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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros,com o objetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudosacadmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fimexclusivo de compra futura.

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    Sobre ns:

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutandopor dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo

    nvel."

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  • SUMRIO

    ApresentaoLista de siglas 1995 25 DE DEZEMBRO DE 1994

    A formao do ministrio30 DE JANEIRO A 5 DE FEVEREIRO DE 1995

    Os primeiros dias. O seminrio do Torto. A coordenao dosministros

    INCIO DE FEVEREIRO A 19 DE FEVEREIRO DE 1995Problemas na Comunicao. Reformas constitucionais. Agricultura

    19 DE FEVEREIRO DE 1995Liderana no Congresso. Presses externas: a questo mexicana,cmbio e Argentina

    22 DE FEVEREIRO DE 1995Questo agrria. Comunidade Solidria. Cmbio

    26 DE FEVEREIRO A 16 DE MARO DE 1995Itamar, telecomunicaes, bancos. Viagem ao Chile, bandacambial

    20 A 25 DE MARO DE 1995Repercusses da questo cambial. Gesto da equipe econmica.Reforma administrativa: discusses iniciais

    29 DE MARO A 14 DE ABRIL DE 1995Questes regionais. Relaes bilaterais. Fundo secreto naAeronutica

    14 de abril a 1o de maio de 1995Viagem aos Estados Unidos. Crise no Banco Central

    1o A 12 DE MAIO DE 1995A rea social

    15 A 21 DE MAIO DE 1995Crimes da ditadura. A questo agrria. Sivam

    21 A 30 DE MAIO DE 1995A greve dos petroleiros. Ainda a TR. A batalha das reformascontinua

    30 DE MAIO A 22 DE JUNHO DE 1995Ainda os petroleiros. Rusgas com Mrio Covas

  • 22 DE JUNHO A 8 DE JULHO DE 1995Davos. Crise com a Argentina

    10 A 29 DE JULHO DE 1995Msseis. Taxa de juros

    30 DE JULHO A 11 DE AGOSTO DE 1995Demarcao de territrios indgenas. Desaparecidos polticos.Viagem ao Uruguai (Mercosul)

    11 DE AGOSTO A 4 DE SETEMBRO DE 1995Rusgas entre Gustavo Franco e Jos Serra. A crise do BancoEconmico. Endurecimento do MST

    7 A 22 DE SETEMBRO DE 1995Os Sem Terra apertam o cerco. Crise bancria se aprofunda.Viagem Europa

    23 A 28 DE SETEMBRO DE 1995Discordncias entre Serra e Malan. Juros

    30 DE SETEMBRO A 6 DE OUTUBRO DE 1995PMDB. Reforma administrativa

    9 A 25 DE OUTUBRO DE 1995Mudana de comando no BNDES. Visita de Hillary Clinton. FundoSocial de Emergncia

    25 DE OUTUBRO A 8 DE NOVEMBRO DE 1995Crise bancria: Nacional e Bamerindus. Vitria na reformaadministrativa. Visita aos Estados Unidos

    12 A 16 DE NOVEMBRO DE 1995Debates sobre controle fiscal. Encontro do G-15. Estouro do casoSivam. Impasse sobre o Banco Nacional

    16 A 23 DE NOVEMBRO DE 1995Definio da sorte do Banco Nacional. Desdobramentos do casoSivam. Queda do brigadeiro Gandra e de Jlio Csar Gomes dosSantos

    23 A 25 DE NOVEMBRO DE 1995Ainda o caso Sivam. Crise no ncleo duro do governo. Queda deXico Graziano

    28 DE NOVEMBRO A 6 DE DEZEMBRO DE 1995A Pasta Rosa. Desgaste com a imprensa. Ainda a crise Sivam

    7 A 14 DE DEZEMBRO DE 1995Ainda a Pasta Rosa. Viagem China. Emendas constitucionais

    14 A 23 DE DEZEMBRO DE 1995Crise na Aeronutica. Atritos entre Antnio Carlos Magalhes ediretores do Banco Central

    23 A 31 DE DEZEMBRO DE 1995Desentendimentos com Lus Eduardo Magalhes. O ano termina.Natal em famlia

    1996

  • 1o A 5 DE JANEIRO DE 1996De volta a Braslia. Discusses sobre os rumos da economia e dogoverno. Maluf, obstculo aprovao da reeleio

    7 A 16 DE JANEIRO DE 1996Melhora nas relaes com Sarney. As tripas da Repblica. Acordocom as centrais sindicais sobre a reforma da Previdncia

    18 DE JANEIRO A 1o DE FEVEREIRO DE 1996Visita a Petrpolis. Viagem ndia, Espanha e Itlia

    2 A 7 DE FEVEREIRO DE 1996O MST e a questo agrria. Crise no Banco do Brasil. Ainda areforma da Previdncia

    10 A 21 DE FEVEREIRO DE 1996Questo sindical. Guerra fiscal

    22 DE FEVEREIRO A 5 DE MARO DE 1996Viagem ao Mxico. Novas perspectivas para o Mercosul

    8 A 17 DE MARO DE 1996Articulao poltica para as reformas. Reflexes sobre o processode modernizao. Viagem ao Japo

    19 A 26 DE MARO DE 1996Estados Unidos: negociao de tarifas. Crise com Sarney. Adefinio da CPI dos bancos. Composio partidria: PPB e PMDB

    27 DE MARO A 11 DE ABRIL DE 1996Relao com a imprensa. Reflexes sobre a reforma do Estado.Viagem ao Nordeste

    15 A 23 DE ABRIL DE 1996Sarney e Itamar. Encontro com a classe artstica. O Massacre deEldorado dos Carajs

    25 DE ABRIL A 3 DE MAIO DE 1996Presses do PPB para apoio s reformas. Queda de DorotheaWerneck. Nomeao de Lus Carlos Santos para a coordenaopoltica. O MST

    5 A 12 DE MAIO DE 1996Candidatura Serra prefeitura de So Paulo. Negociaes comlderes sindicais. Invaso do gabinete de Malan por grevistas

    14 A 21 DE MAIO DE 1996Previdncia. Telefonia celular. Banco Bamerindus

    22 DE MAIO A 8 DE JUNHO DE 1996Candidatura Serra prefeitura de So Paulo ganha corpo.Viagem Frana. Definio de candidaturas estaduais

    10 A 23 DE JUNHO DE 1996Tentativa de reconciliao com a imprensa. Avanos nasnegociaes sobre a emenda da reeleio. Dificuldades naReforma Agrria

    24 DE JUNHO A 23 DE JULHO DE 1996Viagem Argentina. A reabertura do caso Lamarca. Agrava-se a

  • situao do Bamerindus. Negociao da CPMF25 DE JULHO A 15 DE AGOSTO DE 1996

    Aprovao da CPMF. Caso Lamarca. Campanhas municipais16 DE AGOSTO A 11 DE SETEMBRO DE 1996

    Articulaes com Sarney. Reformas na Educao. Reflexo sobrenovos caminhos para o governo

    12 DE SETEMBRO A 1o DE OUTUBRO DE 1996Globalizao e OMC. Discusses sobre reeleio ganham vulto.Visita de Helmut Kohl

    2 A 8 DE OUTUBRO DE 1996Eleies municipais

    10 A 24 DE OUTUBRO DE 1996Negociaes partidrias (PPB) para a emenda da reeleio.Reflexes sobre o governo Collor. Tenso entre PFL e PMDB

    26 DE OUTUBRO A 4 DE NOVEMBRO DE 1996Discusses sobre a privatizao da Vale

    5 A 13 DE NOVEMBRO DE 1996Demisso de Adib Jatene. Conversas com o primeiro-ministro daChina. Cpula Ibero-Americana no Chile

    14 A 29 DE NOVEMBRO DE 1996Escndalo dos precatrios. Segundo turno das eleies municipais.Rixas entre Motta e Maluf. Encontro com Itamar. Viagem aAngola e frica do Sul

    3 A 12 DE DEZEMBRO DE 1996CPI dos precatrios. O novo ministro da Sade. Congresso inquieto:eleies da Cmara, do Senado e reeleio

    16 A 23 DE DEZEMBRO DE 1996Reunio da cpula do Mercosul. O impasse da venda doBamerindus. Votao para a reeleio

    25 A 30 DE DEZEMBRO DE 1996Reflexes sobre poltica, reeleio. Leituras e descanso no fim doano

    Sobre o autor

  • E

    APRESENTAO

    stes Dirios foram gravados, eu no os escrevi. Como contoadiante, suscitado por uma amiga a faz-los, percebi que o dia adia da Presidncia no Brasil (no sei se no assim em todo canto)no me permitiria o folgar necessrio para pegar a caneta, ou

    melhor, o computador, ao qual eu mal comeara a me ajustar, e escrever.A inevitvel aspirao a uma escrita mais bem cuidada iria me torturar, eeu no teria tempo para realizar o objetivo a que me propusera.

    Resolvi ento gravar o que ocorria e fazer, de vez em quando,comentrios de natureza mais reflexiva. No fiz isso diariamente, tentavarecordar a cada dois ou trs dias, geralmente noite, o que acontecera nosdias anteriores. O gravador tornou-se meu padre confessor ou, quemsabe, falta de um psicanalista que nunca tive, o mdico de minha alma.Nele, eu desabafava.

    S fui ver o resultado das gravaes alguns anos depois de haverdeixado as funes presidenciais. At ento apenas uma pessoa,dedicadssima, a quem muito devo nos mais de quarenta anos detrabalho comigo, teve a pachorra de escut-las e transcrev-las: DanielleArdaillon. At hoje s ela escutou os oito anos e fez o que pde paratornar letra escrita o que eu falava, nem sempre pronunciando comclareza, ainda mais com as imperfeies de gravadores precriosmanejados por operador de baixssima competncia tecnolgica.

    Recordo que num dos curtos perodos que passei na UniversidadeBrown, provavelmente em 2005, levei comigo um pen drive, com opropsito de comear a revisar os textos. Foi a nica vez, antes de resolverque os publicaria, que ouvi e li trechos do que gravara. No tendocumprido inteiramente a tarefa, levei o pen drive dos Estados Unidos paraa Espanha, onde viajaria de Madri ao Pas Basco em passeio com a Ruth. Aosair do hotel em que estvamos em Madri, algum roubou do porta-malas do carro a pasta com os passaportes, pouco dinheiro e o pendrive. a primeira vez que conto essa histria, mas o certo que Ruth e eulevamos tempos aflitos: e se o ladro descobrisse as gravaes? De possedo passaporte, intil para ele porque diplomtico e mencionando aqualificao de ex-presidente, chegaria ao autor das falas. Poderia vend-las ou sabe l o que mais fazer. Passaram-se anos e nada. Deve ter jogado open drive no lixo

    Agora, que decidi publicar ainda em vida informaes que foramditadas para depois da morte, fico me perguntando se o destino daquelepen drive no me daria maior sossego do que a deciso de mostrar aosleitores o que eu registrava, como reagia s presses do cotidiano, como as

  • coisas se apresentavam a mim, como julgava amigos e adversrios, comomeus pontos de vista variavam.

    Alm do mais, mesmo que as anotaes no tivessem esse propsito,elas abrem frestas para chegar a meus sentimentos, coisa que em geralprocuro manter margem. Por que ento, meu Deus, resolvi tornarpblicos estes dirios?

    Talvez porque quisesse desfrutar do prazer e dos incmodos de ver asreaes, talvez porque ache que, passados mais de doze anos do exerccioda Presidncia, no se justifique deixar trancadas, no diria informaes(quase todas so conhecidas), mas descries e vises de como sedesenrola o processo de governar. Ele sofrido, como o leitor j ver,quando quem o detm, alm da natural vontade de manter o poder,possui a preocupao, obsessiva, de transformar, de reformar prticas einstituies enraizadas em interesses e sancionadas por nossa culturapoltica.

    Talvez tambm tenha resolvido publicar os Dirios pela similitudeque possa haver entre as dificuldades que estamos atravessando e aquelasque enfrentei. Fazamos, ento, um esforo enorme para ajustar o pas democracia e adequar a economia s transformaes de um mercadoque se globalizara, num contexto em que o peso da dvida social enorme. Hoje, as dificuldades de governar so as de sempre, mas osobjetivos so menos os de adaptar o pas modernizao poltica eeconmica e mais os de seguir caminhos de poltica econmica e dehegemonia partidria que no parecem levar a bom rumo.

    Devo admitir, tambm, que no me contive ao ver a massa deinformaes que podem servir anlise de nossa poltica e de nossoscostumes. Quis mostrar que em algumas ocasies eu me antecipara aoque aconteceria, embora nem sempre conhecer seja poder.Frequentemente no consegui debelar na ao o que sabia necessrio.

    Tambm quis mostrar o infundado de muitas apreciaes sobre meugoverno, sobretudo quanto a acusaes que se repetem e cujas verses, seno so as nicas, aparecem no livro tal como delas tomei conhecimentoe como a elas reagi. A natureza imediata e espontnea das gravaespermite avaliar melhor o que aconteceu, sem justificativas posteriores.

    Os Dirios mostram como minha apreciao sobre as pessoas variouno transcorrer do tempo. Posso ter sido injusto com amigos e adversrios.Mudei de opinio sobre alguns deles. Nem sempre o que era meusentimento em um momento o foi no outro. Decidi no omitir minhasprprias vacilaes, dvidas e contradies. Peo desculpas, de antemo,sobretudo aos que tanto me ajudaram a governar e aos amigos, em geralmais presentes nos textos do que os eventuais adversrios, pois gravavasobre meu cotidiano, por sorte mais povoado por colaboradores e amigosdo que por adversrios.

    Mesmo no caso destes, sou s vezes injusto ou exagero ao julgarpessoas de partidos distintos do meu, contrrias s minhas polticas ou, svezes, defensoras de partes delas. Ao sabor do momento mostrava minha

  • irritao ou a sensao de estar sendo trado. Alguns dos que critiqueiasperamente se tornaram amigos e o so at hoje.

    Mudei de opinio sobre decises tomadas, como se ver pela leiturado livro. s vezes no eram os sentimentos que mudavam, mas a situaopoltica. Por exemplo, o caso da reeleio. Embora desde a Constituinte eutivesse sido favorvel sua instituio, julguei a princpio, logo que o temaentrou na agenda j havia sido apresentada pelo deputado MendonaFilho, do PFL-PE, a emenda que autorizava a reeleio , que para mimela seria antes prejudicial do que positiva. Minha famlia no pareciaestimulada com minha permanncia no governo por mais quatro anos eeu estava cansado de tantos aborrecimentos. Politicamente eraconstrangedor autorizar minha prpria reeleio. Preferiria, a ser levadaadiante a deciso, um tipo qualquer de consulta popular, a que ospartidos que me apoiavam se opunham.

    Convenci-me de que uma vantagem havia, desde logo, com aaprovao da emenda, pois haveria a hiptese de eu ser candidato, o que,dada minha fora eleitoral na poca, inibiria candidaturas prematuras quej rondavam em 1996 e que, se consolidadas, diminuiriam minhaschances de aprovar as reformas que julgava necessrias para o pas.

    De mais a mais, na Reviso Constitucional de 1993 houve a deciso dealterar o mandato que a Constituinte fixara em cinco anos, reduzindo-opara quatro com uma reeleio. Houve delongas, esgotou-se o prazo paravotar a reeleio, ficamos com os quatro anos apenas, o que parecia serinsuficiente para que um governo fizesse obra de mais vulto. Colocada aquesto da reeleio na agenda do Congresso, entre 1996 e 1997 as coisasmudaram de figura: era ganhar ou ganhar a regra do jogo poltico(quanto alegada compra de votos, deixemos para o prximo volume,quando o tema deve aparecer).

    Assim como nesse caso, h no livro o registro de como tomeiconhecimento do que veio a ser considerado o escndalo do Sivam, ouo caso da Pasta Rosa, cuja leitura evidencia o ridculo de me atribuirqualquer malfeito.

    Afora esses e outros pormenores da pequena poltica, h anlisesreiterativas das relaes entre a mdia e o poder. Transparece minhareao, frequentemente excessiva, de algum que, emboracompreendendo e aceitando o papel que a mdia possui de anteciparerros e fazer denncias, no deixava de extravasar irritao pelo que, dongulo subjetivo, pareciam ser exageros ou injustias.

    Outros casos, como o do Proer e suas repercusses na liquidao doBanco Econmico, do Nacional ou do Bamerindus, surgem na formacomo eu os fui percebendo e no modo como agi.

    To interessante quanto essas questes, na poca de enormerepercusso e ainda hoje objeto de explorao poltico-eleitoral, sedepreende da leitura dos Dirios o intrincado jogo do poder: o desgaste narelao do presidente com os partidos, o jogo muitas vezes clientelstico,do qual o presidente, mesmo resistindo, no escapa. Se o Executivo quiser

  • obter maioria para aprovar as leis num sistema partidrio-eleitoral queelege o chefe do Executivo com mais de 50% dos votos (no primeiroturno, no meu caso; no segundo, no caso dos demais presidentes) mascujo partido beira apenas os 20% do Congresso, as alianas se impem.

    Para fazer reformas ou ter uma agenda qualquer, o partido que elegeo presidente se v obrigado a buscar apoios. No meu tempo as alianaseram feitas para obter os resultados que eu acreditava necessrios para opas avanar, as reformas da Constituio, que exigiam maioria de doisteros de cada Casa. Chamava-se a esse arranjo de presidencialismo decoalizo. Pouco a pouco houve uma degradao do processo. Fazem-seas alianas no s com troca de cargos como utilizando-se prticas maisdiscutveis e perdendo-se a agenda: chama-se a isso de presidencialismode cooptao.

    Essa contingncia se torna paradoxal na tentativa de modernizaodas prticas e costumes: para o novo avanar, o apoio do atraso requerido. A armadilha ficou quase intransponvel no meu caso (e da emdiante), porque meu adversrio eleitoral, derrotado duas vezes,simbolizava os pobres e a esquerda, e fazia a crtica das alianas feitaspelo PSDB e de sua alegada tendncia ao neoliberalismo, embora o PTfosse mais prximo do PSDB por suas propostas do que muitos dospartidos com os quais nos aliamos para obter a maioria no Congresso. Talparadoxo se acentuou depois que o PT ganhou as eleies presidenciais eescolheu fazer recair sobre mim e sobre o PSDB o peso de sua crtica. Odesejo de vitrias eleitorais soou mais forte do que os compromissosprogramticos.

    Conta, alm disso, o fato de as esquerdas na Amrica Latina noterem sabido se reerguer depois da queda do Muro de Berlim e daglobalizao da economia. Essa foi uma decorrncia de novos modos deproduzir e de se comunicar que permitiram que o capitalismo financeiroe tambm o produtivo se espraiassem pelo planeta afora.

    A esquerda latino-americana em geral se ensimesmou numnacionalismo estatizante, pouco compatvel com os novos tempos, o quelevou os setores progressistas desejosos de avanar na modernizao dopas a terem de contar mais e mais com os setores atrasados, que maisquerem se aproveitar de cargos. Estes setores, mais do que serem aexpresso poltica de uma direita, representam interesses chamados defisiolgicos. Da que as alianas, e no s as do PSDB, acabassem porparecer fora do lugar. Desse fiat no escapou o PT, que terminouengolfado pelo atraso, perdendo o controle da agenda.

    V-se pelos Dirios que a poltica se constitui muito da teia depequenas intrigas. As mais cruis so as palacianas e as do crculo ntimodo presidente, que a mdia reflete. Existe, contudo, algo alm do bate-boca cotidiano. As foras estruturais e as ideologias contam no desfechodos processos polticos e se deixam entrever nos pequenos choquesdirios.

    O que os franceses chamam de politique politicienne, as futricas,

  • algumas vezes so, de fato, choques de opinio que ecoam interesses ouvises distintas. Outras vezes so apenas desencontro de ambies e deinteresses que aparecem no cotidiano como se fossem desavenas entre asequipes de governo ou deste e de seus aliados com as oposies.

    Outro ponto importante a relao entre o governo e a opiniopblica, e entre aquele e a opinio nacional, na distino que vem dostempos de Pedro ii. Cobra-se sempre a falta de capacidade do governo dese comunicar para tornar mais claros seus propsitos e suas justificativas.Isso verdadeiro e um trusmo: numa sociedade de massas acomunicao com elas essencial. Mas no da comunicao quedepende o prestgio do governo, ou no exclusiva e nem mesmopredominantemente dela. Quando o governo faz o que a populaopercebe como positivo para o que cr ou para seus interesses, acomunicao ajuda. Caso contrrio, nem ela salva. E tanto governo comoseus apoiadores jogam sempre a responsabilidade maior nas falhas decomunicao, como se v em alguns trechos destes Dirios. Que podemexistir, mas no so decisivas.

    Em nosso presidencialismo, ao modo do que foi o antigo PoderModerador, as cartas principais esto na mo do presidente. No poracaso se fala de presidencialismo imperial. Mas ateno: no sistemademocrtico, tanto o Legislativo, onde os partidos se aninham, como osTribunais e o que em espanhol se costuma chamar de os poderes fticos isto , permanentes, dos empresrios, dos sindicatos, enfim, dos donosdo poder formalmente no polticos restringem a ao presidencial.

    Em nosso sistema atribuem-se ao presidente muitas esferas dedeciso e influncia: na poltica externa, na relao com os empresrios ecom os assalariados, na direo efetiva da administrao. Ademais, caisobre seus ombros a responsabilidade de manter coeso o pas, de motivaro povo, de administrar muito do cotidiano e ainda de se relacionar comos partidos, a mdia e o que mais seja.

    A efetividade desse suposto superpoder , entretanto, muito relativa.Quanto mais complexa a sociedade, menos capacidade de decidir e detornar efetiva a deciso tm os presidentes, apesar de ser indubitvel quecontam com muita fora dissuasria e de comando. Da que o presidentesinta e se queixe, como eu nestes Dirios, do cansao no exerccio docargo e da solido do poder. Em mais de um trecho eu me refiro a quevivia cercado de gente e, ao mesmo tempo, em decises cruciais,amargava, ou desfrutava, o fato de haver de tom-las sozinho. assimmesmo e isso faz parte do que se chama poder, mesmo quandodemocrtico.

    Mas nem tudo so espinhos. Basta ler estes Dirios para ver que eusenti muitas compensaes e tive muitas alegrias. Sentia as consequnciaspositivas da estabilidade econmica, cujos pressupostos comearam nogoverno de Itamar Franco, a quem muito devo. Percebi o prestgiocrescente do Brasil no exterior, dei incio a uma reforma do Estado,comeamos a superar nossos males sociais histricos, na sade, na

  • educao, na reforma agrria, na distribuio de renda. Tudo issooscilando, conforme as conjunturas econmicas e as dificuldades demanejar o cmbio, as taxas de juros, de responder positivamente responsabilidade fiscal necessria. E tambm conforme as oscilaes dojogo poltico.

    Oscilaes que abalaram mais de uma vez minha popularidade.Contudo, nunca perdi a credibilidade: governei os oito anos assegurandomaiorias no Congresso e sentindo o respeito da populao, como athoje.

    Minha famlia, tanto a imediata como a estendida, foi solidria e nome trouxe inconvenientes, to frequentes em situaes de poder. Ruthfoi perfeita como primeira-dama, denominao de que ela no gostava, eno conjunto a famlia, apesar de no apreciar ser forada a viverinstitucionalmente, como uma das gravaes registra, suportou o nus deser vitrine, sem gostar de se exibir.

    Uma nota de agradecimento. Este livro foi possvel porque LuizSchwarcz encampou a ideia e a tornou possvel, e porque oscolaboradores da editora se dedicaram reviso. Cito um s nome paraagradecer a todos: Otavio Marques da Costa. A feitura do texto deuenorme trabalho. Em primeiro lugar, como j dito, a Danielle Ardaillon.Deu trabalho aos revisores, mas tambm a mim e a Miguel Darcy deOliveira. Este foi incansvel e no perdeu a energia e o entusiasmo ao ler ereler tantas vezes. A ambos, Danielle e Miguel, deixo meus agradecimentosverdadeiros e espero que continuem a ajudar na publicao dos Diriosreferentes aos demais seis anos.

    Por fim, embora a edio das gravaes originais nos tenha levado acortar repeties, reordenar frases, evitar o abuso do emprego dasmesmas palavras na mesma frase e at, em pouqussimos casos, amenizarqualificativos, nada de substantivo foi alterado.

    Espero que este mesmo critrio possa ser usado na publicao dosvolumes posteriores. De toda maneira, para quem tiver pacincia e desejode cotejar, as gravaes esto depositadas sob a guarda da FundaoFernando Henrique Cardoso e, no futuro, estaro disponveis.

    Fernando Henrique CardosoSetembro de 2015

  • Lista de siglas

    Abegs Associao Brasileira das Empresas Estaduais Distribuidoras de GsCanalizado

    Abia Associao Brasileira das Indstrias da AlimentaoAbin Agncia Brasileira de IntelignciaACRJ Associao Comercial do Rio de JaneiroAdesg Associao dos Diplomados da Escola Superior de GuerraAdin Ao Direta de InconstitucionalidadeADTP Associao de Desenvolvimento Tiet-ParanAEB Associao dos Exportadores BrasileirosAGU Advocacia-Geral da UnioAIG American International GroupAladi Asociacin Latinoamericana de IntegracinAlca rea de Livre Comrcio das AmricasAmcham Cmara Americana de Comrcio para o BrasilAnatel Agncia Nacional de TelecomunicaesAneel Agncia Nacional de Energia EltricaAnfavea Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos AutomotoresAPEOP Associao Paulista dos Empresrios de Obras PblicasBanerj Banco do Estado do Rio de JaneiroBanespa Banco do Estado de So Paulo S.A.Basa Banco da Amaznia S.A.BC Banco Central do BrasilBCN Banco de Crdito Nacional S.A.BID Banco Interamericano de DesenvolvimentoBNB Banco do Nordeste do BrasilBNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e SocialBNH Banco Nacional da HabitaoBraspetro Petrobras Internacional S.A.Cade Conselho Administrativo de Defesa EconmicaCadin Cadastro Informativo de Crditos No Quitados do Setor Pblico

    FederalCaic Centro de Ateno Integral CrianaCCE Conselho de Coordenao e Controle das Empresas EstataisCCJ Comisso de Constituio e JustiaCCT Conselho Nacional de Cincia e TecnologiaCDPC Conselho Deliberativo de Poltica do CafCebrap Centro Brasileiro de Anlise e PlanejamentoCeme Central de MedicamentosCepal Comisso Econmica da ONU para a Amrica Latina e o Caribe

  • CERR Companhia Energtica de RoraimaCesp Companhia Energtica de So PauloCGT Confederao Geral dos TrabalhadoresChesf Companhia Hidro Eltrica do So FranciscoCIA Central Intelligence AgencyCIE Centro de Inteligncia do ExrcitoCiep Centro Integrado de Educao PblicaCimi Conselho Indigenista MissionrioCindacta Centro Integrado de Defesa Area e Controle de Trfego AreoCIP Congregao Israelita PaulistaCNA Confederao Nacional da Agricultura e PecuriaCNBB Conferncia Nacional dos Bispos do BrasilCNI Confederao Nacional da IndstriaCNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e TecnolgicoCoamo Cooperativa Agropecuria MouroenseCOB Comit Olmpico BrasileiroCobal Companhia Brasileira de AlimentosCodefat Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao TrabalhadorCOI Comit Olmpico InternacionalConab Companhia Nacional de AbastecimentoContag Confederao Nacional dos Trabalhadores na AgriculturaCPI Comisso Parlamentar de InquritoCPLP Comunidades dos Pases de Lngua PortuguesaCPMF Contribuio Provisria sobre Movimentaes FinanceirasCPT Comisso Pastoral da TerraCrub Conselho de Reitores das Universidades BrasileirasCSN Companhia Siderrgica NacionalCTA Centro Tcnico AeroespacialCUT Central nica dos TrabalhadoresDAS Cargo de Direo e Assessoramento SuperiorDEM DemocratasDenacoop Departamento Nacional de Cooperativismo e Associativismo

    RuralDieese Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos

    SocioeconmicosDNAEE Departamento Nacional de guas e Energia EltricaDNER Departamento Nacional de Estradas de RodagemDNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de TransportesDNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as SecasDocegeo Rio Doce Geologia e Minerao S.A.DVS Destaque para Votao em SeparadoECO-92 Conferncia das Naes Unidas sobre o Ambiente e o

    DesenvolvimentoEDF lectricit de FranceEmbraer Empresa Brasileira de Aeronutica S.A.Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

  • Embratel Empresa Brasileira de Telecomunicaes S.A.Embratur Empresa Brasileira de TurismoEMFA Estado-Maior das Foras ArmadasEsca Engenharia de Sistemas de Controle e Automao S.A.Escelsa Esprito Santo Centrais Eltricas S.A.ESG Escola Superior de GuerraFAB Fora Area BrasileiraFAE Fundao de Assistncia ao EstudanteFaesp Federao da Agricultura do Estado de So PauloFAO Organizao das Naes Unidas para Alimentao e AgriculturaFAT Fundo de Amparo ao TrabalhadorFEF Fundo de Estabilizao FiscalFepasa Ferrovia Paulista S.A.FGTS Fundo de Garantia por Tempo de ServioFiesp Federao das Indstrias do Estado de So PauloFifa Federao Internacional de FutebolFirjan Federao das Indstrias do Estado do Rio de JaneiroFMI Fundo Monetrio InternacionalFNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da EducaoFunasa Fundao Nacional de SadeFundacentro Fundao Jorge Duprat e FigueiredoFup Federao nica de PetroleirosG7 Grupo dos SeteGamek Gabinete Tcnico de Aproveitamento do Mdio KwanzaGAP Grupo de Anlise e PesquisaGeia Grupo Executivo da Indstria AutomobilsticaGerat Grupo Executivo para a Reduo de Acidentes de TrnsitoGM General MotorsIbama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    RenovveisIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e ServiosIedi Instituto de Estudos para o Desenvolvimento IndustrialIHGB Instituto Histrico e Geogrfico BrasileiroInCor Instituto do Corao do Hospital das Clnicas da Universidade de

    So PauloIncra Instituto Nacional de Colonizao e Reforma AgrriaIndesp Instituto Nacional de Desenvolvimento do DesportoInfraero Empresa Brasileira de Infraestrutura AeroporturiaINSS Instituto Nacional do Seguro SocialIOF Imposto sobre Operaes FinanceirasIPC-r ndice de Preos ao Consumidor, srie rIpea Instituto de Pesquisas Econmicas e AplicadasIpen Instituto de Pesquisas Energticas e Nucleares da Universidade de So

    PauloIPI Imposto sobre Produtos Industrializados

  • IPMF Imposto Provisrio sobre Movimentao FinanceiraIPT Instituto de Pesquisas TecnolgicasISS Imposto sobre ServiosITR Imposto Territorial RuralJBIC Japanese Bank of International CooperationLDO Lei de Diretrizes OramentriasLoas Lei Orgnica da Assistncia SocialMDB Movimento Democrtico BrasileiroMEC Ministrio da EducaoMercosul Mercado Comum do SulMICT Ministrio da Indstria, do Comrcio e do TurismoMP Medida ProvisriaMPLA Movimento Popular de Libertao de AngolaMR-8 Movimento Revolucionrio 8 de OutubroMST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem TerraMTCR Missile Technology Control RegimeNafta North America Free Trade AgreementOban Operao BandeiranteOEA Organizao dos Estados AmericanosOECF Overseas Economic Cooperation FundOIT Organizao Internacional do TrabalhoOMC Organizao Mundial do ComrcioONG Organizao No GovernamentalONU Organizao das Naes UnidasOUA Organizao da Unidade AfricanaPAN Partido Accin NacionalParlatino Parlamento Latino-AmericanoPAS Programa de Atendimento SadePAT Programa de Alimentao do TrabalhadorPCdoB Partido Comunista do BrasilPDS Partido Democrtico SocialPDT Partido Democrtico TrabalhistaPEC Proposta de Emenda ConstituioPetrobras Petrleo Brasileiro S.A.PFL Partido da Frente LiberalPIB Produto Interno BrutoPLD Partido Liberal DemocrataPMDB Partido do Movimento Democrtico BrasileiroPNBE Pensamento Nacional das Bases EmpresariaisPNDH Programa Nacional de Direitos HumanosPNUD Programa das Naes Unidas para o DesenvolvimentoPP Partido ProgressistaPPA Plano Plurianual de InvestimentosPPR Partido Progressista RenovadorPPS Partido Popular SocialistaPRD Partido de la Revolucin Democrtica

  • Previ Caixa de Previdncia dos Funcionrios do Banco do BrasilPRI Partido Revolucionario InstitucionalProlcool Programa Nacional do lcoolProdeco Programa Estratgico para o Desenvolvimento do Centro-OesteProer Programa de Estmulo Reestruturao e ao Fortalecimento do

    Sistema Financeiro NacionalProex Programa de Financiamento ExportaoProger Programa de Gerao de Emprego e RendaPronaf Programa Nacional de Agricultura FamiliarPSDB Partido da Social Democracia BrasileiraPSTU Partido Socialista dos Trabalhadores UnificadoPT Partido dos TrabalhadoresPTB Partido Trabalhista BrasileiroPUC Pontifcia Universidade CatlicaRadam Projeto Radar na AmazniaRadiobrs Empresa Brasileira de ComunicaoRaet Regime de Administrao Especial TemporriaRais Relatrio Anual de Informaes SociaisReforsus Projeto Reforo Reorganizao do Sistema nico de SadeRFFSA Rede Ferroviria FederalSAE Secretaria de Assuntos EstratgicosSBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da CinciaSBT Sistema Brasileiro de TelevisoSDR Special Drawing RightsSebrae Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas EmpresasSecom Secretaria de Comunicao Social da Presidncia da RepblicaSenai Servio Nacional de Aprendizagem IndustrialSesc Servio Social do ComrcioSesi Servio Social da IndstriaSindipeas Sindicato Nacional da Indstria de Componentes para

    Veculos AutomotoresSIP Sociedade Interamericana de ImprensaSipam Sistema de Proteo da AmazniaSivam Sistema de Vigilncia da AmazniaSNI Servio Nacional de InformaesSOF Secretaria de Oramento FederalSPD Sozialdemokratische Partei DeutschlandsSTJ Superior Tribunal de JustiaSudam Superintendncia do Desenvolvimento da AmazniaSudene Superintendncia do Desenvolvimento do NordesteSuframa Superintendncia da Zona Franca de ManausSUS Sistema nico de SadeSusep Superintendncia de Seguros Privados do Banco CentralTasa Telecomunicaes Aeronuticas S.A.TCU Tribunal de Contas da UnioTelebrs Telecomunicaes Brasileiras S.A.

  • Telemig Telecomunicaes de Minas Gerais S.A.Telepar Telecomunicaes do Par S.A.Telerj Telecomunicaes do Estado do Rio de Janeiro S.A.Telesp Telecomunicaes de So Paulo S.A.TJLP Taxa de Juros de Longo PrazoTNP Tratado de No Proliferao de Armas NuclearesTR Taxa ReferencialTST Tribunal Superior do TrabalhoTVE TV EducativaUDR Unio Democrtica RuralistaUfir Unidade Fiscal de RefernciaUJS Unio da Juventude SocialistaUnB Universidade de BrasliaUNDP Programa de Desenvolvimento das Naes UnidasUNE Unio Nacional dos EstudantesUnesco Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a

    CulturaUnicamp Universidade Estadual de CampinasUnicef Fundo das Naes Unidas para a Infncia e a AdolescnciaURV Unidade Real de ValorUSP Universidade de So PauloUSTR United States Trade RepresentativeVarig Viao Area Rio-Grandense S.A.Vasp Viao Area So Paulo

  • FernandoHenriqueCardosoDIRIOSDA1995PRESIDNCIA

  • Estes Dirios contam com notas de edio que tm por objetivo situar o leitoracerca de acontecimentos no totalmente explicitados na narrativa, bem comoapresentar informaes biogrficas necessrias para a compreenso do contexto.Alguns poucos personagens no puderam ser identificados.

  • H

    25 DE DEZEMBRO DE 1994

    A formao do ministrio

    oje domingo, dia 25 de dezembro de 1994. Nestas gravaespretendo registrar algumas notas sobre os acontecimentospolticos que envolvem o incio do meu governo. Fuiincentivado pela Celina Vargas do Amaral Peixoto, que me

    deu um dirio para que eu escrevesse a respeito do cotidiano, como o fezseu av, Getlio Vargas.

    Tentarei. Embora ache que difcil, vale a pena registrar, desde agora,minha viso de como se constituiu o ministrio. Amanh ou depois, agente pode esquecer. No farei o relato do dia a dia, mas o que direi, aindaque no seja necessariamente sequencial, expressar o modo como eupercebi a organizao do ministrio.

    Muito antes de form-lo, tomei certas precaues. Durante acampanha disse reiteradamente que o ministrio seria de minharesponsabilidade. Tambm repeti que teria sensibilidade poltica na suacomposio, e assim nomearia representantes das foras sociais e polticasque me estavam apoiando ou poderiam apoiar o governo. Insisti nas duasteclas: a responsabilidade minha, a deciso minha, mas no vou fazerum ministrio sem levar em considerao a realidade poltica. Com aexperincia dos ltimos anos, sei que, se no existe uma base de apoiopoltico, muito difcil o governo fazer as modificaes de que o Brasilnecessita.

    Creio que essas precaues surtiram certo efeito. No incio, quaseningum conversou comigo, nem mesmo os mais prximos. Noconversei, por exemplo, com Pimenta da Veiga, presidente do PSDB, at jperto do momento de tomar as decises sobre o ministrio. Com SrgioMotta no dei uma palavra. Ouvi um ou outro, falando aqui e ali, masdesconversei com muita frequncia.

    A primeira pessoa com quem falei foi Tasso Jereissati. Isso ocorreudepois do segundo turno das eleies estaduais, portanto depois de 15 denovembro. Tasso foi a So Paulo, puxamos o assunto e eu contei a ele asdificuldades que estvamos tendo para que a equipe econmicapermanecesse. Esse ponto era consensual. Eu havia dito em toda acampanha que queria continuar a poltica econmica. Eu prprio tinhasido o estimulador e o ponto de atrao da equipe que fez o Plano Real.Era muito importante para mim, e para o Brasil, que aquela gente

  • permanecesse no governo.Logo depois das eleies comecei a conversar com um ou outro

    membro da equipe. O primeiro foi Edmar Bacha, a quem pedi que fosse minha casa. Percebi que ele estava numa situao pessoal de muitoconstrangimento. No tinha condies, por razes familiares, decontinuar em Braslia. Tenho muito respeito pelo Edmar, sempre tive.Quando fui ministro da Fazenda e constitumos o grupo que fez o real, elefoi um dos poucos, naquele momento, que apostou. Embora noacreditasse no governo de ento, nem na possibilidade efetiva de umaao mais consequente, se disps desde o incio a participar da equipecomo assessor especial. Foi ele quem indicou o secretrio de PolticaEconmica, Winston Fritsch. Outro que ajudou desde o incio foi PedroMalan. Na formao da equipe do real, contei com Malan e com Bacha.

    Tambm falei com Srgio Motta e com Jos Serra. Este ltimo, napoca do Plano Real, achou que eu estava bastante descabelado ao aceitara tarefa que aceitei. Embora tivesse lhe explicado minhas razes, eleachava que, quanto antes eu pudesse me livrar daquilo, melhor Achavaque no havia condies polticas para enfrentar a questo da inflao.

    No era essa a posio do Edmar. Era natural, portanto, que asprimeiras pessoas com quem eu tivesse conversado a respeito da sucessodo ministro da Fazenda houvessem sido o Edmar Bacha e, logo emseguida, o Pedro Malan. No vou repetir a sequncia, mas o fato que tiveconversas com ambos e de ambos ouvi que a melhor soluo seria amanuteno da equipe atravs da permanncia no ministrio do Clvis deBarros Carvalho, que tinha sido uma mo na roda como secretrioexecutivo, homem firme, competente, mas que no tinha competnciaeconmica especfica.

    Ainda antes de falar com Malan e com Bacha, porm, tive mais deuma conversa com o Prsio Arida, cujo brilho reconhecido por todos epor mim em especial. Prsio disse que tambm compreendia ser justo quea escolha para ministro da Fazenda recasse em um deles, nesta ordem:Bacha, Malan ou ele prprio. Mas sabia que as resistncias ao seu nomeseriam maiores porque, por estilo intelectual, radicaliza muito as posiespara poder ver mais claro. Ele sabe que um ministro que capaz de fazerformulaes muito audaciosas encontra frequentemente grandesresistncias. Prsio no tinha condies nem sequer de cogitar, segundome disse, permanecer no governo. Queria sair at mesmo antes do fim dogoverno Itamar.

    Prsio concordava comigo que esses eram os nomes. Passamos adiscutir a questo do Banco Central. Caso Bacha fosse para o Ministrio daFazenda, o Pedro podia continuar no Banco; se o Pedro sasse, teramosque arranjar um substituto e, no meu modo de entender, esse substitutoteria que ser o Prsio. Este lembrava sempre o nome do Armnio Fraga.Ambos sabamos que o Andr Lara [Resende] tinha a mesmacompetncia, mas havia um problema: ele tinha deixado a equipe do realanteriormente para dedicar-se ao Banco [Matrix], com muito sucesso.

  • No parecia possvel uma volta do Andr a essas funes. Ento seria oPrsio ou, mais remotamente, porque estava longe, Armnio Fraga, quetambm uma pessoa de grande talento.

    Deixei bem claro para o Prsio que ele, como um dos formuladoresdo real, tinha responsabilidade na sucesso. Mas Prsio no queria. Alegavacom muita fora que no podia ficar na equipe. Saa da minha casaentusiasmado com as tarefas a cumprir, quase aceitando ficar, mas logono dia seguinte voltava e dizia que no tinha condies. Esse jogo durouat praticamente o momento da nomeao, porque Prsio sabia daresponsabilidade poltica e intelectual que tinha na continuao do PlanoReal.

    Bacha, Prsio e Pedro, e penso que Gustavo Franco tambm,participavam da ideia de que o ponto de equilbrio era Clvis de BarrosCarvalho. Em dado momento quase comprei essa ideia, embora tivessedito sempre que queria ter o Clvis ao meu lado na Casa Civil ou emalguma posio de relevo dentro do Palcio, para que ele pudesse ser ogrande coordenador da equipe de governo em geral, como havia feito noPlano Real. Precisava do Clvis perto de mim e no via nele ascaractersticas de um ministro da Fazenda, uma pessoa que, bem ou mal,em certas circunstncias, tem que ter poder poltico ou capacidadetcnica especfica, ou ambos.

    Isso durou muito tempo. Quando chamei Pedro Malan, a certaaltura, j mais prximo da deciso, no sei se no fim de novembro ou emdezembro, ele me disse com muita nfase, emocionado, que, para serfranco, no tinha condies de permanecer na equipe. Teria que voltarpara os Estados Unidos por uma questo familiar. A filha pequena j no oreconhecia, porque ele passara a maior parte do tempo no Brasil, quaseum ano, longe dela, e que por isso havia problemas com a Catarina.1

    Pareceu-me claro que no seria possvel o Pedro aceitar o Ministrioda Fazenda. Praticamente capitulei diante dos argumentos de ordempessoal. J o Prsio nunca desistiu de continuar estimulando o Pedro. Euhavia me convencido de que o Bacha, por razes pessoais, no poderia serministro, e quase que me conveno de que o Pedro no poderia pelasmesmas razes. Fiquei numa situao de bastante desalento, at porqueessa deciso era a pedra de base. Se eu no resolvesse a equao da equipeeconmica, no teria condies de seguir o curso que imaginava para omeu governo, e teria que dar outra feio a ele. Foi nesse ponto queconversei com o Tasso Jereissati, pessoa ligada a todos os personagens aquimencionados.

    Tasso havia me recomendado, na primeira vez que conversamos emminha casa, que eu trouxesse o Serra para a equipe, pois devamos fazerum esforo para reunir os mais competentes, e nunca negamoscompetncia ao Serra. Disse-lhe que j havia conversado com ele umanoite, em minha casa em Braslia, depois de falar com Malan, com Prsio ecom Bacha. Foi uma boa conversa, em que lhe disse, com toda afranqueza, que s via duas maneiras de ele entrar para o Ministrio da

  • Fazenda: ou provocando uma crise, porque a sua entrada provocaria acrise, ou depois de uma crise, para solucionar um impasse. Portanto, sealgum ministro fracassasse, ele seria chamado.

    Eu receava que coloc-lo na Fazenda seria provocar um impasse,porque praticamente todos haviam feito restries ao Serra, no suacompetncia mas ao seu estilo. Isso no diminui nem nossa amizadenem minha admirao por sua competncia, mas verdade, e eu, comoresponsvel pelo governo, no quero comear criando uma crise com aequipe econmica. Serra sabia dessa minha posio, difcil de manterdevido a nossa relao pessoal mas que eu tomava com a conscincia deminha responsabilidade para conduzir a economia brasileira.

    Transmiti tudo isso ao Tasso no segundo encontro que tivemos, noCaesar Park. O primeiro havia sido no meu apartamento em So Paulo.Tasso perguntou se podia sondar a equipe a respeito da reao ao Serra,porque ele tambm tinha ouvido de todos que a soluo era o Clvis deBarros Carvalho e no estava, como eu, conformado com isso. Eu disseque sim, e o resultado da sondagem foi que no havia viabilidade para aabsoro do Serra como ministro da Fazenda.

    Essa indeciso da equipe se prolongou por um ms depois da minhaeleio. Foi um sofrimento, entrou pelo segundo turno nos estados, e nose conseguia resolver quem seria o qu. Tinha a impresso de que haviaum cansao na equipe.

    Chamei tambm o Andr Lara Resende, que, como sempre, foifulgurante nas anlises. Embora fizesse crtica aqui e ali, concordava com oque a equipe estava fazendo e tinha certeza de que podamos realizarmuitas coisas positivas. Notei no Andr entusiasmo at mesmo para voltarao governo. Disse que poderia cham-lo para ser meu assessor, o quepenso possvel, porque tenho muito respeito pelo seu talento. A certaaltura, ele me telefonou e disse: Olha, nessa histria, voc no pode entrarno engano de colocar o Clvis, porque isso uma maneira de no resolvernada. Ou vai o Pedro, ou o Bacha. Ou ento voc pe o Serra!, que era oque eu pensava. Isso me foi dito pelo Andr com toda a sinceridade eacho que ele tinha razo na ponderao que fez.

    Quando estvamos nessa dificuldade grande, chamei o Serra emminha casa e disse: Olha, Serra, acho que voc tem que participar dogoverno. No vejo sentido, num governo meu, voc longe, dado o tipo derelacionamento que ns temos e a enorme capacidade que voc tem paraenfrentar as dificuldades da economia brasileira.

    Serra perguntou se tinha que responder naquele momento aoconvite. Eu disse que no. Como j lhe havia dito, achava que ele devia irpara uma rea social, como Educao ou Sade. Meu raciocnio era oseguinte: Serra tem futuro poltico, eleitoral, diferentemente dos outrosda equipe econmica, e no h de ser atravs da economia que vaigranjear prestgio popular. Eu o obtive porque conseguimos, numaconjuntura muito especial, controlar o governo e a inflao. No fcilrepetir a faanha. A inflao est sob controle e o governo tambm. H no

  • pas um n importante na rea social e o Serra era a pessoa que poderiadesfaz-lo, tanto na Educao como na Sade, com grande desempenho,porque tem muita energia. Em outra ocasio, depois da conversa comTasso, disse-lhe que, mesmo no Ministrio do Planejamento, seriaimaginvel que ele participasse.

    Eu estava temeroso de que a equipe no fosse se reanimar para levaradiante o controle da economia brasileira e da inflao. Precisaria teralgum prximo ao meu gabinete e certamente o Paulo Renato [CostaSouza], do qual j falarei, que uma pessoa de grandes virtudes, no teriaa mesma facilidade do Serra para enfrentar o Congresso na questo dooramento. Eu poderia criar outro nicho para o Paulo Renato. Enfim, erao Estado que estava em jogo na questo da formao da equipeeconmica.

    O nico membro da equipe com que faltava conversar era o GustavoFranco. Convidei-o para almoar em minha casa de Braslia. Notei que eleera favorvel a que Pedro Malan fosse o ministro da Fazenda e tinhaexpectativa de vir a ser presidente do Banco Central. Tenho uma enormeadmirao pelo Gustavo, pois ele foi um dos autores da mudana daeconomia brasileira. uma pessoa que, quando opina, opinaconsideradamente, analisa, depois vai para casa e faz o que tem que serfeito para pr em prtica a linha que traou; tem grande consistncia. Euno temeria coloc-lo como presidente do Banco. Pensava isso antes dascrticas a ele pela valorizao do real, mas elas no abalaram a minhaconvico de que Gustavo um dos mais slidos economistas de suagerao. Ele ter um futuro brilhante e eu gostaria de abrir espao nessefuturo.2

    Chamei tambm mais tarde o Winston Fritsch, que me disse no termais condies de permanecer em Braslia. Teria uma oferta importantede trabalho e, mesmo sem ela, no poderia ficar por uma questo defamlia. Depois recebeu a oferta. Winston foi outro que colaborou desde oincio e que no podia seguir no governo.

    Ficamos nessa situao at que houve uma presso muito forte doPrsio, do Andr, do Bacha e do Clvis em cima do Pedro Malan, quecedeu para permanecer pelo menos na fase inicial do governo. Ficou coma possibilidade de voltar para Washington no futuro. No sei se isso semantm hoje, porque agora a Catarina vir para c e eu noto o Pedro bemmais entusiasmado com a tarefa.

    Deu-se ento uma relao de necessidade entre duas pessoas: Pedro ePrsio. Pedro s ficaria se Prsio aceitasse o Banco Central, mas este tinhaoutros planos, queria organizar um banco de negcios. Tinha tambmproblemas pessoais. Conversei com ele inmeras vezes. um homemdoce e que sempre tem o sentimento de que responsvel pelas coisas.No queria mesmo ficar, at que vencemos sua resistncia e ele topou,com a condio de que eu comeasse a conversar com Armnio Fragapara que, no futuro, tivssemos uma soluo escalonada que permitissesua substituio no momento oportuno. Isso desanuviou muito a equipe

  • econmica, e foi a partir da que passei a poder falar mais livremente comoutras pessoas a respeito de outros ministrios.

    Tive conversas genricas com aqueles que poderiam ter influncianacional do PSDB, PFL3 e PTB, partidos que nos haviam apoiado. Eu queriacomear pelo PSDB, mas o Pimenta da Veiga estava nos Estados Unidos.Foi por isso que falei primeiro com o PFL e com o PTB.

    Antes mesmo de conversar formalmente com esses partidos, soubepelo embaixador Jlio [Csar Gomes dos Santos] que o Antnio Carlos[Magalhes] estava em Braslia, tinha estado com o presidente ItamarFranco, e poderia eventualmente ficar desagradado de no me ter visto.Eu disse ao embaixador: Conversei com Antnio Carlos por telefone asemana passada e pedi que, se ele pudesse, quando estivesse em Braslia,viesse tomar um caf comigo. Jlio me disse que estaria com o presidenteItamar. Reiterei que me avisasse, porque gostaria de estar com AntnioCarlos. Diga a ele que estou em casa; se ele quiser, venha tomar um caf.

    Veio e tivemos uma excelente conversa, muito ampla, franca eamistosa. Acho que o que ajuda que tenho uma relao de simpatiaantiga pelo Lus Eduardo [Magalhes], a quem devo uma condutaexemplar durante a campanha e mesmo na questo da Vice-Presidncia.Foi ele quem retraou a possibilidade de ser indicado vice-presidente peloPFL, como era vontade de boa parte do partido e, provavelmente, doAntnio Carlos, o que a mim no causava nenhum constrangimento.4Dentro do PSDB, entretanto, isso poderia provocar marola.

    Lus Eduardo foi o primeiro a dizer que me ajudaria em tudo durantea campanha e que abriria mo da Vice-Presidncia, coisa que fez. Naocasio, disse-lhe: Olha, Lus, voc s no vai ser no meu governo o queno quiser. Eu tinha, portanto, que conversar tambm com ele, o que fizantes mesmo de falar com os demais. Foi quando soube que queria secandidatar presidncia da Cmara, pretenso que apoiei imediatamente.

    Antnio Carlos veio conversar comigo com esse background: ele sabiada minha admirao pelo Lus Eduardo e sabe tambm que o nossorelacionamento (meu e do Lus) ser fcil, porque no est baseado eminteresses menores, mas numa afinidade de temperamento e ainda nofato de que achamos necessrio mudar certas prticas brasileiras e certosaspectos fundamentais do prprio Estado, atravs da reformaconstitucional.

    Pois bem, quando Antnio Carlos j estava quase por ir embora,numa conversa s entre ns dois eu disse: Antnio Carlos, voc umhomem experiente, preciso colocar gente do Nordeste, queria algumassugestes, mas no para um cargo especfico. Ele comeou l por cima.Me disse que no Cear eu certamente encontraria bons nomes, Tasso eCiro [Gomes]. Tasso j era governador, portanto Ciro era o possvelministro. Achava mais difcil em Pernambuco, porque o [Gustavo] Krausehavia perdido as eleies, mas era outro bom nome.

    Nos demais estados eu teria bastante dificuldade de encontrar

  • algum para compor um ministrio realmente de primeiro time. Inclusivena Bahia, onde ele poderia, atravs de Lus Eduardo, me indicar dois outrs nomes, mais apropriados, porm, para o segundo escalo, comexceo talvez de uma pessoa que Antnio Carlos tinha em alta conta,que havia sido o seu secretrio de Transportes e de Energia. Esse, sim,poderia vir a ser ministro, Raimundo Brito. Mesmo isso, ele disse bem depassagem e sem mencionar qual ministrio. No respondi nada deconcreto, agradeci a franqueza da conversa e nos despedimos muitoamigavelmente.

    Quando falei com o PFL, informei que estava determinado a colocaro deputado Reinhold Stephanes como ministro da Previdncia. Isso eradeciso antiga. Antes de todas essas conversas, j havia estado com o entoministro Cutolo [Srgio Cutolo dos Santos] para saber sua opinio doponto de vista tcnico, porque ele foi continuador do [Antnio] Britto,que foi continuador do Stephanes. Cutolo era muito favorvel aoStephanes, com quem o autorizei a entrar em conversas informais paraverificar se efetivamente haveria continuidade na administrao, e ele medisse que sim. Portanto, a deciso de colocar o Stephanes foi minha, noteve nenhuma sugesto da parte do PFL, embora obviamente o PFLdevesse ficar, como ficou, agradado.

    Eu disse ainda que gostaria de colocar o Krause no governo, mas queno poderia garantir que ele seria ministro, teria que ver as condies.Comuniquei isso formalmente ao Jorge Bornhausen e ao Marco Maciel nasemana em que comecei essas tratativas. E tambm que estava pensandoem talvez colocar mais algum do partido, quem sabe da Bahia, mas noadiantei nada mais. Disse que grosso modo eu estaria disposto a oferecerao PFL, atravs dessas pessoas, dois ou, eventualmente, trs ministrios.No houve seno reaes de apoio.

    Perguntei ao Jorge Bornhausen se ele tinha expectativa ou interesseem participar do ministrio, com o que eu imediatamente concordaria,porque o Jorge se lanou candidato ao governo de Santa Catarina paraabrir um espao para mim. Ele foi um dos articuladores da aliana PFL-PSDB e teve um comportamento impecvel durante a campanha. Temosum velho relacionamento pessoal, desde o tempo da ruptura do PDS,quando se criou o Partido da Frente Liberal para apoiar a candidaturaTancredo Neves e Jorge foi meu colega no Senado. Ele disse que no, queachava necessrio valorizar a posio de chefe de partido e que poderiame ajudar na funo que estava exercendo. Em seguida conversei com osenador Jos Eduardo de Andrade Vieira. Repeti os argumentos de que oministrio era meu, mas que evidentemente o enorme empenho que eleteve na minha candidatura e o fato de que abrira mo da sua candidaturaa presidente da Repblica, e me ajudara muito no Paran e em toda parte,faziam dele um companheiro que, se quisesse participar do ministrio,teria seu lugar, eu estaria aberto a isso, mas achava que o fortalecimentodo Conselho Poltico5 era pea fundamental. Nesse momento o JosEduardo me disse que, nesse caso, indicaria algum. Mas, perguntei,

  • voc tem algum? Tenho, o Joo Elsio [Ferraz de Campos]. timo.Esse nome excelente, ento voc fica no Conselho Poltico e nomomento oportuno eu falo com o Joo Elsio.

    Quando o Pimenta chegou dos Estados Unidos, conversei com ele.Pimenta uma das pessoas que mais de perto souberam do que eu tinhaem mente, e eu lhe disse a mesma coisa que ao Jos Eduardo e aoBornhausen. Pimenta no queria participar do ministrio, preferia serpresidente do PSDB e nessa condio iria me ajudar no Conselho Poltico.Contei a conversa com os outros, ele ficou muito contente com a foraque pretendo dar e que darei ao Conselho Poltico. Disse-lhe que, sequisesse participar do ministrio, evidentemente podia ser ministro. Naminha cabea, podia ser ministro da Justia ou, talvez, do Trabalho, noda Casa Civil porque eu queria dar Casa Civil uma funo muito maisadministrativa, como havia dito equipe econmica. J tinha ditotambm ao Clvis Carvalho que ele eventualmente participaria dogoverno na Casa Civil como um segundo meu, frase que repeti nacomunicao que fiz ao pas sobre a formao do novo ministrio.

    Jos Eduardo saiu feliz e me deu a impresso de que no participariado ministrio. E o Pimenta da Veiga tambm, posio que manteve at ofinal. Expliquei-lhe quais eram as participaes que eu estava imaginandopara o PSDB. Ele sabia que a maior parte dos ministros seria desse partido.Mencionei a questo mineira, com a preocupao de dar um espaoadequado a Minas Gerais. Pimenta tambm me ajudou muito na questodo PMDB, cujo apoio articulou com Lus Henrique [da Silveira]. Essaarticulao resultou numa carta combinada comigo, enviada ao PMDBpelo Pimenta, como presidente do PSDB. Na carta se dizia que haveriapossibilidades de participao e o partido respondeu mostrando seuspontos programticos que, grosso modo, coincidiam com os nossos. Osprogramas para o Brasil so todos mais ou menos coincidentes. Hoje huma convergncia nacional a respeito de certas reformas que sonecessrias.

    J com o Pimenta presente, tive uma conversa com o Lus Henrique,presidente do PMDB, quando manifestei interesse de que o [Nelson]Jobim viesse participar do governo comigo. Jobim no era propriamenterepresentante do PMDB, eu o tinha colocado na minha cota pessoal. Naverdade, eu o queria como advogado-geral da Unio ou, mais do que isso,como consultor-geral da Repblica, muito prximo a mim. Mas ele terdito ao Eduardo Jorge que preferia participar como ministro da Justia eque no aceitaria ser advogado-geral da Unio.

    Eu disse que o Ministrio da Justia hoje muito diferente do que sepensava antes. um ministrio que cuida efetivamente dos ndios, dasforas militares no Rio de Janeiro, das penitencirias, que tem a ver comuma srie de funes que a Polcia Federal dever desempenhar e que eramuito mais um Ministrio da Cidadania e da Segurana Pblica do que daJustia nos termos antigos. Mas parece que o Jobim achava que o caminhomelhor era esse. Nas conversas que mantive com alguns ministros do

  • Supremo, no esforo que estou fazendo para mantermos umrelacionamento positivo, notei que Jobim gozava de alta estima econsiderao por parte deles. Isso desfazia uma velha intriga de que eleestaria inimizado com o Supremo.

    Na conversa com o Lus Henrique insisti no nome do Jobim. Eu disse:Olha, o Jobim quer o Ministrio da Justia, perfeito, agora temos que verquais so as outras possibilidades. Houve duas conversas sobre ministros.Na primeira, Lus Henrique falou de alguns nomes que pediu mais tardeque eu esquecesse. Depois trouxe minha considerao o nome doOdacir Klein. Eu disse: Odacir uma pessoa que acho excelente por suaintegridade e por seu papel. Ele simboliza o PMDB e est a ponto de sereleito lder na Cmara. Acho que como lder teria maiores problemas deconvivncia com o governo do que como ministro. O lder tem quecomprar em bloco as posies do governo, que nem sempre socoincidentes com as posies do Odacir. No obstante, tenho respeito porele. E sugeri que Odacir podia ser ministro dos Transportes. A ideia foiminha. Eu no o queria na Agricultura. Ele tinha uma ligao antiga comas cooperativas, que tm posies de defesa dos seus interesses legtimos,mas a questo da TR6 obsessiva, e, diante da dificuldade econmica, oesmaecimento da TR ter que ser feito ao longo do tempo e no deimediato, o que criaria um embarao com Odacir.

    Disse a Lus Henrique que transmitisse a Odacir que eu tinhaempenho na continuidade da Lei dos Portos, que precisa ser efetivadapara sua modernizao, e que tinha tambm muito empenho no projetode concesso de servios pblicos. Disse que o [Alberto] Goldman (aquem elogiei pela ao que teve no Ministrio dos Transportes e no teriadvidas de pr como ministro, embora sabendo que isso podia criaralgum problema no PMDB) havia iniciado as transformaes necessriaspara a concesso de rodovias, de pontes, de estradas de ferro, e que eugostaria de saber a opinio do Odacir sobre essa matria, que tinha que serenfrentada. Lus Henrique me respondeu que no haveria problema. Defato, mais tarde, quando conversei pessoalmente com Odacir, reafirmeiesses pontos sem nenhuma dificuldade.

    O Lus Henrique insistiu num nome, ou melhor, numa soluo, vistoque 51% da bancada do PMDB composta por nordestinos: Ccero Lucenapara o Ministrio de Integrao Regional. Eu disse que, em vez desteministrio, iria criar uma secretaria. Conheo o Ccero, governador emexerccio da Paraba, com quem tive contatos como ministro da Fazenda.Sei que competente e a maledicncia ligada ao nome Lucena por causado senador Humberto Lucena7 no pode servir de argumento para afastaruma pessoa, at porque o senador ter l os seus problemas declientelismo mas um homem honrado. O nome do Ccero Lucenacomeou a circular e, como digo sempre, a imprensa Gutenberg acaba seantecipando ao que vai acontecer.

    Isto gerou muitos problemas, porque setores do Nordeste, por razes

  • de PMDB versus PSDB e outras coisas do tipo, no aceitavam bem o nomedo Lucena para a Integrao Regional. Para este tema eu tinha pensado noKrause. Antes de falar com o PMDB, conversei com ele, que me deu fortesargumentos para que no fosse criada nenhuma secretaria de integraoregional, tampouco um ministrio, sob a alegao, endossada pelo BeniVeras, de que, para resolver a questo regional, preciso ter uma polticanacional, feita no Ministrio do Planejamento, e que a Sudam e a Sudenedevem estar no Planejamento.

    Percebi que o Krause no se sentiria vontade nessa posio. Emborahouvesse uma aspirao legtima do Fbio Feldmann de ser ministro doMeio Ambiente, a lista de paulistas estava crescendo, o que me levou adizer ao Gustavo: Voc podia ser ministro do Meio Ambiente e dosRecursos Hdricos. De onde veio essa ideia? Entre as conversas que tivecom cada um dos ministros do presidente Itamar Franco, aquela com oLus Henrique foi excelente. Ele me disse com detalhes como via a questodos recursos hdricos, entregou ao Eduardo Jorge um programa sobreesses recursos. Fiquei muito impressionado pela exposio e pela pessoado ministro.

    Eu disse ento ao Krause: Olha, preciso cuidar dessa questo dagua com muito mais empenho, gua Meio Ambiente. A gua paraconcesso de energia eltrica talvez devesse continuar com o DNAEE,8mas precisa ter um plano hdrico, e mesmo a questo da irrigao temque estar subordinada a esse plano. E acrescentei: Acho que voc ohomem para isso. Voc pode sustentar o ponto de vista ecolgico combrilho, no conjunto do governo, no pode ser uma coisa setorizada. gua uma questo fundamental. Notei que ele gostou muito da ideia, entona hora, na minha cabea, isso ficou resolvido. Criava, entretanto, duasdificuldades. Uma com o Feldmann, o que era normal, e a outra aresponsabilidade toda minha, no do Krause , a questo nordestina,porque isso dava a Pernambuco, ao Krause, que havia perdido a eleio,uma posio ministerial, coisa que eu no tinha conseguido dar ao Cear ecertamente ainda no tinha resolvido em relao Bahia. E, por cima,persistia a dvida: a quem devia entregar a questo da Secretaria deIntegrao Regional. Foi nessa brecha que entrou o nome de CceroLucena.

    A questo do Cear precisa ser mais bem especificada. O Tasso foi dosmais prximos a mim na concepo das coisas, do ministrio e daconversa poltica. Minha relao com ele muito direta, nos entendemosbem. Pareceu-me que Tasso no tinha empenho em que houvesse umministro do Cear, a no ser que o Ciro quisesse. Ele no reivindicavanecessariamente ministrios, e sim, mais modernamente, aes deinteresse para o estado. E assim foi feito.

    Convidei o Ciro. Porque sou devedor, e o Brasil tambm, a ele, pelamaneira como substituiu de imediato o Rubens Ricupero no Ministrio daFazenda, quando comentrios feitos em off no intervalo de umaentrevista televiso foram captados pelas parablicas. Esse episdio

  • poderia ter causado um dano enorme credibilidade da polticaeconmica se no tivssemos tomado uma deciso rpida. Isto granjeoupara mim um dever de correspondncia ao gesto do Ciro. Ele no queria.Temia que o passo pudesse ser mais largo do que a perna, temia asconsequncias do seu estilo, temia no controlar a inflao e tinha razesnesse temor. Foi o Itamar quem sugeriu seu nome, e eu concordei. Eutinha sugerido o Bacha ou o Malan, ideias antigas minhas, mas vi que oItamar se sentia mais confortvel com o Ciro. Endossei prontamente e fizmuito empenho para que ele aceitasse.

    Naquele momento disse ao Tasso que no tinha pensado no Ciropara a continuidade da rea da Fazenda, mas que asseguraria uma posiopara ele no governo. Reiterei isso ao Ciro, com muita energia. E queriamesmo, porque ele tem uma poro de qualidades que podiam ser teis.At que o Ciro me disse um sonoro no com bastante firmeza, e eu ofelicitei, porque acho que o mais adequado para ele, que muito moo, passar um tempo em Harvard. Ainda me disse: Algum fusvel podequeimar no caminho, a estou s suas ordens.

    Devo dizer ainda que, posteriormente, perguntei ao Beni Veras, porquem tenho tambm uma admirao enorme, pela sua capacidade ecorreo, se ele poderia ser ministro da Educao. Veras me respondeuque no poderia, por causa da sade, isso numa manh. Achei que estavacerto. tarde, no dia seguinte, me disse que tinha consultado o mdico e,eventualmente, poderia ser, mas a essa altura eu j havia designado oPaulo Renato. Portanto, o Cear no teve ministro por essas razes bemclaras, no porque eu no quisesse.

    Pernambuco teve pelo fato de que eu queria o Krause comosecretrio da Integrao, mas na hora vi que ele seria um bom ministro doMeio Ambiente e dos Recursos Hdricos e peguei o pio pela unha. Comisso criei uma dificuldade na Bahia. Havia uma expectativa de que a pastados Transportes fosse ficar nas mos desse estado atravs do RaimundoBrito, e ele era o nico ministro que eu no conhecia pessoalmente. Poresse motivo, chamei o Lus Eduardo minha casa e lhe disse: Olha, Lus,acho importante dar um ministrio Bahia, porque seno o ministriofica regionalmente desequilibrado. O nome que est posto o doRaimundo Brito. Ele advogado, poderia ser o ministro da Justia. O Lusme disse que no, no era a funo dele. Respondi: Ento acho que scabe Minas e Energia. Embora essa no fosse a expectativa baiana,acredito que eles acabaram compreendendo que era, na circunstncia,uma boa soluo. Isso me permitiria resolver o problema do PMDB comOdacir Klein nos Transportes. Eu ficaria tranquilo quanto honorabilidadedessa pasta, que vai jogar com muitos bilhes de dlares, e teria um apoiosimblico e efetivo do PMDB, o que era importante por causa dasreformas. O Lus Eduardo foi Bahia e, um ou dois dias depois, me disseque estava tudo bem.

    Alguns dias mais tarde, juntamente com o Jorge Bornhausen, Lustrouxe o Raimundo Brito. Nessa conversa eu lhe disse o que esperava dele:

  • a modernizao da rea era muito importante, mas precisvamosprimeiro fortalecer a autoridade pblica atravs do DNAEE para poderfazer a privatizao adequada. Deixei claro que a designao para asestatais no seria automtica do ministro, que ela passaria por mim.Mencionei que tinha muito apreo pelo Srgio Moreira, presidente daChesf, e que havia uma disputa entre alguns setores da Bahia e o Srgio,que de Alagoas. Ele lutou contra o abuso de empreiteiras e no pode serposto na rua da amargura pela mudana eventual de ministro. Tudo issofoi dito com bastante clareza a Brito. Disse-lhe tambm que no havianenhuma necessidade de fazermos a derrubada dos que esto nas estatais.O governo, como repito sempre, de continuidade embora no seja decontinusmo. Assim, queria acalmar as presses que possam existir para osegundo e para o terceiro escalo.

    Minha impresso em relao ao Raimundo Brito foi excelente, o quecorroboraram outras pessoas que conversaram com ele, como o JosSerra e o Clvis Carvalho, que assistiu minha reunio com o Brito e o LusEduardo. Todos consideram que se trata de um homem competente.Naturalmente eu j tinha verificado seus antecedentes atravs dos canaisadequados. Ele teve uma gesto muito correta no Banco da Bahia,9 umaboa gesto como secretrio de Antnio Carlos, e parece ter as condiesefetivas para ser um bom ministro.

    Voltando ao PMDB, era chegada a hora de conversar com Lucena e comos outros ministros. Lus Henrique ficou de traz-los. Antes que eu falassecom eles, por coincidncia o governador Antnio Mariz e o senadorRonaldo Cunha Lima vieram minha casa em funo da questo dosenador Humberto Lucena, no em funo do secretrio Lucena. Nessaconversa aproveitei para dizer das minhas dvidas quanto localizao dasecretaria regional do Ccero Lucena. Achei que era melhor que fosse umasecretaria de polticas regionais com dupla ligao: uma com o Ministriodo Planejamento e outra com a secretaria executiva tcnica de um grupode ministros atinentes rea, que seria presidida por mim. Essa sugestome foi trazida pelo Beni Veras para mostrar que a secretaria de polticasregionais no pode ser pensada como um gueto. Tem que ser pensadacomo uma coisa ligada, ao mesmo tempo, ao Ministrio do Planejamentoe ao presidente da Repblica.

    Disse isso aos dois chefes paraibanos antes mesmo de diz-lo, o quefiz no mesmo dia tarde, a Ccero Lucena e a Lus Henrique juntamentecom Odacir Klein e Nelson Jobim, que vieram me visitar. O Lucena disse:Mas a secretaria no vai ficar esvaziada?. Respondi: No, voc vai definirjunto com Eduardo Jorge, Clvis, Krause quais so as funes. As funesque quero de voc so mais importantes. O importante no ter cargopara nomear, ter capacidade poltica de influir no conjunto do governopara que o Nordeste e a Regio Norte tenham os recursos adequados paraque ns minoremos as desigualdades regionais. Eu quero ter dois braos

  • para lidar com as desigualdades: o do Comunidade Solidria,10 por umlado, para lidar diretamente com as classes, e o das polticas regionais. Evoc vai ser o homem para isso. Mas uma funo de planejamento, no uma funo de nomeaes de cargos em Chesf, em DNOCS, ou o Valedo So Francisco. Isto um jeito antigo de agir. Ele entendeu bem. Tive aimpresso de ver uma reao positiva.

    Foi dessa forma que organizei a relao com os partidos. Houve umapequena modificao. Depois que o senador Jos Eduardo Vieira viu acomposio do governo e que a Agricultura caberia ao Paran e ao PTB,veio at mim e disse que preferia, nesse caso, ser ele prprio o ministro, eno o Joo Elsio. Havia entendido que este iria para outro ministrio, masque, se era o da Agricultura, ele era mais apto a assumi-lo. Insisti que adeciso de ir para o Conselho de Presidentes de Partidos tinha sido dele,que os outros presidentes de partidos iriam ficar muito decepcionados, oque aconteceu, mas ele me respondeu que, neste caso, colocaria o JooElsio no Conselho como presidente do PTB, e assim foi encerrado oassunto Partidos.

    Assunto Regies: a questo do Nordeste estava resolvida: no ficouningum do Cear pelas razes j ditas, e tomei a deciso de colocar comoministro algum da Bahia para equilibrar, porque tivemos uma votaoboa nesse estado. E tambm porque eu queria ter nomes que fossemafinados comigo e com o meu programa de governo, e no simplesmentepara representar regies.

    Minas um caso parte. Disse ao presidente Itamar Franco, duranteas conversas com os economistas, que queria ter uma representao desseestado. Sempre mantive Itamar informado de quase tudo que foiacontecendo. O primeiro nome cogitado, dito por mim, foi o de PauloPaiva. Eu havia pensado no Paulo para a Educao. Daqui a pouco digopor que ele no foi para essa pasta. Era um nome sempre presente ao meuesprito. Itamar disse que era bom mesmo, uma bela representao.

    Depois houve uma conversa com o Pimenta e com o EduardoAzeredo. O Eduardo queria que houvesse uma representao poltica edeu dois nomes: o de Acio Neves e o do deputado Roberto Brant.Respondi que achava difcil porque, quando se pensa em deputados, aoinvs de facilitar, dificulta. A no ser que houvesse um caso como o doOdacir Klein, que era um lder, que simboliza o conjunto, difcil nomeardeputados, porque, quando coloca um, desagrada o outro. Notei que oEduardo Azeredo gostou quando mencionei o nome da Dorothea[Werneck], que desde o incio participou da transio e estava no meuesprito. Ela podia ser ministra tanto do Trabalho quanto, pensamos numcerto momento, da Educao ou da Indstria e Comrcio. Havia maisempenho em Minas para que o Roberto Brant fosse ministro de Indstriae Comrcio. Creio que o governador Hlio Garcia talvez at preferisse isso,no sei, porque no conversei com ele a no ser por telefone.Posteriormente, quando conversei com o Paulo Paiva em Brasliaindicando mais ou menos a Educao, disse: Paulo, vamos falar com o

  • Hlio Garcia. Paulo ligou para o Hlio e eu falei com ele. Disse: Olha,estou aqui com o Paulo Paiva, quero almoar com voc. Marquei no dia15 de dezembro, supondo que no dia 16 eu estaria em Ouro Preto. Mashouve um desencontro. Eu estava certo de encontr-lo em Ouro Preto, eleprovavelmente estava certo de que eu iria v-lo no Palcio. Eu no soubedisso, no sei se houve alguma suscetibilidade nesse ponto. Estvamos eu,Eduardo Azeredo e Pimenta no aeroporto. Ficamos bastante apreensivos,porque a minha inteno no era seno fazer um gesto de simpatia paracom Minas e com o governador que nos auxiliou bastante.

    Na conversa que tivemos, ficou claro que eram esses os nomes emjogo: Dorothea, Roberto Brant, Paulo Paiva, este j praticamenteconvidado por mim para participar do governo. Notei que o Eduardotinha muito empenho em que a Dorothea fosse ministra de Indstria eComrcio. Devo dizer de passagem que, antes de ir a Minas, Malan tinhaconversado comigo sobre essa matria. Pedro jantou com a Dorothea, elaesteve na minha casa, eu no a convidei para nada, mas o Pedro insistiamuito que ela fosse para Indstria e Comrcio. Eu tinha pensado emcolocar l um empresrio catarinense, o Lus Furlan, que trabalha em SoPaulo e da Sadia. um nome muito bom, todo mundo gostou, masaparentemente, pelas razes que estamos dizendo, foi melhor no terfeito o convite, porque teria tido dificuldades polticas com Minas e comEduardo Azeredo.

    A Dorothea poderia evidentemente ir para outro ministrio, mas eusenti que tinha que dar um ministrio de mais peso a Minas. Depois queanunciamos que o Serra seria o ministro do Planejamento, no poderiadar a mais um paulista uma pasta importante como no meu esprito sera de Indstria e Comrcio. Em Ouro Preto conversei com o vice-governador do estado,11 conversei de novo com Paulo Paiva, com JooHeraldo [Lima], com Eduardo Azeredo, com Pimenta, e disse que gostariaque o Joo Heraldo fosse presidente do Banco do Brasil. Malan, Serra,Prsio, todos concordavam e, no entanto, o Eduardo disse que no,porque Heraldo ia ser secretrio da Fazenda de Minas. Tive tantapreocupao com Minas que pensei no s nos ministrios mas tambmno Banco do Brasil e obviamente na Vale do Rio Doce. uma companhiaem que os mineiros tm uma forte presena. Creio que Eduardo Azeredoentendeu, e o Hlio Garcia mandou um recado para mim dizendo queno me preocupasse, que mais adiante ele ia a Braslia tomar um cafcomigo e tudo se acalmava. Essa foi a questo mineira.

    A deciso que tomei posteriormente em relao Dorothea12 foi porsua competncia especfica, que era maior, Roberto Brant era mais da reafinanceira. Faltava resolver a questo do Ministrio de Cincia e Tecnologia.Me pareceu que seria forar a barra nomear um deputado sem ligaocom a rea. Eu havia tido um encontro muito bom com uns vinte outrinta cientistas e no queria coloc-los numa posio de surpresa. A melembrei em Minas que, quem sabe, o Israel Vargas no podia permanecer.

  • Essa soluo agradou a todos com quem conversei no estado e a quemconsultei mais tarde, o presidente Itamar Franco e o Francelino Pereira,que estava muito aflito porque o PFL me havia apoiado e eles no tinhamnada l em Minas. Tambm conversou comigo o Jorge Bornhausen. Elesqueriam colocar outro nome, Ivan Botelho. Eu disse: Olha, a mesmacoisa que o Roberto Brant. Eu gosto muito do Ivan Botelho, mas noposso coloc-lo para a comunidade cientfica sem mais nem menos.Entenderam.

    Quando falei que pensava em manter o Vargas, no dia seguinteapareceu nos jornais que o Vargas seria pela via do PFL. No bem assim,mas ele tinha realmente um relacionamento bom com Francelino e issoacalmou muitas reas de Minas. At ento eu no tinha conversado com oVargas. Na vspera do anncio telefonei para ele e disse: Olha, Z ele o meu amigo de tantos anos , vou precisar de voc, no sei bem onde,porque tinha pensado em coloc-lo at no Ministrio das RelaesExteriores para poder colocar o Bresser no de Cincia e Tecnologia, que eramais vivel. Olha, de repente quando voc acordar, voc vai ser ministroda Agricultura, disse eu brincando, e ele s soube pelo rdio que ia serministro de Cincia e Tecnologia. A questo mineira foi resolvida dessamaneira.

    Agora, o assunto mais diretamente ligado composio do Palcio. Eusempre quis que l estivessem Clvis e Eduardo Jorge, que uma espciede chefe de Gabinete com maior relevncia. Eu queria o Paulo Renato nacoordenao do Planejamento at que houve a questo j dita aqui doSerra. O porqu do Serra bvio. Temos que fazer a reforma tributria efiscal. A prpria equipe sentiu que precisaria de algum que tivesse umaintimidade maior com o Congresso. O Fundo Social de Emergncia13 nosensinou muito. Eu era ministro da Fazenda e o Bacha ajudou bastante,mas a briga pesada fui eu que fiz, como senador, com fora poltica.Nenhum membro da equipe, nem o Paulo Renato, que acabara de voltarpara o Brasil, teria condio para enfrentar o Congresso. O Pedro Malanno tem o estilo nem o peso poltico.

    Precisvamos de uma personalidade mais forte para esse tipo denegociao. Ou eu como presidente da Repblica me jogaria nisso e medesgastaria muito ou teria que ter algum. Se o Bacha fosse o ministrodo Planejamento, dadas suas qualidades de negociador e a intimidade quetem com muitos setores do Congresso, isso teria sido amenizado. Sem ele,ficou bvio que precisaramos de um peso pesado. Quando mencionei oassunto ao Prsio, ainda nas tentativas de traz-lo para o Banco Central, elese entusiasmou e telefonou para o Serra. Depois conversei com o Malan,que conversou com o Serra, voltou a mim e disse: Olha, eu disse ao Serraque ele seria um bom ministro do Planejamento. Eu disse: Olha, Pedro,se voc diz isso e o Prsio tambm, no serei eu que no vou fazer.

    A indicao do Serra para o Planejamento criou um problema com o

  • Paulo Renato. Chamei o Paulo e disse: Olha aqui, Paulo, o LucianoMartins14 props a criao de uma secretaria de projetos especiais junto Presidncia. At pensamos em ter o Clvis, o Eduardo Jorge, o PauloRenato e mais um ministro. Mas o Paulo teve o bom senso de dizer: muita gente, vai congestionar o Palcio, vai virar uma briga decotoveladas. Ele pressentiu essa dificuldade e me disse que eventualmentepoderia ir para o Itamaraty.

    Eu no disse isso a ningum e fiquei cogitando os prs e os contras.Paulo Renato tem muitos prs, um relacionamento internacional grande, uma pessoa afvel, que o Itamaraty assimilaria bem. Mas era bvio quehavia uma lacuna gritante no Ministrio da Educao. Tentei vriashipteses, a Eunice Ribeiro [Durham], a quem prezo muito. Sobre issosondamos vrias pessoas, entre as quais o Vilmar [Faria] e o prprio PauloRenato. A reao dos reitores muito grande pela energia da Eunice, seique preciso quebrar diversas regras estabelecidas, mas preciso tercondies polticas para tanto. Conclumos que no havia possibilidade denome-la.

    O [Walfrido] Mares Guia virara vice-governador de Minas e, almdisso, era mais voltado para a rea da educao de base. Achei ento que,em vez de optar por um tcnico como Cludio Moura e Castro queestava no BID, poderia voltar para o Brasil mas no estava inserido nonosso contexto e seria certamente um bom assessor , era melhorapostar no Paulo Renato, que foi um bom reitor, um bom secretrio doPlanejamento, me ajudou muito na campanha. Conversei com Paulo e elefoi designado ministro da Educao. O que me pareceu uma boa soluo.Eunice vai para a direo do ensino superior e estamos vendo agora asoutras reas de modo a fortalecer o Ministrio da Educao.

    Posto o Paulo Renato na Educao, tive que deslocar o Paulo Paiva,que, antes da escolha do Serra, eu tinha imaginado um possvel ministrodo Planejamento. J me tinham dito que um bom lugar para ele era apasta do Trabalho, por sua maior competncia especfica nesta rea. Eravital para a equipe econmica um Ministrio do Trabalho inovador,consequente, e eles conhecem bem o Paulo. Acho que ele ficou mais vontade a do que num eventual Ministrio da Educao.

    Registro a escolha dos demais ministros. Na Cultura, at um certomomento eu imaginava colocar Roberto Muylaert, o nome que tinha amaior densidade nos meios culturais. At que Otaviano de Fiori me disseque tinha estado com Weffort, com quem tivera uma conversa muitoaberta, e que ele achava que havia a possibilidade de uma cooperao.Mas no tomei isso ao p da letra.

    Houve aqui em Braslia um seminrio, no dia 4 de dezembro, comintelectuais de vrias partes do mundo e o Weffort foi convidado. Quandoo seminrio terminou, vieram minha casa os antigos colegas e alunos daUSP, entre eles o Weffort. No final da conversa peguei-o num canto e

  • disse: Olha, Weffort, acho que seria muito importante ns mantermosuma relao muito fluida com o PT porque h problemas nacionais quens temos que levar em conjunto. E ele: Voc sabe, eu estou muitodistanciado das posies do PT, j disse isso ao prprio Lula. Perguntei: Oque voc vai fazer?. Ele respondeu: Tenho um contrato a assinar agoracom a Notre Dame nos Estados Unidos, mas se houver uma possibilidadede trabalho aqui, se for definido logo, eu fico.

    Entendi que ele tinha disponibilidade de ficar no governo. Fiqueicontente, mas no contei a ningum, temeroso de que essas coisas fossempostas na rua antes da hora. Conversei apenas com o [Jos Arthur]Giannotti, que tinha sabido do prprio Weffort por telefone. Eu disse: Tbom, acho timo, mas voc guarde isso para no termos a precipitaes.Dois dias depois, isso o mximo que dura a discrio no Brasil, estava naimprensa e criando uma certa dificuldade com Roberto Muylaert, aindaque eu no tivesse tomado nenhuma deciso nem tivesse jamaisconvidado Roberto. Por coincidncia, no momento em que o Weffortconversava comigo, o Muylaert tinha me mandado um recado dizendoque no poderia vir para Braslia, que eu no pensasse mais nele. No diaseguinte ao meu encontro com Weffort, tive um jantar, em So Paulo, emhomenagem ao Vargas Llosa. Estava l o Roberto Muylaert, me pegounum canto, longamente, e disse que afinal tinha disposio de vir paraBraslia.

    No avancei mais nada, fiquei at um pouco embaraado, pensei:Agora, de repente, temos dois nomes para o mesmo ministrio. DepoisMuylaert me disse outra vez que no, depois, que sim. Chamei-o aqui edisse: Olha, Roberto, tem essa questo do Weffort, eu acho que vocpodia ser secretrio nacional de Comunicao. No comeo ele nem quis,porque no era propriamente a rea a que aspirava, at que viu que eutinha em mente uma coisa importante. Eu queria que a Secretaria deComunicao se ocupasse das TVs educativas, das rdios, e que a parte doMinistrio da Educao que ia lidar com a educao distncia ficassevinculada a essa nova secretaria. O Roberto Muylaert era a pessoa indicadapara isso. Foi ele quem ergueu a Fundao Anchieta/TV Cultura de SoPaulo. Ele acabou aceitando at com muito entusiasmo, no s nessaparte, mas no conjunto da rea de comunicao social. Pude entoconfirmar ao Weffort que estava tudo esclarecido, no haveria nenhumproblema para eu enfrentar aps a sua designao. O nome dele foi muitobem-aceito.

    Outro ministro era o Adib Jatene. O Jatene um desses nomes queesto sempre presentes quando se fala em Ministrio da Sade. Eu, noincio, pensava at em colocar um no mdico na Sade. Brincando,cheguei a dizer ao Prsio: Voc no quer ser ministro da Sade?. Esseministrio tem problemas de gesto financeira, no so s problemas nosentido mdico. Eu tinha pensado eventualmente no Ciro. Converseitambm uma vez com Antnio Ermrio [de Moraes], pedindo uma ideia.Ningum me deu uma sugesto concreta de um nome que pudesse,

  • digamos, suplantar o do Jatene.Pedi a um amigo meu, o mdico Adolfo Lerner, que trabalha com

    Jatene, que me propiciasse um encontro com ele. Tive o encontro.Ningum percebeu, nem a minha segurana. Fui para a casa da minhafilha Beatriz, atravessei a rua, entrei na casa do Lerner, e l j estava oJatene. Conversei bastante com ele, vi que estava absolutamente senhor detoda a situao do Ministrio da Sade. Um homem no s deexperincia mas de poder de deciso muito grande. Embora eu no otivesse convidado, foi uma conversa preliminar. Mais adiante saiu nastelevises e na imprensa que Jatene tinha sido convidado. Ele levou umsusto. Telefonei, mandei avisar pelo Lerner que no fora eu, mas que,quela altura, gostaria de me encontrar com ele para convid-loefetivamente, coisa que fiz. A repercusso do nome do Jatene foi sempremuito boa.

    Tenho uma preocupao com a Sade que gerencial. No que eudesconfie, ao contrrio, Jatene tem muita experincia de oramento, masno Ministrio da Sade h vrios problemas de fraudes, de coisas do estilo.Eu j havia conversado com o Lerner e ns tnhamos definido um nome,Paulo Barbosa, que um dos coordenadores do PNBE, PensamentoNacional das Bases Empresariais, esse movimento do Emerson Kapaz. OPaulo Barbosa tinha escrito um artigo na Folha [de S.Paulo] pedindo queeu desistisse da minha candidatura, a favor do Lula. Depois fez ocontrrio, quando as coisas caminharam para a minha direo. Acho quePaulo tem independncia de esprito. E tenho simpatia, porque, pelaspoucas vezes que estive com ele, vi que um administrador competente.Jatene vai lev-lo para o Ministrio, de tal maneira que ficacomplementada essa relao entre um homem competente da rea ealgum que tem experincia de assuntos administrativos, embora noespecificamente na rea de sade.

    Resta explicar aqui a nomeao do Bresser, bem como a do Lampreiae a do Srgio Motta.

    Ainda estvamos no segundo turno, na vspera da eleio do MrioCovas, quando fui a So Paulo e, no comit do Covas, encontrei o Bresser.Ele me disse que tinha expectativa de ser ministro das Relaes Exteriores.Eu j sabia. Respondi: Olha, Luiz Carlos, a no! Nesta rea eu disponho degente, no preciso de voc, talvez em outras reas, vamos ver como agente resolve isso mais adiante. No voltei a falar com ele a no ser nasegunda-feira da semana que acaba hoje, portanto logo antes do annciodo ministrio, que foi na quarta. Conversei com Bresser, disse-lhe queainda tinha minhas dvidas. Ele insistiu muito no Ministrio das RelaesExteriores. Eu pensava que talvez pudesse ir para o Comunidade Solidria.

    O [Euclides] Scalco, a quem eu havia convidado com insistncia paraesse Programa, que reputo um dos mais importantes do governo, noaceitou. Embora a CNBB tambm tivesse feito um apelo, ele se sentiu umpouco peixe fora dgua nesta matria. Pelo menos foi o que me disse.Expliquei que era para fazer um Programa ligado a mim, no seria

  • subordinado ao Planejamento. Ainda assim, o Scalco no aceitou. Euqueria um nome de peso para essa rea e pensei que o Luiz Carlos pudessese interessar, mas no cheguei nem a formular nada, porque senti que noera o caminho.

    Pareceu-me que ele estava muito obstinado com a ideia de serministro das Relaes Exteriores, com bons argumentos, e que,eventualmente, podia ir para a Reforma do Estado. Nossa conversa ficounesse ponto. No dia seguinte os jornais publicaram que o Bresser seriaministro das Relaes Exteriores. Eu nunca o convidei nem ele disse queeu tinha convidado. Essa ansiedade que a imprensa tem de se anteciparaos fatos, dessa vez criou uma dificuldade. Houve uma reao contra oseu nome, talvez pela forma como se divulgou, e foi maior dentro doItamaraty. Na tera-feira passada, almocei com o presidente do Uruguai, o[Julio] Sanguinetti. L estavam diplomatas e o presidente Sarney. Foi fcilperceber que havia dvidas, as mesmas que eu tinha, ou seja: uma pessoaque no do Itamaraty, que nunca teve afinidade maior com o Itamaratye que, por outro lado, tem imaginao muito grande, criadora, e estacostumada universidade, vai verificar que o efeito, na rea de relaesexteriores, sempre complicado quando a inteno terica positiva notoma em considerao compromissos e fatos polticos estabelecidos.

    Essa era a principal dvida a respeito da indicao do Bresser, que foise avolumando. Como disse, isso foi na tera-feira, eu ia anunciar oministrio na quarta de manh. Na tera noite liguei para o Israel Vargase pela primeira vez lhe disse: Olha, no sei se voc vai ser ministro deCincia e Tecnologia, quem sabe das Relaes Exteriores imagineicoloc-lo nas Relaes Exteriores para deslocar o Bresser para Cincia eTecnologia, onde ele era mais afim do que no Itamaraty , ou, dissebrincando, de repente voc acorda ministro da Agricultura, comoacordei ministro da Fazenda. No voltei a falar com o Vargas. No diaseguinte ele viu pela mdia que seria ministro de Cincia e Tecnologia.Telefonei mais tarde, cerca de meia-noite, para o Luiz Carlos, que estavajantando com o Ferno Bracher, e contei que a possibilidade que havia eraa de ele ser ministro da Secretaria de Administrao com a Reforma doEstado.

    Evidentemente no foi a coisa que mais o agradava, mas Bresser, como esprito cooperativo que tem, aceitou. Na manh seguinte, me mandouuma linda carta, que mostra o seu esprito generoso, j com ideias sobre aReforma do Estado e atribuindo um veto ao nome dele feito peloAntnio Carlos. No verdade. Antnio Carlos jamais tocou nesse tema, eeu jamais toquei nesse tema com ningum. Ouvi, como disse aqui, numalmoo e em outras ocasies, rumores do Itamaraty, eventualmente doministro Paulo Tarso [Flecha de Lima]. A alegao de que por causa dasrelaes com os Estados Unidos no procede. Meu julgamento sobre aao do Luiz Carlos como ministro da Fazenda positivo. Ele se antecipouao Plano Brady e, se os americanos da poca no gostaram, problemadeles, no do Brasil nem dos brasileiros, nem dos americanos que

  • atualmente l esto. Minha deciso teve muito mais a ver com apossibilidade ou no do bom exerccio do cargo. Dada essa questo doItamaraty, pareceu-me mais adequado colocar o Bresser na Secretaria daAdministrao Federal.

    Quero deixar claro ainda que na ocasio nem falei com o futuroministro Luiz Felipe Lampreia. Tive uma conversa com ele faz algunsmeses, quando disse que, eventualmente, se a soluo fosse interna, podiaser ele o ministro, j que tinha sido meu secretrio-geral. Mas Lampreia sviu pelo noticirio do dia seguinte que era ministro das RelaesExteriores. A tambm tive problemas. Eu preferia talvez algum de forapara dinamizar o Itamaraty. s vezes preciso dar uma sacudidela,porque h muitos grupos ali. Na ltima gesto vi isso com clareza.

    Tambm achava que algum de fora talvez pudesse me evitar oembarao da escolha, porque tenho muitos amigos no Itamaraty. J tinhaconversado com um deles, Ronaldo Sardenberg, que foi deslocado daONU. O ministro Celso Amorim resolveu ir para a ONU, eu insisti junto aopresidente Itamar, pois me parecia mais adequado manter o Ronaldo lat o ano que vem, ano do cinquentenrio da organizao. Ele tambmestava negociando a questo do Conselho de Segurana, mas o mini