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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE Versão Online ISBN 978-85-8015-037-7 Cadernos PDE 2007 VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

Versão Online ISBN 978-85-8015-037-7Cadernos PDE

2007

VOLU

ME I

1

Letramento e Paralisia Cerebral Joana Schiliam Ferraz** Miriam Aparecida de Souza Graciano Pan†† RESUMO Este estudo investigou as práticas de letramento escolar exercidas por professores de escolas especiais, com alunos que apresentam Paralisia Cerebral. Participaram deste estudo dois grupos de professores, sendo o primeiro com cinco professores na forma presencial e o segundo com dezenove professores, na forma virtual. Trata-se de uma pesquisa-ação, em que os sujeitos participantes foram capacitados e contribuíram com a pesquisa, pois a metodologia valorizou a ação docente e possibilitou uma auto-reflexão dos participantes sobre as práticas desenvolvidas nas suas escolas. O instrumento utilizado foi o Caderno Pedagógico intitulado “Letramento e Paralisia Cerebral”, elaborado pela pesquisadora para este fim. Os estudos e as discussões realizadas com os professores tanto na forma presencial como na forma virtual revelaram: as necessidades educacionais especiais do aluno paralisado cerebral; a importância do uso de práticas relacionadas ao contexto social; os recursos pedagógicos necessários para estes alunos; e o uso da comunicação alternativa é primordial nestes casos. Conclui-se que estes pontos constituem-se indicadores fundamentais a serem observados no desenvolvimento de práticas de letramento escolar para alunos com paralisia cerebral. Palavras-chave: Letramento. Paralisia Cerebral. Necessidades Educacionais Especiais. Comunicação Alternativa. ABSTRACT The present study investigated the school literacy used by special schools’ teachers on students that present Brain Paralysis. There were two groups of teachers joined on this study. The first is made by five teachers on a presence way, and the second with nineteen teachers on a virtual way. That is a ‘research-action’, on which the participants were instructed and helped with the research, because the methodology valued the docent action and enable a self-reflection by the participants about the practices developed on theirs schools. The instrument used was the pedagogical book named “Letramento e Paralisia Cerebral” (Literacy and Brain Paralysis), formulated by the researcher for this finality. The studies and discussions consummated with the teachers, both presence and virtual ways, reveled: the special educational needs of the brain paralyzed; the importance of practices related to the social context; the pedagogical resources that these students need; and that the use of alternative ** Professora PDE ††

Professora Doutora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, orientadora

desta pesquisa.

2

communication is primordial on these cases. In conclusion, these subjects are fundamental indicators to be observed on the development of the school literacy practice for the brain paralyzed students. Key-words: Literacy. Brain Paralysis. Special Educational Needs. Alternative Communication. Introdução

O processo educacional, em suas mais variadas formas de organização,

encarrega-se de mediar o processo individual de apropriação do que é cultural.

Em outras palavras, as práticas educativas exercem o papel fundamental de

inserir cada ser humano no mundo simbólico ou cultural.

O desenvolvimento da linguagem oral e a construção da linguagem

escrita são fundamentais para o acesso ao conhecimento elaborado. Muitos

alunos que apresentam capacidades cognitivas preservadas, porém

apresentam deficiência física, dificuldades na coordenação motora e na

articulação da fala decorrentes da paralisia cerebral são excluídos do processo

educacional. Que práticas sociais de atenção às pessoas com deficiência têm

sido dispensadas no decorrer da História? O que é Paralisia Cerebral? Que

recursos são necessários para produzirem as suas aprendizagens

principalmente de leitura e escrita? Qual é a função dos professores neste

processo?

Ao fazermos uma retrospectiva histórica do homem enquanto sujeito

social verificamos que as formas de agir e de pensar da sociedade estão

diretamente ligadas às formas de produção econômica. Estas, por sua vez,

determinam o modelo de homem, considerado ideal em cada época, bem como

têm inspirado as práticas sociais de aceitação e exclusão daqueles

considerados pouco produtivos.

Primeiramente com a etapa do extermínio, na qual a pessoa com

deficiência não tinha direito à vida. Mais tarde a deficiência passou a ser vista

como de natureza orgânica e as ações a ela destinadas eram de caráter

assistencialista e os deficientes tidos como eternas crianças, como doentes,

inválidos e incapazes. Nesse contexto, a deficiência é relacionada à punição

divina e transgressão moral e social. Ao mesmo tempo, o deficiente é

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considerado como aquele possuído pelo demônio, pois lhe faltava razão e

perfeição, o que justificava o mal infringido a ele (AMARAL, 1995).

Nesta fase, supunha-se que o melhor para eles seria tratá-los em

instituições especializadas e específicas para determinados grupos de pessoas

com deficiência, segregando-os do convívio social

Na década de 60, marcada por um processo geral de reflexão e crítica

dos direitos humanos, mais especificamente sobre os direitos das minorias

iniciou-se no mundo ocidental, o movimento pela desinstitucionalização,

baseado na ideologia da normalização que defendia a necessidade de

introduzir a pessoa com deficiência na sociedade procurando ajudá-la a

adquirir as condições e os padrões da vida cotidiana, ao nível mais próximo

possível do normal.

Ao preço de duras práticas sociais, tais como: o extermínio, a

exposição, o disciplinamento, a separação, a medicalização é que o acesso à

educação para os deficientes vai sendo muito lentamente conquistado. Na

medida em que se instituiu a escolaridade obrigatória e foram ampliadas as

oportunidades educacionais para a população em geral. Entretanto, a escola

não foi capaz de responder pela aprendizagem de todos os alunos, por isso

foram criadas ainda no século XIX, classes especiais nas escolas regulares,

para onde os alunos difíceis passaram a ser encaminhados.

Cabe ressaltar que “tanto as classes quanto as escolas especiais

somente proliferaram como modalidade alternativa às instituições residenciais

depois das duas grandes guerras mundiais. Tendo como marca principal nesse

processo a montagem da indústria da reabilitação para tratar dos mutilados da

guerra” (MENDES, 2006, p.2).

A idéia de normalizar a pessoa com deficiência foi adotada e criou-se o

conceito de integração, que se referia à modificação do deficiente de forma

que se assemelhasse o mais possível com os demais cidadãos, para então

inseri-lo ao convívio social (ARANHA, 2005).

As práticas educacionais no âmbito da Educação Especial, como

sistema paralelo ao da educação geral, objetivavam a reabilitação e posterior

inserção no ensino regular, somente àqueles sujeitos que se aproximassem

consideravelmente dos ditos ‘normais’.

Mendes (2006, p.4) nos lembra que:

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Um fator crucial que influenciou a mudança de filosofia de serviços nas décadas de 1960 e 1970 foi o custo elevado dos programas segregados, no contexto da crise mundial do petróleo. Até então, apenas os países considerados desenvolvidos haviam criado um sistema educacional paralelo para os portadores de deficiências. A partir da década de 1960, passou a ser também conveniente adotar a ideologia da integração pela economia que ela representaria aos cofres públicos. Assim, a soma de interesses de políticos, pesquisadores, prestadores

de serviços, pais e os próprios portadores de deficiência já organizados em

associações e órgãos de representação se voltaram em direção aos direitos de

determinação, de uso das oportunidades disponíveis na sociedade com acesso

imediato aos recursos disponíveis aos demais cidadãos.

O modelo de integração foi criticado principalmente porque despertava

a expectativa de que as pessoas com deficiência se assemelhassem aos não

deficientes, como se fosse possível apagar as deficiências. Deficiências não se

apagam, devem ser administradas pela sociedade.

Na última década do séc. XX tem início ao intenso debate sobre o

processo denominado inclusão. A inclusão na educação é um meio de garantir

uma maior eqüidade e o desenvolvimento de sociedades mais inclusivas. O

princípio fundamental do Marco de Ação da Conferência Mundial sobre

Necessidades Especiais.

A inclusão baseia-se fundamentalmente no modelo social da

deficiência, de acordo com o qual, para incluir todas as pessoas, a sociedade

deve ser modificada, a partir do entendimento de que é ela que precisa ser

capaz de reconhecer e atender as necessidades de qualquer dos alunos. Nesta

perspectiva, a sociedade e não mais a deficiência passa a ser o ‘pano de

fundo’.

Entretanto, é preciso considerar que algumas pessoas farão jus a

ofertas diferenciadas se, de fato aceitarmos as diferenças que apresentam e a

tipologia dos apoios que necessitam. No entender de Carvalho (2004, p.29):

Pensar na inclusão dos alunos com deficiência(s) nas classes regulares sem oferecer-lhes a ajuda e apoio de educadores que acumularam conhecimentos e experiências específicas, podendo dar suporte ao trabalho dos professores e dos familiares, parece o mesmo de fazê-los constar, seja como número de matrícula, seja como mais uma carteira na sala de aula. O que nos remete ao conceito de exclusão, como de “participação

excludente” de Maria Alice Forachi (1974), “inclusão perversa ou marginal” e

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“exclusão integrativa” de José de Souza Martins (1997) e o de “inclusão

forçada” de Virgínia Fontes (1997).

Para Sawaia (2006, p.109):

Esses conceitos representam a busca de outros referenciais de análise da exclusão, capazes de desorganizar os consensos que mutilam a vida nas pesquisas, especialmente os que consideram que o excluído constitui uma categoria homogênea e inerte, ocupada apenas com a sobrevivência física e presa às necessidades.

Assim a leitura que a sociedade tem feito sobre a deficiência e da

pessoa com deficiência foi se diversificando no decorrer dos séculos,

determinando suas ações, variando da desconsideração da pessoa enquanto

ser humano, para uma visão metafísica (sobrenatural) e desta para uma visão

organicista, a essas se somaram à concepção educacional, a concepção social

e recentemente a sócio-histórica.

Nesse sentido, alunos com paralisia cerebral necessitam de ajudas e

apoios intensos, pois a suas próprias condições de vida as impõem, tais como

dificuldades para andar, sentar, manter a cabeça posicionada adequadamente,

falar, utilizar as mãos para segurar objetos ou escrever, organizar a escrita

espacialmente no papel, ler textos escritos com letras pequenas, ou ainda,

realizar atividades de vida diária como alimentar-se ou ir ao banheiro com

independência.

A paralisia cerebral não é uma doença e sim uma lesão cerebral que

ocorre antes, durante ou dentro dos primeiros dias após o nascimento,

segundo Guersh (apud GERALIS, 2007, p.15):

“Paralisia cerebral” é uma expressão abrangente para diversos distúrbios que afetam a capacidade infantil para se mover e manter a postura e o equilíbrio. Esses distúrbios são causados por uma lesão cerebral [..]. Essa lesão não prejudica os músculos nem os nervos que os conectam à medula espinhal – apenas a capacidade do cérebro de controlar esses músculos. Dependendo de sua localização e gravidade, a lesão cerebral que causa os distúrbios de movimento de uma criança também pode causar outros problemas que incluem deficiência mental, convulsões, distúrbios de linguagem, transtornos de aprendizagem e problemas de visão e de audição.

É importante ressaltar que mesmo com muitas definições dadas ao

termo paralisia cerebral, todos os autores assinalam algumas características de

fundamental importância para a compreensão dessa disfunção cerebral:

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• Paralisia cerebral não é doença, mas uma condição especial,

que freqüentemente ocorre em crianças antes, durante ou logo

após o parto, e quase sempre é resultado da falta de

oxigenação no cérebro.

• Os efeitos da paralisia cerebral variam grandemente de pessoa

para pessoa. Na forma mais leve, a paralisia cerebral pode

resultar em movimentos desajeitados ou em controle deficiente

das mãos. Na sua forma mais severa, a paralisia cerebral pode

resultar em falta de controle muscular, afetando profundamente

os movimentos globais e a fala.

• A paralisia cerebral é um termo genérico para descrever um

grupo heterogêneo de déficits motores. Podem ser

apresentados por diferentes classificações. Nesse trabalho

apresentaremos duas: por tipo clínico e pela divisão da

localização da lesão no corpo.

A classificação por tipo clínico, tenta especificar o tipo de alteração de

movimento que a criança apresenta:

1- Espástica: Os músculos são muito tensos, o que limita ou

impossibilita os movimentos do corpo. A criança espástica é dura demais para

mover-se, todo movimento é lento e exige um grande esforço. É o tipo mais

comum de paralisia cerebral;

2- Extrapiramidal: A lesão ocorreu em uma região do cérebro

chamada núcleos da base. Os músculos possuem um grau de tensão variável,

o que resulta em uma realização de movimentos indesejáveis, involuntários. É

o segundo tipo mais comum de paralisia cerebral e pode ser dividido em:

2.1- Atetóide: Há variação no grau de tensão dos músculos das

extremidades do corpo (em relação aos braços, essa variação ocorre nas

mãos), levando à realização de movimentos lentos, contínuos e indesejáveis,

que são muito difíceis de dosar e controlar. A criança atetóide tem grande

dificuldade de realizar o movimento voluntário e manter a mesma postura por

muito tempo;

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2.2- Coréico:Há variação no grau de tensão dos músculos das raízes

dos membros (em relação ao braço, esta variação ocorre nos ombros), levando

à realização de movimentos rápidos e indesejáveis. A criança coréica pode ter

dificuldade para realizar o movimento voluntário;

2.3- Distônico: Há um aumento repentino da tensão do músculo,

levando à fixação temporária de um segmento do corpo em uma postura

extrema;

3- Atáxico: A lesão ocorreu em uma região do cérebro chamada

cerebelo, responsável, entre outras coisas, pelo equilíbrio. Os movimentos são

incoordenados e bruscos. Pode haver a presença de certo tremor. A criança

atáxica tem dificuldade em manter uma postura parada. É um tipo raro de

paralisia cerebral.

Cabe ressaltar que é muito comum haver uma combinação desses

tipos de paralisia cerebral apresentados, caracterizando o que alguns autores

chamam de paralisia cerebral mista.

Dependendo da localização da lesão, os tipos abaixo apresentam

subdivisões que poderíamos chamar de anatômicas:

Diparesia – quando os membros superiores apresentam melhor

função que os membros inferiores, isto é, quando eles apresentam menos

acometimento.

Hemiparesia – quando apenas um lado do corpo é acometido,

podendo ser o lado direito ou esquerdo.

Tetraparesia – quando os quatro membros estão igualmente

comprometidos.

Sendo assim, os comprometimentos das funções motoras decorrentes

das lesões que são verificados, variam em número e grau, de indivíduo para

indivíduo, dependendo das causas e da abrangência da lesão.

Além disso, outros problemas podem estar associados, como por

exemplo: dificuldades de linguagem (disartria, anartia,...); dificuldades visuais

(estrabismo, nistagmo, visão sub-normal,...); dificuldades auditivas com

possibilidade de compensação com uso de aparelho específico; semi-

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dependência para atividades da vida diária (higiene, alimentação, uso do

banheiro); atividades que necessitem coordenação motora fina; problemas do

desenvolvimento cognitivo; dificuldades para o ‘fazer’; dificuldades para o

‘compreender o que está sendo visto’; dificuldades para compreender a

linguagem. (BRASIL, 2006)

Basil (apud Coll;Palácios;Marchesi, 2000, p.253) esclarece que “a

lesão (...) é irreversível. No entanto, se a atenção, a reabilitação física e a

educação da criança forem corretas, podem-se conseguir progressos muito

importantes que farão com que se aproxime de um funcionamento cada vez

mais normalizado”. Por isso, crianças com paralisia cerebral devem receber

tanto o atendimento no âmbito da reabilitação, com: ortopedistas neurologistas,

fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos como

também no âmbito educacional, por professores.

Todas as dificuldades elencadas acima não constituem motivo para se

deixar de lado o processo pedagógico de alunos com paralisia cerebral.

Experiências bem sucedidas demonstram que os mesmos podem avançar no

processo educacional tanto quanto qualquer aluno. Para isso é preciso buscar

métodos e recursos adequados às suas necessidades de aprendizagem.

No campo da alfabetização, que é um dos focos do nosso interesse

neste trabalho, encontramos vários métodos. Estes variam de acordo não só

com as tendências pedagógicas que vêm se aprimorando a partir de estudos e

pesquisas, como também com as políticas públicas que visam o menor custo.

De acordo com Belintane (2006 p. 1)

Desde o final do século XIX, o ensino da leitura vem sendo submetido a uma polaridade discursiva que opõe, de um lado, as linhas teóricas que acentuam a importância do código no processo da aprendizagem da leitura (métodos alfabético, silábico, fônico e outros) cuja entrada no ensino se dá a partir de uma rígida sistematização das fases iniciais da aprendizagem e cuja premissa básica assume que a leitura fluente resulta de um domínio seguro da correlação entre as unidades mínimas da fala e da escrita. De outro posicionam-se as linhas que dão relevo aos sentidos prévios construídos pelo leitor e as suas habilidades em utilizar-se de conhecimentos já assimilados para monitorar o processo de leitura, cuja a entrada no ensino valoriza, entre outros, a cultura, a construção do conhecimento e a interatividade (métodos globais; ideográficos; construtivismo; sociointeracionismo e outros)

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Além disso, diante das demandas sociais é preciso ir além do domínio

da tecnologia da leitura e da escrita, mas fazer uso da leitura e da escrita, o

que implica no letramento. “Podemos definir hoje o letramento como um

conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e

enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”

(KLEIMAN, 2001 p. 19 apud SCRIBNER; COLE, 1981).

Para Soares (2004, p. 4)

(...) é necessário reconhecer que tanto a alfabetização quanto o letramento têm diferentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada uma delas demanda uma metodologia diferente, de modo que a aprendizagem inicial da língua escrita exige múltiplas metodologias, algumas caracterizadas por ensino direto, explícito e sistemático – particularmente a alfabetização, em suas facetas – outras caracterizadas por ensino incidental, indireto e subordinado a possibilidades e motivações das crianças. É importante que se diga que apesar de estarem indissolúvel e

inevitavelmente ligados entre si, escrita, alfabetização e letramento nem

sempre têm sido enfocados como um conjunto pelos estudiosos. Contudo a

relação entre eles é aquela do produto e do processo: enquanto os

sistemas de escrita são um produto cultural, a alfabetização e o letramento

são processos de aquisição de um sistema escrito.

A alfabetização é o processo de apropriação da leitura e escrita,

geralmente realizado na escola por meio da adoção de encaminhamentos

metodológicos específicos, planejados e sistematizados para esse fim. Na

alfabetização, está em foco o domínio do código, ou seja, a compreensão

das relações entre fonemas (sons) e grafemas, pois sua natureza

compreende o domínio de habilidades de decodificação (ler) e codificação

(escrever) próprios da mecânica da escrita.

Segundo Pan (2006, p.71):

O ensino da escrita nas sociedades letradas, tecnológicas, tem como objetivo potencializar o cidadão para lidar com as estruturas de poder. Ser capaz de usar a leitura e a escrita não significa apenas adquirir uma maior mobilidade na sociedade, mas significa também usar esse conhecimento como meio de tomar consciência da realidade e transformá-la. O domínio dos diversos usos e funções da escrita envolve o acesso a outros mundos públicos e institucionais (mídia, tecnologia, burocracia) e a possibilidade de acesso ao poder.

Já, o letramento, não se refere apenas às práticas escolares de

alfabetização, mas a todas as práticas que envolvem as pessoas que

convivem nos meios letrados. É inegável que nossa relação com o meio

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cultural seja mediada pela leitura e pela escrita em quase todas as

atividades que realizamos. Esse universo de significações decorrentes da

interação ativa entre leitura e escrita nas práticas sociais tem efeitos que

possibilitam o letramento do sujeito, ainda que ele não tenha sido

formalmente alfabetizado na escola.

O letramento representa o coroamento de um processo histórico de

transformação e diferenciação no uso de instrumentos mediadores.

Representa também a causa da elaboração de formas mais sofisticadas do

comportamento humano, o que Vygotsky denominou “processos mentais

superiores”, tais como: raciocínio abstrato, memória ativa, resolução de

problemas, etc.

Considerando que a criança com quadro grave de paralisia cerebral

(coreoatetose), não tem a preensão de objetos e não é capaz de manipular o

lápis. O mecanismo da escrita precisa ser adaptado, uma vez que

provavelmente não ocorrerá por meio do uso dos membros superiores. Pode

ocorrer ainda, que a criança apresente uma disartria significativa ou a ausência

de fala. Nesse caso também a avaliação do que seria denominado como a ‘pré-

história’ da linguagem escrita (Vygotsky,2005;Ferreiro,1986) e a linguagem

verbal ficam dificultadas. São necessárias adaptações para mediar o processo

de aprendizagem, onde são fundamentais as interações e as interlocuções que

ocorrem em todas as situações de vida desses alunos.

O que está em jogo é o processo de aprendizagem, isto é,

compreender como o aluno pensa, elabora significados e que caminhos

diferentes podem ser utilizados para que ele tenha a oportunidade de avançar

na construção do conhecimento e na escolaridade. Para isso, em favor da

autonomia e da independência do aluno, é necessário promover a

acessibilidade física e eliminar todas as formas de barreiras que impedem a

sua participação.

Sobre o acesso de alunos com deficiência física às escolas, a

comunicação alternativa oral e escrita e as adaptações de acesso ao

computador são citadas por Manzini (2006, p.123):

É imprescindível a adoção de recursos de comunicação alternativa/aumentativa, para alunos com paralisia cerebral e que apresentam dificuldades funcionais de fala e escrita. A comunicação alternativa/aumentativa contempla os recursos e

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estratégias que complementam ou trazem alternativas para a fala de difícil compreensão ou inexistente (pranchas de comunicação e vocalizadores portáteis). As estratégias e recursos de baixa ou alta tecnologia que promovem acesso ao conteúdo pedagógico (livros digitais, softwares para leitura, livros com caracteres ampliados) e facilitadores de escrita, com engrossadores de lápis, órteses para digitação, computadores com programas específicos e periféricos (mouse, teclado, acionadores especiais). A comunicação é considerada alternativa quando o aluno não

apresenta outra forma de comunicação e, considerada ampliada quando o

aluno possui alguma comunicação, mas essa não é suficiente para as suas

trocas sociais. A comunicação alternativa oportuniza a esse aluno, participar

das aulas indicando ao professor o que aprendeu, externando suas dúvidas e

anseios, debatendo assuntos pertinentes de seu interesse.

Pelosi (2003), Nunes (2004) e Mansini (2006), explicam que o termo

Comunicação Alternativa não pode ser confundido como um recurso que irá

substituir a fala, mas uma comunicação de suporte, um apoio suplementar à

fala, como uma contribuição para o aluno ser compreendido.

De acordo com Nunes (2004, p.4), “65% das crianças com seqüelas

de paralisia cerebral têm dificuldade ou até incapacidade absoluta de mover o

aparelho fonoarticulatório de forma a produzir qualquer palavra inteligível”.

Para esses casos a autora recomenda uma forma viável de comunicação que

consiste no emprego de sistemas alternativos baseados em sinais/símbolos

pictográficos, ideográficos e arbitrários. Para definir estas outras formas de

comunicação que substituem ou suplementam as funções da fala são usados

os termos Comunicação Alternativa e Comunicação Ampliada ou Suplementar.

Entretanto, antes de iniciar o trabalho com meios alternativos para a

comunicação é necessário fazer uma análise das condições do aluno e dos

objetivos a serem atingidos. É importantíssimo fazer um levantamento das

habilidades já existentes e do potencial do aluno, uma vez que o recurso

alternativo de comunicação dará possibilidade ao professor para trabalhar

aspectos da compreensão e expressão da linguagem do aluno.

Segundo Pelosi (apud Manzini, 2006, p. 124),

A resistência para implementação de um recurso alternativo não está unicamente relacionada com a complexidade da proposta. Muitas vezes a substituição da letra cursiva pela letra maiúscula no processo de alfabetização pode ser uma barreira intransponível. A discussão passa pela percepção e aceitação de que aquele sujeito, com alguma necessidade educacional especial, precisa de modificações no ambiente,

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no recurso ou na estratégia para poder aprender. A não modificação impedirá que o aluno aprenda mesmo que ele estude com o professor mais qualificado da escola. As modificações citadas pela autora: no ambiente, no recurso ou na

estratégia, dependem principalmente do empenho do professor em pesquisar,

conhecer e buscar os meios e os modos adaptados para estabelecer a

comunicação e promover a aprendizagem.

Tendo em vista as dificuldades apresentadas pelas crianças com

paralisia cerebral em relação à linguagem, a presente investigação

compreende uma reflexão sobre as práticas de letramento escolar de alunos

com paralisia cerebral exercidas nas escolas de educação especial, como

promotoras da inclusão desses alunos.

Método

O contexto desta pesquisa é o Programa de Desenvolvimento

Educacional – PDE, promovido pelo Governo do Estado do Paraná. Objetiva a

formação continuada dos professores da rede estadual de educação. Para

isso, nesta pesquisa estão envolvidos: a Professora Orientadora da UFPR -

Profª.dra. Miriam Aparecida Graciano de Souza Pan; a Professora PDE

(pesquisadora) e vinte e quatro professores de Escolas de Educação Especial.

A metodologia adotada é a pesquisa-ação porque possibilitou a auto-

reflexão necessária neste estudo em que a Professora PDE é aluna e também

professora e teve que compreender e superar os conflitos inerentes a esta

dupla posição, além de se tornar sujeito de seu próprio processo de formação

continuada.

Deste modo, a pesquisa se inseriu numa perspectiva metodológica de

valorização da relação pedagógica, buscando a colaboração entre os sujeitos

participantes, pois entendemos que o ato de pesquisar refaz o relacionamento

adequado e ético entre os mesmos, tornando-os sujeitos que buscam a

emancipação. Para Demo (2000, p. 61), “a pesquisa é parte do processo de

formação da consciência crítica, que sempre começa pela capacidade de

questionar. Reaparece na formação da competência, como expediente central

da qualidade formal e política. Reluz sempre no processo de sua constante

reconstrução e incorpora o movimento de conquista permanente”.

13

Dos vinte e quatro professores de Escolas de Educação Especial,

Dezenove constituiram o Grupo de Trabalho em Rede (GTR) e cinco

pertencem à Escola de Educação Especial Nabil Tacla (sub-sede).

Os professores participantes da pesquisa atuam em escolas especiais

que atendem alunos na faixa etária da educação infantil (entre dois a cinco

anos) e do ensino fundamental (entre seis e quatorze anos).

A pesquisa teve início com a apresentação da Proposta de

Implementação na Escola, na forma presencial para as professoras da Escola

Especial Nabil Tacla e virtual para os professores do Grupo de Trabalho em

Rede - GTR.

O instrumento utilizado foi elaborado pela pesquisadora para a

capacitação dos professores e implementação da pesquisa. Consiste de um

Caderno Pedagógico (folheto) com o título de: “Letramento e Paralisia

Cerebral” produzido na forma de perguntas e respostas. As questões foram: 1)

Qual a diferença entre escrita, alfabetização e letramento? 2) Como a escola

pode produzir bons leitores? 3) Como alfabetizar letrando? 4) O que é paralisia

cerebral? 5) Como introduzir a comunicação alternativa ampliada escrita na

escola? 6) Como as crianças com paralisia cerebral podem ter acesso ao

computador?

Na Escola Especial foram realizados seis encontros para estudo e

discussão do Caderno Pedagógico, mencionado.

Para o Grupo de Trabalho em Rede foi utilizado o ambiente virtual de

aprendizagem Moodle. Neste ambiente, foram criados pela Professora PDE

(tutora) 6 (seis) módulos de atividades e uma Biblioteca Virtual. As atividades

de cada módulo, bem como as interlocuções entre os participantes foram feitas

por meio de Fóruns Virtuais.

Os dados foram levantados a partir da participação dos professores do

GTR - no Módulo 5, que tratou especificamente da leitura e análise do Caderno

Pedagógico: Letramento e Paralisia Cerebral e dos relatórios elaborados

durante as discussões realizadas nos encontros presenciais com as

professoras da Escola Especial Nabil Tacla.

Primeiramente, foram analisadas e selecionadas as falas dos

participantes que atendiam o objetivo da pesquisa. A seguir, foram

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identificados, nessas falas, os aspectos relacionados ao exercício da prática

pedagógica dos participantes, no contexto de suas salas de aula.

Assim, as discussões e as reflexões proporcionadas desencadearam

os resultados da pesquisa, pois os sujeitos participantes foram capacitados e

contribuíram com a mesma. A metodologia valorizou a ação docente e

possibilitou uma auto-reflexão dos participantes sobre as práticas

desenvolvidas nas suas escolas

Resultados

Os estudos e as discussões realizadas com os professores tanto na

forma presencial como na forma virtual revelaram alguns pontos fundamentais

a serem observados no desenvolvimento de práticas de letramento escolar

para alunos com paralisia cerebral. São eles:

1) As necessidades educacionais especiais do aluno paralisado

cerebral.

Os professores pesquisados afirmam que é imprescindível identificar

as necessidades educacionais especiais dos alunos antes de planejar a ação

pedagógica. Entretanto, esta tarefa nem sempre é fácil. Isso é possível

constatar pelo relato de um dos participantes do GTR, “tenho um aluno, de sete

anos, que vem à Escola Especial (APAE) somente uma ou duas vezes na

semana, pois mora no interior, em casa fica no chão girando de costas como

um pião e todos os membros mexendo ao mesmo tempo, o tempo todo. Para

dormir a mãe precisa segurá-lo com firmeza, só assim ele relaxa e dorme. Na

escola adaptamos a sua cadeira com faixas para melhor acomodá-lo sentado e

ainda assim temos que segurar sua cabeça com as mãos para ele ouvir,

compreender e participar das atividades pedagógicas”.

Outra professora participante da pesquisa também relatou que não

estava conseguindo, no decorrer do ano letivo, estabelecer um canal de

comunicação com uma aluna de cinco anos. Segundo ela, a aluna apresenta

um quadro grave de paralisia cerebral, não consegue fixar o olhar devido o

reflexo de procura, emite alguns sons guturais e tem uma imensa dificuldade

em manipular objetos, sendo impossível avaliar a aprendizagem da menina.

15

Todos os participantes contam com o apoio das equipes técnicas das

escolas especiais (Fisioterapeuta, fonoaudióloga, Terapeuta Ocupacional e

psicóloga), além da pedagoga, no entanto há casos difíceis de identificar.

A grande maioria dos alunos por eles atendidos necessitam fazer uso

de materiais adaptados (carteiras, lápis), apoios para o caderno, prancha de

comunicação, materiais ampliados, computador, adaptações de teclado e

mouse.

2) O uso de práticas relacionadas ao contexto social, no processo de

letramento.

Os participantes enfatizaram a importância de se fazer um

planejamento com aulas que proporcionem uma aprendizagem significativa aos

alunos, dramatizando situações comuns do dia a dia e ainda promovendo

visitas a locais ricos de estímulos, tais como praças, zoológicos, exposições,

museus e até mesmo a supermercados. Lembraram também, que a grande

maioria das crianças que freqüentam as escolas especiais raramente participa

de eventos sociais ou freqüenta estabelecimentos comerciais. Isso ocorre

principalmente pela dificuldade de locomoção dos alunos e carência de suas

famílias.

Dentre os vários relatos de situações vivenciadas com alunos,

destaca-se o de uma Professora do GTR: “percebo pelos alunos que trabalho,

a partir do momento que eles conseguem compreender o que lêem, seja um

livro de literatura infantil, seja uma placa, ou outdoor, eles já se sentem

engrandecidos por isso”.

Também foram muitas as sugestões pedagógicas compartilhadas

entre os professores participantes do GTR por meio de um Fórum de

sugestões pedagógicas. Neste Fórum, os participantes foram convidados a

postar uma sugestão de trabalho pedagógico sobre letramento. A seguir

relacionamos alguns tipos de textos, de uso corrente na vida social, sugeridos

pelos participantes, para serem trabalhados em diferentes projetos e em

diferentes momentos:

• Narrativas (histórias de autoria conhecida, ou não; contos de fadas;

histórias do folclore, lendas; histórias de vida; “casos” da vida cotidiana).

• Lista (de compras, de coisas a fazer, de heróis favoritos, de

personagens, de meninos e meninas, de brincadeiras, etc.).

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• Poemas (para serem aprendidos de cor, para serem recitados ou lidos

silenciosamente).

• Receitas de cozinha (receitas simples e econômicas podem

eventualmente ser preparadas na escola).

• Quadrinhos (crianças não só lêem, mas produzem suas próprias

histórias).

• Bilhetes, cartas e telegramas.

• Convites (para festas escolares, exposições, reuniões de pais).

• Cartazes, textos de propaganda (para promover campanhas).

• Agendas e diários (textos de natureza íntima).

• Textos didáticos (de Português, Matemática, Estudos Sociais, Ciências,

etc.).

• Reportagens (sobre o que está acontecendo na escola, no bairro, na

cidade, no Brasil, no mundo).

• Relatórios de visita ou de pesquisa.

• Documentos da vida cotidiana (cheques, requerimentos, certidões,

formulários, etc.).

• Bulas (de remédio de uso comum).

• Normas e instruções (como montar um brinquedo, organizar um jogo,

etc.)

3) Os recursos pedagógicos no processo de letramento de alunos com

paralisia cerebral.

São muitos e variados recursos que os professores relataram fazer

uso, desde os mais simples, como revistas, livros de histórias, folhetos de

propaganda, jogos, até os mais sofisticados como computador, internet,

máquina fotográfica digital, TV, DVD, gravador de voz e filmadora.

4) O uso da comunicação alternativa

A comunicação alternativa como recurso e estratégia que

complemente ou traga alternativas para a fala de difícil compreensão ou

inexistente é pouco usada pelos professores participantes da pesquisa. Alguns

professores relataram que têm dificuldade de trabalhar com a comunicação

alternativa por que a mesma não é extensiva à família e a comunidade a qual

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pertence a criança. Segundo eles, não tem sentido a criança aprender a se

comunicar na escola e não fazer uso dessa comunicação no seu dia a dia.

Outro grupo de professores relatou não fazer uso da comunicação

alternativa porque trabalham com crianças que estão na faixa etária de

aquisição da linguagem e temem que usando a comunicação alternativa as

crianças não se sintam motivadas a falar.

E, ainda uma participante da pesquisa, que iniciou recentemente na

educação especial, relata que “os desafios são muitos, mas não podemos

fechar os olhos, temos que buscar alternativas, mudar currículos, fazer

adaptações e contar com apoio técnico e pedagógico”.

No decorrer das discussões somente três professores declararam que

estão começando a trabalhar a comunicação alternativa muito lentamente, pois

encontram bastante dificuldade. Disseram entender a necessidade do uso da

comunicação alternativa para a aprendizagem do aluno, mas se sentem

inseguros e precisam de capacitação, apoio técnico e recursos.

5) A necessidade de um trabalho conjunto com as famílias.

Segundo o relato dos professores, é visível a preocupação, o

desespero e o desestímulo dos pais diante do filho com paralisia cerebral. Na

maioria das vezes não colaboram com as recomendações dos professores

para serem feitas em casa, não os levam para a escola todos os dias, e não

comparecem as reuniões que objetivam envolvê-los no trabalho realizado pela

escola, com seus filhos.

Ao término dos encontros de estudo e discussão, os participantes

preencheram uma ficha de avaliação com oito questões sobre o material

didático e a implementação da proposta na escola. O material didático foi

avaliado como muito bom e excelente. Com relação às práticas de letramento

exercidas na sala de aula, a maioria dos participantes, declarou que não

encontra dificuldades e faz uso de diversos recursos nesse processo.

Além disso, os professores participantes da pesquisa manifestaram o

desejo em aprofundar estudos sobre o tema, segundo o relato de uma

professora participante do GTR : “o estudo deve fazer parte da rotina do

professor. É fundamental conhecer as especificidades dos alunos, pois não

existe um perfil padrão de paralisado cerebral e somente quando nos

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deparamos com o aluno real é que surgem as dificuldades, principalmente

quando o aluno não se expressa verbalmente.”

Discussão A presente pesquisa indicou que nas práticas exercidas pelos

professores a identificação das necessidades educacionais especiais dos

alunos com paralisia cerebral não é tarefa fácil.

As crianças com paralisia cerebral podem apresentar uma série de

alterações na evolução de seu desenvolvimento psicológico, derivadas de

forma direta e indireta de seu distúrbio neuromotor. A maior parte das

habilidades que a criança adquire ao longo do seu desenvolvimento tem um

componente motor. Desta forma, a possibilidade de andar, falar, manipular,

escrever, etc. depende, entre outras coisas, da possibilidade de realizar

determinados movimentos. A lesão neurológica poderá alterar o

desenvolvimento dessas habilidades, cuja aquisição pela criança poderá

ocorrer mais tarde, ou de forma diferente da normal ou até não ocorrer,

dependendo da gravidade da lesão. (BASIL APUD

COLL;PALÁCIOS;MARCHESI, 2000)

O problema neurológico interfere na maturação normal do cérebro e

provoca o atraso do desenvolvimento motor: no tônus; na postura; e nas

experiências com o corpo. “O desenvolvimento global existente sofre

alterações, apresentando formas primitivas, esterotipadas ou generalizadas de

reflexo, mantendo esquemas de atitudes e movimentos que não correspondem

ao padrão usual.” (BASIL APUD COLL;PALÁCIOS;MARCHESI, 2000)

As dificuldades motoras da criança com deficiência podem agravar-se

com a presença de problemas sensoriais de audição e de visão.

Também são característicos do aluno paralisado cerebral os distúrbios

no desenvolvimento da fala e da linguagem, podendo apresentar alterações

variáveis em maior ou menor grau de inteligibilidade da linguagem falada,

chegando ao impedimento por completo. “As lesões cerebrais produzem,

quase sempre, alterações do aspecto motor-expressivo da linguagem,

determinadas por uma perturbação, mais ou menos grave, do controle dos

órgãos motores bucofonatórios, que pode afetar a execução (disartria) ou a

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própria organização do ato motor (apraxia). Em muitos casos esses distúrbios

afetam outras funções além da fala como a mastigação, a deglutição, o

controle da saliva ou a respiração”. (BASIL APUD

COLL;PALÁCIOS;MARCHESI, 2000, p. 253)

É importante observar que “caso não haja na área neurológica outros

problemas associados, a compreensão da linguagem pela criança se

desenvolverá corretamente mesmo havendo problemas que interfiram ou

comprometam a emissão da fala” (Brasil, 2006, p.44). A criança pode não ter

condições de falar, mas pode compreender o que está sendo falado por outras

pessoas e tem consciência de tudo o que acontece ao seu redor.

No entanto, “se ocorrerem distúrbios específicos da linguagem na área

cerebral, e não somente problemas localizados para o ato motor da fala, eles

poderão afetar não somente a expressão como a compreensão da fala”

(BRASIL, 2006, p. 44), ou seja, além de não falar, também não compreenderá

o que os outros falam, comprometendo, assim, sua compreensão do mundo.

Por isso, para saber diferenciar a criança que compreende a

linguagem daquela que não compreende, o professor precisa ficar atento a

todos os sinais que ela possa fazer para se comunicar com o meio e com

aqueles que mostram o que realmente está compreendendo, pois tão somente

o fato de não falar não quer dizer que esteja alheia ao meio em que vive, como

também não quer dizer que não tenha condições de aprendizagem formal de

leitura, de escrita e de raciocínio em ambiente escolar.

Na literatura especializada há diversos relatos de crianças que

superam essas dificuldades e, mesmo com limitações para interação adequada

presenciam a movimentação e as mudanças em seu meio e, assim operando

mentalmente sobre o mundo, passiva e silenciosamente desenvolvem-se,

formando, alimentando e mantendo estruturas suficientes para a

aprendizagem.

Com isso, o uso de práticas de letramento relacionadas ao contexto

social como as relatadas pelos professores pesquisados revestem-se de

importância ainda maior. É possível dizer, que mesmo não conseguindo ler e

escrever da maneira convencional essas crianças podem ser letradas, ou seja,

podem fazer uso social da leitura e da escrita.

20

No que se refere à comunicação alternativa, onde os professores se

mostraram contrários ao seu uso, com receio de que a criança passe a inibir a

sua linguagem, as pesquisas de Johnson (1998) demonstram o contrário: “as

habilidades para a fala que o indivíduo possa ter ou vir a apresentar não são

inibidas, pois o sistema proporciona a eliminação de uma possível tensão

existente no ato de comunicação, possibilitando a emissão oral, acompanhada

pela indicação do símbolo desejado”

Para Manzini (2006, p.48)

A comunicação alternativa é um recurso que envolve formas diferentes de expressão da linguagem falada. Estar atento aos sinais de compreensão da comunicação que a criança transmite é fundamental para que, junto com ela, se possa estabelecer uma forma alternativa de comunicação eficiente, considerando que a linguagem falada de um interlocutor deverá estar presente como forma de tradução da idéia que a criança quer transmitir. Para proceder a comunicação alternativa são usados diversos

recursos e materiais que possam dar suporte, facilitar ou viabilizar o processo

de comunicação da criança com os indivíduos do meio (família, escola,

comunidade). Esse é um processo onde a família tem relativa importância para

o sucesso da implantação e uso da comunicação alternativa, que não deverá

ser tão somente um instrumento a ser trabalhado em terapias e/ ou em sala de

aula. Esse material deverá ser levado e manipulado pela criança em todas as

situações de sua vida diária procurando alçar outras pessoas para fazer parte

do processo. A atenção, dedicação e participação contribuem para o

enriquecimento e aplicação de novos símbolos, somando e complementando o

trabalho como um todo.

Entretanto, as famílias dos alunos dos professores pesquisados

deixam só para a escola a tarefa de ensinar e não compreendem que a

participação da família torna-se cada vez mais importante no cotidiano da

escola. O acompanhamento de suas ações, o centro de construção da

cidadania e as contribuições coletivas têm como objetivo integração entre

escola e comunidade.

É importante que a escola busque estabelecer uma parceria com a

família, propiciando “a participação efetiva dessa última no ambiente escolar,

com o objetivo de prestar suporte à execução das atividades de aprendizagem

e de socialização aos alunos severamente comprometidos“ (BRASIL,2006,

21

p.24). Esse será mais um apoio que se somará à assessoria dada pela equipe

técnica da área da saúde e ação social.

Conclusão

A presente pesquisa revelou a falta de conhecimento, por parte dos

professores participantes, sobre a identificação das necessidades educacionais

do aluno paralisado cerebral e das possibilidades de uso de outro tipo

comunicação.

A partir deste dado levantado pela pesquisa, considera-se necessário

ampliar as discussões com os professores sobre esta temática. Cursos e

grupos de estudos centrados nas atividades desenvolvidas no cotidiano da sala

de aula, nos problemas reais e cotidianos do professor, na realidade da escola

e da instituição em que ela está inserida. Tal medida amplia a valorização da

prática como elemento de análise e reflexão dos professores fomentando

nestes, atitudes de participação ativa e investigadora.

Neste sentido, a pesquisadora já está participando de um curso de

capacitação em rede sobre Comunicação Alternativa, com o objetivo de ampliar

os estudos feitos até então.

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