da fundação do hospital das clínicas à criação da unidade...

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403 Medicina, Ribeirão Preto, 35: 403-418, jul./set. 2002 Da Fundação do Hospital das Clínicas à Criação da Unidade de Emergência e sua Transformação em Modelo Nacional de Atenção Hospitalar às Urgências José Sebastião dos Santos Coordenador das Atividades Administrativas da Unidade de Emergência. 1999 - 2002 onde posteriormente seria instalado o primeiro Hospi- tal-Escola do Interior do País. Acertado o convênio, o Prof. Dr. Zeferino Vaz deu início ao plano de conclusão da maternidade com as modificações que as necessidade didáticas e assis- tenciais vieram a exigir. Além do Prof. Dr. Zeferino Vaz, os grandes apoiadores desse processo foram os Drs. Waldemar Barnsley Pessoa, Presidente da Fun- dação Sinhá Junqueira, e o Dr. Paulo Gomes Romeo, Presidente do Centro Médico local e que, mais tarde, viria a ser o primeiro Superintendente do HCFMRP- USP. 1. A FUNDAÇÃO DO HOSPITAL DAS CLÍ- NICAS N o início das atividades da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Univer- sidade de São Paulo (FMRP-USP), as práticas clínicas eram desenvolvidas, com limitações, nos pavilhões da Santa Casa de Misericórdia local. A conjunção de forças advindas da mobilização dos es- tudantes, da disposição dos professores e da vontade da sociedade local, abriram caminho para a conquista do primeiro estabelecimento hospitalar, vinculado às recém criadas Faculdade de Medicina e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Naquela época, a Fundação Sinhá Junqueira estava construindo uma Maternidade à Rua Bernardino de Campos. O prédio tinha 4 andares e capacidade para 150 leitos. As obras estavam em andamento, quando foi aventada a possibilidade de entregar o pré- dio, em regime de comodato, ao Estado de São Paulo, para que ali fosse instalado o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Univer- sidade de São Paulo (HCFMRP-USP). O convênio assinado entre a Universidade de São Paulo e a Fundação Sinhá Junqueira, no dia 09 de abril de 1953, foi o marco inicial da história do HCFMRP-USP (Figura 1). O documento formalizou a cessão por 20 anos de um prédio ainda inacabado, Figura 1 – Cerimônia de assinatura do convênio com a Funda- ção Sinhá Junqueira para instalação do Hospital das Clínicas, em 9 de abril de 1953.

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Medicina, Ribeirão Preto,35: 403-418, jul./set. 2002

Da Fundação do Hospital das Clínicasà Criação da Unidade de Emergência e

sua Transformação em Modelo Nacionalde Atenção Hospitalar às Urgências

José Sebastião dos SantosCoordenador das Atividades Administrativas da Unidade de Emergência.

1999 - 2002

onde posteriormente seria instalado o primeiro Hospi-tal-Escola do Interior do País.

Acertado o convênio, o Prof. Dr. Zeferino Vazdeu início ao plano de conclusão da maternidade comas modificações que as necessidade didáticas e assis-tenciais vieram a exigir. Além do Prof. Dr. ZeferinoVaz, os grandes apoiadores desse processo foram osDrs. Waldemar Barnsley Pessoa, Presidente da Fun-dação Sinhá Junqueira, e o Dr. Paulo Gomes Romeo,Presidente do Centro Médico local e que, mais tarde,viria a ser o primeiro Superintendente do HCFMRP-USP.

1. A FUNDAÇÃO DO HOSPITAL DAS CLÍ-NICAS

No início das atividades da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto da Univer-sidade de São Paulo (FMRP-USP), as

práticas clínicas eram desenvolvidas, com limitações,nos pavilhões da Santa Casa de Misericórdia local. Aconjunção de forças advindas da mobilização dos es-tudantes, da disposição dos professores e da vontadeda sociedade local, abriram caminho para a conquistado primeiro estabelecimento hospitalar, vinculado àsrecém criadas Faculdade de Medicina e Escola deEnfermagem de Ribeirão Preto da Universidade deSão Paulo.

Naquela época, a Fundação Sinhá Junqueiraestava construindo uma Maternidade à Rua Bernardinode Campos. O prédio tinha 4 andares e capacidadepara 150 leitos. As obras estavam em andamento,quando foi aventada a possibilidade de entregar o pré-dio, em regime de comodato, ao Estado de São Paulo,para que ali fosse instalado o Hospital das Clínicas daFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Univer-sidade de São Paulo (HCFMRP-USP).

O convênio assinado entre a Universidade deSão Paulo e a Fundação Sinhá Junqueira, no dia 09 deabril de 1953, foi o marco inicial da história doHCFMRP-USP (Figura 1). O documento formalizoua cessão por 20 anos de um prédio ainda inacabado,

Figura 1 – Cerimônia de assinatura do convênio com a Funda-ção Sinhá Junqueira para instalação do Hospital das Clínicas, em9 de abril de 1953.

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Unidade de Emergência

Figura 2 - Fachada do Hospital das Clínicas (1956).

A obra foi finalizada com recursos do Governodo Estado de São Paulo. No ato da solenidade de cria-ção do Hospital das Clínicas, em 11 de novembro de1954, estiveram presentes o Governador, Lucas No-gueira Garcez, o Dr. Altino Arantes, Ex-Governadorde São Paulo, o Prof. Dr. Melo Moraes, Reitor daUSP, a D. Sinhá Junqueira, o Prof. Dr. Zeferino Vaz,Diretor da FMRP-USP e outras autoridades civis, mi-litares e religiosas.

Os estudantes da 1a. turma da Faculdade deMedicina estavam cursando o 5o. ano médico, quan-do, em 31 de julho de 1956, foram iniciadas as ativida-des do Hospital das Clínicas. (Figura 2). Mais tarde,quando do término do comodato, o prédio viria a serdesapropriado pelo Estado de São Paulo, para dar lu-gar à atual Unidade de Emergência.

O prédio localizado na Rua Bernardino de Cam-pos, na região central da cidade, até hoje mantém asua originalidade, com 5 pavimentos.

Quando foi inaugurado, contava ainda com 5edículas auxiliares, que abrigavam os ambulatórios, acirurgia experimental, a casa de força e o almoxarifa-do. De acordo com o projeto inicial, o hospital foi con-cebido para funcionar da seguinte forma:• andar térreo: serviços gerais e administração, cozi-

nha, rouparia, farmácia, sala de aula, equipamentosde raio-X, craneógrafo e angiocardiógrafo e umamesa urológica.

• 1º andar: banco de sangue, laboratório de análiseclínicas, sala da Escola de Enfermagem, salas paraestudantes, acomodações dos médicos internos econsultórios.

• 2º andar: Clínica Médica, que contava com 10 en-fermarias e salas de professores, biblioteca, e ser-viço de Radioscopia.

• 3º andar: Clínica Cirúrgica, com 3 salas de operações,salas de Anatomia Patológica, sala de revelação deangiografias, material anestésico, seção de esterili-zação, 8 enfermarias e 2 centros de recuperação.

• 4º andar: Clínicas Ginecológica e Obstétrica e Pedia-tria, com 9 enfermarias, 2 berçários, consultório depuericultura, lactário, sala de preparo de parto, salade recepção do recém-nascido e 2 salas de parto.

O primeiro ambulatório do Hospital das Clínicasde Ribeirão Preto a entrar em funcionamento foi o deClínica Ginecológica e Obstétrica. Com a Clínica Ci-rúrgica já em atividade (Figura 3), em agosto de 1956,acontece a primeira intervenção cirúrgica do Hospitaldas Clínicas. Foi uma Gastrectomia realizada com su-cesso pela equipe do Prof. Dr. Ruy Ferreira Santos.

Não precisou de muito tempo para que o Hos-pital das Clínicas se tornasse o principal centro de as-sistência e de ensino médico do Interior do Estado. Deacordo com registros oficiais da época, só nos 4 pri-meiros meses de atividade, foram contabilizados 2.942atendimentos, sendo 1.393 consultas, 1.549 retornos e

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50 anos FMRP-USP

445 pacientes internados. Também foram registrados110 nascimentos, 550 exames radiológicos, 4.354 exa-mes de laboratórios e 253 cirurgias. Dos pacientes aten-didos, a maioria pertencia a Ribeirão Preto, mas, tam-bém, já eram assistidos doentes de cerca de 69 cida-des do Estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás.

Com a demanda de pacientes aumentando acada dia e a necessidade da instalação de novas clíni-cas, a ampliação do hospital passa a ser inevitável. Asnegociações para captação de recursos se concreti-zam, e, em dezembro de 1956, inicia-se a obra de cons-trução da fundação e dos alicerces de um prédio ane-xo (atual Bloco B), concluído em 1957. A obra consu-miu cerca de 54 milhões de cruzeiros. Os recursosforam disponibilizados durante os mandatos do Go-vernadores Jânio Quadros e Carvalho Pinto. O novoprédio foi equipado com sistema de ar refrigerado,central de distribuição de oxigênio e salas de cirurgia.

A boa condição assistencial do Hospital dasClínicas e o espírito de investigação científica dos De-partamentos da FMRP-USP favoreceram os avançosobtidos na compreensão da fisiopatologia e no desen-volvimento de recursos diagnósticos e terapêuticos paraas seqüelas da Moléstia de Chagas. A sensibilidadepara colaborar com o enfrentamento de uma endemianacional e com grandes repercussões regionais deuvisibilidade e credibilidade às duas novas instituições.

Os rumos do Hospital das Clínicas começarama mudar com a assinatura de um contrato para plane-jamento e construção de uma sede própria no BairroMonte Alegre. As atenções passaram a ficar centra-das na construção da nova unidade. A estrutura doprédio chegou a ser erguida, mas, por falta de verbasdo Governo Estadual, a obra foi interrompida. Só de-pois de um levantamento técnico e quase 7 anos maistarde, a obra foi retomada.

Expirado o convênio entre a Fundação SinháJunqueira e a Faculdade de Medicina, o então supe-rintendente do Hospital, Prof.Dr. Carlos EduardoMartinelli, solicitou ao reitor da USP autorização e arespectiva disposição orçamentária para a aquisiçãodo Prédio da Maternidade Sinhá Junqueira.

Nesse período, foi criado um local para o atendi-mento a pacientes portadores de queimaduras e 1 salado hospital foi adaptada para atendimento de urgência.Esses talvez, tenham sido os primeiros passos para aimplantação de uma Unidade de Emergência na cidade.Tal iniciativa facilitou o contato dos estudantes de Medi-cina com a rotina dos procedimentos de urgência, jáque, até então, eles tinham que se deslocar até SãoPaulo para terem a prática da disciplina. Inicialmente,apenas pacientes de Ribeirão Preto eram atendidos, mas,aos poucos, praticamente toda a região passou a buscaratendimento de urgência no Hospital das Clínicas.

O Governo do Estado declara o imóvel, ondefunciona o Hospital das Clínicas, como prédio de utili-dade pública e, em julho de 1976, inicia-se o processo dedesapropriação do mesmo. Paralelamente, a própriadireção do Hospital das Clínicas realiza um estudo pre-liminar para transformar em definitivo o antigo hospi-tal em Unidade de Emergência. Todavia a concretiza-ção de fato e a implantação inicial de um serviço dePronto-Socorro só foi efetivada, quando a Unidade doMonte Alegre entrou em funcionamento, em 1978, e osprimeiros pacientes começaram a ser transferidos parao novo hospital, no Campus da USP. O Prof. Martinelli,que esteve na administração de dezembro de 1971 amaio de 1983, foi o responsável pelo desenvolvimentodos procedimentos que colocaram em funcionamentoo Hospital das Clínicas, no Bairro Monte Alegre.

2. A CRIAÇÃO DA UNIDADE DE EMERGÊN-CIA

Os primeiros registros historiográficos sobre adenominação Unidade de Emergência (UE) surgem apartir do início das obras no pavimento térreo e no 1ºandar do hospital, que já estava sendo preparado paraabrigar os serviços de urgência.

No ano de 1981, o HCFMRP-USP comemorouseu Jubileu de Prata. Durante a solenidade, foi presta-da uma homenagem ao Dr. Waldemar Barnsley Pes-soa e o anfiteatro do hospital recebe o nome do médi-co que colaborou ativamente no processo de cessãodo prédio da Fundação Maternidade Sinhá Junqueira.

No mês de abril de 1982, a Unidade de Emergên-cia é oficialmente inaugurada. Com acesso pela rua

Figura 3 - Primeira visita coletiva à enfermaria de cirurgia, em31 de julho de 1956.

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Unidade de Emergência

Quintino Bocaiúva, passa a funcionar um ambulatóriocom atendimento durante 24 horas. Pouco tempo depois,entra em funcionamento o centro especializado paratratamento de pessoas vítimas de queimaduras. A novaUnidade de Queimados, instalada no 4º andar do pré-dio da UE, vem suprir uma antiga necessidade, já que,até então, os pacientes da região tinham que ser encami-nhados para hospitais de São Paulo e Rio de Janeiro.

Apesar de todo o esforço, a demanda excessi-va para assistência passa a ser o principal problemada UE. Durante a gestão da Superintendente ProfaDra Marisa Mazzoncini de Azevedo Marques (perío-do de maio de 1983 a maio de 1987) ocorre a amplia-ção do prédio. Foi durante essa administração que,pela primeira vez, foi indicado pela Superintendênciaum docente como responsável efetivo pela UE. OProf. Dr. Albert Amin Sader assumiu o cargo de Di-retor das Atividades Administrativas da UE em junhode 1983, e permaneceu na função por quase 10 anos.

Nesse período, a área do antigo Serviço de Nu-trição, onde funcionava a cozinha e o refeitório demédicos e funcionários, é transformada em recepçãoe acomodação de pacientes com quadro clínico debaixa complexidade. Essa ampliação da capacidadeexigiu a construção de nova área para o Serviço deNutrição, que passou a ocupar o espaço onde, inicial-mente, ficavam os tanques de oxigênio e nitrogênio,deslocados para outro ponto.

Com a implantação dos serviços de Pronto-Atendimento de Clínica Médica, Neurologia e Cirur-gia, nessa área reformada, e a facilidade de acesso aoBanco de Sangue e a Radiologia, todos localizados notérreo, as atividades assistenciais tornaram-se maiságeis. Essas modificações exigiram uma nova portade entrada para os pacientes, ainda funcionando pelaRua Quintino Bocaiúva, que, muitas vezes, ficava blo-queada pelo fluxo de veículos que circulavam pelosbares da moda, localizados naquela região. A soluçãofoi a construção de uma marquise, na antiga entradada maternidade, e uma pista asfaltada para que o aces-so de pacientes e ambulâncias viesse a ser realizadopela Rua Bernardino de Campos. Com modificaçõesestruturais e funcionais, a recepção ainda mantém ascaracterísitcas daquela inaugurada em fevereiro de1987 (Figura 4), quando a UE passou a contar, tam-bém, com os serviços de controle de leitos e triagemmédica, de 8 até as 22 horas, todos os dias.

Nessa gestão, houve a ativação gradativa denovas vagas para pacientes. Todavia, o atendimentoera realizado por médicos residentes e acadêmicos, poisos docentes dos diferentes departamentos não atuavamdurante o dia, na UE. Depois de acatada pela Direto-

ria da Faculdade de Medicina uma reivindicação doProf. Sader, a Universidade de São Paulo autorizou acontratação de 5 professores para atuar junto à UE.Com a execução de algumas reformas estruturais,houve a disponibilização de área próxima ao Serviçode Radiologia para atendimento inicial de pacientespolitraumatizados e com urgências clínicas graves.

A demanda crescente de pacientes vítimas deintoxicações exógenas e envenenamentos causadospor animais peçonhentos, motivou a solicitação feitapelo Prof. Dr. Hélio Lourenço de Oliveira, Chefe doDepartamento de Clínica Médica, à Superintendên-cia, para que fosse instalado, no HCFMRP-USP, umCentro para o Controle das Intoxicações, nos moldesdos já existentes no país. Os trâmites iniciais a partirde 1983, levaram a Coordenadoria de Serviços Técni-cos Especializados da Secretaria de Saúde do Estadode São Paulo a ceder um sistema de leitora e microfi-chas específicas para a orientação no atendimentodessas afecções. A chegada desse sistema e sua ins-talação na UE, em abril de 1983, deu início às ativida-des do Centro de Controle de Intoxicações (CCI), ofi-cialmente inaugurado em março de 1984, quando, se-guindo as normas nacionais exigidas, o centro já con-tava com um Laboratório de Toxicologia e um ramaltelefônico, funcionante nas 24 horas.

O conjunto de atividades de assistência médicae informativa para os casos clínicos, desde essa épo-ca, é realizado por acadêmicos de Medicina do 4º e do6º ano, supervisionados por médicos assistentes doHospital das Clínicas e docentes dos Departamentosde Clínica Médica e Pediatria da FMRP-USP. Re-centemente, a ocupação racional dos espaços físicostem permitido a ampliação de exames toxicológicospelo laboratório. A informatização, por meio de pro-gramas internacionais, destinados à orientação dascondutas médicas, mantém o CCI como ReferênciaNacional para a assistência às intoxicações, envene-namentos e aplicação de soros antivenenos. Levanta-mento estatístico, realizado entre o ano de 1995 e 2000,demonstra um atendimento médio anual de aproxima-damente 2.000 pacientes.

O período de maior turbulência do HCFMRP-USP foi na gestão do superintendente Prof. Dr. Anto-nio Carlos Pereira Martins, que assumiu o cargo emmaio de 1987 e permaneceu nele até março de 1995.O país vivia um momento de crise econômica e infla-ção alta. Nessa época, o HCFMRP-USP, após mui-tas discussões, passa a integrar, oficialmente, o Siste-ma Único de Saúde. A UE recebeu, nesse período,nova área de acesso de pacientes que podiam aguar-dar o atendimento em sala de espera mais ampla.

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50 anos FMRP-USP

No ano de 1993, a UE passa a ser dirigida peloProf. Dr. José Ivan de Andrade. Com a proliferaçãodos casos da Síndrome da Imunodeficiência Adquiri-da (SIDA), o hospital entra em sua fase mais crítica.A demanda ultrapassa os limites da capacidade insta-lada, causando problemas de superlotação. A taxa deocupação na UE ultrapassa 120%. Pacientes, enca-minhados de outros hospitais da Região e até de ou-tros Estados, e mais os da própria cidade, se espremi-am nas enfermarias, ambulatórios e corredores dohospital.

A falta de recursos humanos e infra-estruturafizeram cair a qualidade do atendimento. Os médicostrabalhavam num clima de insegurança e, muitas ve-zes, sob pressão. Em diversas ocasiões, segundo oProf. Andrade, o corpo clínico do Hospital das Clíni-cas se deparou com o dilema ético, de escolher qualseria o paciente a ser atendido primeiro e qual delespoderia suportar um pouco mais a dor. O ex-dirigenteconta, ainda, que, em alguns casos, teve que tomarmedidas drásticas, para tentar diminuir o fluxo de pa-cientes. Em diversas situações, mandou de volta osdoentes que não apresentavam um quadro clínico demaior gravidade e até chegou a denunciar colegas aoConselho Regional de Medicina por encaminhamentoindevido de pacientes.

As dificuldades encontradas nesse período nãoforam superadas da noite para o dia. As ações admi-nistrativas acabaram tendo efeito gradativo. Com aimplantação da Unidade Especial de Tratamento deDoenças Infecciosas (UETDI), em 17 de junho de1996, os pacientes com SIDA passaram a ter segui-mento e atendimento na nova área do Hospital Cam-pus. Outra medida para tentar diminuir o número depacientes internados na UE foi o processo de desen-volvimento das centrais de controle de vagas. As pri-meiras unidades a operar com o programa de distri-buição de casos foram a Psiquiatria e a Obstetrícia,no ano de 1991.

Nesse período, foi criada a Fundação de Apoioao Ensino, Pesquisa e Assistência (FAEPA), com afinalidade de obter receita adicional e administrar osrecursos arrecadados pelo hospital. A FAEPA foi ins-tituída oficialmente em 31 de agosto de 1988. Os re-cursos gerados pelo Hospital das Clínicas e adminis-trados pela FAEPA permitiam investimentos em pes-soal, na manutenção básica do hospital, no aprimora-mento da estrutura física e na atualização de equipa-mentos médicos para diagnóstico e terapêutica. O Prof.Dr. Martins deixou a Superintendência do HCFMRP-USP em 1995, quando, então, assumiu o atual supe-rintendente, o Prof. Dr. Marcos Felipe Silva de Sá.

A partir de 1995, com o apoio da FAEPA, aAdministração do HCFMRP-USP reforça a atençãodispensada à UE. Na época, as condições de trabalhoali existentes comprometiam seriamente a qualidadedo atendimento, assim como tornavam os servidoresextremamente desmotivados. Havia deterioração dopróprio prédio e sucateamento de seus equipamentos.

A UE era vítima do velho modelo de atenção àsaúde, com assistência centrada nos serviços hospita-lares, bem como da falta de organização do SistemaÚnico de Saúde (SUS), então recém-criado e comcarência de recursos.

Era necessário redefinir o papel da UE, tendoem vista a sua importância para a Região, bem comopor ela se constituir a linha de frente na interface en-tre a Faculdade de Medicina, através do seu Hospitaldas Clínicas, e a Comunidade. A exposição negativaera tão forte que colocava em risco o próprio prestígiodo Hospital das Clínicas e da Universidade, a pontode suscitar, internamente, discussões sobre a conve-niência da permanência dos Departamentos daFMRP-USP na UE.

Com a implantação do Projeto Reforsus, em1996, pelo Governo Federal, vislumbrou-se a oportu-nidade de serem feitos os investimentos necessáriospara readequar a UE, tanto no que diz respeito a equi-pamentos como a áreas físicas e às suas reais finali-dades. Os recursos do Reforsus resultaram de acor-do entre o Banco Interamericano de Desenvolvimen-to e o Banco Mundial. O Projeto Reforsus tinha, comometas, o fortalecimento da rede de saúde, com finan-ciamento de projetos para a recuperação física, tec-nológica, gerencial e operacional das Unidades deSaúde, visando à ampliação do acesso da populaçãobrasileira aos serviços.

Com apoio dos 25 Secretários Municipais deSaúde da Região, conseguiu-se a adequação do plei-to, junto ao Projeto Reforsus, para a UE.

A administração do Prof. Andrade durou até1999. Com ele, foram dados os primeiros passos paraa modernização da estrutura física. Em maio de 1999,assume a Coordenação das Atividades Administrati-vas o Prof. Dr. José Sebastião dos Santos. O projetode restauração física e de sintonia com a Política Pú-blica de Saúde é fortalecido com os investimentos re-cebidos. Entre 1996 e 2002, a UE é contemplada comR$ 9.492.646,00 pelo Projeto Reforsus, com contra-partida de 18,3% deste total pelo Estado de São Pau-lo. A FAEPA participou com R$ 7.601.016,00 emobras e equipamentos não supridos pelo Reforsus. AUE é restaurada e modifica seu modelo de gestão ede assistência. (Figura 5)

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Unidade de Emergência

Figura 5 - Fachada da Unidade de Emergência (2002).

Figura 4 - Fachada da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas após construção da marquise edo Serviço de Nutrição (1987)

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50 anos FMRP-USP

A interdependência administrativa da UE emrelação ao Hospital Campus foi minimizada, com adescentralização da estrutura administrativa, median-te a implantação da gestão compartilhada, centradano planejamento e na execução colegiada.

A parceria com a Secretaria Municipal de Saú-de e a DIR XVIII para implantação da Central Únicade Regulação Médica (CURM), construída no 2º se-mestre de 1999, permitiu, paulatinamente, a organiza-ção do fluxo de pacientes, com redução progressivadas taxas de ocupação de leitos a níveis eticamenteaceitáveis. Restringiram-se as consultas aos casos comreal necessidade, o que traduziu em melhoria sensívelna qualidade do atendimento.

Grande ênfase foi dada aos aspectos da huma-nização do atendimento, a começar pelo acolhimentodos pacientes. As visitas passaram a ser diárias e aolongo do dia, com permissão para acompanhantes,mesmo nas salas de atendimento.

Houve um grande esforço para adequar a UE àsnovas necessidades. De 15 leitos existentes para pacien-tes críticos, em 1999, passou-se para 34 no ano de 2000,o que representa um incremento de mais de 100%.

Face às necessidades epidemiológicas, houveredefinição de ocupação das áreas com adequaçãofísica para implantação de 10 leitos para cuidados semi-intensivos, destinados a pacientes com afecções clíni-cas, neurológicas e cirúrgicas. Finalmente, atendendoàs necessidades de acolhimento para as afecções in-fectocontagiosas foram destinados 10 leitos de isola-mento para os doentes clínicos, neurológicos e cirúr-gicos.

Em consideração às atividades acadêmicas, fo-ram reformados os 3 anfiteatros da UE (Figura 6), hojedotados de todos os modernos recursos audiovisuais.

Foi criado o Centro de Estudos em Emergênci-as com o objetivo de apoiar as atividades do ensino(Figura 7), de estimular o desenvolvimento da especi-alização em emergências médicas e de alavancar osprojetos de pesquisa na área.

3. A REFORMA ADMINISTRATIVA

A reforma administrativa na UE pode ser vistacomo um processo de desacumulação de valores dacultura organizacional, motivada pelo esgotamento dosistema administrativo, vigente nas últimas décadas.Esse movimento transferiu valores da gerência cientí-fica, principalmente, no que se refere à verticalizaçãoda estrutura organizacional e da lógica de dominação- subordinação, para uma perspectiva de gestão

colegiada, sustentada no intercâmbio de idéias múlti-plas, com inclusão da racionalidade de quem executaos processos.

Essa postura administrativa requereu a cons-trução de uma topografia organizacional mais horizon-talizada e com novas formas de relações institucionais.Assim, a UE foi segmentada em 13 Unidades Funcio-nais, que dispõem de serviços claramente definidos ediretrizes básicas de funcionamento.

Cada unidade funcional possui uma equipe degestão, que congrega todos os profissionais que pres-tam serviços naquela área de trabalho, os quais, emconjunto, gozam de autonomia no que tange à apreci-ação e redefinição do modelo técnico, gerencial e as-sistencial. Portanto, todos podem e devem participarda formulação das diretrizes e do planejamento do pro-cesso de trabalho, recriando os modos de atuação pro-fissional e de organização da prestação de serviços,revitalizando os padrões de responsabilidade para coma assistência aos usuários.

Da equipe de gestão emana a escolha de umgrupo gestor, composto por representantes de cadacategoria profissional, escolhidos entre os pares, commandato de 2 anos. Ao grupo compete a gestão admi-nistrativa e assistencial da Unidade Funcional commedidas necessárias à implementação dos planos deatuação, delineados em consonância com as políticasgeradas pela Coordenação do Hospital.

Para melhor funcionalidade, cada Grupo Gestorelege um gestor, que tem o papel de animador e coor-denador da equipe de gestão, sendo o gerente estraté-gico no monitoramento da execução dos planos deli-neados para a Unidade Funcional.

O Conselho de Gestores congrega os eleitos, afim de processar às demandas de interface e interde-pendência das diferentes Unidades Funcionais, forta-lecendo a idéia de rede institucional.

Essa estrutura organizacional, alocada nos es-paços de produção de serviços, conta com o apoio deuma equipe de supervisores e responsáveis técnicospara cada categoria profissional. No âmbito particularde cada categoria profissional, cada supervisor ou res-ponsável técnico desempenha o papel de apoiador,instrumentalizando as práticas de atenção hospitalar eabastecendo suas equipes com orientações e açõesde regulação do exercício profissional.

Na estrutura organizacional, o Coordenador estáapoiado pela Equipe de Planejamento e pelo ConselhoMultiprofissional e Multidisciplinar. (Organogramaabaixo) Os colegiados, mediante análise da conjuntu-ra interna e externa das políticas de saúde e de forma-

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Unidade de Emergência

ção de profissionais para o setor, auxiliam na institui-ção e na implementação de diretrizes gerais de aten-ção hospitalar às urgências, articuladas com a rede deserviços do SUS.

Em síntese, a Gestão Colegiada abriu espaçopara as distintas racionalidades, incluindo as dimen-sões afetivas e os mecanismos de identificação e par-ticipação do conjunto de profissionais, os quais aca-bam por modular as ações técnicas, pertinentes aomodelo assistencial.

4. A ORDENAÇÃO DO ACESSO À REDE AS-SISTENCIAL DE URGÊNCIA PELA RE-GULAÇÃO MÉDICA E O IMPACTO NASATIVIDADES DA UNIDADE DE EMER-GÊNCIA

Na história recente do Sistema de Saúde Brasi-leiro, o descompasso entre a conquista de direitos pelapopulação e a falta de condições para garantí-los po-dem ajudar na compreensão das disfunções dos servi-ços de urgência.

De acordo com a Constituição Federal Brasi-

leira, de 1988, a saúde é um direito social do cidadão,garantido por meio de esforço conjunto da União, dosEstados e dos Municípios. Com base em tal direito,em 1990, o SUS foi instituído com garantia dos princí-pios do cuidado universal, integral e da eqüidade deacesso aos serviços de saúde. Ainda foi prevista aconstrução de um modelo de atenção à saúde, comserviços públicos e ações integradas a uma rederegionalizada e hierarquizada, com base na complexi-dade das atividades assistenciais.

Apesar das conquistas social e política, garan-tidas pela Constituição, os Gestores do SUS, dos Ser-viços Assistenciais e das Escolas de Saúde não foramcapazes de pactuar a introdução de mudanças funda-mentais no modelo de atenção à saúde e de formaçãodos seus profissionais.

As atividades assistenciais e educacionais con-tinuaram centradas nos hospitais que, providos de re-cursos tecnológicos e de profissionais especializadosgarantem o primeiro atendimento de pacientes porta-dores de doenças agudas, em todos os níveis de com-plexidade. Assim, a falta de pactuação de uma redeassistencial, de complexidade crescente, o controle

Organograma Administrativo da Unidade de Emergência.

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insuficiente dos fatores de risco à saúde individual ecoletiva e o baixo rendimento dos serviços de atençãoprimária são, dentre outras, as causas da sobrecargados Serviços de Urgência, sobretudo dos HospitaisUniversitários.

As Salas de Urgência desses hospitais recebempacientes sem encaminhamentos ou encaminhados deforma inadequada. A capacidade de acomodação, emgeral, é ultrapassada e é freqüente os pacientes ocu-parem os corredores em macas, cadeiras de rodas eaté mesmo no chão. (Figura 8) O trabalho é caótico eos conflitos entre equipes de saúde, pacientes e fami-liares se transformam, com freqüência, em mediaçãonas Comissões de Ética, na Polícia e na Justiça.

Em outubro de 1996, o Sistema de AtendimentoMédico de Urgência (SAMU) é implementado emRibeirão Preto pela Secretaria Municipal de Saúde(Figura 9) e inicia-se a assistência médica, móvel, pré-hospitalar, com a tentativa de direcionar o fluxo depacientes.

A ordenação do fluxo de pacientes para os ser-viços hospitalares de referência, por meio de ações doatendimento pré-hospitalar e da Regulação Médica,foi pactuada no segundo semestre de 1999, medianteentendimentos entre a UE, a Direção Regional de Saú-de XVIII e a Secretaria Municipal de Saúde de Ribei-rão Preto. Preliminarmente, foram mapeados os re-cursos assistenciais de urgência, com a definição da hie-rarquização, do acesso e da capacidade assistencial,oferecida pelos prestadores de serviço. Na época, ficoupactuado entre os gestores, os prestadores e a popula-ção que as Unidades Básicas e os Centros de Saúdepassariam a ser a porta de entrada para os Serviçosde Urgência. Ademais, com os recursos já existentes,organizou-se a Central Única de Regulação Médica(CURM), que assumiu a função de ordenar o fluxo depacientes e garantir o acesso para a rede hospitalar.

A UE assumiu, perante o sistema, a referênciapara os cuidados aos casos mais complexos de uma re-gião que abrange cerca de 4 milhões de pessoas. Valelembrar que, na época, a Sala de Atendimento da UEtrabalhava com uma sobrecarga flagrante na avaliaçãode pacientes encaminhados ou que a procuravam espon-taneamente para atendimento, de forma inadequada.

Trabalhando com as orientações do SUS, maisespecificamente das Portarias do Ministério da Saúde824/99, e suas reedições (814/01 e 8720/02), a Secre-taria de Estado da Saúde, a Secretaria Municipal daSaúde, o SAMU, o Corpo de Bombeiros e oHCFMRP-USP fundiram os seus recursos e suas prá-ticas junto à CURM. Com vistas ao fortalecimento

político e técnico do processo, as Universidades, aPolícia Militar, os Conselhos Regional de Medicina eMunicipal de Saúde de Ribeirão Preto, o Centro deMedicina Legal, os Hospitais Filantrópicos e as Con-cessionárias de Autovias foram convidados a partici-par do processo de Gestão da CURM. Nesse momento,a Atenção às Urgências ganhava um instrumento decomunicação e assistência e, principalmente, de ges-tão dos seus recursos. Em janeiro do ano de 2000, osmédicos reguladores e os auxiliares de comunicaçãopassaram a operar junto à CURM, via telefone, fax erádio, recebendo, diuturnamente, chamados de domi-cílios, dos logradouros públicos, dos estabelecimentosde saúde e do atendimento pré-hospitalar. A CURM(Figura 10), mediante avaliação da gravidade e da dis-ponibilidade de recursos, passou a organizar o fluxopara os hospitais.

A equipe técnica da CURM passou a racionali-zar a utilização dos recursos hospitalares, preservandoos espaços aptos a atender a alta complexidade, ga-rantindo o atendimento imediato às situações que co-locam a vida em perigo iminente. Assim, pacientes quenão demandam investigação e procedimentos especi-alizados, em geral, não são mais encaminhados à UE.

Vê-se que a redução do número de encami-nhamentos para a UE foi significativa, quando se co-tejam os dados do ano de 1999 com os observados em2000, 2001 e 2002. (Gráfico 1) O maior impacto dasações da CURM ocorreu com o fluxo de adultos. Aredução do fluxo de crianças para a UE já estava ocor-rendo progressivamente, em função da organizaçãodo SUS e do preparo dos pediatras para o cuidadointegral às crianças, com ações de promoção à saúde,prevenção de doenças e tratamento curativo em to-dos os níveis de atenção.

A percentagem de ocupação de leitos na UE,antes das ações da Regulação Médica, eram inaceitá-veis: em 1999, atingiu 113%. Havia pacientes mal aco-lhidos, subavaliados e subtratados, em macas e cadei-ras de roda, nos corredores do hospital. No ano de2000, a taxa de ocupação, em média, foi de 97,1%, noano de 2001, em média, foi de 88,4% e, em 2002, de90,3%. (Gráfico 2).

Todavia, as áreas de Clínica Médica e Ortope-dia ainda trabalham com taxas superiores a 100% deocupação (Gráfico 3), o que indica, para os gestores dasaúde e para os dirigentes dos aparelhos formadores eadministradores hospitalares, que a atenção ao idoso eà violência no trânsito precisam ser equacionadas.

A média da permanência hospitalar, após a re-gulação médica, aumentou, em função da maior gravi-

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Figura 6 - (esquerda) Sala de aula. (direita) Anfiteatro Waldemar B. Pessoa.

Figura 10 - Base Municipal da Central Única de Regula-ção Médica - Ribeirão Preto.

Figura 9 - Atendimento pré-hospitalar do SAMU de Ribei-rão Preto.

Figura 7 - (esquerda): Centro de Estudos de Emergência em Saúde. (direita): Visita coletiva à enfermaria de ClínicaMédica (2002).

Figura 8 - Corredor de hospital, ocupado porpacientes à espera de atendimento.Reproduzida de matéria do Conselho Federalde Medicina, dezembro de 1998.

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dade dos casos. (Gráfico 4) Assim, outras estratégiasde assistência à saúde (programa de saúde da família,assistência domiciliar, internação domiciliar, unidadesde retaguarda e reabilitação), que podem reduzir apermanência hospitalar e qualificar o processo assis-tencial, precisam ser implementadas ou fortalecidas.

Embora a UE esteja recebendo do SUS os ca-sos mais complexos e ainda atue com taxas de ocupa-ção elevadas em algumas áreas, houve redução dis-creta do coeficiente de mortalidade (Gráfico 5), fenô-meno que coincidiu com o início das atividades daRegulação Médica e outros ajustes realizados no âm-bito da Unidade de Emergência, como a ampliação deleitos para pacientes críticos.

Gráfico 4 - Evolução anual da média de permanência hospitalarda UE do HCFMRP - USP mediante início da Regulação Médica, noano de 2000.

Esses ajustes contribuíram para o início, há 2anos, do processo de humanização no atendimento deurgência na UE. Com a redução da superlotação naSala de Urgência, foi organizado um espaço para oacolhimento dos dramas social e psicológico dos pa-cientes e familiares, que se deparam com agravosagudos à saúde. (Figuras 11a e 11b) As visitas aosdoentes passaram a ser diárias e tiveram seus horári-os ampliados. Ademais, pode-se garantir, dentro daslimitações estruturais da UE, o acompanhante paracrianças, adolescentes, idosos, deficientes físicos e men-tais e para pacientes em atendimento.

5. PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO

A Unidade de Emergência do Hospital das Clí-nicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto -USP vem implantando um programa de humanização,que se desenvolveu conjuntamente com as reformasna estrutura física, as mudanças na organização doacesso ao sistema de urgência e emergência, a insta-lação de um modelo de gestão compartilhada e a ca-pacitação dos seus trabalhadores.

Gráfico 5 - Evolução anual da média do coeficiente de mortalida-de da UE do HCFMRP- USP mediante início da Regulação Médica,no ano de 2000.

Gráfico 1 - Evolução do número de consultas na UE-HCFMRP-USP mediante início da Regulação Médica, no ano de 2000.

Gráfico 2 - Evolução anual da média de percentagem de ocupa-ção de leitos na UE-HCFMRP- USP após o início da RegulaçãoMédica no ano de 2000.

Gráfico 3 - Evolução da média da percentagem de ocupação nasdiferentes clínicas da UE do HCFMRP-USP mediante início daRegulação Médica, no ano de 2000.

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As reformas na estrutura física têm garantidoa melhor acomodação dos usuários, dos funcionáriose a instalação de novas formas de cuidado.

Com melhores condições de atendimento àsnecessidades de saúde dos pacientes, foi possível pen-sar na criação de um espaço de acolhimento. O horá-rio de visitas foi ampliado. Nas enfermarias, os pa-cientes recebem visitas das 13:00 às 21:00 h, na Salade Urgências Clínicas e no Ambulatório de Pediatriaa visita está liberada nas 24 horas, podendo cada visi-tante permanecer 15 minutos junto ao pacientes; nosespaços especiais (CTI, Sala de Trauma, Sala de Es-tabilização Clínica, Unidade de Queimados e Centrode Recuperação Pós-Anestésica) há horários especí-ficos para visita nos 3 períodos do dia. Com isso, opaciente pode contar com o apoio familiar mais cons-tante durante o período de hospitalização, e a comuni-dade passa a ter maior proximidade do trabalho dasequipes de saúde.

O Serviço Social está disponível nas 24 horas,oferecendo um espaço para o acolhimento das neces-sidades sociais e emocionais dos pacientes e de seus

familiares. As situações especiais, como óbito, violên-cia, trauma grave recebem atenção especial com pri-vacidade para as manifestações emocionais, procu-rando-se estabelecer condições para um atendimentomultiprofissional, com a presença de médicos, assis-tentes sociais, psicólogos e enfermeiros.

A instalação de um modelo de gestão partici-pativa, que prioriza a administração através de espa-ços coletivos, contribui para o processo de humaniza-ção, à medida que valoriza e garante a inclusão doprofissional e do usuário no planejamento, análise, to-mada de decisão e execução de projetos a serem de-senvolvidos nos espaços onde estão inseridos.

Dessa forma, o funcionamento da UE passa aoferecer clareza das necessidades técnicas e admi-nistrativas e, principalmente, daquelas diretamente li-gadas às relações interpessoais, tanto entre profissio-nais quanto entre equipe de saúde e usuários, apon-tando as necessidades de investimento na capacita-ção dos servidores, para o desempenho técnico e nasrelações interpessoais.

Na UE, foram introduzidos os programas de ca-pacitação técnica dos profissionais de saúde, destina-dos a médicos e enfermeiros e treinamentos específi-cos para os profissionais de infra-estrutura, manuten-ção e higiene e limpeza. Também, têm sido desenvol-vidos programas com ênfase na abordagem das rela-ções interpessoais. Para tal, foram criados grupos depsicodrama e musicoterapia, com participação volun-tária, no horário de trabalho, e que tem como objetivocapacitar os profissionais para o acolhimento nas açõesque envolvem o público interno e o externo.

6. REESTRUTURAÇÃO FÍSICA E FUNCIO-NAL DA UNIDADE DE EMERGÊNCIA

Dentre outros, 5 processos, atuando de formaconvergente, exerceram influência no rearranjo físi-co-funcional da UE, entre os anos de 1999 e 2002.• O ajuste das relações entre a UE e o SUS, em fun-

ção da implantação do SAMU e da CURM.• As mudanças no modelo de gestão da UE com a

criação das 13 Unidades Funcionais.• A introdução de estratégias de controle público, por

meio da ampliação do horário de visitas, da flexibi-lização e garantia de acompanhantes para os paci-entes e da implantação do Serviço de Ouvidoria.

• A motivação para capacitação técnica, gerencial ede interação grupal.

• A busca do padrão sanitário no ambiente de traba-lho.

Figura 11a - Corredor da Sala de Urgência da UE após ordenaçãodo fluxo de pacientes.

Figura 11b - Sala de acolhimento psicossocial de familiares.

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Dessa forma, houve deslocamentos de servi-ços, fusões de práticas e de serviços, ampliação dealguns serviços e criação de novos serviços.

O prédio da UE com os Blocos, chamados deA e B, passou por uma reorganização. No pavimentotérreo, as áreas agregadas ao Bloco A e B foram des-tinadas às atividades administrativas, acadêmicas e deapoio aos trabalhadores e ao Hospital. Nos andaresdo Bloco A, concentraram-se as enfermarias e, noBloco B, estão localizados alguns serviços de apoio eáreas assistenciais de acesso mais restrito para pa-cientes com cuidados especiais. (Tabela I)

Em linhas gerais, a administração, os serviçosde apoio ao hospital e as atividades acadêmicas paragrandes grupos foram deslocados da área assistencialdo hospital. O pavimento térreo do Bloco A e do Bpassou a abrigar apenas a Sala de Urgência dos adul-tos. (Figura 12)

As áreas de internação para crianças que esta-vam no 1º, 2º e 3º andares estão concentradas no 1ºandar. (Figura 13)

No 2º andar (Bloco A), está a enfermaria paraadultos com afecções clínicas e neurológicas, (Figura14) e, no Bloco B, fica o isolamento e semi-intensivo.

No 3º andar, (Bloco A) estão localizadas as en-fermarias e o isolamento para os pacientes cirúrgicos

(Figura 15), e no Bloco B, o Centro de Terapia Inten-siva e a Unidade Respiratória.

No 4º andar, (Bloco A) está a Unidade de Quei-mados e no Bloco B estão os Centros Cirúrgico, deRecuperação Pós-Anestesia e de Terapia Intensiva.(Figura 16)

Recentemente, foi inaugurada uma área de Cul-tura e Lazer entre os Blocos A e B, dotada de um pátiointerno no andar térreo e de um mezanino no 1º andar.(Figura 17) A área tem a finalidade de abrigar ativida-des recreativas, destinada aos trabalhadores e pacien-tes. Também possibilita o apoio a pequenos encontrosacadêmicos, científicos e de capacitação, bem como ser-ve para manifestações festivas, religiosas e culturais.

Assim, nos últimos anos, a interação da UE comas políticas públicas de atenção às urgências, redefi-niu sua missão e o seu paradigma de trabalho junto àsociedade.

As dúvidas existentes quanto aos reflexos dasmudanças na qualidade de assistência do Hospital dasClínicas bem como no ensino da FMRP-USP foram,aos poucos, dirimidas. Os ajustes feitos no complexoHospital das Clínicas, FMRP-USP e Unidade de Emer-gência têm sido testados e aprovados por meio de ava-liações externas.

Nossos estudantes, por meio do Provão do Mi-nistério da Educação, nos últimosanos, têm situado a FMRP-USPentre as 6 melhores Instituições doPaís. No ano de 2002, nossa Fa-culdade obteve o melhor desempe-nho nacional nessa modalidade deavaliação. (Gráficos 6 e 7)

O entendimento feito para aconstrução de uma rede assisten-cial, hierarquizada e regulada como fluxo adequado à capacidade fí-sica e funcional, associado ao aco-lhimento do Hospital das Clínicasforam avaliados e aprovados poragentes externos e pela população.Recentemente, o Hospital das Clí-nicas de Ribeirão Preto, foi contem-plado pelo Ministério da Saúde como Prêmio Qualidade Hospitalar- 2001 - Categoria Nacional, (Fi-gura 17) ficando entre os 10 me-lhores classificados do País, medi-ante avaliação de desempenho fei-ta pelos usuários do Sistema Únicode Saúde.

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Figura 12a - Sala de Estabilização Clínica. Figura 12b - Sala de Trauma.

Figura 17 - Área de Cultura e Lazer.

Figura 15 - Enfermaria das Clínicas Cirúrgicas

Figura 13 - Enfermaria das crianças.

Figura 14 - Enfermaria das Clínicas Médicas e Neurológica.

Figura 16 - Centro de Terapia Intensiva de Adultos.

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Gráfico 6 – Proporção (%) de alunos das diferentes faculdades,situada no quartil inferior (25% dos piores resultados) do Provão.

Gráfico 7 – Proporção (%) de alunos das diferentes faculdades,situada no quartil superior (25% dos melhores resultados) doProvão.

Figura 18 - Ministro da Saúde, Barjas Negri, entrega Prêmio Qualidade Hospitalar 2001ao Superintendente do HCFMRP-USP, Prof. Dr. Marcos Felipe Silva de Sá, em 2002.

No ano de 2002, o processo de organizaçãoda Rede de atenção às urgências mediante ordena-ção pela regulação médica e o impacto nas práti-cas e nos indicadores hospitalares da Unidade deEmergência por apreciado no Programa de GestãoPública e Cidadania. Na oportunidade, dentre os 981projetos inscritos, a Unidade de Emergência foi pre-

miada e como semifinalista e recebeu diplomaçãoauferida pelas fundações Getulio Vargas e Ford.

Colaboraram na elaboração deste artigo o jor-nalista Luiz Henrique Porto, os professores doutores:Marisa M. de Azevedo Marques, Sandro Scarpelini,Clarice A. Ferraz, a psicológa Silvia A. Tenan Maga-lhães e a assistente social Edna de Almeida.

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