da fissura À metÁfora: alguns apontamentos sobre o trabalho do tradutor ad sob o ponto de vista da...
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DA FISSURA À METÁFORA: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE
O TRABALHO DO TRADUTOR SOB O PONTO DE VISTA DA ADAD
Profa. Solange MittmannUFRGS
CIELLI 2012 – Maringá/PR
O leitor diante do texto traduzido• Só tem acesso às palavras do tradutor• Esquece que há um tradutor• Lê como se estivesse em contato direto
com o autor do original• Deseja o apagamento do tradutor• Não aceita marcas do trabalho de
tradução, pois isso faz lembrar que não está diante do original
Consequência política/econômica• Imagem da tradução como transporte do
significado do original• Esquecimento de que o texto traduzido é
resultado de um trabalho• Desvalorização do trabalho “invisível”• Não impressão do nome do tradutor na
capa do livro• Não pagamento dos direitos autorais• Por que você não cobra o preço de um
xerox?
Sobre as N.T. em textos literários
• Desfaz a fluência• É como sair da cama quentinha para ver
que barulho é aquele lá no porão (LFV)• Desfaz a ilusão de estar lendo as palavras
do autor do original• Desfaz o efeito de transparência• Leva à imagem de quem alguém já
desvelou o original: tradutor como invasor
Cem anos de solidãoTradução de Eric Nepomuceno Chegava um homem descomunal. Suas costas
quadradas mal cabiam pelas portas. Tinha uma medalhinha da Virgem dos Remédios pendurada no pescoço de bisonte, os braços e o peito completamente bordados de tatuagens misteriosas, e no pulso direito a apertada pulseira de cobre dos niños-en-cruz. Era a lenda incorporada nele: a de que os homens de força insuperável e corpo invulnerável abriam um talho no pulso, enterravam ali uma pequena cruz de metal, e fechavam a cicatriz com a pulseira. Tinha o couro curtido pelo sal da intempérie, o cabelo curto e arrepiado como as crinas de um mulo, as mandíbulas férreas e o olhar triste.
Cem anos de solidãoTradução de Eliane Zagury
Chegava um homem descomunal. Os seus ombros quadrados mal cabiam nas portas. Trazia uma medalhinha da Virgem dos Remédios pendurada no pescoço de búfalo, os braços e o peito completamente bordados de tatuagens enigmáticas, e na munheca direita o apertado bracelete de cobre dos niños-en-cruz.* Tinha o couro curtido pelo sal da intempérie, o cabelo curto e aparado como a crina de uma mula, as mandíbulas férreas e o olhar triste.
Cem anos de solidãoTradução de Eliane Zagury
* Explicação do autor à tradutora: “Segundo uma lenda popular, alguns homens fazem abrir o pulso e ali meter uma pequena cruz especial fechando-o depois com uma pulseira de ferro ou cobre. Isto, segundo a lenda, lhes dá uma força extraordinária.”
O incômodo da N.T.
“O que temos aqui é a questão da presença física do tradutor. Sua própria declaração de que chegou primeiro, desvendou um mistério, tornou-se guia e informante do leitor.” (LYRA, 1998)
Imaginário sobre a leitura e, consequentemente, a tradução
Imagem tradicional:emissor mensagem/códigoS receptor decodifica, resgataImagem contemporânea:sujeito1 discurso sujeito 2 sujeito 3 sujeito 4 entram na rede de sentidos produzem efeitos
Imagem sobre o tradutor Imagem tradicional: como um intruso que
deve funcionar como uma ponte invisível
Imagem contemporânea: como mais um leitor, como produtor do texto da tradução, uma possibilidade de interpretação entre tantas outras.
A constituição do discurso Não fronteira entre dentro
e fora Efeito de um Fragmentos que se
aproximam Sob determinação da FD Sustentado por pré-
construídos
Um aspecto fundamental, que faz toda diferença ao pensar a tradução
Texto e exterioridade
“O texto não pode ser assim visto como uma unidade fechada pois ele tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginados), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação) e com o que chamamos exterioridade constitutiva, ou seja, o interdiscurso, a memória do dizer (o que fala antes, em outro lugar, independentemente).” (ORLANDI, 2001).
O sujeito tradutor
Como leitor do texto 1 e como autor do texto 2:
Interpelação
Injunção à interpretação
Direcionamento do sentido
Autoria
Questionar o imaginário:• do sujeito como unidade ativa de uma
consciência intencional • da língua como instrumento de
comunicação das ações e expressões desse sujeito
(Pêcheux, 2011)
Da subjetividade ao assujeitamento
“Isso supõe que o sujeito deixe de ser considerado como o eu-consciência mestre do sentido e seja reconhecido como assujeitado do discurso: da noção de subjetividade ou intersubjetividade passamos assim à de assujeitamento.” (Pêcheux, 2011)
Do assujeitamento à tomada de posição
Efeito sujeito: efeito de origem, efeito de responsabilidade
Tomada de posição: modo de o sujeito se relacionar com a Formação Discursiva
Tradutor: determinado por determinado a
AUTORIA
Autoria “o sujeito ocupa a posição de autor quando
retroage sobre o processo de produção de sentidos, procurando ‘amarrar’ a dispersão que está sempre virtualmente se instalando, devido à equivocidade da língua” (TFOUNI, 2008)
Esquecimentos e disfarces necessárioso Dispersãoo Efeito metafóricoo Deslizamentoso Faltao Falhao Contradição
Unidade Denotação X conotação Estabilidade Plenitude Controle Coerência
Função-autor Função-tradutor
Função-autor: princípio de organização e de efeito de um, efeito de origem (cfe. Foucault, 1969)
Função-tradutor: estar entre duas línguas, levar ao efeito de proximidade entre dois discursos
Heterogeneidade e efeito de unidade
Na produção do texto: heterogeneidade e efeito de unidade
Na leitura do texto: desfaz-se o efeito de unidade, a heterogeneidade possibilita a interpretação, refaz-se o efeito de unidade
Heterogeneidade provisoriamente estruturada (cfe. Indursky, 2001)
O tradutor na turbulência
“Tomada no âmbito da história e do discurso, a passagem de um ato de enunciação para outra língua não acontece sem interpelação. Isso implica dizer que o sujeito que traduz não pode se constituir a não ser perdendo-se na turbulência dos discursos que se encarregam do destino do dizer submetido à passagem.” (Souza, 2010)
Questão “Como seria pensar o sujeito, efeito de equívoco,
enunciando não mais fixado apenas em certo sistema linguístico, mas no seu dizer em trânsito entre uma língua e outra? O que se passa quando o caso não é falar uma mesma língua de muitos modos, mas simplesmente falar em mais de uma, sendo incitado a transferir relações de sentido e interpelado no ponto em que simbolicamente um espaço linguístico é irredutível a outro, e que portanto são mutuamente irredutíveis os sentidos que se processam em distintos territórios linguísticos?” (Souza, 2010)
Efeito metafórico• Deslizamento do enunciado• Sempre uma palavra pela outra• Entre pontos de deriva• Numa língua fluida, não numa língua
rígida• Demanda interpretação• Possibilita a tradução• Leva à seleção e à renúncia
Sobre a metáfora “não há, de início, uma estrutura sêmica
do objeto, e em seguida aplicações variadas dessa estrutura nesta ou naquela situação, mas que a referência discursiva do objeto já é construída em formações discursivas (técnicas, morais, políticas...)” (Pêcheux, 2011)
O discurso entre o imposto e o interditado
Nas bordas porosas do discurso marcam presença-ausência:
- outros discursos possíveis na mesma FD(o que pode/deve ser dito)
- outros discursos impossíveis naquela FD(o que não pode / não deve ser dito)
Cem anos de solidãoTradução de Eliane Zagury Amaranta estava perdida por demais no labirinto
das suas lembranças para entender aquelas sutilezas apologéticas. Tinha chegado à velhice com todas as suas saudades vivas. Quando escutava as valsas de Pietro Crespi sentia a mesma vontade de chorar que tivera na adolescência, como se o tempo e as suas punições não tivessem servido para nada. ... Às vezes lhe doía ter deixado com a sua passagem aquele riacho de miséria e às vezes sentia tanta raiva que espetava os dedos nas agulhas, porém mais lhe doía e com mais raiva ficava e mais lhe amargava o fragrante e bichado goiabal de amor que ia arrastando até a morte.*
Cien años de soledad
A veces le dolía haber dejado a su paso aquel reguero de miseria, e a veces le daba tanta rabia que se pinchaba los dedos con las agujas, pero más le dolía y más rabia le daba, y más la amargaba el fragante y agusanado guayabal de amor, que iba arrastrando hacia a la morte.
Cem anos de solidãoTradução de Eric Nepomuceno
Às vezes doía nela ter deixado aquele rastro de miséria, e às vezes sentia tanta raiva que picava os dedos com a agulha, e mais doía e mais raiva dava, e mais amargava o pomar de amor, ao mesmo tempo fragrante e bichado, que ia arrastando rumo à morte.
N.T. de Eliane Zagury * Tendo sido impossível encontrar uma expressão
equivalente em português ao excelente “achado” literário de Gabriel García Márquez (...) do guayaba, preferimos manter a imagem, acrescida desta nota: a goiaba é uma fruta que bicha com muita freqüência e sem apresentar marcas externas que sirvam de aviso à pessoa que come. A partir dai, da conotação afetiva de frustração que se desenvolveu no seu significado, a palavra passou a ser empregada em sentido figurado (...) de mentira, embuste. (...) a própria escolha das palavras na série sinonímica vem a intensificar o desequilíbrio, já que fragrante é um termo que pertence à tradição do clichê literário (“nobre”, portanto), enquanto que agusanado é o termo normal da linguagem agrícola sem idealização estética. A hipérbole guayabal intensifica grotescamente a ironia da adjetivação.
A natureza do discurso é da ordem do repetível, do já-lá do interdiscurso que
funciona sob a forma de fluxo e refluxo, pela memória, no intradiscurso.
Repetição e Atualidade
Repetível do eixo horizontal: estrutura da língua
Ressalva: real da língua: equívocoRessalva: real da língua: equívoco
Repetível do eixo vertical: FD, interdiscurso
Ressalva: real da história: contradiçãoRessalva: real da história: contradição
O tradutor e a palavra
O tradutor encontra-se diante do excesso Seleciona uma palavra e descarta outras Diante da fissura, do escape, do excesso,
recorre à nota do tradutor A nota é uma forma de contenção, mas é
uma costura que deixa marca do rasgo E o rasgo é a própria possibilidade de
interpretar
Autoria do tradutor
Efeito de transparência Efeito de homogeneidade
palavra palavra palavra
P A L A V R A intra P A L A V R A intra P A L A V R AP A L A V R A intra P A L A V R A intra P A L A V R A
MEMÓRIA EM MOVIMENTO
SIGNIFICANDO
Conclusão sobre o trabalho do tradutor Percorrer os espaços de silêncio para
aquém, para além e por entre as palavras. Refletir sobre os não-ditos e os já-ditos em
outro lugar. Desconfiar da transparência, da unicidade,
da língua regulada Tomar posição e defender a legitimidade
da tradução