................... 26

Captura 2 – Deformação no cenário .................................................................... 28

Captura 3 – Deformação no vestuário e maquiagem dos personagens .............. 29

Captura 4 – Exemplo de paisagem expressionista .............................................. 30

Captura 5 – Exemplo de animização I ................................................................. 51

Captura 6 – Exemplo de animização II ................................................................ 51

Captura 7 – Sombra ............................................................................................. 33

Captura 8 – A rua expressionista ......................................................................... 34

Captura 9 – Livro ..................................................................................................36

Captura 10 – Olheiras .......................................................................................... 37

Captura 11 – Cena de Suspeita de Alfred Hitchcock, 1941 ................................. 47

Captura 12 – Cena de Pacto Sinistro de Alfred Hitchcock, 1951 ......................... 47

Captura 13 – Cena de Krysar - Jiri Barta ............................................................. 49

Fotografia 1 – Quebra-mar em St. Malo, 1942 – Albert Renger-Patzsch ............ 53

Fotografia 2 – Irina Ionesco s/d ............................................................................ 56

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Fotografia 3 – Irina Ionesco s/d ............................................................................ 56

Fotografia 4 – Capa do livro Nudes, 1996 - Irina Ionesco .................................... 57

Fotografia 5 – Irina Ionesco s/d ............................................................................ 57

Fotografia 6 – Milena, 1972 - Irina Ionesco .......................................................... 58

Fotografia 7 – Irina Ionesco, s/d ........................................................................... 58

Fotografia 8 – Hanna Schygulla, s/d – Evgen Bavcar …………………………….. 59

Fotografia 9 – Caligula's head, Naples, s/d – Evgen Bavcar …………………….. 60

Fotografia 10 – The hand on the stone, Pompeii, s/d – Evgen Bavcar …………. 60

Fotografia 11 – Geneva with the eagle, s/d – Evgen Bavcar …………………… 61

Fotografia 12 – Stairs with shadows, s/d – Evgen Bavcar ………………………... 61

Fotografia 13 – Making of …………………………………………………………….. 64

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................ 6

ABSTRACT ............................................................................................................. 7

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ...................................................................................... 8

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11

2 O MOVIMENTO EXPRESSIONISTA ................................................................. 13

2.1 Pré e pós primeira guerra mundial: as duas fases do movimento. ........... 14

3 CINEMA EXPRESSIONISTA ALEMÃO ............................................................. 19

3.1 Início ............................................................................................................ 19

3.2 A influência do teatro ................................................................................... 21

3.3 Surgimento de uma linguagem cinematográfica própria .............................. 24

3.4 Estética e elementos característicos ............................................................ 25

3.5 Principais filmes e diretores ......................................................................... 38

3.6 Os fragmentos do expressionismo pelo mundo ........................................... 45

4 FOTOGRAFIA .................................................................................................... 50

4.1 A fotografia cinematográfica de Fritz Arno Wagner ..................................... 50

4.2 Nova Objetividade ........................................................................................ 51

4.3 Referências fotográficas expressionistas ..................................................... 54

5 PROJETO .......................................................................................................... 62

5.1 Produção ..................................................................................................... 63

5.2 Resultado ..................................................................................................... 64

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 73

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 75

GLOSSÁRIO ......................................................................................................... 79

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1 INTRODUÇÃO

O Expressionismo foi um movimento artístico que teve seu início nas artes

plásticas em 1905, surgiu inicialmente do diálogo entre as vanguardas européias

para depois se isolar na Alemanha, onde desenvolveu uma linguagem formal

própria. O ápice do movimento se deu num período conturbado da história da

Alemanha, que se estende desde o começo da Primeira Guerra Mundial até as

vésperas da Segunda, chegando ao seu fim definitivo em 1933 quando a tomada

de Hitler ao poder dá um ponto final ao movimento dentro do país, não o

impedindo, contudo, de continuar vivo através das décadas ao redor do mundo.

O momento histórico por qual o país passava será decisivo na construção

da estética expressionista, que surgiu quebrando com as regras do

Impressionismo e do Naturalismo, os quais enfocavam uma maneira realista de

reproduzir o mundo, essa visão era ultrapassada para o novo movimento, já que

para os expressionistas não havia mais sentido em continuar reproduzindo o

mundo tal como ele era, o que eles tentavam agora era reproduzir uma

visualização subjetiva dos sentimentos. A principal característica do

Expressionismo seria então o foco no “eu”, os artistas passariam a trabalhar

técnicas de expressar seus sentimentos interiores, exteriorizando-os através da

abstração total da realidade, daí o nome Expressionismo, que vem de

“expressão”. A busca pela “expressão mais expressiva” com foco no "eu" está

presente desde obras das mais primordiais do movimento como O Grito de

Edvard Munch, e se mantém até o final do movimento passando das telas de

pintura para as telas de cinema em filmes como O Gabinete do Dr. Caligari.

O Expressionismo marcou a Alemanha para sempre na história da arte e

teve como principal contribuição para a humanidade o produto final do

movimento, que é justamente o cinema expressionista. Visto que o movimento

englobou diversas formas de arte, este trabalho se limita a destacar seus campos

mais concretos e significativos discorrendo, num primeiro momento, sobre o que

foi o movimento expressionista desde sua essência dando enfoque ao quadro

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histórico da Alemanha, dividindo-o em pré e pós Primeira Guerra Mundial, a

queda do Império Guilhermino e o nascimento da República de Weimar,

explicando como estes eventos influenciaram nas transformações do movimento

para depois dar um enfoque mais detalhado sobre o teatro e o cinema,

destacando os elementos estéticos que formaram a linguagem cinematográfica

desse período, como a cenografia, os princípios de estilização do cenário,

vestuário, maquiagem e expressão corporal, assim como o uso do claro-escuro,

além de ter apresentado pela primeira vez na história uma maneira não realista de

pensar a imagem e passar dramaticidade fazendo, ao mesmo tempo, o público

trabalhar os simbolismos que os elementos em cena representam. O objetivo

principal é, a partir da ambientação sobre a história do movimento, destacar o

desenvolvimento do cinema expressionista, estudar seus elementos estéticos e

apontar sua potencialidade fotográfica e plástica, através de filmes-chave, que

estão presentes, sobretudo, nas obras de diretores como F. W. Murnau, Robert

Wiene e Fritz Lang, assim como na fotografia cinematográfica construída pela

câmera de Fritz Arno Wagner, tais nomes calcarão para sempre o cinema

expressionista na história, que se destaca pela abstração exagerada e o uso de

elementos fantásticos e inovadores que, mais tarde, se disseminariam para o todo

o mundo, sendo possível enxergar seu reflexo em fragmentos mixados em

diversas obras através das décadas, até os dias atuais, não deixando dúvidas

quanto à importância do Expressionismo para a história do cinema. A partir deste

estudo, o objetivo é mostrar que a linguagem cinematográfica expressionista é

extremamente fotográfica e pode, portanto, ser transportada para a fotografia,

para tanto, são apontados o trabalho de dois fotógrafos: Irina Ionesco e Evgen

Bavcar; que através de suas fotos, mesmo que não tendo plena consciência,

reproduziram vários dos principais elementos estéticos do cinema expressionista,

mostrando que o limite entre fotografia e cinema é mesmo muito mais tênue do

que podemos imaginar.

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2 O MOVIMENTO EXPRESSIONISTA

Para entender melhor o movimento expressionista é preciso antes analisar

a origem de tal nome: a palavra “expressionista” vem de “expressão”. Por

expressão entende-se tudo aquilo que torna possível a exteriorização de algum

sentimento ou emoção, pode ser um gesto ou movimento físico, uma determinada

postura expressiva ou performance que exacerba os sentimentos como forma de

comunicar um estado de espírito. A principal característica do movimento

expressionista é precisamente a de comunicar ao espectador determinado

sentimento através de elementos estéticos intensos e espontâneos.

O movimento expressionista inicia-se em 1905, abrangendo

principalmente, num primeiro momento, as artes plásticas e literatura para depois

se expandir à outros campos da arte como música, teatro e cinema, em um

período que se estende até 1933 e vai se concentrar na Alemanha. As obras

expressionistas tentavam então, comunicar sensações, sentimentos ou emoções

que, no momento da criação, brotavam dentro do artista tornando possível para o

público detectar o sentimento exposto na obra. O objetivo da arte expressionista é

ir à raiz do sentimento tendo a intensidade como elemento-chave, unindo

criatividade com impulsos emocionais e instinto, sem restrições de expressão,

menosprezando a racionalidade, quebrando assim com as atuais regras estéticas

do impressionismo e naturalismo que, até então, não davam espaço para o

sentimento espontâneo. Para os artistas expressionistas não havia mais sentido

em reproduzir a vida cotidiana tal qual ela é, uma vez que já estava lá para ser

vista dessa maneira. A idéia era se desligar da natureza e tentar, ao invés disso,

captar a “expressão mais expressiva” do objeto ou assunto em questão. O

expressionista já não vê: tem “visões” (EISNER, 1985). Ao seguir todos esses

princípios o resultado final é a visualização dos sentimentos remetendo

fortemente a Abstração, tudo acaba virando um esboço e alguns elementos

internos são exteriorizados.

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2.1 Pré e pós primeira guerra mundial: as duas fases do movimento.

O Expressionismo só pode ser bem compreendido se levarmos em

consideração a sua dimensão histórica, já que experimentou diferentes nuances

ao longo dos seus quase vinte anos de existência (MATTOS, 2002),

especificando, o movimento pode ser dividido em duas etapas distintas, sendo

que cada uma delas carrega características próprias que refletem o contexto da

época em que aconteceram, correspondendo aos períodos de pré e pós Primeira

Guerra Mundial. Essas diferenças é que vão traçar os aspectos que aos poucos

foram dando forma ao produto final do expressionismo alemão: o cinema.

A primeira etapa do Expressionismo Alemão acontece de 1905 a 1914 e é

caracterizada por um intenso desejo cosmopolita que deu abertura ao nascimento

de uma nova linguagem artística, graças ao intercâmbio de idéias entre as muitas

vanguardas que emergiam simultaneamente em diferentes países da Europa, em

especial com o Cubismo e o Futurismo. Se formos analisar o contexto histórico do

país no começo do movimento, temos a ausência de um sistema social eficaz, a

disseminação das províncias, a falta de um patrocínio monárquico e o

autoritarismo da sociedade prussiana que pregava ideais como Obediência,

Dever e Ordem (NAZÁRIO, 1983). Isso acaba gerando uma reação por parte dos

artistas que contestam as autoridades por meio da nova vertente artística que

aflorava entre as vanguardas, os expressionistas, então, se armam para lutar

contra a ordem estabelecida e pregam idéias contrárias com as quais se

identificam: a Natureza, o Infinito, o Além. Tendo em mente que o expressionismo

surgiu a partir da troca de idéias entre as vanguardas européias, seu início tem

raízes, principalmente, na Escandinávia e na França, é impossível falar em

Expressionismo sem mencionar o nome do norueguês Edvard Munch, o precursor

mais próximo do movimento e autor da tela O Grito (1893). Munch já tinha gosto

pelo estranho e suas pinturas traduziam com perfeição seus conflitos interiores,

paisagens norueguesas envolvem criaturas disformes que são devoradas por

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15

uma pesada atmosfera. Na célebre gravura de Munch, temos um homem

deformado pelo próprio grito, seu corpo contorcido expressa toda a angústia que

atravessa as barreiras do “interior” e envolve a paisagem, enquanto isso, ao fundo

é possível ver dois homens que caminham como se nada estivesse acontecendo.

O Grito vem para quebrar o silêncio do medo que os homens sentiam perante sua

insignificância, a pintura simboliza o grito interminável da alma, vem como um

clamor de angústia que pede ajuda (NAZÁRIO, 1983).

Quadro 1 - Edvard Munch, O Grito, têmpera em cartão, 1893

Fonte: O Expressionismo – J. Guinsburg

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As poesias, pinturas e gravuras da época se desdobram em grupos e

movimentos que levavam nomes como “Eclosão”, “Ação”, “Clamor”. Os artistas

tornam-se seres desequilibrados psiquicamente e o Expressionismo vem como

uma revolta contra o sistema repressivo, seus líderes se manifestam em rebelião

contra os absurdos da guerra.

Neste cenário o Expressionismo ainda engatinhava e as artes plásticas

ganhavam o maior destaque, podendo ser consideradas o berço do movimento;

dentro dessa vertente artística, dois importantes grupos surgem, marcando para

sempre o Expressionismo na história: o Die Brücke (A Ponte) no ano de 1905 na

cidade de Dresden e o Der Blauer Reiter (O Cavaleiro Azul) no ano de 1911 em

Munique. É possível afirmar que os artistas alemães almejavam um

“Expressionismo universal” unindo elementos que poderiam ser aceitos no mundo

todo. O grupo Die Brücke já mostrava grande interesse na inclusão de

xilogravuras e esculturas tribais, já o Der Blaue Reiter apresentava um trabalho

repleto de ilustrações onde se podiam encontrar trabalhos de artistas

contemporâneos radicados na Alemanha, além de alguns trabalhos recentes de

artistas como Van Gogh e Picasso. Aos poucos o movimento ia se formando de

modo a adaptar-se a grande massa de movimentos artísticos que surgiam,

estruturando sua linguagem formal que, a partir de 1917, se difundirá rapidamente

englobando as mais diversas formas de manifestações artísticas, tomando até

mesmo espaço nas galerias de arte, que antes eram tomadas por obras

Impressionistas.

O ano de 1914, porém, é marcado pela declaração da Primeira Guerra

Mundial que, diferente do que se esperaria, não foi recebida com indignação pela

população e muito menos pelos artistas, que viam na guerra uma oportunidade de

viver novas e intensas experiências que trariam mais frutos à sua arte. A geração

de novos artistas ia ainda mais longe clamando ver na guerra uma oportunidade

única para a destruição de uma civilização decadente, permitindo que uma nova

sociedade pudesse florescer com ideais menos materialistas onde a

espiritualidade tomaria seu lugar entre os homens. Não tardou para que um

grande número de artistas se alistasse voluntariamente e outro grande número

fosse convocado, fazendo com que a nova e efervescente cena cultural da

metrópole alemã se desestruturasse. No entanto, com a chegada da Primeira

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Guerra Mundial e os anos que a seguem, vem a cruel realidade dos campos de

batalha e a Alemanha enfrenta um total isolamento cultural, causando uma

mudança fundamental na nova arte que emergira antes da guerra, uma vez que o

diálogo intenso que se via entre as vanguardas termina após 1914, os artistas

agora estavam mais preocupados em começar do zero e formar uma nova

identidade alemã, o movimento passa então a ganhar tons cada vez mais

nacionalistas. Em meio a uma devastada Alemanha que, em 1918, ao fim da

Primeira Guerra Mundial, se vê imersa em miséria, vê-se incitada a eterna atração

pelo o que é obscuro (EISNER, 1985); a constante preocupação com o amanhã

contribuiu para que os artistas “se atirassem de cabeça” no movimento

expressionista que, a essa altura, já havia sofrido alterações significativas.

Os artistas dessa geração pós-guerra diferem, então, da "primeira geração"

expressionista, que buscava estabelecer uma linguagem formal, agora eles

encontram um pano de fundo artístico já bem desenvolvido podendo inovar em

seu engajamento político-social e em questões contemporâneas, essa nova

geração marcada pela guerra e pela instabilidade sociopolítica vive em uma

isolada Alemanha buscando obsessivamente uma identidade nacional que

envolve também formar uma estética “autenticamente” alemã, voltando-se para a

Idade Média, o estilo gótico e o abstracionismo. Todo o sangue derramado na

guerra só alimentou ainda mais os expressionistas com visões de horror, trazendo

a noção de que as matanças sempre irão existir, mas mesmo no começo já era

possível identificar elementos como a deformação, a abstração e a atmosfera

pesada, que continuaram envolvendo as obras expressionistas até chegar ao

teatro e ao cinema. Lotte já discorria em A Tela Demoníaca (1985) sobre uma

predisposição dos alemães ao expressionismo e ao uso das formas deformadas,

a captação de um mundo apocalíptico, a evocação de temas como doença,

morte, suicídios e assassinatos, a exaltação da loucura e o gosto pelo insólito.

Estas mudanças iriam firmar-se de vez após a Revolução de Novembro,

quando acontece a queda do Império Guilermino e o início da República de

Weimar; nesse novo cenário a produção expressionista se mostra reformulada

tanto na literatura quanto nas artes plásticas, abandonando as pesquisas formais

para se ater a expressão dos sentimentos exaltados, ou seja, um aumento

considerável do páthos, da dramaticidade, dessa produção artística (MATTOS,

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18

2002). É nesse período que já podemos observar o uso cada vez mais freqüente

dos princípios de deformação expressiva desta vez não somente na pintura, o

pós-guerra testemunhará também uma transformação do expressionismo

enquanto linguagem cultural, tomando campos mais amplos e abrangendo todos

os gêneros da arte, os princípios de deformação expressiva passam a ser

utilizados também no teatro, na dança, na música, no cinema, na moda e até na

filosofia; por volta de 1920 já era possível falar de uma "era expressionista"

Passados os primeiros anos da República, o Expressionismo começa a

perder um pouco de sua força inicial, pelo menos nas áreas que envolvem as

artes plásticas e literatura, contudo, ele continua vivendo um momento de

grandeza agora em outros campos da arte que, até então, haviam permanecido à

margem do movimento: o teatro e o cinema. A dramaturgia alemã começa uma

nova fase, ganhando maior acessibilidade e viabilidade comercial, os teatros que

antes eram da corte (Hof-residenztheater) foram transformados em salas públicas

de exibição e cerca de 150 novos teatros foram construídos entre 1918 e 1919, a

censura das peças foi abolida impulsionando o surgimento de uma forte arte de

vanguarda, abrindo espaço também para uma nova vertente artística: o cinema.

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3 CINEMA EXPRESSIONISTA ALEMÃO

3.1 Início

Em 1910 o estilo expressionista já reinava sobre todas as outras artes, mas

o cinema demorou a ter uma boa aceitação e as obras cinematográficas daquela

década ainda eram tímidas e sem muita viabilidade comercial. Apesar de apenas

tomar impulso após a Primeira Guerra Mundial, o período inicial do cinema

expressionista se deu nos anos de 1913-14, nas suas vésperas. Já era possível

ver algumas obras cinematográficas esparsas, mas é somente na segunda fase

do movimento, após a popularização do teatro, que o cinema ganha força. A

grande época do cinema expressionista alemão dura pouco, de 1925 a 1927,

durante a fase do cinema mudo, hoje já intitulado “clássico”. No início, o cinema

ainda era visto com preconceito pela elite de Berlim, muitas vezes até desprezado

pelos atores de teatro, os artistas que estrelavam os filmes alemães da época

eram na verdade pessoas comuns, recrutadas em cafés da Friedrichstrasse onde

desempregados iam à procura de algum trabalho. A nova indústria se lançava ao

mesmo tempo em que judeus se emancipavam na Europa, muitos deles entraram

no mundo do cinema como forma de integração a vida social e cultural, e foi um

empresário judeu que montou a primeira rede de salas de exibição na Alemanha:

Paul Davidson, importando da Dinamarca também a atriz Asta Nielsen e o diretor

Urban Gad.

Os filmes desse período inicial, comumente chamados de filmes pré-

expressionistas, ainda estavam longe de mergulhar no mundo fantástico das

sombras e se limitavam a contar dramas ingênuos, mas já com um trabalho de

câmera e fotografia admiráveis. Paul Davidson foi ainda mais longe e conseguiu

um contrato exclusivo assinado com o sindicado dos dramaturgos, nascendo

assim o "filme de autor" trazendo mais prestígio ao cinema e rompendo com o

Page 21: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

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preconceito inicial, uma vez que o cinema começa a ganhar contribuições

originais de grandes poetas, se legitimando finalmente como forma artística. O

primeiro filme de autor foi também o primeiro drama psicanalítico da história do

cinema: O Outro (Der Andere, 1913), de Max Mack; no mesmo ano foi lançado O

Estudante de Praga (Der Student von Prag, 1913) de Stellan Rye e Paul

Wegener, com uma atmosfera marcante, mais tarde viria ser considerado o

primeiro filme expressionista.

A partir deste sucesso grandes escritores e dramaturgos começam a se

interessar cada vez mais em adaptar suas obras ou até mesmo a escrever

roteiros originais para filmes e é isso que dá o toque de "requinte" que o cinema

estava precisando, não demorou para que diretores e atores de prestígio no

mundo teatral migrassem para o cinema, muitos deles foram trazidos por Max

Reinhardt. O cinema agora se afastava cada vez mais dos melodramas e se

aproximava do Expressionismo, adquirindo os elementos característicos do

movimento, os filmes se inseriam aos poucos na atraente atmosfera de excessos

e no clima de pesadelo, desenvolvendo temáticas tipicamente expressionistas,

sempre envoltas em demência. Um bom exemplo é A Igreja do Diabo (Die

Teufelskirche, 1919), de Hans Mierendorff.

Para se diferenciar e poder competir com o cinema americano, o cinema

alemão passou a investir em filmes mais "artísticos" (NAZÁRIO, 2002). A

produção cinematográfica era frenética, principalmente em Berlim, onde se

trabalhava dia e noite nos estúdios, em produções que às vezes exigiam semanas

ou até meses devido à progressão da técnica e a criação de narrativas cada vez

mais complexas. Os artistas plásticos acabaram por assumir um papel de

importância também no cinema, pintando os cenários e criando fundos e

perspectivas únicas, grafismos nas paredes, intertítulos e também os cartazes

que promoviam os filmes. Outro destaque dos filmes alemães fica por conta dos

cenógrafos que criavam os exteriores fantásticos, tipicamente expressionistas,

com suas casas tortas, ruas estreitas e sombrias, além dos interiores distorcidos.

Isso tudo somado a uma iluminação de fortes contrastes que marcavam os

personagens, realçavam uma cena ou emolduravam uma situação dramática. Diz-

se que os alemães têm uma predileção pelas sombras e pelo sombrio, insere-se

aí um dos elementos mais marcantes das obras expressionistas: o uso do claro-

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escuro, que no cinema só existe devido à forte herança do teatro, aos poucos ia

se construindo a linguagem cinematográfica típica dos filmes expressionistas, que

permeava todos eles parcialmente ou inteiramente.

Nos anos de guerra, o cinema viu sua produção ser restringida, abrindo

espaço para as películas americanas conquistarem o mercado cinematográfico,

em 1917, as principais companhias cinematográficas da Alemanha se juntaram

formando a Ufa (Universum Film A.G.) que se tornou a rede de estúdios

cinematográficos mais importante da Alemanha durante a República, tendo um

terço do capital fornecido pelo Estado. Com o fim da guerra e a derrota da

Alemanha em 1918 o controle da Ufa passou para o Deutsches Bank, a censura

foi suspensa e as 2.880 salas de cinema foram inundadas pelos Aufklärungus-

Filme (filmes de esclarecimento) que visavam a discussão de problemas sociais,

os Detective-Filme (filmes de detetive) e os Kolossal-Filme (filmes colossais),

lançados pela Ufa. Em 1921, a produção alemã só ficou atrás da de Holywood:

246 filmes de longa-metragem contra 74 da França e 44 da Grã-Bretanha.

(NAZÁRIO, 2002)

3.2 A influência do teatro

Como comentado acima, o Expressionismo floresceu primeiro nas artes

plásticas, na literatura e no teatro, fazendo com que a imagem em movimento do

cinema fosse o fruto de uma síntese de diversas manifestações artísticas, o

cinema expressionista pode ser então considerado o “produto final” do movimento

e, por ter aflorado tão tardiamente, os filmes expressionistas carregam uma soma

de tudo o que estava sendo explorado nas outras vertentes artísticas, sofrendo

uma forte influência principalmente do teatro. O Expressionismo aparece nos

palcos por volta de 1912, mas a encenação ganha força mesmo após a Primeira

Guerra Mundial, e foi precisamente nos palcos que muitos dos atores do cinema

Page 23: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

22

expressionista puderam desenvolver suas técnicas de interpretação, que os

grandes diretores do teatro mais tarde exportariam para a indústria

cinematográfica, entre eles é possível citar nomes como Benjamin Franklin

Wedekind, Erwin Piscator, Karl Heins Martin e Jürgen Fehling, todos com

tendências expressionistas, mas dois nomes ganham maior destaque: Johan

August Strindberg e Max Reinhardt.

Strindberg é um dos artistas de maior influência para o cinema

expressionista no que diz respeito à técnicas de atuação e desenvolvimento dos

personagens, inovando na concepção tradicional de dramaturgia, suas peças

traziam os aspectos básicos que os expressionistas tomavam como inspiração: o

foco no “eu”, o isolamento do indivíduo e a solidão expressos por meio da

distorção subjetiva do objeto, que tinha como intenção traduzir as vibrações da

alma. Os palcos alemães transformavam-se no interior da consciência do

protagonista, os atores exteriorizavam os sentimentos com gestos intensos e

desconexos, fazendo com que o mundo interno do personagem se transformasse

no único elo entre os elementos da trama. Já MaxReinhardt entra como grande

inovador e principal referência na concepção do cenário e iluminação das peças,

proporcionando uma maior dramatização da cena através de jogos de luz e

sombra intensos, uma das maiores heranças que o teatro expressionista passou

para o cinema. Os cenários geometrizados e o jogo de luzes criado por Reinhardt,

mais tarde, iriam ser adaptados para o cinema em filmes como o Gabinete do Dr.

Caligari (1919) e O Golem (1920). Apesar de considerar-se um artista

impressionista e não tomar especial interesse pelo expressionismo os laços que

unem o teatro de Max Reinhardt e o cinema expressionista alemão já se fazem

evidentes logo na época de seu surgimento, em 1913. Era costume dos

berlinenses irem várias vezes por semana apreciar as peças de Max Reinhardt,

que já utilizava o claro-escuro como principal recurso cenográfico e era

considerado o mestre da magia das iluminações. Agradava-lhe o uso da luz

quente e arredondada, proporcionada por refletores verticais que permitiam

aprofundar as superfícies com o uso das sombras que eram projetadas na

parede, criando formas fantásticas e deformando o corpo dos atores. Reinhardt se

torna então um dos artistas que influenciou o cinema expressionista em termos

estéticos.

Page 24: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

23

Unindo Strindberg e Reinhardt, temos a essência do teatro expressionista

que é marcado pela expressão absoluta do eu, permeando principalmente a

atuação, marcada por um estilo exagerado, contorcido e dramático, como

podemos ver em quase todos os filmes expressionistas. Os rostos dos atores são

brancos e sem vida, trazem olheiras marcantes a fim de deixar ainda mais visível

as expressões delirantes e caricatas tão características do cinema. O cenário

também traz a deformação que reflete a loucura em que o personagem está

imerso, as paredes que se inclinam e se aproximam causam a sensação de

asfixia nas personagens, e tudo isso está entranhado naquela primeira definição

do movimento expressionista: exteriorizar sentimentos através da abstração.

Tanto no teatro quanto no cinema, podemos compreender o que o personagem

está sentindo através dos elementos que são postos em cena. Assim como a

pintura de Munch, somos capazes de enxergar o interior do personagem em

destaque.

Vemos aqui que o teatro expressionista é inegavelmente o ponto de partida

para o cinema expressionista, os principais atores desses primeiros filmes,

inclusive, vêm da trupe de Reinhardt, como Albert Bassermann, Fritz Kortner,

Conrad Veidt, Werner Krauss, Emil Jannings, Paul Wegener, Alexander Moissini e

Elisabeth Bergner citando apenas alguns dos principais dentre os sete mil atores

que trabalhavam com ele. É no teatro que vemos nascer a tendência à

deformação do cenário como forma de expressão psicológica do mundo subjetivo

da personagem, que se fez presente pela primeira vez no mais famoso filme de

Robert Wiene, O Gabinete do Dr. Caligari (1919) onde a figura misteriosa do

doutor e seu estado psicológico são projetados no cenário de concepção

expressionista. Assim como Wiene, Murnau também aperfeiçoa a técnica

cinematográfica seguindo os passos do teatro, produzindo obras de grande

repercussão como Nosferatu (1922) e Fausto (1926)

Page 25: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

24

3.3 Surgimento de uma linguagem cinematográfica própria

Quando se fala em cinema expressionista o filme O Gabinete do Dr.

Caligari vem à tona como obra máxima do movimento, apesar de ser um dos

poucos filmes completamente expressionistas é errôneo pensar que Caligari foi o

primeiro filme de valor do gênero. Já em 1913 existia uma enorme pressão sobre

o cinema que, até então, era visto como um espetáculo medíocre e deixado de

lado, as atenções do público estavam voltadas para o teatro que começava a

desabrochar na Alemanha. Com o surgimento do “filme de autor”, o cinema é

abastecido com o que viria a ser uma de suas maiores forças no futuro: o roteiro

literário. É daí que surge o precursor dos filmes expressionistas alemães: O

Estudante de Praga; já em 1913, seis anos antes de Caligari, apresenta muitas

das qualidades que irão definir os filmes considerados “clássicos” da década de

1920.

O filme, fruto da parceria de Paul Wegener com Stellan Rye que, vindo da

escola dinamarquesa, há alguns anos aprendera a utilizar o claro-escuro para

criar atmosfera, ainda carregava muitos elementos do teatro. Como comentado

anteriormente, Wegener vinha do teatro de Max Reinhardt onde trabalhou durante

anos. Ao realizar O Estudante de Praga, Wegener foi o primeiro a perceber que o

cinema também dava espaço para inúmeras possibilidades artísticas e era capaz

de se apoderar do mundo fantástico melhor do qualquer outra arte, começa então

a disseminar a idéia de uma “linguagem cinematográfica própria”, até então

inédita, clamando que era preciso se libertar do teatro e começar a criar imagens

apenas com os meios do cinema, implementando então, técnicas inovadoras

como mudar o ponto de vista do espectador, dividir a tela em duas partes e

sobrepor fotogramas. Wegener diz: “Precisamos nos libertar do teatro ou do

romance e criar apenas com os meios do cinema, com a imagem. O verdadeiro

poeta do filme deve ser a câmera. As possibilidades do espectador mudar

continuamente de pontos de vista, as numerosas trucagens que duplicam o ator

na tela dividida em duas partes, as sobreimpressões, em suma, a técnica, a

forma, dão ao conteúdo seu verdadeiro significado” (EISNER, 1985). Foi então

Page 26: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

25

que decidiu rodar O Golem onde pôde colocar em prática todas as suas idéias e

se aprofundar no domínio do “cinema puro”, percebendo que a técnica fotográfica

é que iria determinar o futuro do cinema.

3.4 Estética e elementos característicos

Os elementos em comum encontrados nos filmes do período

expressionista são também os responsáveis por tornar o estilo tão característico e

facilmente reconhecível entre os tantos estilos cinematográficos que emergiram

desde então. O que marca um filme expressionista é a cenografia, que precisa ser

delirante, os objetos da trama são modelados segundo o princípio da objetivação

simbólica do mundo, as coisas aparecem para o espectador não como elas são

realmente, mas como o visionário as decifra, nos filmes expressionistas até

mesmo os objetos mais comuns são dotados de alma, e essa pode ser medonha

(NAZÁRIO, 2002). A Abstração e a Deformação são, sem dúvida, o que mais

marca a primeira vista uma obra expressionista, presentes desde o cenário, como

podemos observar nos ângulos delirantes de Caligari, até os rostos deformados e

caricatos dos personagens, marcados por maquiagem pesada e tipos excêntricos

como a figura de Conde Orlok em Nosferatu. O uso da iluminação dura e direta

também contribuiu para o clima necessário, criando fortes contrastes de claro-

escuro e sombras que se alongam e movem-se em cena criando vida própria e

proporcionando imagens de puro mistério e suspense, um bom exemplo é uma

determinada cena de Caligari, quando um assassinato é acompanhado

inteiramente através da sombra do assassino misterioso que é projetada na

parede do quarto da vítima, não vemos, em nenhum momento, a real identidade

do dono daquela sombra, mas sabemos pela expressão de terror no rosto da

vítima que se trata de uma figura tenebrosa, saída de um pesadelo.

Page 27: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

26

As palavras do roteiro devem ser medidas cuidadosamente, eliminando

tudo que é desnecessário, coordenando palavra e imagem perfeitamente, cada

palavra precisa causar uma impressão visual. Tudo precisa estar integrado, até

mesmo os atores com os cenários, como se fossem partes móveis da arquitetura.

No inovador O Golem, Paul Wegener e o arquiteto Hans Poelzig foram mais longe

na concepção do cenário rompendo com a bidimensionalidade dos fundos de

papelão e introduzindo tridimensionalidade para o cenário expressionista, dessa

vez já não se viam mais casas e janelas pintadas, mas sim ruas, becos e torres

por onde era possível deslocar-se, entrar e se esconder. Tendo em mente tais

preceitos, a obra de Murnau não pode ser considerada um exemplo de

Expressionismo puro, uma vez que o diretor preferia filmar ao ar livre, no entanto,

a escolha dos cenários garantia um esteticismo tão acentuado que conseguia

extrair efeitos fantásticos a partir de paisagens reais, Murnau consegue então

algo inédito: extrair o Expressionismo da realidade; ao invés de cenários artificiais

e deformados, rodava seus filmes em catedrais góticas que haviam sido

deformadas naturalmente pelo tempo, essa atmosfera é marcante em filmes como

Nosferatu (1922); Fantasma (1922); Aurora (1927), Fausto (1926), entre outros.

Captura 1 – Assassinato acompanhado através da sombra

Fonte: O Gabinete do Dr. Caligari, 1919

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O cinema expressionista junta toda a massa de detalhes e condensa em

elementos que já não condizem com o real, mas sim com a visão interna que o

protagonista tem desse mundo por onde desliza. Ao detectar esses, entre tantos

outros elementos em comum, estamos dando um primeiro e crucial passo

indispensável para todo aquele que tem como intenção entender e identificar o

cinema dito expressionista. Fazendo uma breve síntese do que Luiz Nazário

discorreu no livro De Caligari a Lili Marlene (1983), a lista de elementos básicos

do cinema expressionista é a seguinte:

A Deformação

Característica herdada do teatro de Max Reinhardt, grande precursor do

cinema alemão e considerado o mestre da iluminação, trazia nesse recurso a

magia de deformar o cenário e as formas dos atores através dos feixes de luz

verticais. A Deformação está presente não só na iluminação, mas também na

decoração e no jogo dos atores, assim como suas vestimentas, expressões,

maquiagem e gestos. Os atores devem mover-se como se não houvesse

movimentos intermediários dando a impressão de uma gesticulação desvairada,

através de tal concisão podiam expressar o máximo de emoção com o mínimo de

movimento. Os personagens e seu modo de mover tão peculiares se integravam

com a maquiagem e o vestuário, que por sua vez se integravam com a iluminação

dramática e o cenário de ângulos agudos.

Poucos são os diretores que conciliam todos estes elementos em uma

única obra, o cinema de F.W. Murnau por exemplo nos apresenta tais

características de deformação apenas nos personagens sobrenaturais como o

vampiro em Nosferatu ou o demônio Mefistófeles em Fausto. Já em O Gabinete

do Doutor Caligari de Robert Wiene é possível contemplar a Deformação em sua

totalidade, os recursos de abstração no cinema encontram o seu ápice nessa

obra que é considerada um dos poucos filmes puramente expressionistas. A

Deformação está presente no cenário, inteiramente pintado em ângulos que se

fecham numa atmosfera intimidadora e claustrofóbica saída da mente de um

louco, está presente também nas roupas estilizadas dos personagens: Caligari

com o uniforme de professor, cartola, luva, óculos e capa; Cesare e sua

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característica malha preta que o permite deslizar pelas sombras da cidade com

facilidade; e Jane, a mocinha indefesa, sempre de branco ou, em certas ocasiões,

usando uma túnica com raios em zig-zag. Tudo isso os aproxima cada vez mais à

figuras de sonho, delírios atemporais e pertencentes à uma outra realidade.

Captura 2 – Deformação no cenário

Fonte: O Gabinete do Dr. Caligari, 1919

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A Paisagem

A paisagem presente nos filmes expressionistas serve como pano de fundo

para o desenrolar das emoções e características psicológicas que rodeiam os

personagens, sendo assim, é quase sempre feita em estúdio. A natureza é

suprimida e então remodelada, a lua, as nuvens e os raios de sol são pintados no

cenário. Quando elementos naturais aparecem, não são por acaso, esses são

escolhidos sempre em função do seu potencial de angústia ou pela sua

estranheza. Se tivermos a cena de um amanhecer, ele acontece para demonstrar

extrema felicidade, triunfo, ou, no caso de Nosferatu, para matar o vampiro.

Um elemento constante nos filmes expressionistas é o arbusto, que está

presente desde as obras de Van Gogh para representar seu atormentado estado

de espírito, no cinema também é usado pelo poder de expressão subjetiva que

seus galhos podem simbolizar, caídos, espetados, retorcidos ou no topo de uma

árvore no alto de um morro, sempre com o intuído de transmitir a claustrofobia

existencial

Captura 3 – Deformação no vestuário e maquiagem dos personagens

Fonte: O Gabinete do Dr. Caligari, 1919

Page 31: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

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A Animização

O Expressionismo é uma eterna busca da “expressão mais expressiva”,

traduzindo simbolicamente o estado da alma de seus personagens através das

linhas, formas e volumes, simples objetos podem estar carregados de símbolos.

Se juntarmos isso à negação da natureza e à estilização dos personagens através

de suas roupas e maquiagem, transformamos então os próprios atores em

objetos de cena, e os personagens em objetos simbólicos, aumentando o caráter

plástico da obra cinematográfica expressionista, o que vemos já não são mais

casas, ruas ou animais, eles já não existem mais, o que vemos é apenas a visão

interior que eles produzem. Ao contemplar O Gabinete do Dr. Caligari, por

exemplo, nos espantamos ao nos deparar com camas, cadeiras e bancos tão

desconfortáveis e incômodos, o chão desenhado em triângulos, paredes que

parecem prestes a desabar e telhados que se impõe sobre os transeuntes, os

forçando a passar por uma atmosfera de urgência e opressão, as construções

parecem todas dotadas de uma intencionalidade perversa. Tais características

também podem ser contempladas em filmes como O Gabinete das Figuras de

Captura 4 – Exemplo de paisagem expressionista

Fonte: O Gabinete do Dr. Caligari, 1919

Page 32: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

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Cera (1924) de Paul Leni, O Golem (1920) de Enrik Galeen e Paul Wegener e

Fausto (1926) de F.W. Murnau.

Captura 5 – Exemplo de animização I

Fonte: O Gabinete do Dr. Caligari, 1919

Captura 6 – Exemplo de animização II

Fonte: O Gabinete do Dr. Caligari, 1919

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A Efusão

Na busca pela demonstração dos sentimentos mais íntimos é necessário

encontrar a verdade interna das coisas, não interessa o efeito momentâneo da

situação, mas sim sua significação universal, nega-se o realismo e cria-se o

próprio testemunho da cena usando o que for preciso para passar toda a

intensidade do sentimento, sacrificando a descrição minuciosa e deixando apenas

a experiência vivida intensamente, cria-se visualmente a própria interpretação do

interior.

É necessário encontrar a verdade interna das coisas, o irredutivelmente

humano, mesmo que para isto seja preciso refundir toda a realidade e

criar um mundo novo sobre as ruínas do antigo.

Por isso tudo permanece em esquema, uma tensão permanente

sustenta a excitação até o vórtice dos sentimentos, o êxtase do espírito,

a efusão total de si, a dissolução do indivíduo no cosmo (NAZÁRIO,

1983, p21).

O Tirano

O Expressionismo chega às telas em uma jovem e estremecida República,

com uma narrativa fantasmagórica e uma dramaturgia de horror, o Mal sempre

figura nos filmes expressionistas em suas diferentes categorias: o perverso, o

maquiavélico, o demoníaco ou o monstruoso, suas representações sempre vão

girar em torno de um personagem sinistro, mágico ou sobrenatural, com grande

poder em suas mãos, podendo controlar os indivíduos ao seu redor. Tais

personagens se movem pelas sombras e quase nunca se expõe, exercendo seus

crimes através de intermediários que aparecem como sonâmbulos, múmias ou

bonecas. Na ausência de tais intermediários o tirano assume, ele próprio,

características inumanas, como o demônio de Fausto ou o vampiro de Nosferatu.

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A Sombra

Os contrastes de luz e sombra são pontos marcantes no cinema

expressionista e é por eles que se desenrola toda sua dramaturgia, mas a sombra

não está presente apenas na plasticidade característica do estilo, ela também

aparece aqui como metáfora do inconsciente, do lado obscuro da mente. É,

usualmente, atributo dos personagens que pactuam com o Mal e a morte, banidos

pela lei e pela natureza, condenados a viver para sempre na escuridão, saindo

das brumas apenas para espalhar sua maldade e corromper os que cruzarem seu

caminho.

A Rua

A rua do cinema expressionista tem ângulos desertos e fracas lamparinas

que pendem sobre quem passa, iluminando apenas um pequeno espaço,

esconde um infinito de escuridão que não é visível, mas nos faz imaginar que só

pode abrigar becos e ruas sem saída, onde é possível apenas andar curvado. Ela

representa o apelo do destino, sobretudo da noite e nela caminham seres

Captura 7 – Sombra

Fonte: Nosferatu, 1922

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arrastados moralmente, deprimidos por problemas obscuros, exprime angústia e

convida à aventura e a evasão.

A Feira

O caos e a desordem das feiras, elemento comum nos filmes

expressionistas, refletem a situação da própria Alemanha após a Primeira Guerra

Mundial, é o lugar onde todas as classes sociais encontram-se, remetendo

também à lembranças lúdicas da infância, ali o imaginário e o real confundem-se.

É na feira, que muitas vezes, o personagem tirânico reside, expandindo seus

poderes por meio de elementos intermediários.

O Espelho

O espelho aparece como uma forma de mediação para cenas dramáticas

que não são mostradas de forma explícita. É um recurso sofisticado, pois ao

mesmo tempo em que nos poupa da dureza direta contida na cena também

Captura 8 – A rua expressionista

Fonte: O Gabinete do Dr. Caligari, 1919

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realça o escândalo dos fatos dando um valor estético a mais sórdida realidade.

Sua importância no cinema alemão se dá pelo valor simbólico do "duplo", da

ambigüidade, é através dele que a morte vem ao mundo.

A Escada

É uma presença quase que obsessiva no cinema alemão, é por ela que os

personagens se deslocam entre dois espaços, tornando-se um instrumento de

suspense e tensão, é usada também como um elemento de transição. Mas se

tratando de expressionismo alemão, como não poderia deixar de ser, é também

carregada de simbolismo, nesse caso a escada representa a ascensão social ou

espiritual.

O Livro

Tão importante no cinema alemão que possuí caráter sagrado. Os

personagens dos filmes expressionistas são quase sempre esmagados por uma

dúvida, um segredo ou um mistério, os seres maléficos e sobrenaturais sempre

terão uma base literária e o livro é a chave que possui todas as respostas para

todas as dúvidas que afligem os oprimidos pelo Mal. Tal livro é geralmente

grande, velho, raro e empoeirado.

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As Olheiras

Característica carregada por aqueles que possuem o drama fincado em

seus corpos, isolando-os do resto dos personagens. A máscara branca, comum a

todo cinema mudo, encontra maior legitimidade no cinema expressionista,

transformando o rosto dos personagens em campos de emoção em estado puro,

as olheiras profundas realçam olhos enormes, cheios de pavor. Podem ser

olheiras também de cansaço, desespero, doença ou mesmo sonambulismo,

servem enfim como molduras para olhos hipnóticos que juntamente com a

máscara transmitem todo o terror sem a necessidade de proferir uma palavra.

Captura 9 – Livro

Fonte: Fausto, 1926

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O Arfar

Indica o prolongamento de uma emoção muito intensa para nos comunicar

que o sentimento penetrou profundamente até o âmago da alma, é acompanhado

quase sempre pelo movimento de sobressalto característico do corpo, e gestos

toscos bruscamente interrompidos, mostrando que o terror ou a paixão instalou-se

de forma definitiva no personagem e só lhe resta agora se entregar

completamente.

Captura 10 – Olheiras

Fonte: O Gabinete do Dr. Caligari, 1919

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3.5 Principais filmes e diretores

Ao se aprofundar no tema “cinema expressionista alemão” e passar por

todos os principais elementos presentes em um filme considerado expressionista,

é impossível não se deparar com os nomes de Wiene, Murnau e Lang nas

referências incessantes dos textos que exaltam suas obras. Não é por acaso,

uma vez que Wiene, com Caligari, atingiu o ponto máximo da estética da

abstração a fim de projetar a loucura interna da mente do protagonista; Murnau,

com Nosferatu, inovou trazendo perspectivas expressionistas em cenários

naturais, além da esplêndida fotografia e trabalho de câmera que fazem o

sobrenatural transbordar da tela; e por fim, a mente genial de Lang que,

emprestando as técnicas de Max Reinhardt pôde construir uma linguagem própria

dentro do expressionismo, dando grande destaque ao cenário realista que se

mistura com as sombras irreais, além de extrair as mais marcantes atuações já

registradas no cinema alemão. Não tirando o mérito de outros grandes diretores

expressionistas que contribuíram, grandemente, para a construção da linguagem

cinematográfica do movimento, é claro, mas destacando esses três nomes que

carregam a essência do que foi o expressionismo no cinema:

Robert Wiene e Caligari

Foi no auge da popularização do expressionismo no cinema que Erich

Pommer produziu, em Berlim, O Gabinete do Dr. Caligari, em 1919, com direção

de Robert Wiene, para a pequena companhia Decla. O roteiro é de Carl Mayer e

Hans Janowitz e demorou seis meses para ser escrito. Janowitz inclusive

escreveu um texto intitulado Caligari: A História de Uma História Famosa, onde

conta que o roteiro do filme carrega muito de sua própria experiência de vida,

como o fato da personagem Jane ser inspirada em Gilda, uma antiga namorada

que morrera quando este voltou da guerra, tal fato teria sido predito por uma

cartomante; tais profecias estariam por trás da cena em que o sonâmbulo Cesare

prevê a morte de Alan. Mayer, por sua vez, inspirou-se em um psiquiatra militar

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que o considerou mentalmente perturbado após examiná-lo durante a guerra. Já a

idéia de criar um ambiente de circo para a história surgiu dos dois roteiristas que

visitaram juntos um parque de diversões em Berlim no qual havia um homem

fortemente hipnotizado. A figura do psiquiatra foi baseada em retratos de

Schopenhauer. (NAZÁRIO, 2002)

Inicialmente, Fritz Lang teria sido indicado para dirigir o filme, mas este se

afastou do projeto, apenas sugerindo algumas mudanças no roteiro a fim de

tornar a história mais compreensível para o grande público. A idéia de pintar o

cenário partiu inicialmente de Janowitz, indicando o pintor Alfred Kubin para tal

tarefa, mas este declinou o convite, o que fez com que algum funcionário da

Decla, ao ler as instruções no roteiro, confundisse kubinische (kubiniano) com

kubistische (cubista), contratando assim os pintores Walter Reimann e Walter

Röhrig. Mas quem optou pelos cenários expressionistas foi o próprio Robert

Wiene, convidando o cenógrafo Hermann Warm que se sentiu inspirado pela

estranha atmosfera do filme. Assim, após uma noite inteira de discussão entre os

três artistas, Warm finalmente convenceu os dois cubistas de que o

expressionismo era o melhor caminho a seguir. Os desenhos expressionistas

esboçados pelos dois pintores agradaram Wiene de imediato. A produção toda

levou duas semanas. O filme teve de ser todo filmado em estúdio, o local usado

não era grande e os cenários tiveram de ser reduzidos a seis metros de largura.

Os planejados carrosséis, realejos, acrobatas, lutadores, animais e

jaulas foram substituídos por dois cones giratórios de papel pintado e por

uma multidão vestida excentricamente. E a perseguição em fiacre, no

clímax do roteiro, transformou-se numa corrida de pedestres pelas

encostas do barranco (Nazário, 2002, p514).

O lançamento do filme aconteceu em 26 de fevereiro de 1920, no

Marmorhaus de Berlim, a campanha de divulgação do filme era enigmática e

despertava curiosidade, o que se via era apenas o slogan: "Você precisa tornar-se

Caligari!" (Du must Caligari werden!). O produtor, Erich Pommer, acreditava que o

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filme seria um tremendo fracasso, mas acabou por gerar aclamação por parte do

público e inclusive da crítica, permanecendo em cartaz por quatro semanas, o que

na época era um recorde, trazido ainda duas semanas depois com lotação

esgotada para todos os dias.

Desde as primeiras cenas, a platéia ficou enfeitiçada. No momento em

que os olhos de Cesare se abriram, uma mulher berrou e, quando ele

raptou a adormecida Jane, houve desmaios, gemidos e gritos. Quando o

filme terminou, fez-se um silêncio de pasmo, subitamente quebrado por

aplausos, que subiram num crescendo e explodiram em brados de

aclamação (Nazário, 2002, p514).

Pela primeira vez na história do cinema o realismo na tela era

completamente rompido e o filme passava a ser essencialmente fotográfico, mas

ainda assim dramaticamente eficaz, fazendo o público trabalhar uma imagem

não-realista. O cenário de Caligari é especialmente planejado a fim de provocar

inquietação e até mesmo terror, sendo que para tanto o realismo dos cenários é

completamente distorcido, podendo, à primeira vista, parecer plano demais, mas

assim que tiramos um tempo para olhar com mais atenção vemos que apresenta

certa profundidade, como aponta Lotte:

Advinda de perspectivas propositalmente falseadas e de ruelas oblíquas

que se entrecortam bruscamente, em ângulos imprevistos; às vezes

também a profundidade é dada por um pano de fundo que prolonga as

ruelas com linhas onduladas – plástica audaciosa, reforçada pelos cubos

inclinados das casas deterioradas. Numa extensão vaga, caminhos

oblíquos, curvos ou retilíneos convergem para o fundo: um muro que a

silhueta do sonâmbulo César costeia, a crista fina do telhado sobre o

qual se precipita carregando a presa, os atalhos abruptos que escala na

fuga (EISNER, 1985, p.28).

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Vemos em Caligari um verdadeiro fascínio inserido em suas ruas tortuosas

e escuras ou nas casas em ruínas por onde passagens estreitas se espremem;

temos um festival de perspectivas diagonais, janelas e portas deformadas, os

objetos inanimados passam a ser dotados de uma enigmática vida interior. Tudo

isso resultou em uma notável interpretação expressionista do universo em que

Caligari vive. Após o filme de Wiene os cineastas irão sofrer uma forte influência

do estilo, apesar de Caligari ser um dos poucos filmes inteiramente

expressionistas. A carreira de Wiene não foi muito além desta marcante obra-

prima, o diretor tentou manter o tom extravagante da cenografia de Caligari em

outros filmes, como Genuine (1920), mas a diferença está no fato de que a

distorção em Caligari é justificada, pois representava a visão de um louco. Eis o

porquê de obras mais recentes, inclusive fora da Alemanha, se utilizarem da

técnica de distorção "caligaresca" quando a intenção é exprimir um estado de

loucura ou desconexão com a realidade.

Friedrich Wilhelm Murnau e Nosferatu

No livro A Tela Demoníaca, Lotte aponta o fascínio que as histórias de terror

exercem sobre nós, e tal fascínio nos acompanha desde muito cedo. Os contos

de horror são contados às crianças há gerações, contendo histórias de causar os

mais nefastos pesadelos, não existiriam se não fosse fato que a maioria das

crianças se deleita com os contos de terror. O fascínio envolvido em Nosferatu

está impregnado justamente na atmosfera sobrenatural única que envolve

aqueles personagens misteriosos, o título completo do filme, aliás, é Nosferatu,

uma Sinfonia do Horror (Nosferatu, eine Symphonie dês Grauens), de fato,

mesmo ao rever o filme nos dias de hoje é inevitável não sermos arrebatados pela

atmosfera fria, sombria e assustadora da obra de Murnau.

Nosferatu é notável também historicamente, por ser considerada a primeira

adaptação cinematográfica do livro Drácula, escrito por Bram Stoker em 1897. O

consenso é de que o estúdio envolvido não conseguiu a autorização necessária

dos herdeiros de Stoker e optaram assim por manter a história como era

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originalmente, apenas trocando o nome dos personagens. Muito da atmosfera de

terror contida em Nosferatu se deve pelo talento nato de Murnau, sua visão

cinematográfica não visa a estilização do cenário e, mesmo assim, conseguiu

criar imagens das mais impressionantes. Formado em história da arte, trazia

consigo a recordação das obras que estudara transformando-as em imagens

pessoais.

Quando em Fausto mostra, brevemente, um pestífero prostrado, trata-se

da imagem transposta do Cristo de Mantegna. E Gretchen, encolhida na

neve entre os escombros de uma choupana, com a cabeça escondida

sob o casaco e segurando o filho nos braços, não passa da vaga

reminiscência de uma madona flamenga (EISNER, 1985, p.72).

Murnau preferia filmar ao ar livre, contrariando os filmes alemães da época,

mas a atmosfera expressionista ainda era mantida, uma vez que optava por filmar

em cidades góticas ou barrocas encontradas sem muito esforço. Murnau sabia

tirar belas imagens da natureza, que por sua vez também participa do drama, em

Nosferatu a natureza dialoga o tempo todo com o suspense da trama, através das

ondas impetuosas sabemos que o vampiro se aproxima e, com ele, a desgraça

que aguardava a pequena cidade e seus habitantes. Em seus filmes somos

levados à outra realidade com as tomadas feitas em colinas das mais sombrias,

florestas espessas e céus anunciando tempestades, mesmo sabendo que se

tratam de cenários reais, conseguimos sentir que estão todos impregnados com

uma impressionante aura sobrenatural. Seu talento também foi empregado em

cenas de estúdio, das quais se viu por vezes obrigado a realizar, porém seu gosto

pela natureza ainda se deixava transparecer. Quando, já na maturidade de sua

carreira, começa a trabalhar nos estúdios americanos, cria para Aurora (1927)

uma paisagem natural tão convincente que olhamos seus pântanos ainda por

alguns instantes, antes de descobrirmos que foram produzidos artificialmente. Em

Nosferatu, o destaque também fica por conta da câmera de Fritz Arno Wagner.

Page 44: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

43

Se encarrega sozinha de evocar o extravagante pela utilização de

ângulos imprevistos, que dão ao castelo do vampiro um aspecto sinistro

quando, no pátio, Nosferatu prepara a estranha partida. Que há de mais

expressivo que a rua comprida e estreita, espremida entre as fachadas

de tijolos dispostos numa monotonia atroz, filmada em plongée de uma

janela cujo parapeito atravessa a imagem? (EISNER, 1985, p.56).

Diferente de Caligari, onde as figuras do sonâmbulo, ou do doutor surgiam

na tela de maneira enviesada, Wagner e Murnau invocam a atmosfera de terror

se utilizando de movimentos bruscos, onde os atores vem em direção à câmera,

assim temos seqüências de gelar a espinha onde o vampiro avança lentamente

de forma horrenda de um plano para outro se tornando, de repente, gigantesco.

Murnau compreendeu todo o poder visual que emana da montagem, e

dirige com um virtuosismo realmente genial esta gama de planos,

dosando a aproximação do vampiro ao mostrar por alguns segundos o

efeito que sua visão produz sobre o jovem aterrorizado. Em vez de

apresentar gradualmente todo o trajeto, rompe a aproximação com uma

porta que se fecha bruscamente, a fim de deter a terrível aparição; e a

tomada desta porta, atrás da qual sabemos que o perigo espreita, nos

rouba o fôlego (EISNER, 1985, p.76).

Fritz Lang

Lang foi um dos cineastas alemães que mais sofreu influência da encenação

de Max Reinhardt, contudo, não deixava de ter uma visão bastante pessoal em

seus filmes. Por ser arquiteto de formação, consegue realçar bem as estruturas

dos portais góticos e das criptas fazendo o luminoso contrastar com as paredes

escuras. Tal método de enfatizar com exagero o relevo dos contornos do cenário

ou de algum objeto se tornará uma característica do cinema alemão.

Page 45: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

44

A partir desse momento, os cenários passarão a ser iluminados na base,

para assim se acentuar o relevo, deformando e transformando a plástica

com uma articulação de linhas ofuscantes e insólitas. Também se

começará a dispor nas laterais enormes refletores inclinados, de modo a

iluminar violentamente a arquitetura e a produzir, com a ajuda de

superfícies salientes, aqueles estridentes acordes de sombras e luzes

que se tornaram clássicos (EISNER, 1985, p.67).

A arquitetura e os objetos nos filmes de Lang tinham um papel tão

importante quanto o do ser humano, as experiências vividas pelos personagens

só passavam a fazer sentido uma vez que estivessem inseridos dentro deste

cenário. Os fortes contrastes de luz e sombra deixavam um Expressionismo sutil

transparecer, assim como a interpretação carregada dos atores e a exagerada

caracterização dos vilões. Não podemos negar, contudo, que seus filmes também

traziam consigo um forte Realismo que se mescla ao Expressionismo, vemos

também uma tendência à verticalidade e ao monumentalismo. Sendo assim, não

é por acaso que o filme Metrópolis (1926) tenha sido a mais cara produção da

história do cinema alemão, orçada em mais de cinco milhões de marcos

(NAZÁRIO, 2002). Lang também se destacava por conseguir extrair as mais

brilhantes atuações de personalidades, até então, desconhecidas. Para encarnar

Maria e a mulher-robô de Metropolis, Gisele Eve Schittenhelm foi lançada sob o

nome Brigitte Helm, aos vinte anos de idade nunca tinha trabalhado no cinema,

ou sequer no teatro, mas após encarnar o papel duplo no filme de Lang, que

extraiu da novata um desempenho impregnado de loucura puramente

expressionista, virou uma estrela. Assim como ela, o ator Peter Lorre, também

descoberto por Lang, foi o escolhido para encarnar o assassino psicopata pedófilo

de M, O Vampiro de Düsseldorf (1931), nos entregando uma das mais

impressionantes performances do cinema alemão na confissão final, carregada de

páthos verdadeira (NAZÁRIO, 2002). Lang compreendia profundamente como

causar impacto através da edição, dos cortes e dos planos, além de ter a noção

de que o silêncio era tão importante em uma performance quanto as palavras,

para Lang o silêncio deveria ser expressivo e carregar consigo um significado.

Page 46: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

45

3.6 Os fragmentos do expressionismo pelo mundo

O ano de 1933 é marcado com a tomada de poder por Hitler, o que fez com

que mais de 1.500 artistas da indústria cinematográfica abandonassem a

Alemanha. Muitos dos maiores atores do cinema alemão foram obrigados a

imigrar por serem judeus ou parentes de judeus, os filmes de então, salvo raras

exceções, passaram a ser considerados "sádicos e perversos". (NAZÁRIO, 2002)

Esses artistas, expurgados da Ufa, levaram para fora da Alemanha a estética

expressionista de fazer filmes e toda sua tradição fantástica, encantando e

influenciando diretores por toda a Europa, disseminando de uma vez por todas o

formato cinematográfico expressionista para todo o mundo. A partir daí é possível

observar filmes que, apesar de não serem essencialmente expressionistas e não

carregarem os elementos do movimento em sua totalidade acabaram adquirindo

traços da estética peculiar do Expressionismo como forma de comunicar uma

atmosfera de terror, pesadelo ou um estado psicológico alterado.

Podemos ver traços expressionistas aparecendo na França, com Robert

Bresson, assim como o cinema sueco que traz clássicos de Victor Sjöstrom. Um

dos destaques fica para o cinema de Ingmar Bergman, estilista dos tormentos da

alma, como vemos na abertura de Noites de Circo (1953); marcado pela fotografia

granulada e iluminação claramente expressionista. Também no jogo de xadrez

em O Sétimo Selo (1956); proposto pela própria morte. Outras obras marcantes

incluem: Morangos Silvestres (1957); A Fonte da Donzela (1959); Quando Duas

Mulheres Pecam (1966); A Hora do Lobo (1968); e o Expressionismo colorido de

Gritos e Sussurros (1973). O leste Europeu também foi marcado pelo

Expressionismo, especialmente no cinema polonês de Andrzej Wajda. Mas a

maior contribuição do cinema expressionista está estampada nos filmes de horror

dos anos de 1930 e 1940 que, sob forte influência das técnicas de iluminação

expressionistas, fotografia e cenografia, obtiveram uma ambientação inigualável.

Esse fenômeno, somado ao estilo prático americano, fez com que a tradição

expressionista gerasse novos estilos, um deles é o filme noir.

Page 47: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

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Orson Welles foi fortemente inspirado pelo cinema mudo alemão, influência

que se mostra presente em todos os seus filmes, desde os ensaios que produziu

em sua época de estudante de cinema. Em The Hearts of Age (1934) já é

possível perceber em poucos minutos o seu gosto pelos ângulos insólitos de

Caligari e as técnicas de iluminação, maquiagem e interpretação que nasceram

nos palcos expressionistas da Alemanha e se mantiveram forte no cinema.

Praticando desde Cidadão Kane (1941) diversos malabarismos cinematográficos

a fim de criar universos de pesadelo. O Expressionismo encontra seu lugar

também nos thrillers psicológicos, onde intervém para criar um clima de loucura

com forte impacto visual. Alfred Hitchcock conseguiu fazer uso desses elementos

com refinamento sem igual, se utilizando do simbolismo expressionista nas cenas

em que seus personagens ultrapassam limites morais.

Em Suspeita (Suspicion, 1941), uma mulher que sonha com o

casamento perfeito casa-se com um sedutor que despreza a instituição

do matrimônio; ela passa a suspeitar de que ele quer envenená-la;

prisioneira da duvida, sua situação é refletida nas sombras da escada da

sala que, mais tarde, projetam, sobre a parede, grades imaginárias. Em

A Sombra de uma Dúvida (Shadow of a Doubt, 1943), para mostrar a

perversidade do tio estrangulador de viúvas, Hitchcock faz o sedutor

criminoso, vivido por Joseph Cotten, tomar seu café da manhã numa

cama cujo dossel dota-o de um par de asas negras. E o estrangulamento

de Miriam por Bruno, no parque de diversões de Pacto Sinistro

(Strangers on a Train, 1951) é mostrado através das lentes dos óculos

da própria vítima, caídos na grama, num big close-up deformado

(NAZÁRIO, 2002, p.533).

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Captura 11 – Cena do filme Suspeita de Alfred Hitchcock, 1941

Fonte: http://www.hitchcockmania.it

Captura 12 – Cena do filme Pacto Sinistro de Alfred Hitchcock, 1951

Fonte: http://www.hitchcockmania.it

Page 49: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

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No mundo das animações experimentais é possível se deparar com

diversas obras de artistas que encontraram inspiração no Expressionismo, citando

alguns dos principais nomes: Jacques Drouin com Mindscape (1974); Viviane

Elnécavé com Luna, Luna, Luna (1981); Georges Schwizgebel com La course à

l'âmbime (1985); Paul Berry com The Sandman (1992); e Tim Burton com Vincent

(1984). Destaque para a animação em bonecos de madeira do tcheco Jiri Barta

que faz uma esplêndida adaptação da lenda do Flautista de Hamelin na obra

Krysar (1985), toda feita com marionetes articuladas esculpidas em madeira,

casca de noz e outros materiais, os bonecos se misturam a pinturas, desenhos e

até mesmo tomadas filmadas com ratos vivos e outros empalhados, animados

quadro a quadro. O estilo dos bonecos, do mobiliário e da arquitetura é gótico

expressionista, os cenários trazem ruas e vielas tortuosas, edifícios que se

enroscam em direção ao céu e torres que culminam em gárgulas, uma atmosfera

sombria permeia todo o filme que não recua diante da violência de algumas

cenas. No clássico de Walt Disney Fantasia (1940) o episódio Aprendiz de

Feiticeiro apresenta um tratamento expressionista tanto na caracterização do

mago, quanto na atmosfera do castelo que projeta as sombras agigantadas de

Mickey Mouse. E em O Estranho Mundo de Jack (1993) de Henry Selick,

conseguimos admirar cenários minuciosos e arquitetura que fazem referência a

tela O Grito de Munch, por onde transitam personagens tipicamente

expressionistas, vilão, herói e mocinha que imitam os gestos dos atores dos

filmes mudos e trazem rostos pálidos que estampam todo tipo de emoção.

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No mesmo universo se inserem os longas-metragens de Tim Burton, que

marcam um Expressionismo com toques do gótico e do cyberpunk como é o caso

de Edward Mãos de Tesoura (1990), ou o trash sobrenatural misturado com o

mais puro caligarismo de Os Fantasmas se Divertem (1988). Em Batman, o

Retorno (1992) há ainda uma citação explícita ao ator Max Schreck que

interpretou Nosferatu, de Murnau. Citando ainda outro filme contemporâneo: em

Drácula de Bram Stoker (1992), Francis Ford Coppola remontou seqüências

inteiras de Nosferatu. Até mesmo no mundo da indústria de videoclipes musicais

o Expressionismo se fez presente no vídeo para a canção Otherside (1999), de

Jonathan Dayton e Valeria Faris, para o grupo Red Hot Chili Peppers, em

depoimento contido em um dos DVDs da banda o baixista alega ter visto um filme

"louco" de madrugada, que mais tarde ele descobriria se tratar de O Gabinete do

Dr. Caligari, seu fascínio pelas imagens expressionistas foi tanto que o músico

quis fazer um videoclipe nos mesmos moldes, dessa idéia inicial foi produzida

uma obra audiovisual que mescla o Expressionismo puro de Caligari ao universo

surrealista de artistas como Max Ernst, Salvador Dali, Man Ray e M. C. Escher.

Captura 13 – Cena de Krysar - Jiri Barta

Fonte: Krysar, 1985

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4 FOTOGRAFIA

4.1 A fotografia cinematográfica de Fritz Arno Wagner

Wagner foi um dos cinematógrafos alemães mais aclamados da década de

1920 se destacando pelo modo como construía as imagens. Suas técnicas

incluem o uso de ângulos de câmera que intensificam o suspense, além de ficar

claro nos filmes que trabalhou sua grande fascinação pelas sombras e obsessão

pela noite, assim como temas que exaltam o vício e o pecado. Ao contribuir para

filmes-chave do movimento, entre eles Nosferau de Murnau; A Caixa de Pandora,

de Pabst; e M, O Vampiro de Dusseldorf, de Lang; ajudou a construir a formação

estética da linguagem expressionista do período, calcando assim seu nome como

referência da cinematografia dentro do movimento. A influência da câmera de

Wagner pode ser percebida até nos filmes noir das telas americanas.

É lembrado principalmente por ter trabalhado com Murnau, inicialmente no

filme O castelo de Vogelöd (1921) e, mais tarde, o que veio a ser a obra mais

marcante da carreira tanto de Wagner quanto de Murnau, Nosferatu (1922). A

câmera de Wagner juntamente com a direção de Murnau garantiu as cenas mais

assustadoras da tela alemã, sabendo executar o movimento transversal que se

estende por toda a tela, conseguia fazer com que a figura do vampiro, por vezes,

adquirisse proporções gigantescas, se projetando para fora da tela.

Lista dos principais filmes com cinematografia de Wagner:

O castelo de Vogelöd (1921), de F. W. Murnau

A Morte Cansada (1922), de Fritz Lang

Nosferatu (1922), de F. W. Murnau

A Terra que Arde (1922), de F. W. Murnau

Mostrador de Sombras (1923), de Arthur Robison

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Espiões (1928), de Fritz Lang

Diário de uma Garota Perdida (1929), de Georg Wilhelm Pabst

M, o Vampiro de Dusseldorf (1931), de Fritz Lang

A Ópera dos Três Vinténs (1931), de Georg Wilhelm Pabst

O Testamento do Dr. Mabuse (1933), de Fritz Lang

4.2 Nova Objetividade

O período entre o final da Primeira Guerra Mundial e a ascensão de Hitler

ao poder testemunhou uma explosão cultural que englobou toda a Europa, mas

foi acima de tudo centrada na Alemanha. O auge do Expressionismo Alemão não

contava com uma arte fotográfica muito difundida no começo, uma vez que as

atenções estavam voltadas essencialmente para as artes plásticas e, mais tarde,

para o teatro. Foi somente na década de 20 que tanto o cinema quanto a

fotografia ganham força como vertente artística. Enquanto o cinema estava

começando a se aventurar na linguagem expressionista, as artes plásticas já iam

aos poucos migrando para uma nova linguagem. Os artistas expressionistas do

começo do movimento, em 1918, eram movidos pelo entusiasmo da possibilidade

de projetar o sonho de uma sociedade igualitária e solidária, reivindicando através

da arte, no entanto, à medida que avançava o tempo cada vez mais ia ficando

evidente a ineficácia dos governos durante a República de Weimar. Por volta de

1920 já se protestava contra o páthos exagerado da arte e os artistas iam aos

poucos percebendo a necessidade de voltar ao realismo. (MATTOS, 2002) Em

1925 já é possível discutir o esgotamento da linguagem expressionista e o

nascimento de uma tendência mais realista, que passa a ser conhecida como

Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit), predominando rapidamente na Alemanha

até a ascensão do nazismo em 1933.

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52

Um grande número de fotógrafos alemães, juntamente com pintores e

outros artistas de vanguarda, respondendo a destruição material e simbólica da

guerra, acharam a idéia de "novo" especialmente atraente e a noção de inovação

forma uma das primeiras narrativas da produção artística moderna na era

Weimar, esses fotógrafos emergiram então já dentro do novo movimento. O grupo

surge englobando diversas formas de arte e acabou tendo uma influência no

desenvolvimento estético da fotografia maior até do que os experimentos da

Bauhaus. O termo foi originalmente aplicado em 1925 por Gustav Hartlaub, diretor

do Manheim Art Gallery, ao trabalho de vários pintores que, em reação ao

Expressionismo adotaram um novo e realista estilo. Mais tarde foi também usado

para denotar uma nova abordagem para o cinema e a fotografia. Entre os

principais representantes da Nova Objetividade na pintura em 1925 estão Otto

Dix, Georg Schrimpf e Georg Scholz. O principal objetivo do grupo, contudo, não

era produzir arte expressionista, pelo contrário, como citado anteriormente, o

Nova Objetividade surge como uma reação ao Expressionismo que, diferente da

proposta direta do novo grupo, distorcia demasiadamente a realidade se

utilizando de excessos e elementos que remetiam ao abstracionismo e ao

surrealismo, o que não faz com o que o Nova Objetividade não seja de relevância

para o movimento Expressionista no que se trata da arte fotográfica que estava

sendo produzida no período.

O precursor do estilo na fotografia foi Albert Renger-Patzch que, fascinado

pela beleza contida na natureza e nos objetos feitos pelas mãos do homem,

começou em 1922 uma série de close-ups isolando o objeto de seu ambiente; e

acabou por descobrir notáveis formas que usualmente passam despercebidas por

olhos desatentos, desse modo suas fotografias permitiam que os outros

enxergassem o mundo com novos olhos. O fotógrafo procurava registrar seus

assuntos de forma objetiva e imparcial, sem deixar sua personalidade influenciar

na foto, se esforçando apenas para intensificar a apreciação do objeto

representando-o da forma mais realista possível: daí o termo Nova Objetividade

ou Novo Realismo. Por acaso, tanto Moholy-Nagy quanto Renger-Patzsch

publicaram suas diferentes visões da fotografia em uma mesma publicação, Das

Deutsche Lichtbild, em 1927, diferente do professor da Bauhaus, Renger-Patzsch

não sentia nenhuma necessidade de ampliar as barreiras da fotografia, muito pelo

Page 54: Dan a Das Sombras a Est Tica Do Cinema Expressionista Alem o Na Fotografia

53

contrário, ele acreditava que suas limitações ofereciam muitas oportunidades para

o desenvolvimento criativo uma vez que a fotografia fosse usada como deveria,

ao invés de tentar criar efeitos plásticos e pictóricos que, inevitavelmente,

levariam o fotógrafo a abandonar as características únicas da prática fotográfica.

Com a frase "O segredo de uma boa fotografia, uma que possua qualidade

estética, está no seu realismo" (GERNSHEIM, 1962) Renger-Patzsch ia aos

poucos se aproximando da linguagem documental, sem perceber reiterava idéias

de Paul Strand, cujo trabalho era desconhecido para ele. Renger-Patzsch

salientava que muito pouco valor era atribuído à possibilidade de mostrar a beleza

da textura contida em materiais como madeira, pedra, metal ou tecido, podendo

ser reproduzida pela fotografia com suas qualidades características obtendo um

resultado sem comparação a outros meios de reprodução artísticos, pensando na

extraordinária graduação de tons do mais claro ao mais escuro que se podia obter

além da representação fiel à forma, Renger-Patzsch via a fotografia como

superior a todas as outras artes. "Permita-nos, portanto, deixar a arte para os

artistas, e permita-nos tentar pelos meios da fotografia criar fotos que possam se

destacar apenas pela sua qualidade fotográfica - sem emprestar nada da arte”

(GERNSHEIM, 1962, p. 172).

Fotografia 1 – Quebra-mar em St. Malo, 1942 – Albert Renger-Patzsch

Fonte: Creative photography: aesthetic trends – Helmut Gernsheim

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O novo estilo de captar a realidade sem rodeios ou manipulações

posteriores começa a moldar um tipo de fazer fotografia que visa à nitidez da

imagem e da utilização da luz como meio expressivo, dando destaque as formas

e texturas, esse estilo começa então a ter uma significativa e muito importante

ressonância internacional que mais tarde acaba por gerar movimentos paralelos

como a Photographie Pure na França e a Straight Photography na América do

norte. Também influenciou o cinema realista de cineastas como Gerof Wilhelm

Pabst.

O movimento Nova objetividade acaba em março de 1933 com a ascensão

de Adolf Hitler ao poder, o que também ocasionou a destruição de muitas dessas

obras, por serem consideradas "arte degenerada", alguns artistas foram proibidos

de expor seus trabalhos o que causou a emigração de muitos deles para outros

países da Europa e, sobretudo, para os Estados Unidos.

4.3 Referências fotográficas expressionistas

Após passar por todos os principais momentos do expressionismo desde o

seu surgimento, tendo como principal meio de veiculação as artes plásticas até,

por fim, chegar às telas do cinema, é perceptível que a estética de filmes como

Caligari acabou se tornando um marco do movimento expressionista devido seu

caráter completamente inovador, e é também impossível deixar de notar todo o

potencial fotográfico de obras cinematográficas do gênero. O Expressionismo,

aliás, aparece como a primeira vertente cinematográfica que permite uma

observação não realista por parte do público, os fazendo pensar na imagem de

maneira essencialmente plástica. Desde então a magia do claro-escuro vem

sendo reproduzida das mais diversas maneiras, assim como o uso de sombras

deformadas que acentuam a estilização do cenário, a caracterização dos atores

através de maquiagem e figurino e a evocação de temas que rondam o sombrio, o

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55

sobrenatural, a morte e o profano, tomado por seres misteriosos que habitam um

universo de pesadelo.

A fotografia é um veículo mais do que perfeito para a evocação de tais

elementos tipicamente expressionistas, e não é difícil encontrar estes

componentes plásticos e estéticos em trabalhos fotográficos que,

conscientemente ou não, acabaram por emprestar alguns dos elementos-chave

do expressionismo cinematográfico. Tendo isso em mente, neste capítulo foram

destacados dois fotógrafos que, em seus trabalhos, acabaram por reproduzir

alguns dos principais elementos que remetem a estética cinematográfica

expressionista.

Irina Ionesco

Fotógrafa francesa que cresceu na Romênia antes de se mudar para Paris. As

fotografias de Irina Ionesco retratam quase sempre mulheres, que envoltas em

uma aura de magia, mistério e sedução esbarram por vezes no erotismo. Os

temas que toma como inspiração tem base essencialmente literária, tendo

predileção por contos de terror. Assim como nos estúdios alemães, que

conceberam filmes expressionistas vemos nas imagens de Irina Ionesco uma

preocupação com a ambientação, a estilização dos cenários, o figurino e a

caracterização das modelos, criando universos a partir das imagens. A fotógrafa

não dispensa o uso de câmera analógica, utilizando apenas filmes preto e branco

para fotografar, o que contribui para o toque de mistério das fotografias que datam

desde 1968 até os dias atuais.

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Fotografia 2 – Irina Ionesco s/d

Fonte: http://photoculteur.wordpress.com

Fotografia 3 – Irina Ionesco s/d

Fonte: http://voluminousandbillowing.blogspot.com

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Fotografia 4 – Capa do livro Nudes, 1996 - Irina Ionesco

Fonte: http://www.camerabooks.com

Fotografia 5 – Irina Ionesco s/d

Fonte: http://voluminousandbillowing.blogspot.com

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Fotografia 6 – Milena, 1972 - Irina Ionesco

Fonte: http://www.luminous-lint.com

Fotografia 7 – Irina Ionesco, s/d

Fonte: http://castawaynyc.blogspot.com

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Evgen Bavcar

Nascido na Eslovênia e completamente cego desde os doze anos, iniciou seu

interesse na fotografia quatro anos depois dos dois acidentes que tiraram sua

visão. Nas suas fotos, Bavcar trabalha a relação entre visão, cegueira e

invisibilidade, enfocando quase sempre o sombrio da noite. Em suas composições

temos sombras profundas que contrastam com alguns pontos luminosos onde

figuras enigmáticas surgem, através da técnica fotográfica percebemos que

Bavcar consegue extrair misticismo, fantasia e até mesmo algo de sobrenatural

dando um caráter irreal a objetos, paisagens ou pessoas reais. Remetendo, por

exemplo, a como o diretor F. W. Murnau conseguia se munir do realismo a fim de

distorcê-lo através da escolha certa de elementos, iluminação e posição da

câmera. Bavcar também utiliza muitas sobreposições e fusões, remetendo à

montagens cinematográficas.

Fotografia 8 – Hanna Schygulla, s/d – Evgen Bavcar

Fonte: http://www.zonezero.com/exposiciones/fotografos/bavcar

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Fotografia 9 – Caligula's head, Naples, s/d – Evgen Bavcar

Fonte: http://www.zonezero.com/exposiciones/fotografos/bavcar

Fotografia 10 – The hand on the stone, Pompeii, s/d – Evgen Bavcar

Fonte: http://www.zonezero.com/exposiciones/fotografos/bavcar

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Fotografia 11 – Geneva with the eagle, s/d – Evgen Bavcar

Fonte: http://www.zonezero.com/exposiciones/fotografos/bavcar

Fotografia 12 – Stairs with shadows, s/d – Evgen Bavcar

Fonte: http://www.zonezero.com/exposiciones/fotografos/bavcar

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5 PROJETO

Este projeto envolve não somente a aplicação dos meus conhecimentos

adquiridos ao longo de minha formação como fotógrafa, mas também a produção

de algo que envolve elementos que permearam toda a minha vida. A fascinação

pelo cinema, principalmente o de horror, me acompanha desde que consigo me

lembrar; já o interesse pela fotografia surgiu naturalmente durante a adolescência,

e foi no processo de envolvimento com a fotografia que percebi onde estava a

minha vocação. Desse modo concluo minha primeira formação no ensino

superior, e nesse processo de amadurecimento consegui canalizar minha

criatividade de modo a produzir trabalhos que unissem minhas duas paixões:

cinema e fotografia. E qual não foi minha surpresa ao perceber que tinham tanto

em comum? Fui apresentada ao termo Expressionismo Alemão no primeiro ano

de faculdade, o nome podia ser desconhecido ainda, mas as obras provenientes

de tal movimento, assim como os trabalhos contemporâneos inspirados nele, já

eram mais do que conhecidos por mim. Agora que eu já sabia qual termo

procurar, pude me aprofundar nas pesquisas e nos filmes. Quase quatro anos

depois e o assunto ainda me interessa.

No projeto fotográfico resultante desta dissertação, me dediquei a não

somente unir fotografia com cinema, mas também a compreender as raízes de

uma vertente cinematográfica que se destaca justamente pelo seu caráter

extremamente plástico, mostrando que seus elementos estéticos têm uma

capacidade fotográfica que funciona quase tão bem quanto os filmes. Ao congelar

alguns momentos de filmes como Caligari ou Nosferatu, temos cenas

perfeitamente enquadradas e bem pensadas, por que não explorar essa

montagem então?

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5.1 Produção

Após minuciosa pesquisa foram capturadas várias cenas-chave de dois

filmes em especial: O Gabinete do Dr. Caligari e Nosferatu. Usando as capturas

de tela foi possível analisar com mais cuidado os elementos estéticos estudados

como: vestuário, maquiagem, cenário e expressões faciais e corporais dos atores.

As fotos foram feitas inteiramente em estúdio, em um total de duas sessões,

usando uma fonte de luz contínua proveniente de um refletor (ou mini canhão de

luz), a fim de reproduzir os feixes de luz que remetem a iluminação teatral de Max

Reinhardt, que foi adotada mais tarde pelos filmes expressionistas. Com o refletor

também é possível garantir o efeito claro-escuro marcando as sombras e

produzindo distorções nas formas e expressões.

Os fundos foram produzidos por mim, usando como base tecidos tipo TNT

brancos e pintados com tinta preta de modo a remeter aos cenários abstratos de

Caligari, algumas fotos também possuem fundos feitos com tecidos. É importante

salientar que tais fotos não têm como intenção reproduzir as cenas dos filmes

exatamente como elas são, a intenção não é copiar uma cena de um determinado

filme, mas sim entender e interpretar a sua linguagem criando outras narrativas

que remetem a tais filmes. Todas as fotos foram capturadas digitalmente e

transformadas em imagens preto e branco na pós produção, o formato horizontal

foi priorizado uma vez que este é o mesmo da tela de cinema.

Os modelos foram escolhidos baseados em sua capacidade expressiva,

visto que o estilo expressionista tem como intuito a exacerbação dos sentimentos

através das expressões faciais e corporais presentes na dança, no teatro e no

cinema, a fotografia também precisa de pessoas que consigam transmitir o

máximo de sentimento em uma cena que dessa vez estaria estática. Para tanto,

todos os modelos das fotos são atores de teatro. Acho muito importante destacar

esse fato. Assim como os filmes expressionistas possuíam um elenco que vinha

essencialmente do teatro expressionista, percebi que a fotografia expressionista

também precisaria desse elemento. Não foram contratados figurinistas ou

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maquiadores, o vestuário usado nas fotos foi proporcionado em conjunto com as

pessoas envolvidas e a maquiagem produzida pelos próprios atores que se

basearam nas capturas de tela feitas por mim. Houve um cuidado em relação às

pessoas fotografadas, todas precisaram assinar um termo que autoriza o uso de

imagem.

5.2 Resultado

As imagens a seguir são uma prévia das realizadas durante o trabalho, sendo que

as selecionadas para apresentação à banca podem sofrer alterações.

Fotografia 13 – Making of

Fonte: Biblioteca pessoal de imagens

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa tentou mostrar um pouco do que foi o fenômeno artístico

chamado Expressionismo Alemão, que começou nas artes plásticas e terminou

no cinema, sendo este sua principal contribuição para a história, colaborando

enormemente para a construção da técnica fotográfica e ambientação cênica

através de imagens não-realistas dentro do cinema. Atravessamos diversas fases

do movimento e as transformações pelas quais foi passando, até chegarmos ao

esgotamento do Expressionismo na Alemanha quando os artistas do país

voltavam suas atenções para uma arte mais realista.

Como foi visto ao longo deste trabalho, diferentes nomes dentro do cinema

foram aos poucos contribuindo com elementos que, em conjunto, formam o que

viria a ser comumente reconhecido como “cinema expressionista”, tais elementos

estéticos foram apontados um por um e seus significados explorados até termos a

essência do que é a estética cinematográfica do cinema expressionista, vimos

que diretores como F. W. Murnau ensinaram ao mundo como contar histórias de

terror e como fazer o sobrenatural e o horror transbordarem da tela através da

ambientação expressionista, ou Robert Wiene que, com apenas um filme, soube

ditar as regras básicas para se criar um cenário expressionista.

Hoje podemos identificar desde a abstração de Munch até a distorção

“caligaresca” em filmes, curtas-metragens, animações e até videoclipes dos mais

diversos, tendo influenciado principalmente o cinema de horror.

Durante a pesquisa também foi possível observar que, uma vez que a

fotografia começou a ganhar impulso em um momento que os alemães saíam do

abstracionismo para uma tendência mais realista, o auge do movimento

expressionista, infelizmente não teve a fotografia como uma de suas vertentes

artísticas, sendo assim, meu projeto tem como intuito emprestar os principais

elementos estéticos cinematográficos dos filmes expressionistas e transformá-los

em linguagem fotográfica. Para tanto, as fotos apresentam atores de teatro

desempenhando papéis dos mais diversos, o intuito não é criar uma história

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distinta, mas pedaços de narrativas soltas que possam remeter a cenas de uma

história e passar a idéia de que uma ação estava acontecendo, sem deixar de

lado também o principal elemento expressionista, que é passar um estado interior

do indivíduo através da exacerbação dos sentimentos, os gestos e expressões

disformes que exprimem horror, tristeza ou maldade, fazendo uso da máscara

branca e olheiras como forma de expressar um estado mental ou físico, assim

como o uso de técnicas de estilização como maquiagem e figurinos, e o uso de

fundos pintados que remetem à abstração retorcida dos cenários feitos em

estúdio dos filmes alemães.

Talvez essas fotos pudessem transcender o tempo em que foram

capturadas e se transportar para o período expressionista da Alemanha, se

manifestando como tendência fotográfica, ou talvez sejam apenas registros que

exaltam a estética expressionista e todo o seu potencial fotográfico. Seja qual for

a interpretação, a intenção é que as fotografias aqui produzidas tenham

estampadas explicitamente sua fonte, fazendo com que o observador possa

compreender que tais imagens estáticas tem raízes cinematográficas. É sempre

muito difícil estabelecer os limites entre fotografia e cinema, os dois estão

constantemente se entrelaçando e buscando inspiração um no outro. Sem a

fotografia não existiria o cinema, e graças à invenção da fotografia pudemos

observar o cinema ganhando características estéticas próprias que, mais tarde,

poderiam ser reproduzidas também na arte fotográfica. O que é o cinema senão

uma sucessão de fotografias estáticas, reproduzidas em seqüência diante de

nossos olhos, em velocidade tal que temos a impressão de que estão em

movimento?

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REFERÊNCIAS

Referências bibliográficas

CARDINAL, Roger. O Expressionismo. São Paulo: Jorge Zahar Editor Ltda,

1984.

EISNER, Lotte H. A tela demoníaca: As influências de Max Reinhardt e do

Expressionismo. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1985.

MATTOS, Claudia Valadão. Histórico do Expressionismo. In GUINSBURG, J

(org). O Expressionismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

NAZÁRIO, Luiz. Quadro histórico. In GUINSBURG, J (org). O Expressionismo.

São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

NAZÁRIO, Luiz. O Expressionismo e cinema. In GUINSBURG, J (org). O

Expressionismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

NAZÁRIO, Luiz. De Caligari a Lili Marlene. São Paulo: Global Editora, 1983.

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Dissertações e teses

CRUZ, André Rodrigo. A influência do cinema expressionista alemão em

HQ's. 2005. 200 f. Dissertação (Bacharel em Design Gráfico) - Faculdade Senac

de Comunicação e Artes, 2005.

Informações em meios eletrônicos

BOCK, Hans-Michael. BERGFELDER, Tim. The concise Cinegraph:

encyclopaedia of German cinema. EUA: Berghahn Books, 2009. Disponível em:

<http://books.google.com/books?id=z7gFT_Duq1cC>. Acesso em: 08 out. 2011.

GERNSHEIM, Helmut. Creative photography: aesthetic trends, 1839-1960.

Toronto, Canadá: General Publishing Company, Ltd., 1962. Disponível em:

<http://books.google.com.br/books?id=ajAHXtE3XiwC>. Acesso em: 08 out. 2011.

MEMORY, the art of. Fritz Arno Wagner, cinematographer & 13 stills from

Mabuse. EUA, 2007. Disponível em:

<http://theartofmemory.blogspot.com/2007/06/fritz-arno-wagner-cinematographer-

13.html>. Acesso em: 09 out. 2011.

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MICHALSKI, Sergiusz. New objectivity: painting, graphic art and photography

in Weimar Germany. Itália: TASCHEN GmbH, 2003. Disponível em:

<http://books.google.com.br/books?id=i1fn6BDAu5YC>. Acesso em: 08 out. 2011.

Filmes e vídeos

A SOMBRA de uma dúvida. Direção Alfred Hitchcock. Manaus: Universal

Pictures, 1942. 1 DVD (108 min.), son., color. Legendado em português

DOUTOR Mabuse parte 1: O Jogador. Direção Fritz Lang. São Paulo: Continental

DVD Home Video, 1922. 1 DVD (120 min), pb. Legendado em português

DOUTOR Mabuse parte 2: O Inferno do Crime. Direção Fritz Lang. São Paulo:

Continental DVD Home Video, 1922. 1 DVD (109 min), pb. Legendado em

português.

FAUSTO. Direção F. W. Murnau. São Paulo: Continental DVD Home Video, 1926.

1 DVD (126 min), pb. Legendado em português.

GOLEM. Direção Paul Wegener. São Paulo: Continental DVD Home Video, 1920.

1 DVD (68 min.), pb. Legendado em português.

M, O Vampiro de Dusseldorf. Direção Fritz Lang. São Paulo: Continental DVD

Home Video, 1931. 1 DVD (105 min.), pb. Legendado em português.

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METROPOLIS. Direção Fritz Lang. São Paulo: Continental DVD Home Video,

1927. 1 DVD (115 min.), pb. Legendado em português.

NOSFERATU. Direção F. W. Murnau. São Paulo: Continental DVD Home Video,

1922. 1 DVD (63 min.), pb. Legendado em português.

O FLAUTISTA de Hamelin. Direção Jiri Barta. São Paulo: Magnus Opus, 1985. 1

DVD (79 min.), color. Legendado em português.

O GABINETE do Doutor caligari. Direção Robert Wiene. São Paulo: Continental

DVD Home Video, 1919. 1 DVD (52 min.), pb. Legendado em português.

OS Nibelungos, a morte de Siegfried. Direção Fritz Lang. São Paulo: Continental

DVD Home Video, 1923. 1 DVD (95 min.), pb. Legendado em português.

OS Nibelungos, a vingança de Kriemhild. Direção Fritz Lang. São Paulo:

Continental DVD Home Video, 1924. 1 DVD (120 min.), pb. Legendado em

português.

PACTO sinistro. Direção Alfred Hitchcock. São Paulo: Parte integrante do livro

Coleção Folha Clássicos do Cinema 5, 1941. 1 DVD (101 min.), pb. Legendado

em português.

SUSPEITA. Direção Alfred Hitchcock. São Paulo: Continental Home Video, 1941.

1 fita de vídeo (99 min.), pb. Legendado em português.

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GLOSSÁRIO

Páthos: palavra grega para a expressão acentuada de sentimentos, na arte é

usada para designar a experiência que se tem ao contemplar uma obra que

desperta tais sentimentos.

Friedrichstrasse: famosa rua alemã localizada no centro de Berlim; foi um dos

pontos cortados pelo Muro de Berlim e atualmente está entre os maiores centros

culturais e comerciais da Alemanha.

Trucagem: artifícios realizados em áudio ou vídeo que tem como objetivo dar uma

aparência real a uma cena que, de outro modo, não poderia ser filmado.

Plongée: deriva do francês significando “mergulho”, é o plano onde a câmera está

posicionada acima do seu objeto que é visto em ângulo superior, "de cima para

baixo".

Filme noir: basicamente significa "filme escuro", é um gênero cinematográfico que

surgiu nos anos 1940 nos Estados Unidos e consiste em dramas policiais

carregados psicologicamente, possuí um visual caracterizado pelas imagens de

alto contraste e com sombras dramáticas

Thriller: livro, filme ou peça de suspense que usa a tensão como principal

elemento.

Cyberpunk: junção de "cibernética" com "punk", é um gênero de ficção científica

que empresta elementos dos filmes noir, tem como foco histórias envolvendo

personagens com vida decadente num ambiente de alta tecnologia