da teoria do conhecimento à filosofia da linguagem

6
Da Teoria do Conhecimento à Filosofia da Linguagem Por Djalmira Sá Almeida 1 A Teoria do Conhecimento A teoria do conhecimento propriamente dita tem início na Idade Moderna, no século XVII, com Galileu e outros cientistas que, ao criarem um novo modelo de investigação do mundo fenomenal e ao redefinirem o papel das ciências particulares, despertaram nos filósofos uma preocupação com os fundamentos, as possibilidades, os limites e o alcance do conhecimento humano, além de certa reserva aos argumentos de autoridade que prevaleceram durante toda a Idade Média. Filósofos como Descartes, Bacon, Leibniz, Espinoza, Locke, Berkeley e Hume foram os autores responsáveis pelo surgimento de duas grandes correntes que traduzem o sentido dos tempos atuais: o racionalismo e o empirismo. O racionalismo fundamenta a sua teoria do conhecimento na supervalorização da razão como o único instrumento capaz de atingir as verdades universais, sobre as quais se assentam as bases de uma ciência pretensamente infalível. Ao passo que o empirismo se baseia na experiência, supervalorizando os sentidos e relativizando as operações subseqüentes da razão, na busca da verdade, cujo caráter universal e absoluto é questionado. Os empiristas têm na realidade concreta e visível os subsídios para a construção do verdadeiro conhecimento. Para descobrir se é possível alcançar o conhecimento e sua plenitude, a história fornece duas posturas: o ceticismo que afirma a impossibilidade de conhecer a verdade e o dogmatismo que diz o contrário. [...]. De volta ao passado, caminhando ao encontro dos filósofos gregos, é possível perceber o predomínio de três tipos de problemas: cosmológico, antropológico e metafísico. Entre os filósofos pré-socráticos , prevaleceu a necessidade de direcionar o conhecimento para a busca da origem (arché) do universo. Desejavam conhecer e compreender de onde vinha o mundo; quem ou o que o fez; do que era constituído. Voltaram a atenção para os problemas cosmológicos (kosmos, mundo, universo). Texto recortado e adaptado, disponível em www.webartigos.com em 02\08\2008. 1 Djalmira é formada em Letras. Possui, Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado em Filologia e Lingüística de Língua Portuguesa. Aposentou-se como Professora Adjunta de Português da Universidade Estadual de Londrina - Paraná. Atualmente é Diretora acadêmica da Faculdade de Itaituba- Pará. Escreve artigos,contos e poesias; ministra aulas de Latim e Teoria em Letras e História.

Upload: claudio-gomes

Post on 26-Sep-2015

3 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Da Teoria Do Conhecimento à Filosofia Da Linguagem

TRANSCRIPT

Da Teoria do Conhecimento Filosofia da Linguagem

Da Teoria do Conhecimento Filosofia da Linguagem(Por Djalmira S Almeida

A Teoria do ConhecimentoA teoria do conhecimento propriamente dita tem incio na Idade Moderna, no sculo XVII, com Galileu e outros cientistas que, ao criarem um novo modelo de investigao do mundo fenomenal e ao redefinirem o papel das cincias particulares, despertaram nos filsofos uma preocupao com os fundamentos, as possibilidades, os limites e o alcance do conhecimento humano, alm de certa reserva aos argumentos de autoridade que prevaleceram durante toda a Idade Mdia.

Filsofos como Descartes, Bacon, Leibniz, Espinoza, Locke, Berkeley e Hume foram os autores responsveis pelo surgimento de duas grandes correntes que traduzem o sentido dos tempos atuais: o racionalismo e o empirismo.

O racionalismo fundamenta a sua teoria do conhecimento na supervalorizao da razo como o nico instrumento capaz de atingir as verdades universais, sobre as quais se assentam as bases de uma cincia pretensamente infalvel. Ao passo que o empirismo se baseia na experincia, supervalorizando os sentidos e relativizando as operaes subseqentes da razo, na busca da verdade, cujo carter universal e absoluto questionado. Os empiristas tm na realidade concreta e visvel os subsdios para a construo do verdadeiro conhecimento.

Para descobrir se possvel alcanar o conhecimento e sua plenitude, a histria fornece duas posturas: o ceticismo que afirma a impossibilidade de conhecer a verdade e o dogmatismo que diz o contrrio. [...].

De volta ao passado, caminhando ao encontro dos filsofos gregos, possvel perceber o predomnio de trs tipos de problemas: cosmolgico, antropolgico e metafsico. Entre os filsofos pr-socrticos, prevaleceu a necessidade de direcionar o conhecimento para a busca da origem (arch) do universo. Desejavam conhecer e compreender de onde vinha o mundo; quem ou o que o fez; do que era constitudo. Voltaram a ateno para os problemas cosmolgicos (kosmos, mundo, universo).

Os sofistas, especialistas na arte de bem falar, tinham como finalidade preparar o homem grego para ser cidado, poltico, isto , um habitante da plis, capaz de argumentar e defender seus pontos de vista, no exerccio do cotidiano da democracia grega. Preocupavam-se em ensinar os homens a falar bem, independentemente da verdade ou falsidade de suas afirmaes. fcil perceber que o conceito da verdade se tornou relativo, impossibilitando a construo de toda e qualquer cincia. Se de um lado o foco de ateno dos sofistas se dirigiu para os problemas antropolgicos (antropos, homem), elegendo o ser humano como objeto de suas preocupaes, de outro desvirtuaram a possibilidade de apreenso de conhecimentos verdadeiros, ao transformarem o homem na medida de todas as coisas.

Scrates (479-399 a.C.), movido pela necessidade de superar o relativismo e o ceticismo dos sofistas e convencido da importncia de fazer cincia fundamentada em verdades universais (unus versus allia, uma que se ope a todas as outras; aquelas que tm validade em qualquer lugar, em qualquer tempo e para qualquer indivduo), resgatou o objeto de estudo dos sofistas e passou a examin-lo utilizando um mtodo que se processa em duas etapas: ironia e maiutica.

Por meio de perguntas e respostas rpidas, Scrates levava o seu interlocutor a reconhecer o seu falso conhecimento e sua ignorncia: S sei que nada sei. [...] Despojado das falsas verdades, nasce dentro do homem o desejo de saber, de construir o conhecimento adequado. Dessa forma, atravs da maiutica (do grego maieutiqu/tecn, que significa: a arte de dar luz), Scrates auxiliava os homens a darem luz a verdade, fundamento possvel de toda cincia.

Os pr-socrticos se detiveram no exame dos problemas cosmolgicos; os sofistas e Scrates, embora motivados por finalidades e objetivos absolutamente diversos, se voltaram para o estudo dos problemas antropolgicos. Plato e Aristteles elegeram os problemas metafsicos como alvo da Filosofia. Plato e Aristteles, tambm estavam preocupados com a busca da verdade para fazer cincia e superar o domnio da opinio (do grego, doxa), uma questo vital e polmica para dois filsofos pr-socrticos: Herclito de feso e Parmnides de Elia.

Para Herclito (535465 a.C.), a essncia do universo reside no movimento. Diz ele: O que existe no o ser, mas o que vem a ser. Nada h de real, alm do movimento. Tudo muda, nada permanece. Dessa maneira, ele inviabilizou o conhecimento, j que no era possvel estabelecer qualquer tipo de relao entre sujeito e objeto, ambos em constante mudana.

Na viso de Parmnides (529 490 a.C.), a nica realidade o ser. Diz ele: O ser e no pode no ser. O ser eterno, imvel, sem comeo e sem fim. Dessa forma, s o ser existe e s o ser real e s pode ser pensado e conhecido o que real: o ser. Para Parmnides, o movimento aparente e a realidade sensvel, uma iluso. Identifica ser e conhecer: s possvel conhecer aquilo que . No difcil perceber o problema metafsico que se estabeleceu com ambos os filsofos: a conciliao entre o devir (constante vir-a-ser) e o ser, bem como o valor do duplo conhecimento, quer dos sentidos (Herclito), quer da razo (Parmnides). Plato (420-348 a.C.) tentou superar essas dificuldades atravs do dualismo: props a existncia de dois mundos: o mundo sensvel, das aparncias, domnio da opinio, onde viviam os homens, e o mundo das idias, eterno, imutvel e verdadeiro, domnio da cincia, do qual o mundo sensvel apenas uma cpia imperfeita. Assim, as idias se tornaram o nico objeto possvel do conhecimento. Ao eleger as idias como objeto e fonte exclusiva do verdadeiro conhecimento, Plato abriu caminho para o idealismo ou racionalismo idealista, que vigorou a partir da Idade Moderna.

Aristteles (385-322 a.C.), discpulo de Plato, perante a polmica instaurada por Herclito e Parmnides, optou por uma soluo bastante diferente daquela de seu mestre. As idias ou essncias no existem em um mundo parte. Elas se encontram presentes em dado ser e podem ser conhecidas por meio da abstrao, operao realizada pela inteligncia a partir dos dados obtidos pelos sentidos por meio da percepo sensvel. Enquanto Plato enfatizava as idias, Aristteles reconheceu no mundo das coisas concretas o ponto de partida para o conhecimento do ser, reintegrando no mundo material as essncias que Plato havia transformado em modelos ideais e reais.

Assim, a teoria aristotlica se fundamenta no realismo (do latim res, coisa), tendncia filosfica segundo a qual a realidade existe independentemente de o homem conhec-la ou no, e o conhecimento tem origem na experincia sensvel, na percepo das coisas reais, concretas e particulares das quais foram extradas as essncias para elaborar os conceitos universais que permitem a elaborao da cincia.

Durante toda a Idade Mdia, prevaleceu a necessidade de harmonizar a herana filosfica greco-romana com os princpios do cristianismo. Buscava-se conciliar razo e f. Os filsofos medievais encontraram em Plato e Aristteles os fundamentos tericos para efetivar tal conciliao. De um lado, surgiram os seguidores do platonismo, entre os quais deve-se destacar Santo Agostinho (354 430), de outro lado, os adeptos do aristotelismo, cujo maior expoente foi Santo Toms de Aquino (1225-1274). O tomismo se caracterizou pela tentativa de conciliar a autoridade da Igreja com o saber aristotlico. A sntese efetivada por Santo Toms de Aquino, que encontrou em Aristteles os fundamentos filosficos para a teologia crist, dominou o pensamento medieval, essencialmente teocntrico (Deus como centro de tudo).

A Filosofia e o RenascimentoO Renascimento, ao resgatar o antropocentrismo (o homem como centro do universo) questionou a autoridade papal, propiciou o surgimento do protestantismo e acabou com a hegemonia da Igreja Catlica; alm de recuperar o racionalismo naturalista grego, abrindo caminho para a construo do conhecimento cientfico, preparando tambm o terreno para atuao do homem moderno. Durante a Idade Antiga e Mdia, a realidade do mundo era inquestionvel e enfatizada era a existncia do objeto, conhecido atravs da sua essncia. A crena no poder sem limites da razo que marcou o pensamento moderno, atingiu o seu ponto alto com o iluminismo, no sc. XVIII, tambm conhecido como Sculo das Luzes. A verdadeira sabedoria s seria possvel atravs da razo.

Immanuel Kant (1724 - 1804) foi um dos principais representantes do iluminismo. Suas obras, Crtica da Razo Pura (1781), Crtica da Razo Prtica (1788) e Crtica da Faculdade de Julgar (1790), submetem a razo a um exame rigoroso para verificar a possibilidade de alcance da razo como instrumento de acesso ao conhecimento. Por isso, sua filosofia foi tambm chamada de criticismo kantiano. Kant reconheceu a existncia de dois tipos de conhecimento: o emprico (a posteriori) obtido por meio da experincia sensvel; e o puro (a priori) que no depende da experincia e das impresses dos sentidos e produz juzos necessrios e universais.

Ele tambm atribuiu ao sujeito a elaborao do contedo do conhecimento por intermdio de condies subjetivas que so as faculdades e suas respectivas formas: a sensibilidade, espao e tempo, entendimento, categorias de unidade, pluralidade, totalidade, realidade, negao, limitao, substncia, causalidade, comunidade, possibilidade, existncia e necessidade.

Assim, o conhecimento comea com as experincias sensveis que atingem os sentidos: a matria do conhecimento so as impresses que o sujeito recebe dos objetos exteriores, de maneira desorganizada, desordenada. Os dados empricos so organizados logicamente pelo espao e tempo, formas a priori da sensibilidade. A filosofia kantiana tambm denominada idealismo transcendental: o sujeito constri o conhecimento e d significado e sentido realidade a partir de categorias subjetivas a priori (idealismo); o conhecimento no est particularmente voltado para os objetos, mas para o modo de conhec-los aprioristicamente (transcendental).

Kant revolucionou a Filosofia ao atribuir ao sujeito um papel determinante no ato de conhecer. Este j no resulta de uma adequao do sujeito a uma realidade exterior, mas sim de uma construo mental apriorstica do esprito.

Eis uma citao de Kant:

A razo s v o que ela mesma produz segundo o objeto, que ela deve ir frente com princpio de seus juzos segundo leis constantes e deve obrigar a natureza a responder as suas perguntas, sem se deixar, porm, conduzir por ela como se estivesse presa a um lao. (...) At agora se supe que todo o nosso conhecimento deveria regular-se pelos objetos; porm todas as tentativas de estabelecer algo a priori sobre ele atravs de conceitos por meio dos quais o nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sobre esta pressuposio. (...) Admitindo-se que o nosso conhecimento de experincia se regule pelos objetos como coisas em si mesmas, ver-se- que o incondicionado no pode ser pensado sem contradio, admitindo-se em compensao, que a nossa representao das coisas como nos so dadas se regule no por estas como coisas em si mesmas, mas antes estes objetos como fenmenos se regulem pelo nosso modo de representao, ver-se- que, a contradio desaparece. (Kant, 1974: 11- 13)

O criticismo kantiano, ao sintetizar entre o racionalismo e o empirismo provocou o surgimento, de um lado, dos idealistas (Fichte, Schelling e Hegel) que enfatizaram a postura do sujeito como construtor do conhecimento a partir de categorias a priori, concebendo a realidade como produto exclusivo do pensamento humano: de outro lado, dos positivistas (Comte e seguidores) que destacaram o valor da experincia sensvel como fundamento epistemolgico das cincias, enfatizando o real como objeto de investigao do esprito positivo.

Em Kant, chama-se dialtico o uso especulativo, no experimental e no cientfico, da razo. A dialtica transcendental trata das idias puras da razo, e se chama assim porque as idias se defrontam com oposies insolveis, isto , que permitem a sustentao tanto da tese quanto da anttese. Deste modo, tanto possvel sustentar o determinismo quanto a liberdade, tanto a infinitude quanto a finitude, a existncia quanto a inexistncia.

Finalmente, a dialtica adquire o sentido mais prximo do que ir servir ao marxismo. Para Hegel, compreender a natureza represent-la como um processo. O Ser a Idia que se exterioriza e se manifesta nas obras que produz e que se interioriza voltando a si mesmo e reconhecendo a sua produo. Esse movimento da Idia, de exteriorizao e interiorizao se faz por contradies. Sendo que essa estrutura contraditria do real, a dialtica, passa por trs momentos: tese o da identidade; anttese - o da contradio; e, sntese - o da positividade ou negao da negao. [...].

BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Djalmira de S. A produo de textos no 1 grau, na abordagem interacionista. Assis: UNESP, 1995. (Dissertao de Mestrado em Filologia e Lingstica de Lngua Portuguesa). ARISTTELES. Arte Retrica e Arte Potica. Rio de Janeiro: Edies de Ouro. S/D. ARNAULD, ANTOINE/ LANCELOT. Gramtica de Port-RoyaL. So Paulo: Martins Fontes, 1992. (Clssicos Traduo: Bruno Fregni Basset Henrique Graciano Murachco). CADOZ, Claude. Realidade Virtual. Traduo de Paulo Goya. So Paulo: tica, 1997. (Srie Domnio) CALKINS, Lucy C. A arte de ensinar a escrever. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1989. CARVALHO, Guido Ivan. Ensino Superior- Legislao e Jurisprudncia. 3 ed. Rio de Janeiro, 1971. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia para uma gerao consciente. So Paulo: Saraiva, 1990. DEMO, Pedro. Qualidade e Modernidade da Educao Superior. Editora do Brasil: Braslia, V. 13, n. 27, p.43, jul./dez, 1991.

DUBOIS, J. et ali. Retrica Geral. So Paulo: Cultrix EDUSP, 1976. DUCROT, Oswald. Dizer e no dizer - Princpios de semntica lingstica. So Paulo: Cultrix, 1977.(Trad : Carlos Vogt et ali)

____________. Provar e dizer: linguagem e lgica. Trad: Maria Aparecida Barbosa et ali. So Paulo: Global, 1981.

GANASCIA, Jean-Gabriel. Inteligncia Artificial. So Paulo: tica, 1997. (Traduo: Reginaldo C.C. de Moraes- Srie Domnio).

GARCIA, Othon M. Comunicao em prosa moderna. Rio de Janeiro: FGV, 1980. KANT, Immanuel. Crtica da Razo Pura. 3 ed. Lisboa: Fundao Galouste Gulbekian, 1994. (Traduo do original alemo: Kritk der Reinen Vernunt por Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujo).( Texto recortado e adaptado, disponvel em HYPERLINK "http://www.webartigos.com" www.webartigos.com em 02\08\2008.

Djalmira formada em Letras. Possui, Graduao, Especializao, Mestrado e Doutorado em Filologia e Lingstica de Lngua Portuguesa. Aposentou-se como Professora Adjunta de Portugus da Universidade Estadual de Londrina - Paran. Atualmente Diretora acadmica da Faculdade de Itaituba- Par. Escreve artigos,contos e poesias; ministra aulas de Latim e Teoria em Letras e Histria.