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"Quandoomundoestiverunidonabuscadoconhecimento,enãomaislutandopordinheiroepoder,entãonossasociedadepoderáenfimevoluiraumnovonível."
Copyright©2012MarcelaMarizCopyright©2014EditoraGutenbergTítulooriginal:TheChosenofGaiaTodososdireitosreservadospelaEditoraGutenberg.Nenhumapartedestapublicaçãopoderáserreproduzida,sejapormeiosmecânicos,eletrônicos,sejacópiaxerográfica,semautorizaçãopréviadaEditora.GERENTEEDITORIALAlessandraJ.GelmanRuizEDITORASSISTENTEDenisArakiASSISTENTESEDITORIAISFelipeCastilhoCarolChristoPREPARAÇÃOOtacílioNunesREVISÃORaquelFernandesCAPADiogoDroschiDIAGRAMAÇÃOSGuerraDesignPRODUÇÃODOE-BOOKSchafferEditorial
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)CâmaraBrasileiradoLivro,SP,Brasil
Mariz,MarcelaOsescolhidosdeGaia/MarcelaMariz;traduçãoSantiagoNazarian.--1.ed.--BeloHorizonte:EditoraGutenberg,2014.Títulooriginal:TheChosenofGaia.ISBN978-85-8235-157-41.Ficçãobrasileira2.AmizadeI.Título.14-01150 CDD-028.5
Índicesparacatálogosistemático:1.Ficção:Literaturabrasileira869.932.Ficção:Literaturajuvenil028.5
EDITORAGUTENBERGLTDA.SãoPauloAv.Paulista,2.073,ConjuntoNacional,HorsaI,23ºandar,Conj.2.301CerqueiraCésar.01311-940SãoPaulo.SPTel.:(5511)30344468BeloHorizonteRuaAimorés,981,8ºandarFuncionários.30140-071BeloHorizonte.MGTel.:(5531)32145700Televendas:08002831322www.editoragutenberg.com.br
Paraminhafamíliaeamigos,pormefazeremacreditar.
SUMÁRIO
UMDOISTRÊSQUATROCINCOSEISSETEOITONOVEDEZONZEDOZETREZEQUATORZEQUINZEDEZESSEIS
UM
Domingo.Oclimaquente,combinadoàbrisasuavedoiníciodamanhã,pareciatrazerapromessadealgumaaventuranovaeempolgante.
Definitivamente,aqueleeraomomentoparaumamudança.UmaondadecorageminvadiuentãoospulmõesdeAlbert.Agoraeletinha15anos,umaidadeemqueascoisaspodiamfinalmentecomeçaraacontecer,seeleconseguisseenfrentarodesafio.
TalvezeleapenasprecisassepedirmaisapoiodeRuthesolicitaruma…interferênciasocial!Nosúltimosdiasemquealugaramacasadepraia,suairmãgêmeaaprendeukitesurf,venceuumtorneiodecaminhadaeatéfoiaoscéusemseuprimeirovoodeparapente.
Láestavaelanomar…nadandocomnovosamigos…enquantoeleestavasentadopateticamentenaareia,usandograndesquantidadesdeprotetorsolar,esegurandoumlivroantigoqueneminteressantedelerera.
— Albert? — uma voz suave interrompeu seus pensamentos. A voz mais carinhosa que ele jáconheceupertenciaàpessoamaisdocequeelepodiaimaginar:suamãe,Sarah.—Jáchameivocêumascincovezes,evocênempiscou!Estátudobem?—Seusolhosverdesbrilhantesestavamfixosnosdele,tentandodecifrarseuspensamentos.
—É...eusóestavapensando...neste livro.Ébeminteressante...—disfarçou.Elesabiaquenãoconseguiriaescondermuitodela,mashaviaalgumascoisasquepreferiaguardarparasi.
— Eu trouxe almoço pra você! — disse Sarah, passando a ele um prato com batatas fritas ehambúrguer.
—Oh-oh…Achaqueopaifezdireitodestavez?Hesitando,eleagarrouohambúrguer,enquantoamãesesentavaaoladodele.—Bom…estámelhorqueoúltimo...—eladisse,olhandoparaopaideAlbert,VictorKlein,que
faziaochurrasconafrentedacasa.Apesardenuvensdefumaçapretasaíremdesuagrelhaimprovisada,elepareciaconfianteemseudesempenho.—Seupainãoémesmoomáximo?
—Definitivamente,deveriaserproibidoelecozinharqualquercoisa—disseAlbert,comosolhosvidrados no prato. Seu pai nunca costumava dedicar muito de seu tempo a eventos familiares comoaquele, então ele tentaria demonstrar umpouco de apoio e gratidão.Depois de respirar fundo, tomoucoragemparadaraprimeiramordida.Apesardeoengasgoserquaseinstantâneo,eletevededisfarçaradificuldadedemastigar,depoisdenotarqueopaiestavaespiando.Rapidamente,Albertmostrouaeleopolegaremsinaldepositivo,eVictorsorriudevolta,orgulhoso.
—ParecequeoSabãoadorou!—Sarahapontouparaocãobasset,quedevoravafelizumpedaçodecarnequeVictorsemquerertinhadeixadocairnochão.
—OSabão?—repetiuAlbert,cuspindodiscretamenteacomidaemumguardanapo.—ElecomeatéamaquiagemdaRutheasminhasmeiassujas!Elenãovale!
Sarahnãoconseguiuseguraroriso.Albertdefinitivamentetinharazão.Naquelasemanamesmo,elatinhapegadoocachorrocomendolimão,pimentaeaescovadedentesdela.
—Espere…oqueestáacontecendo?—Derepente,Albertperdeuofôlegoolhandoparaomar.Aáguapareciafugirdapraia,comosehouvessesidosugadapeloralodeumabanheira.—Nãoé
pos..sível...—Albertgaguejou.—Éumtsunami!Umasirenedealertasoou.Ossalva-vidassoaramseusapitosegritaramordensdeevacuação.Os
surfistascomeçaramanadardevoltaàpraiadesesperadamente.Muitospaiscorreramdeumladoparaooutroembuscadeseusfilhoseascriançascomeçaramachorar.Umcaostotalseestabeleceu.
SarahsegurouasmãosdeAlbert,emchoque.—Rápido!Precisamossairdaqui!—gritouAlbert,ajudandoamãeaficarempé.AlbertvarreuohorizonteembuscadeRuth.Elaestavaparada,congelada,hipnotizadapelaágua
queseretraía.—Ruth,venha!—gritouSarah.—Deixaqueeuaajudo,mãe,váficarcomopai!—Albertordenou.Masnãoestavafácilpassarpeloenormefluxodepessoasqueestavafugindodapraia.Comoum
rebanho aterrorizado, pisoteavam tudo e todos no caminho. O corpo de Albert parecia estar sendoarrastadopelosoutrosealgumasvezeselefoijogadonaareiajuntocomcaixasdeisoporquebradasecadeiras.
QuandofinalmentealcançouRuth,elesabiaqueera tardedemais.Umaondacolossal, talvezcomunsdezmetrosdealtura,rugianadireçãodeles.Setentassemfugir,sóconseguiriamdaralgunspoucospassos.Então,eleapenasficoulá,comumbraçoaoredordairmã.Seuspais,quesaíramcorrendoatodavelocidade, chegarama tempode juntar-seaoabraço, e todos ficaramunidos, esperandoaágua levartudoembora.
Entretanto, isso não aconteceu. As casas da praia e as palmeiras foram derrubadas. Todas aspessoaseseuspertencesquehaviamsidodeixadosnaareiaforamlevados.Maselesnão.Quandoamarébaixou e a família Klein reabriu os olhos, eles viram-se completamente sozinhos na areia. Sozinhosexcetoporumhomemnegrodecabelosgrisalhos,apoucospassosdeles.Eleseaproximoueolhoutodosnosolhos,umporum.Então,anunciouemumavozprofunda:
—Vocêsforamosescolhidos.
Albert acordou. Seu cabelo ruivo estava úmido com o suor que escorria pela testa. Tentandocontrolar sua rápida respiração,olhouparaodespertadorde suaorganizadamesade cabeceira: eram5h30 da manhã. O sonho havia sido tão loucamente real, tão rico em detalhes e emoções! Até seuspensamentoshaviamsidomuito...genuínos!
Enquanto os pés de Albert buscavam o chão, um ganido agudo quebrou o silêncio absoluto doquarto.
— Desculpa, Sabão! — ele cochichou e imediatamente começou a acariciar o cão, como seesperasseoperdãoportê-lopisado.Ocãoabaixouasorelhasebalançouorabo.
— Ei! Quietos! — reclamou Ruth, que dormia do outro lado do corredor. Através das portasabertas, ele podia vislumbrar as pilhas de roupas, cosméticos,mochilas e livros no chão ao redor dacamadairmã.“Comoelaconseguiaviverassim?”,eleseperguntava.
AlbertcambaleouemdireçãoàvarandaefoiseguidofielmenteporSabão.Osolhaviacomeçadoanascer,eocéutinhaaquelacortípica,azul-pálido,docomeçodamanhã.Eleagarrouavelhacadeiradepraia que estava apoiada em barras de ferro, abriu-a e se sentou, respirando de maneira profunda ereconfortante.
—Outro sonho estranho… agora já são cinco— ele pensou, acariciando as orelhas de Sabão.Estariaoladoinconscientedeseucérebrotentandomandaralgumamensagemmisteriosacomessesonho,ele seperguntou?Ouera seu ladoconsciente simplificandoalgoqueele já sabia:queavidaeraumachatice.
Albertolhouparaocéu,entãoseendireitou,espantado,e seergueudacadeira.Océuazul-clarohavia se tornadocompletamentevermelho.Ele esfregouosolhos.Aindaenxergavavermelho!Deuumpassoatrás,umpé,depoisooutro,masnãoreparouqueSabãoestavanovamenteemseucaminho.Perdeuoequilíbrioe,enquantocaía,seusbraçosbateramemtudoaoseuredorprovocandoumestrondo.Ruthacordousobressaltadaegritou.Sabãolatiuinstintivamente.
Por alguns segundos,Albert permaneceu caído no chão, commetade do corpo dentro do quarto,metadenavaranda.
— Sabão, para com isso! Precisa ficar atrás de mim assim? — reclamou Albert, enquanto ocachorrolambiaseurosto.
Seus pais vieram até a porta, parecendo cansados e desorientados. Victor, com o cabelo escuroarrepiado como um penteado moicano, segurava uma raquete de tênis defensivamente. De repente, odespertadordisparoueVictorsevirou,girandoaraquetenoar.
—Calma,gente!Calma!Eucaí…foisó isso...—explicouAlbert, levantando-seedesligandoorelógio.
—Ah,sério?Sóisso?—retrucouRuth,entrandonoquartodele.Elahaviaacabadodesaltardacama,masseulongocabeloruivoaindapareciaperfeitamenteescovado.—Dapróximavez,porfavor,tenta derrubar a outrametade do quarto para poder acordar os vizinhos também!—Ela se sentou nocantodacamadele.
—Paradecriarcaso!Jáestavanahoradagenteacordar.Alémdomais…—Albertparouporummomento, olhandopara o céu algumasvezes.—Vocêsnão têm ideia doque aconteceu.O céu estavavermelhoháalgunsminutinhos.Totalmentevermelho.
—Vocêprecisaparardeveressesfilmesdeterror,Albert—aconselhouRuth.—Nãotemnadaavercomfilme—reagiuAlbert.—Tem sim. Filme de terror faz a gente perder a noção do que é real— disseVictor pondo a
raquetedetênisnochão.—Então,foiaquelemesmosonhonovamente?Albertassentiuevirouorostoparaolharumdesenhonaparede.Pegouumlápisemsuamesinhae
cuidadosamenteretocouasobrancelhagrossadaimagemquefaziadorostoquecontinuavaaparecendoemseussonhos.—É...amesmasituaçãoeomesmocara…
—Eledissealgodiferentedestavez?—perguntouSarah,intrigada.—Não,mãe,mas…quandoeuviocéuvermelhoeuouviavozdelenaminhacabeça...dizendo...
“Gaia”.—Estoucomeçandoaficarpreocupadacomvocê,moleque.—Victorpassouamãonocabelode
Albert.—Vásevestirparaaescola.Euvoutomarumbanho...—Hojeéograndedia!—comemorouSarah,beijandoVictor.—Vocêvaiassistiràcerimônia,certo,querida?—VictorprendeuSarahemseusbraços.—Nuncaqueeuperderiameumaridoganhandoumamedalhadoprefeito!—elarespondeu.—Astrônomodoano!—exclamouRuth,pegandoumapáginaamarrotadadojornalnocriado-mudo
eapontandoumafotodeVictor.—Parecebemimportante,pai,tãoimportantequeeudevoirtambém.—Vocêvaiparaaescola,mocinha!—declarouVictor,saindodoquarto.—Então,mãe…—Ruthpuxouamãeparasesentaraoladodelanacama.—Vocêdeixaeume
mudarparao andardebaixo agoraqueoAlbert está ficandomaluco?Euposso até ter umataquedocoraçãodapróximavezemqueelemeacordarassim.
OtomexageradodeRuthprovocourisadasemSarah,maselaparouassimquenotouaexpressãoangustiadadeAlbert.
—Sabe,filho,seuavômecontavasobre...céusvermelhos...Sarahnuncaescondeusuafascinaçãopelopai.Sempreodescreviaorgulhosamentecomointeligente
e carinhoso, profundamente ligado à natureza. Infelizmente, ela havia perdido os pais bemmoça,mas
herdouoamordelesportodasascoisasvivas,cuidandodojardimetrabalhandodevoluntáriaemváriosabrigosdeanimais.
—Meupaicostumavadizerquecéusvermelhossãoumsinaldequegrandesacontecimentosestãoacaminho...—Sarahcontinuou.
—Grandesacontecimentosestãoacaminho?Issoparecebom!Talvezasmeninasfinalmentedeixemvocêconversarcomelas.—RuthdeuumsoquinhonoombrodeAlbert.
—Talvez…—elesorriu,pensandonaspossibilidades.—Quantoantesvocêsevestir,maiscedovaidescobrir.Gaiapodeseronomedasortuda!—Sarah
oencorajou,abrindoseusorrisocontagioso.—Asortudanerd—respondeuRuth,deixandooquartoparasearrumar.
DOIS
Sabãoestavadeitadonochãodasalaelevantouasorelhasaoperceberosomdaportaseabrindoatrás dele.Rapidamente, virou-se para ver quempoderia estar invadindo seu território. Sarah,Ruth eAlbert entraram e o cãomordeu animado sua bolinha de borracha, como se os convidasse a brincar.Albert,semenergia,fezumcarinhorápidonacabeçadocachorro.
—Albert,seanime,porfavor!—incentivouamãe.—Ah,euestoupensando…seráqueoqueaconteceuhojepodesermausinal?—perguntouAlbert.Entãoelerelembrouseudianocolégio,quepodiaserresumidodaseguintemaneira:Assimqueentrounopátiodaescola,alguémvirouumatigelainteirademacarrãoinstantâneoemseu
cabelo.Outromeninoseofereceuparaajudá-loaselimparedisparouumextintordeincêndiosobreele.Bemeficaz.
Elereclamoueprotestou,elogoseviupenduradopelacuecanaportadacantina.Tentoudeixar tudode ladoefoi trocarderoupa,vestindoummoletomquehaviaemseuarmário
parasituaçõesdeemergência.Edecidiudarinícioaoseugrandeplanodeconvidarumameninadasuaclasseparasair.Oseu“eaí,oquevaifazernofinde?”foirecebidocomumolhardepenaemedo,queerapiorquequalquer“não”.
Nofinaldodia,foiatingidonorostoporumaboladefutebolenquantopassavapertodeumaauladeeducaçãofísica.Realmente,umfinalperfeito.
—Tenhocertezadequealgumacoisaboavaiacontecerpravocê,filho...—Sarahoconsolou.—Talvezamanhã,talvezsemanaquevem...
—Tomaraquesejapelomenosnesteano—disseAlbert.—Oueuvoupassarmeutempolivrenafrentedaprateleiradeautoajudadabiblioteca.
Victorcomeçouaandardeum ladoparaooutropelasala,visivelmenteagitado.Suacamisanãoestavaperfeitamentedentrodacalça,comodecostume,epareciameiodesabotoadaeamarrotada,assimcomosuatestapreocupada.
—Victor,estásesentindobem?—Sarahperguntou,atraindoaatençãodeAlbert.—Vocêchegoutardehoje!—Victorreclamou.—Bem,foivocêquechegoumaiscedo!—respondeuSarah.—Acabamoscomendopizzamesmo,
jáquevocêdissequenãoqueriacomemoraroprêmioqueganhou...sóqueria“curtirseutelescópio”.— Você tem um jeito esquisito de se divertir, pai. Ficou observando os planetas depois da
cerimônia?—Ruthperguntoueaproximou-sedosofá.—É,fiqueisim.Achoqueesseéquefoioproblema…—Comoassim?—perguntouSarah,beijandoVictornatesta.—Vocêestádoente?Suapeleestá
gelada...Victormurmuroualgoincompreensível.—Querido,porquevocênãosentaaquiecontaoqueestáhavendo?—Sarahsugeriu.—Ruth,por
favor,trazumcháparaacalmarseupai!
Ruth correu para a cozinha e voltou pouco tempo depois, entregando a bebida ao pai.O líquidoquentedesapareceuemumgole,eamão trêmuladeVictordevolveuocopo.SarahpegouasmãosdeVictoreopuxouatéosofá.
—Algomuitoestranhoaconteceunotrabalhohoje—Victorcomeçouafalarnervoso,comavoztrêmula.
—Oquefoipai?Foidemitido?—perguntouAlbert,sentando-seaoladodele.Algumaspessoasveemotrabalhoquefazemapenascomoumaformadesobreviver,masháquem
também o considere o centro de sua personalidade.O trabalho dessas pessoas define quem elas são.Victoreraumdesses.Seussentimentos,suasmotivaçõeseseucomportamentosempreeramligadosaseudesempenhonotrabalho.Umsimpleserrotinhaopoderdearruinarseuânimoporsemanasouatémeses.Osucessoeraaúnicachaveparasuafelicidade.
—Não,nãofuidemitido…—respondeuVictor.—Naverdade,eufizumadescobertaincrível.—Quemaravilha!—disseSarahcarinhosamente.Elalutouparaencontrarosolhosdomarido.—Noentanto…aciência…—Victorbuscouaspalavrashesitante.—Tenhomedode...revelar...
porquenãoéalgorealista.Équasesobrenatural,pode-sedizer.—Pai, por favor, se acalme e ajude a gente a entender por que você está tão nervoso—pediu
Albert,tentandoligarospontos.Victorassentiueseinclinouparaafrente.—Ao que parece, quando eu estava prestes a pegarminhas coisas para ir embora, eu vi o que
parecia ser um planeta não registrado: minúsculo, verde e lindo. Incrivelmente, aparentava estarlocalizadoentreaTerraeMarte,maspareciaapareceredesaparecer.Euverifiqueitodasaspublicaçõesparaversealguémjáhaviaalgumavezmencionadoessecorpoceleste.
—E?—Ruthtentoucontrolarsuaempolgação.Elajápodiaverafotodopainaprimeirapáginadetodososjornaiserevistas.
—Ninguémohaviamencionado!Nãoconsigoexplicar.Eunemacreditariaemmimmesmosenãotivesse visto commeus próprios olhos e verificado duas vezes com cada telescópio e instrumento noplanetário.
—Victor,quemaravilha!—Sarahcomemorou.—Vocêcontouessadescobertaaalguém?—Não,nãocontei—Victorrespondeubruscamente.—Nãoqueroserconsideradomalucoeser
incluídonogrupodaquelesqueacreditamtersidosequestradosporOVNIs.Precisodemaisevidênciasparacomprovaroqueviantesderelataressadescobertaoupublicarumestudo...—Seuspensamentoscomeçaramavagar.—Comoeupossoseroúnicoaterpercebido?
—Porquevocêéespecial—respondeuumavozretumbante.Todosseviraramempânico.Sabãoimediatamentecomeçoualatirparaoestranho,massubitamente
parou, tão rápido quanto havia começado. Então se aproximou carinhosamente do homem que haviasurgidonasala,comosefosseumvelhoamigo.
—Quemévocê?Comoentrounanossacasa?—Victorgritou,jábuscandoocelularnobolso.—MeunomeéJuliusAlsky,mas,porfavor,apenasmechamedeJulius.Sintomuitoporinvadira
casadessamaneira,masaporta estavaaberta—disseo intrusocomumsorriso, tentando suavizaroclimatenso.—Eutenhoaresposta,Victor.—Eolhoudiretamenteparaelecomosefosseaúnicapessoanasala.
—Doquevocêestáfalando?Comosabemeunome?—Victorselevantoueavançouemdireçãoaohomem,tentandonãoparecerintimidado.
—Ei,euconheçovocê!—Albertinterrompeu,levantando-secalmamenteparaseposicionarentreohomemeseupai.—Vocêéocaraqueaparecenosmeussonhos!
—Éelesim!Éohomemdodesenhoquevocêfez!—Sarahexclamouemchoque.—Émesmo,nãotemdúvida!—RuthseaproximoucomcuidadoeanalisouorostodeJulius.
—Comoissoépossível?—perguntou-seVictor,aindamaisintrigado.—Você quer dizer o sonho do tsunami?— Julius perguntou com um sorriso no rosto e viu que
Albert assentiu.— É que você teve uma Revelação… e isso é um grande dom!— Julius deu umabatidinhadesconfortávelnoombrodeAlbert.—Sópodemosseguircomoconvitequandoalguémdafamíliatemosonho-chave.Équandosabemosquevocêssãomesmoespeciais.
—Revelação?!—Albertrepetiu.Elequeriarespostas,enãomaisenigmaspararesolver.—Éumaespéciedeaviso,cadasonhotemumsentidodiferente.Oseuerasobrevocêesuafamília
deixaraTerraparairaumlugardestinadoaosEscolhidos—disseJulius,sentando-senosofá,enquantoquetodaafamíliaKleinpermaneciaempé,semconseguirfalar.Eumlongosilênciopreencheuasala.
—DeixaraTerra?—Albertqueriasecertificardequehaviaouvidodireito.—Ei, espere aí—Victor interveio, comum tommais rude.—Pra começar, ninguémdaminha
famíliavaia lugaralgum.Segundo,euexijoquevocêexpliquequemévocêeoqueestáfazendocommeufilho...
— Se vocês decidirem ficar, eu respeitarei essa decisão, Victor — Julius o interrompeu,acrescentandoumsorrisoàresposta.
—Eparaondeiríamos?—perguntouRuthintrigada.—ParaGaia—disseJulius.Todosseentreolharam.Elehaviaditoapalavramisteriosa.—Oquevocêdisse?—Victorsuavizouotom.—Gaia?—repetiuAlbert,sentando-senosofá,sentindocomosenãotivessemaiscontroledeseu
corpo.Tudopareciamuitosurrealeeleerapráticodemaisparaaceitarqueaquilopoderia,defato,estaracontecendo.
—Issomesmo.Gaiaéonomedoplanetaquevocêviuhoje,Victor—Juliusconfirmou.— Bem, pelo menos isso prova que Albert não é maluco... nem o papai... — Ruth disse para
suavizarasituação.—Entãooplanetaexistemesmo?—perguntouSarah.—Comcerteza—Juliusratificou.—Sóqueoplanetafica invisívelparaaquelesquenãoestão
preparados.— Isso é algum tipo de piada?—Victor continuou buscando em suamente possíveis lapsos de
segurançadoobservatório.—Deveseralguémdoescritórioque...— Posso lhe garantir que nunca brincamos sobre esses assuntos. Nós permitimos que você
descobrisseGaiaporquevocêestavapronto.Comsuapermissão,deixe-meexplicartudo.Juliusficouempéejogouumpequenoobjetoquadradoverdenoar,queficouparado,flutuando.Ele
deslizouosdedossobreasuperfíciedoobjeto,aumentando-oparaotamanhodeumatelevisão.—GaiatemaproximadamenteumquintodotamanhodaTerra,mascomumagravidadesimilar.—
ConformeJuliuscomeçavaseudiscurso,aimagemdeumpequenoplanetaesmeralda,protegidopeloquepareciaserumabolha,foiprojetadapeloobjetocomoumimpressionantefilmeem3D.—Suasuperfícieécompostade85%deáguae15%deterra.Omecanismodeuumzoomnoplaneta,mostrandoumamassade terra na forma de uma aranha, cercada por águas cristalinas.—Gaia também contém quatro ilhasprincipais, todas commaravilhosas reservas ecológicas. Apenas 2 milhões de habitantes residem noplaneta.
Julius fez uma pausa para verificar se todos ainda estavam acompanhando sua explicação. Acuriosidadedafamíliahaviasidoaguçadaeaumentavaacadafrasedaquelehomem.
— Em termos de desenvolvimento, Gaia está infinitamente à frente da Terra. Nossos ancestraisesforçaram-se para criar um ambiente em que a ciência, a natureza e os mistérios da vida ficassemintimamenteligados;ummundoemquepazeharmoniafossematingíveis.E,emdeterminadosmomentosda história, Gaia abre suas portas para escolher indivíduos de terras distantes. Este é um desses
momentos. Como sou um dos principais coordenadores do planeta, fui enviado como um embaixadorespecialpararecebê-losedar-lhesasboas-vindas.
—Masoquefazsermostãoespeciaisassim?—perguntouRuth,comprimindoseusolhosverdesemumamisturadecuriosidadeedesconfiança.
—Omaisimportanteéquevocêspossuemosmesmosideaisquenós—resumiuJulius.—MasnãotemosdúvidadequeovastoconhecimentoeacuriosidadeintelectualdeVictorKleinnosajudarãoemnossacompreensãodouniverso.EqueabondadeeorespeitodeSarahpelanaturezasãoadmiradosemsua cidade.E sabemos queRuth eAlbert herdaramuma rara combinação de razão e intuição.Traçoscomoosdevocêssãobem-vindos,amadoserespeitadosemnossomundo.Poressarazão,aportafoiabertaatodosdafamília.
Juliusdiminuiuotamanhodaqueleestranhodispositivoeodesligou.— Não tenho ideia do que dizer — Sarah confessou, sentando-se ao lado de Albert no sofá,
completamentedeslumbradacomadescrição.—Comovocêsnosencontraram?Querdizer,comopodemsabertantosobrenóssevivememGaia?
—Albertperguntou.— Temos informantes de Gaia estacionados aqui na Terra — Julius revelou. — São pessoas
comuns,espalhadasemalgunspaísesselecionados.Elastêmmonitoradovocês.—Tudoissoébemintrigante,paradizeromínimo—disseVictor.—Masnãoachoquedevemos
aceitaressa...“oportunidade”.—Então devo dizer que vocês perderão a chance demudar sua vida para sempre, demorar no
mundodeseussonhos,decriarseusfilhoscomsaúdeepaz.Gaiaéumaterraqueparecemágica,maséreal.—Conformeiafalando,Juliusolhavanosolhosdecadaum.
SarahsevoltouparaVictorefaloucomseutomdevozmaismeigo.—Querido...sabe,eusemprequisviverempazemumlugaremquesoubéssemosquenadapoderia
colocar nossa família em perigo. Como podemos negar a nossos filhos a chance de serem realmentefelizes?
—Masnóssomosfelizes!—Victorrespondeusemmeiaspalavras.— Somos? Eu me atrasei poucos minutos esta noite e você já estava preocupado— continuou
Sarah.—Nóssempreficamospreocupadosquandoascriançasdemoramparavoltarànoite...Vocêselembradecomosesentiudepoisqueosvizinhosforamassaltados?Obem-estardanossafamíliadeveriasernossaprioridade.
—Esegurançanãodeveriasersuaúnicapreocupação...—continuouJulius.—Vocênegariaàsuafamíliaapossibilidadedefortalecerseusistemaimunológicoapontodenenhumvírusoubactériapoderfazê-los adoecer?Victor, você jogaria fora a chance de ficar aindamuitos anos vivo e saudável paraestarcomsuafamília?AexpectativadevidadeumhabitantedeGaiaéatualmentecercade200anos.
AexpressãodeVictormostravaqueele tendiaaconcordarcomSarah,maselenãoerao tipodepessoaquecediafacilmenteaumargumento.
—Senósformos,vocênãoachaqueaspessoasvãoseperguntaroqueaconteceuconosco?—eleargumentou,cruzandoosbraços.
—Nóscuidaremosdisso—Juliusinterveio.—Vamosinserirlembrançasnamentedaquelesquetiveramcontatocomvocêsaolongodavida.Elesvãoacreditarquevocêsviajaramparaoutropaís.Todavezquepensaremementraremcontato,vãoimediatamentemudardeideia.
—Issosignificaquevouterdedeixartodososmeusamigos?—perguntouRuth,mostrandocertarelutância.
VictorimediatamentesevirouparaSarah,comosefossecomeçaraargumentar.—Viu?Elestêmamigosaqui!—Eunãotenho—disseAlbert.Emumminutoelereviveutodososmomentosdesolidãoqueteve;
suasfestasdeaniversárioemqueninguémfoi,asviagenseasconfraternizaçõesparaasquaisnuncafoiconvidado,todasasocasiõesemquefoiescolhidoporúltimoparaotime.
—Ruth,afelicidadeàsvezesexigesacrifício—disseJulius.— Isso é verdade, Ruth, ele está certo— disse Sarah.— Além do mais, você faz amigos em
qualquerlugar!—Mas…—Victorrespiroulongaeprofundamente.Podiaverquesuafamíliajáestavatomando
umadecisão,mastinhadesecertificardequenãoestavamcaindoemumaarmadilha.—Ese,depoisdealgunsdiasemGaia,nósdecidirmosvoltaràTerra?
—Então algumasprovidências terãode ser tomadas, obviamente—Julius respondeu.Eleolhoupelajanelaocéuapinhadodeestrelas.—Euseriaforçadoafazervocêsdesapareceremcompletamente.
Todosarregalaramosolhoseabriramabocasimultaneamente,porinstinto.Juliusexplodiuemumarisada.
—Desculpe-me,nãoconseguiresistiràbrincadeira—elecontinuouagargalharatédissiparoriso.— Há um período de 30 dias para vocês decidirem se querem permanecer ou não em Gaia. CasoescolhamvoltaràTerra,ninguém,incluindovocêsmesmos,iráselembrardequeumdiatudoaconteceu.
—Ecomovocêpodenosgarantirquevamospodervoltarem30diassemudarmosdeideia?Esetivermosproblemasfísicosporcausadessaexperiência?—Victorquestionou.
—Vocêsvãoterdeconfiaremmim—Juliusdeclarou.—Sóque30diaséolimite.Depoisdisso,nãopodemosgarantirmaisnada.
Afamíliaficousentadaemsilêncio.ApenasarespiraçãodeSabãoeraaudível,eeracomoseeletivessecaídonosonosobofeitiçodavozdeJulius.
—Trintadiasmeparecerazoável—disseRuthfinalmente.—Vamosconsiderarissocomofériasdasquaisnãovamosnoslembrar!
—Perfeitamentesensatoseucomentário,Ruth.Nãopensemqueestãodeixandosuasvidasparatrás,só tirando uns dias para descobrir um mundo novo e melhor. É isso. — Julius deu o assunto porencerradoeaguardouoveredito.
—Euoptoporir—opinouAlbert,olhandoparaamãe,comoseestivesseaguardandoqueelaoapoiasse.
—Eu não quero perder a oportunidade de descobrir esse lugar ideal que ele está falando, ondeapreciamtudooqueeuvalorizo—Sarahconcluiu.
TodososolhossevoltaramparaVictor.—Bem…Estoulongedeterqualquercertezasobreesseassunto—eledisse.—Masnãoqueroser
aquelequevetatudo...e...seilá,achoquepossotirarumasférias...—Fico felizquevocês todos tenham tomadoadecisãocerta.—Julius sorriu em triunfo.Então,
jogouseudispositivomaisumaveznoar.Oobjetoficoususpenso,mantendoseutamanhooriginal.—Porfavor,nãofechemosolhoseevitempiscarmuito...—elepediu.
Sarahapertoufortementeamãotensadomaridoeolhoucomcarinhoparaosgêmeosparaterumaúltimafotografiamentaldelesantesdequalquermudança.
Antes que a família tivesse a chance de falar, o dispositivo piscou como a luz de um show, econtinuouapiscarcadavezmaisrápido,atéqueninguémconseguiuvermaisnada.
AvozdeJulius,então,sobressaiunobrevesilênciodaescuridão.—Bem-vindosaGaia.
TRÊS
—Étão…tão…lindo—Sarahsussurrou,comseusolhosvidradosemchoque.—Este,meus prezados convidados, é seu novo lar!— Julius abriu os braços, comoummágico
cheiodeorgulhoqueacaboudefazerotruquemaisespetacular.Ummarintensodeestrelasbrilhavasobreumagrandecasadetijolossituadaemumpátioespaçoso.
Enquanto a famíliaKlein tentava entender o que havia acabado de ocorrer, não conseguia esconder oespanto.AtéSabãopareciaigualmentevacilanteeconfuso.
— O que… aconteceu?— Victor sentou no chão, tonto e maravilhado. Sua atenção havia sidoatraídaparaumaLuacheia,brilhante,masmuitomenorqueaavistadadaTerra.—Eununcaimaginei...Éumângulototalmentediferentedasuperfícielunar.Ésimplesmente…inacreditável!Equantoaisso…?—ElenotououtrocorpocelestialpróximoàLua.—Nãomedigaqueé…aTerra?!
—Uau!—exclamaramRutheAlbertsimultaneamente.—EntãoGaiaficapertodaTerra,afinal…—murmurouAlbert,inclinandoacabeçaemumângulo
agudo,hipnotizadopelavisãoespetacular.—Defato.—Juliussorriu.—Podemosentrar?A família seguiu Julius emdireçãoaocaminhoestreito atravésdo jardimcolossalquecercavaa
casa, iluminadopor luzes circulares flutuantes epelobrilhonatural do céu.Sópátio em si, calculavaAlbert,tinhamaisdedezvezesotamanhodacasainteiradelesnaTerra.Apesardaescuridão,Sabãoderepenteapareceuváriospassosàfrente,gemendoefarejandoaoredordabasedeseunovolar,seguindocomcautela.
Aproximando-sedaenormeporta,osolhosdeAlbert examinaramsemsucesso sua superfície embuscadeumamaçaneta.Aportaderepenteseabriusozinha.
—Quemtemocontroleremoto?—perguntouAlbert,olhandoparaasmãosdetodosnaentrada.—Aportaseabresozinhaquandovocêsseaproximam—explicouJulius.— Só me pergunto como ela pode diferenciar entre nós e...— começou Victor, mas foi
imediatamenteinterrompidopelafilha.— Nosso cachorro mais dorme que vigia — disse Ruth, ignorando a costumeira expressão de
preocupaçãodopai.—Desculpe,pai.Vocêestavadizendoque...—VocêsestãocompletamentesegurosemGaia—Juliusoslembrou,emumavozreconfortantee
ufanista.—Nãoháumcrimesérioaquihámaisde200anos.—Issopareceutopia.Deveterhavidopelomenosumincidente—disseSarahcomdescrença.—Aevoluçãodeumasociedadenãopode serapenascientífica—explicou Julius.—Deveser
acompanhadadeumdesenvolvimentomoral.Osgaianosvalorizamacimadetudoosprincípiosmoraiseavidaética.
A porta da frente se abriu para uma sala aconchegante com móveis e quadros similares às daresidênciadafamíliaKleinnaTerra.ElespodiamverqueJuliuseseusajudantesfizeramdetudoparaqueelessesentissememcasaenãoemumambientenovoeestranho.
Vasoscomlindasplantasestavamnoscantosdasala.Atraídaporumintensoperfumeadocicado,Sarahtentousegurarumarosavermelha.
—Quelouco,hein?—observouAlbert,apósverarosapassaratravésdamãodeSarah.—Sãohologramasperfeitos,comoemumfilmedeficçãocientífica!
Algumas imagens em movimento, que mostravam acontecimentos importantes da vida deles,ocupavamumaparedeinteiradasala.Eramvídeosdememóriasqueiamsendosubstituídosporoutrosemumamovimentação constante, incluindo eventosmarcantes comoo casamentodeVictor eSarah, onascimento dos gêmeos, a vez que uma bola de futebol acertouAlbert na escola e outros.Nas outrasparedes,elesencontrarammaisumasurpresa.Opátioeravisíveldointeriordacasa,comoseasparedesfossemtransparentesoufeitasdevidro.
—Comoissoépossível?—Ruthinterrompeu,examinandocadaparede.—Ládeforapareceserfeitadetijolo,masdedentroévidro!Asparedessãoinvisíveis!
—Comoexatamenteissoépossível?—perguntouVictorperplexo.—Ostijolosnãosãonadaalémdeumaprojeçãodeprivacidade—disseJulius.—Muitosavanços
gaianos,Victor,semdúvidavãocontestarosconceitoslimitadosaosquaisvocêsestãoacostumadosnaTerra.
— Tudo é tão perfeito — disse Sarah, enquanto, ao espiar a sala de jantar, seu encantamentoaumentava.
—Escadas?É issomesmo?—perguntouRuth, umpouco confusa comumagrande escadaria demadeiralocalizadanocanto.—Acheiqueumacasaassimteriaumelevadortecnológicooualgoassim.
— Bem, nós tentamos adaptar a casa ao que vocês estão acostumados, mas há um elevadortecnológico, como você diz, bem ao lado da escada. Pode ver o círculo?— Julius apontou para umpequenocírculoverdenochão.—Vocêprecisasubirnaquelepontopara...
Juliusinterrompeuafrase,percebendoqueRuthjáhaviadesaparecidodepoisdepisarnocírculoverde.
—Agoraestoumuitomaisinteressadonoqueexisteláemcima...—Albertcaminhouemdireçãoaocírculo,acompanhadodeJuliusedospais,eficouaguardandoapermissãodeleprosseguir.
—Primeirocômodoàdireita—disseJulius,acenandoparaeleiremfrente.Depoisdeumlongocorredorcheiodequadroseequipamentosestranhos,RutheAlbertfinalmente
chegaramàporta deumquarto.Houveum longo silêncio.Eles ficaramcongelados, como seo tempotivesseparado.
Oquarto tinhaumacamaenorme,doisquadros eumcriado-mudo.Emaisnada.Eles sevirarampara Julius, como se esperassem que ele fizesse outra mágica. O que não aconteceu. Um olhar dedecepção lentamente começou a se espalhar pelo rosto de Albert. Ele se lembrava daquela mesmasensaçãodoNatal,doisanosantes,quandoeleeRuthqueriammountainbikes,mascadaumganhouumpardepatinsusados.
—Eentão,oqueacharam?—Juliusperguntou,divertindo-secomseujoguinho.—Bem...Vocêquersabermesmoaverdade?—disseRuth,emumtomdecepcionado.Eravisível
que ela não conseguia conter seudesapontamento.—Não temnemumarmário!Comoeu conseguireiviversemumguarda-roupa?Precisamosfazercompras!Enãotemtelevisão.Nemaparelhodesom.Esóumacama!Dividiroquartoéumacoisa,masdividiracamacomoAlbert…?Dejeitonenhum!
—Naverdade,esseseráoquartodeAlbert...—explicouJulius.—Rá!Viu,Albert,vocêficacomoquartovazio!—disseRuth.EsaiudafrenteparadeixarAlbert
passar.—Mas todos os quartos são iguais...—continuou Julius, fazendo-os rir.—Deixe-me esclarecer
algo.Vocêspodem transformar seuquartocomoquiserem.Porexemplo:cordaparede:azul; troqueoquadro:AlbertEinstein.
Asparedespiscaramemumazulprofundoeoretratodofamosocientistasubstituiuumapaisagempintada.
—Uau,vocêpoderiaficarricocomissolánaTerra!—disseVictorsurpreso.—Nãoseesqueçadequeessajanelatambéméumailusãodeótica.Vocêpodeaumentarediminuir
detamanho.—Juliusentãovoltou-separaRuth.—Estávendoessasfendasnasparedes?—Éumalareiramodernaemminiatura?—perguntouRuth,aproximando-sedafenda.—Éumguarda-roupaembutido,pode-sedizer.Afendaéondevocêpegasuasroupaseasdeixa
depois.Oguarda-roupatemumatecnologiaautolimpante;elelavaeorganizatudooquevocêentregaemsegundos.Sevocêficarpertodafenda,apareceummenucom...
—Opções?Háopçõesparacobertores!—interrompeuAlbert,sentandonacamaeverificandoomenuvirtual.—Issoédepirar!Olhasó,pai!
—Ar,água,grama,areia,gel...—continuouAlbert.—Nãoseinemoqueescolher.—Julius,vocêdeveestar...
—Brincando!—interrompeuRuthdesesperada.—Deveestarbrincandoqueeuvou terdeusarissocomoroupa.
Omenudoguarda-roupamostravacomoopçõesmuitostiposdeumaespéciedetecidoclaroapenas.Nadadejaquetasmodernas,vestidosdeverãooumesmoacessórios.Apenasquadradosdetecido.
—Asroupastambémsetransformamconformevocêquiser;elaspodemassumirqualquerformaeestilo—disseJulius.—Vocêcriasuasprópriasroupas.
—Ah,masissoéincrível,Julius!—berrouRuth,ansiosaporexperimentar.—Ai,droga...—Albertsabiaqueteriadificuldadecomaquilo,jáquenãotinhatalentonempara
combinarroupas,quantomaisparadesenhá-las.—Vocêconsegue…—garantiuJulius.—Bem,voudeixá-losaproveitaracasa.Voltaramparaasalae,antesdeJuliussair,Sarahapertousuasmãos.Elaolhouparaelee,antesdea
primeiralágrimacair,conseguiudizeralgumaspalavras.—Obrigada,Julius...Nóssimplesmenteamamos.
Albertestavadeitadoacordadonacama,completamenteabsortoemseuspensamentos.Eleajustouaparede e o teto do quarto para omodo transparente, e estava fascinado comos pássaros lá fora e osanimaisquevisitavamasárvoresaolado.
Tudoaconteceumuitorápido...ossonhos,océuvermelho,avisitadeJulius,Gaia,anovacasa...nodiaanterioreleestavasesentindocompletamenteacabado,semesperançadeterumavidainteressante,eagoraláestavaele,vivendoemumnovoplanetaquenuncaimaginouexistir.Claroqueaquiloeramuitomaisqueamudançaqueeleesperara.Eelenãopoderiaestarmaisansiosoparaexplorarcadadetalhe.
—Olá!Bomdia!—umavoznãofamiliarreverberoupeloquarto,fazendoAlbertpulardacama.Haviatrêsestranhosnoquarto:umamulherloirabaixa,deuns40epoucosanos,umhomematlético
depeleescuraeumgarotoadolescente.Todosolhavamnadireçãodele.Albert ficou parado, petrificado. Olhou para os intrusos por um tempo, esperando explicações.
Nada.—Quemsãovocês?Oqueestãofazendonomeuquarto?—Albertreuniucoragemparaperguntar.—Somosseusvizinhos,afamíliaBecker...—começouamoça.—ParecequeJuliusesqueceude
explicarcomofuncionaointerfone...eleprojetaimagensdequemestánaportaemqualquerquartoqueestejaocupado.
—Ah, tá… entendi!Vocês não estão aqui, estão usando o interfone, então!—Albert disse. Elepassouosdedospelosvisitantes,confirmandoqueasimagensdeleseramnadaalémdeoutrohologramaperfeito.Masentãooutracoisalheocorreu:suaroupa.Eletinhacriadoacalçadopijamacomestampasde...garotas...modeloslindas...debiquíni.Eficouinstantaneamentevermelho.
—Sóparaquevocêssaibam,asmeninasdebiquíni...digo,asmodelosartísticas...naminhacalça...— Albert revirou a mente para achar uma explicação. — Eu estava testando as possibilidades domecanismo...dasestampasdotecido...
—Nãoconseguimosvervocê…sóouvimossuavoz...—disseohomem,tentandoesconderquantoestavasedivertindo.
Risadasaltas ecoarampelacasaeAlbert reconheceuqueeradeRuth.Ele rapidamentepercebeuque,comoasimagensdosvisitanteseramprojetadasemtodososquartosocupados,suafamíliaestavaacompanhandoseucomportamentoatrapalhadodesdeocomeço.
—Sóesperoquevocênãoestejanobanheiro—disseoadolescente,caindonagargalhada.— Ah... não... não estou... — Albert tentou parecer que estava tudo normal. — Desculpe, não
estávamosesperandonenhumavisita...jáencontrovocêsaíembaixo.AportadafrentejáestavaabertaquandoAlbertsaiudeshortsecamiseta,eviuosmesmosrostos
queestavammomentosantesemseuquarto.Sabãojáhaviaosnotadomuitoantes,enquantoescavavaojardim,massóagorateveacoragemdefarejarcuidadosamenteospésdosvisitantes.
—Bomdia!Porfavor,entrem—disseSarah,dandoumpassinhoeducadoparaoladoparaqueafamíliaBeckerpudessepassar.
Albert,RutheVictorficaramatrás,observandocombastanteinteresse.— Preciso dizer que estou aliviada— disse amulher, pegando amão de Sarah.— Estávamos
esperandoquechegasseoutrafamíliadeEscolhidosjáfazalgumtempo.SouSophiaBecker,esteémeumaridoGeorge,eesteénossofilho,Nicolau.
—Prazer em conhecê-los. Sou SarahKlein, este émeumarido,Victor, e estes sãomeus filhos,AlberteRuth.
—Deixaeuadivinhar—NicolauseaproximoudeAlbertparaumapertodemão.Ogarotoerabemparecidocomopai,excetopelaalturaepelapostura.—ElesescolheramseunomeemhomenagemaAlbertEinstein?
—É…—respondeuAlbert,apertandoamãodomenino.—MeupaitiroumeunomedeCopérnico…—disseNicolau,enquantoSabãoofarejava.—Paredeincomodarasvisitas,Sabão.—Ruthseinclinouepegouocachorronosbraços.—Sabão?—Nicolausorriu.—Eessenomeéemhomenagemaoquê,especificamente?—Sabãoempó—respondeuRuth.—Quandoerafilhotinho,elecomeuquaseumacaixainteira.—EntãovocêstambémsãoumafamíliaEscolhida?—perguntouVictor,intrigado.—DeixamosaTerrahácincoanosenuncanosarrependemosdenossadecisão—disseGeorge.—
Parecequetemosmuitoemcomum...—Juliusnoscontouquevocêéastrônomo—disseSophia,interrompendoomarido.—Georgeera
umdosmelhorescientistasdaNASA!—contoucomorgulho.—Uau,queótimo!—exclamouVictor.—Vamostertempodetrocarideiasdepois—Georgedisse,dandoumtapinhanoombrodeVictor.
—AgoraeuachoquevamosterdeatenderaumpedidofeitoporJulius.—QuetalumpasseioparaconhecerGaia?—Sophiaesfregouasmãosempolgada.—Umpasseio?Eunemtermineideconhecermeuquarto...Mastopo—disseAlbert.Todosconcordaram,bastanteentusiasmados.—Ótimo!—Sophiacomemorou.—Juliusdissequeexisteumacestadecafédamanhãesperando
porvocêsnoFlyer.—Vocêsjávãoentenderoqueéisso...—disseNicolau,antecipando-seàsperguntas.—Ondeficaagaragemdacasa?—perguntouSophia.— Para ser sincero, não faço ideia... — disse Victor, quase com medo de se perder naquela
residênciaenorme.
—Masnóstemosumcarro?—perguntouAlbert,enquantoimaginavacomodeveriaserumveículogaiano.
—Nãoexatamente...Venha,voumostraravocês.—Georgecomeçouacaminharparaosfundosdacasa.—AscasasemGaiageralmentetêmamesmaarquitetura;nãovaiserdifícilencontrar.
George os conduziu para uma porta ao lado de um armário na sala de jantar. Conforme elespassavampelaporta,osdegrausdeumaescadaemespiralapareciamedesapareciamacadapassoqueelesdavam.
A garagem era a parte mais tecnológica da casa: circular, simulando um céu à noite, iluminadaapenas por uma Lua de aparência mais familiar, e tão perfeita que eles podiam jurar que estavamflutuando. Uma grande cápsula transparente estava colocada horizontalmente no centro da garagem,totalmentevazia.
—Aquiestá!—disseGeorge,sorrindo.Elecaminhouaoredordacápsula,inspecionando-a.—Éigualzinhaànossa,masnossagaragemédecoradacomumoceanoemvezdocéunoturno—
comentouNicolau,parecendoindecisosobrequalelepreferia.—Acho…lindo—disseSarah,tentandoidentificarumaconstelação.— Bem diferente da nossa garagem na Terra — Victor finalmente observou. Ele tinha muitas
dúvidaseperguntas,massabiaqueteriadeesperarpelasrespostas.—Nóstínhamosummontedelixonagaragem...incluindoocarro—disseRuth.—Suponhoqueestacápsulasejanossocarro,então.—Albertseaproximoueestendeuumdedo
paratocaroobjetotransparente.—Nãoexatamente…eledáacessoparaoveículodevocês,naverdade—disseSophia,achandoa
confusãodelesbemdivertida.Georgefoiparaoladodaesposa.—AprincipalformadetransporteemGaiachama-seZoom.Eleviajapelosistemasubterrâneode
garagensinterconectadas:delugarescomerciais,casaseaténocampo.—Entãoéumtipodemetrô?—perguntouVictor.—Émaisoumenosissosim—Georgerespondeuenquantopassavaamãopelacápsula.—Mas
um Zoom é capaz de andar a uma velocidade absurda. Também pode transportar qualquer tipo depassageiro.
—Vocêsprecisamajustar a configuraçãopara ativar sua solicitaçãodedestino—disseSophia,ansiosaparamostrar.—Olhem!
ConformeSophiaseaproximoudacápsula,umapequena telaapareceueeladigitouonúmerodepassageiros.Seteassentoscoloridosapareceramepreencheramointeriordacápsula.
—OZoomvainoslevarparaoTourCenter.EdaíusaremosumFlyerparaverGaia.—Nicolauinformou.
—Estoutotalmenteperdidacomisso—interrompeuRuth.—Meucérebronãofuncionatãofácilquantoessesveículos.
SophiacolocouamãonoombrodeRuthparatranquilizá-laeexplicou.—Écomosefosseumônibusespacial.Mas,porincrívelquepareça,mesmoassiméaformade
transportemaislentaquetemos.Masvamos,chegadeconversa—elatirouamãoimpaciente.—Vamosnessa,pessoal?
—EoSabão?—perguntouAlbert.OcachorrolevantouacabeçanocolodeRuthaoentenderseunome.
—Claroqueelepodeir—Sophiaautorizou,entrandonacápsula.Albert seguiuSophiaesentou-senaprimeira fileira.Fechouosolhosecomeçoua fazercálculos
mentaisparaver seconseguiaestimarachegadadelesaoTourCenter.Nicolauocutucouumsegundodepois.Elesjáhaviamchegado.
QUATRO
A famíliaKlein se levantou de seus assentos impressionada.Emvez de um shoppingmoderno etecnológico,como imaginavam,oTourCentereracomoumimenso jardimacéuaberto,comlagosdeáguacristalinacheiosdepeixes, floresde todasascoresexistentes,árvoresgraciosamentepodadas,epássarosquevoavamemtodasasdireções.AlbertlutouparacontrolarSabão,queficouansiosoaoverinúmerosoutroscãesquehavialá.Ospássarosquevoavambaixofaziamaumentaravontadedocãodesesoltaresaircorrendo.
Aspessoasquepassavamossaudavamcomumafetogenuíno,sorrindoeestendendoasmãosparacumprimentar.A grandemultidão no centro surpreendeuAlbert, que já estava preocupado imaginandoque iria esbarrar com homenzinhos verdes de várias cabeças. Os rostos “normais” dissiparam suasdúvidas,aomesmotempoquecriaramoutras:comoeraavidadeles?Quaisseriamsuaspreocupações?Desejos?Objetivos?Quemeramos gaianos realmente, alémde gente criativa que usava todo tipo deroupascoloridas?
— Este lugar é impressionante! — disse Albert. — Mas um pouquinho diferente do que euimaginava.Ondeestãoosprédiosmodernos?Issoécomoumjardimenorme…
—Deixaeucolocarassim...—respondeuSophia.—Imagineumafamíliarica,masbemmodesta.Gaiaéassim.Temos todo tipode tecnologia ricaeavançada,masapopulação temumestilodevidasimples,maisconectadocomanatureza.
—Todomundoparecetãofelizaqui!—notouSarah.—Éporquesomosfelizes—disseSophia,sorrindo.—Nossa única preocupação é não termos nada comque nos preocupar!—acrescentouGeorge,
antesdeconduzi-losaumbancoamenosdecemmetros.—OFlyerficalá.—Claro,vocêpodeverobanco.Masatéaquilovaidesaparecerquandovocêsesentar,—disse
Nicolau.—Paraqueficarinvisível?—Albertseperguntou.—Paraevitarpoluiçãovisual.ÉcontraoCódigodeGaiaperturbarocéu.OFlyertambémproduz
umsomqueéimperceptívelparanós,masnãoparaospássaros,entãoelesnospercebem—explicouSophia.
—Eumeperguntosehámaisgentecomonósaqui...Querdizer, famíliasdeEscolhidos—disseRuth,caminhandolentamente.Elapoderiaficarhorasali,sóadmirando.
—Sóalguns,ounãoseríamoschamadosdeEscolhidos—disseNicolau.—Oprocessodeseleçãoémuitorigoroso…—GeorgesevirouparaVictor.—Ei,amigo,você
nãoparecetãoempolgadoquantosuafamília...Algoerrado?—Tudopareceótimo,nãomeentendamal...—disseVictor.—Ésóque...porqueelesescolhem
as pessoas ditas mais avançadas para viver aqui? Quer dizer, os habitantes mais capazes da Terradeveriam permanecer lá. A Terra precisa de líderes fortes que possam ajudar o planeta a sedesenvolver...
—Mas os Escolhidos estão ajudando na evolução da Terra— disse George.— Temos algunsprogramaspara...—Georgeperdeua linhaderaciocínio.SuaatençãofoiatraídaparaumamensagempeculiardeixadanobancodoFlyer–grafitedigitalprojetadoporumapequenatraquitananaformadeumachamasintética.ConformeogrupotodoseaproximavadoFlyer,umolhardesurpresacruzouseusolhos.Albertpiscou,esperandoterlidoerrado.Masamensagemnãopoderiasermaisclara:“Porfavor,nãofiquem.LiberdadeparaaTerra!LiberdadeparaGaia!”.
—Quediaboséisso?…—Sophiacruzouosbraçosindignada.—EstaéaliberdadedeexpressãodeGaianaprática—disseumhomememroupasescurascom
profundosolhosnegros.Estavaapoucosmetrosdobanco,usandoumequipamentoidênticoaoqueJuliushavia usado na Terra.— Este tradicional passeio parece ser uma boa oportunidade para as pessoasexpressaremsuasopiniões.Voutiraralgumasfotosparaacrescentaraosnossosarquivos.
Ohomemcaminhouatéogrupo.—SouLionelKirk—elecontinuou.—TrabalhoparaoConselhonoDepartamentodeIntegração.
Essetipodeprotestoémuitocomumduranteos30diasiniciaisdosEscolhidosemGaia.AlgunsgaianosargumentamquenãoééticoGaiainterferirnaTerra.Queremindependênciaeliberdade...
—Nãopossodizerquediscordo—disseVictor.—ATerradeveriaserlivredeinterferênciaselivreparaescolher,independentementedorumoqueascoisasnoplanetaacabemtomando.
—Exatamente—disseLionel,apósumolhar frioparaVictor.—EGaiadeveriaser igualmentelivre,semEscolhidos.Éoquealgumaspessoaspensam.
—Então,hágaianosquediscordamdoprocessodeintegração?—questionouSarah.—DesdequeUlyssessetornoupresidentedoConselho,ascoisasmudaramsignificativamente.A
maioriadosgaianosapoiaasdiretrizesdoDepartamentodeIntegraçãoetambémaprovaaajudaàTerra.—disseLioneldemaneiramonótona.—Bem...meutrabalhoaquiestáfeito.Estouindo.
Lionelpegouopequenoprojetor,deuascostasaogrupoeseafastourapidamente,deixandoparatrásaduplasilenciosaeperturbadadefamíliasescolhidas.
AcabeçadeAlbertestavaamil.Doqueaquelehomemestavafalando?Equalseriaosignificadodamensagem?Elesempregostoudaverdadeedahonestidade,massabiamuitobemquantoaspalavraspodem ser dolorosas. Simplesmente não estava preparado para tudo aquilo agora. Tinha grandesexpectativas,eesperavaquenãofosseterminaremdecepçãoaindamaior.
—Foisóeuqueacheiouaquelecarafoibemmal-educado?—Ruthquebrouosilêncio,enquantosesentavanobancocomosenadativessesidoprojetadonele.—Sério,eledissequeédoDepartamentodeIntegração,masnemnoscumprimentou!
—Lionelnãoédaspessoasmaissociáveis—disseGeorge.—Masdeixemosissodelado!Nãoqueremosquenadaouninguémestragueseuprimeirodiaaqui.—ElesentouaoladodeRuth.
— Nem o Julius quer!— acrescentou Sophia.— Olha a cesta que ele preparou para o nossopasseio!
Sophiaagarrouocestodevidroqueestavanochãoecuidadosamenteocolocouemcimadobanco.Depoisdesesentaraoladodele,abriuatampapressionandoumpequenoedelicadobotãonasuperfície.Sophiapuxouotecidovermelhoemostrouoconteúdoparatodos:frutas,bolosesucos.
—Parecedelicioso,maspenseiquecomeríamosalgumalimentofuturista!—disseRuth.—AcomidaemGaiaémuitosimilaràcomidanaTerra—explicouSophia,passandopequenas
garrafasdesuco.—Odiferenteéaformacomoelescultivamoalimento,queeudenominocomoaartedacomida:entenderéenergia.
Todosrapidamenteseserviram.Estavamtãoempolgadosnanoiteanteriorqueseesqueceramatédecomer, e agora seus estômagos rugiam, reclamando. Conforme começavam a mastigar a comida, nãoconseguiamconteroespanto.
—Nuncacomiumbolodesses!—disseAlbert,intrigadocomcomoosaborpareciamultiplicar-se
acadamordida.—Eumelembrodedizermuitoissotambémnocomeço:nuncaviisso,nuncaviaquilo—comentou
Nicolau.—Nãovoumeesquecer.— Preciso admitir que nunca tive um café da manhã desses!— acrescentou Sarah, saboreando
algumasuvas.—Eununcanemgosteidefruta!—brincouRuth,arrancandoumpedaçodeumadasmaçãsdecor
azul-marinho.—Ô,coitadinho!—batiaSophianacabeçadeSabão.Ocachorro jáestavababando,esperando
uma distração para abocanhar qualquer coisa que pudesse.— Juliusmandou uma comidinha especialparavocêtambém!—Sophiarevelouumossodecurvaturaestranhaqueinstantaneamentedesapareceunabocadocachorro.—Acrediteemmim,issonãoénadamaisqueraçãodecachorro—eladissesevirandoparaSarah.—Ogostoeaformasãosóparaagradaraocão.Euescolhiumcomcamomilaparaacalmá-loquandodesembarcarmos.
—Acabei de programar o Flyer!— disse Sophia.—Não se preocupe, eu selecionei uma rotaincrível!Apertemoscintosquelávamosnós!
ConformeoFlyercomeçouasubirgradualmente,osbancoseochãoforamdesaparecendo.SabãogrunhiucommedoesaltounocolodeAlbert.
—EsseFlyeréumveículobemintrigante...—comentouVictor.—Euadorariasabermaissobreaestruturadeledepois...
Georgeconcordou,porqueeleentendiaperfeitamentecomofuncionavaamentedeumcientista.OTourCenterdesapareceuaolongeeadoráveiscasinhascoloridascomeçaramasurgir.Emcada
telhado havia umdesenho, e vistos juntos eles pareciamhistórias emquadrinhos.Vizinhanças inteirasmostravamcenascuidadosaseexcêntricas:bailarinaslutandocontraformigasgigantes,roupasemgrevepormenoslavagens,umpeixehidrofóbicotentandoandar,alimentosserebelandocontrafacasafiadas,eporaívai.
— Lembre-se de que são projeções — disse Sophia. — Os residentes são incentivados a sercriativos. Muitas dessas casas vão estar diferentes na semana que vem, e vão contar uma históriadiferente.
Gaia não tinha postes de luz, não tinha semáforos, não tinha carros, nem mesmo ruas; apenascalçadasconectavamascasas,cercadasporparquesflorestais.Vistadecima,Gaiapareciaumaenormeepacíficavilarural.
O Flyer passou por valesmontanhosos, praias de fazer perder o fôlego, com areia clara e águacristalina, ilhas de preservação da vida selvagem e enormes fazendas com plantações em formatosgeométricos.
Apesarde todosdesejaremqueopasseiodurasseparasempre, terminouempoucashoras.Oquenãofoiruim,afinal,pensouAlbert,eleaindatinhasuacasaparaconhecer,eessaexperiênciapoderiaseraindamelhor.
A família tirouo restododiapara aproveitar e explorar a casa.Contudo, primeiro,Sarahdeu aAlberteRuthduastarefasimportantes:alimentarSabãoedarumbanhonele.Aprimeirafoifácil.Sabãojá havia comido, eles descobriram. Na entrada, perto da porta, uma tigela liberava comida para ocachorrodetemposemtempos.Asrefeiçõesnutritivasvinhamemformadedeliciososdoceshumanos:bolos,sorveteeatéchocolate.Masessesalimentosnãoadiantavamparalivrarocãodeseumedonaturalde água. Sabão era capaz de detectar pelo tom de voz e pelos gestos deAlbert eRuth quando haviachegadoa temidahoradobanho.Edessavezeledecidiu fazerusodeumpoderosoaliado:oenormequintal. Por quase uma hora, Sabão conseguiu escapar dos braços deles, correndo rapidamente pelagramaeescondendo-seestrategicamenteatrásdeplantas,arbustoseárvores.
Entretanto, essas táticas de fuga não eram páreo para os equipamentos modernos da casa nova.
Duranteumaousadaescapada,Sabãoacabouativandoumsensor situadoengenhosamentesobagramailusória.Noinstanteseguinte,ocãoinesperadamenteestavanadandocomoloucoemáguasdecorazul-cristalemvezdecorreremsoloseguro.SeugemidodechoqueprovocourisadasemAlberteRuth.
—Vocêsnãovãoacreditarnoquedescobri!—berrouVictor,andandonadireçãodeles.—Umapiscina?—disseRuth,rindoemuníssonocomAlbert.—Sabãonosfezumgrandefavor,pai!Apostoqueagoraelesearrepende—disseAlbert,correndo
paraagarraracoleiradocachorroenquantoelenadavaparaabeiradapiscina.Victorsóconseguiarir.—Tragaessecachorromalucoaqui—Victorexigiu.—Eulocalizeioquepareceserumamáquina
dedarbanhoemcachorros,dentrodeumacasinhacobertade flores, se équepode se chamarassim.Venhamver!
Victorvoltounadireçãodeondeveio,fazendosinalparaosgêmeososeguirem.Apósescalarumpequeno morro, eles entraram em uma casa compacta, ainda grande o suficiente para entrarem semprecisarseabaixar.Umacaminhabaixacomalmofadasespalhadaspreenchiaoespaço,juntoatodotipodebrinquedoparacachorro.
—Olhasóseuquartinho,Sabão!Éincrível!—disseAlbert,suandoparacontrolarocachorro,queestavaviolentamenteesperneandoechutandoemseusbraços.
—Nãoo solte ainda!— instruiuVictor, abaixando-se e agarrandoumestranhoequipamentoquepareciamaisumasela.—Olhaoqueeuencontrei!—eledisse,vendoAlbertintrigado.—Minhaveiacientíficadizqueissoaquiéparalavaranimaisdeestimação!
—Issoeuquerover—disseRuth,semseconvencer.—Vamosdescobrir!—disseVictor.Victor colocou a sela no animal amedrontado e o objeto começou imediatamente a se alongar
elasticamentepelocorpinhodele.SóofocinhoeosolhosdeSabãoestavamvisíveisagora.Oaparelhoficouvermelhoeumatelavirtualapareceuacimadelecomalgumasopções:
CiclorápidoCiclocompletoCiclocompleto/massagem
Albert apertoua terceiraopção,esperandoacalmaroanimalaflito.Amáquina foi imediatamenteativada,passandoaemitirumzumbidobaixinho.Sabão,parecendoumsuper-herói,caiuemumestadohipnóticopelosdoisminutosseguintes.Derepenteaparecerammaisopções:
SecagemSecagem/odorantialérgicoEncerrarciclo
Sem hesitar, Albert apertou a segunda opção. O cheiro ruim de Sabão costumava ser detectávelvárioscômodosadiante.Albertqueriaacabarcomaquilodeumavezportodas.
Aselacomeçouaseretrairevoltouparaotamanhoecororiginais.Sabãoabruptamenterecuperouaconsciênciaeselibertoudaáreadelavagem.
—Vemcá,meubebezinholindo!—disseRuth,superfeliz.—Finalmentevocêestáfazendojusaseunome,Sabãozinho!Eolheparasuasunhas.—Elaverificoucadacentímetrodocorpodele.
Sabãoabanouacaudarapidamenteenquantoseuslatidossatisfeitosecoavampelacasa.—Achaqueelegostoudobanho?—perguntouAlbertretoricamente.—Dehojeemdiante,elevai
poder tomar banho diariamente — disse Victor, contemplando os mistérios que o aguardavam nochuveiroparahumanos.
Aproveitando a deixa,Ruth eAlbert avançarampara a piscina, que logo se transformaria na suapartepreferidadacasa.ComoamaioriadosequipamentosdeGaia,apiscinaofereciaváriasopções,
comoáguadomar,águadoceouáguamineral.Opisopodiasertransformadodegramaemareia,rochaou qualquer combinação de inúmeras opções. A descobertamais impressionante, porém, era a opção“caverna”, onde eles podiam nadar entre peixinhos em uma água verde profunda em meio a rochascristalinas.
Enquanto isso, Sarah ainda estava tentando descobrir como usar os aplicativos e localizar osingredientes necessários para preparar um almoço tardio. Ao buscar em vão pelo forno, acabou porencontrarumcuriosoaparelhonoarmáriodacozinha.Apósmanipulá-loaoacaso,nãoconseguiuevitardegritaraexpressãofavoritadeVictor:“Eureca”!
Oarmárionãoapenasmostrouumaenciclopédiadigitaldereceitas,comcentenasdeopções,mastambémpreparavaqualquerrefeiçãoescolhidaporSarahempoucosminutos.Quandoacomidajáestavapronta,amesasepunhasozinha:suasuperfícieseabriamostrandocoposornadoslindamentedispostosefinostalheres.
—Achoqueoalmoçojáestápronto!—disseSarah,sorrindo.A família foi chamada imediatamente e reuniu-se ao redor da confortável mesa de jantar. Os
temperoseaservasexóticasdeGaiadavamumsaborrefinadoàcomida.Poucodepoisdotérminodoalmoço,aimagemdeJuliusapareceunaparededasaladejantar.—Devodizerqueestáuma tardeexcelente—eledisseemsuavozprofunda.—Esperonão ter
chegadoemumahoraruim.— Boa tarde, Julius! Por favor, venha para a sala de jantar — disse Sarah, rapidamente se
levantandodesuacadeiraemdireçãoàportadafrentepararecebê-lo.Elesretornaramlogoemseguida,entrandojuntosnasala.
Juliusseaproximoudamesaetirouamãodireitadetrásdascostas,mostrandoumobjetoescondidoporbaixodeumembrulhocolorido.
—Queéisso?—perguntouRuth,agarrandoopacote.—Deixe-meabrir...—Obrigado,Julius,masnãoqueremosficarmimados...—disseVictor.—Achoquejáestamos!—disseSarah.—Amesasearrumasozinha,oarmáriocozinhaelavaos
pratos...osquartosselimpamsozinhos..Éacasaperfeita!—Brownies!—Ruthmostrouoconteúdodeumpacotedesembrulhado.— Uau, você já sabia!— Albert se esticou agressivamente pela mesa.— É minha sobremesa
preferida!—Eumesmofiz!Enãouseioarmário.Esperoquevocêsgostem—disseJulius.—Porfavor,junte-seanós—disseSarah,apontandoparaumacadeiralivreaoladodeAlbert.—
Venha,vamossaborearseupresentejuntos.JuliusaceitoueducadamenteoconvitedeSarahesesentouaoladodeAlbert.Depoisqueafamília
praticamentedevorouadeliciosasobremesa,elesabiaqueeraomomentoperfeitoparadaranotícia.—Fico feliz que vocês todos tenhampassado umótimodia com a famíliaBecker e que tenham
gostadodaminhasobremesa...Masnãofoipor issoquevim.—Julius fezumapausadeumsegundo,comosequisessecriarcertosuspense.—EugostariadeentregaravocêsestesEMOs(EquipamentosMicroscópicosdeOricalco).—Juliuspassouumobjetoquadradominúsculoesemitransparenteacadaumdeles.—Amanhã será o primeiro dia de escola paraRuth eAlbert.Vocês certamente precisarãodisso.
Cada quadradinhomediamenos demeio centímetro e pesava um poucomenos de uma folha depapel.
— Esse aparelho é igual àquele que você usou na Terra quando nos contou sobre Gaia? —perguntouAlbert,examinandoopequenoquadrado.
—Comuma exceção: este não permite nenhum tipo de viagem interplanetária.Nenhumgaiano éautorizadoafazerisso—disseJulius.
—EntãooqueéexatamenteumEMO?—perguntouVictor.—UmEMOéumequipamentointeligentedealtavelocidadefeitodepartículasmicroscópicasde
oricalco, um composto mineral auto-organizável. Para resumir, ele realiza várias tarefas; é mais queapenasumacombinaçãodecomputador,telefoneetelevisão.
—Televisão?—perguntouRuth,jácuriosasobreosprogramas.—Sim,vocêsóprecisaexpandiro tamanhoconformedesejar—disseJulius.Parademonstrara
flexibilidadedoEMO,eledeslizouapontadodedoparaumalateraldaminitela,alargandooquadradoatéotamanhodeumaTVde70polegadas.
— Preciso avisá-los que a experiência pode ser um pouco opressiva inicialmente— continuouJulius.—A tecnologia roubasuasposiçõescomoespectadorpara integrá-locomoumpersonagemdacena.Vocêsdefatoirãoacreditarqueestãovivendoemtodosessesfilmesedesenhos.
—Legal!—aprovouAlbert.—EquantoamimeSarah?—Victorperguntou.—Suponhoqueeucomeçoa trabalharamanhã,
certo?—Temosgrandesplanosparavocêsdois…—começouJulius.—SarahvaitrabalharcomSophia
pesquisandocompostosflorais.Evocê,Victor,vaitrabalharcompesquisaeexploraçãodegaláxias.—Pormim,éótimoserútil!—Sarahdeclarou,empolgada.—Bem,pesquisaroutrasgaláxiasparecebeminteressantedefato—disseVictor.—Masprimeirovocêsprecisamcompletarseusestudos—declarouJulius.—Ora…vocêsabebemquetenhodoutorado—disseVictor.—Jádeipalestrasportodoopaís.
Souodiretordeumplanetáriofamosoedediqueiminhavidaàpesquisa...—Victor, exigimosdiferentes tipos de estudos quehoje estão alémda sua imaginação.Vocêvai
entender a história de Gaia, nossa ciência secreta, o contexto dos sonhos, símbolos, energia vital,numerologia,astrologia...
—Sonhosenumerologia?Lamento,masnãotemcomoeulevarissoasério!—VictorlançouumolharfuriosoparaJuliusepelaprimeiravezseuspensamentosvoltaramàTerra.
— Victor…— Julius respirou fundo. — Gaia ensina muito sobre novas possibilidades. Certoceticismoédifícildesuperar,masaverdadeserevelaránomomentooportuno.
—Querido,quemalháemexperimentaralgoumpoucodiferente?—perguntouSarahbuscandoamãodomarido.
—Oprogressorequerquevocêsestejamlivresdepreconceitos—acrescentouJulius.—Háummotivopeloqualtemosessasdisciplinas.
—TalvezeunãoestejalátãodispostoacomeçartodoesseprocessodemetornarumcidadãodeGaia—disseVictor, recostando-sena cadeira.—Ainda achoque eupoderia sermais útil naTerra,trabalhandoparaavançaroconhecimentoporlá.
—Victor,porfavor,pensenobem-estardanossafamília—disseSarah,apertandoamãodelecomforça.
— Pai, não custa você pelomenos tentar, dá uma chance— disseAlbert, confuso pela direçãodesconfortável que a conversa havia tomado. Contudo, a atitude de seu pai não era exatamente umasurpresa.
EstarlongedosamigosnaTerranãoseriaumproblemaparaseupai,jáqueelenãotinhanenhum,apenas colegas cujo nome ele frequentemente esquecia. Ficar longe dos parentes também não era umproblema,jáquenãohavianenhumvivo;desdepequenoVictortevedeaprenderadependerapenasdesimesmoparaseralguémnavida.Noentanto,ficarlongedotrabalho...bom...issopodiaserumaquestãodelicada.Albertnãoconseguiaselembrardaúltimavezqueseupaihaviatiradofériasoumesmofaltadoporficardoente.
Enãoerasóisso.Basicamente,elenãotinhanenhuminteressealémdetrabalhoeciência.Filmes,
esportes,músicaeviagensestavamcompletamenteausentesdavidadeVictor.Então,pedirqueseupaificasselongedopapelqueodefiniaeradefatoalgoumpoucoexagerado.Deagoraemdiante,seupaiseria uma bomba-relógio. A paciência não era uma de suas virtudes e, se o mantivessem longe dotrabalhopormuitotempo,asconsequênciaspoderiamserdesastrosas.
—Voudarumachancenospróximos28dias...—Victorfinalmentedeclarou.—Sóprometoisso.—Considerojusto—disseJulius,levantando-sedacadeira.—EntãovejovocêeSarahamanhã.
Eumeofereciparaseromentordevocês.
CINCO
No dia seguinte, Albert acordou ansioso para ir à escola. Gritos ecoaram pela casa quando eledescobriuquesuacamaestavaquasecongelada.A temperaturadocolchãocontinuouacairatéele selevantar.Antes,Sabãojáhaviatentadoacordá-lo,massualínguapegajosanãoerapáreoparaaqueletipodedespertador.
—Primeirodiadeaula…—Albertrespiroufundo,enquantotentavaimaginaroquevestir.Ele finalmenteestavapegandoo jeitodecriarsuas roupas.Primeiro, tinhadeescolhero formato
geral,comoroupadecimaoudebaixo,camisa,pijama,roupãodebanho,jaqueta,meias,boné,sapatosetc.Então,tinhadeacrescentarumaespecificação,porexemplobermuda,calçaesporte,calçacargo,calçasocial,calçademoletometc.,tudocompletamenteajustável.Depoisdisso,eletinhadeescolherotecido:couro,jeans,algodão, poliéster, veludo, lã, lycra e vários nomes dos quais ele nunca tinha ouvido falar... E, paraterminar,elepoderiadesenharestampaspersonalizadasousimplesmenteescolherentreasjáexistentes:formasgeométricas,animais,traquitanaseletrônicas,frasesengraçadas,desenhos,rostosetc.
—Horadecriarumaótimaprimeiraimpressão—eledisseemvozalta.Contudo,eleiriaficarnobásico.Comosempreouvia,menosémais.Aúltimacoisaqueelequeria
eraatrairatençãodemaisemseuprimeirodiadeaula.Calçacinza,camisetabrancaeumajaquetapretaseriasuficiente.
Ele estava se esforçando bem para não criar mais expectativas; afinal, elas são janelas para adecepção.Entretanto,nãopodiaevitardesejarcoisasquenãohaviatidoantes:amigos...popularidade...garotas...sentirquefazpartedeumgrupo...
Amensagemprojetadanobancoaindaestavaemsuamente...eraumlembretedequeopiorpodiaacontecer.Eseninguémgostassedele?Eseotratassemcomouminvasorouumestrangeiroidiota?
Opânicocomeçouatomaramentedeleeelelutoupararecuperarocontrole.Precisavaficarcalmoeconfiante.Adolescentesprovavelmenteeramiguaisemtodolugar,elepensava,eelesprovavelmentetinhamacapacidadededetectarmedonorostoenasaçõesdosoutros.Aautoestimaeraachaveparainspirarrespeitoeadmiração.
—Horadeaproveitaravida,emvezdesóvê-lapassar—disseAlbert.Essemantra trouxeumsorrisoparaseurostoeelesesentiuotimistanovamente,eprontoparaaaula.
Aquelanãoaparentavaserumaescola.Diantedosgêmeosestavaumaenormeáreacircularcercadadeárvores,comumaentradaeleganterodeadadejardinsfloridos.Nocentrodogigantescocírculohaviaumprédiodetrêsandaresfeitodemadeiraclara.Ogramadobempodadoeradeumverdeprofundoelembravaumaondadomarquandooventosoprava.
—Nossa,pareceumacabanadecontodefadas—disseRuth,conformeseusolhosexaminavamaestrutura.
—Esperesóatévocêverooutrolado—disseNicolau,recuandoalgunspassosparaterumavisão
melhor.—Melhorirmosparaaclasseagora.Muitos alunos já haviam chegado e estavam sentados no gramado conversando. Todos pareciam
olharnadireçãodeles,oquefezosgêmeoscorarem.Ruthtomoucoragemedeuumpassoconfianteatrásdosmeninos.MasoinesperadoaconteceuaAlbert.
Eleseviupresoaalgumaforçadesconhecidaepoderosaqueoarrastavaemdireçãoàvisãomaisperfeitaqueelejáhaviavisto.Pormaisqueeletentasse,nãoconseguiaescapardeumpardeolhosazuisintensosqueoobservavam.Seucoraçãoacelerou,suaspernastremerameelesentiuquenãotinhamaiscontrolesobreoprópriocorpo.AquelabelezahipnóticafezAlberttropeçarnoscalcanharesdeNicolaueelecaiudecaranagramaúmidacomumbaque.
Albert permaneceu no chão pelo que pareceu ser uma eternidade enquanto as risadas dos outrosalunosecoavamemseusouvidos.Aindaassim,quandoreabriuosolhos,elepercebeuqueeramapenasgritosdepreocupaçãodeumpequenogrupoquesereuniuaoseuredorparaajudá-lo.
—Nãomexamnele—ordenouumrapazalto,abrindoosbraçosnalateralparaformarumabarreiraprotetora.—Tudobemcomvocê?
—É,eu…achoquesim—respondeuAlbert,relembrandoorostoangelicalqueeleaindabuscavanamultidão.—Eusó...medesequilibrei.Sóisso.
—Temcerteza?—disseumadocevoz.—Temosumaenfermeira—elacontinuou,segurandoobraçodeAlbert.
—Sim,certeza—Albertconfirmou,apoiando-senameninaparaseaprumar.Quandoelelevantouacabeça,o anjo estavadiantedelenonívelde seusolhos.Láestava ameninamaisperfeitaqueele jáhaviavisto:seuscabeloseramcordemel,suasbochechas,rosadinhas,eseusolhosazuisemformatodeamêndoasirradiavampreocupação.
—Obrigado—elegaguejou.—Ele não sofreu nem um arranhão—disseRuth, puxandoAlbert na direção oposta.—Sério,
Albert?Nossoprimeirodiadeaulaevocêjáestámeenvergonhando?EnquantoRuthoarrastavaparaafrente,Albertlutavaparadarumaúltimaolhadanagarotaqueo
haviaderrubadoeohaviaajudadoaselevantar.Qualeraonomedela?Quandoeleaverianovamente?Elesesentiatransportadoaoutrotempoelugar,eumaondadecalorpercorreuseucorpo.
CarolineCarmellestavasentadasozinhaemumagrandecadeirabrancaatrásdeumamesadevidro,eremexiaemalgunsdiscospequenosebrilhantes.Aoverseusnovosalunos,elarapidamenteselevantouedeupassoscomedidospelasala.
—Bomdia,Nicolau.Quemaravilhavocêtertrazidoosnovosalunos!—disseCaroline,sorrindode forma radiante. Ela era jovem, estava vestida de forma elegante, e seu longo cabelo castanhobalançava.NicolauhaviaditoqueCarolinetambémeraumaEscolhida,masAlbertseperguntouporqueseunovoamigonãohaviamencionadocomoelaerabonita.Elequeriatersidoavisadoparaquepudessefingir que não estava impressionado. — E você, mocinha, deve ser Ruth! — Caroline gentilmenteestendeuamão.
—Sim,senhora,—disseRuth,comaautoconfiançaqueAlbertsempreinvejou.—Porfavor,mechameapenasdeCaroline—eladisse,indoemdireçãoaAlbert.—Evocêé…— Albert. Ela é minha… minha… minha irmã— disse Albert, virando-se para ter um rápido
vislumbredairmãatrásdele.— Ah, eu sei tudo sobre vocês dois — disse Caroline. — Mas eu não sabia que você tinha
problemasdefala—eladisse,incitandoAlbertafalarnovamente.—Nóscertamentepodemosajudá-locomisso.
—Elesógaguejaquandovêumameninabonita—intrometeu-seRuth.EnquantoAlbertolhavairritadoparaairmã,Nicolaucaíanagargalhada.— Bem, muito obrigada a vocês dois — disse Caroline, enquanto seu rosto ganhava um tom
vermelholeve.—Masjádevoavisá-loquehámuitasmeninasbonitasemGaia!—Nãoduvido—disseRuth,afastando-sedeAlbertenquantoeletentavabeliscá-la.—Bem-vindosaGaiaeànossaescola—disseCaroline.—Cadainstrutoréresponsávelporuma
classe.ComexceçãodaEducaçãoFísicaAlternativacomoprofessorGeb,vocêspermanecerãonestasaladurantetodooano.Vamoscomeçaremaproximadamentedezminutos—eladisse,indoemdireçãoà suamesa de vidro situada no centro da sala, repleta de objetos estranhos, e rodeada de poltronasbrancasqueformavamumsemicírculoemtornodamesa.—Masantesdissoeugostariadefamiliarizá-losrapidamentecomnossoconteúdoescolar,quepodesersurpreendente.
—Juliusdissequeagenteteriaaulasparticulares…—disseAlbert.—Eleestácorreto,obviamente—disseCaroline.—Émeudeverfazercomque,embreve,vocês
cheguemaomesmonívelescolardeseusdemaiscolegas.Estoupreparandoaulasextrasparavocêsdois—elaexplicouconformeosdirigiaàsprimeirascadeiras.—Porfavor,sentem-se.
A poltrona se ajustou automaticamente à altura e à forma dos corpos deles e preparou seuestofamento não apenas para distribuir devidamente o peso deles, mas para garantir que elesmantivessemumaposturaergonomicamentecorreta.
—Entãovocêstodosfalamamesmalínguaqueagente?—perguntouRuth.—Bem,vocêsemprevaiouvirtodomundofalandoassim,masissonãosignificaqueestãodefato
“falandoassim”.—Notandoasexpressõesconfusas,Carolinedecidiuoferecermaisexplicações.—Ésó um truque do seu cérebro. Essa foi a forma que os fundadores deGaia encontraram para quebrarquaisquer barreiras de comunicação. No momento em que você chega neste planeta, seu cérebro seadaptaaessailusão.ÉaúnicaalteraçãopermitidaaosEscolhidos.
—Interessante…masumpoucoassustadoraomesmotempo…—disseAlbert.Seuspensamentosentãovagaramatéseupai.Eledefinitivamentenão iagostarmuitodedescobrirqueseucérebrohaviasidomodificadosemseuconhecimentoouautorização.
—Em relação às suas aulas, vamos nos concentrar em física, química,matemática, história dospovosancestraisenutrição—continuouCaroline.—Nossodebatesobreciênciasecretaaconteceumavezpordia
—Ciênciasecreta?—perguntouAlbert.— Como tenho certeza de que Julius explicou, nossos ancestrais em Gaia promoveram o
desenvolvimento e o aperfeiçoamento da sociedade. Vamos investigar isso no contexto de sonhos,símbolos,energiavitalenumerologia—disseCaroline.
— Não tenho ideia do que tudo isso significa, mas gostei!— exclamou Ruth, empolgada pelomistériodostemasexóticos.
—Foivotadocomotemapreferidodosalunosnasnossaspesquisasanuais—informouCaroline.—Um temamuito sérioquegostariade lembrá-los éousode Intensificadores.Eles são estritamenteproibidosnasaladeaula.
—Intensificadores?—perguntouAlbert.—VejoqueJuliusdeixoudeinformá-los—disseCaroline,desaprovando.—Intensificadoresde
visãoeaudiçãode longoalcancenãopodemserusadosnesta sala.Osalunososusamparacolarnasprovas.Seeudescobrirqueestãosendousados,seráummotivoparaexpulsãoautomática.
—Entendi—disseAlbert.—MasoJuliusnãonosdissenadasobreisso.— Intensificadores são estimulantes naturais que produzem efeitos fortes mas temporários nos
neurônios cerebrais— explicouCaroline.—Foram desenvolvidos após anos de pesquisa e não têmefeitoscolaterais.Existem tantona formadegomademascarquantoem líquido...Masnãodevemserusadosemnenhumacircunstâncianaminhasala.
— Audição de longo alcance — repetiu Ruth, imaginando situações em que isso poderia servantajoso.
—Devehaveroutrostipostambém—disseAlbert,comsuaimaginaçãoamil.—Ah,sim—disseCaroline.—Masagoraéhoradecomeçaraaula.Aproveitandoadeixa,váriosalunoscomeçaramaentrarnasaladeumavezsó.AlberteRuthse
levantaram de seus assentos instintivamente, ficando ao lado de Caroline enquanto esperavam maisorientações.
Osassentosforamsendopreenchidosumaum,mastodososolhospermaneceramfixosnosalunosEscolhidos.Albertcontou16alunos,bemmenosdoqueele se lembravadesuaúltimaescola,depoissimplesmenteolhouparaochãoparaevitarosolharesobservadoresqueagoraestavamtodosnele.
—Bomdiaa todos!—disseCaroline,batendoasmãoseesfregando-asansiosamente.—Hoje,como vocês todos sabem, é um dia muito especial. Nossos novos alunos Escolhidos finalmente sejuntaramanós!Comobonsanfitriõesqueeuseiquevocêssão,porfavor,deemasboas-vindasaAlberteRuthparaamelhorinstituiçãodonossohumildeplaneta.
Aplausosruidososmisturadosagritospreencheramoar.Enquantoosgêmeosestudavamcadarosto,umolharfriodeumdosalunosprovocouarrepiosemseuscorpos.
—Nossosnovosconvidadosprimitivos—disseumameninacomcabelocastanhoonduladoeolhosescuros de formato bem arredondado, que encarava friamente Ruth. — Espero que tenham sidoexaminados.
Albertsentiuseurostoqueimandodevergonha;elequeriamuitodizeralgodevolta,masnãoerabomemrespostasrápidas.Apenasvoltouacabeçaparaochãobranco.
—Isadora!—gritouCaroline.—Comoousadizerumacoisadessas?—Carolinelançouumolharreprovadorparaagarota,queseafundoudevoltanacadeira.
—Apenasse lembredeque terráqueossãoanimais—disseRuthabusadamente.—Elesatacamquandoameaçados.
Com isso,Albert ergueu a cabeça e juntou-se aos outros alunos, que irromperam em uma risadabarulhenta.
—Ruth,Isadora.Paremcomessabobagemimediatamente—reclamouCaroline.—Foielaquecomeçou—disseRuth.—Eutenhoodireitodemedefender.—Muitobem.Masvocêsduasouviramoqueeudisse—Carolineenfatizou,olhandoparaasduas.
ElaentãopegouseupróprioEMOdamesaereconfigurouadisposiçãodasaladeaula.Osemicírculodepoltronas se expandiu, dando espaço para dois assentos amais, que apareceram entreNicolau e umameninadevestidoazul.
—VioleteNicolau,vocêsnãoseimportamquenossosnovosalunossesentementrevocês,certo?—Estábrincando,professora?—disseNicolau,deixandooclimamaisleve.—Seriaumagrande
honra—eleacrescentouemumtomformal.—Éumprazer—concordouViolet.Albert reconheceuaquelavozangelicalenquantoandavana
direçãodosassentosvazios.Violet… ele repetia o nome dela em suamente. Quando seus olhos se cruzaram novamente, ele
imediatamentesentiuaspernasficaremmaisfracas.Aideiadepassarnãoapenasaspróximashoras,maspossivelmente todo o ano escolar sentado ao lado dela era umpouco angustiante.Antes que se desseconta,eleestavacongeladonafrentedeseuassento.Permaneceuemumestadosemiconscienteatéumamãoagarrarsuajaquetaeopuxarparabaixo.
—Nãoprecisaesperarminhapermissãoparasesentaraomeulado,cara!—Nicolauriu,soltandoajaquetadele.
Albertpercebeuentãoqueopiorhaviaacontecido.AúnicacoisaqueeletinhadefazererasesentaraoladodeViolet,masnemissoelefoicapaz.Agorasólherestavafingirquenãoestavafuriosoconsigomesmoeaceitaro fatodeque sua irmã ia sentar-seentre ele e...Violet.Perfeito. Issonão serianadaconstrangedor.
—LigueseuEMO—aconselhouNicolau,fazendosinalparaqueAlbertcopiasseseusmovimentos.Eledeslizouodedopelocantoeapertou.Oequipamentosefixounosbraçosdapoltrona,formandoumasuperfícieoval.
VioletmostrouaRuthcomofazeromesmo,masalgoaconteceuquandoelaterminou.Inicialmente,oequipamentoficouvermelho,entãocomeçouapiscarlevemente.Derepente,umamensagemtomoutodaatela,escritaemletrasgrandes:
“Avisonúmero1de3:CaiamforadeGaia!Beijos,Isadora”.
—Você devia mostrar isso a Caroline!— Violet aconselhou, levantando a mão para chamar aprofessora.
—Nãohánecessidadedisso—sussurrouRuth,agarrandoobraçodeViolet.—Essameninaquerchamaratençãoenãovouentrarnojoguinhodela.
—Achoquevocêtemrazão…—concordouViolet,recostando-senacadeira.CarolinecolocouseuEMOdevoltaemsuamesaeagarrouumdosdiscosbrilhantesqueestavamali
espalhados.Voltouàfrentedasaladeaulae,antesdefalarcomosalunos,jogouodiscoparacima.Elepermaneceunoarporalgunssegundos,entãosetransformouemumhologramadeummeninodormindotranquilamenteemumacama.
— Agora vamos dar início à nossa aula de ciência secreta— começou Caroline.— Vocês selembramdanossadiscussãosobresonhos.NossosconvidadosEscolhidossouberamdeGaiapormeiodesonhos.Quemgostariadecomentarsobreessefenômeno?
Umgarotomagrelocomcabeloespetadofoioprimeiroaresponder.— Há três tipos de sonho: de reflexão, emocional e revelação — ele disse. As três palavras
mencionadasapareceramemcadaequipamentopessoal.—Muitobem,Dilson.Vocêpodeexplicarasdiferenças?—Nosonhodereflexão,vocêselembradecoisasdeseudia,decoisasqueopreocupam,como
responder a um teste-surpresa — disse Dilson, atraindo risadas abafadas da classe. — O sonhoemocional se refere amemórias importantes da sua vida.Como sonhar comumcachorro que você játeve.Osonhoderevelaçãoémaiscomplicado.
—Alguémqueracrescentaralgumacoisa?PorqueosonhoderevelaçãoémaiscomplicadocomoDilson disse?—Caroline olhou para a sala procurando voluntários. Violet levantou amão.— Sim,Violet?
—Elescarregammensagensouconselhos,coisasassim.Elespodemavisarsobrecoisas.Mas,àsvezes,vocênãosabequandoestãoacontecendo.Éapartedifícil.Vocêpodepensarqueéoutrotipodesonhoeestarenganado—disseViolet.
—Geralmente,essessonhossãoguardadosnasuamemória,porqueoprocessoliberamuitaenergia—acrescentouNicolau.—Mas temosdeanalisaramensagemrelevantedosonho,paranãoesquecerdepois.
—Ecomopodemosanalisarumsonhoderevelação,Akil?—perguntouCaroline,apontandoparaummeninocomcabeloloirobagunçado.Eleestavajogadonacarteira,comumsorrisinhoconfiante.
—Étipoassim—elecomeçou.—Cadadetalhedosonhopodeserachavequeodecifra.Sonhosusamimagenscomunscomosímbolos.
Ohologramadogarotoqueestavadormindose remexiaevirava,eumanuvembrancase formousobreele,contendoumaimagemborradadelecaindoporumburaco.
—Entãooqueosonhodomeninocontaavocês,Akil?—Carolineapontouparaaimagem.—Bem…nãoécomoseelefossecairemumburacodavidareal,masosonhoestádizendoaele
quealgoinesperadovaiacontecereémelhorqueelepresteatenção.
—Obrigado,Akil—disseCaroline.—Albert,Ruth,algumaperguntaporenquanto?—Éumassunto interessante—murmurouAlbert.—Mas as pessoasnaTerra nãoparecemdar
importânciaaisso.—Nãoébemverdade,Albert,—Carolinediscordou.—NoantigoEgito,sonhosesímboloseram
observados e respeitados.Há inúmeros exemplosnodecorrerdahistóriaquemostram revelaçõespormeiodossonhos.VocêselembradofamosoThomasEdison?
O garoto do holograma desapareceu, sendo substituído pela figura de um homem de idade, comsobrancelhas grossas e cabelo branco, que estava usando um camisolão. Albert imediatamentereconheceuorostoquetinhavistoemumlivrodeciências.ThomasEdisonpareciatãovivoqueAlbertseperguntavaseelepoderiacomprarumequipamentodaquelesparaconhecerseusancestrais.
Thomas Edison deitou-se na cama e, em segundos, uma nuvem se formou sobre sua cabeça,mostrandoaformadeumalâmpadaelétrica.
—Foiassimqueeleseinspirouparainventaralâmpadaelétrica...graçasaumsonho.OpensadorfrancêsRenéDescartestambémteveumsonhoderevelaçãoqueposteriormentesetornouabaseparaaciênciamoderna.
Albert escutava silenciosamente enquanto a voz de Caroline ecoava pela sala. Esses fatos eramtodosnovos,eeleseperguntavaporqueseupainuncaoshaviamencionado.
—Vocêtemumlivrosobretudoisso?—Albertfinalmenteperguntou.— Parece que sabemos mais sobre o planeta deles do que eles próprios— Isadora disse com
desprezo.—Você já foi avisadaumavez, Isadora—disseCaroline, apontandoumdedo acusador.—Nós
duasvamosterumaconversasériaantesdoalmoço.Isadoraseafundounacadeira,esuahostilidadesetransformouemreceio.
Albert seguiu Nicolau e eles foram para a cantina. Enquanto discutiam o sonho misterioso deEdison,eleobservavadiscretamenteViolet,quecaminhavacomRuthumpoucoàfrente.Acantinaestavalocalizada do lado de fora, atrás da imponente construção de madeira da escola, e tinha uma vistaespetacular. Um lago comprido e estreito cercado por centenas de tons de verde se estendia pelohorizonte.
—Quelindoestelugar.Dáumasensaçãodepaz—Ruthadmitiu.—Éverdade—disseViolet,dandoumaolhadanasmesascirculares.—Masvocêseacostuma.
Ondequersesentar?—Nãoprecisamosdebandejasprimeiro?—questionouRuth.Elanãohaviavistoumaáreaparase
servir.—Ocardápioficanamesa—disseNicolau,sorrindo.—Ei,cara,temcertezadequeestábem?—interrompeuumavozrouca.—Foiumagrandeentrada
hoje!—disseorapaz,batendonascostasdeAlbert.—É…Estoubem,valeu—respondeuAlbert,reconhecendoaquelerostodamultidãoquehaviase
juntadoaeledepoisdaqueda.—EvocêdeveserRuth.Éumprazerconhecê-la.SouPhin—ogarotoseapresentou,estendendoa
mãoparaela.—Oprazer é todomeu,Phin—disseRuth, apertandoamãodogarotodepelemorena eolhos
acinzentados.Elalevouumsegundoamaisparasoltaramãodele.—Comovocêjásabemeunome?—Nãoé comum ter umaEscolhidana escola...Medesculpedizer,mas todomundo já sabe seu
nome—comentouPhin.—Então,aspessoasestãocuriosasparaverosnovosalienígenasdaescola?—perguntouRuth.—Exatamente—dissePhin, comum sorriso que acentuava suas covinhas.—Mas, sério, estou
felizquevocêsdecidiramsejuntaràgenteaquiemGaia.Tenhocertezadequenãovãosearrepender!Eseprecisardealguémparamostrartudoporaí...—Umolharpreocupadocaiusobreseurostoeelenãopôdeterminarafrase.—Medesculpem,comlicença.
Phin se afastou, indo até Isadora, que estava visivelmente irritada. Depois que ele a beijou nabochecha,Isadoraagarrouseubraçoeopuxouparaamesa.
—ElenamoraaIsadora?—perguntouRuth,perplexa.—Estádebrincadeira.Oqueeleviunela?—AIsadoraéumadasmeninasmaisbonitasepopularesdaescola.Nãodeixequeaatitudedelaa
engane: ela pode ser bem sedutora quando quer— disseNicolau.—Mas estou cansado damaneiracomoelatrataaspessoas.
Albertespiouporcimadoombro,observandoIsadoracomPhineseusamigosnamesaatrásdeles.Todospareciamhonradossódeestaremsentadosaoladodela.
Aexplicaçãopareciaplausível. Isadora tinhaumabelezanaturalque resplandecia emcadagestodela.Eraumadessasmeninascapazesdecativaraatençãodetodomundoapenascomsuapresença.Elanãoprecisavademaquiagem,saltoaltoouroupaschiques.Havianascidoperfeita.Massóporfora.Agrosseria e a hostilidade podiam até apagar sua beleza, e fazia muito tempo que ele havia decididomanterdistânciadegarotasamargasassim.
Confirmandosuaavaliação,oEMOdeRuthcomeçounovamenteapiscareagravitarnafrentedela.Elaoagarroueosegurouentreosdedos,tentandomanteraconversaparticular,masnãoantesdeAlbertconseguirterumvislumbre.
“Avisonúmero2de3:Voltemaoseuplanetinhanojento.Beijos,Isadora.”
—Bom,achoquenãohádúvidadequeIsadoranãogostoumuitodagente—Albertcomentou.—Elasemprefoiassim—disseViolet.—Porquê?—perguntouRuth.—Eusinceramentenão faço ideia—respondeuViolet.—Vamosapenasesquecê-lae encontrar
algumlugarparasentar.Osolhosdelesexaminaramatentamenteasmesaslotadas,semsucesso.—Parecequeagenteficouconversandodemais…—Nicolaudeudeombros.—Achoquevocês
meninas podem se apertar aqui. Ele apontou para amesamais próxima.—Albert e eu podemos nossentarnaquelamesapertodacabeceira.
Nicolaucorreuparaguardarlugarnobanco,ignorandoosolhosqueagoraosseguiam.Asensaçãodesconfortável de estar sendo observado lembrava a Albert um antigo pesadelo. Por anos ele haviaacordadoempânico,sonhandoquechegavaàescolatotalmentepelado.Mesmosabendoqueeraridículo,eleabaixouoolharparaverificarnovamente.Camisa,ok,calça...ok.Aindaassim,elenãopodiaevitardeseperguntaroquesepassavanacabeçadeles.ElesoviamdamesmamaneiraqueIsadora?Comouminvasorprimitivo?Aideiadeserumaaberraçãoàmostraoforçavaaencontrarosolhosdeles.
Seus colegas não estavam de cara fechada, mas pareciam à vontade e incapazes de mostrarhostilidade ou nojo. A maioria deles estava de fato sorrindo e outros até acenavam como para seapresentar.Albertsorriudevoltaaliviado.Pelaprimeiravezeleeraocentrodasatençõesdeumaformapositiva. Ninguém jogava comida nele, agarrava sua cueca ou colocava adesivos de “finja que souirresistível”nas costas dele.Ele só esperavaque eles nãomudassemde ideiaquandoo conhecessemmelhor.
—Estágostandodetodaessaatenção?—Nicolauperguntouaele,comumsorrisolargonorosto.— Sabe, vocês são quase celebridades aqui…Gaianos adoram ummonte de programas e filmes daTerra,entãoelesmeioqueidolatramtudooquevemdelá...UmameninaatétemonomedeCoca-Cola,dápraacreditar?
Elesriram.—Então,comoagentecomenestelugar?—Albertperguntou,sentando-seaoladodeNicolau.— Coloque seu EMO na mesa — disse Nicolau, correndo para demonstrar. Quando seu
equipamentopessoal tocouamesa, fotosdepratoscoloridosapareceramna tela.—Veja, aqui estáocardápiodaescola.Apenastoquenoquevocêquerparaoalmoço.
—Hum…Nhoque,salada…ah,temsobremesa…—escolheuAlbert.Otopodamesaseabriuearefeiçãoescolhidaseergueudiantedele.Apesardeacomidaterumcheiroincrível,elenãoestavatãointeressadonela…estava se esforçandoparadarumaespiadinhaemViolet entreos corposdeváriosoutrosestudantesquebloqueavamsuavista.
—Vocênãoparadeolharparaela—disseNicolau,comumsorrisinhoirônico.—Sóestou…tentandoveravista—respondeuAlbertdemaneiraseca.—Muitoengraçado,Albert—disseNicolau,chutando-oporbaixodamesa.—Vocêéumpéssimo
mentiroso.Alémdisso,onamoradodelairiaacabarcomvocê!Essa nova revelação atingiu Albert como uma faca afiada, e ele pulou da cadeira incomodado.
Nicolauriutantoquequasecaiuparatrásnacadeira.—Vocêestáinteressadonelasim!Esseolharnoseurostoéaprova!Eusóestavabrincando;ela
nãotemnamorado.—Sóqueroconhecê-lamelhor—disseAlbert,enquantoovapordeseunhoqueenvolviaseurosto.
—Foielaquemmeajudouhoje.Euapenasqueriaagradecer.—É,eeuquerovoltarparaaTerra!—Nicolaudisse,segurandoabarriga.—Albert,vocêéuma
figura.—É,umafigura…—Albertolhouparaosrostosdosoutrosalunosconversando.—Sério—começouNicolau,comendorapidamenteseuestrogonofedecamarão.—Gostomuito
daViolet.Elaésuperbonitaeumadasmaisinteligentesdaclasse.—Elapareceum...umanjo—Albertdeixouescapar.—Pode-sedizerissosim.—Vocêgostadela?—perguntouAlbert,comumpensamentodesconfortáveltomandosuamente.—Euaamo,Albert!—Nicolaudissesério.—Nuncadeixariaoutrocararoubá-lademim.—Ele
fezumapausa.—Estoubrincando,cara.Somossóamigos!—Bomsaber…—disseAlbert,percebendoquehaviafaladodemais.
SEIS
Naesquina,AlbertpodiaverUlyssesparadodiantedaportaesperandoporeles.Eraempolgantedescobrir que o presidente morava a poucos quarteirões de sua casa, mas também um poucodecepcionante. Ele esperava uma enorme mansão, cercada de muros, seguranças e cães de guardasalivandoderaiva.Emvezdisso,AlbertseviuolhandoparaumchalezinhoaindamenorquesuaantigacasanaTerra.
—PorqueopresidentedoConselhonosconvidoupara jantar?—Albertcochichoupara Julius,conformeelesseaproximavamdacasa.—Querdizer,eleéopresidente...deveser...
— Ele é um homem muito simples e extremamente amistoso…— Julius o cortou. — Não sepreocupe.
Conforme eles passavam por um pequeno jardim triangular repleto de orquídeas, Albert pôdeavistar melhor o presidente. Sua aparência era frágil e vulnerável, com ombros caídos e o cabelopenteadoparatrás.Mesmoassim,elenuncadiriaqueUlyssestinha205anosdeidade,comoJuliushaviaconfidenciadoaeles.
—Boanoite!—disseUlysses,dandoalgunspassosemdireçãoaogrupoque seaproximavadaporta.—Émaravilhosotê-losaqui!Confessoqueeuestavaansiosoparaconhecê-los.Acompanheisuaseleçãodeperto!—eledisse,sorrindo.—EsperoqueestejamgostandodeGaia.
—Claro que estamos. É um lugar adorável— comentou Sarah, um pouco trêmula por causa daempolgação.
Alberthaviapresenciadosuamãecriandodiferentesestilosderoupasdurantetodaatardeeiníciodanoite.Suaindecisãonatural,combinadaaomedodeestarmalvestidaparaojantar,afezexperimentarumadúziadeopções.Quandofinalmenteescolheuumvestido longovermelho,decidindoseramelhorescolha,Sarah,então,focouaatençãonomarido,obrigando-oavestirumclássicosmokingpreto.Enãoparouporaí.Albertfoiopróximoalvo,tendodedesfilaremumternocinzaescurocomumagravatafina.Elesempreodiougravatas,umdesperdíciodetecido...provavelmenteosgaianosnemasusavam.
Agora ele sorria e se perguntava o que sua mãe estaria pensando ao ver Ulysses vestindo umasimples calça e camiseta branca. Certamente, ela nunca poderia ter imaginado que jantar com opresidente do planeta seria algo tão informal. Eles estavam simplesmente ridículos com roupas tãodestoanteseextravagantes.Anoitenãopoderiatercomeçadopior.
— Ulysses é nosso presidente há mais de 50 anos — explicou Julius, batendo no ombro dopresidente.—ApenasporqueeleéapessoamaisevoluídaemGaia,moraleintelectualmente.
—Nãoacreditemnele!—disseUlysses.—Gaiaprecisadeumpresidentebembonito.Eeusouumvelhinhobonito.Por issoconseguioemprego.—Ulyssesfezsinalparaelesentraremnacasa.—Porfavor,venham.
Adecoraçãodointerioreratãosimplesquantoadoexterior.Poucosmóveisestavamespalhados,dando à sala uma aparência minimalista, mas aconchegante. O cheiro apetitoso de refeição caseirapairavanoar.
—Obrigadopornosconvidar,éumahonraestaraqui—disseVictor.Albertnãopodianegarquedefatoestavasedivertindoaoveropaitentandosersimpático.Antes
detudo,eleeraumintrovertidopornatureza,odiavajantaresformaischeiosdepessoasquedesconheciae conversas superficiais que costumavampreencher o silêncio.Em segundo lugar,Victor ainda estavaincertosobreGaia,ealegavaqueojantareraapenasparaconvencê-los–manipulá-losfoiaexpressãoexata–aficar.MasaideiadeinvestigarGaiaesuastecnologiasavançadasoconvenceramaaceitaroconvite.Acuriosidadeeramaisfortequeseudesejodeevitarmomentosdesconcertantes.
—Porfavor,sintam-seemcasa.—Respirandocomumpoucodedificuldade,Ulyssesosconduziuaopróximocômodo.
Umagrandemesademadeirajáestavapostacomtigelasdesopaepratosredondoscomvegetaiscoloridos,arrozefilédepeixe.Entretanto,elesnãoeramosúnicosnasala.IsadoraestavasentadaaoladodeLionel,orepresentantedoDepartamentodeIntegraçãoqueelesencontraramnobancopichado.
Albert deu um passo atrás. O que ela fazia lá? Ruth lançou a ele um olhar e ele rapidamenteentendeuamensagem.ElesnãopodiamdeixarqueIsadoraachassequetinhapodersobreeles.
—Deixe-meapresentarminhafamília—disseUlysses.—EsteéLionel,meufilho...— Já nos conhecemos no Tour Center...— Lionel o interrompeu, ficando em pé rapidamente e
acenando com a cabeça em cumprimento. Vestia-se como o pai, mas com uma camiseta azul. EleexaminouaaparênciadafamíliaKlein,enãopôdeesconderumdiscretosorriso.
—Ótimo!EssagarotabonitaaquiéIsadora,minhaadorávelnetinha.—UlyssesentãosevirouparaAlberteRuth.—Vocêsnãoestãonamesmasalanaescola?
Albertabriuabocapararesponder,masumarespostafriaveiodooutroladodamesa.—É,estudamosnamesmaclasse—disseIsadora.— Fico feliz em saber disso, tenho certeza de que vocês todos serão grandes amigos— disse
Ulysses,perdendoumsorrisinhoirônicodeIsadora.Elesesentoueapontouparaqueogrupofizesseomesmo.—Estãogostandodaescola,meninos?
—Estamosgostandomuito,adoramosasaulaseasmatérias—confirmouRuth.—FiqueisurpresoquandoCarolinedisseadata…—relatouAlbert.—Vocêsestãonoano11.012?
Apartirdequeacontecimentocomeçaramacontar?—NossocalendáriocomeçounodiaemquenossosancestraispousaramemGaia—Ulyssesdisse
comumavozcalma.—Porfavor,sirvam-se—eleacrescentou,começandoatomarsuasopa.—Edeondeelesvieram?—perguntouAlbert,olhandoaoredordamansãopresidencial.Amansãopresidencialnãotinhanenhumadecoraçãoespecial,sóalgunsquadros.Parecianãohaver
nenhuma tecnologia pomposa e nem empregados. Ele se perguntou se Lionel e Isadora moravam látambém.Eleduvidava.Acasaerapequenademaisparatrêspessoaseprovavelmentesótinhaumquarto.Alémdisso,seuestilosimplessópodiapertenceraumapessoadesprendida,algoquenuncasepoderiadizerdeIsadora.
Lionelrespiroufundoantesdeexplicar,emtomimpaciente:—ElesvieramdeAtlântida,acivilizaçãomaisantigaeavançadadahistóriadaTerra.—EstádizendoqueomitodeAtlântida,alendáriailha,éverdade?—Victorzombou,lançandoum
olhardesconfiadoparaSarah.—Nãoéummitoapenasporquevocêsnãoconseguiramprovarsuaexistência—retrucouIsadora,
lentamentetocandoemsuarefeição.— Pormilhares de anos, o conhecimento científico e astronômico da nossa civilização evoluiu.
Com o tempo, nossas viagens interestelares nos trouxeram a Gaia, um planeta não habitado que foiselecionadoporpossuirascondiçõesideaisparaumanovacivilização—disseUlysses.
—MasporqueelesdeixaramaTerra,paracomeçodeconversa?—perguntouRuth,servindo-sedeumsucoazul.
—EleshaviamprevistoumasériededesastresnaturaisqueacabariamjogandoaTerranocaos—explicouUlysses.—Movimentosrepentinosnafrágilcrostaterrestrecausaramtsunamisdeproporçõesinimagináveis,submergindoAtlântidaparaaeternidade.
—Osatlantesdeixaramoplanetadefinitivamenteporvoltade9.000a.C.,juntamentecomdiversostiposdeplantaseespéciesdeanimais—acrescentouJulius.
—Então, por que o povo deAtlântida nãomigrou para outro continente naTerra?—perguntouSarah.
—AsoutrassociedadesdaTerraeramcompostasaindaapenasdenômadesecoletores.Osatlantesnãoqueriaminterferirnodesenvolvimentohumanonatural—Ulyssesrespondeu.
—EntãoosatlantesvieramparaGaia…—Albertconcluiu.—Elesnãoeramcompletamenteunânimesquantoa isso—disseJuliuspensativo,encostando-se
emsuacadeirademadeira.—Algunsestabeleceram-senoEgitoapósjuraremmantersegredosobreahistóriaeodestinodeAtlântida.Elespoderiamajudarcomalgunsensinamentosavançados,massóisso.
—Nãoéporcoincidênciaqueosantigosegípciosconheciamprocedimentosmédicoscomplicados,comolobotomias—disseUlysses,afastandoatigeladesopaeservindo-sedeumpequenopedaçodepeixeedoquepareciamserervilhasroxas.
—Queremsaberdealgobeminteressante?—perguntouJuliusolhandoparaosgêmeos.—Ulyssesé,naverdade,descendentedoúltimoreideAtlântida.
—Julius!—exclamouLionel, levantando-sedacadeira.—ComoummembrodoConselhovocênão sabe as regras da sua instituição? É estritamente proibido falar com os Escolhidos sobre adescendênciadosatlantesduranteoperíodode30diasiniciais.—ElebateuopunhonamesaelançouumolharfirmeparaJulius.
Umsilênciodesconfortáveltomouasala.AtéIsadorapareciasurpresacomareaçãoexageradadopai.Oquehaviadeerradocomele?Lionelseriaoquechamamdebipolar?HaviaumaclaratensãoentreJuliuseLionel,masoolharraivosodeLionelseestendiaaUlyssestambém.Oueleestavatendoumdiaruimounãogostavamesmodeseupai?Talvezteropaicomopresidentedeumplanetapordécadasnãoseja algo tão fácil de lidar.Damesmamaneira, ter umpai com temperamento difícil tambémpoderiaexplicar o comportamento de Isadora. Será que seUlysses tivesse sidomais presente na vida de suafamília,Isadorapudesseterumexemplomelhor?
—Lionel, por favor, sente-se— pediuUlysses em um tom suave.—Elesmerecem sabermaissobreonovoplanetadeles.Alémdomais,essasregrassãoantigasedevemserrevistas.Vejamos,ondeestávamos...
—Estoumuito intrigado com o fato de os cientistas deAtlântida poderem prever terremotos outsunamis...
—Oscientistasnãopreviramotsunami—sugeriuUlyssesmisteriosamente.—Achoquejáchega,pai!—Lionelocortou.—Estetambéméumassuntodelicado.—Nãosepreocupe,Lionel,conheçomeuslimites—disseUlyssescomumsorriso.—Opovode
Atlântidaeramuitoavançadomoraletecnologicamente.Contudo,asociedadeeradivididaentreaquelesqueacreditavamnaciênciasecretaeaquelesquesóacreditavamnamatemáticaenaciência racional.Aquelesqueacreditavamnaciênciasecretaeramconsideradosmísticos iludidos.Mas,umdia,muitosmísticostiveramomesmosonho:Atlântidaseriasubmersaporumenormetsunami.
— Você está dizendo que eles foram avisados do desastre por um sonho? — Victor retrucou,derrubandoseugarfo.
—Centenas demísticos tiveram omesmo sonho, que especificava a data do desastre. O rei deAtlântidanaépoca,meuancestral,foiumdosracionaisquenãoconsideravamdeixarailha...—Ulyssesparou e bebericou seu suco.—Porém, para sua surpresa, algumas noites depois ele também teve umsonhoderevelaçãoefoiforçadoamudardeideia.Orestodahistóriavocêsjásabem.
—Fiqueitodaarrepiada!—disseSarah.—Essashistóriasforampassadasdegeraçãoageração,creioeu.
—Algumas,sim,mastenhoemmeupoderváriosdocumentosquedetalhamahistóriadeAtlântidaea transferência da maioria da população para Gaia, e também alguns “truques mágicos” feitos pelosmísticosdaépoca.TruquesqueatéhojeemdiapoderiamtrazermuitariquezaapessoasambiciosasdaTerra—disseUlysses,aguçandoacuriosidadedosEscolhidos.
— Esses documentos não são propriedade da família — acrescentou Lionel. — Mas, como oconteúdodelesexigeumamenteelevada,elesficamsobcustódiapresidencial,juntoaoutrosmateriaisdelicados.
—Vocêmantémessesdocumentosnasuacasa?—perguntouAlbert,intrigado.—Porquenão?Gaiaéumlugarextremamenteseguro!—disseUlyssesorgulhoso.—Nãotemos
nemalarmesnasnossascasas!—EondeosEscolhidosseencaixamemtudoisso?—perguntouVictor,aindatendodificuldadede
digerirtodaahistóriadeGaia.—Éumasimplesquestãodepreservarapopulação.Osgaianosseconsideramsofisticadosdemais
parateremfilhos—respondeuLionelsecamente.—ApopulaçãodeGaiaémuitopequena,éporissoquevocêsforamselecionados...—acrescentou
Isadora,semnemlevantaroolharparaseusconvidados.—Nãoésóumaquestãodepreservarapopulação.Omotivoédarcontinuidadeànossaexistência,
anossossonhoseobjetivos.Nãoapenasisso,seuconhecimentoacrescentamuitoànossasociedadeeànossaevolução.Porestarmostãoconfortáveis,àsvezesnosesquecemosdecontinuarinovando—disseUlysses.
—As famílias da Terra são cuidadosamente escolhidas, levando em consideração o critério deflexibilidade, moralidade e conhecimento. Considerem-se especiais, pois nos alegram com suasqualidadespessoais—Juliusexpôs,emumtomelogioso.
—Exatamente,mas essasnão são asúnicas razõespelasquaisvocês são tão especiais—disseUlysses,enxugandoocantodabocacomumguardanapo.
—Oquevocêquerdizer?—perguntouAlbert,intrigado.—Albert,vocênuncaparouparapensarporquevocêéoúnicoqueviuumcéuvermelhoeteveum
sonhoderevelaçãosobreGaia?—perguntouUlysses.—Claro que pensei…—Albert admitiu.Desde sua primeira aula de ciência secreta,Albert se
perguntavasobreisso.Oqueofaziavercoisasqueosoutrosnãoeramcapazesdever?—Todomundoécapazdeterumsonhoderevelação,masalgunstêmumdomespecialparaisso—
disseUlysses.—Osonhodotsunamiquevocêtinhaconectava-secomseusancestraisemostravaquevocêestariaseguindoomesmocaminhoqueelesescolheramanosatrás.SuairmãRuthtambémtemumdom...
—Eutenhoumdom?—perguntouRuth,descrente.—Elatemumdom?Issoédifícildeacreditar…—Isadoracomentoucomdesprezo.—Sim,elatemumdommuitointeressante.Podegerarfelicidadenaspessoas.Mastambémtraza
verdade;todosmostramsuasverdadeirascoresquandoestãopertodela.Nãonotouisso,Ruth?—Bem,repareiqueaspessoassãomuitosincerascomigo...—disseRuth,encarandooolharde
Isadora.—Masessesdonsexistemporummotivo…—continuouUlysses.—Sarah, issopodevircomo
umasurpresaparavocê,masvocêdescendedeumpequenogrupodeatlantes.Outrosilêncioconstrangedor.Albertpodiaverarelutânciadeseupaiemaceitaradireçãoquea
conversa havia tomado. Sua mãe, por outro lado, parecia estar gostando de juntar as peças daquelequebra-cabeça.AlbertsentiaqueSarahansiavaigualmenteporrespostasparadúvidasexistenciais,razão
pelaqualoúltimocomentáriodeUlyssesterianitidamenteressoado.—Nossa…Agoraestouabismada…—disseSarah.—Achoquetodosestamos—falouAlbertcomumlevesorriso.— Inclusive eu. Eles são descendentes de Atlântida? Como você escondeu um assunto dessa
importânciademim?—perguntouLionel.— O presidente do Conselho tem a obrigação de manter algumas informações importantes
confidenciais.EuqueriaqueafamíliaKleinfossevalorizadaporseusprópriosdonsequalidades,nãopelopassadodistante—explicouUlysses.
—Claro,foiumadecisãomuitosábia,Ulysses—Juliusressaltou.—Lionel,vocêestáagindodeummodoestranhohoje…—Ulyssessorriu.—Estáprontoparaa
sobremesa?
Albert se remexeu a noite toda. Tinha sido um jantar no mínimo inusitado. No entanto, o querealmentehaviasedestacadofoiocomentáriodeUlyssessobreeleterumdom.Pormaisquetentasserelaxarenãopensardemais,pareciaquase impossível ignoraraempolgaçãodedescobrirqueeleeraespecial…masqueimplicaçõesissoteria?Comquefrequênciaeleteriasonhosderevelação?Seudomseriaalgoqueelepoderiapraticaredesenvolver?Eleimediatamenteconsiderousolicitarumareuniãoparticular comUlysses para esclarecer suas dúvidas,maso presidente certamente tinha assuntosmaisimportantesparacuidar.Alémdomais,maiscedooumaistardeeledescobririasozinhoasrespostas…elesabiaqueerasóumaquestãodetempo.
SETE
Na manhã seguinte, o Zoom deixou os gêmeos em uma praia isolada. Pássaros cantavam sobreinúmeros coqueiros enfileirados ao lado de ondas claras do oceano, onde milhares de peixinhosondulavamna superfície.De ambos os lados da praia havia uma espécie de píer de pedra, nos quaisalgunsalunosestavamagachados,procurandomoluscos.
—Puxa,issoéqueéumaverdadeiraauladeeducaçãofísica—comentouRuth,respirandofundoesealongandosobosoldamanhã.
—É preciso ter contato com a natureza— disseNicolau, citando o código da escola.—Mas,enfim,aindaestamosnapropriedadeescolar.Lembradavistadacantina?
RuthcaminhouatéNicolaucomasmãosnacintura.—Sim.Oqueéquetem?—Bem,atrilhaquevocêviuterminabemaqui,pertodessasrochas—disseNicolau,apontando
paradireçãodeondehaviamvindo.Albert seguiu o dedo de Nicolau enquanto ele traçava lentamente a costa. Quando seus olhos
chegaram na trilha em questão, o perfil de Violet entrou em seu campo de visão. Albert cambaleoureflexivamenteeoscilouparatrás.Recuperouoequilíbriobemnahoradeevitararepetiçãodoepisódioembaraçosodoprimeirodia.
—Violet!Estavaprocurandovocê!—disseRuth,correndoparaencontrarsuanovaamiganomeiodocaminho.
—Bomdia!—Violet trocouolhares comeles,masdemorou-semais emAlbert.—Comoestá,Albert?—perguntou,passandosuamãodelicadanocabelo.
—Estou…Estou…bem…—Albertgaguejou.“Droga”,elepensou.Agoraelaiapensarqueeleeraumidiota,comcerteza.Porqueatimidezdelesempretinhadeestragarsuaschancesdesersociáveleinteressante?
—Euestavamostrandoaelesondeestamos—disseNicolau,poupandoAlbertdodesconforto.—Eumelembrodecomoeumesentiinicialmente...—Elesorriu,entãoapontouparaumamulherbaixinhacomcercade60anos.—AívemaLadyRose!
—Quem?—perguntouRuth.—Adiretora—respondeuViolet,instintivamenteandandoemdireçãoàfiguraqueseaproximava.
—Vamos.Achoqueelavaifalarsobreosjogos.Albertfoitomadodeterror.Comoelepoderiateresquecido?Eleodiavaesportes,principalmente
porserpéssimoneles.FicoumuitodistraídocomapaisagemecomaapariçãodeViolet,masquandoviuosalunossereunindo,elesoubequesuainaptidãoseriaexposta.OqueaVioletiriapensar?
EnquantoAlbert imaginavameios de fingir que estavamachucado, a voz da diretora ecoou pelapraia.
—Bomdia,meusqueridos!—falouLadyRosedeumaplataformaqueafaziaparecermuitomaisaltaedavaaelaumardeimportância.Suavozeraforteealta,apesardadistânciadosalunos.
—Intensificadores — cochichou Nicolau, explicando o volume de voz dela. Albert e Ruthassentiram.
—Hojeémaisumdiamaravilhoso—disseLadyRose,enquantoosalunossilenciavam.—Temosmuitooquecomemorar!Aprendinovospassinhosdedançaparamostraravocês.
Estranhamente,LadyRosecomeçouamoverosquadris,saltitareandarnapontadospés.Osalunosaincentivaramcomgritoseaplausos.
— Todo mundo adora ela. Ela está sempre feliz e nos fazendo rir— disse Nicolau, e deu umassobio.
—Mas…vocêssabemquenãoépor issoqueestouaqui—disseLadyRosesemfôlego.—EugostariadeanunciaraaberturadanossaOlimpíada!
—Ai,Deus,sério?—murmurouAlbert,olhandoparaasnuvens.—Ouviuisso,Albert?Vocêchegoubematempo!—Nicolaucomemorou.—Esteano,osesportesserãovôleidepraiaenatação—LadyRosecontinuou.—Osdoisesportes
emdupla.Acreditoquetodostenhampraticadoduranteasbrevesférias.—Esportesemdupla?—repetiuAlbert,aindadelirandodemedo.—Confieemmim,vocêvaiamar—Nicolauencorajou.—Todomundotemdejogar?—perguntouAlbert,buscandoumaescapatória.—Claroquetodomundovaicompetir,Albert—disseNicolau.—EsseéomotivodaOlimpíada.
Oquedeuemvocê?Parecedoente.— Cada dupla de vôlei pode usar um Intensificador— declarou Lady Rose.— As duplas de
nataçãopodemacrescentarmaisumpararespirar.Vocêstêmcincominutosparaescolhercomquemfarãodupla.Nãoseesqueçamdequeofocoéotrabalhoemequipe!Boasorteatodos!
QuandoavozdeLadyRosesilenciou,osalunoscomeçaramabuscarfreneticamenteseusparceiroseaenviarsuasdecisõespormeiodeseusEMOs.
—Oqueachadeserminhaduplanovôlei?—perguntouViolet,virando-separaRuth.— Acho ótimo — concordou Ruth. — Adoro vôlei. Mas nunca pratiquei esportes usando
Intensificadores…—Penseneles comovitaminas—disseViolet.—Eles apenas fazem seu corpo respondermais
rapidamente.Precisamossóescolherotipocerto.AcabeçadeRuthestavaamilenquantoelaconsideravaalgumasdaspossibilidadesmaisloucas.—
Euadorariamelhorarmeusreflexos,especialmenteparaascortadas!—Ótimasugestão,Ruth!—exclamouViolet,agarrandoseuEMO.—Voumandarnossasescolhas
agora.EnquantoVioletmanipulavaoaparelho,NicolauaindaestavaocupadotentandoconvencerAlberta
voltaraomundodosvivos.—Vocênãotemescolha,Albert—implorouNicolau,tentandooutraestratégiadepersuasão.—A
Olimpíadaéobrigatória.Nemtentecairfora.—Maseuvouserhumilhado!Eusoumesmoumadrogaparajogarqualquercoisaquetenhaaver
combolasoumovimentação!—disseAlbert.Aúltimavezemqueeleconcordouemparticipardeumacompetição,ganhouumlugarnohalldavergonhacomoopiorgoleirodahistóriadaescola.Suafamaoacompanhouporváriosanos.
— Como você sabe? Você seria um perdedor se nem tentasse! Seria a única forma de você sehumilhar!—retrucouNicolau.—Alémdomais,senãojogar,vocênuncavaimelhorar.Ésimplesassim.
De algumamaneira, essa lógica tão simples fazia sentido paraAlbert.Como ele podia saber aocerto?Aatitudecientíficaseriaexperimentar,eelehaviaprometidoasimesmonãoestragarsuachancedeseenturmar.Sabiaquetinhadesearriscaresairdazonadeconforto,sequisesseserrespeitado.
—Tá.Euvoujogar—Albertconcluiu.—Masprecisoavisarqueeunãoestavasendomodesto.
Souumadrogamesmo.—Equantoanadar?—perguntouNicolau.—Eucostumavanadar…—Albertconfessou,relutantemente—ARuthsempremevencia,masela
ébemrápida.— Então vamos nadar! Agora, qual Intensificador devemos pegar? — Nicolau olhou para as
pequenasondascomosepedisseconselho.—Talvezsóprecisemosdobásico:agilidadenaspernas.—Mastodomundonãovaiescolherisso?—perguntouAlbert.— Esta não é uma competição normal de natação — disse Nicolau. — Ter equilíbrio e até
concentraçãopodesermelhorquerapidez.—ElecomeçouaexaminarseuEMOrapidamente,ignorandooolhartensonorostodoamigo.
—Umminutinho de sua atenção— Lady Rose interrompeu o caos.—Os horários logo serãoafixados.Aquadradevôleiestápronta.
Enquanto Albert olhava por cima do ombro, viu um retângulo de areia bagunçada sendotransformadoemumaquadradevôleiprofissional,contornadaporumenormearquibancada.
—CarolineeGebserãoosárbitros—continuouLadyRose.—Ah,eumaúltimacoisinha:éépocadeostraseelasestãomaravilhosas.
—Ostras?—repetiuAlbert,intrigado.—Eunemquerosaber...—Acheiquenãoiriaquerer…parceiro—disseNicolau,sorrindomaliciosamente.NicolaueVioletolharamansiosamenteparaagrandetelaquepairavasobreaturma,mostrandoa
programaçãodosjogos.QuandoAlbertdeuunspassinhosparatrásentreosalunosparadarumaolhadamelhor, sentiu uma mão fria agarrando a sua. Era Ruth, completamente petrificada. Albert pôdeimediatamenteentenderoporquê.RuthjogariacontraIsadora.
Albert sabia como sua irmã era boa em esportes; desde que eles eram crianças ela sempre sedestacavaemqualquertipodecompetição.Mesmocomumameninaloucadispostaafazerdetudoparavencersuairmã,eleestavaconfiantedequeelaseriaumbelodesafio.AlbertdeuaRuthumapiscadinhacomo incentivo e voltou-se à programação, onde viu que estava prestes a estrear. Ele não teriamaistemponenhumparaseaprontar.Agoraerasuavezdesurtar.
RuthsoltouamãodeAlbertedeuneleumabraçoapertado.—Boa sorte,mano—ela cochichou, caminhandodevoltanadireçãodaquadradevôlei.Após
algunspassos,elacolidiucomoombrodealguém.—Desculpe…—disseRuth,levantandooolhar.—Deixaeuperguntar,nolugardeondevocêvemaspessoasnãoolhamporondeandam?—Phin
caçoou.—Muitoengraçado,Phin!Euestavadistraída,desculpe...—disseRuth.—Nãoprecisa sedesculpar, eunãome importariadeesbarrar emvocê todososdias...—Phin
soltou,fazendoRuthcorarinstantaneamente.—Então,vaijogarhoje?—eleserecompôs,mudandodeassunto.
—É,achoquesim…—Ruthseviusempalavras.—Bem,tenhocertezadequevocêvaisedarbem.Vouficardeolho!—eledissesorrindo.—Phin!—umavozagudacortouoar. Isadoraestavaapoucospassos,comosbraçoscruzados,
olhandobravaparaeles.—Boasorte,Ruth,—dissePhinemvozbaixa.—Precisoiragora...RuthobservouPhinsevirando,compassospesadose relutantes.Conformeeleseaproximavade
Isadora,ocasalcomeçouadiscutirsutilmente.—NuncaviIsadoratãoirritada—VioletcochichouparaRuth.—Maselenãodeveriaolharpra
vocêassim.—Eleolhadiferentepramim?—perguntouRuth,intrigada.
—Você sabeque sim—disseViolet.—Achoquevocêdeveria tomar cuidado; nãovai quereroutrabrigacomIsadora.
—Eusó…meperguntavaseelesabeacobraqueelaé...—Bem,oamorécego,comodizem—disseViolet.—Achaqueelesestãoapaixonados?—Honestamente,nãosei,Ruth!—respondeuViolet,enquantoviaoEMOdeRuthgravitar.ApesardeRuthestarbemsegurasobreoconteúdodamensagem–nãoeratãodifícildeadivinhar,
tendoemvistaosacontecimentosrecentes—,elaagarrouoequipamentoeleuoavisoemvozalta:
“Avisonúmero3de3:Vocêvaisearrependerseriamentedetercruzadomeucaminho!Nãodigaqueeunãoteavisei!Beijos,Isadora”.
—Nossa,elaestáindolongedemais!—exclamouViolet,perplexa.—TemcertezadequenãoquercontaraCarolinesobreessasmensagens?
—Tenho,nãosepreocupe—respondeuRuth.—Deixapralá...—RutheViolet,estánahora!—chamouCaroline, jánaquadradevôlei.Aprofessora levantou
umagarrafinhaemformadeIcomumlíquidoazulado.—Creio que essas garrafinhas esquisitas sejam os Intensificadores...— disse Ruth, observando
CarolinepassarumagarrafaaIsadoraeoutraasuaparceira,Ellie,umameninaaltacomcaradedurona.—Éissoaí!Vamospegarasnossas!—disseVioletempolgada.Enquantoisso,AlbertseguiaNicolaudepertoenquantoelescaminhavampelopíerdepedra,ondea
competiçãocomeçaria.AsuperfícieásperaeafiadaofaziaentenderporqueNicolautinhaajustadosuasroupasplásticasparacobrircadacentímetrodospés.
—AkimedissequeoIntensificadordeleseriaautocontrole—cochichouNicolau.—Oqueissofaz?—perguntouAlbert,confuso.—Deixavocêmaiscalmoemaisfocado—explicouNicolau.—Evocêestámedizendoissoagora?Devíamosterescolhidoisso!—reclamouAlbert.—Mas você disse que não é um bom nadador!—Nicolau ergueu a sobrancelha e olhou para
Albert.—Aki é um excelente nadador, mas ele fica nervoso com a busca de ostras. Foi assim queperdemosnossaúltimacompetição.
—Que tipo de competiçãomaluca de nado é essa?—Albert descarregou, semperceber que játinhachegadoaofinaldopíeraoladodeGeb,oprofessordeeducaçãofísica,eseusadversáriosAkileDilson.
—Asregrassãobemsimples—disseGeb,quetinhaacabeçaraspadaepareciaquasejovemobastanteparaserumalunotambém.—Cadaequipenadaatéooutroladodapraiaevolta.Quemchegarprimeiroganhaumpontoindividual,eaprimeiraduplaasereunirganhaoutroponto.Seotempoacabar,vocêédesclassificado.
—Masnãoseesqueçadequenãoésóvelocidadequeconta—apontouNicolau.—Exatamente!—concordouGeb.—Háumtipoespecialdeostraquecrescenacostanestaépoca
doano.Cadaequipe temdecoletaromáximopossível,maspelomenosdez,ouestáautomaticamenteeliminadadacompetição.Quemcoletarmaisostrasganhará2pontosextras.Entendeu?
—Achoquesim…—disseAlbert,nãomuitocerto.Eleespiounasprofundezas.Sóopíeremsitinhaporvoltade3metrosdealturae,apesardeaáguasercristalina,elenãoconseguiaverofundodomar,apenaspeixesdesconfortavelmentegrandescomestranhasformasdecobra.Elesentiuoestômagorevirar.
—EentendoqueéimpossívelseafogarcomoIntensificadorderespiração...—Oqueme faz lembrar que é horadevocês tomaremos seus!—confirmouGeb, passando as
garrafinhas.Albertbebeucadaumadelasemumgolesó.Asbebidaseramquentesedoces,parecendo
umamisturadesucodefrutasvermelhasechápreto.Umalevesensaçãodequeimaçãoveioemseguida.NicolauagarrouobraçodeAlbertecochichoufurtivamente.—Osegredoé:umprocuraasostrasenquantoooutrovoltaparaaprimeiraposição.—Tá,voumanterissoemmente—disseAlbert.Enquanto Albert tentava acalmar os nervos, Ruth e Violet já estavam do seu lado da quadra,
esperandoqueCarolinecomeçasseapartida.Comocantodosolhos,RuthobservavaIsadoraeElliesealongando.Osmovimentos de Isadora atraíamnaturalmente a atençãode todos os rapazes e ameninapareciacurtirisso,masfingiaignorá-los.
—Elaé tãoassustadora...—Ruthpensouemvozalta, jogandoaboladeumamãoparaaoutraenquantocaminhavaparasualinhadesaque.
Carolineapitou.RutholhouparaabolaedevoltaparaIsadora.“Queoportunidadeperfeitaparaselivrardaraivaqueelaestavasentindoeensinarumaliçãoaessagarota”,Ruthpensou.Talvez,apósojogo,elapensariaduasvezesantesdemandarrecadinhosaela.
Ruthjogouabolanoaresacoucomforça.Abolafoidiretoparaforadaquadra,fazendoIsadorarir.
Ellieeraapróximaasacar.VioletdefendeucomfacilidadeepassouparaRuth,quenãoconseguiulevantarbem,permitindoqueIsadorabloqueasseabola.
—Ruth,seconcentra,vai!—VioletsussurrouparaRuth,emmeioaobarulhodatorcida.Aproveitando-sedaaparentedistraçãodeRuth,Elliesacoudiretonela.Mas,dessavezRuthcontou
com a ajuda do Intensificador. Só um esforçozinho consciente parecia o suficiente para aumentar osefeitosdolíquido.Antesdeelaterumaclarapercepçãodadireçãoedavelocidadedabola,seusbraçosjáestavamcruzadosesuaspernasalevavamparaafrentecomvontadeprópria.ElapassouabolaparaVioletsemproblemas.Ruthentãocortouparaocantoesquerdodaquadra,deixandosuaadversáriasemchance.Atorcidairrompeuemaplausos.
Enquantoisso,AlbertconseguiudistrairseuspensamentosenquantoobservavaNicolauescolheromelhortecidoparaostrajesdeles,umquegerassemenosatritonaáguaefacilitasseseusmovimentos.Jáque as roupas podiam assumir propriedades de peles de animais,Nicolau parecia ter dificuldade emescolher entre tubarão e golfinho. Após alguns minutos, ele decidiu por tecido de pele de tubarão eajustouotamanhodeseutraje.Otecidopassouacobrirtodooseucorpo,excetoorosto,eajustou-separaformarluvasaoredordasmãos.
—Issoéparaqueasostrasnãomachuquemnossasmãos—explicouNicolau,passandoaeleumsacoparaasostrasefixandoacordesuasroupasparatonsverdeevermelho.—Quandoestivermosnaágua,otecidovaiformarumanadadeiraemcadapé.Vamos,éhoradoespetáculo!
—Tá…—murmurouAlbert.—Ei,maisumacoisagarotoEscolhido…—Gebtirouummetalzinhofinodobolsoeoprendeuao
redordo tornozelodeAlbert.—OregulamentodaOlimpíadaestipulaqueousodessemecanismodesegurançaéobrigatório.Nempenseemtirá-lo!
—Atornozeleirafoicriadaparaevitaracidentesdequeda—NicolaucochichouparaAlbert.—Elapodecongelaromovimentodeumapessoaoumantê-lasuspensanoar.Éporissoquevoudaravocêmais um conselho: não pense muito antes de saltar! Se pensar, você vai ficar parado no ar até seusentimentodepânicoirembora.Eunãoprecisodizerquevocêperderáojogoseissoacontecer…
Gebassobiou.Os competidoresmergulharamnomar.Albert permaneceunopíer, olhandopara aágua.Agoraomedonãoerasódaprofundezadooceano,masprincipalmenterelacionadoaofatodequeele podia se acovardar enquanto todomundo observava. Ficar pendurado no ar por uma tornozeleiracausariaumavergonhapúblicadeumnívelsuperior.
—Apenassalte,cara—aconselhouGeb.—Querqueeuempurrevocê?—Issoseria…—Albertnãoconseguiuterminarafrase,jáqueGebjáohaviajogadoàforçano
mar.Quandoseucorpotocouaáguaquente,Albertcomeçouarelaxar.Conformenadavadebaixod’água
comsuanadadeira,percebeuquenemprecisavasubirpararespirar.Eissonãoeratudo.Alevezadeseutraje,combinadaaoefeitodo Intensificador,permitiaqueeledeslizassesuavementepelasondas.Suaspernassozinhasoimpulsionavam,eseusbraçosficavamestendidosàfrente.Nadaragoraeratãonaturalparaelequantoandar.
Quasesemesforço,Albertlogocruzouatrilhaechegouàsrochasdooutrolado,apenasumminutodepoisdeNicolaueseusadversários.
Nas rochas, o Intensificador não ajudava muito. Na verdade, fazia o oposto. Com as pernas semovendo rápido demais, era difícilmanter equilíbrio naquele solo irregular. Era preciso usar todo oesforço apenas para evitar cair, o que interrompia completamente a concentração.A busca por ostraslogosetornouumaprovacomplicada.
UmafortepancadanaáguaatraiuaatençãodeAlbert.EleolhouporcimadoombroeviuNicolaunadandodevolta,cumprindosuapartedoplano.Akilmergulhoulogodepois,alcançandoNicolaulogonofinal,echegouprimeiro.
Dilsonpegavasuasostrascomoumprofissional.Suadosedeautocontrolelhedavaumaprecisãoincrível na busca.Ele nãoparecia ter nenhumproblema emdistinguir osmoluscos de outrasmanchasescurasnasrochas.DiferentementedeAlbert.
Aomesmotempo,RuthestavaficandocansadaesemfôlegoeseusaquefoifacilmenterastreadoporEllie.Elapassouabolasuavementeparasuacompanheiradedupla,queporsuavezalevantoupoucoacimadaredeparaumcortefácil.ConformeamãodeElliedesciasobreabolaqueflutuava,osbraçosdeVioletformavamumaparedeintransponível,bloqueandoelançandoabolanochãoaospésdeEllie.
VioletcomemorouajogadaesevirouparaRuthmostrandoamãovermelha.—Agoraeuseiqueelasescolheramforçaextra—disseViolet.Violet fez os dois pontos seguintes mandando a bola duas vezes no canto da quadra de sua
adversária.Isadoraabriuosbraçosfrustrada.—Sério?Falasério?—IsadoragritouparaEllie.—Comovocênãopegouaquela?—Nãoconsegui…—Elliemurmurounervosa.—Dapróximavezvouescolherumaparceiracapazdecorresponderàsminhasexpectativas!—
Isadoraacortou.—Tempo!—elaordenou,olhandoparaoárbitro.Carolineapitoueinterrompeuojogo.IsadoraeEllieforamparaumcantodiscutirsuasestratégias
confidencialmenteesereidratarcomáguagelada.—Isadoranuncapediutempoantes…—comentouVioletparaRuth,enquantoelassesentavamem
umbancoparadescansarpertodeCaroline.—Algomedizqueelaestátramandoalgumacoisa...—Claroqueestá!—disseRuth.—Elaquernosdistraireaestratégiadelapodefuncionar,sevocê
sepreocupar.Enquantoisso,tirandovantagemdadistraçãodeAlbert,Dilsonsilenciosamentemergulhoudevolta,
encaminhando-separaopontodepartida.Ogrupodealunosqueobservavaacompetiçãoporumtelãonapraiacomemorouaestratégiade
Dilson, e Albert reparou que havia ficado para trás. Ele correu para a água, feliz de poder confiarnovamentenoIntensificador.MasadistânciaentreeleeDilsonjáeragrande,esuasroupasenadadeirasporsisópareciamdaraeleumavelocidademaisquesuficiente.
Ele pensou em desistir.Qual era o sentido de continuar tentando se ele não chegariamesmo emprimeiro?Qual era o sentido de ficar exausto só para terminar a competição? Só para terminar…Opensamento repercutiu emsuamente.Era essa a razãode seus antigos fracassosnavida?Porqueelesempreacabavadesistindo?Elenuncaconseguiuaprenderajogarfutebolporquesesentiamuitoinseguroparacontinuartreinando…elenuncaganhounenhumacompetiçãoacadêmicaporquesempredesistiana
inscrição.Eratãodifícilassimacreditaremseupotencial?Ascoisasteriamsidodiferentesseeletivessede
fato se esforçado? Esforçado para valer? E se ele de fato começasse a pensar seriamente em vencercomoseusadversários,emvezdeapenasseguirofluxo?Esealémdeestarnadandomaisrápidodoquenuncaeletambémnãodesistisse?EseeletirasseomáximodevantagemdeseuIntensificador?
Albert se agarrou a essa ideia e deixou osmedos irem embora. Quando suasmãos tocaram naspedrasdopíer,aplausosentusiasmadosoasseguraramqueseuexperimentohaviasidoumsucesso.
—Vocêfoiincrível,cara!—comemorouNicolau,estendendoamãoparaajudarAlbertaseerguerdooceano.
—Intensificadoressãomilagrosos,Nicolau,sóisso!—disseAlbert.Opainelmostrou1pontoparaNicolaueAlbertassimcomo1paraAkileDilson.Tentandomanter
osuspense,Gebpegouossacosdoscompetidoresecomeçouacontarasostrasàvistadetodos.—Prontosparaoresultado?—perguntouGeb,entretendoapequenaplateia.—Entãoo totalde
ostrascoletadasé...13paraAlberteNicolaue...20paraAkileDilson!OpainelmostrouAkileDilson3xAlberteNicolau1.—Vencemos!—comemorouAkil,saltandonoarebatendonoombrodeDilson.—Parabéns,pessoal.—Nicolauapertouasmãosdeseusadversáriosesevirouparaseuparceiro.
—Valeuportentar,Albert.Vocêdeuseumáximo!—Obrigadopormefazertentar!—disseAlbert,felizportersuperadoseusmedos.De repente, o apito de Geb chamou a atenção de todos novamente. Ele caminhou em direção a
Albert,comamãodireitafechada.—Albert,nãodissenadaavocêsobreissoporqueéumasituaçãobem rara...—Geb começou.—Mas, como todomundo sabe, há outra formademarcar pontos nestacompetição...
—Estábrincando,né?—Akilocortou,descrente.—Elenão...—Sim,elefez...—confirmouGeb,sorrindo.—Albertencontrouumapérola!Gebabriuopunho,
revelando uma ostra aberta com uma pérola vermelha dentro. A torcida foi ao delírio.— Parabéns,Albert—continuouGeb,passandoapérolaaAlbert.—Issodáavocêmais3pontos.
—Entãonósvencemos!—gritouNicolau,abraçandoAlbertabruptamente.—Nãopossoacreditar!Vocêéomaior,cara!
—Issoé…insano!—exclamouAlbert,admirandoapérolabrilhante.Enquantoisso,Isadoravoltavarapidamenteparaaquadra.Osorrisoirônicohaviadesaparecidode
seurosto,substituídoporumaexpressãofocada.ElliecolocouamãonoombrodeIsadoraecomeçouacochicharnoouvidodela. Isadora seafastouecobriuabocadeElliecomsuamão.Asduasolharambravasumaparaaoutra,enquantoesperavamosaquedeViolet.
ComoRuth havia previsto,Violet se distraiu o suficiente para cometer um erro e a bola que elasacousaiudaquadra.
—Violet,nãocaianaarmadilhadela!—aconselhouRuth.RuthdefendeuosaquedeEllieepassouparaViolet,quecortou.Isadoranãotevedificuldadeem
defenderepassouaboladiretoparasuacompanheiradeequipe.ElliemandouabolapertodaredeeIsadoracortou.
Umsegundodepois,umgritochocanteecooupelapraia.Aplateiaselevantouagitada.Ruthficoucaída nomeio da quadra, inconsciente, comumamarca de bola no rosto.Violet e os alunos perto daquadracorreramparaajudar.Isadorapermaneceuparadadooutrolado,semmostraremoções.
—Acalmem-setodos!—ordenouCaroline,apitando.—Nãomexamnela!—Me deixe levá-la para a enfermaria da escola! — ofereceu Phin imediatamente, e Caroline
assentiu,aprovando.PhinseaproximoudeRutheseabaixoucuidadosamenteparapegá-la.OsalunosobservaramRuth,
cadavezmaispreocupadoseagitados.—Oqueestáhavendo?—Albertperguntou.Elesplanejavamassistiraorestodacompetiçãodas
meninas,jáqueadeleshaviaterminado,masabalbúrdiaaoredordaquadradiziaqueeratardedemais.Eleviua figuradeumameninasendocarregadapelapraiaporPhin.Elenãoconseguiavero rosto…apenasocabelo.Ocabeloruivodela.Apreensivo,elesegurouobraçodeummeninoquepassava.
—Oquehouve?FoiaRuth?—Vocêperdeu,cara!—disseoestudante.—Isadoraanocauteou!Ameninanemtevechance.Albertsentiuocorpotodoanestesiadoderaiva.Elepodiatolerarameaças,masnuncairiatolerar
violência física contra sua irmã. Os olhos de Albert examinaram desesperadamente o rosto de cadaestudante. Quando seus olhos encontraram os de Isadora, ele voou na direção dela. Ele não estavapensandodireito...nãoiadeixarbarato,nãodestavez.
Quandoeleestavaamenosdemeiometro,Gebsepôsnasuafrente.—Albert,acalme-se!Sua raiva estava tão profunda que ele empurrou o professor com ferocidade.Geb deu um passo
atrás,recuperandooequilíbrio.—Elavaificarbem,Albert!—disseaúnicavozcapazdeacalmarsuaraiva.—Eujuro!—Violet
acrescentou.EntãoelacorreuparaosbancosparaapelaraLadyRose.— Isadora ficou estranhamente forte depois que pediu um intervalo!—ela argumentou.—Lady
Rose, seiquenãodevemosculparunsaosoutros,masacreditomesmoque Isadora tomouumadoseamais.
— Bem… eu nunca vi nada assim…— disse Lady Rose, levantando-se e indo em direção aCaroline.
LadyRoseeCarolinedebateramporalgunsminutos,gesticulandoeolhandoaoredorpreocupadas.Emseguida,adiretorachamouIsadora.
—Porfavor,mepassesuagarrafad’água—elaordenou.—Porquê?Vocênãopodemeculparporisso!—disseIsadorairritada.—Ninguémaqui temo
direitodeexaminarmeuspertences!—Comodiretoradesta escola, eu tenhodireito sobre tudo e todos aqui—disseLadyRose.—
Agora,porfavor,medêsuagarrafa.—LadyRoseestendeuamãoemdireçãoaIsadora.Ameninaobedeceucomrelutância.Apóscheirarabebida,LadyRosedeuumgolenaágua.Todos
esperaramansiosospelareaçãodela.—NãotenhodúvidadequevocêdissolveuoutroIntensificadordeforçanasuaágua—LadyRose
declarouseriamente,confrontandoaexpressãorígidadeIsadora.—Eunãofiznada!—reclamouIsadora.—Sóuseiopotencialmáximodomeuprimeiro!Claramentesemvontadedediscutir,LadyRosesimplesmentesegurouabolaeajogouemdireção
ao mar. A bola percorreu uma distância que ninguém poderia ter imaginado, caindo nas ondas quequebravam.
—Nãoacreditoquevocêfezisso,Isadora—disseCaroline,comavozfracaecortada.—Nenhumalunojamaisviolouasregrasdedosagem.
—Isadora,vouterdesuspendê-ladaescolatemporariamente,evocêtambémvaiterderelatarissoao Centro de Investigação— declarou Lady Rose.— Por favor, informe ao seu pai que ele terá deacompanhá-la.
—JátenhoidadesuficienteparairaoCentrosozinha.Alémdomais,vocênãodeviaseimportar…Tenhocertezadequemeuavôvaicuidardisso—Isadoradesafiou.
LadyRosecolocouosbraçosnacintura.—Vocênãoconheceseuavô.Sente-senobancoeespereseupai—elaordenou.Entãosevoltou
para conversar com o apreensivo Albert. — Eu sinto muito, Albert. Mas não se preocupe. Nossos
tratamentosmédicossãoextremamenteeficazes.EmpoucosminutosRuthficarábem.
OITO
Os dias se passaram incrivelmente rápido para a famíliaKlein.Mas não paraVictor.Durante operíododeexperiência,elepareceurelutanteemseadaptaràvidaemGaia.Evitavafazeramigos,nãoconversavamuitocomosvizinhosenemaceitavaconvitesparajantareseeventos.Georgeeraoúnicocom quem ele falavamais. Ele começou a acordar cada vezmais tarde, saindo de casa apenas parapassearcomocachorronoparqueouparateraulascomJulius,nasquaisnemfingiaestarinteressado.Sarah, por sua vez, logo se apaixonou por suas novas matérias, especialmente astrologia e medicinaherbal.ArelutânciadeVictoremaceitartais“teoriasabsurdas”acabavaporatrasarseuprogressoeoafastavaemocionalmentedafamília.
Então,quandoos30diasestavamquasenofim,eJuliuslembrouatodosqueerahoradeoptar,adecisãonãofoiunânime.TodosdafamíliaqueriamficaremGaia,ondeestavamconstruindoumavidarepletadealegriaenovasamizades.MasnãoVictor,quenãosesentiamaisvalorizado,reconhecidoouútil.
Victorfinalmentedecidiuquetinhadeceder,fazendoumsacrifícioparaobem-estardesuafamília.AlberteRuthestavamseenturmandonaescola.RuthficoubempopulardepoisdeseujogocomIsadora.Era admirada por ser a única capaz de enfrentá-la, desafiando suas atitudes de superioridade quesecretamente incomodavam a tantos alunos. Isadora, por outro lado, foi suspensa da escola por duassemanas e recebeu um aviso do Centro de Investigação, proibindo-a de usar qualquer tipo deIntensificadorporumano.Comoadiretoradaescolapreviu,Ulyssesnãodesculpoua transgressãodaneta,edeixouqueapuniçãofosseaplicadaaelanaíntegra.
IsadoracontinuouaameaçarRuthdamesmamaneira,mastinhaocuidadodeguardarseusataquesparamomentosmaisseguros,quandoestavamlongedosolhosdeCarolineeLadyRose.RuthcomeçouasentirpenadeIsadora,enãosedeixavaabalarpelahostilidadedela.
AOlimpíada,quefoisuspensaapósoincidente,continuounomêsseguinte.ApósadesqualificaçãodeIsadoraeEllie,RutheVioletterminaramcampeãsdoesporte.Ojogofinalfoivistoporváriasturmas,e, mesmo tendo receio de se tornar vítima de outro incidente, Ruth encarou seu medo e jogousurpreendentementebem; seusmovimentos imprevisíveis atraíram longos aplausos.Apartida terminoucom uma grande vantagem para Violet e Ruth “que estrategicamente venceram suas oponentes comjogadasquepareciammeticulosamenteestudadas”.
EnquantoRuthlevouumpequenotroféudouradoparacasa,AlberteNicolausearrependeramdeterperdidoacompetiçãofinaldenataçãoparaPhineYurk.Seusadversáriosganharampornúmerodeostrascoletadas.Apesardeelesperderemapartidafinal,aconquistadeAlbertcontinuouaserexaltada,umavezqueeleeraumdosrarosestudantesaterencontradoumapérolanahistóriadacompetição.Contudo,Albertnãoficoucomapérola;encontrouumdestinomelhorparaela,dandoaesferavermelhabrilhantedepresente.Apesarde fazerViolet corar pordias, elenãopoderiaperder aoportunidadedemostrarquantoelaeraespecialparaele.Missãocumprida.
Os campeões olímpicos receberam comoprêmio um elegante jantar emum renomado restaurante
localizadonomeiodooceano,a3milmetrosabaixodasuperfície.RutheVioletforamjuntascomPhineYurkcomemorar.Duranteojantar,enquantoobservavamavidanomar,PhindesabafouqueestavamuitochateadopeloqueaconteceuentreRutheIsadora,esedesculpoupornãoterfaladonadaarespeitoantes.Ruth ficoumais surpresa quando Phin confessou que a atitude de Isadora durante a competição tinhaacabadocomorelacionamentodeles,jáqueelamostrouumladoseuegoístaecruelqueelenãopoderiaaceitar.Violet,poroutrolado,pareciacontarosminutosparaojantaracabar.Pormaisqueelatentasse,nãoconseguiaconvencerYurkdesuacompletafaltadeinteresseporseuDNAatlético.
Então, cento e cinquenta dias se passaram desde que a família Klein chegou a Gaia. Cento ecinquenta dias antes, Albert havia sido alertado por meio de um sonho sobre Julius, Gaia e aoportunidadedemudarsuavidacompletamente.Elehaviatidoumsonhoderevelação;umamanifestaçãodo dom que ele havia aprendido a ignorar para evitar perguntas difíceis e até uma sensação deresponsabilidade.Eleestavaprincipalmentepreocupadoemterdelidarcomalgotãoimprevisíveletãoabertoainterpretaçõesambíguas.Entretanto,nãoseriacapazdeignoraressedompormuitomaistempo.
—Ruth,acorde!Ruth!—disseAlbert,sentandonocantodacamadairmã,sacudindoobraçodela.—Umamontanha…umatrilhaacidentada…—Albertpensouemvozalta,tentandoforçarsuamenteaselembrardosdetalhes.
—Albert,oquevocêestáfazendoaqui?Estoucomsono...—Ruthgrunhiu.— Preciso te contar domeu sonho!—Albert cochichou.—Neblina… um precipício…— ele
murmuroucomacabeçaamil.—Nãodáparaesperaratéamanhã?—Ruthcomeçouaabrirlevementeosolhos.—Escuridão…ventos…—ele continuava tentando juntar as peças do quebra-cabeça.—Éum
sonhoderevelação…—Umsonhoderevelação?—perguntouRuth,erguendo-seassustada.—Temcerteza?—Quase.Euprecisodesuaajudaparatentardescobririsso.—Osonhotinhamensagensescondidas?Conte-metodososdetalhes,Albert.Precisamosanalisara
coisatoda!—ordenouRuth,agarrandoosombrosdeAlbert.—Deixaeuver se consigo lembrarde tudo…—elecomeçou, tentando focar.—Nossa família
estavacaminhandoporumatrilhanamontanha…avistaeraincrível…comlagos,cachoeiras,animaisselvagens… e nós todos parecíamosmuito felizes… rindo… curtindo cadamomento.Mas o caminhocomeçouaficarmaisestreitoenóscaminhávamosporumabeiradaperigosa;tínhamosdeficardeolhoemcadapassonessatrilhadecascalho…entãosurgiuumaneblina,tornandotudomaisdifícil,enuvenscobriramocéu…aneblinaficoumais densa e as nuvens mais pesadas, mais escuras… começamos a ouvir vozes estranhas, mas nãoconseguíamosdistingui-las…asnuvenseaneblinacomeçaramanoscercar…eralento,masintenso...malpodíamosverunsaosoutrosnessemomento…entramosempânicoebuscamosamãoumdooutro…vocêagarroumeupulso…mas…perdemosamãeeopai.
—Eentão,oqueaconteceu?—perguntouRuth,intrigada.—Euacordei—disseAlbert,tenso.—Nossa,seusonhomeassustou…estou todaarrepiada!—confessouRuth,segurandofirmeseu
travesseiro.—O que você acha que significa?Nós não sabemos o suficiente ainda para decifrar asmensagensocultas…
—Eu sei,mas há uma coisa que podemos descobrir.O que quer que esteja acontecendo com agente,precisamosficarjuntos,euevocê.Precisamosprotegerumaooutro—disseAlbert.
—Concordo…eachoqueseriaumaboaideiasenós…—elaparou.—Seoquê?—perguntouAlbert,curioso,maselanãorespondeu.—Ruth?Ruth?—Psssiu!Vocêescutou?—perguntouRuth,semsemexer.
—Oquê?Nãoconsigoouvirnada,Ruth!—respondeuAlbert,impaciente.Acasadeles tinhaum isolamento acústico impressionante.ComoRuthpodia estar ouvindo algo?
Talvezosouvidosdelaestivessemtreinadosapóstantosanosprestandoatençãoàconversadosoutros,elepensou.
—Escute!Estávindodasala—eladisse,caminhandolentamenteatéaporta.—Quehorassão?—Porvoltadaumahoradamanhã—respondeuAlbert.—Mesiga!—sussurrouRuth,deixandoasala.Enquanto os gêmeos caminhavam silenciosamente pelo corredor, seus corações se aceleraram.
Haviaalguémnasala,comcerteza.Maisdeumapessoa,eleslogosupuseram.Masquemestariavagandopelacasadelesaessahoradanoite?Haviadefinitivamenteumtomderaivanasvozes,apesardeelesaindanãoconseguirementenderaspalavraspronunciadas.
JuliushaviamencionadoqueGaiaeraumlugarlivredecriminosos.Elepoderiaestarerradoquantoaisso?Eseeletivessementidoapenascomointuitodeconvencê-losaficar?Albertficoualerta.UmlugaravançadocomoGaiapoderia ter todo tipodearmas.Comoelespoderiamsedefender?Estavamagorano finaldocorredor tremendo.Asvozesaindaeram incertas.Droga!O isolamentoacústicoeramuitoeficiente.Elestinhamdesearriscarmaisparaprotegersuafamília.Ruthdesceualgunspassosdaescadariademadeira.Albertaseguiu.Asvozesficarammaisclaras.
—Estoucheiodisso!Jáchegaparamim—disseumavozfamiliar.Apesardeficaremaliviadosemdescobrir que as vozespertenciama seuspais, eles nãopodiamdeixar denotar que algode estranhoestavaacontecendo.
—JuliussóqueromelhorparanossocrescimentopessoalemGaia—Sarahrespondeudevolta.—Elequeromelhorparanós,Victor!
— O melhor?— retrucou Victor.— Para começar, ele está me impedindo de trabalhar! Estouestudandohámaisdecincomesesessasmesmasmatériassemsentido.Numerologia,energiavital…PorqueJuliussóautorizouvocêatrabalhar?Eledissequenãotemideiadequandoeuvouestarpronto!
SóagoraAlbertpodiaentenderoqueestavahavendo.Algumashorasantes, à tarde, Juliushaviadado a Sarah uma grande notícia. Ela poderia começar a trabalhar imediatamente. A autorização seaplicavaapenasaSarah,e,pormaisqueVictortivesseafirmadoestarfelizporsuaesposa,elessabiamqueerasóumaquestãodetempoatéseusverdadeirossentimentosviremàtona.
—Achoquevocêestáchateadoporqueestouprogredindomaisrápidodoquevocê!—disseSarah.—Vocêacreditaemtudoqueaspessoasdizem!—Victorirrompeu.—Eusouumastrônomoque
nãopodeolharemumtelescópio!Minhastarefasdiáriasseresumemalevarocachorroparapassearnapraça!JuliusnemmedeixouvisitaroCentrodePesquisaEspacial!Equantasvezeselemenegouacessoadocumentosdepesquisa?Várias!Semprecomomesmoargumentodequenãoestouprontoainda.EupossonuncaestarprontoaosolhosdeJulius!
—Vocêsabequeparateracessoamaisconhecimentovocêtemdemostrarquemerece!—disseSarah,àbeiradochoro.
—Talvezeunão tenhapaciênciapara isso!—exclamouVictor.—Sarah, sinto faltadeserútil,colaborarcommeuscolegas,ensinarosoutros…Oqueestoufazendoaqui?Osgaianosnãoprecisamdemim,meuconhecimentonãoservedenadaparaeles!—eledisse,caminhandoemdireçãoàporta.
—Paraondevocêestáindo,Victor?—perguntouSarah,aflita.—Nãosei—elerespondeu,antesdedeixaracasa.Sarah correu para a escada, soluçando, quase sem dar aos gêmeos tempo de reagir.Andando na
pontadospésparaevitarseremnotados,elescorreramdevoltaaoquartodeRuth.—Que foi aquilo tudo?—Ruthperguntou, fechandocuidadosamente aportadoquarto.—Você
achaqueopaivaidecidirvoltarparaaTerra?—Achoqueháumaboachance…—disseAlbert,emumavozpartida.
—MasJuliusfoimuitoclarosobreisso!SedecidirmosvoltarparaaTerraapósos30dias,nossasmentespodemficarseriamentedanificadas!—Ruthapontou.
—Nãoquero voltar e sei que você tambémnão quer—disseAlbert, sentado no chão.—Masprecisamosficarunidos.Senossopaivoltarsozinho,vaiserofimdanossafamília.
—Vocêachaqueessepodeserosignificadodoseusonho?—Ruthperguntou.—Esperoquenão—Albertmurmurou.
NOVE
Apósumanoitesemdormir,AlberteRuthdeixaramseusquartoscomabarrigaroncando.Tomaramocafédamanhãemsilêncio,pararamparaolharaportaeaescada,esperandoqueospaisfinalmentesejuntassemaelesnamesa.Issonãoaconteceu,ecomaansiedadeaumentando,elesprocuraramconsolareconfortarumaooutro.
—Euestavapensando...—começouRuth.—Talveznóstenhamosentendidotudoerrado...talvezissonãosignifiqueocomeçodeseusonhoderevelação.Noseusonho,nósperdemosamãeeopainaescuridão, mas apenas nosso pai está irritado com essa situação... a mãe não saiu de casa, nãodesapareceu.Elaestábemaqui!
—Vocênãoentendeu...aescuridãoémetafórica...—disseAlbert.—Oquequerqueafetenossopai, vai afetarnossamãe.Ela aindaestá chorandodepoisqueele se foi!Vocêachaqueelavai ser amesmapessoa se eledesaparecer?Não, elavai ficar acabada.Seperdermosumdeles,vamosacabarperdendoambos.
—Estoutãonervosa!—Ruthconfessou.—Não fique.Amãeprecisadagenteagora—disseAlbert.—Ruth,ontem,quandoeuconteia
vocêsobremeusonho,vocêmencionoualgosobreumaboaideia,masnãoterminouafrase...Oquevocêiadizerantesdeouvirasvozes?
—Bom,euiadizerquenãodeveríamosmencionarseusonhoparanossospais.Issodeveriaficarentrenós—disseRuth.
—Concordototalmente—respondeuAlbert.—E também acho que precisamos de ajuda para decifrar seu sonho de revelação.Uma opinião
imparcial—continuouRuth.—PodíamospedirajudaaCaroline...—elaéquaseespecialistanesseassuntoetenhocertezade
queelasaberiaguardarnossosegredo.—Vocêestácerto...—concordouRuth.—Masnão temosaulahoje...Nãopossoesperarquase
doisdiasparafalarcomela.Estounervosademaisparaficaresperando!—Podíamosligarparaela—Albertsugeriu.—Achoqueelanãoseimportaria.
Ocabelobagunçado,orostoamassadoeosolhospesadosdeCarolineentregaramqueelaestavadormindoprofundamente.Envergonhado,Albert sedesculpoue sugeriu ligarmais tarde,masCarolineinsistiuemouvirsobreosonho.Albertlentamenteonarrou,maselanãodeuresposta.Nãoatéseservirdecafésemaçúcarefazê-lorepetirtudodesdeocomeço.
—Bem, obviamente seu sonho de revelação se refere à sua família.Vamos tentar analisá-lo—Carolineexplicou,comavozcalma.—Nuvenspesadassimbolizamachegadadeumacontecimentodegrandeintensidade,eaescuridãoqueoscobriumostraqueoacontecimentovaiocorrerrepentinamente,fazendo-ossesentiremperdidos.
—Nãopodemosvernadana escuridão, exceto...—Albert apontouparaRuth.—Excetoumao
outro.— É o pior tipo de escuridão, e significa que vocês vão se sentir temporariamente cegos —
Carolineacrescentou.—Eestãopróximosdeumpenhasco.Umpenhascoaltoeprofundo,creioeu, jáqueestãoemumamontanha.Entãoaescuridãopodiaacabarlevando-osaumdestinoterrível.
—Ai,acoisasópiora...—reclamouRuth,apreensiva.—Masvocês têma chancedemudar a situação, ao seunirempara afastar a escuridão—disse
Caroline.Osgêmeosrespiraramfundoparaabsorvertudooqueestavasendodito.—Muitoobrigado,Caroline—disseAlbert.—Medesculpeincomodá-lacomisso.— Se precisarem de ajuda, sabem ondeme encontrar— ofereceu Caroline.— Espero que sua
intuiçãoosguie,equevocêstenhamoconhecimentonecessárioparalidarcomessasituação.Possodaravocêsmaisumconselhodeamiga?
—Claro,nósadoraríamos—respondeuRuth.—Cuidemdesuamãe.Elaprecisasaberquepodecontarcomvocês—Carolineacrescentou.—Vocêestácerta.Vamosfazerisso—disseAlbert.—Obrigadonovamente.Eles desligaram o aparelho, colocaram os pratos sujos no armário para limpar e, seguindo o
conselhodeCaroline,subiramaosegundoandarparaverificaroestadodeSarah.A porta estava entreaberta. Sarah estava deitada na cama com os olhos inchados e vermelhos,
acariciandomecanicamenteSabão.Ela nemnotou a presençadeles.Albert nuncahavia visto suamãeassim;elasemprepareciaserumafonteinesgotáveldealegriaedisposição.Albertentrounoquarto,masamãenemolhouparadele.Elesesentouaoladodelaesegurousuamão.Ruthoseguiu.
—Mãe—Albertcomeçou.—Nósouvimosvocêeopaidiscutindoontemànoite...—Nãofiquetriste,mãe...—disseRuth,enxugandoumalágrimadorostodeSarah.—Elesóestá
comsaudadedotrabalho.Logoelevaidescobrircomoestáerradoevaivoltarparacasa.—Nãotenhotantacerteza...—Sarahresmungou,comosolhosfixosemumpássaroempoleirado
emumgalhodoladodeforadajanela.—Quandoseupaificairritado,elesearrependealgunsminutosdepois.Mas essa foi a primeira vez que ele não voltou para casa!Ele nunca fez isso comigo!Nuncapassouumanoitetodaforadecasa!
—Provavelmenteeleestátentandoseacalmarantesdevoltar—disseAlbert.—Eleaamaenuncafarianadaparamagoá-la.
—Bem,elememagooumuitocomessaatitude.Jáédemanhãenemsinaldele!—Sarahcomeçouachorardesconsoladamente.
—Vocêtentoufalarcomele?—perguntouRuth.—EledeixouoEMOaqui—Sarahrespondeu.—TalvezeleestejacomGeorge—Albertsugeriu.—Vocêligoupraele?—Estou commuita vergonha de ligar e perguntar sobremeumarido para alguém que não é da
família. Se Victor quisesse voltar para casa, já estaria aqui — reclamou Sarah frustrada. Quandoterminousuafrase,seuEMOficouvermelhoecomeçouaflutuarnafrentedela.
—Viu,éele!—Albertgritou,aliviado.—Nãotemmotivoparasepreocupar!—Não é ele— declarou Sarah, agarrando o aparelho.—É umamensagem de Julius. Ele está
pedindoqueeuoencontrenoConselho.—VocêachaqueopaifoifalarcomelesobrevoltarparaaTerra?—perguntouRuth.—Nãosei,querida.Talvez...—Sarahdisse,levantando-semecanicamente.AsededoConselhotinhaaformadeumapirâmidedouradagigante.Oprédioera,delonge,omais
altoqueAlberthaviavistoemGaiaebrilhavatãointensamentesobosolqueseusolhossefecharamcomoreflexoqueofuscavaavisão.Estavacercadodeárvoresamarelaseverdes,perfeitamentepodadaseenfileiradas em ordem crescente de tamanho, os jardins tinham as flores organizadas por cor e havia
tambémdiversoslaguinhos.Juliusestavaencostadonomuroinclinado,próximodeumaportaverde-esmeralda,dedicandotoda
suaatençãoaseuaparelhopessoal.Victornãoestavacomele,oqueeraumaindicaçãodequealgonãoestavacerto,pensouAlbert.
OsomdeseuspassosnacalçadadevidroalertouJulius,queseendireitoulentamenteeolhounadireçãodeles.
—Olá, Julius— disse Sarah, apertando amão de Julius.—As crianças quiseram vir comigo.Esperoqueissonãosejaumproblema.
—Dejeitonenhum—elerespondeu.—Imagineiquevocêsviessemjuntos.—Estelugaréimpressionante!—Albertexclamou.—Euacreditoquenãosejacoincidênciaque
separeçacomaspirâmidesdoEgito...—As pirâmides sempre foram o símbolo da sede doConselho, desde o tempo daAtlântida—
explicouJulius.Albertfranziuatesta.Juliushaviasidosucintodemaisemsuaexplicação.Elesemprepareciaestar
esperandoumadeixaparacomeçarummonólogosobreahistóriadeGaia,masdestaveznem iniciouumasegundafrase.
—ComoestáVictor?—Sarahocortou.—Podemosvê-lo?—Antesdevocêsoverem,eugostariadeexplicaroqueaconteceu...—disseJulius.AgoraAlbertestavacertodequealgosériohaviadefatoocorrido.Elesegurouamãofriadamãe
emumatentativadeacalmá-la.—Porfavor,nosconteoqueestáacontecendo—pediuSarah.Juliuspigarreou.—Victorfoiencontradoestamanhãporumpedestre.Estavanarua,inconsciente.Albertsegurouocorpodamãe,quecambaleou.—Narua?—repetiuAlbert.—Estavadeitadonacalçada,desmaiado—continuouJulius.—Apessoaqueoencontroutentou
reanimá-losemsucesso;entãochamouoserviçodeemergênciadeGaia.—Elesosocorreramatempo?—perguntouRuth.—Eleacordou?—Sim,elefoiimediatamentelevadoaohospitaleestásesentindomelhor—disseJulius.—Quealívio...—Sarahvoltouarespirar.—Infelizmente,amánotícianãoterminaaí.Queremsesentar?— Não, Julius, estamos bem— respondeu Albert rapidamente. Ele odiava quando as pessoas
tinhamnotíciasimportantescomeçavamadisfarçar.—VictorfoiencontradonacalçadanafrentedacasadeUlysses—Juliusinformou.—Aportada
casaestavaescancarada,oqueébemincomum;issoatraiuaatençãodosfuncionáriosdaemergência.—Oquevocêestátentandodizer,Julius?—perguntouSarah,aindatrêmula.—HouveumroubonanoitepassadanacasadeUlysses—Juliuscomeçou.—Aintençãodoladrão
era roubar toda a documentação confidencial e o conhecimento que estava sob custódia do Ulysses.Victor eGeorge são os principais suspeitos. George também foi encontrado inconsciente, ao lado deVictor,eambosestavamdepossedepapéisantigosemanuscritos.ElestambémestavamcomoEMOdeUlysses,queerarepletodeinformaçõessigilosas.
—Vocêestáquerendo insinuarqueeles são ladrões?—perguntouSarah, colocandoasmãosnorosto.
—Elesnuncafariamisso!—exclamouRuth.—Deve ter havido algum engano— acrescentouAlbert, olhando desesperadamente para Julius,
comoseexigisseumaexplicaçãomaisrazoável.—Eulamentoporseroportadordenotíciastãoruins.VictoreGeorgevãoterdeficarnoCentrode
Investigações por um tempo— informou Julius.—O escritório doCentro fica no andar subterrâneo,abaixodoConselho.—Eleapontouparaumelevadorexterno.—Voulevá-losparavê-los.
O Centro de Investigações parecia um enorme escritório, com mesas transparentes e cadeirasbrancas.AsparedeseramfeitasdomesmomaterialdeumEMOeestavamcheiasdemapasdeGaiaefotos.OsolhosdeAlbertpousaramemumaimagemespecífica.Mostravaseupai,inconsciente,deitadonochão,cercadodeváriosdocumentos.Eleparecia... semvida...morto.Sódevera fotoele já ficouperturbadoesemmovimento.Suafamíliasignificavatudoparaele.Tudo.Elenãopodiasuportaraideiadeperder alguém tãoqueridoassim... tãode repente.Apesarde tudooqueelehaviaouvido, seupaiaindaestavavivo.Eeraissooquerealmenteimportava.
Apóspassarporváriasmesasemquehaviapoliciaisquenãointerromperamseutrabalhonemparalevantarosolhos,ogrupoparouemfrenteaumagrandeparedeverde,quetinhaumatexturagelatinosa.JuliuspegouseuEMOeocolocoucontraaparede.Aparededesapareceu,dandolugaraumasalavaziacomumsofá.
Sophiaestavasentadacomasmãosnacabeçaquandoosviuentrandonasala.Nicolauestavaaoladodela,completamentedesarrumado,usandobermudaechinelos,talvezcomoumaformadeprotestarportersidoarrastadoatéoConselhosemmaioresexplicações,imaginouAlbert.
—Vocêsjásabemoqueaconteceu?—perguntouSophia,caminhandoemdireçãoaSarah.—Sim, sabemosde tudo,Sophia—disseSarah, segurandoamãodaamiga.—Sintomuitoque
Georgetambémestejaenvolvidonisso.Esperoqueelestenhamumaexplicaçãorazoávelparatudoisso.— Eu também espero. Não aguento a angústia de não poder falar com meu marido!— Sophia
reclamou.— Vocês podem falar com eles agora. Estão na outra sala — Julius apontou para outra porta
gelatinosa,comaqualusouseuEMOmaisumavez.VictoreGeorgeestavamemumasalagrande,quetinhadoissofás,umgabineteeumaportaparaum
pequeno banheiro. Apesar de Albert esperar um ambiente lúgubre, similar a uma cela de prisão, aatmosferadolugarpareciatranquilizadora.Eradecoradocomcoresvivas,váriosvasosdefloresetinhaumaparedetransparente,queproporcionavaumabelavistadoparqueaolado.
Victorestavasentadonosofáviradoparaavista,enquantoGeorgeestavadeitadonooutro.Quandoperceberama presençade visitantes, os dois homens se levantarame abriramos braços para abraçarsuasfamílias.
—Sarah,sintomuitopelaformacomofaleicomvocêontem.Nãoseiporqueagiassim.—Victorabraçouaesposaapaixonadamente.Sarahnãoconseguiucontersuaemoçãoecomeçouachorar.
—Porfavor,nosdigaquenãoéverdade—implorouAlbert.Juliustossiu.—Victor,euostrouxeaquiporqueachoquevocêdeveumaexplicaçãoaeles.Albert não conseguiu evitar denotar oolhar frioque Julius lançou a seupai.Ele sentiuo corpo
congelar.HaviaalgomaisqueJuliusnãotinhacontadoaeles...algomaisgrave...Victorpareciaconfusoeenvergonhado...perdidoempensamentos.
—Primeiro,querodizerqueamomuitovocês.Eununcaquisvê-lossofrendoassim—começouVictor,emumtomtriste.—Ontemànoiteeutiveumsentimentoderaiva,deimpaciência.Depoisquesaídecasa,ligueiparaoGeorgeparaconversar.Infelizmente,Georgenãoconseguiumeacalmar,porqueeletambémestavafrustrado.Elehavialevadoumabroncanotrabalhoporquerersabermaisdoquedeveria.
— Então vocês decidiram que roubar faria vocês se sentirem melhor? — perguntou Sarah,decepcionada.
—Não!—exclamouVictor.—Não?—perguntouRuth,tentandoentender.—Na verdade, eu não sei!—Victor respondeu, segurando o pescoço. Ele tentou controlar sua
respiraçãoaceleradaporalgunssegundos,entãoolhouparaasmãosdeSarahentreasdele.—Eunãomelembrodemaisnada!Foiminhaúltimalembrançadodia.
—E,parapiorar,minhamemória tambémestá embranco—acrescentouGeorge.—Écomoseminha noite tivesse terminado com nossa conversa. Depois disso, eu só me lembro de acordar nohospital...
—Elesestãodizendoaverdade—disseJulius.—Nossosinvestigadoresexaminaramasmemóriasdeles.Foinotadaumagrandefalha.Écomoseamemóriarecentedelestivessesidoapagada.
—Então eles devem ser inocentes!—opinouSophia.—Quer dizer, se eles tivessem cometidomesmooroubo,elesselembrariamdecadadetalhe!
—Não exatamente— respondeu Julius.—Nós acreditamos queUlysses colocou algum tipo dedefesa química em seus documentos secretos que, em contato com a pele de um estranho, o deixariainconscienteporhoras.
—EntãoUlyssesnão estava emcasa?—concluiuSarah.—Porquenãoperguntama ele sobreisso?
—Sarah...—Victorolhouparaosolhoslacrimejantesdesuaesposa.—Ulyssesestá...morto—elemurmurou.
DEZ
— Ulysses teve um ataque cardíaco durante o roubo — Julius informou solenemente. —Provavelmenteporcausadochoquedeversuacasainvadida.
—Nãoconsigopensardireito...—disseSophia,apoiando-senaparede.—Ulysses...morto?—Estouchocada—declarouSarah,sentandoaoladodeNicolau.—Entãovocêsnãoapenasestão
sendoacusadosderoubo,mastambémdeprovocaramortedopresidente?—Julius,vocêacreditana inocênciadeles,nãoacredita?—perguntouRuth.Seu tomdevozera
inquisidor,masamistosoaomesmotempo.—Conheçoessesdoishomensmuitobemeapurezadeseuscorações—disseJulius.—Mas,ao
mesmo tempo, todas as evidências sugerem que eles são culpados. As últimasmemórias examinadasdelesmostramummotivo...
Albertimediatamenterelembrouadiscussãodeseuspaisnaquelanoite.Certamente,eraaissoqueJuliussereferiacomoummotivo.Naverdade,aspalavraseaatitudedeseupaipoderiamcolocá-loemumasituaçãocomplicada.ElehaviafeitocomentáriosofensivoscontraJuliusesobrequantoestavafartodeseuprocessodeensino.AlbertseperguntavacomodeveriatersidoduroparaJuliusouvirtudoaquiloenquantoasmemóriasdeVictorestavamsendoanalisadas.
—Alémdomais,nãotemosumcrimesérioemGaiaháséculos...—Juliuscontinuou.—Você quer dizer que, por termos vindo para cá, somos os principais suspeitos?— perguntou
Sophia,olhandoindignadaparaJulius.—Nãoéisso,Sophia.Apenasnãotemosoutrossuspeitos—declarouJulius.—Nãotemosrelatos
sobreninguémmaisquequisesseacessarosdocumentosconfidenciaisdeUlysses.Alémdisso,VictorsabiaqueUlyssesguardavadocumentosoficiaisemsuacasaetambémsabiasobreaausênciadealarmesnaresidência,jáqueUlyssescomentousobreissoduranteojantar,háumtempoatrás.
—Julius,parecequevocêestácontraeles!—exclamouSophia.—Nãoestoucontraninguém,Sophia.Tambémestouprofundamentechocadocomoqueaconteceu!
—disseJulius.—Porfavor,tenhamcalmacomJulius,eleestáabalado—Georgeinterveio.—Nãohánadapara
provarnossainocência.— Exatamente. — interrompeu uma voz estranha de alguém que entrava na sala. — Os
investigadoresestãoexaminandotodososfatosrelevantes.Ojulgamentodelesestámarcadoparadaquiduassemanas.
—Medesculpe,masvocêé...—perguntouSarahaoestranho.—SouRandyVurk—disseumhomembaixinhoerobusto,comumrostotriangularemolduradopor
umcavanhaque.—Souoinvestigador-chefe.Acabouotempodevisita.—Vocêpodenosdarmaisunsminutinhos?—perguntouJulius.— Julius, você nem tinha autorização para trazer visitantes.Acompanhe-os até lá fora antes que
quebremaisregras—Randyordenou.
AlbertconseguiaouviraexasperaçãodeJulius.—Elesnãotiveramchancedesedespedir...—protestouJulius.—Tudobem—Sarah interveio.—Já tivemos temposuficiente.Obrigada,Julius,pornos trazer
aqui.—Então,porfavor,seretirem.—Comamãoaberta,Randyapontouasaídaparaeles.—Tenho
algumasperguntasparanossossuspeitosaqui,senãoseimportam.Albertobedeceuàordem,masvoltouparaoladodeseupaieoabraçoucomforça.—Nãosepreocupe...Euvoucuidardelas.—Eusei,filho—disseVictor,incapazdeseguraraslágrimas.Albertbateunoombrodopaie,antesqueoinvestigador-chefeperdesseorestodasuapaciência,
deixouasala.—Sintomuitoporisso—Juliussedesculpouenquantoaparedereapareciaatrásdeles.—Randyé
muitorígido...—Nósentendemos...—interrompeuSarah.—Háalgumascoisasqueeugostariadediscutircom
você,sepossível.—Bem, podemos ir aomeu escritório...— ofereceu Julius.—Apesar de eu só poder receber
visitantescommaisde20anos...—Tudobem,vocêspodemfalarcomprivacidade.Nóstrêsvamosindo...—disseAlbert,virando-
separaabraçarrapidamentesuamãe.—Esperamosláfora.
As mãos de Albert ainda estavam tremendo... da raiva por ver o pai preso como se fosse umaameaçaparaasociedade,pelamaneiracomosuafamíliahaviasidodividida,porperdertãorapidamentea oportunidade de ser feliz e de se realizar em uma comunidade da qual ele escolheu fazer parte.Contudo,haviaalgomais...eleestavabravocomelemesmo...porquestionara inocênciadopai...elesabiaqueeraumpensamentosemsentido...acimadetudo,VictorKleineraumaboapessoa,comumbomcoração,masultimamenteseupaihaviamudadomuito,setornandoamargoedefensivo.Albertbalançouacabeçasemacreditar.Seupainãoeraumcriminoso.Simplesmentenãoera.
—Cuidado!AntesqueAlbertpudesseevitar,Nicolaujáestavacaindonochão,levandooutrapessoacomele.—Vocêestábem,cara?—perguntouAlbert,abaixando-separaajudaroamigo.—Achoquesim...—disseNicolau,segurandoojoelho.—Pelomenosdestaveznãofuieuquemtropeçou!—brincouAlbert.Enquanto levantavaoamigo, eleolhouparao ladoeviuRuthajudandoavítimadodescuidode
Nicolaupegarseuspertencesdochão.—Vocêsprecisavammesmo ficar parados ao ladodo elevador?—grunhiuLionel, pegando sua
pasta, quehavia caído aberta.Nicolaunão respondeu, só olhoupara o chão.—Vocês são as últimaspessoasqueeuqueriaverhoje!
—Intensificador?—perguntouRuth,passandoumagarrafinhaaLionel.—Medêissoagoramesmo!—retrucouLionel.—Semintensificarminhapaciência,eufariaseu
pai sofrer tantoquantoeu!—eledisseantesde respirar fundo.—Achoqueprecisodemaisdeumagarrafa.
—Sintomuitoporsuaperda,masgarantoquemeupaiéinocente—declarouRuth.— Garante? Você deve aprender a respeitar os sentimentos das vítimas em vez de defender
assassinos—Lionelirrompeu,voltandoascostasparaeleseseafastando.Atardefoiumborrão.Albert,RutheSarahvoltaramparacasaemsilêncio,epermaneceramassim
por várias horas, como se o silêncio pudesse preencher o vazio de seus corações. No entanto, sóaumentavaaansiedade.AlbertqueriadesesperadamentesaberoqueJuliushaviacontadoàsuamãeno
escritório,masnãoqueriapressioná-laadizernada.Nomomentoemqueelacomeçasseafalar,avoziriadenunciá-la.
—Mãe...—Albert começou, quando todos estavam sentados no sofá.—Não esconda nada dagente... somosmais fortes do que você pensa, e queremos cuidar de você tanto quanto você cuida denós...nosdeixeajudar...sónosdêumpoucodecrédito,porfavor.
—Ah,querido,quelindo—disseSarahcomolhoslacrimejantes.—Àsvezeseumeesqueçodoquantovocêssãoadultosemaduros.Souabençoadaporterfilhostãoincríveisnaminhavida...—ElabeijouAlberteRuthnatesta.—Vocêestácerto,filho.Nãohámotivoparaguardarsegredosdevocês...precisamosresolverissojuntos.
—Issomesmo,mãe—Albertaconfortou.—Porfavor,nosconteoqueJuliusdisseavocê.Oquevaiacontecerseoconsideraremculpado?
—Bem...Juliusdissequeeleprovavelmentevaisermantidoprisioneiropor20anosoumais—revelouSarah.
—NãoháchancedesimplesmentenosmandaremdevoltaàTerra?—perguntouRuth,perplexa.—Eledisseque issopodesersugerido,especialmenteporaquelesquenãoapoiamosistemade
imigração...—disseSarah.—MasoutraspessoaspodemdizerqueumavoltaàTerrapodesermaisumprêmioqueumapunição...jáquenãonoslembraremosdoqueaconteceu.
Albertanalisouasopções.Seupainaprisão.Suamãedeprimida.Suafamíliaquebradapordentro,vivendonassombras.Umestadoconstantedevergonha.Sim,seeletivessedeescolher,decidiriavoltarà Terra e manter sua família unida. Apesar de que isso simplesmente implicaria voltar à sua vidamedíocre,semamigos,semdomespecial...semViolet.
—EoqueJuliusacha?—perguntouAlbert.Sarahafastouoolharporumsegundo,reunindocoragemparafalar.— Se nós voltássemos à Terra agora, nossas memórias seriam seriamente afetadas. Poderíamos
desenvolverumaamnésiaprofundaeatélesõescerebrais...Juliusnãoachaqueseriajustoparanenhumdenós...
—E...quemvaidecidirisso?—perguntouRuth.—Pornão seremgaianos, seoConselhoosdeclarar culpados,odestinodeles serávotadopela
população...—disseSarah,aflita.—Pelapopulação?TodomundoamavaoUlysses...ninguémseriacondescendentecomeles...—
refletiuAlbert.—Porsinal,vocêachaqueanotíciajáseespalhouporGaia?—Sótemosumamaneiradesaber...vamosassistiraonoticiário—sugeriuSarah,expandindoseu
EMO.Oobjetofoiampliadoatéocuparmúltiplasparedes,permitindoqueasimagensaparecessemem360grausaoredordeles.
—Amorte deUlysses comoveu toda a população e a dor é sentida por todo canto...—dizia arepórterquandocomeçaramamostrarimagensdetodososprédiosecasasprojetandoorostodeUlysses,crianças e seus pais chorando, adolescentes deixando as escolas em choque.—Protestos exigindo aprisãoe tambémadeportaçãodosacusados jáestãoacontecendo—continuoua repórter, conformeocanal mostrava inúmeras pessoas em frente ao Conselho. A câmera se aproximava de camisetas quetinhamacaricaturadeVictoreGeorgeatrásdasgradesouvoltandoparaaTerra.Asimagensmostradaspelodispositivoeramtão reaisqueAlbert tinhaasensaçãodeestarencarando todasaquelaspessoas.Elenãopodiaevitarasensaçãodeestarvulneráveleaterrorizado.
—Jáchega—disseSarah,desligandoocanalediminuindoseuequipamento.— Olhe isso... — disse Albert sem ar, olhando sobre o ombro em direção à entrada da casa.
Através das paredes transparentes eles podiam ver uma multidão se reunindo no gramado, tambémusandoroupasemquehaviamensagensescritasdeinconformismo:“Justiçajá”,“VoltemparaaTerra”,“Tínhamosconfiadoemvocês”,“Saiamdaqui”etc.
Ruth e Sarah começaram a andar de um lado para o outro, como se a casa fosse ser invadida aqualquermomento.Todasasfloresnosvasoscomeçaramaexalarumperfumecalmantedelavanda.Elashaviamsidoprogramadasparaacalmarafamíliaquandofossemdetectadoumnívelaltodeestresse,masissopareciaridiculamenteinútilnaquelemomento.
Alberttentoupensarrápidoeajustouaparedeparaaparênciadetijolopordentroeporfora.— Estou feliz de ter trancado as portas hoje... — disse Sarah.— Vou preparar algo para nós
comermos...EnquantoSarah caminhava emdireção à sala de jantar, oEMOdeRuth ficouverde e flutuouna
frentedela.—ÉumamensagemdaViolet...—disseRuth.Violet...onomecapazdecongelarocorpotododeAlbert.Eleseperguntavaseelajásabiaequal
seriasuaopiniãosobreaquelaloucura.Elanãoconheciamuitobemseupai,entãonãoteriamotivoparaduvidardosrumoresdainvestigação.Elesóesperavaqueelanãocomeçasseaevitarsuacompanhiaeseafastasse...aindanãoestavaprontoparaficarlongedela.
—Oqueeladisse?—perguntouAlbert,commedodaresposta.—Elasóestádizendoqueestádonossolado,nãoimportaoqueaconteça.Equantoaoseu?Oque
diz?Albertestavatãodistraídoquenãohavianotadoqueseuequipamentotambémestavaflutuandona
frentedele.Eleoagarroueleuamensagememvozalta.—Esperoquevocêestejabem.Tenhocertezadequeéumgrandeengano.Por favor,medigase
precisardealgo.Umabraço,Caroline.Elesainda tinhamamigosqueosapoiavam.Elenãoesperava isso.Seucorpoagorapareciaficar
leveesuamentemaisclara,comoseumgrandepesotivessesidotiradodeseusombros.—Quediabos...—reclamouRuth,observandoseuEMOficarvermelho,evidenciandooconteúdo
urgente damensagem e expandindo-se sozinho. Um emblema de um dragão opulento que cuspia fogotomoutodaatela.Afiguradesapareceugradualmente,dandolugaraorostodeIsadora.
—VocêsforamavisadosquenãopertencemaGaia—disseIsadora.—Nãorecebemosladrõeseassassinos. Somos seres superiores e sua presença deve ser eliminada antes que vocês causemmaisproblemas.
Oequipamentoencolheu,deixandoAlberteRuthatordoados.—Comquemvocêsestavamfalando?—perguntouSarahdasaladejantar.—Comninguém—respondeuRuth.—Comninguémimportante.—Bom,porquetemosvisitasagora...—informouSarah,chegandoàsalaacompanhadaporSophia
eNicolau.—AúnicaentradaqueeuautorizeinonossoZoomhoje—eladisse, tentandomostrarumsorriso.—Vocêsvierambemnahoradojantar.
—Estoumuitoestressadaparacomeragora,Sarah...—disseSophia.—Aparentementeninguémestápreocupadoemprocurarnovasprovas;estãoagindocomosetivessemcertezadaculpadeVictoreGeorge.
—Oquevocêquerdizer?DeviamestarfazendoumainvestigaçãocompletanacasadeUlysses!—Sarahexclamou.
—Masnãoestão—disseSophia.—Fiqueiemfrenteàcasaodiatodo,disfarçada.QuandoRandy,oinvestigador,seaproximoudacasa,eupergunteiseestavamprocurandopormaisprovas.Sabeoqueelemedisse?
—Faledeumavezparaeles,mãe...—disseNicolausemânimo.—Eledissequetodasasprovasnecessáriasforamencontradasaoladodossuspeitoslogosapóso
crime!ElefoilásóparatrancaracasadeUlysses—disseSophia,andandodeumladoparaooutro.—Precisamoscontar issoao Julius!—sugeriuAlbert, levantando-sedosofá.Comomembrodo
Conselho,Juliustinharelacionamentosepodiaordenarquealguémcomeçasseumainvestigaçãosériaouatépoderiaseoferecerparaverificarmaisumavezasevidênciaselemesmo.
—Juliussabe—disseSophia.—Vocênãonotouqueontemelenãoexpressouomenorinteressenememconsideraroutrossuspeitos?Eleestámuitobravooudecepcionadodemaisparaajudá-los...
—Mas,seelesnãoprocuraremnovaspistas,ainvestigaçãovaiterminarlogoenossospaisnãovãoterchancededefesa!—Ruthsedesesperou.
—Exatamente—Sophia concordou.—Senão fizermosnada, odestinodeles estarádecidido...Sarah,hojeànoiteprecisamosiràcasadeUlyssesparainvestigar...
—Eudisseaelaqueessaéumaideialouca—Nicolauinterrompeu.—ComamaquiagemmodernadeGaiavaiserfácilagentesedisfarçar...—disseSophia.—Nicolauestácerto,issonãofazsentido!—concordouAlbert.— Todas as entradas dos Zooms são digitalmente controladas e foram criadas pela mesma
empresa...— continuou Sophia.—Eu consegui hackear o sistema da empresa e descobri uma senhamasterquevaipermitiracessoàgaragemdeUlysses...
—Ok.Euvoucomvocê—declarouSarah.Albertfranziuocenho.—Oquefoi?—exclamouRuth.—Não,mãe!Vocênãopode ir!—disseAlbert,desesperado.Elenãopodia suportara ideiade
perderamãetambém.Oqueelaestavapensando?Comoelaousavasearriscartanto?—Énossaúnicachance!—disseSarah.—Crianças,nãopossoficaraquiesperandoumasolução!
Nãopossoabandonarseupaiàprópriasorte...Issoéomínimoquepossofazer...Precisoajudá-lo.Seoutrapessoacometeuocrime,poderemosencontraralgumapistaimportanteporlá.
Albert respiroufundo.Elesabiaqueelaestavadecidida.Sarah tinhaumenormecoraçãoenuncahesitariaemsecolocaremperigopelobemdesuafamília.Nãohavianadacapazdefazê-lamudardeideia.
—Entãoeuvoucomvocê—disseAlbert.—Não.Vocêficaaqui,Albert—Sarahdeclarou.—VoutomarcontadissosozinhacomSophia.
Prometoquesereicuidadosaequevoltaremosdiretoparacasa.Masprecisosaberque,nãoimportaoqueaconteçacomagenteestanoite...vocêstodosvãoestaraqui...emsegurança.
—Nadaderuimvaiacontecer.Eutenhooplanoperfeito—Sophiagarantiuaeles.
ONZE
O choro de Sabão ecoou alto como um despertador. Sonolento, Albert acariciou o cachorro,tentandofazê-losecalar,masseugemidoficouaindamaisagudo.Albertabriuosolhoslevemente.Ruthestavadormindoaoladodele,eNicolauestavanochãocomseuEMOflutuandobemacimadacabeça.AlbertcutucouNicolau,comumaajudinhadeSabão,quelambeuorostodogaroto.
—Ei...—murmurouNicolau.—Medeixadormir,cachorro...—Levantem-se,pessoal,achoquetemosnovidades—disseAlbert,esfregandoosolhos.—Quetipodenovidade?—Rutharrastouocorpoparaforadosofá.—Nãosei,oequipamentodeNicolauestávermelho.—Albertapontou.—Vermelho?—Nicolausaltoudochão.—Deixaeuver...—disseele,agarrandoseuEMO.—
Queestranho...—Oqueaconteceu?Oqueestádizendo?—Albertquestionou.— É umamensagem daminhamãe... ela está pedindo que a gente vá encontrá-las na frente do
CentrodeInvestigações—informouNicolau.Os gêmeos e seu amigo se olharam em silêncio, torcendo pelo melhor, mas se preparando
psicologicamenteparaaspioresnotícias.EleschegaramdeZoomàentradaprincipaldoConselhopoucoantesdas5horasdamanhã.Osol
estavanascendo,iluminandotimidamenteapirâmideeoparquequeacercava.NãohaviasinaldeSarah,Sophiaoudequaisquermanifestantes.
—Vocêsachamqueelasvirão?—perguntouAlbert,seusolhosexaminandoaárea.— Acho que não — respondeu Nicolau. — Elas já deveriam estar aqui no momento em que
mandaramamensagem.—OConselhoestáprovavelmentefechado,écedodemais...—disseRuth,impaciente.—Vamoschecarentão—sugeriuAlbert,comadrenalinapulsandonasveias.—Não émuito arriscado?Se alguémnos vir, vão achar que estamos tramando algo—Nicolau
opinou.—Apiorcoisaquepodeacontecerénós termosdeexplicarque temosnovasevidênciasparaa
investigação—disseRuth.—Tábom,vamosentrarentão—Albertdecidiu,caminhandoemdireçãoaoelevador.Depoisdeolharàsuavoltamaisumavez,AlbertentrounamarcacircularnochãoeRutheNicolau
o seguiram.No segundo seguinte, eles estavamno piso doCentro de Investigações.As luzes estavamacesas,e,apesardeasmesasdosoficiaisestaremvazias,oescritórionãoestavafechado.
Albertviuamãeparadanocantodasalaeseurostoseiluminou.Aindaestavadisfarçada–suapeletinha um tom escuro e cachos negros caíam pelo rosto. Sophia estava ao lado dela, parecendo umajaponesaidosa.Maselasnãoestavamsozinhas.Julius,LioneleRandyestavamatrásdelas,juntodeumsenhormaisbaixodecabelostingidosdepreto.Algoestavaerradonaquelacena...elenãoteveumbompressentimento.
Quandoosenhorosviu,gesticulouparaqueseaproximassem.—Prazer, souMilet,onovopresidentedoConselho—ohomemseapresentou,e tinhaosolhos
inchadosdenunciandoseucansaço.—Estouaquiparadecidirsobreosnovosdesdobramentosdosfatosqueocorreramestanoite.RandyeLionelmechamaramaquipararesolverissocomvocês.
—Vãosoltarnossospais?—perguntouRuth.—Nãosefaçadeboba—retrucouLionel.—Infelizmente,nãoéumaquestãodesoltarseuspais,masdedecidircomquemvocêsvãomorar,
atéodatadojulgamento—Miletcontinuou.—Doquevocêsestãofalando?—perguntouAlbert,comospensamentosagitados.—AcabamosdeprendersuasmãesporinvadiremacasadeUlysses—começouRandy,olhando
paraAlbert.—Estãosendomantidaspresascomocúmplicesdeseuspais,portentarempegarorestodasinformaçõessecretasquepermaneceramnacasa.
— Mas vocês estão errados! — Nicolau contestou. — Elas só estavam buscando pistas quepudessemprovarainocênciadosnossospais!
—Jádissemosissoaeles—disseSophia.—Elesnãoacreditamemnós...— Vocês desobedeceram às regras de Gaia invadindo um lugar que estava fechado para
investigações—Randyacusou.—Vocêsnemnoscontaramsobreseuplano.Éclaroqueaintençãodevocêseradescumpriralei.
AlbertolhouparaJuliusbuscandoalgumapoio.Maselenãoretribuiuoolhar.Poucosmesesantesele havia jurado tomar conta deles emGaia, e agora ele simplesmente dava as costas?Ele realmenteachavaqueseupaieraculpadoouapenasnãoqueriasujarasmãos?
—Setivéssemosditoalgumacoisasobrenossoplano,vocêsteriamnosprendidoimediatamente!—Sophiadisseemsuadefesa.
— Deviam ter confiado na nossa investigação — Randy contra-atacou. — Parece que vocêsestavamapenasterminandooqueseusmaridoscomeçaram.
—Atéojulgamentodeseuspais,precisamosencontrarumlugarondevocês,crianças,possamficarsegurasebemcuidadas.—Miletsevirouparaogrupo.
—Oproblemaéqueninguémquerficarcomvocês—Lioneldisparou.—Issonãoéverdade—Julius interveio.—Eugostariade teracustódiadevocês.Mas, como
membro do Conselho, não posso fazer isso, uma vez que iria interferir na minha obrigação de serimparcialnojulgamento.Sintomuito.
“Claro que você não faria isso”, Albert pensou com amargura. “Por que você arriscaria suareputaçãodefendendoumafamíliainútildeEscolhidoscriminosos?”
—Então,sugiroquecriemosumquartoaquinoCentrodeInvestigaçõesparaeles—disseLionel.—Elesnãopodemficaraqui,jáquenãoestãosendoacusadosdenada—Miletrecusou.—Creioquetenhoumasoluçãoparaessaquestão—disseJulius.—Sóprecisodealgunsminutos
paracontatarumapessoadeconfiança.Albertqueriarecusaraajudadelecomumanegativafirme,masinfelizmentepareciaqueelesnão
tinhamopção.—Enquantoisso,podemosfalarcomnossosfilhos?—SarahperguntouaMilet.—Podem—concordouMilet.—Julius,porfavor,leve-osaumasalareservada.Juliussuspiroueosconduziuporumcorredor,parandonaprimeiraportaàdireita.Semdizernada,
ele abriu a porta com seu EMO e estendeu uma mão aberta para eles entrarem, antes de sairabruptamente.
—Vocêspodem,porfavor,noscontaroqueaconteceu?—perguntouRuth.—Quandoestávamosinvestigando,Randynospegoudesurpresa—começouSophia.—Elehavia
instaladoumsistemadedetecçãodecalorcorporal,quereconheceaformahumana.Quandopassamos
pelagaragem,osistemaoalertou.—Porfavor,nosperdoem,crianças—disseSarah,enquantoseguravaasmãosdeAlberteRuth.—
Não queríamos deixá-los nesta situação, mas pelo menos tivemos tempo suficiente para buscarmosevidências.
—Vocêsdescobriramalgo?—perguntouNicolau.—Comaajudadeumalanternalaserquedetectapegadas,encontramossinaisdequatropessoasna
sala nas últimas 48 horas—Sophia disse.—Noquarto deUlysses, o local onde toda a informaçãosecreta se localizava, encontramos apenas traços de duas pegadas diferentes: uma estava descalça, aoutranão.
—ObviamenteaspegadasdescalçaseramdeUlysses,queestavadormindo,masdequemeramasoutraspegadasnoquarto?—Sarahquestionou.
—Edequemeramaspegadasqueestavamnasala?—perguntouSophia.—UmconjuntoeradeUlysseseosoutroseramdeVictoreGeorge.Masdequemeraooutro?Issoprovanossateoria:alguémestáportrásdocrimeequerincriminarVictoreGeorge.
Umamúsicacalmadepianocomeçouatocar,detectandooânimoperturbadodeles.—Comosabemosqueessaspegadasnãoforamfeitaspelosinvestigadores?—retrucouAlbert.— Porque o tipo de trabalho deles exige que usem sapatos especiais, que não deixam nenhum
vestígionacenadocrime—Sophiaexplicou.—Vocêscontaramissoaosinvestigadores?—Ruthquestionou.—Sim,maselesnãonosdãoouvidos—disseSarah.—Inacreditável—Nicolaureclamou.—Elesnemqueremverificaroquevocêsencontraram?—OCentrode Investigações está fechado.Só abredaqui a algumashoras.Epara solicitar uma
investigaçãoelesteriamdepassarpormuitaburocracia—disseSophia.—Oproblemaéquealanternasóconseguedetectarpegadasdeixadasnasúltimas48horas.Essetempoterminaàs6horasdamanhã.
—Então, quando alguémchegar na casa só vai notar os passos deRandy—concluiuSarah.—Crianças, só estamos dizendo isso porque não queremos que vocês pensem queVictor e George sãoculpados.Alguémestapor trásdisso,mas,porfavor,nãocometamomesmoerroquenós.Nãotenteminvestigar sozinhos. Não queremos que vocês sejam presos também. Por favor, se comportem— elaimplorou.
O som de alguém batendo na porta provocou o fim da conversa.Milet abriu levemente a porta,entrandonasalacompassoscuidadosos.
—Achoquetemosasoluçãoparaocasodacustódia—disseelecomumsorrisogentil.—Julius,porfavor,tragasuaamigaaqui—elechamou,virandoascostas,esuavozecooupelocorredor.Juliusobedeceueapareceunasalaacompanhadodeumajovem.
—Vocênãoprecisafazerisso...—afirmouAlbert,olhandoparaorostofamiliar.—Temcerteza?—Éumprazerajudar—disseCaroline,aproximando-sedogrupo.—Esperoquevocêsnãose
importemdeficarcomigoporumtempinho.—Vaisermeioesquisitomorarnacasadaprofessora—disseNicolau.—Masficofelizdeque
vocêestejanosajudando.—Obrigada,Caroline,estamosmuitocomovidascomseugestodesolidariedade.—Sarahabraçou
Caroline.—Vocêsnãoprecisammeagradecer—disseCarolineafetuosamente.—Nãosepreocupe;eufarei
omelhorparacuidardeseusfilhos.
Carolinemoravasozinhaemumacasapertodaescola.Olugareradecoradocomcoresfortes:umsofá roxo,o teto laranjavivo e enfeitesvermelhos espalhados.A sala tinha cheirodeumamisturadebaunilha e pêssego. Duas paredes inteiras estavam decoradas com vídeos de lembranças, metade de
quandoelaerabebê, comospais.Aoutrametadeamostravaem idadesdiferentes, jogandoesportes,dançandoesorrindo...massuamãenãoapareciaemnenhumadessas,apenasseupai.AlbertolhouparaCarolinecomsolidariedade.Apósumarápidavisitaportodososquartos,elapreparouumenormecaféda manhã para os novos hóspedes. Sanduíches, ovos, bolo, iogurte e sucos estavam perfeitamentearrumadosemumatoalhaverde.
Albertseesforçavaparasorrir.Aúltimacoisaqueelequeriaerapareceringrato,masaindatinhadificuldadeparadigerirosúltimosacontecimentos.Estavaumabagunçapordentro,sentindo-sesozinhoeabandonado.Suavidaestavadepernasparaoar,destruída,e,apesardesaberquetinhadefazeralgo,elenãoconseguiaencontrarforçasparareagir.
—Esta casa não é grande demais para você?—Nicolau quebrou o silêncio enquanto devoravaferozmenteumsanduíche.
Não havia sinal de preocupação no rosto deNicolau.Albert se questionava como ele conseguiaficar tão calmo.Provavelmente nada havia se consolidado ainda namente deNicolau... ou talvez seuamigofosseumeternootimistaquenuncaperdiaasesperanças...elesecretamentedesejavaserumpoucoassimtambém.
—Sim,é...Pareceumaiordepoisquemeupaifaleceu...maslogomeunoivo,Adam,vaisemudarparacá—respondeuCaroline,observandoosadolescentesatentamente.
—Eunãosabiaquevocêestavanoiva—disseRuth.—Estou noiva hámais de dois anos— dividiu Caroline.—Talvez vocês tenham a chance de
conhecê-loembreve!Elesabeummontedehistóriasinteressantes—eladissecomorgulho.—Eleéprofessordehistóriadauniversidade.
—Seriaótimo...—Ruthfezumapausaparaprovarseusuco.—ApesardenãoestarmosdefatonoclimadeaprendersobreahistóriadeGaia...
—Entendo...masvocêsnãopodemficardeprimidosassim—aconselhouCaroline,preocupada.—Albert,temmaispistassobreosonho?
—Não,maisnada—Albertmurmurou.—Estáclaroquemeuspaisestãonoescurototaleconfusoscomseusdestinos.Tambémestamosficandodesesperados...masnãotemosideiadecomoajudar...
—Quandochegarahoracerta,vocêsvãosaberoquefazer—Carolineosconfortou.— Sonho? Do que vocês estão falando?— perguntou Nicolau, com um pingo de mostarda no
queixo.—Nósmeioquefomosavisadossobreasituaçãoporumsonho.Éumalongahistória...—disse
Albert.—Caroline,estoucomumpoucodevergonhadeperguntar,masvocêgostadecachorro?—Adorocachorro—Carolinerespondeu.—Estáperguntandoseseucachorropodeficaraqui?—EunãoqueriadeixaroSabãosozinhonanossacasa...—eledisse.—Vocêspodempegá-lomaistardese...—osolhosdeCarolineforamaoencontrodafiguraparada
naporta,comumvestidorosaebranco.Violetolhavaparaelescomumsorrisotímidonorosto.—Medesculpeassustá-laassim,équeeunãoconseguiesperarparavervocês—disseViolet.Por ummomento, Albert esqueceu toda sua tristeza e sorriu. A presença de Violet sempre tinha
aqueleefeitoestranho.Dealgumamaneiraelaconseguiaextrairomelhordele.—Violet, você também é muito bem-vinda aqui! Por favor, junte-se a nós! — disse Caroline,
gesticulandoparaVioletseaproximar.Violet entrou e caminhou em direção à mesa e os abraçou um a um. O abraço dela era macio,
aconcheganteecaloroso,fazendoadordeAlbertdesaparecer.Albert,Ruth,NicolaueVioletpegaramoZoomlogoapósocafédamanhã.Albertestavafelizem
terViolet a seu lado quando entrou em sua casa. Simplesmente não parecia seu lar daquela vez. Eraimpossível não sentir saudade da presença de seus pais, da voz deles, e o vazio do lugar o feriaprofundamente.
—Calma,garoto,nãovamosdeixarvocêsozinhodenovo—AlbertacariciouSabão,queestavaagitadoeficavasaltandonaspernasdele.
— Há mais gente ainda que ontem... — comentou Ruth depois de ajustar a parede para modotransparente.
Quaseumacentenademanifestantesestavamreunidosnogramado.Algunsdormiam,algunsaindachoravam,ealgunsapenasolhavamparaacasa,comosepudessemveratravésdostijolosatéládentro.Albertnãoosculpava.Elesnãosabiamoquehaviaacontecidorealmente.Sabiamapenasoquehaviasidoinformadopelonoticiárioepelosinvestigadores.Estavammagoados.Umadordaquelaspodiafazerqualquerumperderobom-sensoeserenderàsemoções.
—NuncaviessetipodecoisaemGaia!—exclamouViolet,assustada.—Nemeu...—disseNicolau.—NãopossoacreditarqueAlbertfoiavisadosobreessaloucura
emumsonho...—Albert, você foi avisado sobre a situação de sua família em um sonho?—Violet perguntou,
virando-separaolharparaAlbert.—Porquenãomedissenada?—Eutambémacabeidedescobrir—Nicolauseintrometeu.—Esperávamosqueosonhofossesóumsonho...nãoumarevelação.—Albertseaproximoude
Violet.—Edepoisqueconfirmamosarevelação,nãoestávamosnoclimadecontar...—Ruthconfessou.
—Apenasnãosabíamoscomolidarcomisso.—Entendo—disseViolet,virando-separaencararamultidão.—Ficofelizquevocêtenhaentendido—AlbertcochichounoouvidodeViolet.—Aúltimacoisa
queeuqueroémagoarvocê...Ameninacorouetentourecuperarseuspensamentos.—Ficofelizquevocêtenhasidoalertadoporumsonho...—disseViolet.—Revelaçõesnãosão
apenasavisos,mastambémmostramqueodestinopodesermudado.—Issoétãoconfuso—disseAlbert.—Nãotenhoideiadecomoajudarmeuspais.Écomosemeu
mundoestivessedesmoronandoeminhasmãosestivessemamarradas.—Só tenhaemmentequeachaveparaumsonhoésua intuição—Violetenfatizou.—Seasua
intuiçãodizqueseuspaisnãosãoculpados,entãoelesrealmentenãodevemser.—Deveríamos aprender a seguir nossos instintos como o Sabão...—Ruth pensou em voz alta,
apontandoparaumapilhabagunçadaderaçãodechocolatenochão.Ogruporiu.—Comoeleencontrouopacote?Aportaestátrancadaeseuservidordecomidaficaláfora,navaranda...
—Acho que ele émais esperto do que achávamos...—disseAlbert, segurando o cachorro nosbraçosecaminhandoemdireçãoàgaragem.
QuandoeleschegaramaosfundosdacasadeCaroline,Sabãoselibertouecorreulivre,cuidandoparaquecadacoisanacasafossebeminspecionadaporseufocinho.QuandoviuCarolinenasala,elesaltounosofáecumprimentousuanovaamiga.
—Olá,Sabão!—disseCarolinebaixinho,comolhosdistantes.—Prazeremconhecê-lo!—Elaacariciouocachorroenquantoelecheiravaamãodela.
—Temalgodeerrado,Caroline?—perguntouRuth,sentandonocantodosofá.CarolineengoliuemsecoeolhouparaRuth.—Miletacaboudeligarparaavisardeumasessãodeúltimahoraefomosconvidadosaparticipar.—Esperoquenãosejaparadeclararofimdasinvestigações—disseAlbertcomsuacriseinterna
voltando.—Issoseriaruimparaseuspais—Carolinedisseemvozbaixa,encarandoochão.—Tudovaificarbem...—confortouViolet,emumatentativasemsucessodeanimá-los.—Preciso
iragora...porfavor,meliguemdepoisdareunião.—ElasevoltouparaRuth.
—Ligo—prometeuRuth,abraçandoaamiga.—Obrigadapeloapoio.—Obrigadomesmo,issoémuitoimportanteparanós—acrescentouAlbert,tentandoencontrarnos
olhosazuisdeVioletaforçadequeeleprecisava.
DOZE
OConselho lembravaumtribunal.Cadeirasbrancasaltas formavamumcírculoe,nocentro,umaenormeluzcircularflutuantepreenchiaointerioremumtomlaranja-amarelado.
Quando o trio chegou com Caroline ao Conselho, seus membros, entre eles Julius e Randy, jáestavamsentados,vestidosemfardõesformaisbrancos.Osquatrosuspeitosestavamsentadosnocentro.Carolineeosadolescentes tomaramseusassentosnaáreadeconvidados,pertodaentrada.A reuniãohaviaacabadodecomeçar.
—PrezadosmembrosdesteConselho—começouMilet,emumavoz forteecalma.Ele ficounafrentedesuacadeira.—Arazãoparaestareuniãodeúltimahoraéainvestigaçãoderouboqueresultounamortedenossoantigopresidente,Ulysses.Algumashorasatrás,Lionel trouxesériasacusaçõesqueagora devemos compartilhar com todos os membros, como nossa lei estipula. Precisamos escutá-localmamente.
Lionel se levantou abruptamente da cadeira e olhou como semblante grave para os que estavampresentes.
—Boa tarde,membrosdesteconselho.Pormotivospessoais,andei investigandoamortedemeupai com a permissão de Randy. Preciso trazer alguns fatos importantes ao seu conhecimento.Primeiramente,gostariadepediraSophiaqueselevantasseenoscontasseoquedescobriunacasadomeupai.
Sophia se levantou, ajeitou o cabelo e virou-se para olhar para Nicolau antes de fazer suadeclaração.
—Havia outra pessoa na residência deUlysses na noite do crime—disse Sophia.—Victor eGeorgecaíramemumaarmaçãoplanejadapeloverdadeirocriminoso!—elagritou.
—Euvolteiparaacasadomeupaiimediatamenteapósaprisãodossuspeitos,algunsminutosantesdas6horasdamanhã,comalanternaalasermaiseficientequepudearrumar,epossoconfirmarqueoqueelanosdisseéverdade—relatouLionel.—Sóaprimeiraparte, jáqueelesnãoforamculpadosinjustamente—eleenfatizou.
—Oquequerdizercomaprimeiraparteapenas?—protestouSophiaindignada,levantando-sedacadeira.—Foitudoarmadoparaelesseremincriminados!Foisim!
OsmembrosdoConselhoolharam-secomespanto.— Sophia, peço que você respeite a sessão deste Conselho permanecendo em silêncio, exceto
quandoumaperguntafordirigidaavocê—Miletdissefirmemente.—Entendoquevocêestejamuitoemotiva,masessassãoasregras.
Franzindoatesta,Sophiaobedeceu.—EugostariadepedirqueodoutorFramonselevantasse—Lionelprosseguiu.—Comovocês
todos sabem, ele é o chefe da equipemédica responsável pela análise em laboratório do sangue dossuspeitos.Podenoscontarosresultados?
Odoutor Framon, umhomemmagro de ombros largos emá postura, se levantou de sua cadeira.
Endireitouoblazerbrancoantesdelersuasanotações.—EncontramosnasamostrasdesangueumIntensificadorproibido.—Pode,porfavor,nosfalarqualéotipodeIntensificadoreoqueelefaz?—perguntouLionel,
caminhandoemdireçãoaossuspeitosnocentrodocírculo.—Asubstânciaaumentaaraivaeafrustraçãodealguémaopontomáximo—dissedoutorFramon,
olhandoparaossuspeitos.—Masessasubstânciaécapazdefazeralguémagircontrasuavontade?—questionouLionel.—Quetipodeperguntaéessa?—gritouSophia.—Claroquesim!Meumaridonuncairiacometer
umcrimedelivreeespontâneavontade!—Sophia,porfavor,contenha-se,ounãopoderámaisparticipardestesprocedimentos—Mileta
reprovou. — Doutor Framon, por favor, responda à pergunta de Lionel. Esse Intensificador podedistorcerospensamentosdeumapessoaeincentivá-laafazeralgoqueelanãofariadeoutromodo?
—Não,absolutamentenão—respondeuomédico.—EsseIntensificadorapenastrazàtonaoqueestádentrodevocê.Nãopode fazervocêquebrar seusprincípiosou fazer algoquevocênunca seriacapazdefazerdeoutromodo.Contudo,sevocêjáestáplanejandoalgomastemmuitomedodefazer,oIntensificadoreliminaasbarreiras.
—Obrigado,doutor—disseLionel.—Senhorasesenhores,baseadonesserelatóriomédico,peçopermissãoparatrazerumnovosuspeitoaestecaso:JuliusAlsky.
Albertquasecaiudacadeira.Ruthbuscouimediatamentesuamão,masdestavezelenãoconseguiadarapoioemocional.Eleouviudireito?Juliuseraumcriminoso?Issoseriapossível?
— Ele é o tutor das famílias Klein e Becker, e as vem acompanhando desde o início de seusprocessosdeimigração—continuouLionel,queestavaempénafrentedeJulius.—Eleconhecesuasfraquezaserotinas.
JuliusencarouLionel.—Ofatodeeusabermuitosobreessasfamíliasnãopodemetornaroprincipalsuspeito!—Claroquepode—Lionelergueuotomdevoz.—Quandovocêsentiuqueeraomomentocerto
deagir,vocêprovocouasfrustraçõesdeVictor.Algumashorasantesdocrime,Juliusdeuaulanacasadafamília Klein. Ele teve a oportunidade de colocar uma substância ilegal na bebida de Victor,intensificandosuaraiva.Coincidênciaounão,tambémfiqueisabendoquenessemesmodiaJuliushaviaalmoçadocomGeorge.Certo,George?
George,constrangidocomasituação,seinclinoulevementeemsuacadeira.—Correto,Lionel.—Oalmoçoaconteceuantesoudepoisdesuadiscussãocomseusupervisor?—perguntouLionel,
caminhandoemdireçãoaGeorge.—Essaperguntanãotemfundamento!—JuliuscontrariouMilet.Masonovopresidentefezsinal
paraGeorgeresponder.— Foi antes— informou George.—Nós almoçamos juntos e, algumas horas depois, tive uma
discussãocommeuchefe.—Entãoissoexplicatudo!—Lionelexclamou.—VictoreGeorgeinvadiramacasadomeupai
pararoubardocumentos.Enquantoumprocuravanoprimeiroandar,ooutrosubiuparaoquarto.Meupaiacordou com o barulho de alguém revirando suas coisas e teve um ataque cardíaco.George eVictorterminaramotrabalhodeles,coletandotodososdocumentossecretos.Oqueelesnãosabiameraqueosdocumentosestavamprotegidosporumpoderosocompostoquímico.MasJuliussabia.Eleesperouqueaquímicaosderrubassepararoubardelesosdocumentos.
—Issofazsentido—disseRandy.—Excetoqueosdadosnãoestavamfaltando—elecontinuouemumtomcondescendente.—Todososdocumentosforamencontradospertodossuspeitos.
—EunãoroubeioUlysses!—Juliusprotestou.
—Randy,ébemsimples—continuouLionel.—Comluvasespeciais,JuliuscopioutodososdadossecretosparaseuEMOedeixouGeorgeeVictorinconscientesnaruacomtodasasevidênciasdocrimeaoladodeles.
—Essassãoacusaçõesmuitograves,Lionel.—Miletencostoudevoltaemsuacadeira.Eleolhoupara Julius, depois para Lionel, refletindo. — Acho que poderíamos verificar essa alegação agora.Julius,porfavor,dêseuEMOaRandy.
—Estáfalandosério,senhor?—perguntouJulius,amargamente.Miletassentiu.Relutante,Juliusselevantoudacadeira,caminhouemdireçãoaRandyeentregouseuaparelho.OlhoucomraivaparaLionelantesdevoltaraseuassento.
Com dedos rápidos e sob o olhar curioso de todos, Randy começou a examinar o equipamento,parando alguns segundos para ler o conteúdo. Lançou um olhar para Milet, sem saber se poderiapronunciarsuadeclaração.
—Randy,seuspensamentosserãomuitoapreciados—disseMilet.—Asalegaçõessãoverdadeiras—disseRandy,voltando-separaJulius.—Nãoépossível!Eununcaviessesdocumentos—alegouJulius.—Porquevocênãoanalisa
minhamemóriaeverificaoqueestoudizendo?—Vocênãoachaquevamoscairnessaarmadilha,acha?—retrucouLionel.—Qualquerumcom
seuconhecimentopodecontrolaremoçõesememórias.—Lionel está certo, Julius—Milet concordou.—Que garantia teríamos de que você não iria
bloquearoacessoacertaslembrançasecriaroutras?Vocêéumespecialistaemautocontrole.—Masprecisodizerqueissoémeioabsurdo...—interveioRandy.—PorqueJuliusiriaquerer
acessoainformaçõessecretas?Albert suspeitava de que o comentário de Randy tinhamenos relação com saber os motivos de
Juliusemaiscomsuafrustraçãodenãoter,elemesmo,descobertoaverdade.—Pararesponderaessapergunta,vourevelarumfatoqueestouinvestigandoháalgumtempo...—
disseLionel.— Lionel, temo que você não tenha me informado sobre essa investigação paralela... —Milet
interrompeu.—Maisinvestigaçõessecretas,Lionel?—questionouRandy.—Souoinvestigador-chefe,devoser
alertadodetodasasinvestigaçõesqueestãoocorrendo!—Perdoem-meporesseerro,MileteRandy,mas,porfavor,permitamqueeucompartilheoque
descobri—Lionelsedesculpou.—Asseguroquevocêsacharãomuitoesclarecedor.ComogestodeconcordânciadeMilet,Lionelcontinuou.—JuliustemidoàTerrasempermissão,
desrespeitandonossaregradequetodaviagemàTerradeveseraprovadapelopresidenteeportodososmembrosdesteConselho.AlgotãoplanejadoassimeescondidosópodeprovaraintençãodeJulius.ElequerialevartodaainformaçãosecretaparaaTerra,ondearevelariaparaserconsideradoumgênioeseridolatradocomoumrei.Ambiçãofoisuamotivação.
Vozesdispersasecoarampelasala.Osmembrosolharam-sechocadoseconfusos.— Julius, isso é verdade? — perguntou Milet. — Você tem visitado a Terra sem nosso
consentimento?Simounão?—Sim,Milet,nosúltimosdoisanos—confessouJulius.Oburburinhoaumentou.—Masdeixe-me
explicar— ele pediu, levantando-se de sua cadeira.—Como vocês sabem, eu vim paraGaiamuitojovem, quandoUlyssesme adotou de um orfanato na Terra. Durante todo esse tempo fui criado pelaprimadeUlysses,Martha,quemorreuháalgunsanos.Eusempreacrediteiqueminhaverdadeirafamíliaestavamorta.Masháexatosdoisanosminhavidaetudooqueeuacreditavasofreramgrandesmudanças.
—Por que está nos dizendo isso?—perguntouMilet.—Por que isso seria relevante para seucaso?
—Ulyssesconfessousermeupai—disseJulius.Acomoçãoentreospresentesfoiincontrolável.—Vocêestámentindo!—gritouLionel.—SouoresultadodeumrelacionamentoqueeletevenaTerracomumajovemdepoucosrecursos
financeiros. Ela não pôdeme criar eme deu para adoção— disse Julius.—Ulysses disse que nãoconseguiuviverlongedemim,entãometrouxeparaGaia,masnuncatevecoragemdecontaraninguémsobreseurelacionamentocomminhamãe;elenãoqueriacausarsofrimentoàesposaeaofilhocomsuasmentirasetraição.
—Vocêestáinventandoisso!—acusouLionelfurioso.—MinhasvisitasàTerraocorreramdepoisquefiqueisabendodaverdade—continuouJulius.—
Fui para a Terra com aprovação de Ulysses; ele encobriu minha viagem para que ninguém pudessesuspeitardenada.Tenhovisitadoregularmenteminhamãedesdeentão.
Osmembroscontinuaramfalandoentresi,eMiletfoiobrigadoaselevantardesuacadeiraparaserouvido.
— Aqui termino a sessão de hoje. Temos muito o que investigar e muitos fatos precisam serverificados. Porém, por causa das novas evidências, Julius será detido. Victor e George tambémpermanecerãonoCentrode Investigações,poraindaserempossíveisculpados, jáqueo Intensificadorapenasos incitouafazeroqueeles jáhaviamplanejado.—Elerespiroufundoantesdecontinuar.—SaraheSophiatambémaindasãosuspeitas.
—Eusógostariadeacrescentarquenuncapoderiaplanejarumcrimeepôraculpaemoutrapessoa—disseJulius.—EusempregosteidafamíliaBeckeredafamíliaKlein,todoserammeusamigos.
—Vocênemosdefendeu!Quetipodeamigoévocê?—atacouLionel.—Julius eLionel, eu jádisseque é suficienteporhoje!—Miles interrompeu.—Querodeixar
claroquefareitudoemmeupoderparaveraverdadereveladaoquantoantes.Boanoiteatodos.Albert queria mesmo correr até Julius e exigir dele uma explicação plausível, mas o tutor foi
imediatamente escoltadopara forada salaporguardas, junto a seuspais.Agindopor impulso,AlbertentãocaminhounadireçãodeLionel,eapontoudiretoparaseurosto.
—Olha,vouprovarparavocêquemeupaieminhamãesãoinocentes.Esperesóeverá!LionelencarouAlberteabaixouseudedo.—Mostre-mealgumaprovaeficareiaoseulado.Aúnicacoisaquequerorealmenteéaverdade.
Devoissoaomeupai—disseelesaindodasalaedeixandoAlbertsempalavras.
Refletindo sobre tudooque foiditona reunião,osadolescentes seguiramcomCarolinepara suacasa. A professora pôs a mesa do jantar em completo silêncio, respeitando a dor deles. O silênciopermaneceuduranteojantar.
Eradifícilnãoficardecepcionado.PensarqueJuliusestavamentindoparaelesdesdeoinícioeraprofundamentedolorosoparaAlbert.Elesesentiaapunhaladopelascostas...emumaarmadilha...masaomesmotempoeleseculpava.Comopodiatersidotãoingênuoefeitoumjulgamentotãoruimdocaráterdaspessoas?ComopodiaterconfiadotãofacilmenteemJulius?Como?Nãoimportavaagora…seuspaisjáhaviamsidovítimasdogolpedeJuliuseexplorados.Mashaviamsidocompletamentevítimas?Algodentrodelerecusava-seaacreditarque seu pai era um criminoso,mas ele não podia ignorar as palavras domédico.O Intensificador sópodiafazeralguémrealizaroque jáestavaplanejando.Seupaieraumcientista…alguémquesemprepodiaserlevadoabuscarnovasrespostasemaneirasdeajudarasociedadeaprosperarporintermédiodatecnologia.Massuacuriosidadeseriaforteosuficienteparasesobreporaseusvaloresmorais?Eleseriacapazdecolocarafamíliaemriscoapenasparasatisfazerafomedesuamentecientífica?
— Sabe… faz muito sentido!— Nicolau quebrou o silêncio.— É como peças de um quebra-
cabeça...Juliusfoimotivadoporsuaambição,porsuaamarguraeporsuainveja.—Sim,fazsentido…—concordouRuth,brincandocomorestodacomidanoprato.—Mascomo
podemosprovarqueJuliusagiusozinho,equenossospaissãoinocentes?—Há alguma chance de o relatório médico estar errado, Caroline?— perguntou Albert.—O
doutorpodeterseenganado?—Não creio— disse Caroline, tentando encontrar as palavras certas.—Um grupo inteiro de
médicosderenomeestavaportrásdorelatóriomédico.ApesardeodoutorFramonseroencarregado,elenãotirouasconclusõessozinho.
—Sabe…Estoutãoconfusocomtudoisso…—confessouAlbert.—Porquetenhoessessonhossenãopossoencontrarumasolução?Talvezo sonho fosseapenasparameprepararpsicologicamenteparaofracasso...Parecequenãohánadaqueeupossafazerparaajudar!
—TalvezvocêpossaajudarLionelemsuasinvestigações—sugeriuCaroline.—Vocêachamesmo?—questionouAlbert,bebericandoseusuco.Carolinesedebruçousobreamesa.—Vocêsqueremqueeudigaoqueestourealmentepensando?—Sim,porfavor,Caroline—pediuRuth.—OqueLioneldisseparecefazersentido,mas...conheçoJuliushámuitotempo...eleajudouamim
eameupaiemnossatransferênciaparaGaia...Seusolhossãocheiosdebondadeecuidado...— Sei o que você quer dizer— disseNicolau, o único que comia sobremesa— um pudim de
morangocobertocomsorvetedementa.—Seiquevocêsacreditamprofundamentenainocênciadeseuspais,masoqueachamdeJulius?
—perguntouCaroline.Osjovensficaramquietosporummomento,refletindo.—Achoquevocêsdeveriamseguirsuaintuição.Éminhaúnicasugestão...—continuouCaroline.
Elatomouumgoledeáguaeseurostoseiluminou.—Albert,vocênãoselembradenenhumdetalhedoseusonho?Vocênoscontoutudo,exatamentecomoaconteceu?
—Sim,eudisse tudoavocê...—disseAlbert.O interrogatórioo irritou.Averdadeeraqueeleestavacansadodaquelaconversadesonho.Nãoqueriaumdomquenãotinhanenhumautilidadealémdefazê-lo sentir-se nervoso por antecipação e frustrado por não ser capaz de decifrá-lo corretamente,quando havia vidas de outras pessoas em jogo, dependendo dele. — Eu não omiti nenhum detalherelevante—Albertjurou,enquantopassavaosrestosdoseujantarparaSabão.
—Vocêconsideraalgumdetalheirrelevante?—perguntouCaroline,intrigada.Eletentoudisfarçarsuaimpaciência.—Haviaumsomnofundodomeusonho...Masissonãofaznenhumsentido...—Oqueera?—perguntouCaroline.—Algoqueeununcaouviantes.Achoquenãoeraumapalavraporquenãoconseguiencontrarem
nenhum dicionário.— Ele tentou revolver o fundo de seu inconsciente.— O som que ficava sendorepetidosoavacomoogof...—Albertcontouaeles,esforçando-separaterminaraqueleassunto.
—Ogof?—repetiuCaroline,parecendopálida.—Porquevocênãodisseissoantes?— Do que você está falando? — questionou Nicolau, com sua colher congelada no meio do
caminho.— Preciso confirmar alguns fatos antes de dizer qualquer coisa. Não quero tirar conclusões
precipitadas.Estámuitotarde,masvoumarcarumencontroamanhãcommeunoivo—disseCaroline,saindodasalacomolhosdistantes.Osadolescentespermaneceramnamesa,olhandounsparaosoutros,preocupadoseconfusos.
TREZE
—ComoconvenceuCarolineanosdeixar faltar àescolahoje?—perguntouNicolau surpresoaViolet.
SentadonosofácomRutheNicolau,AlbertanalisavaatentamenteosmovimentoseasexpressõesdeViolet.Haviaalgodeestranhonela...elehavianotado issodesdequeelahaviachegadoàcasadeCaroline naquelamanhã, falando depressa e evitando contato visual. Parecia frágil, agitada e triste...comoele.
—EuapenasdisseaCarolinequetinhaumaboarazãoequeeladeveriaconfiaremmim...—Violetrespondeu.—Elasómefezprometerquevocêsestariamdevoltaantesdeosolsepôr.Elamencionoualgosobreseunoivo…
—Então,oquedetãoimportantevocêtinhadefalarcomagente?—perguntouAlbert.—Eutenhoumplano—começouViolet.—Eusempresoubequenãohácrimeperfeito;apostoque
ocriminosofezalgoerradoeprecisamosdescobriroqueé...—Violet,nãopodemosinvadirdenovoacasadoUlysses—Ruthainterrompeu.—Provavelmente
Randyaindaaestámonitorando.—Seidodetectordepessoas—continuouViolet,passandonervosamenteseuslongosdedospelo
cabelo. — Ontem fiquei pensando sobre o Sabão ter encontrado o pacote de ração de cachorro dechocolatequevocêsesconderam,entãomelembreideelefarejandotodososcômodosaquidacasadeCarolinequandochegou...
— Espera um minuto, você está dizendo que Sabão deveria invadir a casa de Ulysses parainvestigar?—perguntouNicolaurindo.UmolharatravessadodeVioletoforçoualevá-laasério.
—OcachorrodeUlyssesmorreuhápoucosanos,entãoháumaentradaespecialparacachorrosnosfundos.Sabãopodiausaressaentradaparabuscarpistas!—sugeriuViolet.
—MasViolet,comoSabãovaivasculharacasa?Eleéumcachorro.Elesófareja!—disseAlbert,cuidadosamente.
—Ótimo,étudodequeprecisamos!—VioletseagachouparaacariciarSabão.—Seiquepareceloucura,mas não temosmais opções.Minha ideia é simples!Vou explicar tudo a caminho do JardimBotânico.
—JardimBotânico?—repetiuRuth,confusa.—Sim,issomesmo!—disseCaroline,semmaisexplicações.
A entrada era de tirar o fôlego. Copos-de-leite cercavam um tranquilo lago verde, no qualdesaguavamduaspequenascascatas.Umapontedevidrooslevouporentreascachoeirasatéosjardinsfloridos.
Albertsentiaumafortevontadededeitar,fecharseusolhosedeixarosolevaporartodososseusproblemasenquantoeleseconcentravanosomdaáguaquecaía.Seucorpointeiropareciaseacalmarenquantoeleobservavaascercanias,longedosproblemasqueohaviamtrazidoaolocal.
Ooásiscoloridoeracortadoporduastrilhascercadasporárvoresaltas.Conformeelesescolhiamumaparaseguir,suapresençaatraiuaatençãodealgunsfuncionários,quecuidadosamentepodavamasflores.
—Talvezdevêssemosnosseparar...—sugeriuRuth,desviandooolhardeumfuncionárioqueosobservava.
—Concordo—disseViolet.—Nãopodemosdeixá-lospensarqueestamos tramandoalgo...EuvoucomAlberteSabãopelaoutratrilha...ambasvãonoslevaraomesmolugar.Dessamaneiraelesvãopensarquesomosapenascasaisdenamoradoscurtindoumpasseioromântico.—ElapegouamãodeAlberteopuxouparaooutrolado.
Àmedidaqueandavampelocaminho,passandoportulipasdediversascoresetamanhos,ocoraçãoAlbert acelerou. Como queria que eles estivessem ali em circunstâncias diferentes!Asmãos frias deViolettocandoassuaseaquelelugardetirarofôlegoodeixavamdesorientado.Ameninaaoseuladosignificavatantoparaelequeaideiadeperdê-laanestesiavatodooseucorpo.HaviagrandeschancesdeeledeixarGaiaembreve…semnemtertidoachancededizeraelaoquerealmentesentia.
—Vocênãoprecisavafazerissopornós,Violet—disseAlbert.Eleseabaixou,pegouumatulipavermelhaeacolocouatrásdaorelhadeViolet.—Vocênãodeveriacorrerriscos...
—Sim,deveria…—Violetocortou.—Vocêachaqueeuficariabemseperdessemeusmelhoresamigos?SevocêsvoltaremàTerra,nãovãoselembrardeGaia,nãoselembrarãodemim...masvouterdeaprenderavivercomadordeperdervocês....Vouficartristeporanoseanos...
—Nãoqueroesquecerseu rosto,Violet...—AlbertparoueencarouosolhosdeViolet.—Nãoqueroesquecê-la...eachoquenadanemninguémpoderiaapagarseurostodaminhamemória.
VioletfoiemdireçãoaosbraçosdeAlbert.Eleaapertouforte,tentandoprotegê-ladetodaador.Quandoelaosoltou,elelimpousuaslágrimascomosdedosebeijousuavementeseurosto.Eleestudouseurostoatentamente,tentandodecifrarseuspensamentos,masafacedelaerailegível.
—Devemosiragora…—disseViolet,recompondo-se.—Nãoqueremosfazê-losesperar...—Elasegurouamãodeleeretomouseuspassos.
Violetpermaneceuemcompletosilênciopelorestodacaminhada.Maselenãoseimportou.Nãoeranecessário,poisambosjáhaviamditoosuficiente.
Apóspassarporalgunscanteirosdefloreseárvoresesculpidas,eleschegaramaumacerca-vivacomrosasacinzentadasquepareciamassinalarofinaldocaminho.
—Ondeelesestão?—perguntouAlbert,olhandoaoredor.—Psiu,aqui!—umavozabafadaatraiuaatençãodeles.—Vocês jápularamacerca?—Violet sussurrou,certificando-sedequeelesnãoestavamsendo
observados.—Vocêsdemorarammuito!—respondeuNicolau,comseurostoaparecendopordetrásdacerca.
—Nãopodíamosficaraquiesperando...AlbertagarrouSabãonosbraçoserapidamentepassouocachorroaNicolau,queentãovoltouase
esconder. Após ajudar Violet, Albert deu alguns passos para trás para tomar impulso. Mas, quandofinalmentesaltouacerca,suapernadireitaficoupresanosespinhos.
—Tudobem,cara,euajudovocê!—ofereceuNicolau,puxandoosbraçosdeAlbertcomtodaaforça.
Aosentirosespinhoscortaremsuapele,Albertsoltouumgritoabafado.—Valeumesmo,Nicolau...—Albertironizou.—Nãoprecisameagradecer,vocêsabequeeusempredoucobertura—disseNicolau,estendendo
amãoparaumcumprimentoamigável.Albertcomeçouaexaminarosarredores.Ele tinhadeadmitirqueeraumamaneira inteligentede
chegaraofundodacasadeUlysses.Assimficavamprotegidosdavisãodosjardineiroseasnumerosas
árvoresnosfundosofereciamaprivacidadenecessáriaparaseguircomoplano.—AentradaparaoSabãoébemaqui—Violetobservou,apontandoparaumaentradinhaparao
tamanhodeumcachorronaparede.Depoisderemoverasfloresqueacobriam,elaverificouquenãoestavatrancada.
— Nossa, eu nunca teria notado essa porta se você não a tivesse mostrado! — disse Ruth,emergindodedetrásdeumaárvoreerastejandoemdireçãoàporta.
Concentrada,Violet segurouSabãono colo e colocouumpequenomecanismodo tamanhodeumbotãoemseufocinho.Sabãoolambeuporumtempinho,entãoparou.
—AgoraéhoradoIntensificadordeodores...—disseViolet,tirandoumagarrafinhaemformadeIdobolsojuntoaumbiscoito.Depoisdevirartodooconteúdodagarrafanobiscoito,eladeixouSabãocomer ametade.Aoutrametade ela jogoudentro da casa, pela porta para o cachorro.Sabão caiu naarmadilhaefoicaçaracomida.
VioletentãoampliouseuEMOeosoutrossesentaramaoseuladoparaassistiràsimagensquejáestavamsendofilmadaseautomaticamentetransmitidasporSabão.
Sabão começou sua investigação na sala, cheirando intensamente um sofá, uma planta, um tapeteverde-claroeumamesinhadecentro.Apesardeatransmissãoseremaltaqualidade,aluzfracadasalaeaformacomoSabãoandavarapidamenteemoviaacabeçanãopermitiamumavisãomuitonítida.
—Entãoéassimqueumcachorrovêomundo!—Nicolauriu.Sabãoseguiuemdireçãoàsaladejantar,ondesecertificoudecheirarcadapernadecadacadeira
que circundava amesa. Depois disso, ele decidiu verificar os cantos do armário, onde achou algunsrestos de comida. A possibilidade de ter deixado alguma comida para trás o levou a farejarcuidadosamentetodaasalamaisumavez.
—Issopoderiasermaisentediante?—reclamouNicolau.—Violet,vocênãotemporacasooutrobiscoitinhoaícomvocê,né?
Elaoolhoucomdesaprovação.— Que foi? Eu canalizo todo o meu estresse nas refeições. Eu tenho com a comida um
relacionamentobemcomplexo.Sabãosubiuaescadademadeira.NoquartodeUlysses,ocãodecidiufarejaralgumasroupasque
estavamsobreapoltrona.Areaçãodocachorroatraiuaatençãodogrupo.—Porqueeleestáfarejandoessasroupasassim?—Violetquestionou.—Elesemprefarejanossasroupas,hojenãoserádiferente...—disseAlbert.—Eagoraeleestádevoltafarejandoochão...—VioletnarrouosmovimentosdeSabão,comseus
olhosfixosnatela.—Oqueéisso?—Ruthinterrompeu,apontandoparaumaformaborrada.Osquartoamigosseapertaramparavermelhor.—Sóumchinelodebaixodacama,nadademais—disseAlbert.—Então talvez o criminoso não tenha deixado nenhum rastro...—disseViolet, frustrada como
chãolimpo.—Espere!—Nicolauexclamou.—OqueSabãoestáfazendo?—Ah,não...—Violetinterrompeu.—Nãomediga...eleacaboudesubirnacama!OslençóisazuisdacamadeUlyssestomaramatelatoda.—Sabão,vocêquermesmodormiragora?—grunhiuRuth,envergonhada.—Eleéapenasumcachorroqueadoraumacama...—disseAlbert.Estavadifícilmanterorosto
sério.Elesesentiaumtolo,vendoumcachorrovagarporumacasanaesperançadequeelenãoagissecomoumanimal,mascomoalgumtipodeagentedeforçasespeciaisemumamissãosecreta...Issoéqueeraserumtolo...—Nãopodemosesperarmuitodele...—elecontinuou,naesperançadequeosoutrosconcordassem e dessem a tentativa por encerrada. Mas ninguém respondeu. Eles nem piscavam. Os
arranhõesdosespinhospareciamardersobosoleAlbertcomeçouasesentirmal.—Olhe!—disseViolet, apontandoparaumobjeto encontradopelo focinhodeSabão.—Estou
loucaou...?—Éumcolar?Vocêconsegueaproximarmaisaimagem,Violet?—pediuRuth.Violetdeuumzoomeumacorrentinhadouradaquebradacomumpingentepreencheua tela.Eles
agorapodiamveraimagementalhadanopingente:umdragãocuspindofogo.—Albert,essafiguraéidênticaàqueledesenhoqueaIsadoranosmandou—lembrou-seRuth.Albert assentiu. Ele não conseguia acreditar que o cachorro acabava de provar que ele estava
errado.—Atéondeeusei,éumsímbolobemantigo...—disseViolet.—Minhamãemantémregistrode
documentosilegaisparaoConselho.Umdia,quandoeuentreinoescritóriodelaeelaestavaexaminandoalgunsarquivos,eumelembrodetervistoexatamenteamesmaimagem...
—Entãoéilegal?—perguntouNicolau.—Ésim—Violetconfirmou.—Quandopergunteiaelasobreisso,eladissequeosdocumentos
eramconfidenciais equeelanãopodiaentrar emdetalhes,masdissequeerauma imagembanidaemGaia,umsímbolodepreconceitoeódio.
—AcorrenteprovavelmentepertenciaaosarquivossecretosdeUlysseseocriminosodeixoulá—Albertconcluiu.
— Não podia pertencer aos arquivos de Ulysses — disse Violet. — Documentos banidos econfiscadosnãoficamcomopresidente,eUlyssesnuncateriaessetipodecoisa.Elesemprefeztudooquepodiaparapôrfimàdiscriminação...
—Achoquechegamosaumaconclusão:ocolardevepertenceraocriminoso—disseNicolau.—Mascomovamospegá-lo?Nãopodemosentrarnacasaparaisso!—suavozficoumaisaltaeelefoisilenciadopelosamigos.
—Nãoprecisamospegarocolar…—cochichouViolet.—Sóprecisamosinvestigarquempoderiaserodono.
—Eparecequejátemosumapista,certo?—Nicolauacrescentou.—Eumepergunto como Isadora conheceo significadodessa imagem... ébemestranho—disse
Violet.—Acho que sei onde deveríamos ir para investigar...— disse Ruth, sacudindo as folhas secas
grudadasemsuasroupas.—PrimeiroprecisamosdaraSabãoummotivoparasairdacasa—disseViolet,colocandoração
dechocolatenaentrada.PeloseuEMO,elesviramSabãofarejandoatentamenteesaindodoquarto.—Sintomuitonãopoderircomvocês...Minhamãeachaqueestounaescolaeprecisovoltarparacasaatempo.
—Vocêjáajudoumuito,Violet.—Ruthabraçouaamiga.—Agoraéhoradeusarmeudom...—Oquevocêestáfalando?—questionouAlbert.— Bem, seu dom o alertou sobre tudo isso, Albert. Agora espero que meu dom possa ser útil
também…—disseela,semmaisexplicações.
QUATORZE
O sol estava baixo no céu.O vento frio avermelhava seus rostos, tornando a espera aindamaisdesconfortável. Pormais de umahora, eles ficaram totalmente alertas, buscando seu alvo.Talvez nãotivesse sido tanto tempo assim, ponderou Albert. Sua ansiedade provavelmente havia alterado suapercepçãodetempo.Elesesentiaumcriminosoescondidoatrásdeoutraárvorenogramadodaescola,massabiaqueascoisaspodiamfacilmentesairdecontrolesealguémosdescobrisse.ObservaraquelesrostosfamiliaressaindocomalegriadaescolatornavaAlbertaindamaisinfelize,porummomento,eleos invejou.Nãosuasvidas,masa ingenuidadeeacompletaconfiançaqueeles tinhamnosoutros.Elepensoucomtristezaque,independentementedosresultadosdosacontecimentosrecentes,elenãoousariaseabrirassimnovamente.
—Nossoalvoestásozinho—relatouNicolau,deitadonochãoeusandoseuEMOcomoumpardebinóculos.Elepareciaestargostandodesuatarefa.—Issocertamentetornaascoisasmaisfáceisparanós.
—Porfavor,fiquemaquivocêsdois—ordenouRuth.—Euprefirofazerissosozinha.—Tem certeza?—Albert sussurrou para Ruth. Apesar de confiar no plano inspirado dela, ele
sentianecessidadedeprotegerairmãmaisdoquenunca.—Sim...Ulyssesdissequeaspessoassãosincerascomigo...Entãovouterdeconfiarnisso...—
disseRuth.—Váagora!—disseNicolau,acenandoloucamente.Ruth saiu detrás de uma árvore e se tornou visível, caminhando ao lado de Phin. Após alguns
passos,Phinparou,surpreso.—Ei!Quebomvê-la...Euestavapreocupado...—eledisse,analisandoorostodeRuth.—Como
estáindo?—Estoubem,apenastentandosobreviver...—respondeuRuth,olhandoparaochão.—Háalgoqueeupossafazer?—eleperguntousolidário,colocandoamãonobraçodela.—Naverdade,sim—disseRuth,reunindocoragem.—Precisodeumainformação...Euesperava
quevocê...—Oqueé?Podefalar!Ruthrespiroufundo,decidindoirdiretoaoponto.—Quandomeupaifoipreso,Isadoramemandouumafotodeumdragãocuspindofogoe...—EcomoeunamoravaaIsadora,vocêacha...—Phinainterrompeu.—Bem,nãopossocontarcomaajudadeIsadora...—Rutholhouparaosolhoscinzadele.—Ela
játinhamostradoavocêantes?— Não... não tinha... — disse Phin, afastando os olhos do olhar de Ruth, mas sem conseguir
disfarçarcertarelutância.—Masvocêjáviuesseretratododragãoantes?—elainsistiu.—Não...nãocomela…
Elaapertouamãodele.—Phin, não vou trazer problemas pra você, prometo...Mas, por favor, essa informação émuito
importante…Vocêsabealgumacoisasobreisso?Qualquercoisa?—Maisoumenos...Querdizer,jáviodragão,masnãocomIsadora—elehesitou.—Ondevocêoviu?—questionouRuthcomolhosinquisidores.Phinsuspirou,entãoolhouaoredorparasecertificardequeelesnãoestavamsendoobservados.—Umanoite,quandoeuestavajantandonacasadaIsadora,opaidelaseinclinouparasesentare
umacorrentinhaqueeleusavasaiupordetrásdesuacamisa...eleaescondeuimediatamente...maseuviopingente...
RuthrapidamentepassouseuEMOparaoPhin.—VocêpodemedizerseeraesteocolarqueLionelusava?—elaperguntou,mostrandoaelea
imagemquehaviasalvado.Phinsegurouoequipamentoeanalisouafotoporalgunssegundos.—Éidêntico...—ele fezumapausa,semsabersedeveriadizermais.Ruthencontrouseuolhar,
tentandoafastarsuasdúvidas,egarantiraelequenãohaviarazãoparaeleesconderqualquercoisadela.—Eu...pergunteiaIsadoraalgunsdiasdepois...sobreosignificadodocolar...—elecontinuou.—ElamedissequeeraosímbolodapopulaçãoperfeitadeGaia.
—Populaçãoperfeita?Elanãodissemaisnadaavocê?—Ruthinsistiu.—Não,elasódisseisso—garantiuPhin.—Queestranho…—Elapegouoequipamentodevolta,encolheu-oeocolocounobolsodeseu
jeans.—Bem,muitoobrigada,vocêajudoumuito...Precisoiragora...—disseRuth.Conformeelaseviravaparapartir,Phinaparou,pegandosuamão.
—Tenhopensadomuitoemvocê,desdenossoúltimoencontro...—dissePhin,puxandoRuthparamaisperto.—Euadorariajantarcomvocêdenovo...
— Me desculpe, mas… minha vida está de pernas para o ar agora... — disse Ruth, tentandodisfarçaradoremsuavoz.
—Eusei,esintomuitoportudo...—Eleacaricioulevementeamãodela.—Esperoquetudodêcerto.
Ruth deixou alguns segundos passar, permitindo-se perder-se nos olhos dele. Então colocou umamãonopeitodeleeobeijouafetuosamentenorosto.
—Obrigada—eladissebaixinho,soltandosuamãodoapertodeleeseafastando.DepoisdeolharsobreoombroparaconfirmarquePhintinhaidoembora,Ruthvoltouparaaárvore
ondeAlbert,NicolaueSabãopermaneciamescondidos.Entretanto,elesnãopareciamnotarapresençadela.
—Háalgodeerrado?—elaperguntou,notandoqueosolhosdelesestavampresosnateladeseusEMOs.
—Estávamoslendoasnotícias…—disseAlbertsemânimo.—ParecequeJuliusacaboudetentarescapar...
—Oquê?—Ruthseabaixouparaolharparaosequipamentosdeles.— Ele alega que isso não é verdade... mas é difícil negar os fatos, certo? — disse Nicolau
acariciandoSabão.—Onoticiárioestádizendoqueasautoridadesagoraestãomaisconvencidasdaculpadele...—
comentouAlbert.Ruthseapoioucontraaárvore.—Nãoseioquepensar...Agoraestouaindamaisconfusa...—Porquê?OquePhindisse?—questionouAlbert,curioso.—ContotudonacasadaCaroline…jáestánahoradareuniãoqueelamarcoucomseunoivo...
Carolinehaviapreparadoumasurpresainteressante.Quandoelesentraramnasala,umalevebrisaosrecebeuatravésdaluzfraca.Conformesentiamospésafundaremnaareiaclara,quesubstituíaochãoduro,eles imediatamentenotaramocheirodemareosomdasondasmisturadoaocantodascigarras.Sabãoinstantaneamentecomeçouauivarecorreremcírculos.Entãoparouparaescavaraareia.
Osofádasaladeulugaracincocadeirasdepraiaquecirculavamumabandejadeprataflutuanteeemchamas.
—Fogueira!—exclamouRuth,admirandoapreparaçãodeCaroline.—É,imagineiquevocêspudessemestarsentindosaudadedecasahoje,então...esperoquecurtam!
—disseCaroline,levantando-sedesuacadeira.—Éincrível!—Nicolaucorreuparasentarpertodofogo.—Nicolau,ondeestásuaeducação,cara?—Albertrepreendeuoamigo.—Éumprazerconhecê-
lo—eledisse,estendendoamãoparaonoivodeCaroline,queestavaparadoao ladodela,comumsorrisoamistoso.
—Prazeremconhecê-lotambém,souAdam—eledisse,comumforteapertodemão.Seucabelocastanhonaalturadosombroscaíasobreosolhos.
—EntãovocêéonoivodaCaroline!—disseRuth.—Elaestavafalandotodaorgulhosadevocêoutrodia...
—Émesmo?—perguntouAdam,comumsorrisotorto.— Claro, tenho muito orgulho de você!— Caroline beijou Adam no rosto.— Estou feliz que
estejamostodosaqui,euestavaficandopreocupada!—Bem,foiumlongodia...—Ruthsuspirou,esfregandoasmãosjuntodofogo.—Vamoscontar
tudoavocês...masprimeirovamosaproveitarafogueira!OcalortrazidopelaschamaseraexatamentedoqueAlbertprecisavanaquelanoite.Aquiloofazia
de fato relaxar e respirar profundamente, aliviando a pressão que caía sobre ele. A lua sobre o tetotransparenteolembravadosciclosdavidaedecomotudoeratransitório.Osacontecimentospodiamternovosrumos,certosfatospodiamternovasinterpretaçõeseasverdadeirascoresdaspessoaspodiamserreveladas.Avidaseriasempreimprevisível,eotempoiriaprovarisso.Elesabiaqueeraapenasumaquestãodepaciênciaeperseverança.
Saboreandomarshmallowscomchocolateebebendoumcháquentee forte,eles ficaramsabendomaissobreonoivodeCaroline.Adameradaquelaspessoascujapaixãopelavidapareciatransbordar.Eleconquistavafacilmenteaatençãodeumgrupocomsuashistóriasvisuaisecativanteseaspalavraserampronunciadascomosetivessemsidoescolhidasespecialmenteparaaocasião.
Definindo-secomoumhomemqueadoravaencontraraverdadeportrásdosfatos,Adamconfessouquehaviaherdadoessapaixãodeseupai,quegostavadedissertarporhorassobreopassadodeGaiaedaTerra,motivandoseusestudosdehistóriasmisteriosasecontrovérsias.
O carisma e a eloquência de Adam fascinavam o jovem grupo e um vínculo se estabeleceurapidamenteentreeles.Comolhosatentos,eleescutouAlberteRuthnarraremoquehaviamdescobertonaqueledia.Quandoterminaram,Adamseinclinouparaafrentenacadeira;seusolhosbrilhando.Levoualgunsminutosparaelefinalmenteresponder.
— Estou muito impressionado com a investigação de vocês... — disse Adam, olhandoprofundamentenosolhosdeles.—Émuitoincrível...
—Vocêssearriscaramdemais!—reclamouCaroline.—Masforammuitocriativoseespertos...Eunãopoderiaestarmaisorgulhosa.
—Não importa agora, após as últimas notícias sobre Julius... Pelo visto, estávamos seguindo atrilhaerrada...—Ruthdesabafou.
— É, ouvimos a notícia sobre Julius... As coisas estão feias para o lado dele... — Carolineconfirmou.
—Masoqueaconteceu?Comoeletentouescapar?—Ruthquestionou.—Parecequeelefingiuestartonto,caindonochãoenquantoconversavacomoinvestigador-chefe
—disseCaroline.—Randyachouqueeletinhadesmaiado,entãoseabaixouparaajudá-lo,masJuliusoacertoueodeixouinconsciente.
— Uau! Eu não sabia que Julius tinha habilidades de um ninja profissional!— Nicolau riu daprópriapiada,enquantocolocavachocolatederretidoemumafatiagrandedepãoeatostavanofogo.
Carolineignorouocomentário.—JuliusagarrouoEMOdeRandyecolocounaparedeparaquepudessesairdasala.MasRandy
recuperouossentidosbemnahoradeevitarqueelefugisse.—Agora ele está em apuros…—Adam concluiu.—Randy fez uma declaração de que estava
tentandoprovarainocênciadeJulius,masagorahaviaaprendidoqueJuliusnãoeramaisaquelapessoaemquemeleconfiouantes.RandydissequeosolhosdeJuliusestavambemabertosquandoeleoatacou,cheios de ódio, e seus dentes estavam cerrados. Ele disse que tentaria seguir com uma investigaçãoimparcial,apesardesuadecepção.
—OsinvestigadoresagoraestãodizendoqueessetipodecomportamentooslevaaacreditarqueJuliustenhaumdistúrbiomental—acrescentouCaroline.—Onoticiárioestáexplorandoessateoriaaomáximo.
—Issoestáficandomuitoesquisitoparaomeugosto…—Albertpensouemvozalta.—E quer saber o que é aindamais estranho,Albert?—Caroline fez uma pausa, criandomais
suspense.—Eu convideiAdam para que explicasse o significado da palavra que você ouviu no seusonho...Ogof.
—Osignificadoestábemnasuafrente—Adamdisse,deixandoAlbertintrigado.—Nãosoumuitobomcomenigmasemetáforas—confessouAlbert,meioimpaciente.—Estáliteralmentenasuafrente—disseAdam,comumsorriso.Albertrefletiuporummomento,enquantopegavaoutromarshmalloweoespetavanapontadeum
longogarfodemetal.Enquantooobservavaficargradualmentedourado,aideialheocorreu.—Ogoféfogoaocontrário…Querdizer,éosomdapalavraaocontrário—Albertdecifrou.Adamassentiu.—Enãoapenasisso.Ogofétambémonomedeumvelhosímbolo:oDragãoOpulento.RutheAlbertpararamdecomereolharamumparaooutro.Nicolauengasgou,etevedecuspirum
pedaçodepãonofogo.Adamentãocontinuou.—Osignificadoportrásdissoésimples:representaapurificaçãoracialpormeiodofogo.—Purificaçãopormeiodofogo?—repetiuRuth,esperandomaisexplicações.—O fogo destrói, mata, simboliza aniquilação— disse Adam, jogando um pedaço de pão nas
chamaseobservando-odesaparecer.—Ofogoéoúnicodosquatroelementosquepodeserproduzidopelohomem.OdragãorepresentaodefensordaraçadeGaia,quedevedarumfimemtudoeemtodosquesãodanososaobem-estardessasociedadepura.
—Essedragãodatado tempodeAtlântida,quandomísticose sonhadoreseramodiadosevistoscomo uma influência corrupta e desgraçada por um grupo extremista, os criadores do simbolismo doOgof—acrescentouCaroline,segurandoSabãonocolo.
—Duranteessaépoca,místicosdaciênciasecretaeramseualvo—disseAdam.—AscoisassómudaramquandoosonhoquepreviaodesastrefinaldeAtlântidafoiconfirmado.
—EntãoessegrupoterminoupoucoantesdechegaraGaia?—perguntouAlbert,quasesegurandoofôlegoparanãoperdernada.
—Não,oclãcontinuou…mascomoutroalvo.OsEscolhidos—disseAdam,fazendoogrupoderepenteperderoapetite.—Quandoosistemadeimigraçãocomeçou,anosdepoisqueapopulaçãohaviase mudado para Gaia, algumas pessoas se opuseram. Achavam que Gaia deveria seguir seu próprio
caminho.—MasessegrupodepessoasnãoatacouosEscolhidos,certo?—perguntouNicolau,tentandose
lembrardosrumoresquehaviaouvidoantes.Nadapareceratãosério.—Não, não atacou—confirmouCaroline.—Excetoporumaminoria extremista...Vocênão se
lembradealgumashistóriasassustadorasnosnossoslivrossobreosEscolhidosdesaparecidos,Nicolau?OsolhosdeNicolauseesbugalharam.—Sãoverdadeiras?Adamprendeuacanecaentreasmãosebebeulentamentesuabebida,comoseelapudesseajudá-lo
aescolheraspalavrascertas.—OclãOgofemergiuparaterminarcomaimigraçãoealigaçãoentreTerraeGaia;elestornaram
avidadosEscolhidosimpossívelduranteseusprimeirosdiasemGaia,fazendotudooquepodiamparaconvenceroscandidatosadesistirem—disseAdam.—Atécometendocrimes...Sempreouvimosdizerquepormaisdedois séculosnãoocorrenenhumcrimesérioemGaia...Sabeoqueaconteceuhá200anos?QuasemetadedasfamíliasEscolhidasdesapareceusemdeixarvestígios...oclãtambémagiuparaapagarqualquerinformaçãosobreAtlântidaeGaiaqueaindapudessehavernaTerra.
—AlgunsdescendentesegípciosdeAtlântidanãoqueriamqueahistóriada ilha fosseesquecidaapóssuamorte—Carolineexplicou,enquantoacariciavaasorelhasdeSabão.—Entãoelesconstruíramcâmaras secretas para esconder registros sobre Atlântida, escritos em código de papiro. Elesacreditavamque,seumapessoafosseinteligenteosuficienteparadescobriracâmara,elamereciasabersobreAtlântida.
—MasosmembrosdoOgofnãopodiamtoleraraideiadealguémnaTerrasaberaverdadesobreAtlântidaeGaia—continuouAdam.—ElessaquearamastrêsmajestosaspirâmidesdeGizée,muitosanosdepois...—Adambalançouacabeça,seusolhoscheiosdeindignação.—Elesdestruíramumadasmaravilhasdomundoantigo...aBibliotecadeAlexandria!
—Vocêestádizendoqueforamelesqueaqueimaram?—questionouAlbert,visualizandoemsuamenteacenacomosefosseumfilme.Elepodiaverumpequenogrupobemcoordenadocomtochasnasmãos,colericamenteateandofogonabibliotecaduranteamadrugadaerindoameaçadoramenteenquantoaviavirarcinzas.
Adamserviumais chápara si eparaCaroline, acrescentandoumpoucodemelnabebida, e, emseguida,degustou-acalmamente.Sualongapausafoirecebidacomimpaciênciapelogrupodejovens.
—Para ter amaior emais importante biblioteca da época, os coordenadores tiveramuma ideiaaudaciosa: cada navio que aportasse em Alexandria seria inspecionado— explicou Adam, como sedesse uma aula.— Se eles encontrassem qualquer obra escrita no navio, exigiam que o proprietáriofornecesseumacópia.Emmuitoscasos,acópiaoriginaleraconfiscada.Dessaforma,váriosdocumentossecretosqueestavamsobpossedeAtlântidaterminaramnasmãosdoinspetordasdocasdeAlexandriae,consequentemente,forammandadosparaabiblioteca.
—Então não é uma coincidência que a população na Terra não saiba sobreAtlântida, só tenhaouvidoboatos...—Nicolaususpirou.—VocêachaqueUlyssesfoivítimadelestambém?
Adambalançouacabeça.—Nãoachoqueelefoialvo.OgruponãoqueriamatarUlysses,masforjarumrouboeculparos
Escolhidos.—Masporque,detodososEscolhidos,apenasnossasfamílias?—questionouRuth.—A decisão não foi pessoal—Adam opinou.—O grupo tinha planosmaiores, não apenas a
prisãodeseuspais;elesplanejavamincitarapopulaçãotodaaeliminaros imigrantesdeumavezportodas.
—EntãotodasasevidênciasnoslevamacrerqueLioneléummembrodoclã,certo?—concluiuAlbert.
—Issomesmo—Adamconcordou.—TalvezJuliustambémsejaummembrodoOgof—sugeriuRuth.—Nãopodemosesquecerquea
atualinvestigaçãoindicaqueJuliusestavanacasadeUlyssesnanoitedocrime...comonóspodemostercertezadequeelenãousavaumacorrentecomoadeLionel?
—MasJuliuséumEscolhido...—respondeuNicolau,confuso.—Sim, ele é,mas talvez se arrependa—disseRuth.—Talvez ele se ressinta de alguém tê-lo
tiradodaTerra,paralongedesuamãe,levando-oaumnovoplanetaeparaumavidaqueelenãoqueria.Talvezelenaverdadeodeieosistemadeimigraçãoeoquefezcomele,eporissoqueriadestruí-lo.
Ogruporefletiuporummomento,enquantoobservavaSabãodormindosobasmãosdeCaroline.AshipótesesdeRuthcombinavamtodasaspossíveispistasqueeles tinhamefaziammuitosentido.Juliuspodia tê-los usado desde o início para atingir seu objetivo. Podia ser essa a razão pela qual ele seofereceu para ser patrono do programa de seleção deles e tutor pessoal de seus pais. Ele só estavafazendoumjogocruelcomeleseesperandoomomentocertodeagir.
Ruth podia ter resolvido omistério,Albert percebeu.Mas, aomesmo tempo, ele ainda se sentiaacabado.Apesarde terciênciadequeprovaraculpadeJuliusnãosignificavaprovara inocênciadeseuspais,eleimaginavaqueanovadescobertafosseaomenosforneceraelealgumtipodeconfortoporestarnatrilhacerta.Emvezdisso,eleestavaaindamaisangustiadoedividido.
—Estátudobem,Albert?—perguntouCaroline,trazendo-odevoltadeseutranse.— Sim, só estou tentando entender…—Albert começou.— Como alguém pode ser tão frio e
insensível? Como as pessoas podem usar as outras para atingir seus objetivos, não importa quantasmentirastenhamdeespalharequantasvidaspossamarruinar?—Albertnãoconseguiaesconderaraivaemsuavoz.—Nãoimportaoqueaconteça,achoquenuncamaissereiamesmapessoa.Nãoseinemsevousercapazdeserpróximodealguémcomoeucostumavaser...tudoissoqueocorreuconoscomefezverqueeunãopossoconfiartotalmente...Nãopossosimplesmentedeixaralguémentrarnaminhavidaepermitirquemefaçadetoloassim.Elespodemnosesmagarsemhesitaçãoouremorso…
CarolineselevantoudacadeiraeabraçouAlbert.— Ei, por favor, não pense assim... Não deixe ninguém mudar a bondade e a sinceridade que
existemdentrodevocê...SabãoseguiuCarolineemostrouseuafetolambendoorostodeAlbert.—Elaestácerta—disseAdam,abaixandosuacanecaeolhandoAlbertnosolhos.—Aspessoas
podem ser muito complicadas. Algumas são endurecidas pela vida, ficando amargas e vazias... Éestranho, mas algumas podem encontrar prazer na dor dos outros…Mas algumas podem se tornar amelhor parte da sua vida, elas confortam você e podem trazer felicidade sem pedir nada em troca.ApenaspergunteaCarolinequantoelaamavocês, trazendo-os todosaquiparaacasadelae tentandoprotegê-los... Pense emViolet e no quanto ela arriscou hoje só para ajudar vocês.Não importa ondevocês estejam, vão encontrar diferentes tipos de pessoas; o importante é não deixá-las definir quemvocêssãoesemprelhesdarobenefíciodadúvida,sepermitindoconfiareserdeconfiança.
—Sabe,temalgoqueestámeincomodando...—interrompeuCaroline.— Lembram quando Nicolau esbarrou em Lionel no Centro de Investigações e sua pasta caiu?
Algumdevocêsviuoquehaviadentro?Étãoestranhoveralguémcarregandoumapastaaqui...—Eunãovinada…EusóajudeioNicolau...—Albert respondeu.—Masmelembrodequea
Ruthpassoualgoaele,certo?—Tudo aconteceumuito rápido…—disseRuth, voltando àquele dia.—Lionel nãomedeixou
tocaremnada.EusóconseguipegaragarrafinhadeIntensificadordele,eelepraticamenteaarrancoudaminhamão.
—Intensificador?QuetipodeIntensificador?—perguntouCarolinecomumaexpressãoséria.—Eraumavermelhado.Eledissequedavapaciênciaaele—respondeuRuth.
— Opa! Acho que encontramos outra pista… — Adam exclamou, enquanto ele e Caroline seviravamumparaooutro.
—Comcerteza!—Carolinesorriudevolta.— Intensificadores são sempre azuis—Adam explicou.—As amostras que não são aprovadas
após o período de testes são deixadas em contêineres vermelhos e não podem ser distribuídas. SãodevolvidasaoCentrodeInvestigaçõesporsegurança.
— Acontece que pouquíssimos Intensificadores foram rejeitados recentemente — continuouCaroline.—Eporacasoumdelesfoiencontradonosanguedeseupai.
—EntãoporqueLionelestariadepossedesseIntensificador?—Ruthquestionou.— É uma boa pergunta… e tenho certeza de que ele não tem uma boa resposta para isso, do
contrárioelenãoteriamentidodizendoavocêqueeraparapaciência.—EsepedirmosaoRandyparaanalisarasmemóriasdeLionel—Nicolausugeriu.—Lioneléperfeitamentecapazdecontrolarseuspensamentos,assimcomoJulius…—respondeu
Adam.—Aúnicaformaseria…Adamselevantoudacadeirasemterminarafraseecruzouasalacompassosrápidos.—Oquê?—perguntouAlbert,quasegritandoparaserouvido.Adamgritoudevoltasobreoombro.—Fiquemaí,nãoimportaoqueaconteça!Esperomesmoqueissofuncione.
QUINZE
Adam caminhou rapidamente pelo chão de cascalho, sentindo adrenalina sendo jorrada em suasveias.Apenasobarulhodeseuspésesmagandopequenaspedrasnocaminhoperturbavaseufoco.Elehavia estado naquele mesmo local algumas vezes antes, quando queria ficar sozinho, a milhas dedistânciadacivilização.Ocontatocomanaturezaàsvezeseraaúnicaformadeelerelaxareternovasperspectivasemmomentosdesafiadores.Eletentavaseconvencerdequeestarláànoitenãoeramuitodiferente de visitar durante o dia, mas, conforme a vegetação ficava mais densa e inúmeras árvoresbloqueavam sua vista, ele foi forçado amudar de ideia.Ajustou seu traje para cobrir o rosto do frioagudoe fezseussapatosbrilharempara iluminarseuspassos,maseradifícilnãoseperdernoescurodesconhecido.Logoocascalhofoisubstituídopelochãomolhadoeosomdeanimaisnoturnospreencheuoar.
Apósmaisalgunsminutosdecaminhada,Adamchegouaopontopretendido:umaclareiraàbeiradeumacachoeira,cercadaporárvoresgrossaserochasaltas.Eleescolheuumarochalisaesesentou,jásemfôlegoecansado.Opiodeumacorujaprovocouarrepiosnele.Maselenãoeraotipodepessoaqueserendiaaseusmedos.Naquelanoiteeletinhaumateoriaaprovar.
Seuconvidadoestavaatrasado,eaesperacomeçavaaperturbá-lo.Elesabiaqueseuplanohaviasido de última hora, não havia dedicado tempo nenhumpara solidificar sua estratégia,mas não haviamuitoparapensar.Suaestratégiaerasimples,tiradadeseujogofavoritodecartas:Blefe.
—VocêéAdam?—umavozgritouportrásdeumaárvore.—Sim,soueu—eleconfirmou,tentandomanter-secalmo;sesuasemoçõesassumissemocontrole,
asconsequênciasseriamdesastrosas.Encarandoa facedeLionel,eleajeitousuas roupaspara revelarseurosto.
—Recebisuamensagemparavirencontrá-loaqui—disseLionel,mantendoumadistânciasegura.—Oquevocêquermedizersobreamortedemeupai?
—Chegadehipocrisia,Lionel—Adamretrucou.—Nósdoissabemosnoquevocêestáenvolvido.—Nãoseidoquevocêestáfalando.Aparentemente,perdimeutempovindoaqui—disseLionel,
virando-separapartir.—Não se preocupe, Lionel, seu segredo está seguro comigo. Eu só quero conversar com você.
Comovocêsabe,seuEMOirianotificá-loautomaticamenteseessaconversaestivessesendogravada—Adamlembrou-o,fazendoLionelparar.—Deixeimeuequipamentoemcasa.
LionelestudouAdampormaisalgunssegundostensos,entãofranziuatesta.—Nãotenhonadaavercomisso...— Sua intenção foi apenas encenar um roubo— Adam o interrompeu.— Pondo toda a culpa
naquelesEscolhidosinúteis...infelizmente,Ulyssesacabousofrendoumataquecardíaco.Quempoderiaimaginarquenaquelanoiteseupainãoestavaemumsonoprofundo,certo?—AdamtinhaatotalatençãodeLionel.—Euovenhoseguindoháalgumtempo,Lionel.Precisavaconfirmarminhassuspeitas.VocêéolíderdoclãOgof.
—Issoestáextintoháanos!—Lionelgritoudevolta.—Nãotentemeenganar…—disseAdam,comumsorrisoirônico.—Seiosuficientesobreseu
grupo.Meusancestraiseramantigosmembros.Vimaquiparapedirquevocêmeaceite.—Vocêdeveestardebrincadeira…—Lionelsorriudevolta.—Ou vocême aceita como um novomembro, ou conto ao Conselho toda a verdade—Adam
ameaçou.Lionelapertouosdentes,eentãoriu.—Queverdade,Adam?—Vocêeseuclãtinhamoplanoperfeitoparaterminarcomaimigração—disseAdam,semfôlego.
—Primeirovocê fezVictoreGeorge tomaremoIntensificadorproibido,paraquepudesseexplorararaivaeafrustraçãodeles...
—FoiJuliusquemfezisso,nãoeu!—Lionelinterrompeu.—Sério?—perguntouAdam,fazendoumapequenapausaparacriarumefeito.—Então,comoeu
tenhofotosoriginaisdevocêderrubandoumtubovermelho?OrostodeLionelsecongelouaoescutarafrasedeAdam.—Fotos?—elerepetiu.—Não ajo sem evidências.—Adamdeu de ombros.—Com ajuda do Intensificador, você fez
VictoreGeorgeficaremconfusoseextremamenteirritados,paraquefossemàcasadeseupaiverbalizarsuasreclamações.Eratudooqueelesqueriam:reclamarcomUlyssessobresuasvidas.Obviamente,oIntensificador não poderia forçá-los a cometer o crime, já que seria contra os verdadeiros princípiosmorais deles.Masnadadeteria seuplano—Adamconcluiu, reunindo coragempara soltar suamaiorsuposição, que poderia por tudo a perder.— Você confiou no seu conhecimento de acupuntura pararesolverasituação,deixandoGeorgeeVictorinconscientesnasala,semlembrançaalgumadecomoeleshaviamchegadolá.
Nosilêncio,tudooqueAdampôdeouvirfoiorugidodacachoeiraatrásdele.Eleseperguntavasehaviaavaliadoerrado...Talveztivesseidolongedemais.
—Acupuntura?—Lionelexplodiuemumarisada.Adam sabia que não podia recuar; precisava aparentar completa autoconfiança.Ainda havia uma
pequenachancedequenãoestivesseerrado.AsmãosdeLionelformavampunhoscerrados;elepareciaincapazdecontinuarsegurandosuaraiva.
—Ulysses não usava nada para proteger seus documentos. Ele confiava na bondade inerente decadagaiano.Envenenarseusprópriospapéisseriacontratudooqueeleacreditava—Adamproclamou.Algo nos olhos deLionel confirmava que ele estava chegandomais perto.—Você não queria deixarnenhumvestígioparatrás,equalquerquímicacapazdenocauteá-losseriafacilmentedetectadaemtestesdesangue.PorserummembrodoConselho,vocêdeveserumespecialistaemacupuntura.
—Você temumagrande imaginação—Lionel respondeu,mas a hesitação em sua voz deumaismuniçãoaAdam.
—Tudooquevocêfeznaquelediaeupraticamentevicommeusprópriosolhos—elecontinuou,sentindo-secadavezmaisconfiante.—Euprecisavasabermaissobreoclã,entãoacabeiinstalandoumacâmera escondida noquarto de seu pai, há algunsmeses.Era essencial para que eu descobrissemaissobrevocê.
LionelavançouemdireçãoaAdamcompassospesados.Parouapoucoscentímetrosdorostodele.—Vocêesperaqueeuacreditenisso?—elequestionou.Adamnãoiaseintimidar;emvezdisso,jogouumaúltimabomba.—Porsinal,vocêperdeuumacorrentinhadedragãoduranteumabrevelutacomseupaiapósele
tervistooprópriofilhoroubando-o...umalutaqueculminouemseuataquecardíaco?Lionel agarrouAdampela camisa e pareceu olhar através dele.Ele puxou seu braço para trás e
Adaminstintivamentefechouosolhos,esperandoosoco.Masnãoveio.QuandoAdamabriuosolhos,respiroufundo,aliviado.RandyestavasegurandoamãodeLionel,noalto.
—Adamme pediu que participasse desta reunião— disse Randy.— Espero que você não seimporte.
—Obrigado,Randy.—AdamsesoltoudoapertodeLionel.—Esperoquevocêtenhachegadoatempodeouvirtudo...
—Certamenteouvi—Randyconfirmou.—Entãomediga,Lionel...étudoverdade?OsolhosdeLionelencontraramosdeRandy,semvacilarpornenhummomento,nempiscar.Adam
estavapreparadoparaumadesculpafrívola,ouumamentiraaudaciosa.MasnãoparaosorrisolentoesombriodeLionel.
—Então, ele pediu para que você viesse aqui?—Lionel questionouRandy, com um sorriso seabrindo.—Queriaarmarumaemboscada?
—Nãoéadorável?—RandybateunascostasdeAdam,enquantoeleeLioneltrocavamumarisadaressoante.—Fiquetranquilo...Darioestáaqui.
Enquanto Adam buscava uma explicação, viu uma figura robusta tomar forma na escuridão,conformeasroupasdohomemeramtrocadasdopretoaoverde,comoumcamaleãogigante.“Háquantotempoeleestavaescondido lá, eporquê?”,Adamseperguntou.Ascoisasnão seencaixavam,eumaondadepânicotornouaindamaiscomplicadoparaeleprocessarasituação.
Ohomemseaproximoulentamente,comoseestivessegostandodaconfusãocriada.Adamrevirouseucérebro.
—Deondeeuoconheço…?—eleperguntou,reconhecendoohomemlevementeatarracado,compelebranca,cabeloenroladoegrandesolhosredondos.
—SouDarioWalf—ohomemrespondeusecamente.—SoupresidentedoCentrodePesquisasEspaciais.Mastambémsoubemconhecidoporoutracoisa…
Adamnãotevetempodereagir.Teveasensaçãodequeumarochagigantehaviaacertadoseucrânioedesabou.
—Ninguém tem um soco como o Dario!—Randy elogiou seu amigo, que sorriu com orgulho,admirandooprópriopunho.
—Adam…AdamOak…—LionelagarrouocabelodeAdameopuxoudejoelhos.—Comoumidiotacomovocê,noivodeumagarotaEscolhida,podemedesafiar?
—EleénoivodeumaEscolhida?—perguntouDarioemvozalta.—Randynãomecontouisso!Adamrecebeuoutrosoco,voltandoaochão.Entãosearrastouparaselevantar,recusando-seaser
humilhado; seu nariz sangrava gravemente e suas pernas tremiam. Em resposta, Dario preparou seupunho.Adamseabaixouemantecipação.Risadasdezombariaecoarampelaclareira.
—Comovocêpodesermembrodesseclãnojento,Randy?—Adamexplodiu.—Nãoousefalarassimdonossoclã!—Randyretrucou,socando-onamandíbula.Entretanto,desta
vezAdammanteve-sefirme,ignorandoador,elançandoumolhardepenaaeles.— Vocês vão se arrepender profundamente disso— Adam retrucou.— Deixei meu EMO com
pessoasdeconfiança;elecontémfotosdoIntensificadorvermelhoeimagensdacenadocrime.Seeunãovoltarparacasaemduashoras,elasvãodaroequipamentoaonovopresidentedoConselho—eledisse,usandoseuúltimoblefe.—Nãosouidiota.
Em vez de fazê-los parar, as palavras de Adam só os provocaram mais. Seu tiro havia saídosolenementepelaculatra.
—Quemestácomseuaparelho?—Randy interrogou,agarrandoAdampelocabeloepuxando-oparaabeiradacachoeira.—Deuparasuanoivinha?Euadorariaarrancardela!
—Elanãosabedenada!—Adamgritou.—Nuncavoucontarondeestá!
—Escutaaqui,moleque…Lionelsóprecisadealgunssegundosparaapagarsuamemória,comofezcomVictoreGeorge—Dariobufou,comseurostoaapenasumcentímetrododeAdam.—Alémdisso,meutreinamentoemresgatedememóriassignificaqueeunãotereidificuldadeparadescobrirquemtemasfotos.
AspalavrasdeDarioacertaramAdammais fortedoqueseussocos.Seumedose tornoupânico,conformeelecomeçavaaprocessaraameaça.Seriafácilparaelesacessaremsuasmemóriasedescobriroblefe.Eles tambémsaberiamqueCaroline,Albert,RutheNicolausabiamdaexistênciadoclãedopossívelenvolvimentodeLionelnocrime.Claroqueosmembrosdoclãiriamcaçá-losefazê-lossofrerantesdeapagarsuasmemóriastambém.
— E adoramos destruir os Escolhidos… — continuou Lionel. — Eles são tão ingênuos, sãorealmentevítimasdasprópriasfraquezas...—elesorriusoturnamente.—FoifácilplantaraprovacontraJulius... incriminá-lo saiumelhor do que o planejado. A condenação dele será o atestado de que elecometeu uma grande traição às pessoas com quem ele tinha contato, e os gaianos vão perceber quenenhumEscolhidoédignodeconfiança.
—Então,creioqueRandymentiuquandodisseàimprensaqueJuliustentouescapardoCentrodeInvestigações...—Adamespeculou,tentandosesoltardasmãosdeRandy.
Randyriuconfirmando,batendoasmãosemcomemoraçãocomDario.— Eu me inspirei nos meus amigos aqui... Dario contaminou a bebida do George como um
profissional...—VocêéchefedoGeorge!—Adamconfirmou—Entãovocêéo responsávelpor fazê-lo ficar
furiosonaqueledia...—Exatamente!Elerecebeuum“estímulo”—confirmouDariocomorgulho.—ComVictorfoiaté
mais fácil... ele aceitou meu convite para tomar uma bebida no parque enquanto caminhava com ocachorro!
—AtécriançasdaTerrasabemquenãosedeveconversarcomestranhos!—provocouLionel.—Aparentemente,umacriançadaTerraémaisespertaqueseuclã!—Umavozatrásdasárvores
osassustou.Albertdeuumpassoàfrente,comosbraçoscruzados.—Vocênãoapenasconfiouemumestranho—elecontinuou.—Vocêatéconfirmouaeletodaaverdadesobreseuscrimeseaexistênciadeseuclã.
—Oque está fazendo aqui,Albert?—Adamgritou.—Eudei ordens expressas para quevocêficasseemcasa!
—É…nãosoumuitobomemseguirordens...—respondeuAlbert,transformandoseunervosismoemironia.QuandoAdamsaiudacasadeCaroline,todossabiamqueeleagiamotivadoporseuprópriodiscursosobreamizadeeconfiança.EleiriaprovaraAlbertqueeraalguémemquemsepodiaconfiar.Masseudesejodeajudaresuaobsessãoporrevelaraverdadepoderiamcolocá-loemumriscoreal.
—Definitivamente, eu não estou no clima para um circo…Não tenho paciência para lidar comcrianças...—disseLionel.—Gameover,Adam!—Elebateupalmas, tratando-ocomoumacriança.LionelpressionouosdedosnopescoçodeAdam,fazendo-ocairinconsciente.
— Tenho certeza de que você está disposto a se juntar a Adam no chão... — disse Randyselvagemente,quasebabando.
Albertcongelou.Elenuncahaviatestemunhadoumaviolênciarealeestavalongedeestarpreparadopara enfrentar aquilo. Suas pernas fraquejaram. Olhando para o rosto inerte de seu amigo, Albert seperguntouseAdamestavamesmomorto.Não,issosóiriacomplicarascoisasparaoclã.Elesapenasofariamdormir e apagariam suasmemórias recentes.Ainda precisariam acessar suasmemórias antigasparadescobrirsobreasfotosqueAdamalegavatertirado,enãopoderiamfazerissoseelenãoestivessevivo.
—Não,Randy,obrigado—respondeuAlbert,cheioderaiva.—E,porsinal,eunãovimparacá
sozinho...—Elesevirouparaexaminaraescuridão.—Deixe-meadivinhar…suairmãzinhafugiu?—Lioneldebochou,aproximando-sedeAlbert.—
Nãoaculpo...agoraésuavezdedizerboa-noitetambém.—Nãocoloqueasmãosnele—ordenouumafozfirme.LioneleRandyseviraramumparaooutro,emdescrença,pronunciandoonomesimultaneamente.—Milet?—Issomesmo,—confirmouonovopresidente,paradoaoladodeAlbert.—Felizesemmever?Albertesperava ter tomadoadecisãocerta trazendoMilet junto.Elenão tinhamuitasopções,de
qualquermaneira.AcontagemregressivahaviacomeçadonomomentoemqueAdampartiu,forçando-oaagirrápido.EnquantoNicolaueRuthdistraíamCaroline,elefoiàgaragem.Sim,elehaviaprometidoaCaroline que não sairia da casa,mas sua intuiçãoo estava guiandode outra forma.Antes de tomar oZoom,Albertverificouodestinoselecionadoanteriormente.
Apósmemorizar o nomedo parque queAdamhavia escolhido, ele foi direto aoConselho, ondeencontrou Milet na saída. Pegando-o pelo braço, e sem maiores explicações, Albert pediu que opresidente achasse um Intensificador de Audição e o seguisse. Para surpresa de Albert, o presidenteconcordouprontamente.
—Milet,vocêsabequeissoéumgrandeengano,certo?—disseLionel,tentandolevantarocorpocaídodeAdam.MasonoivodeCarolineaindapareciaumamarionetequebrada.
— Não, Lionel— respondeuMilet.— É uma grande decepção. Como você pôde? Desde quechegamos ao parque estamos escutando sua conversa por um Intensificador deAudição. Infelizmente,ouvimosseuataqueaessejovemenquantoseguíamospelafloresta...—continuouMilet.—Nãoprecisaperderseutempocommentiras,Lionel.—Umsilênciocaiusobreogrupo,enquantoosconspiradoressedispersavamparareorganizarsuasestratégias.
—Entãovocêescutounossaconversa?—questionouRandy,caminhandolentamenteemdireçãoaMilet.—Grandecoisa.Vocênãotemprovadoquefoiditohoje...MeuEMOmealertariasequalqueroutroequipamentoemumraiodequilômetrosestivessegravandominhavoz.
—Então,oqueexatamenteevitaquenósapaguemossuasmemóriasouatéjoguemosseucorponacachoeira?—perguntouDario,recuperandoaconfiança.—Nãoseriadifícilconvenceraspessoasdequevocêcometeusuicídio...
LioneleRandyassentiramesemoveramparaoladodosrecém-chegados,queseposicionavamumdecostasparaooutro.Albertnuncahaviaestadoemumabrigaenãosabiaseconseguiriadarumbomsoco.Aúnicacoisaqueelesabiaeraquenãopoderiafugir,mesmoqueissosignificassenãosairvivo.EnquantoRandyeDarioiamatéMilet.LionelcaminhounadireçãodeAlbert.
—Vocêéumparasita…nãotemvalorparaminhasociedade—retrucouLionel.Albert desviou do primeiro golpe. Lionel atacou de novo,mas novamente socou apenas o ar. O
IntensificadordeaudiçãoeramaisútildoqueAlberthaviaimaginado.Comoumacoruja,eleusavaosouvidos para sentir o próximo movimento do inimigo. O som do ar deslocado era o suficiente paraentregarLionel.Emsua terceira tentativa,AlbertpegouobraçodeLioneledeuumgolpecomamãolivre.Apesardeseupunhoparecerquebrar,Lionelmalpiscou.
Comoresposta,Lionelchutouacaneladeleeprosseguiucomumarasteira.Alberttentouficarempé,masseujoelhonãoconseguiasuportaropesodocorpo.Elecaiunovamenteerecebeuumchutenoestômago.
Rastejando, Albert pegou um punhado de terra do chão e jogou nos olhos de Lionel, fazendo-orecuar comdor.Com raiva,Lionelposicionou-separadaroutrochute.Albertpegou seupénoar eogiroucomtodaaforça.
EleouviuumestaloaltoeLionelgritou,juntando-seaAlbertnochão.IssodeutempoparaAlbertolharMiletevercomoeleestavaindo.Paraseuespanto,Miletaindaestavaempé,comferimentosnos
braçosenorosto,enquantoseusoponentesestavamcaídosnochãocomsanguejorrandodonarizedaorelha.Aparentemente,artemarcialeraumdostalentosnocurrículodopresidente.
—Estábem,filho?—MiletsevirouparaAlbert.—Sim,estouótimo—elementiu.MiletbuscouseupróprioEMO,eseusdedoscomeçaramadeslizarpeloobjeto.—Reforços?—disseAlbertsemar.—Melhor que isso… Tive uma ideia…—murmurouMilet.— Não posso arriscar ter nossas
lembranças apagadas...— Ele parou por alguns segundos, tentando se concentrar.— Só preciso dealgunssegundosparaacertaraqui...
—Antes de pedir ajuda?Mas precisamos agora!— gritou Albert, prevendo o próximo ataque.Lionelseergueurapidamente,pegouocabelodeAlberte,mancando,começouaarrastá-loparaabeiradoprecipício.
AfundandoasunhasnopulsodeLioneleagonizandodedor,Albertgritoupelaajudadopresidente.MasMiletnãoconseguiasemover.Aspernasdovelhoestavambambasetrêmulas.
Orugidodascachoeiras ficavacadavezmaisalto.Erahoradedaradeusàvida,pensouAlbert,comseuspensamentosindoparasuafamília.Comoelegostariadeestarcomelesnaquelanoite!Comoelegostariadepoderabraçá-losumaúltimavez!Visualizandosuafamíliajunta,eleparouderesistir.Amemóriaprazerosaanestesiousuador,enquantoseucorpocaíanoabismo.
Silêncio.MiletolhouemchoqueparaLionel.Abocadopresidenteseabriuefechou,maselenãoconseguiuproferirumaúnicapalavra.
—Tenhocertezadequefizumfavoraele…interrompendosuavidinhapatética...—disseLionel,semfôlego.—Achoqueésuavezagora,senhorpresidente...
Em resposta,Milet jogou seu EMO no ar. O aparelho flutuou por um tempo, então se expandiu,refletindosuasimagensnatela.
—Boanoite,Gaia!—exclamouMilet, comseusolhosesbugalhadosdepânico.—Imaginoquevocês estão se perguntando por que eu interrompi sua programação habitual...— ele tossiu, tentandorecuperarofôlego.—Lionel,porquenãocontaaelesoqueestamosfazendoaqui?
Lionelhesitou,entãoseuequipamentobipouemseubolso,avisandoqueagorasuavozestavasendogravada. Milet não estava blefando; eles estavam em rede nacional. Era um plano genial, mas opresidentenãohaviaagidorápidoosuficienteparasalvarAlbert.Lionelsevirouparasedirigiràtela.
—Sinto informar,meus prezados gaianos, que nosso presidente também se virou contra nós... einfelizmenteeuchegueiaquiatempodeevitar...
— Não comece com suas mentiras, Lionel! — gritou Milet. — Gaia vai saber de tudo o queaconteceuaqui!Voumecertificardenãoesquecernenhumdetalhe...
— Será sua palavra contra a minha— retrucou Lionel.— Em quem você pensa que eles vãoacreditar?
— Eles vão ter de acreditar em mim!— outra voz interrompeu a conversa. O EMO de Miletautomaticamente buscou o dono da voz, e encontrou Albert flutuando no ar, váriosmetros abaixo doprecipício.
Ele se sentia como se tivesse sobrevivido a um descarrilamento. A dor era intensa, aguda, emultiplicada a cada segundo emque ele ficavade cabeçapara baixo.Ele não apenas sentia os ossosesmagados pelo ataque de Lionel, mas agora cada músculo parecia estar comprimido por uma forçasobrenatural.Contudo,estavavivo,edesejandoteraforçaparabeijarsuatornozeleiraolímpicadasorte,queelejurounãotiraratéseformar.Oartefatodemetaltinhaacabadodesalvarsuavida.
—Como não sou capaz de criarmemórias falsas, eles vão ouvir exatamente o que eu ouvi estanoite...—gritouAlbertcomconfiançanatela,apesardeseucorpoimplorarpormisericórdia.—Entãoeurecomendoquevocêfiqueemsilêncioepoupeseuteatroparaojulgamento.
Pelaprimeiraveznavida,LionelseguiuumaordemdeumEscolhido.
DEZESSEIS
Nodiadojulgamento,osolestavaaltonocéu,dissipandoasnuvensqueinsistiamemencobri-lo.Seu reflexo na pirâmide dourada ofuscava os olhos de Albert, enquanto ele tentava desviar dosrepórteresquelotavamafrentedoConselho.
A breve transmissão ao vivo, uma semana antes, havia levantado inúmeras questões, rumores eespeculações.Como testemunhaocular,Albert juroumanter silêncio até queumveredito oficial fosseproclamado.IssosignificavaficarnacasadeCarolineasemanatoda,estudandoelendo.Vertelevisãosetornou uma tarefa estressante, já que seu rosto ficava aparecendo no canal com o apelido maisembaraçosoqueelepoderiaimaginar:ODesajeitadoHeróiEscolhido.RutheNicolaunãoparavamderircadavezqueencontravamumachancedesereferiraeledessaforma,comoàmesadojantar,quandoperguntavam:“ODesajeitadoHeróiEscolhidopoderiapassaramanteiga?”.—PelomenossorrisoserisadashaviamvoltadoàvidadeAlbert.
Comoumaguarda-costas,CarolinetentavaprotegerAlbert,RutheNicolau,enquantoelesandavamemdireçãoàentradadoConselho.ElahaviaficadobembravacomoplanosecretodeAlberteAdam,everosdoisnatelevisãocheiosdesangueeferimentosnãoaajudouadesculparocomportamentodeles.Noentanto,depoisqueAdamdeixouohospitaltotalmenterecuperado,excetopelafaltadelembrançasdaquelanoite,eAlbertdetalhouosucessodoplanodeles,suaraivacomeçouaesmaecer.
Ao entrarem no Conselho, eles foram diretamente para as cadeiras reservadas a visitantesautorizados. Isadora lançou umolhar para eles da fileira atrás, comouma águia prestes a agarrar suapresa.Albertcruzouolharescomelabrevemente.Araivaenterradaemsuagargantaameaçavatornar-seumferozataqueverbal.Masnãovaliaapena.Osolhosvermelhoseinchadosdelaeramprovadequeelaestavasofrendotantoquantoelehaviasofrido.Elenãoiaperdertempochutandocachorromorto.
—Quebomvê-laaqui,Isadora…EumelembrodevocêdizendoqueGaianãorecebiaassassinoseladrões...Então,ondevocêvaimoraragora?—disseRuth.
Albertsegurouumsorriso.ClaroqueRuthnãodeixariaumaoportunidadedessasescapar.Isadoranãorespondeu,simplesmentevirouorostonadireçãooposta.
OsmembrosdoConselhojáhaviamtomadoseusassentoseestavamesperandoemsilêncioasessãocomeçar.AaparênciadeMiletnãomostravanenhumsinaldeataquefísicorecente.Apenasseusolhospareciamdiferentes,comdoremágoa.Dentro,asferidasaindaestavamabertas,Albertimaginou.
Os suspeitos entraram na sala. Albert viu que seus pais ficaram confusos com Lionel e Randycaminhandoaoladodeles.Miletselevantoudesuacadeira,suspirouedesviouosolhosdoolharraivosodeLionel.
—Boatardeatodos.Estoumeiosempalavrashoje,entãovoudeixarasenhoraBurjuReech,nossanovachefedoCentrodeInvestigações,fazertodoodiscurso—disseMilet,estendendoumamãoabertapara amulher sentada à sua direita. Seus olhos azuis amendoados, seus finos traços e seu sobrenomeconvenceramAlbertdequeanovachefedoCentrodeviaseramãedeViolet.
—Compartilho da relutância em falar, já que os eventos recentesme forçaram a reconsiderar a
bondadeinerenteatodosnósgaianos—começouBurju,levantando-sedesuacadeira.—Umavezqueações falammais alto que palavras, vou deixá-los com imagens e sons extraídos das lembranças deAlbert.
AúltimacoisaqueAlbertqueriaeraouvirerevivertodasaquelasemoções.Elejáestavatentandobloquearasmemóriasdaquelanoite.Entretanto,eraaúnicamaneirademostraraosoutrosexatamenteoquehaviaacontecido.OvídeocomeçoucomAlberteMiletchegandoaoparque.Osomdeseuspassosmisturava-seàdiscussãodeAdameLionel.
Albertafastouosolhosdatela.Verumfilmedeseuprópriopontodevistaeraestranhodemais.Elevoltouaatençãoàquelespresentesnotribunal.Inicialmente,pareciamperdidosnosdiálogos,maslogoaverdade dura e cruel os atingiu violentamente. Bocas caíram abertas, olhos lacrimejaram, e cabeçasbalançaramemreprovação,enojadas.Sarahsoluçava.VictorapertavaospunhoseRuthapertavaamãodeAlbertcomoseassistisseaumfilmedeterror.LioneleRandyolhavamsemexpressão.
Quando a transmissão terminou, os jurados se reuniram em uma sala privativa para discutir oautêntico “testemunho” de Albert. Chegou-se a um consenso em poucos minutos e o júri voltou paraanunciaroveredito.
—Primeiro,querodizerqueovídeocompletoagoraestásendotransmitidoparatodaGaia—Miletcomeçou.—TodostêmdireitodesaberoquerealmenteaconteceucomnossoamadoUlyssesecomoopreconceitopodenoslevarpelocaminhoerrado.DeclaramosporunanimidadeGeorge,Sarah,SophiaeJulius inocentes de todas as acusações. Eles forammeras vítimas de uma cruel conspiração—Miletparouparasedirigiràquelesqueelehaviamencionado.—Eunãopoderiaestarmaisenvergonhadopeloqueaconteceucomvocêstodos.Sempretiveorgulhodeviveremumasociedadequevalorizafortementeadiversidade.Issonostrouxeumaculturamaisrica,perspectivasmaisamplaseumaformamelhordever a vida. A diversidade emGaia significou criatividade, humor, tolerância e respeito por todas ascivilizações.Infelizmente,algumaspessoasseocuparamemcultivarraivasemnenhummotivo,eeumedesculpoporisso.
UmmembrodoConselhoselevantoudesuacadeiraebateupalmaslentamente.Seucolegaaoladorepetiuogesto.Entãoasalatodaseuniuaeles.
— Lionel, Randy e Dario, nós os declaramos culpados de todas as acusações: conspiração,discriminação, violência e ameaçasdemorte.Porumperíodode20 anosvocêsviverão emum localremoto,afastadosde todaacivilização.Meditaçãodiáriae trabalhodurovãoformarseuprogramadereabilitação.
—Eutenhoumafilhaparacriar!—gritouLionel.—Eporquenãopensounelaantesdecometertodosessescrimes?—respondeuMilet.—Suafilha
ficarásobcustódiadeseuúnicoparentevivo:Julius.—Oquê?Não!—Isadorarecusou-se,levantandocomraivadacadeira.—Elenãoémeuparente!—Lioneldespejou.— Sim, ele é. Todas as alegações que Julius fez em relação à paternidade de Ulysses foram
verificadaseconfirmadas.Ulyssestambémconfessouapaternidadeemseutestamento—disseMilet.Perplexo,LionelsevirouparaIsadoraebalbuciouumsilencioso“sintomuito”.—Seráumahonraparamim—disseJulius, levantando-sedesuacadeira.—Euprometocuidar
delacomodafilhaquenuncative.Semnemsedar ao trabalhodedisfarçar seudesgosto, Isadorabalançoua cabeça e fugiude seu
assento.UmguardaadetevequandoelatentousairdoConselho.—Seiquevocêseráumaboainfluênciasobreela,Julius—Miletdisse.—Ojulgamentochegouao
fim.Bomdiaatodos.Albert, Ruth e Nicolau correram para os braços de seus pais. Com um abraço sincero, eles
comemoraramoreencontrocomelesesualiberdade.
OmomentomaisradiantedodiaocorreuquandoelespuseramospésforadoConselho.Centenasdepessoasesperavamporeles,paradasemfilasperfeitas.SuasroupasbrancasestavamestampadascomapalavraDESCULPEM!Escritaemvermelho-escuro.Comoumdominó,elasseajoelharamumaaumaeabaixaramacabeça.
Comogestosimbólico,osgaianosdemonstraramhumildadeaoreconhecertotalmenteseuserrosesolidarizaram-secomadoreatristezadosEscolhidos.Nadamaisprecisavaserdito.
Nas semanas seguintes, Albert, Ruth, Nicolau e Violet foram elogiados por seu trabalho deinvestigação, recebendo medalhas de honra do Conselho. Caroline e Adam também ganharamnotoriedade,dandoentrevistasnonoticiárioeemprogramasdeentrevistas.AtéSabãorecebeupresentesdeseusfãs:montanhasderaçãodecachorrocomgostodechocolate.
Quandoascoisasseacalmarameavidapareceuvoltaraonormal,CarolineeAdamdecidiramquehaviachegadoahoradecelebraremseuamorecomprometimento.Emumanoiteclarade luacheia,ocasal trocou votos de fidelidade. A festa ocorreu em uma praia remota, onde as ondas pareciam terdiminuídode ritmoparaobservar a cerimônia.Pequenas luzes em formadeestrelasvoavamsobreosconvidados,amigos,membrosdafamíliaeestudantes.
Albert contemplou o casamento atentamente, impressionado por ver como era diferente doscasamentosqueelehaviapresenciadonaTerra,ecomodetalhessimplespodiamtersignificadosfortesparaosgaianos,acomeçarpelasroupasdanoivaedonoivo.Carolinenãopodiaestarmaislinda.Emsuacabeça,duastrançasdelicadasuniam-seemumcoquealto,eseulongovestidodecostasbaixaseradeumamareloradiante,parasimbolizarfelicidade.Comovestidodenoivacontrastandocomsuapelebronzeada,elapareciailuminaranoite.
OcabelodeAdamestavapenteadoperfeitamentepara tráseumsorrisoorgulhosoagraciava seurosto. Ele usava um terno azul-escuro e uma camisa azul-marinho. A cor representava lealdade eamizade.Asmãosdocasalestavamunidaseambosestavamdescalçossobreumasuperfíciecircular,queflutuavasobreaareia,decoradacompétalas:rosasvermelhasquesimbolizavampaixão,cravosbrancosquesimbolizavamoamorpuro.
Demãosdadas,osconvidadoscircundavamonovocasalaosomdeumaflautadelicada.Ogestorepresentavaosciclosdevidaqueelesteriamjuntosequedeveriamsertratadoscomunidadeegraça.
Quandoaflautaparou,CarolineeAdamseviraramumparaooutroejuntospronunciaramemvozalta:—“Euteamoesempreterespeitarei”.—Nãohaviapadre,nenhumreverendo,nemmesmoumaaliança.Aspalavrasdelesconsagravamsuaspromessaseseusconvidadoseramastestemunhas.Adambeijouternamenteanoivaedirigiu-seaopequenogrupodeconvidados.
— Boa noite a todos! — disse ele com um sorriso largo. — Primeiramente, eu gostaria deagradecer-lhesporestaremaqui.Esteéomelhordiadasnossasvidaseestoufelizdepoderdividirissocomvocês.Infelizmente,opaidaminhaesposanãoestámaisconosco,masprecisoagradeceraeleportrazê-laàminhavida.Então,emhomenagemaele,euconvidotodosadançaremsuamúsicapreferida,umacançãobrasileirachamada“Euseiquevouteamar”...—elecompletou,explicandoosignificadodamúsica.EbeijouCarolinemaisumavez.
Uminstrumentoquesoavacomoumamisturadeviolinoepianocomeçouatocar;umcantorseuniua eles, entoando a bela melodia. Os círculos de convidados ao redor dos noivos se dissolveramlentamente,formandocasaisquedançavamcomalegria.
EnquantoNicolaurapidamenteconvidouumameninaparaserseupar,Albertpermaneceuparado,avaliandoasituação.SeguravaamãodeRuthdeumladoeadeVioletdeoutro.AsmeninaspareciamhipnotizadasobservandoCarolineeAdamdançaremecochicharem.“Esteéomomentocerto”,pensouAlbert, reunindo toda sua coragem para dar um passo à frente. Ele soltou a mão de Ruth e puxousuavemente Violet em sua direção. Ela aceitou silenciosamente o convite para dançar, abraçandodelicadamenteopescoçodele.OperfumedocedeVioletodesorientavaeoinspiravaaomesmotempo,e
elefacilmentedeuvozaseuspensamentos.—Vocêestálindahoje…—Albertcomeçou.Naverdade,elenuncaviuViolettãodeslumbrante.
Ela usava um vestido cinza-escuro sem alça, e seu cabelo estava penteado para trás, adornado compresilhas florais.Um colar comuma pérola delicada brilhava sobre seu peito.Uma pérola vermelha.Aquelaqueelehaviadadoaela.Significavaalgo?Eleesperavaquesim.
—Obrigada,Albert…—disseViolet, apoiando o queixo no ombro dele.—Evocê estámuitobonito...Suacamisaressaltaacordosseusolhos.
Albert sorriu.Elehaviapassadohoras tentandoescolher a roupacertapara impressioná-la.Pelomenospareciaqueotemponãohaviasidogastoemvão.
—Suabelezadeveestarserefletindoemmim—respondeuAlbert,meiotímido.—Acho...achoquenãotiveoportunidadedeagradecerrealmenteavocêportudooquefezpornós.Vocêficoudonossoladootempotodo...Semsuaajudanósnãopoderíamos...
—Amigossãoparaisso—elaocortou.—Vocênãoprecisameagradecer.Albert fezumapausa.Apalavra“amigos”eracomoumbaldedeágua fria.Eracomoelaovia?
Nada alémde amigos?Ele estava se iludindo o tempo todo ao pensar que ela compartilhava de seussentimentos? Ele não poderia ter interpretado errado os sinais... poderia? Uma tristeza profunda seespalhouporseucorpo,eelelutouparacontinuardançando.
—Violet…—ele hesitou.Nãoqueria que seu coração fosse esmagadonaquela noite...Ele nãohaviasepreparadoparaarejeição.Entretanto,nãopodiasuportaraincerteza...Oamorquesentiaporelaeratãointensoqueeraquasesufocante.Seelanãopensassedamesmamaneira,eleprecisavasaber...pormaisquedoesse.—Nóssomosmaisqueapenasamigos,certo?
—Nãosei…—eladisse,respirandofundo.Uma onda de esperança e angústia fez o coração deAlbert se acelerar. Ela não havia dito não.
Contudo,talvezfossesóporeducação,paranãomagoá-loduramente.Violetseendireitou,afastou-sedoombrodeleeparoudedançar.Eleabaixouoolhar,commedodeencontrarosolhosdela.Seriamaisfácilseelaodeixasselá…sozinho.Maselanãosaiudolugar.
— Somos, Albert? — perguntou Violet, puxando o rosto dele até seus olhos se encontraremnovamente.—Somosmaisqueamigos?
Essaeraadeixaqueeleesperava.Nãohaviacomorecuar.Elepegouasmãosdelaeolhounosseusolhos.
—Vocêquerserminhanamorada?—Éexatamenteoqueeuquerodesdeomomentoemqueovipelaprimeiravez—disseViolet,
sorrindo.Albertsorriudevolta.Eleapuxouparamaisperto,colocouosbraçosaoredordasuacinturaea
beijousuavemente.Ruth fez o que sabia que tinha de fazer e desapareceu de vista.Depois de todos aquelesmeses,
AlbertfinalmentehaviareunidocoragemparaexpressarseussentimentosporViolet,eaúltimacoisaqueelaqueriaeraestragaromomento.
—AlberteVioletjuntos…—elapensouemvozaltaenquantocaminhavaemdireçãoaooceano.Eraumapossibilidadeempolgante.Semdúvidaeleseramumparperfeitoeagoraelanãoteriamaisdefingir que não percebia quão loucamente apaixonados eles estavam.Obviamente, ela estava feliz poreles,masbemno fundo tinhaumpoucodemedo...Se algodesse erradono relacionamentodeles, elapodia acabar perdendo amelhor amiga ever seu irmãode coraçãopartido.Bem, eles provavelmenteseriamoquechamamdealmasgêmeasdequalquermaneira.
Ela sentou na areia, deixando as ondas baterem em seus pés. Sempre adorava olhar o oceano.Apesar de sua imensidão fazê-la se sentir pequena, sua beleza e serenidade enchiam seu corpo deesperança. Esperança de dias melhores, como aquele, junto de sua família e de seus amigos... sem
preocupação,semtristeza,semculpa...apenascontentamento.—Estavaprocurandovocê…—umavozapuxoudevoltaparaafesta.—Possofalarcomvocê
porummomento?—Phinperguntou,sentandoaoladodela.—Bem,nãosei…—respondeuRuth.—Estoumeioocupadaagora...—Ah,tá.Desculpa...—dissePhin,ficandodepécomumsaltoerapidamentesevirandoparair
embora.—Ei,volteaqui!Eusóestavabrincando,Phin!—Elariu.—Claroquepodemosconversar.—Nãobrinqueassimcomigo—dissePhin,sentandonovamente.—Eulevotudooquevocêdiz
muitoasério.E,porsinal,vimaquiparafalarsobreaquelejantarquevocêmeprometeu...—Eudeiminhapalavraavocê—Ruthointerrompeu,olhandoemdireçãoaooceano.—Entãovou
aceitaroconvite.—Nãoqueroquevocêsesintaobrigadaaaceitar…—Phincontinuou,lutandoparadisfarçarseu
nervosismo.—Euquerosabersevocêgostariadejantarcomigo.
—Adoraria—assegurouRuth,virando-separaolharnosolhosdele.—Nossoprimeirojantarfoibemdivertido…
—Maseuprecisodizerqueosegundojantarnãoseráparanosdivertirmos...—dissePhin.—Não?—perguntouRuth,intrigada.—Não. Será para eu ficar bem perto de você...— respondeu Phin, com um sorriso tímido.—
Aindaestáinteressadanomeuconvite?—Agoramaisdoquenunca—disseRuth,inclinando-senadireçãodele,enquantoPhincolocavao
braçoaoredordoombrodela.
Sarah colocou amão no peito deVictor enquanto eles dançavam juntos.Vê-lo sorrir novamentetrazia paz ao seu coração. Ela sabia que levaria tempo para que as feridas cicatrizassem depois dasacusaçõesfalsas,dastraiçõesedasmentiras.Maspareciaqueelehaviaficadomaissábionoprocesso.Durante seu tempo como prisioneiro, ele penetrou fundo em suas emoções e percebeu como haviacausadodoredivisãoemsuafamília.
Deixandoseuegoísmodeladoerearranjandosuasprioridadesnavida,VictorfinalmenteviuquantosignificavaparasuafamíliaestarmorandoemGaia.Afelicidadedosseusamadosprecisavatranscendersuaprópriafelicidade,etambémseuscaprichos,eparaissoeleestavaseesforçandodeverdadeparaconseguirseencaixar.
SarahacenouparaJulius.Elaestavatãodistraídadançandoquenãoohavianotadologoaolado.Eleacenoudevolta.Fazia jáumtempoqueelesnãoconversavam.DesdequeelehaviasidosoltodoCentro de Investigações, eles só haviam trocado alguns breves cumprimentos. Antes do começo dacerimônia, ela o viu comGeorge e Sophia. Tinha a impressão de que ele estava se esforçando pararecuperaraconfiançadeles,talvezatérecuperaraamizade.Erampequenospassos.
—Possointerromperessadança?—Juliusperguntou,aproximando-sedocasal.—Eugostariadelhedarumpequenopresente—elecontinuou,estendendoaSarahumapequenapedraesverdeada.—Éuma pedra não polida; uma pedra relativamente dura e delicada aomesmo tempo, por causa de suasfraturas. Com dedicação e paciência, essa coisinha pode ser transformada em uma bela e brilhanteesmeralda. Esta pedra representa nossa amizade. Sei que não parece muito bonita agora…mas se apolirmosecuidarmosdela…
—Ah,issofoi lindo,Julius...—Sarahsuspirou,olhandoparaapedracolocadanapalmadesuamão.
—Seiquecauseimuitadoràsuafamília.Eunãoosajudeiquandovocêsmaisprecisavamdemim...—Juliusfezumapausa,revivendosuavergonha.—QuandoLionelmeacusounoConselho,euvicomo
euestavaerrado.Eudeveria ter acreditadona sua inocênciadesdeo início, edeveria ter lutadoparaprová-la.Eufracasseicomoamigoepeçooseuperdão.
—Vocêéhumanocomotodosnós,esuscetívelacometererrosdamesmamaneira—disseSarah.—Nempossoimaginarquantodevetersidodolorosoparavocêdescobrirsobreamortedeseupai.
— Eu também preciso me desculpar — disse Victor. — Fui muito desagradável e arrogantequestionandosuas instruçõesacadapasso...Prometomecomportarmelhordeagoraemdiante.Émeudever...comoamigo.—ElebateunosombrosdeJulius.—Masesperoquevocêaindaestejadispostoasermeututor...
—Claroqueestou,Victor—respondeuJulius.—Achoquebasicamenteestouexigindomaisdevocêporquevejoseuverdadeiropotencial.SeiquevocêvaiterumgrandepapelnofuturodeGaia.
—Eumesintohonradocomsuaspalavras,professor.Masesperoquesejasóumaopinião...nãoumarevelação!—Victorbrincou.
Juliusriucomtodoseles.—Achoquelogovamosdescobrir.