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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

MARIA LINDINALVA CUNHA E SILVA

A PEÇA TEATRAL COMO GÊNERO DISCURSIVO DA ESFERA LITERÁRIA:

ANÁLISE DE UMA INTERVENÇÃO NO ENSINO MÉDIO

Londrina

2011

MARIA LINDINALVA CUNHA E SILVA

A PEÇA TEATRAL COMO GÊNERO DISCURSIVO DA ESFERA LITERÁRIA:

ANÁLISE DE UMA INTERVENÇÃO NO ENSINO MÉDIO

Artigo Científico apresentado ao PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná.

Orientadora: Profª Drª. Alba Maria Perfeito

LONDRINA

2011

A PEÇA TEATRAL COMO GÊNERO DISCURSIVO DA ESFERA LITERÁRIA:

ANÁLISE DE UMA INTERVENÇÃO NO ENSINO MÉDIO

Autora: CUNHA E SILVA, Maria Lindinalva (PDE-UEL)1

Orientadora: PERFEITO, Alba Maria (PG-UEL)2

RESUMO

O presente artigo objetiva analisar a experiência com a implementação do projeto PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional), meio pelo qual foi aplicado o gênero discursivo peça teatral situado na esfera literária, com uma proposta de trabalho de língua materna, na articulação entre as práticas de leitura, análise linguística e produção textual que foi viabilizada no 2º ano do Ensino Médio, no 2º semestre do ano de 2010. Nessa perspectiva, foram abordadas as peças teatrais Sombras da Ouvidor e Ao Primeiro que viu a Maré de Ruy Jobim Neto, embasadas nas dimensões bakhtinianas dos gêneros – conteúdo temático, construção composicional e estilo - e de suas condições de produção - interlocutores, finalidade, época, local, suporte -, veiculadas por meio de um Plano de Trabalho Docente (PTD) exposto em Gasparin visando ao processo teoria-prática-teoria (GASPARIN, 2009). Este autor, baseando-se nos preceitos vigostkianos, propõe os seguintes passos, na abordagem dos conteúdos pedagógicos: prática social inicial (o que os alunos e os professores já sabem); problematização (reflexão sobre os principais problemas da prática social); instrumentalização (ações didático-pedagógicas); catarse (nova forma de entender a prática social) e, enfim, a prática social final (nova proposta de ação a partir do novo conteúdo sistematizado). Convém assinalar que tais fases constituem-se um todo indissociável e dinâmico, em que cada passo interpenetra os demais. Essa fundamentação postula a interação verbal, estabelecida pela língua com o sujeito falante e com enunciados anteriores e posteriores, em que a palavra (sinal) torna-se signo social e ideológico e, ganha diferentes sentidos, consoante o contexto.

Palavras-chave: Ensino-aprendizagem de língua; gênero discursivo peça teatral; práticas pedagógicas; Plano de Trabalho Docente;

Introdução

Historicamente, percebemos a escola como um espaço privilegiado para as

relações humanas de crescimento cultural, e aporte para ascensão social do cidadão.

Para tanto, inserir-se num processo educacional na modernidade, é estar atento e

suscetível às mudanças, bem como, estar preparado para fazer opções acertadas que

venham a contribuir com um trabalho pedagógico que reflita no sucesso do educando.

Para Bakhtin (1988), é na interação verbal, estabelecida pela língua com o sujeito

falante e com enunciados anteriores e posteriores, que a palavra (sinal) torna-se signo

social e ideológico e ganha diferentes sentidos, consoante o contexto. (PERFEITO;

RITTER, 2005)

Ainda, para o autor (2003), a arte possibilita viver várias vidas em vez de uma só,

e com isso enriquecer a experiência pessoal, e, ainda, participar internamente de outra

vida, em nome do significado comportado por ela.

Desse modo, entendemos o jovem demonstrar certo interesse pelo jogo

dramático, porém, aspectos essenciais da encenação não lhe são, normalmente,

propiciados. Muito menos, a leitura e as especificidades de construção e dialógicas do

gênero em foco.

Tendo como público alvo alunos do ensino médio, abordamos esse gênero da

esfera literária, considerando as dimensões preconizadas por Bakhtin (2003), conteúdo

temático veiculado, a organização composicional e o estilo - as marcas lingüístico-

enunciativas, de acordo com as condições de produção. (BAKHTIN, 2003).

O texto dramático é uma das possibilidades de organização do discurso literário.

Em sendo da esfera literária, tem a clara intenção de ser um canal de comunicação entre

um enunciador (dramaturgo) e um enunciatário (leitor). O diálogo é um de seus elementos

principais. É por meio dele que se configura a interação verbal, ou seja, a emissão de

enunciados dirigidos sempre a outro em condições específicas de comunicação,

marcando a construção de sentido.

Referindo-se à palavra, Pascolati (2009) afirma “é sempre orientada social e

ideologicamente para o outro. No texto dramático, essa troca ideológica, essa interação

verbal incontinente é a pedra de toque. Os sentidos brotam das falas e réplicas das

personagens, inevitavelmente condicionadas pela situação discursiva.”

Segundo a autora (2009), a teatralidade é natural no homem, se pensarmos em

sua origem: atividades como “danças tribais, ritos religiosos ou cerimônias públicas ou

ainda na tendência humana, particularmente infantil, de experimentar o mundo por meio

do jogo, do lúdico.”

No entrelace à mediação escolar, nos orientamos pela metodologia exposta em

Gasparin (2009) para um plano de trabalho docente (PTD) visando ao processo teoria-

prática-teoria, isto porque “ninguém começa do zero”, mas precisa do professor para

atingir um segundo nível de conhecimento. Assim, ressaltamos a necessidade em se

trabalhar o gênero exposto, por meio do PTD, considerando que “a escola, em cada

momento histórico, constitui uma expressão e uma resposta à sociedade na qual está

inserida.” (GASPARIN, 2009, p. 2)

Nesse contexto, percebemos a importância de desenvolver um trabalho com tal

gênero, tão presente na sociedade e, por vezes, alijado do espaço escolar.

1 Fundamentação teórica

Associando nossa prática pedagógica às teorias da linguagem, trabalhamos com

os conceitos encontrados em Bakhtin que, conjuntamente a outros teóricos, realiza

estudos que contribuem à filosofia de uma linguagem fundamentada no processo de

interação. Consoante Geraldi (2004), em tal processo o sujeito é “produto da cultura e de

suas ações sobre ela”, ou seja, é pela interação verbal (oral ou escrita) que o ser humano

se desenvolve, compreende o mundo onde vive, agindo e interagindo com outro sujeito.

Sob essa ótica, vemos a linguagem produzida por discursos. Interagir por meio

dela é realizar uma atividade discursiva significante, considerando o dito, a quem é dito,

de que forma é dita, em que contexto e circunstância houve a interlocução. Desta feita, a

produção de discursos se relaciona com outros produzidos anterior e posteriormente,

estando sempre em relação mútua, sabendo que os discursos se revelam por meio de

textos, os quais se organizam num dado gênero destacamos, para nosso estudo, a peça

teatral escrita (curta).

1.1 Panorama Histórico do Teatro

Não se pode assegurar a época de nascimento do teatro, mas, segundo Pascolati

(2009), a dimensão da teatralidade é inerente ao ser humano remontando a rituais de

danças tribais, ritos religiosos e pela necessidade de experimentar o mundo,via fantasia

e ludicidade. Citando a Poética de Aristóteles, a autora salienta a imitação como algo

natural ao ser humano e fonte de prazer.

Na Grécia Antiga, o teatro se solidificou em função das manifestações em

homenagem ao deus do vinho Dionísio (equivalente ao deus romano Baco). Por ocasião

de uma nova safra de uva, em agradecimento, realizavam procissões, as quais eram

conhecidas como Ditirambos. Ficando cada vez mais elaboradas, surgiram os "diretores

de coro" (os organizadores das procissões).

O primeiro diretor de coro foi Téspis, que foi convidado pelo tirano Prétato para

dirigir a procissão de Atenas. Téspis desenvolveu o uso de máscaras para representar,

pois, em razão do grande número de participantes, era impossível todos escutarem os

relatos, porém podiam visualizar o sentimento da cena pelas máscaras.

Em uma dessas procissões, Téspis inovou ao subir em um tablado (Thymele –

altar), para responder ao coro, e assim, tornou-se o primeiro respondedor de coro

(hypócrites). Surgiram, assim, os diálogos e Téspis tornou-se o primeiro ator grego.

Como podemos perceber, não só na Idade Média, mas também hoje, a

teatralidade ocupa espaços importantes em nosso dia a dia: apresentações artísticas de

toda natureza tomam os efeitos teatrais para si, no intuito de cativar cada vez mais uma

grande público; sem contar a esfera publicitária que constantemente usa esses recursos

como apelo ao consumismo.

O fenômeno teatral se dá pela junção de texto e espetáculo. Pascolati (2009)

lembra que estudá-lo pressupõe uma dupla dimensão: estudar o texto, a literatura

dramática e estudar o espetáculo.

Conforme Aristóteles, o drama é uma maneira de imitação e necessita da

mediação dos atores numa ação direta. Assim, ao falar da tragédia, afirma: “o espetáculo

cênico há de ser necessariamente uma das partes da tragédia” (ARISTÓTELES, apud

PASCOLATI, 2009, p.94).

Ele mesmo também confirma o espetáculo cênico como sendo “o mais

emocionante, mas também o menos artístico e o menos próprio da poesia. Na verdade,

mesmo sem a representação e sem atores, pode a tragédia manifestar seus efeitos; além

disso, a realização de um bom espetáculo mais depende do cenógrafo que do poeta”

(ARISTÓTELES, apud PASCOLATI, 2009, p. 94).

Aqui, encontramos um nó do teatro: o que é mais importante, o texto ou a

encenação? Não nos enveredaremos por esse caminho. Acreditamos na Arte e na sua

função estética. O que nos ocupará como linguistas é o texto dramático, suas

particularidades e como torná-lo atraente ao sabor de nossos discentes.

1.2 O Texto Teatral como Gênero Discursivo

A Concepção de gênero é expandida a partir de Bakhtin (2003), o qual conceitua-

o como enunciados relativamente estáveis que circulam nas diferentes esferas de

atividades humanas. Sendo a língua geradora dessas atividades, na forma do discurso

efetua-se num mecanismo histórico condicionado à cultura, à sociedade e sua ação.

(BAKHTIN, 2003).

Considerando tal concepção, o texto teatral é percebido como forma particular

de leitura que emerge num contexto situacional específico. Seu arranjo canônico suscita

no leitor maneiras de leitura “ que se impõe mais à consciência desse leitor/espectador

comum, não (expert)” (SANTOS, 2008).

Tal padrão será minuciosamente explicitado nas seções que seguem.

1.3 As Condições de Produção do Texto Dramático

A língua, seja falada ou escrita, reflete, de certa forma, a organização da

sociedade, desvelando esferas comunicativas e instaurando enunciados na forma dos

mais diversos gêneros. Tal organização deixa transparecer as tradições de grupos sociais

e traços de sua cultura.

É no contexto e vivência, que cada sociedade emana suas ideologias, isto é,

conceitos/temas materializados na forma de discursos. Nesse sentido, esses fatores é

que influenciaram e influenciam a produção deste ou daquele gênero utilitário ou literário.

O teatro é um microcosmo da sociedade. Na sociedade é que “o teatro vai ver a

reprodução de uma parte de seu todo, considerá-lo, compará-lo, aproveitá-lo em seu

desenvolvimento e perfeição”. (BOCAIÚVA apud FARIA, 1998, P. 41).

O texto dramático está ligado à situação social. Nascido da teatralidade,

inerente ao ser humano, compreendemos que seu objetivo foi se adaptando com o passar

dos tempos, desde a necessidade de reverenciar um deus, passando pela diversão do

espectador até chegar às mais variadas funções e sendo encontrado nas mais diferentes

condições de produção hoje.

Contudo, mesmo empregando uma linguagem literária, seu enunciador

(dramaturgo) parte de um contexto real, no qual as sociedades externam suas idéias,

necessidades etc., num processo de interação e construção de valores e verdades, que

vão ao longo do tempo, num processo dialético, entrelaçando-se como explica Bakhtin, ao

se referir à linguagem:

Toda enunciação efetiva, seja qual for a sua forma, contém sempre, com

maior ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou desacordo com

alguma coisa. Os contextos não estão simplesmente justapostos, como se

eles fossem indiferentes uns dos outros; mas eles encontram-se numa

situação de interação e de conflito tenso e interrompido (BAKHTIN 1992, p.

107).

Desse modo, tal como a maioria dos textos da esfera literária, a peça teatral

busca, ora de forma sutil, ora de forma irreverente, convencer o leitor/espectador de uma

verdade defendida pelo autor, levando-o a comungar da mesma posição exposta no texto,

o que objetiva um fazer-realizar, ou seja, influenciar o leitor à prática de uma ação.

Assim, trazemos à baila, as ideias de Bakhtin que enfatiza o caráter interativo da

linguagem, no qual ela é compreendida por sua natureza sócio-histórica. Para ele, “as

palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a

todas as relações sociais em todos os domínios” (BAKHTIN 1929/1988, p. 41).

Nesse sentido, a construção do discurso está intrinsecamente relacionada às

condições de produção e às direções proposicionais que se engendram num determinado

contexto.

Tomando o texto dramático nessa perspectiva, sua enunciação deve ser vista

pelas condições que levam seu criador/roteirista a adequar-se a seu interlocutor real,

variando de acordo com o grupo social, a hierarquia etc., além de considerar o espaço

físico e histórico no qual sua narração/ação acontece. Assim, Bakhtin afirma:

A enunciação humana mais primitiva, ainda que realizada por um

organismo individual, é, do ponto de vista de seu conteúdo, de sua

classificação, organizada fora do indivíduo pelas condições extra-orgânicas

do meio social. (BAKHTIN, 1992, p. 106)

Em se tratando dos aspectos orais e escritos, observamos a tentativa em manter

o êxito na conquista do espectador/leitor. Percebemos uma transposição marcada na

escrita por recursos retóricos/paratextuais tais como: as didascálias ou rubricas, a marca

das vozes, a disposição do texto (silhueta), a relação de sentido, os diálogos, a reação-

resposta, as marcações dos personagens presentes na maioria dos textos dramáticos

com o intuito de funcionar como substitutivos às expressões gestuais e fônicas do gênero

em sua versão encenada.

1.3 Os Conteúdos Temáticos Abordados

A interação verbal a as relações sociais coletivas podem ser consideradas

aspectos importantes que, conjuntamente articuladas, contribuem para a construção da

língua. Tendo em vista seu caráter dialógico, é nela e por meio dela, que encontramos o

acervo de conteúdos que movem as relações das sociedades. Dessa maneira, a situação

da enunciação e as condições discursivas determinam como este ou aquele tema é

interpretado e tomam relevância no todo coletivo e histórico.

Pelos conteúdos temáticos é que percebemos os vários discursos e polifonias, o

que nos leva a considerar a dimensão da palavra enquanto todo, que compreende,

segundo Bakhtin, os aspectos ligados ao conteúdo (sentido), à sua expressão (escrita) e

ao estilo (entonação onde transparece a atitude valorativa acerca do objeto). Nesse

sentido, não há enunciado neutro, sem intenção ou imparcial.

Os gêneros têm caráter polifônico, estão cheios da palavra do outro, então, de outras

vozes, pois assim afirma Bakhtin:

Em cada palavra há vozes, vozes que podem ser infinitamente longínquas,

anônimas, quase despersonalizadas (a voz dos matizes lexicais, dos

estilos, etc.), inapreensíveis, e vozes próximas que soam simultaneamente

(BAKHTIN, 1979, apud GARCEZ, 1998, p. 65).

Convém, aqui, explicitar que é da postura carnavalizante encontrada em Bakhtin

que entendemos dialogismo e polifonia no texto literário, ou seja, a escrita na qual se lê o

“outro” tido como espelho que reflete, de maneira diferenciada, a imagem original. O

dialogismo é, então, princípio constitutivo da linguagem e condição de sentido do

discurso. E a presença da polifonia num texto vai depender das estratégias discursivas

nele empregadas, mostrando as várias vozes, os vários discursos nele existentes.

Podemos perceber esse reflexo nos conteúdos temáticos presentes no teatro, se

considerarmos a intencionalidade com que foi produzido: a louvação, a crítica à sociedade

de uma época, a personagens histórica de destaque para determinada casta social, ou

simplesmente para o deleite do espectador/ leitor, e etc.

É importante, no trato desse gênero, a reação do público espectador ou leitor.

Considerando o espetáculo (encenação), ele se dá num momento irrepetível; o texto

dramático, no entanto, é perene, é o que se mantém e poderá ser “estudado, analisado,

relido, reinterpretado, reencenado”. (PASCOLATI, 2009, p. 95).

Nessa perspectiva, há duas considerações importantes, ao nos referirmos às

várias possibilidades de encenação do texto dramático e os possíveis sentidos que o leitor

pode atribuir ao interagir em seu momento particular com o texto. Pois,

Diferentes produções interpenetram-se e enriquecem-se (...) criando um

movimento incessante entre tradição/novidade ou tradição/situação. Esse

movimento (...) não é característico só das produções populares, mas é

característica básica das interações verbais enquanto processo discursivo

(GUIMARÃES, 2000, p. 90-91).

Portanto, os conteúdos temáticos são explícitos pelo caráter dialógico da palavra,

numa atitude responsiva entre sujeitos ativos, o objeto dito e as características temporais

e espaciais, ou seja, o momento histórico único em que acontece a interação verbal

(enunciação). O que é endossado por Bakhtin ao dizer que:

O interlocutor ideal não poderá ultrapassar as fronteiras de uma classe e

de uma época bem definidas. (...) Na realidade, toda palavra comporta

duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém,

como pelo fato de que se dirige para alguém (BAKHTIN 1929/1988, p.

113).

E mais, “para a palavra (e, por conseguinte, para o homem) nada é mais terrível

que a irresponsabilidade (a falta de resposta)” (BAKHTIN 1929/1988, p. 383).

1.4 A Construção Composicional do Texto Dramático

Segundo Pascolati (2009), a característica de destaque da peça teatral é a

presença do chamado texto principal, composto pela parte do texto que deve ser dito

pelos atores na peça e que, muitas vezes, é induzido pelas indicações cênicas, ou

didascálias, texto também chamado de secundário (com valor próprio, não menos

importante), que informa aos atores e o leitor a dinâmica do texto principal (cenário,

movimentos/ atitudes de atores,efeitos acústicos, etc) Por exemplo, antes da fala de um

personagem são colocadas expressões, indicando como o texto deve ser falado. Essas

indicações normalmente vêm em itálico diferenciando-se do texto principal.

As indicações cênicas ou didascálias, de acordo com Maingueneau (1996), são

os textos secundários inseridos no texto principal, que normalmente estão

transcodificados em actos, em movimentos dos atores, em objetos, em cenário, em

efeitos acústicos, em espaço cênico. Essas indicações são colocadas no texto,

fornecendo um referencial ao leitor e também aos atores e diretores que irão utilizá-las ao

transpor o texto para o espetáculo.

Mais um elemento destacado é a ação, oriunda da própria etimologia de drama

podemos afirmar que é em torno dela que percebemos a organização da história, uma

vez que não há um narrador explícito nesse gênero. Por meio do encadeamento das

ações a peça ganha a atenção do seu leitor/espectador que vai construindo ao longo da

interação com a obra as expectativas do enredo, criando assim o que Ball (1999) chama

de metáfora do jogo de dominó. As ações vão se engendrando e contribuem à construção

de sentido no todo da obra (lida ou encenada).

No diálogo - outro elemento desse gênero- evocando os conceitos bakhtinianos,

podemos perceber que ele é em algumas situações uma forma de manipulação do outro,

uma vez que nele se externa a luta ideológica entre as personagens. Nesse sentido, faz

sentido a intensidade das réplicas dando autenticidade e dinamismo à situação discursiva.

Por outro lado, há peças em que o diálogo se perde configurando-se em “alternância de

monólogos” (Pascolati, 2009).

Esse elemento pode ganhar características peculiares se o analisarmos na linha

do tempo. Segundo a autora, no drama naturalista, por exemplo, tal elemento tem uma

espontaneidade relevante; já na tragédia clássica, ele é visto por uma alternância de falas

longas e expositivas.

Fechando o tripé dramático, o conflito nasce das divergências entre as

personagens “O querer de uma personagem e a existência de um obstáculo à realização

desse desejo constituem a forma canônica de conflito no teatro” (PASCOLATI 2009, p.

101).

1.5 As Marcas Linguístico-Enunciativas

Podendo ser encontrada nas esferas literária e artística, a peça teatral é um

gênero mobilizado por marcas linguísticas que evidenciam com regularidade sequências

de diálogos alternados por indicações cênicas, paralelamente a outras marcas de

linguagem enunciadas pelo autor. No primeiro, observamos a presença do enunciado

seguido de ação; uma ordenação de eventos numa sucessão temporal e causal (ordem

cronológica que por vezes apresenta-se de forma não-linear, salientando o retorno no

tempo por “flashbacks”). Seu aspecto narrativo é marcado pelo encadeamento das ações

e sua relação de causa e conseqüência/efeito. Dessa forma, há predominância de verbos

em primeira pessoa; as personagens se articulam por meio do discurso direto. Pode haver

ou não a determinação do tempo e do espaço vai depender dos objetivos do criador do

texto, condições de produção ligadas à força ideológica que se pretende.

Outras marcas que podem aparecer são: o uso de vocativos, o modo imperativo

no sentido de ordenar ou pedir; o futuro do pretérito indicando delicadeza; os pronomes

indefinidos mostrando o sentido de completude; os dêiticos com a função de apontar para

o contexto situacional – a significação referencial dos dêiticos só pode ser definida em

função da situação, do contexto, do receptor de um ato de fala.

Além desses, é próprio do texto dramático a pergunta (reação-resposta) marcada

pela interpelação com uso de pronomes que indicam uma interlocução direta, o

dinamismo no diálogo e proximidade entre os falantes.

A presença da catáfora retomando as situações vividas e a polissemia variando

os significados de uma mesma palavra no texto, também são presenças marcantes no

discurso dramático.

Como podemos perceber, marca essencial no aspecto formal da peça teatral é o

trabalho do escritor num processo minucioso e singular de seleção vocabular e eleição

dos arranjos lingüísticos, um esmerilar de palavras que lhe garantirá o sucesso em seu

objetivo de construção de sentido junto ao seu leitor preferencial. Salientamos que, no

bojo dessa construção, cada enunciador mobilizará, dentro do exposto para o gênero,

recursos fraseológicos, lexicais, gramaticais, semânticos e estilísticos que denunciarão as

peculiaridades e sua performance enquanto criador.

2 Encaminhamentos Metodológicos

O projeto desenvolveu-se paralelamente às aulas dos outros conteúdos do

programa semestral para a série, sendo reservado um percentual de 40% do período,

perfazendo um total de 42 aulas para a aplicação do projeto PDE, com anotações diárias

das aulas.

Realizado no Colégio Estadual Professor Paulo Freire, com 60 alunos do segundo

ano do ensino médio blocado, este estudo de nossa autoria e orientado pela Professora

Doutora Alba Maria Perfeito (UEL), busca por meio da metodologia abaixo explicitada

contribuir com as pesquisas na área de ensino de língua materna.

Como citado anteriormente, neste trabalho abordamos o estudo do gênero peça

teatral pela perspectiva bakhtiniana, norteada pelo plano de trabalho docente proposto por

João Luiz Gasparin em seu livro: “Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica.”

Nesse plano, o autor questiona a prática da atual pedagogia brasileira e lança mão de um

“novo jeito de ensinar, que busca interligar a prática social do aluno com a teoria, no

intuito de melhorar a qualidade de formação do educando enquanto cidadão.” Essa nova

proposta de ensino não abrange apenas a esfera escolar, ultrapassa a técnica e tem

cunho sócio-político revolucionário para a sociedade. Por isso, durante as aulas foram

aplicados questionário e avaliações orais e escritos para obtenção dos resultados que

serão explicitados no próximo capítulo deste trabalho.

Didaticamente, Gasparin (2009) apresenta a Pedagogia Histórico-Crítica em

momentos articulados. O ponto de partida consiste na prática social inicial. O primeiro

passo da ação docente em sala de aula é conhecer os conceitos espontâneos dos alunos,

ou seja, segundo Vygotsky (2001, apud GASPARIN, 2009), a zona de desenvolvimento

atual (ZDA), por intermédio da prática social. O segundo momento é a problematização

que tem como objetivo questionar, analisar e interrogar a prática social, abordando o

conteúdo em suas diversas dimensões.

O terceiro momento refere-se à instrumentalização. Esta consiste em buscar as

formas de superação dos conceitos espontâneos pela utilização de ações didático-

pedagógicas diretivas, portanto, pensadas e planejadas para que a apropriação do

conhecimento científico historicamente acumulado, de fato, aconteça.

Sob esse enfoque, a mediação é essencial para que o educando desenvolva a

aquisição do conhecimento. Esta acontece pelo uso da linguagem e da fala. Assim, a

aprendizagem se dá por meio de um processo de interação entre as pessoas. Vale

ressaltar que a linguagem desempenha um papel essencial no processo de apropriação

do conhecimento científico. Nesse sentido, é importante que o professor oportunize

momentos para que os alunos falem, escrevam e trabalhem em pequenos grupos

(GASPARIN, 2009).

O quarto momento descrito é a Catarse, que consiste no momento em que o

aluno sistematiza o que aprendeu em relação aos conteúdos trabalhados nas fases

anteriores. É a fase de elaboração de sínteses. A quinta etapa é a prática social final.

Nesse momento, todas as dimensões do conteúdo deverão ser retomadas de forma

consciente, na busca de uma visão totalizadora, concreta e crítica, buscando o

desvelamento da realidade, e uso do conhecimento adquirido.

Para melhor exemplificar esta teoria apresentamos o quadro 1: Demonstrativo do

Plano de Trabalho Docente.

QUADRO DEMONSTRATIVO DO PLANO DE TRABALHO DOCENTE

PRÁTICA

( Zona de Desenvolvimento

Real)

TEORIA

(Zona de Desenvolvimento Proximal)

PRÁTICA

( Zona de Desenvolvimento

Potencial )

Prática social inicial do conteúdo

Problematização Instrumentalização Catarse Prática Social Final do

conteúdo

1)Apresentação do conteúdo;

2)Vivência cotidiana do conteúdo;

3) O que o aluno já sabe: visão da totalidade empírica.

Mobilização.

4) Desafio: o que gostaria de saber a mais

1)Identificação e discussão sobre os principais problemas postos pela prática social e pelo conteúdo;

2) Dimensões do conteúdo a serem trabalhadas.

1) Ações docentes e discentes para a construção do conhecimento.

Relação aluno x objeto do conhecimento através da mediação docente.

1)Elaboração teórica da síntese, da nova postura mental. Construção da nova totalidade concreta.

2) Expressão da síntese. Avaliação: deve atender às dimensões trabalhadas e aos objetivos.

1) Intenções do aluno. Manifestação da nova postura prática, da nova atitude sobre o conteúdo e da nova forma de agir.

2) Ações do aluno. Nova prática social do conteúdo.

Quadro 1: Demonstrativo do Plano de Trabalho DocenteFonte: Gasparin, 2009.

De acordo com o Quadro 1 foi preparado o PTD utilizando o gênero peça teatral para ser aplicado em sala de aula e cujos resultados são apresentados a seguir.

3. A Aplicação dos Conteúdos e a Análise dos dados

Em uma conversa com os alunos foi apresentada a concepção do gênero peça

teatral destacando, de maneira introdutória, as características, a organização

textual/construção composicional e as marcas linguísticas que contribuem para a

construção de efeitos de sentido do texto.

Após esta exposição, foi solicitado aos alunos falarem o que sabiam sobre peça

teatral, se já haviam lido ou assistido alguma e qual ou quais foram. A maioria dos alunos

respondeu que teatro é a arte de representar/montagem e que é composto por

personagens principais e secundários, figurantes, diretores e assistentes, entre outros.

Dentre as peças teatrais que eles leram as mais citadas foram Cinderela, Branca de Neve

e Romeu e Julieta.

Questionados sobre o que gostariam de saber a mais acerca desses textos e o

que esperavam aprender com nossos estudos, os alunos não conseguiram definir qual-

quer aspecto do gênero, mas ressaltaram que esperavam aulas menos enfadonhas e que

realmente aprendessem entender e produzir esse gênero.

Durante o diálogo entre professor e alunos, os discentes relataram que fizeram

teatro como meio de aprender temas/assuntos de várias disciplinas como Arte, Química e

tratar de temas ditos transversais ou previstos como obrigatórios no Currículo por força de

lei como a Cultura Afrobrasileira, Educação Sexual; além de Dengue e Drogas.

Enfatizaram também a exploração desse gênero na Educação Infantil quando

apresentavam peças como Cinderela, Branca de Neve, Rapunzel; além encenações em

datas comemorativas: dia das mães, dia dos pais, dia do índio, natal, etc. Com essas

colocações diagnosticamos que a experiência com tal gênero limitou-se a encenação de

textos predominantemente narrativos num trabalho tipológico.

Seguido desse momento, foi realizado o registro das informações com base num

questionário elaborado pelo professor que serviu de instrumento diagnóstico e “avaliativo”

do processo de ensino-aprendizagem. Este questionário continha sete questões básicas:

O que é teatro? Como é composto o teatro? Você já leu peças teatrais? Cite algum

título/autor. Já participou de montagens teatrais? Onde e quem dirigiu? Escreva sobre seu

gosto em relação a esse gênero.

3.1 Problematização: Ler ou encenar? Eis a questão.

Com base nas respostas dos alunos podemos questionar a falta de interesse por

leituras de livros do gênero peça teatral, confirmada pelo sistema de empréstimos da

biblioteca escolar. Outro ponto a se considerar é que o número de livros desse gênero

recebido pela escola, através dos programas de acervo das bibliotecas escolares, é muito

pequeno.

Apesar do gosto pela leitura do texto dramático ser pequeno, a encenação do

mesmo toma lugar de destaque, registrando-se o interesse de alguns em atuar e de uma

maioria em assistir a espetáculos, mesmo que efetivamente não tenham acesso a teatro

ou espaços culturais.

Questionamentos acerca do estudo com o gênero nos faz repensar as práticas

sociais que refletem na escola; ouvimos dos alunos que, socialmente, o teatro não é

valorizado nas suas modalidades encenada ou escrita, pois não é uma cultura acessível a

classe trabalhadora. É um gênero que está distante da realidade do povo. Não há

incentivo à cultura. Tudo isso reflete no desinteresse do aluno fazer leitura desse gênero

na escola. Seria o teatro uma cultura estigmatizada?

Nesse contexto, caminhamos para um trabalho a partir de algumas dimensões do

conteúdo em foco, pesquisando sobre a importância do texto e da encenação do gênero

Peça Teatral para posterior discussão em sala. Os alunos não conseguiram obter

informações, necessitando da intervenção da professora, o que demonstra a pouca

difusão de estudos especificamente em termos de análise da produção escrita do texto

dramático dentro da esfera literária. Então, trouxemos materiais pesquisados na biblioteca

de universidades, além de outros obtidos com a ajuda da orientadora junto a IES ao qual

o projeto está vinculado.

Considerando a dimensão histórico-cultural, trabalhada junto ao contexto de

produção, os alunos desenvolveram atividades de pesquisa norteadas por questões

como: Qual é a origem do teatro/peça teatral? Com o passar do tempo houve mudanças

significativas desse gênero ou ele continua intacto desde sua origem? Qual é a função do

gênero Peça Teatral? Por que ele é importante na sociedade?

Tais atividades tiveram o objetivo de proporcionar ao aluno uma análise da

realidade circundante, uma vez que numa cidade como Londrina que abriga um dos

maiores festivais de Arte da América Latina, FILO , nossa comunidade não usufrui dos

eventos artísticos que lhe são oferecidos..

3.2 Instrumentalização

Uma dificuldade encontrada para instrumentalização desse gênero foi a seleção

de textos, tendo que considerar a inviabilidade de trazer para sala peças longas, dessa

maneira juntamente com a orientadora fomos a “caça” de textos mais curtos e

interessantes ao nosso público alvo (alunos de ensino médio).

Encontramos, via internet, o autor Ruy Jobim Neto da cidade de São Paulo, o qual

prontamente se dispôs a colaborar nessa aventura de ensinar. Com textos leves e curtos,

não foi difícil levá-lo a cair no gosto dos alunos, às vezes tão reticentes com esse gênero

de silhueta pouco familiar. A escolha se confirmou, pois foi bem aceita por partes dos

alunos, visto que, as peças desse autor são curtas e de fácil leitura.

Propusemos a leitura da peça teatral (curta) “Sombras da Ouvidor” seguida de

estímulos da parte da professora com comentários orais e esclarecimento de dúvidas

acerca do vocabulário. Alguns procedimentos de leitura foram propostos e surtiram bons

resultados. Dois alunos fizeram o papel das personagens enquanto outro aluno leu as

rubricas para orientar os mesmos. Dessa forma, eles compreenderam que as rubricas

auxiliam na criação da cena e na performance das personagens.

Considerando a linha teórica dos gêneros, analisamos o contexto de produção,

discutimos com a turma sobre onde foi ou pode ter sido veiculado o texto, seu público,

autores, se conheciam algum, e se é possível que a vida do autor influencie na sua

produção. Nesse ponto do projeto, os alunos consideraram a idéia de se fazer uma

entrevista com Ruy Jobim Neto como forma de conhecê-lo melhor. Apesar de não estar

prevista, essa atividade foi muito satisfatória, os discentes se empolgaram com a

possibilidade de perguntar algo para um escritor. É interessante como nossos jovens não

imaginavam um autor real (gente como eles) e que era feliz escrevendo, criando histórias

que agora estava nas mãos deles numa sala de aula. Somada à motivação dos discentes,

a entrevista revelou dados que contribuíram na caracterização da produção do autor.

Analisando o conteúdo temático concluímos que é bem variável. Lendo apenas

o título pode-se ou não inferir o tema do texto e que, no decorrer da leitura as surpresas

vão surgindo, levando o leitor a entrar na aventura, no romance das personagens ou até

olhar criticamente uma realidade a partir do drama.

De acordo com a linguagem utilizada pelas personagens podemos caracteri-

zá-las. Há tema/assunto tratado no texto que pode ser atemporal, possibilitando um

aprendizado gradativo, construído pela solidariedade, transformadora do indivíduo e do

mundo que o cerca. No caso de Ruy Jobim Neto com sua peça Sombras da Ouvidor, so-

mos levados à época das produções machadianas, da realidade carioca como um jorna-

leiro que ouve o desabafo da mocinha que sofre por amor. Percebemos essa influencia

em Ruy e a confirmamos por meio de uma entrevista, gentilmente, concedida aos alunos.

Nesta oportunidade perguntaram-lhe “O que o levou a escrever a peça Sombras da Ouvi-

dor?” Prontamente respondeu: “Uma nome: Machado de Assis. Outra coisa: ir à Rua do

Ouvidor, no Rio de Janeiro, é isso mesmo, é voltar no tempo ao vivo e a cores. O gosto

de escrever uma estória de época é reviver, de alguma forma, um clima que você preten-

de captar. Acho que já vivi no Brasil, em plena Belle Èpoque. Espero ter vivido, ao me-

nos.”

Atualizar assuntos/temas também é uma capacidade da Literatura identificada no

autor estudado, o que nos leva a destacar trecho do texto que mais sensibilizou/intrigou o

aluno leitor para que este consiga argumentar porquê.

O arranjo textual (ou construção composicional) foi trabalhado, inicialmente,

observando a silhueta (disposição no papel) desse texto para buscar alguma indicação

específica de seu gênero, bem como se tal formatação provocou alguma dificuldade na

leitura/compreensão ao que alguns alunos atribuíram que sim. Posteriormente,

entendemos que, na verdade a dificuldade na leitura de boa parcela da turma, era a

presença das marcações cênicas, as quais indicam onde se passa a cena e como deve

ser a atuação da personagem, recortando o texto principal, como chamamos o diálogo.

O texto Sombras da Ouvidor é um texto dramático. Você reconhece alguma

indicação que nos leva a caracterizá-lo dessa forma? Existe marcação de tempo, lugar

nesse texto? Justifique sua resposta. Percebemos a presença de narrador? Existe alguém

contando a história? Como são apresentadas as personagens? Qual sinal é utilizado para

marcar a fala das personagens? Existe um conflito? Qual é? O que o desencadeia? O

desfecho apresenta uma solução para o conflito? Comente. Que outro desfecho

poderíamos esperar para texto? De todas essas indagações a que nos chamou atenção

foi a questão do aspecto narrativo do texto. Muitos alunos confundiram a narratividade do

texto desencadeado pela sequência das ações e falas em discurso direto com a possível

existência de um narrador.

O estudo das marcas linguísticas e enunciativas também nos trouxe dados

surpreendentes. Dentre eles, a visão de gramática que ainda persiste entre o alunado

como algo sistemático e cansativo sem objetivo prático.

Após intervenção, explicitando a importância na construção de efeitos de sentido

de cada aspecto depreendido do texto, tal visão assumiu um caráter mais interativo e

necessário em seu uso. Com uma pesquisa na gramática sobre os usos dos parênteses,

por exemplo, nossos jovens perceberam que seu sentido no texto dramático ia além de

meras explicações de termos, percebendo que essa pontuação é essencial ao texto em

estudo, pois, por meio dela, o leitor visualiza e difere mais rapidamente as suas partes

(rubricas, indicações cênicas, etc., dos trechos em diálogo)

Outra marcação de destaque e compreensão fácil foi a presença da letra

maiúscula na indicação das falas do discurso direto, típico desse texto.

Em “Sombras da Ouvidor” o plural é registrado de maneira peculiar como na frase

“Tem até os marinheiro graduado...” Comentando essa construção percebemos o

quanto o preconceito linguístico está arraigado em nossas escolas. Contudo, foi uma aula

bastante produtiva, possibilitando trazer a baila uma discussão tão presente no seu dia a

dia. Aqui, aproveitamos para aprofundar conceitos como as variantes e variedades da

língua e que contribuem grandemente para a riqueza textual da peça em tela.

Somado ao fenômeno acima, a presença de variantes como em expressões como

“vossuncê”, “alembrada”, “perguntá” na fala do jornaleiro Gibi, engrossou as discussões.

Ao final, os alunos concluíram “é seu modo de falar e deve ser respeitado, pois mostra

uma variante da nossa língua” e que faz parte da construção da personagem. Essa

afirmação embasou-se nas explicações que fizemos a partir de nossos estudos dos textos

de Marcos Bagno “Preconceito Linguístico” e Travaglia em seu artigo “A variação

linguística e o ensino de língua materna”, os dois referenciados ao final deste trabalho.

Outros aspectos gramaticais ainda foram levantados como o uso dos tempos e

modos verbais e da formação do diminutivo, bastante usado pelas personagens e que

pode expressar diferentes sentidos (tamanho pequeno, elogio, carinho, ironia,

atenuação...), conforme o contexto de uso, e que para o sentido de cada um dos

diminutivos empregados no texto, vamos além das prescrições gramaticais, uma vez que

eles caracterizam a atmosfera das ações e o psicológico das personagens.

Com a leitura de um segundo texto “Ao primeiro que viu a maré” de nosso autor

Ruy Jobim Neto, realizamos um estudo comparando-o ao primeiro. Em tal estudo

exploramos os aspectos ligados ao conteúdo temático, arranjo textual e estilo, ligados ao

contexto de produção. Escolhemos essa peça por ser curta e do mesmo autor,

possibilitando uma análise mais fiel da escritura do autor e suas recorrências.

Nessa etapa de desenvolvimento do projeto alunos e professora identificaram as

características de relativa estabilidade do gênero: a presença do texto principal e das

rubricas ou didascálias, as personagens e as ações.

Fatores gramaticais importantes na construção do texto ainda foram tratados tais

como: aspectos semânticos de palavras específicas na construção temática, o uso de

imperativo, algumas reduções e abreviações de palavra consideradas pela gramática

“vícios de linguagem” e que para o texto é de fundamental relevância na caracterização

da personagem Gibi do primeiro texto e dos protagonistas do segundo. A marca dos

vocativos e interjeições, tão destacados para a ação-resposta no cenário teatral, além dos

adjetivos indispensáveis na formação das personagens

Um recurso que chamou a atenção dos alunos foi a reiteração no uso das

reticências no segundo texto, concluindo que foi destacada a atmosfera de sonho e

imaginação da personagem Jesuíno ao conversar com uma baleia em trechos como

“Grita, canta, isso... assim... pra mim... mergulha bem suave, joga teu corpo, chama teu

filhote.”

No passo seguinte, retomamos o conteúdo conceituando as várias possibilidades

da variação lingüística, ponto único de maior destaque na construção das personagens e

efeitos de sentido nos dois textos. Variação linguística é a maneira como cada pessoa

utiliza a língua. Cada variação recebe um nome diferente. Por exemplo: A variação que

ocorre de uma região para outra é chamada de geográfica. A variação que existe na fala

de um jovem para a fala de um idoso é chamada de sociocultural. A variação situacional

ocorre de pessoa para pessoa de acordo com o meio em que ela vive ou trabalha e a

variação histórica acontece com a mudança de época, pois na medida em que, o tempo

vai passando a língua também vai se modificando. Com esse conceito construído

acreditamos que nossos alunos tenham apreendido o valor de tal conteúdo. E a partir daí,

consideraram a predominância da linguagem informal nos textos de Ruy Jobim Neto.

3.3 Catarse

Na Catarse, o aluno mostra o que apreendeu após todo estudo sobre o gênero. E

em grupos de no máximo quatro pessoas, os alunos analisaram a peça “Bem longe da

traçalândia”, do mesmo autor, pois isso permitiu a identificação os elementos essenciais

do gênero sem grandes dificuldades ou surpresa nos aspectos de produção e autoria.

Outra atividade foi a elaboração uma peça teatral (curta) com uma temática de escolha do

grupo. No caso, por ocasião do dia da Consciência Negra, muitos optaram pela produção

em torno desse tema.

Nesse momento do projeto fizemos a avaliação e auto-avaliação das dimensões

trabalhadas.

Como previsto em nosso plano inicial elaboramos coletivamente um roteiro para

que cada um fizesse sua avaliação do processo de aprendizagem. Itens como a

importância da peça teatral na nossa sociedade e a leitura desses textos, no sentido de

ampliar os horizontes da turma, dando-lhe mais consciência do objetivo desse gênero.

Sua função social foi lembrada nesse processo, uma vez que a professora de História

trabalhou o movimento de ditadura com a peça Calabar montada em Londrina pelo grupo

Proteu na década de 60-70. Além dos aspectos mais específicos no que diz respeito a

caracterização do gênero segundo Bakhtin.

O professor após corrigir todas as produções pode constatar o sucesso dessa

implementação. Obvio que ajustes sempre haverá, mas é certo que nossos alunos se

encontram num novo nível de conhecimento dentro do que foi proposto.

Pelos bons resultados obtidos acreditamos não ser necessário retomar um dos

textos ou outro disponível no blog do autor e refazer o percurso de estudo. Podemos

sugerir, no entanto, que na continuidade se trabalhe outros autores do mesmo gênero

para um aprofundamento maior.

3.4 Prática Social Final

No quinto e último passo dessa metodologia - prática social final – assumimos

nosso compromisso social perante o que aprendemos. Após o estudo sobre o gênero

Peça teatral (curta), sistematizamos as intenções e as propostas de ação que serão

realizadas. Por serem ações concretas é importante a interação dos alunos e professor,

decidindo e ouvindo as várias opiniões/sugestões como: reconhecer e valorizar o teatro

enquanto patrimônio cultural; reconhecer elementos linguísticos do gênero e compreender

seus efeitos de sentido na leitura e no espetáculo, valorizar o teatro em seus vários

âmbitos: popular, clássico, moderno, interativo... Fizemos também já no começo de 2011,

junto à biblioteca, o levantamento de todos os títulos desse gênero, com o intuito de dar-

lhes maior destaque nos momentos de empréstimos de paradidáticos. Registramos essa

ação tão importante e que foi possível graças à interação e esforço de nossos

bibliotecários sempre nos apoiando no difícil trabalho de valorização desse espaço de

leitura na escola.

5 Considerações Finais

Consideramos que a proposta que apresentamos, contribui como um instrumento

pedagógico importante na procura por novas formas de ensino na disciplina de Língua

Portuguesa via gêneros aplicados ao PTD. O trabalho com fontes modernas permitiu uma

maior interação entre aluno e gênero sendo também um instrumento facilitador para a

compreensão e gosto do texto dramático. E fenômeno teatral.

Os aspectos orais (como leitura e discussões), proporcionaram aos alunos

fazerem a comparação entre o que dominavam e o que aprenderam aplicando teoria

eleita para a implementação desse projeto.

No período de implementação ficamos sem biblioteca e sem laboratório de

informática em função de reformas no prédio do Colégio. Isso limitou nosso trabalho;

ações que dependiam de leituras e pesquisas foram adaptadas. Mas, apesar de todo o

contratempo ocorrido a aplicação desse material, que necessita de ajustes para futuras

aplicações, sabemos que outros estudos podem ser realizados para aprofundar aspectos

que ficaram em aberto.

Os textos mais problemáticos foram reescritos observando: a pontuação, as

marcas linguístico-discursivas, e construção composicional. As atividades também foram

realizadas coletivamente com interferência da professora e surtiram bons resultados.

As produções foram muito apreciadas e os resultados foram excelentes,

percebemos a aquisição dos conhecimentos e domínio do gênero foco do estudo, todos

os alunos se empenharam em realizá-las. Poucos alunos conseguiram digitar seus textos,

o que destacaria com mais eficiência os aspectos formais do texto como o uso do itálico

nas marcações cênicas, mas com letra cursiva substituíram os recursos tecnológicos por

letras maiúsculas e minúsculas de forma.

Após leituras de textos variados, foi feito o trabalho de reconhecimento das

variedades linguísticas que contribuíam para a caracterização das personagens e

instalavam os efeitos de sentido para o texto.

A entrevista com Ruy Jobim Neto foi uma atividade que não estava prevista no

projeto, mas só acrescentou, uma vez que os alunos já dominavam o gênero (entrevista)

sugerido por eles. Para melhor clareza, consta em anexo e na íntegra a entrevista citada.

Após a apresentação das atividades, notamos um sensível aumento de interesse

pela busca de leituras do gênero e aprimoramento da leitura oral, com ênfase na

entonação e gesticulação marcadas pelas rubricas.

Com a aplicação do projeto, percebemos o enriquecimento linguístico e

vocabular. Houve também o avanço na fluência e exploração de idéias, oferecidas pelas

peças lidas com indicação do professor e outras buscadas pelos próprios alunos.

Posteriormente outros autores foram lidos. Em todas as situações pedagógicas ocorridas

em sala de aula, foi observado que houve maior uso de palavras próprias do gênero e

apropriação do uso dos sinais de pontuação.

Consideramos que o projeto teve boa receptividade por parte dos alunos, que

mostraram curiosidade, interesse e empenho em estudar o gênero proposto.

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Preconceito Linguístico: - O que é, como se faz. São Paulo: Loyola,

1999. p. 39-41.

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. _________ Estética da Criação Verbal. 4ª ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ________ Marxismo e filosofia da linguagem. 4ª Ed. Trad. De M.Lahud e Y. W. Pereira. São Paulo: Hucitec, 1988._______ (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem.(1929) 6ª. São Paulo: Hucitec, 1992.FARIA, J. R. O teatro na estante: Estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira. São Paulo: Ateliê Editorial, 1998.GARCEZ, L. H. C. A escrita e o outro: os modos de participação na construção do texto. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1998.GASPARIN, J. L. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 5ed. Rev. Campinas, SP : Autores Associados, 2009.GERALDI, J. W. (ORG.) O texto na sala de aula. 3ª Ed, 9ª impressão. São Paulo: Ática, 2004.GUIMARÃES, M. F. O Conto Popular. IN: CHIAPPINI, L. (Coord) Aprender e Ensinar com textos V. 5; BRANDÃO, H.N. Gêneros do Discurso na Escola: Mito, Conto, Cordel, Discurso Político, Divulgação Científica. São Paulo: Cortez Editora, 2000, p. 85-116.MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário - leitura e crítica. Trad. Marina Appenzelller São Paulo: Martins Fontes, 1996PARANÁ. Secretaria de Educação do Estado. Diretrizes Curriculares do Paraná. Curitiba: julho/2008.PASCOLATI, S. A. V. Operadores de Leitura do texto dramático. In: Teoria da literatura: abordagens históricas e tendências contemporâneas. EDUEM: Maringá, 2009.PERFEITO, A. M. Concepções de Linguagem: teorias subjacentes e ensino de língua portuguesa. In: Concepções de Linguagem e ensino de Língua Portuguesa. Coleção Formação de professores. EAD. Nº18. Ritter, L.C.R e Santos, A.R.(Orgs.). Maringá: EDUEM, 2005.MAGALDI, S. Iniciação ao teatro. 7 Ed. São Paulo: Ática, 1998.__________, S. Panorama do Teatro Brasileiro. 6 Ed. São Paulo: Global, 2004.MENEGASSI, r. (org.). V. 1. ed. (revista) 2. Maringá: EDUEM, 2010 (no prelo)ROJO, R. Gêneros do Discurso e Gêneros Textuais: questões teóricas e aplicativas. In: MEURER, J.L; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, D. (Orgs). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.p.184-207.SANTOS, J. O. O Teatro enquanto gênero discursivo. Interdisciplinar, Sergipe, v. 6, n.6, jul/dez. 2008. Disponível em:

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ANEXO

ENTREVISTA COM RUY JOBIM NETO

1) Quando começou sua carreira e quantos anos tinha quando escreveu sua primeira obra? E quando começou ficar famoso? (Daniii beijoo ...)

R.: Dani, eu escrevo e desenho desde muito pequeno, essa informação tão datada praticamente fica difícil falar. Eu escrevia e desenhava histórias-em-quadrinhos desde a infância. Depois, fiquei restrito ao teatro, a partir de 2007, aposentei os quadrinhos. Agora, famoso eu não sou não, hehehe. Quem dera.

2) Qual o principal motivo que te levou a ser AUTOR? E o que você mais gosta nessa profissão? (Fran Esteves. Beijos...)

R.: Fran, eu sempre quis ser autor. Teatral mesmo foi a partir de 1994, quando entrei para um grupo de teatro, no litoral paulista, e finalmente tive o meu primeiro impulso a escrever para atores. Mas a dramaturgia já vinha há muito tempo me coçando. O que eu mais gosto? De ver os personagens ganhando forma na voz e no corpo dos elencos. É a

melhor parte, sem dúvida. Ao menos, para mim.3) Qual de suas peças você mais gostou? Por quê? Andressa Melo ...

R.: Andressa, eu gosto de todas. Tenho sempre predileção pela mais recente que escrevo. Por quê? Acho que é simples: por que é a peça pela qual você está apaixonado naquele exato momento da escrita. Nada além disso.

4) Em algum momento se desmotivou na sua profissão? Teve muitas dificuldades nela? (Rosimeire Alves.)

R.: Sim, Rosemeire, sempre houve muitas dificuldades, e sei que elas continuarão. Ainda bem. As dificuldades servem para a gente poder atravessar por elas. Mas nunca pude me dar ao luxo de me desmotivar, senão estaria praticamente extinto.

5) Você já esteve no Paraná (Curitiba) qual sua impressão? Conhece Londrina?

R.: Já morei no Paraná. Em Foz do Iguaçu e, confesso, gostei muito. Amei Curitiba e o maravilhoso clima do festival de teatro dela, todos os meses de março. O máximo que fui foi a Cascavel. Não conheço Londrina, mas sei que ela produz um pessoal muito fera, que tem uma juventude pulsante, uma universidade forte. O dramaturgo Mário Bortolotto é de Londrina, e o site www.bigorna.net, em que eu tinha uma coluna sobre desenho animado (e escrevia sobre teatro e séries de televisão) também é feito em Londrina, desde 2005.

6) No seu site vimos um cartaz de apresentação da peça Bem Longe da Traçalândia, como anda esse projeto?

R.: “Bem Longe” estreou em fevereiro de 2009, no Teatro Coletivo, aqui em São Paulo, depois foi para o Festival de Curitiba, onde fez quatro apresentações. Depois voltou para São Paulo e foi feita apresentação nas Oficinas Culturais Oswald de Andrade, no mês de maio. A produção da peça passou por várias mãos, e muito recentemente veio para as minhas. Há projetos de tocar a peça, com novo elenco (uma das atrizes originais, a Aline Carcellé, está no Rio de Janeiro e a outra atriz, Luana Nunes, vai dar a luz a uma menina em dezembro, agora). A peça deve retornar em 2011 com força.7) Sabemos que, além de teatro, você escreve HQ e contos. Qual desses gêneros

você mais gosta de criar? Por quê? Qual é mais fácil ou difícil?

R.: Todos os gêneros são deliciosos e difíceis, cada um à sua maneira. Não há um mais difícil, se dramaturgia, conto ou quadrinhos. Todos eu gosto de criar, exceção feita aos quadrinhos, que abandonei oficialmente em 2007. Não desenho mais, a não ser coisas de cenografia e figurino para teatro. O que torna todas essas artes difíceis e deliciosas ao mesmo tempo é a arte de criar histórias. A partir daí, todo o mistério começa. Não importa mesmo o veículo.8) Você tem algum tema/assunto predileto?

R.: Tenho. História do Brasil. Acho importante a gente ter noção de como somos, por que somos e de onde a gente vem. Não digo somente Portugal como nossa origem, a coisa é muito mais embaixo. Portugal é só um meio do caminho, nós também. Nossa missão, enquanto países lusófonos, é bem maior do que ensinam os nossos livros de História, nos bancos escolares. 9) Quando você escreve pensa no seu leitor/espectador ou ainda não tem um público

definido?

R.: Na hora em que escrevo, tenho uma noção mínima do público, se é infantil ou adulto. O que não se pode fazer é bloquear a criatividade, quando ela vem, e ela nem sempre vem. Ou melhor, a ideia só vem quando ela bem entende, e a gente tem que

acolher esse momento. É só o que dá pra fazer. 10) Dentre os possíveis temas para uma história qual seria o mais complicado de es -

crever sobre?

R.: Todos. Não há um tema simples. Todos são um mistério. É como diz o dramaturgo inglês (nascido na Tchecoslováquia) Tom Stoppard: “não me pergunte sobre como é a peça que estou escrevendo. O meu maior problema é sempre a próxima fala”. É sensacional a resposta desse mestre.

11) Em algum momento você pensou em desistir? Por quê ?

R.: Não. Nunca. Não temos o direito de desistir. O show tem que continuar.12) Em qual momento da sua vida você realmente disse ‘’eu vou ser um escritor ‘’?

R.: Todos. Desde a infância. 13) Alguém estimulou você a ser um escritor?

R.: Em grande parte, é a gente mesmo que se estimula, que cutuca e se coça nessa direção. Mas posso dizer que escrever é só um pedaço da coisa. Ler e pesquisar segue muito junto, é imprescindível. Não se pode deixar de ler, se você deseja escrever. Portanto, um estímulo pra ler sempre foi ver o meu avô lendo. Ele lia e eu me estimulava pra ler, pra acompanhar todo aquele mundo.14) Quais autores você lia quando criança e jovem? Eles influenciaram em sua vida

profissional?

R.: Muitos. Em diversas áreas. Por exemplo, o grande Carl Barks, autor de mais de 500 histórias-em-quadrinhos clássicas do Pato Donald, para os estúdios Disney, posso dizer que foi o primeiro grande mestre inspirador. Depois, os compositores musicais, Chico Buarque à frente. As letras dele sempre foram e sempre serão únicas e são exemplos maiores da nossa Língua. Os contistas também influenciaram: Anton Tchekhov e Machado de Assis. Na área da Dramaturgia são muitos: Tennessee Williams, Arthur Miller, Jorge Andrade, Dias Gomes, isso pra citar os mais-mais.15) Em alguma obra/personagem suas é possível perceber releituras de sua vida, algo

como uma produção biográfica? (Mikaelly E Lucas .)

R.: Sim, Mikaelly, mas não em todas. E não vou revelar em quais, heheh. Mas não me acho muito interessante pra verter minha vida em drama ou comédia, prefiro olhar para o outro, para fora e captar o que a vida nos conta de novidade.16) Já viajou muito Brasil afora? Quanto sente que isso te influenciou?

R.: Já viajei para outros Estados, sim, mas creio que a cultura brasileira a gente capta não só in loco como também lendo e sentindo. Está tudo dentro de nós, é só a gente observar bem. Tudo é válido. Tudo influencia. Nós somos embaixadores de nossas ideias e cultura aonde quer que a gente vá. Não tem como tirar isso da gente. O melhor mesmo é levar um caderninho com uma caneta por onde quer que se vá. Sempre a gente anota alguma coisa nova.17) Gosta de latim?

R.: Sim, claro. Ela é imprescindível pro entendimento de muita coisa.18) Onde costuma escrever? Tem um cantinho especial ou em qualquer lugar rola um

bom texto?(Rafael Flavio)

R.: Olha, Rafael, o barato já é simplesmente escrever. Pode ser em qualquer canto.

Tem um dramaturgo argentino meu, o Santiago Serrano, que diz que senta num determinado café, em Buenos Aires, somente para escrever. Sempre no mesmo local. Por quê? Porque as pessoas não incomodam, ele fica tranqüilo para deixar as ideias passarem por ele, e precisa estar muito aberto, com olhos e ouvidos atentos. Sempre. Quanto a mim, ainda não descobri uma mesinha por aí pra escrever. No meu caso, o recesso do lar é que tem sido o melhor lugar do mundo pra escrever. A gente nunca sabe quando e onde uma ideia nova aparece. Tem que estar aberto a elas.19)Você tem filhos? Qual a idade deles? Como eles encaram a ideia de ter um pai au -

tor? Karol Ribeiro

R.: Não tenho filhos, Karol. Não sei como seria essa reação, se tivesse.20) O que o levou a escrever a peça Sombras da Ouvidor?

R.: Uma nome: Machado de Assis. Outra coisa: ir à Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, é isso mesmo, é voltar no tempo ao vivo e a cores. O gosto de escrever uma estória de época é reviver, de alguma forma, um clima que você pretende captar. Acho que já vivi no Brasil, em plena Belle Èpoque. Espero ter vivido, ao menos.21) O que levou você a gostar de literatura?

R.: Curiosidade, sempre.22) Na sua opinião qual a importância da literatura para os brasileiros? (Dandley)

R.: Numa palavra: total. Se todos tivessem acesso a leitura, teriam acesso a jornais, revista e livros. Uma coisa leva à outra. O duro, Dandley, é que não se deseja que as pessoas leiam, e isso facilita a dominação por quem está no poder. Simples assim.23) O que pensa quando ouve que brasileiro não gosta de ler?

R.: Que precisamos mudar isso. Imediatamente, e pelas razões que explicitei na resposta acima.24) Você gosta de poemas? Escreveu algum? Se sim, como teria acesso?

R.: Já escrevi sim, e até mesmo continuo a escrever. Em algumas peças minhas, de vez em nunca, eu coloco alguma coisa no sentido. 25) Qual gênero de peça teatral que você prefere escreve: drama, comédia... ?(Ales -

sandra)

R.: Todos, Alessandra. Se bem escritos, todos.26) Em estava pensando quando escreveu Sombras da Ouvidor?

R.: Como respondido, creio, numa pergunta sobre a mesma peça, logo acima, minha sensação era poder estar ali, em plena Belle Èpoque, com aquelas pessoas, naquele clima machadiano.27) Qual seu escritor brasileiro preferido?

R.: Xi...tantos...Dias Gomes, talvez, seja o preferido. Mas há muitos outros. Tennessee Williams também é. Molière, Shakespeare... É duro dizer um só.28) Você realmente gosta de fazer peças teatrais? Se aparecesse outra oferta de trabalho, ou se você ficasse milionário de repente, largaria tudo? (Janaina Kawa-na)

R.: Não largaria jamais. E escrever peça de teatro não se troca por propostas de emprego. Eu, por exemplo, trabalho no Governo do Estado de São Paulo e jamais deixei de escrever peças. Uma coisa não se exclui pela outra. Muita gente escreveu

sempre, trabalhando em outras coisas. Exemplos? O compositor de sambas Assis Valente era protético, e fazia sambas à noite. Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto foram, ao mesmo tempo, poetas e diplomatas. Uma coisa não exclui, e nem pode excluir, a outra. Não tem por quê.