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XI CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS – XI CBAS Data: 17 a 22 de outubro de 2004 – FORTALEZA / CE A Construção e Consolidação dos Direitos no Brasil (Prof. Dalmo de Abreu Dallari – Jurista ) Caro colega e amigo, velho companheiro, professor José Paulo. Caríssimos e caríssimas, participantes desse congresso. Quero antes de tudo, agradecer os organizadores desse encontro, pelo prazer, pela honra, de estar aqui. Mas, além disso, eu quero também, de inicio, dizer que considero um privilégio poder estar falando a este auditório, falando à pessoas que tem uma militância na vida social brasileira, falando a respeito de algumas questões fundamentais relacionadas com os direitos, é sempre um desafio falar a respeito de direitos para um auditório tão especializado em matérias sociais. Mas, eu tenho tido esta oportunidade muitas vezes e, acho que é mesmo muito importante falar sobre direito para quem não frequentou uma faculdade de direito e não tenha uma formação técnico-jurídica, por muitas e muitas razões que eu vou procurar demonstrar em seguida. Mas, desde logo, um ponto que eu considero muito importante deixar claro e, isso eu tenho dito também aos juízes, aos promotores, aos estudantes de direito, é que nós, nós humanidade, nós Brasil, estamos vivendo o momento revolucionário e aqui eu esclareço: para o jurista esta revolução não é praticar violência, não é dar tiros... Mas o que é a revolução para o jurista? É a substituição de uma ideia de direito por outra ideia de direito. E isto está acontecendo no mundo, [...] e o Brasil está exatamente dentro dessa linha revolucionária de direito e é importantíssimo que vocês que atuam na linha de frente, vocês que atuam nos setores onde as injustiças sociais são mais gritantes, é muito importante perceberem também o que é o direito nesse

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XI CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS

XI CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS XI CBAS

Data: 17 a 22 de outubro de 2004 FORTALEZA / CE

A Construo e Consolidao dos Direitos no Brasil

(Prof. Dalmo de Abreu Dallari Jurista)

Caro colega e amigo, velho companheiro, professor Jos Paulo. Carssimos e carssimas, participantes desse congresso. Quero antes de tudo, agradecer os organizadores desse encontro, pelo prazer, pela honra, de estar aqui. Mas, alm disso, eu quero tambm, de inicio, dizer que considero um privilgio poder estar falando a este auditrio, falando pessoas que tem uma militncia na vida social brasileira, falando a respeito de algumas questes fundamentais relacionadas com os direitos, sempre um desafio falar a respeito de direitos para um auditrio to especializado em matrias sociais.

Mas, eu tenho tido esta oportunidade muitas vezes e, acho que mesmo muito importante falar sobre direito para quem no frequentou uma faculdade de direito e no tenha uma formao tcnico-jurdica, por muitas e muitas razes que eu vou procurar demonstrar em seguida.

Mas, desde logo, um ponto que eu considero muito importante deixar claro e, isso eu tenho dito tambm aos juzes, aos promotores, aos estudantes de direito, que ns, ns humanidade, ns Brasil, estamos vivendo o momento revolucionrio e aqui eu esclareo: para o jurista esta revoluo no praticar violncia, no dar tiros... Mas o que a revoluo para o jurista? a substituio de uma ideia de direito por outra ideia de direito. E isto est acontecendo no mundo, [...] e o Brasil est exatamente dentro dessa linha revolucionria de direito e importantssimo que vocs que atuam na linha de frente, vocs que atuam nos setores onde as injustias sociais so mais gritantes, muito importante perceberem tambm o que o direito nesse quadro, para que ele serve, mas tambm para que ele tem servido... ento, sobre esses aspectos, que eu quero conduzir a minha reflexo.

E aqui eu acrescento uma coisa que eu tenho dito muitas vezes aos estudantes de direito, quando o estudante comea o seu curso de direito ele tem alguma noo do que direito, quando ele termina o curso de direito ele no sabe mais o que direito... .Por que so tantas as teorias, so tantas as maneiras de confundir que, no fim, se jogam cortinas de fumaas, se fazem distores e, ento, preciso ir ao centro do problema falar com simplicidade, para que as pessoas entendam, afinal, o que o direito? Para que serve o direito? E o que tem sido o direito?

Quando me foi feito o convite, muito honroso, para estar aqui com vocs, sugeriram que fizesse uma reflexo sobre a questo da criao e consolidao dos direitos no Brasil. E eu comeo falando sobre uma questo mais geral que a questo da criao do direito. Quem que cria o direito? Como se cria o direito? Para que se cria o direito? E para dar resposta a isso de maneira simples, mas que toca no ponto essencial, temos que iniciar lembrando um dado que muito simples, um dado muito simples que est perante todos ns, mas sobre o qual geralmente as pessoas no refletem: a natureza associativa da pessoa humana.

Quer dizer, h alguns sculos, h muitos sculos, um grande filsofo grego, Aristteles escreveu que o homem um animal poltico e o que ele queria dizer com esse animal poltico... Poltico, uma palavra que est no nosso vocabulrio, passou para a lngua portuguesa, entretanto a gente usa um sentido muito especfico, mas poltico no sentido grego significa da plis, que quer dizer da convivncia. Ento, quando Aristteles diz que o homem o animal poltico, ele queria dizer um animal que no existe sozinho, o homem no existe sozinho. Ento, quando eu disser o ser humano vive, eu tenho que me lembrar que ele convive. Ningum vive sozinho e ele prprio comea uma indagao, uma indagao importante a respeito das razes pelas quais o ser humano no vive sozinho, se o ser humano no vive sozinho (animal humano no vive sozinho) por causa de alguns fatores que integram a sua prpria natureza, assim para comear com o que era mais simples, por necessidade material, se eu posso imaginar a pessoa mais rica do mundo, essa pessoa no consegue viver sozinha, no consegue sequer se alimentar sozinha e se eu fizer uma indagao, daqui de todas as pessoas que esto aqui agora, quem foi que plantou a comida que comeu?, quem foi que criou o gado da carne? quem foi que criou a vaca para ter o leite?, quem foi que plantou aquilo que comeu hoje?, a resposta provavelmente ningum, mas todos se alimentaram... E o que significa isso?

Que muita gente trabalhou para que todos se alimentassem. Mostra a dependncia e a evoluo da vida humana e s aumentou essa dependncia quando aumentaram as populaes, quando as populaes passaram a conviver nas cidades, a essa dependncia do outro aumentou muito. O animal humano nasce e durante muito tempo no consegue sequer sobreviver se no tiver quem o alimente e quem cuide dele. Ento o ser humano dependente do outro por necessidade material e essa uma necessidade natural da pessoa e de todas as pessoas, no h exceo, mas a par disso eu verifico, que h outras necessidades que fazem com que o ser humano conviva.

Assim por exemplo: a necessidade intelectual, que dizer, h milnios se diz que o ser humano um ser racional, um ser que raciocina, que pensa e, se ns observarmos o que acontece conosco, ns vamos ver que realmente a gente pensa e pensa o tempo todo. Aqui tambm h uma brincadeira que eu costumo fazer que, uma proposta, mas no para vocs fazerem agora: tentem ficar um minuto sem pensar, ento agora eu vou ficar um minuto sem pensar, no momento em que voc diz agora eu no estou pensando, voc est pensando que no est pensando.

No h hiptese alguma, o ser humano pensa o tempo todo, ainda que no queira e, mais do que isso, ele pensa, avalia e julga.... Nesse momento, vocs sem quererem, l no ntimo, esto me julgando, julgando na maneira de falar, vocs julgam a roupa do colega, da amiga, vocs julgam quando veem uma criana abandonada na rua, julgam quando veem um rico passar com o seu carro, profere-se uma poro de julgamentos... . O ser humano pensa, avalia e julga e, alm do mais, alm dessa decorrncia do fato que a gente pensa sem querer, a gente julga sem querer.

O ser humano tem necessidade de expressar o seu pensamento e a necessidade intelectual eu tenho a necessidade de comentar com o outro [...]. O ser humano tem necessidade intelectual alm da necessidade material, mas o ser humano tem outras necessidades, por exemplo: a necessidade espiritual, e aqui pondo de lado confisses religiosas, no disso que se trata qual confisso necessidade espiritual e aqui eu quero dizer a vocs, eu j tenho uma longa carreira com muitas experincias, no Brasil e fora do Brasil, eu perteno a uma organizao, a Comisso Internacional Jurista, uma organizao que assessora a ONU para direitos humanos e ns vamos a misses para diferentes partes do mundo onde h denncias de violncia graves contra os direitos humanos, eu j estive em misso na ndia duas vezes, fui no Himalaia, em Moambique, em Angola, j fui a vrios pases da frica, da Amrica Latina e circulei muito pelo Brasil... E, um dado que importante, significativo e eu verifiquei isso em todas as culturas, que, todas as culturas tm uma religio, essas religies variam, a idia de um ser superior, de uma divindade, ou o nome que se queira dar, isso varia, mas todas as culturas sem nenhuma exceo tm uma religio e a necessidade espiritual do ser humano. O ser humano necessita do sobrenatural, desse contato com o inexplicvel, isso uma manifestao religiosa, ento o ser humano tem necessidade da religio e um aspecto que tambm importante, que acompanha isso, que as manifestaes religiosas nunca so individuais, so de grupos, os grupos tm religies, mais uma vez, a necessidade da convivncia....

Alm disso, necessidade material, necessidade intelectual, necessidade espiritual eu acrescento outra necessidade que s pode ser atendida na convivncia e tem uma consequncia enorme na vida das pessoas, de todas as pessoas a necessidade afetiva, o ser humano tem necessidade de afeto, todos os seres humanos tem necessidade de afeto, alguns sentem isso mais agudamente, ou as vezes manifestam mais claramente essa necessidade, exatamente quando vem a carncia afetiva , quando falta afeto, mas todos ns no h exceo, todos nos gostamos de ns sentir queridos, amados, isso faz parte da natureza humana, mas tambm a necessidade de dar amor, de dar afeto, eu garanto que no exagero em dizer que um dos grandes problemas do Brasil de hoje, um grande problema da violncia, da violncia sobre tudo cometidas por jovens, a carncia afetiva, so pessoas que no recebem afeto, pessoas que so agredidas desde que nascem ou as vezes at antes de nascer, essa carncia afetiva afeta gravemente a vida das pessoas, ento o ser humano tem todas essas necessidades essenciais, que so inerentes a condio humana e necessidades que eles s atendem na convivncia. Ento aqui j est um primeiro dado, uma primeira concluso que fundamental, o ser humano necessariamente convive.

Agora eu vou comear a complicar esta convivncia: esse ser humano, necessariamente, vive e essencialmente livre, quer dizer, eu no tenho como acorrentar algum e dizer no sinta afeto, acorrentar e dizer no pense, no julgue, no avalie o ser humano livre, eu acorrento coloco no subterrneo ele continua livre, se o ser humano essencialmente livre, todos os seres humanos so essencialmente livres. E, nesse sentido, muitos filsofos falaram na liberdade natural da pessoa porque faz parte da natureza humana, todos so essencialmente livres. E, acrescento um outro elemento que acaba sendo um complicador na convivncia que a igualdade essencial: todos os seres humanos so essencialmente iguais e no importa a cor da pele, da lngua que falam, o curso que fez, se rico ou se pobre, essencialmente todos so iguais, um no fale mais do que o outro, um no fale menos do que o outro. Ento, agora eu vou adicionar esses elementos todos: essa necessidade natural da convivncia, convivncia de pessoas livres, livres para pensar, para avaliar, para julgar, livre para adotar comportamentos, isso do ponto de vista essencial... . bvio que a convivncia fator de conflito, porque cada um tem o seu ponto de vista, tem o seu ngulo de viso, tem as suas influncias, tem as suas preferncias, e ento essas pessoas que so necessariamente necessitadas de conviver, porque a natureza faz com que convivam, as pessoas so diferentes quanto sua individualidade, enquanto aquilo que preferem, enquanto aquilo que querem e avaliam... . E, aqui ento, eu coloco o problema bsico, como conseguir fazer com que a convivncia no seja um lugar de agresses de guerra, de todos contra todos, de conflitos, como eliminar o risco dos conflitos que esto inerentes na convivncia? Como fazer com que essa convivncia, em lugar de ser um fator de conflito, de guerra, seja um momento de criao, seja til para todos? Essa convivncia, til para todos, benfica, porque o ser humano inteligente criou regras de convivncia.

A convivncia se d segundo regras e exatamente a que nasce o direito, vejam que simples, fcil, basta a gente lembrar sem complicar, sem fazer citao de um terico alemo que os juristas gostam muito de fazer, no preciso nem falar latim... . Eu olho as pessoas como elas so, eu examino, examino aquilo que vejo perante meus olhos, aquilo que eu tenho perante minha vida, eu vejo isso, as pessoas convivem, convivem e essa convivncia til, ela produtiva, porque convivem segundo regras, regras de convivncia, e exatamente ai que nasce o direito.

nesse sentido que muitas teorias falaram na existncia dos direitos naturais porque so inerentes na natureza, nascem com as pessoas, o meu direito liberdade no me foi dado por ningum nasceu comigo, o meu direito de ser igual aos outros tambm no um presente no uma doao de ningum, nasceu comigo, e o que se significa foi que com o passar do tempo, com a evoluo da humanidade, isso que na essncia simples, foi se tornando complicado porque houve pessoas que por uma srie de circunstncias, assim por exemplo, h quem diga que assim como o ser humano tem essa percepo do outro, percebe que necessita do outro, e isso ajuda a desenvolver um sentimento de solidariedade, uma solidariedade imposta pela natureza, a natureza que determina ajudarem-se um aos outros seno todos vo sair perdendo, ento, eis a solidariedade natural.

Mas diz que h tambm o egosmo essencial no ser humano, o egosmo essencial, esse egosmo muitas vezes a gente disfara, esconde, no quer perceber, mas ele est muito presente, quando ns estamos numa situao determinada, eu poderia citar uma situao extremada, de eu morrer ou salvar a vida do outro, quem que vai morrer: eu ou o outro? Eu prefiro que morra o outro, e isso a gente vive mais: na briga por um cargo, por um emprego melhor, ningum est brigando comigo, pode ser minha melhor amiga, meu melhor amigo, uma pessoa de quem eu goste muito, mas ele ou eu, eu prefiro que seja eu. muito raro que algum diga: no, eu prefiro que seja o outro, mas s vezes pode acontecer, basicamente, no assim que as coisas acontecem. Ento, por isso, mais uma vez, h necessidade das regras para conter esses impulsos egostas, mas s vezes a gente no consegue fazer com que eles sejam contidos... .Voltando bem l atrs na histria da humanidade, ns vamos ver que os grupos primitivos criam suas regras e aqui quando eu falo dos grupos primitivos eu posso falar daqueles que existiam h milnios, mas posso falar daqueles que existem hoje e que tiveram pouco contato com a sociedade circundante.

Sim eu trabalho muito com ndios, esto sendo muito agredidos pela sociedade circundante e a gente percebe isso, tambm esses grupos tm as suas regras, tambm esses grupos tm o problema de fazer com que as regras sejam obedecidas e, um momento importante foi quando essas regras, estabelecidas pelo costume e que passaram a ser escritas e, aqui eu toco num ponto que muito importante na questo dos direitos, que a passagem do direito para a lei e eu tenho dito isso, isso tambm no mundo jurdico pouco subversivo, mas eu tenho dito isso, que o direito nunca injusto, a lei pode ser injusta, o direito aquilo que essencial, aquilo que decorre da natureza, pois houve um momento em que se considerou importante escrever aquilo que era o direito e a surgem muitos fatores, o nmero de pessoas vai aumentando, o ser humano vai descobrindo tcnicas novas, a sociedade vai se tornando mais complexa e nessa sociedade mais complexa vo surgindo os lderes, aquelas que comandam a sociedade... . O que se vai verificar, muitas vezes, que essa liderana, esse comando vai ser estabelecido em proveito de quem comanda, quando comea uma tremenda distoro, quer dizer o direito passa a ser privilgio, o direito passa a ser manipulado, passa a ser utilizado para grupos dominantes, ou pessoas dominantes, passa a se dizer que direito quilo que interessa para eles, o direito isso ento assim que vocs devem fazer, mas por coincidncia isso o que interessa para ele e dessa maneira passando em largos traos pela histria, que ns vamos assistir uma evoluo em que as regras de convivncia vo sendo modificadas em que, por exemplo, se vai estabelecer, em certa altura, que Deus deu para certas pessoas o direito de mandar: o direito divino dos reis h no fui eu, eu no queria, mas Deus queria ento eu tenho que mandar, claro que era uma mentira uma hipocrisia, era uma manipulao.... A depois veio os espertalhes e se apoderaram de pedaos de terra da melhor parte da terra, e dizem isso bom isso coisa da natureza, a natureza determinou isso, ento eu tenho a responsabilidade de cuidar dessa terra. Da a pouco vem um inverno forte e ocorre falta de alimento e ele vai dizer, olha quem quiser pode vir trabalhar comigo e eu dou um pouco de comida, e poucos estavam estabelecidos numa nova relao e essa relao chamada de direito, um novo direito.

O que ns vamos ver atravs da histria da humanidade que esse direito vai ser manipulado, quer dizer, se apresenta como direito natural naquilo que de convenincia de quem manda porque mais forte, porque se apossou da melhor terra, de quem mais arrojado, menos escrupuloso, mais egosta... E aqui, j idade mdia em que algumas pessoas tm muita terra e essa terra fator de dominao, assim nasce a nobreza, os bares, condes, viscondes, eram grandes proprietrios de terra, tinham homens, armas e, com isso, mantinham a dominao e, os outros, eram apenas os outros. Esses outros, ou aceitavam aquela dominao ou morriam de fome e, por isso, aceitaram a dominao. ento que se vai estabelecer o direito do dominador, de maneira muito clara. Quer dizer, a manifestaes desse direito so caros de injustias, so na verdade, imposies, mas os outros no tinham como recusar, por exemplo, durante um certo momento da idade mdia as pessoas iam viver nos feudos, os feudos eram uma grande unidade rural, comandada pelo senhor feudal, que dava proteo aos outros, mas os outros tinham que fazer o que ele queria e entre outras coisas se estabeleceu o direito das primcias, mas eram chamado de direito o que era o direito das primcias quando uma jovem do feudo ia se casar, o senhor tinha o direito de dormir a primeira noite com ela, esse era um direito, de um cinismo, de uma violncia, isso brutal mas representada como um direito. Ningum nem podia se opor a isso por que era o direito e isso acompanhado de maus tratos, maus tratos fsicos inclusive, da que surge na ideia de um direito natural. Para se opor essa ideia de direito natural vai surgir dentro do cristianismo, especialmente Santo Tomas de Aquino quem vai trabalhar muito essa ideia, o ser humano tem direitos naturais, por que so dados por Deus e interessante ser pouco divulgado por que no interessa divulgar mas, Santo Tomas pregava inclusive o direito de rebelio: se voc esta sendo vtima de um governo injusto voc tem o direito de se rebelar, o direito da rebelio, mas isto ficou complicado e foi enfraquecido por que a prpria igreja catlica se aliou com muitos tiranos.

Depois disso se avana, chega-se o momento do sculo XVII em que se diz no, realmente as pessoas tem direitos naturais, mas so direitos naturais por que so da natureza eu no preciso acreditar em Deus para ver. A pessoa tem direitos naturais basta eu olhar, chega, o ser humano inteligente, ele racional o momento do racionalismo pelo racionalismo, pela razo, eu percebo que as coisas so assim, percebo todos so livres, todos so livres todos so essencialmente livres. Ento se afirma a liberdade como um direito natural. Depois disso, todos so iguais outro direito natural, liberdade igualdade, e assim se chega na revoluo francesa, com o lema liberdade, igualdade, fraternidade, todos livres, todos iguais, e vivendo fraternalmente, mas, nessa altura j h um fator novo que vai interferir, distorcer isso, que o crescimento de uma rea econmica, de comerciantes e banqueiros pessoas que no tinham ttulo de nobreza mas que atravs do comercio, emprestando dinheiro tinham ficado muito ricas, tinham ficado com poder econmico, tinham poder econmico mas no tinham poder poltico e essas pessoas promovem vrias revolues, so as revolues burguesas. E, aqui eu quero fazer tambm um esclarecimento que muito importante que ainda h quem pensa que burguesia-burgueses coisa de comunista, que foi o Karl Marx que criou, nada disso a burguesia tem esse nome por causa de uma palavra que muito semelhante em vrios idiomas europeus que o burgo, o burgo dos franceses, burgo dos italianos e o burgo era o lucro urbano, as pessoas que saiam do feudo e iam morar na cidade. As cidades foram crescendo as cidades eram o burgos, nas cidades foi que apareceu esse comerciante, que apareceu esse comerciante que foi ficando rico, que depois ficou banqueiro, ele que o burgus, e ai importante lembrar que o burgus nasce no sculo XII, Karl Marx nasce no sculo XIX, ento o burgus muito mais antigo. um dado da histria e ainda hoje est presente, que esse burgus vai fazer a revoluo contra a nobreza, contra os privilgios da nobreza, e assume o poder, o burgus passa a comandar o processo poltico. Vou j ressaltar algumas coisas que so essenciais, naquele momento combatia-se o excesso de poder os monarcas absolutos, o absolutismo, absolutismo quer dizer falta de regras, o monarca absoluto dizia: - eu sou o Rei pela vontade de Deus, ento eu s devo contas Deus, e no prestava contas a ningum e cometia todas as violncias, tomava do outro o que o outro tinha e ento feitas as revolues burguesas se vai dizer no o melhor que o governo no seja de homens seja governo de leis, quem vai governar a sociedade so as leis. A lei no discrimina, e, ento, se inicia uma nova fase na historia da humanidade e, dela que ns estamos saindo agora a fase que se pretende que o governo seja o governo das leis e so as leis que governam.

Mas, se disser que a lei estabelecida legitima, justa, tudo tem que ser obedecido, no posso discutir. E, ento, vem a primeira constituio da Frana, em 1791 e essa constituio que vai dizer, que ningum pode ser obrigado a fazer alguma coisa a no ser com base na lei, por fora da lei, ningum pode ser proibido de fazer alguma coisa a no ser por fora da lei, a lei que manda, a lei que autoriza, a lei que probe, mas, ai vem a grande distoro que foi e tremenda, que est presente ainda nos dias de hoje. Quem que faz a lei? E foi essa a grande distoro, por que a constituio ao mesmo tempo em que dizia a lei quem manda, a lei que probe, a lei que determina, dizia: quem faz a lei so os delegados dos cidados.

Agora vocs acompanham o meu raciocnio: ento a lei que manda, lei ento sinnimo de direito, lei e direito passam a ser tratados como sinnimos, o direito s o que est na lei, no existe direito fora da lei, a lei todo direito, ai diz a constituio: quem faz a lei so os delegados dos cidados. Notem, no mais a lei natural, a lei que eu descubro na natureza humana, descubro pela razo, ela fabricada, quem faz a lei so os delegados dos cidados. A condio ainda vai mais alm: quem escolhe o legislador so s os cidados ativos, e para ser legislador tem que ser cidado ativo, o que se fez foi criar uma categoria social privilegiada dos cidados ativos. Antes, quem tinha o privilegio eram os nobres, agora no tem mais ningum conde, baro, visconde, mas h o cidado ativo, o cidado ativo que faz a lei, e fazendo a lei ele diz o que direito e o que no direito, ento os cidados ativos so uma categoria social superior privilegiada e claro eu quero saber ento, quem so esses cidados ativos, o que preciso para ser um cidado ativo?

Est escrito na Constituio Francesa com todas as letras., Primeira condio: era ser francs do sexo masculino, esse um dado extremamente importante por que a discriminao era legalizada, ento no eram os homens que estavam discriminando, eram a lei e, se lei a lei justa, a lei eu no discuto e quantas e quantas vezes eu ouvi vocs ouviram a me recomendando para a filha, obedea a lei a lei est mandando, obedecer a lei um ideal, mas se essa lei discrimina obedea a discriminao, e isso a gente v desde o comeo do sculo XIX. Por exemplo, neste ano, a Frana est comemorando os 200 anos do primeiro cdigo civil, e o cdigo civil dizia isso, o marido o chefe da sociedade conjugal. Essa mesma lei, a mesma constituio que estabeleceu essa diferenciao fixa o direito, que a lei. A lei um direito, quem faz as leis so os cidados ativos, pois como primeira condio ser francs do sexo masculino. Segunda condio: no ser empregado de ningum, os trabalhadores foram todos excludos, mulher e trabalhadores, legalmente excludos, a lei passou a ser fabricada pela camada superior da populao, a lei fabricada pelos burgueses evidentemente para atender seus interesses.

Justia, problema para jurista que aplica a lei, o jurista tem que aplicar a lei no interessa se justo ou injusto a conseqncia disso vem junto com a revoluo industrial, foi um aumento brutal das marginalizaes das diferenas sociais, quer dizer todos so iguais perante a lei, a lei igual para todos, e ao mesmo tempo se dizia o poder pblico que era o Estado no pode interferir para a vida social, por que seno ele estar tirando a liberdade das pessoas, as pessoas so todas livres cada um se vira, com sua liberdade, e o que se verificou desde comeo que muitos tinham desde o comeo o direito de ser livre sem que tivesse o poder de viver com liberdade todos so livres para escolher a comida que vo comer, mas quantos podem escolher a comida que vo comer? todos so livres para escolher onde vo morar? numa manso ou numa favela, todos so livres, quem sabe os favelados escolhem a favela por que acham mais pitoresco, mais ventilado, ele livre todos so livres est na Constituio Brasileira, todos so livres.

E, ento, ns estamos vivendo desde o comeo do sculo XIX com esse sistema de direitos que no so acompanhados das possibilidades, mas direitos que so estabelecidos para atender a convenincia de uns tantos privilegiados e a gente pode perceber isso: eu tenho amigos que so banqueiros empresrios, eu vejo eu ouo muito isso, como as coisas acontecem, um banqueiro tem um salrio pequenininho, coitadinho ele ganha pouco s que quando ele quer viajar para a Europa ele viaja com o carto de credito do banco, ele viaja, a mulher viaja, os filhos viajam, vo fazer turismo pelo mundo ele no ganha um salrio a empresa paga todas as despesas dele, chega na hora de declarar imposto de renda ele no paga imposto de renda por que o salrio dele to pequenininho e a gente pensa em uma pessoa que vive com muita modstia aquele salrio baixinho enquanto ele vive em uma manso, ele tem vrios carros, ele tem seguranas, ele viaja pelo mundo, mas a lei estabelece isso, ele tem o direito, legal o que ele faz. Mas claro, a lei, foram os amigos dele que fizeram, essa a manipulao do direito a fabricao do direito segundo as convenincias do grupo dominante e, no entanto, o funcionrio, o empregado chega ao fim do ms j vai receber o seu salrio com desconto de imposto de renda e isso legal tambm. Ento, por isso quando me disseram fala alguma coisa sobre a criao do direito eu achei que era muito importante chamar a ateno de vocs para essas coisas.

Utopias aquilo uma redundncia um absurdo e citou exatamente como exemplo os direitos das mulheres, que diz l no comeo que todos so iguais perante a lei. Ora se todos so iguais, homens e mulheres so iguais Se nos estamos vivendo num momento revolucionrio e, eu j disse isso, um momento de refazer a idia de direito, e isso comea a ser colocado na Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Constituio atual do Brasil segue nesta linha, e o que est acontecendo que se faz um trabalho para que a Constituio no seja aplicada. Quantas vezes vocs j leram e ouviram dizer que a Constituio Brasileira uma porcaria, mal feita, ela comprida demais, contraditria. Vou contar um milagre contando o santo: h uns dois meses eu participei de um seminrio nas Alemanha, chamado dilogo social e quem abriu o dialogo social foi o Ministro do Supremo Tribunal Brasileiro Gilmar Mendes, esse homem h anos est a servio dos oligarcas e a custa de muita subservincia, de muita concesso ele virou Ministro e ele comea l na Alemanha o congresso dizendo: o Brasil no tem Constituio, tem uma lista telefnica e passa a ridicularizar a Constituio Brasileira e o pior, a Constituio diz que a primeira funo do Supremo Tribunal a guarda da constituio com esse guarda a Constituio est perdida e ele dizia em seguida: os direitos ele dizia que esto na Constituio Brasileira so precisava dizer mais? Pior ainda, chega na parte dos direitos trabalhistas diz que proibido estabelecer diferena salarial por motivo de raa, religio ou de sexo, est ai outra vez, os direitos humanos, mas que absurdo, por que dizer tantas vezes, se tem que dizer tantas vezes, por que as injustias esto a, as discriminao esto sendo, aplicadas todos os dias. Ento preciso sim dizer tantas e redizer e aqui eu chego j com minhas concluses: queria chamar a ateno disso tudo a vocs para dizer que no o direito que ruim, a legislao que contem muitas injustias. E o que fazer para corrigir? trabalhar, trabalhar na linha de frente, esclarecendo as pessoas, estimulando a participao. A constituio brasileira criou uma srie de mecanismos de participao popular, ns temos que estimular esse participao fazer com que as pessoas acreditam esse um ponto muito importante. Se disser bobagem acreditar em direito, direito para rico... no, voc tem que acreditar no direito e tem que exigir que o direito seja justo, voc tem que exigir a possibilidade de influir sobre a elaborao do direito, como eu lembrei no inicio, direito um produto da vida social e a gente tem que exigir que o legislador, aquele que escreve a lei, oua o povo oua o que vem das pessoas, oua quais so os valores, o que as pessoas consideram justo e que o direito seja expresso da justia.

E o ltimo ponto: preciso trabalhar para que o direito seja aplicado, para a efetivao dos direitos, por que ns temos uma grande quantidade de direitos que esto apenas nas leis, mas no esto na realidade, ento preciso trabalhar, esclarecendo as pessoas, estimulando as pessoas, dizendo antes de mais nada, para todas as pessoas, voc uma pessoa, voc um ser humano, voc tem uma dignidade, essencial, no negocie isso, no abra mo disso, voc uma pessoa como todos so pessoas, voc no inferior, no inferior a ningum e alm disso estimular a participao no sentido da reivindicao, da denncia da exigncia de que a lei seja justa e seja efetivamente aplicada.

Um dado importante que eu queria lembrar a vocs para concluir que a Constituio, de 1948, pode ser dita uma Constituio Humanista a primeira Constituio Brasileira que comea falando de princpios todas as outras comeavam organizando poderes, por que essa diferente, por que comea falando de princpios, por que muitos brasileiros homens e mulheres foram rua, lutaram e enfrentaram inclusive a ditadura militar para que ns tivssemos uma Constituio justa. Ento preciso dar sequncia a isso e a Constituio prev a fora das associaes.

H dois pontinhos que eu queria lembrar que so instrumentos de luta importantssimos: um deles a importncia da associao, j no sculo XVIII, Montesquieu escreveu que a fora do grupo compensa a fraqueza do individuo vejam a fora do grupo compensa a fraqueza do individuo aquilo que eu no posso sozinho ns podemos trabalhando juntos, e da a gente percebe que as coisas esto comeando a mudar no Brasil, graas a ao comunitria, a ao social, a ao do grupo. Mas preciso que algum estimule esta ao, que algum d otimismo s pessoas, que algum ajude do ponto de vista material, ajude no sentido da eliminao imediata das injustias mais gritantes, das agresses mais violentas, mas ajudem inclusive no sentido de estimular a mudana institucional, que o povo realmente tenha um peso nas decises polticas e que a justia seja o grande objetivo da convivncia.

E aqui eu concluo lembrando uma belssima frase do Papa Joo XXIII, justia o novo nome da paz. Se ns queremos viver em paz, queremos a paz de conscincia, paz em nossa convivncia, preciso eliminar as injustias, onde h injustia ningum vive em paz. Do que adianta o individuo, como o caso daquele meu amigo do Rio de Janeiro, banqueiro muito rico e que tem vrias filhas que ele no deixa ir praia por que tem medo do seqestro, antes de sair de casa ele manda o carro dele com vrios seguranas darem voltas no bairro para saber se no h risco. Assim, esse homem no vive em paz, adianta ser rico dessa maneira, eu acho que uma grande burrice ser rico dessa maneira.

Quer dizer ento, trabalhar e, volto a dizer o que disse de inicio vocs j fizeram uma opo, vocs optando pelo Servio Social, vocs optarem pela promoo humana e uma auto-doao, a opo de vocs j um gesto de solidariedade. Ento, leve adiante com coragem com determinao, denunciando, ajudando a organizao de associaes e, quando for o caso, numa situao especial, recorram ao ministrio pblico, esse um dado muito importante do ponto de vista prtico. Tenho dito isso aos promotores se vocs esto trabalhando muito, eu sou um dos responsveis, eu digo para toda a gente, se vocs no sabem como resolver o problema procurem o ministrio pblico por que ele tem a obrigao, funo constitucional dele, garantir o respeito aos direitos, proteger as crianas, os ndios, os marginalizados de todas as espcies. A associao, a denncia ao ministrio pblico, so instrumentos extremamente importantes para a eliminao das injustias e proteo da dignidade humana. Em ltima anlise, a conquista da paz. Era isso que eu queria dizer a vocs.