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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2008 Versão On-line ISBN 978-85-8015-039-1 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 20

08

Versão On-line ISBN 978-85-8015-039-1Cadernos PDE

VOLU

ME I

1

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

CENTRO DE APOIO A EDUCAÇÃO BÁSICA

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

APRECIAÇÃO MUSICAL COM ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

IVONE PRADO LOPES

Artigo apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) – Secretaria de Estado da Educação do Paraná, na área de Arte Orientação: Profª. Vania Malagutti Fialho.

MARINGÁ

2009

2

APRECIAÇÃO MUSICAL COM ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

1 Ivone Prado Lopes

2 Vânia Malagutti Fialho Resumo

Este artigo discute a prática pedagógico-musical no ensino médio, a partir de

uma experiência realizada no Colégio Estadual Polivalente de Goioerê – PR. A proposta

destinou-se aos alunos do segundo ano do Ensino Médio, período noturno, e teve como

meta proporcionar a construção de conhecimento da linguagem musical por meio da

apreciação musical, oportunizando aos jovens ferramentas para direcionar suas análises

musicais, bem como ampliar seu repertório. A experiência faz parte das atividades do

Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), proposto pela Secretaria Estadual de

Educação do Estado do Paraná em parceria com as Universidades Estaduais, e nesse

caso, especificamente com a Universidade Estadual de Maringá. No artigo é

apresentado inicialmente uma revisão de literatura abordando juventude, música e

escola, seguida de uma breve discussão sobre o papel da música na escola. Para essa

temática utilizam-se autores como Dayrell (2005), Schafer (1991), Souza (2000) e

Queiroz (2005), além de documentos legislativos. Para finalizar é apresentado a práxis

pedagógico-musical em sala de aula, apontando os destaques e desafios do trabalho com

musica no ensino médio.

Palavras-chaves: música; escola; prática musical; juventude; apreciação musical.

Abstract: This article discusses the music-pedagogical practice in high school, from an

experiment conducted in the State School Polivalente in Goioerê – PR. The proposal

1 Professora de Arte da rede estadual de Educação do Paraná desde 1988, com formação em

Educação Artística - Universidade Estadual de Londrina, pós graduação em Gestão Pedagógica

– Universidade Estadual de Maringá. Vem atuando como professora da educação básica, nos

últimos anos é integrante da equipe pedagógica do NRE de Goioerê , no Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE desenvolveu pesquisa sobre Apreciação Musical. 2 Mestre em música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, orientadora neste artigo,

atuando na Universidade Estadual de Maringá – Departamento de Música

3

was intented for second year high school students, at night, and was aimed to provide

knowledge of musical language through music appreciation, giving tools to young

people to direct his music reviews, as well as expand their repertoire. The experiment is

an activity of the Educational Development Program (EDP), proposed by the State

Department of Education of the State of Paraná in association with the State

Universities, in this case, specifically with the State University of Maringá. The article

begins with a review of the literature adressing youth, music and school, followed by a

brief discussion on the role of music in school. To develop this issues were used

authors like Dayrell (2005), Schafer (1991), Souza (2000) e Queiroz (2005), and

legislative documents. Finally is presented the music-pedagogical practice in the

classroom, pointing out the highlights and challenges of working with music in high

school.

Keywords: music in school; musical practice; youth; music appreciation.

1- INTRODUÇÃO

Este artigo discute a prática pedagógico-musical no ensino médio, a partir de

uma experiência realizada no Colégio Estadual Polivalente de Goioerê – PR. A proposta

destinou-se aos alunos do segundo ano do Ensino Médio, período noturno, e teve como

meta proporcionar a construção de conhecimento da linguagem musical por meio da

apreciação musical, oportunizando aos jovens ferramentas para direcionar suas análises

musicais, bem como ampliar seu repertório. A experiência faz parte das atividades do

Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), proposto pela Secretaria Estadual de

Educação do Estado do Paraná em parceria com as Universidades Estaduais, e nesse

caso, especificamente com a Universidade Estadual de Maringá.

O público do ensino médio noturno é formado por jovens, que tem como

característica a convivência em grupos com afinidades próprias, traços culturais,

conceitos e práticas sociais, dentro e fora do ambiente escolar, inclusive no que se refere

ao estilo musical adotado.

Não há dúvidas de que o trabalho com música na escola pode contribuir para

socialização entre os grupos e para ampliar o conhecimento musical sobre diferentes

4

estilos/gêneros. Portanto, entende-se que a escola é um lugar importante para a

construção do conhecimento musical, buscando o respeito à diversidade cultural e

oportunizando o desenvolvimento musical de forma holística (CUNHA, 2003).

A apreciação musical é “considerada como uma das atividades fundamentais no

ensino da música” (CUNHA, 2003, p. 64). Ela permite uma análise dos elementos que

compõem a música, favorecendo a compreensão aprofundada de uma obra musical.

Neste projeto, a apreciação é entendida como um exercício que leva o aluno a “ampliar

seus conhecimentos intuitivos e analíticos, [...] sobre o repertório que ouve em sala de

aula” e o que ouve fora da escola, no seu cotidiano (CUNHA, 2003, p. 64).

Destaca-se a importância do conhecimento da linguagem musical por meio da

constante presença da música na vida atual, principalmente com o desenvolvimento

tecnológico dos meios de comunicação como toques de celulares, CD, DVD, TV, rádio,

computador e outros. Nesse contexto, a questão que se colocou para implementar a

proposta foi a seguinte: como a educação escolar pode contextualizar esta realidade e

auxiliar na busca de experiências sonoras que amplie o universo das escolhas musicais?

Nesta perspectiva, dentre as metas da proposta estavam:

- Conhecer o universo musical dos alunos;

- Propiciar condições para que o aluno ampliasse seu repertório musical;

- Promover o respeito no ambiente escolar, segundo os diferentes gostos musicais;

- Oportunizar um diálogo entre as vivências musicais extra-escolar dos alunos e a

apreciação musical realizada em sala de aula;

- Relacionar procedimentos musicais em diferentes estilos, de acordo com análise da

estrutura, forma, caráter, instrumentação, letra, etc.

Para alcançar as metas e encaminhamentos citados, foi elaborado um plano de

ação desenvolvido em 16 horas-aulas envolvendo aulas expositivas, execuções sonoras,

utilização de recursos audiovisuais e experimentações sonoras. A proposta foi

fundamentada e direcionada por uma sondagem realizada em agosto de 2008, que

investigou as preferências musicais dos alunos da primeira série do ensino médio do

Colégio Polivalente. Os estilos musicais mencionados, em ordem de preferência foram:

sertanejo, rock, rap e MPB atual.

Nesse artigo, apresento inicialmente uma revisão de literatura abordando

juventude, música e escola. Nesse item trato da situação contemporânea do jovem que

simultaneamente estuda e trabalha, abordando suas relações com a música e a cultura.

Na sequência abordo, sinteticamente, o papel da música na escola. Para isso utilizo

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autores como Dayrell (2005), Schafer (1991), Souza (2000) e Queiroz (2005), além de

documentos legislativos. Em seguida apresento os resultados e discussões da

implementação da ação pedagógico-musical sobre apreciação musical no ensino médio.

2- JUVENTUDE, MÚSICA E ESCOLA

Tendo em vista a clientela deste projeto – alunos Ensino Médio noturno, torna-se

importante conhecer e contextualizar essa realidade para um melhor diálogo entre

professor e aluno, mediado pela música. Assim, abordo três assuntos distintos e

complementares, a saber: o jovem trabalhador e a escola; cultura e música; a música na

escola.

2.1 O JOVEM TRABALHADOR E A ESCOLA Segundo Janzen e Arroyo (2006) atualmente, a juventude e sua diversidade

está presente em diferentes campos de estudos acadêmicos, com pesquisas em

educação, sociologia e música, com proporção maior, no Brasil a partir dos anos 80.

Nas pesquisas a primeira tentativa é definir e caracterizar o que é ser

jovem. Esta definição e caracterização transformam-se de acordo com os parâmetros

sociais de cada período. De acordo com Janzen e Arroyo (2006) na Grécia arcaica, por

exemplo, os jovens eram os guerreiros e na Roma antiga jovem estaria entre 30 e 45

anos. Com o advento do capitalismo, juventude relacionava-se ao tempo destinado para

os estudos, tendo como finalização da juventude a inserção no mundo do trabalho, o

casamento e a procriação. A ONU (Organização das Nações Unidas) cronologicamente

define juventude como pessoas entre 15 e 24 anos de idade e implica em preparação

para a vida adulta.

Conceituar juventude observando a condição sócio-histórica e não a

cronológica, não é uma tarefa fácil. Isso porque esta definição envolve aspectos

biológicos, históricos e sociais. conforme a citação de Corti e Souza, 2004, p. 13):

a juventude, embora possa ser considerada como um período da vida com alguma unidade, possui também diferenciações internas relacionadas ao desenvolvimento fisiológicos, psíquico e social dos

6

sujeitos nos seus diferentes estágios, que, grosso modo, classificamos por categorias ou classe de idade. Assim, jovens de12 anos apresentam certas características e vivências que os distinguem de jovens de 20 anos de idade (...) (CORTI e SOUZA, 2004, p. 13)

Assim, se discute juventude a partir de diferentes abordagens. Segundo Pais

citado por Dayrell (2005, p. 21)

A sociologia da juventude tem oscilado entre duas vertentes. Na primeira - classificada como geracional - a juventude é uma fase da vida, enfatizando a busca de aspectos característicos mais uniformes e homogêneos que fariam parte de cultura juvenil, unitária, específica de uma geração definida em termos etários. Nesta corrente estariam presentes tanto as teorias da socialização quanto as teorias sobre gerações. A segunda vertente classista, trata a juventude como um conjunto social necessariamente diversificado, em razão das diferentes origens de classe que apontam para uma diversidade das formas de reprodução social e cultural. (PAIS citado por Dayrell 2005, p.21)

Essas diferentes origens sociais, econômicas e culturais influenciam e

determinam muitas vezes as organizações de grupos, ditando comportamentos e

influenciando hábitos.

Mas, também nos deparamos com imagens a respeito da juventude como a idéia

de futuro, estar se preparando para o que vai ser, negando se momento atual. Outra

visão contempla o tempo de todas as liberdades inclusive o direito de errar sem

responsabilidades, relacionando a momentos de crises e conflitos. Outra imagem é

causada por meio da industria cultural, que vê o jovem como público alvo para o

consumismo. Porém o autor defende que a juventude não são modelos socialmente

construídos e sim uma fase de crescimento, com base na construção de experiências

representando uma condição social. Assim enfatiza a diversidade de ser jovem e como

jovem existente torna-se um sujeito social (DAYRELL, 2003).

Como sujeitos sociais, os alunos do noturno do Colégio Estadual Polivalente, de

Goioerê, geralmente são jovens da classe social menos privilegiada financeiramente que

moram com os pais e trabalham durante o dia. Para esta clientela, os programas e as

políticas públicas educacionais e profissionais são fundamentais, porém ainda raros.

Sarti, citado por Dayrell (2005, p. 23), comenta que “a situação dessas parcelas de

jovens se agrava, [...] O trabalho não oferece mais um tipo de regulação da sociedade, a

escola não cumpre a função de moralização e mobilidade social, e novos modelos ainda

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não estão delineados”. O autor vai mais além afirmando que as situações – de trabalho e

estudo simultaneamente – que “antes se caracterizava como uma possibilidade de

passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão, hoje, para parcelas de

jovens pobres está se transformando em um meio de vida” (Sarti citado por Dayrell,

2005, p. 23). O autor refere-se às condições de instabilidade e falta de opções geradas

pelas políticas públicas para esses jovens.

Essa situação resulta em uma dificuldade generalizada para a realidade

socioeconômica e cultural da juventude contemporânea menos privilegiada. Isso gera

uma falta de perspectiva em diferentes esferas, inclusive no âmbito educacional e

profissional. O trabalho e estudo são para serem consumidos imediatamente, sem

vislumbrar uma perspectiva de melhora futura.

Neste contexto é interessante lembrar que o papel da escola está em também

desenvolver ações que possam oportunizar momentos de reflexão e prática buscando

oferecer ao jovem uma autonomia que permita sua interação e atuação na sociedade.

Nesse sentido a escola pode atuar na formação do jovem para o exercício de sua

cidadania e contemplando a formação profissional.

Reconhecendo que a música é significativa no que se diz respeito a interação

entre os jovens, a produção científica vem crescendo e merece maior aprofundamento.

Janzen e Arroyo (2006) organizou um levantamento bibliográfico da produção na área

de educação musical direcionada ao jovem. As autoras apontam para o aumento da

produção na área, o que revela sua importância atual e a demanda em melhor

compreender essa clientela e suas preferências e relações com música.

2.2 MÚSICA NA CONTEMPORANEIDADE

A forma como a organização curricular é realizada nas escolas ainda que

historicamente fragmentada, pode contribuir para o trabalho de expansão cultural, ou

seja, o contato com outras culturas, estilo e gêneros diferentes, a música, por exemplo,

pode possibilitar ao jovem uma expansão de seu universo cultural. No que se refere à

cultura, Santos (citado nas Diretrizes Curriculares da Disciplina de Arte, 2007) afirma

que a mesma

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diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada

um dos povos, nações, sociedade e grupos humanos. [...] Cada

realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar

conhecer para que façam sentidas a suas práticas, costumes,

concepções e as transformações pelas quais essas passam. [...]

Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a

preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e

dignidade nas relações humanas. (Santos citado nas Diretrizes

Curriculares da Disciplina de arte, 2007, p.28)

Nesse universo cultural, a música pode ser entendida como um veículo de

comunicação. Todos os povos conhecidos têm experiências musicais. Porém, a

linguagem musical de cada etnia é específica, não sendo considerada universal. Como

linguagem específica, a comunicação musical tem suas particularidades. Para que a

comunicação aconteça como fenômeno sonoro, este deve ser aceito pela sociedade. O

fenômeno sonoro sendo aceito torna-se parte da cultura e expressão cultural. Contudo, é

preciso considerar a expressão cultural como algo temporal e espacial, estabelecido de

acordo com os valores de cada época. Os padrões de expectativas estabelecidos em

tempos, lugares e ocasiões exigem comportamentos adequados aos momentos e aos

lugares (QUEIROZ, 2005).

Frente às transformações da humanidade, devido à evolução tecnológica, novas

formas culturais, sociais e ideológicas e novos comportamentos estão surgindo para se

adequar ao momento e conseqüentemente influenciando a música. Após reflexões e

estudos, Souza (2000), destaca cinco fenômenos relevantes na cultura musical

contemporânea. De acordo com a autora, o primeiro fenômeno diz respeito às nossas

preferências, que podem surgir por influência da produção industrial globalizada, por

empresas que associam o máximo de produtos de comunicação em seu poder, tornando

seus produtos aceitos pela difusão da informação. Como exemplo, um cantor ou

apresentador lança seu CD e, também lança calçados, mochilas, lápis, bonés,

procurando ser aceito, não somente através da música, mas utilizando-se também de

outros meios. Empresas maiores agregam editoras, redes de TV, gravadoras, cinemas,

parques de diversões, filmes para salas de aula, equipes esportivas, que entrelaçados na

divulgação formam os conglomerados internacionais. Um exemplo é a Disney que

penetra na vida cotidiana e confunde comercialização com educação.

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O segundo aspecto refere-se à comunicação por meio da linguagem polissêmica,

que une som, imagem e movimento, conhecido também como multimídia. É comum

encontrar essa forma de comunicação em propagandas e videoclipes que são,

atualmente, de fácil acesso. O videoclipe não vende somente música, vende dança,

imagem, comportamento, ideologia, que muitas vezes são reproduzidos pelos jovens

conduzindo seus desejos.

O terceiro fenômeno é sobre o desenvolvimento rápido de novos produtos com o

objetivo de controlar o consumo. Isso está relacionado a tempo-espaço, a reciclagem de

mercadorias. Torna-se importante o agora, a necessidade neste instante, sem

preocupação com conseqüências ou acontecimentos anteriores.

Como quarto fenômeno está à interatividade entre o público e os meios de

comunicação. Como exemplo há a internet onde o usuário decide tudo o quer

pesquisar, ou transmitir. Acontece a seleção de assuntos segundo os valores de cada

internauta. Esse fenômeno influencia até a indústria televisiva, que não atende mais a

uma massa e sim vários públicos, com vários canais.

O quinto e último fenômeno observado é a homogeneização cultural que se dá

por meio da comunicação tecnológica, quando as distâncias geográficas desaparecem e

o consumo de roupas, músicas, refrigerantes ou outros produtos ficam massificados

mundialmente, ditando padrões de consumo e fixando identidades. Paradoxalmente há

também a oportunidade de não excluir a cultura regional, com produções localizadas.

Além dos fatores relacionados aos meios de comunicação, Queiroz (2005)

lembra que há também outros fatores que influencia o ato de compreender música.

Podemos citar as dimensões familiares, os grupos de amigos e a escola. A humanidade é

capaz de constituir grupos, partilhar conceitos, comportamentos e produtos que

chamamos de fenômeno sociocultural criando um sistema comportamental que pode ser

chamado de performance. Portanto, podemos resumir o termo performance, como um

fenômeno sociocultural que reúne múltiplas características da cultura, de um contexto

específico. Sendo assim a música atualmente, é apresentada à sociedade, não somente

pela sua sonoridade, mas principalmente por sua performance, envolvendo todo o

contexto sociocultural em que esta inserida.

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2.3 A MÚSICA NA ESCOLA

Na educação democrática, é preciso expandir o conhecimento musical do aluno,

construir saber contextualizado para cada grupo social. Expandir o desenvolvimento

musical não é adquirir conhecimento de uma vertente musical vista como uma

linguagem universal. É um pensar e uma prática abrangente que desenvolve diferentes

competências, selecionando conteúdos de vários padrões, que valoriznado diferentes

contextos usos e funções, incluindo as múltiplas performances em suas diversas formas

de transmissão (Queiroz, 2005).

A música também contempla o desenvolvimento de capacidades e formações

estéticas, abordando estratégias, metodologias e conteúdos que podem atender as

demandas atuais. Para Queiroz (2005), dentre os aspectos as serem considerados na

prática pedagógica-musical estão: não enfatizar que uma música é melhor que outra;

oportunizar o conhecimento da música de outros países ou etnias; propor o

desenvolvimento de técnicas diferentes de execução; abordar gêneros musicais e

períodos históricos; dar espaço para a experimentação de diversos sons - ouvindo e/ou

executando - e, relacionar a música aos aspectos sociais (Queiroz, 2005).

As práticas educativas têm a necessidade de inter-relacionar o fazer musical aos

aspectos sociais dos alunos, partindo da experiência, do resultado assimilado em seu dia

a dia. Os alunos vivem, percebem e praticam música de alguma maneira. É este

comportamento que motiva para a experiência musical e estimula o desenvolvimento

das habilidades musicais. A construção do conhecimento estético, as estruturas, o

domínio de habilidades específicas, possibilitando a transformação para expressão,

acontecerá através de motivações extra-musicais. Além do social, das habilidades e das

teorias, é importante lembrar que há uma experiência pessoal com música que envolve

valores conceituais, cognitivos e emotivos, presentes na prática vivenciada por

executantes e ouvintes (Queiroz, 2005). Corroborando com Queiroz (2005), Souza

(2002), afirma que

A música faz-se cada vez mais presente na vida cotidiana e sua utilização massiva na sociedade ocidental contemporânea indica o seu significado para o ser humano. Podemos afirmar que quase não há um espaço que esteja livre de música. (SOUZA, 2002, p. 23)

11

A escola é um dos espaços em que a música está presente cotidianamente.

Contudo, ela ainda não é entendida, de modo geral, como fim, como linguagem de arte

na disciplina de arte, e/ou um meio no processo de ensino e aprendizagem de modo

geral. Ela aparece muito mais como um entretenimento. Há ainda, um distanciamento

entre a música que os jovens ouvem e vivenciam fora da escola e as que a escola

normalmente utiliza.

Dentro de uma abordagem da sociologia da música há o entendimento de que a

cultura oferecida por meio da mídia, ou cultura midiática, precisa estar presente na

escola como objeto de conhecimento social do aluno, para ser analisada e melhor

compreendida. Com a intervenção do educador, essa música pode ter significados e

sentidos diferentes para o estudante.

Contudo, para a efetivação dessa abordagem é necessário a atualização dos

educadores sobre as formas como os alunos vivenciam música, também fora da escola.

Trata-se de conhecer mais, por exemplo, sobre os jogos eletrônicos, filmes, desenhos e

outros. Requer também o reconhecimento da música como linguagem audiovisual e da

qualidade na editoração eletrônica dos produtos musicais (Souza, 2000). Nesse sentido,

varias pesquisas tem sido realizada. Um exemplo são os textos reunidos no livro

“Aprender e Ensinar Música no Cotidiano”, organizado por Souza (2009). Nele, estão

resultados de investigações que envolvem as diferentes formas de se fazer música no

dias atuais.

A ampliação do entendimento e da presença da música na escola permite a

expansão do universo musical dos jovens, além de favorecer a compreensão do que é

ouvido e consumido musicalmente fora e dentro da escola. Há, portanto, o

desenvolvimento da sensibilidade sonora, que envolve aspectos auditivos, cognitivos e

sociais. De acordo com Schafer (1991), o início de uma proposta pedagógica com

música tem como ponto de partida a tomada de consciência dos sons e sua organização

na sociedade. Schafer (1991) trabalha com o conceito de “Limpeza de Ouvidos”, de tal

forma que o sentido da audição possa estar mais aguçado. Para o autor,

“Limpeza de ouvidos” expande os conceitos tradicionais de treinamento auditivo, de modo a preparar o aluno para as mais novas formas de música de hoje e para o ambiente acústico como um todo. [...] Parece-me absolutamente essencial que comecemos a ouvir mais cuidadosa e criticamente a nova paisagem sonora do mundo moderna. Somente através da audição seremos capazes de solucionar o problema da poluição sonora. Clariaudiência nas escolas para

12

eliminar a audiometria nas fábricas. Limpeza de ouvidos, em vez de entorpecimento de ouvidos. (SCHAFER, 1991, p.13-14)

Percebe-se na escola este entorpecimento auditivo, uma vez que ela está rodeada

por diferentes sons, e por uma diversidade de escolhas quanto a gêneros/estilos. Cabe ao

professor e aos alunos, procurar identificar e codificar essas diferentes produções

sonoras, em busca de obter mais ferramentas para o trabalho com música.

Segundo as DIRETRIZES CURRICULARES DE ARTE (2007, p. 59) “o

trabalho do professor é de possibilitar o acesso e mediar o sentir e perceber com o

conhecimento sobre arte, para que o aluno possa interpretar as obras, transcender

aparências e apreender, pela arte, aspectos da realidade humana em sua dimensão

singular e social” (Grifo no original).

A sala de aula é um local importante para a interação com a práxis musical. Se

no momento dedicado para os estudos no ambiente escolar, não for oportunizado e

fomentado o “transcender as aparências” o aluno pode não ter oportunidade em outros

momentos de sua vida para a reflexão orientada da produção de conhecimento. A escola

é o espaço instituído legalmente e institucionalmente para a produção e formação de

conhecimentos, de modo que a música nesse espaço precisa ser vista como uma

disciplina sistematizada, parte do currículo.

2.4 DESENVOLVIMENTO DA APRECIAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA

De acordo com as Diretrizes Curriculares da disciplina de Arte do Estado do

Paraná a construção do conhecimento está calcado no sentir e no perceber, que estão

relacionados à apropriação e apreciação da obra de arte. Para isso é necessário o

desenvolvimento da cognição e da racionalidade, além do conhecimento historicamente

produzido e do trabalho artístico do processo de produção do aluno. Estes três

momentos podem ser desenvolvidos separadamente ou de maneira simultânea.

O ato de ouvir e apreciar música como uma atividade educativa, com o objetivo

de levar o ouvinte a ser mais crítico e consciente, pode ocorrer independente da

composição ou execução musical no ensino da música, embora as correntes pedagógico-

musicais defendam a abordagem completar dessas três maneiras de se relacionar com

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música: apreciar, compor e executar (Hentschke e Del Ben, 2003). Ao desenvolver a

audição o ouvinte adquire habilidades para julgamentos diferentes da mesma música em

fases diferentes de sua vida, descobrindo novas experiências musicais. A atividade de

apreciar música consiste na avaliação crítica de produções musicais dos alunos e de

autores consagrados. Com a consciência de procedimentos musicais, os alunos poderão

criticar suas próprias composições e suas escolhas para interpretação ou audição

(Cunha, 2003).

Nesta atividade educativa de apreciação, é importante que os parâmetros

musicais estudados não sejam abordados de maneira fragmentada, o que deixaria a

experiência musical artificial, longe da vivência musical do cotidiano. A abordagem

integral desses elementos na música permite o desenvolvimento musical de forma

holística, o que auxilia na proximidade do ensino da música com a experiência musical

cotidiana (Cunha, 2003).

Para que este desenvolvimento musical se dê durante o processo educacional, é

preciso um diagnóstico como ferramenta básica para planejar as ações pedagógicas. As

ações como diagnóstico podem se dar a partir de atividades como ouvir música e

traduzir o entendimento da mesma por meio de gestos, palavras faladas ou escritas,

desenhos, identificação com imagens e outros. Neste caso o diagnóstico depende de

habilidades que vão além da experiência musical, e que devem ser analisados para não

influenciar no resultado da avaliação (CUNHA, 2003).

No processo de aprendizagem, o diagnóstico também é necessário para respeitar

a individualidade proporcionando prioridade para o aspecto qualitativo, oportunizando

momentos de reflexão do professor e do aluno, onde pode acontecer a auto-avaliação.

Na proposta implementada no Colégio Estadual Polivalente, de Goioerê, foi

utilizado as ferramentas citadas por Cunha (2003), como uma estratégia de diagnóstico

quanto de avaliação permanente no decorrer das aulas, conforme serão detalhas a seguir.

3- A IMPLEMENTAÇÃO DA PRÁTICA MUSICAL APRECIATIVA NA

ESCOLA

A implementação da proposta pedagógico-musical de apreciação musical no

ensino médio, ocorreu no primeiro bimestre letivo de 2009, com o 2º ano noturno. A

turma contou com a participação de 19 alunos, com idades entre 18 e 25 anos,

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trabalhadores durante o dia. As aulas contabilizaram um total de 20 horas-aulas e foram

inicialmente ministradas nas sextas-feiras. Porém, devido a vários eventos na cidade, e

algumas sextas-feiras chuvosas, não foi possível fechar a carga-horária utilizando

somente esse dia da semana, o que me levou a negociar outros horário e dias com

professores de outras disciplinas. Contudo, ainda teve situações em que ocorreu um

distanciamento de 2 semanas entre uma aula e outra.

Conforme já mencionado anteriormente a proposta envolveu diferentes

abordagens, contemplando aulas expositivas e recursos audiovisuais e experimentações

sonoras. Todo o trabalho foi planejado a partir da exploração das preferências musicais

dos alunos, realizada em agosto de 2008. Nessa sondagem recebi indicativos do que

abordaria ao longo da proposta, que foi organizada a partir dos estilos musicais

mencionados em ordem de preferência: sertanejo, rock, rap e MPB atual.

Mesmo não atuando como professora titular desta turma, os encontros ocorrem no

horário normal de aulas do período noturno com a autorização da direção, equipe

pedagógica, da professora titular e acompanhamento da mesma durante as aulas.

3.1 CONTEÚDOS DESENVOLVIDOS

Os conteúdos desenvolvidos foram elencados buscando introduzir um

conhecimento musical sistematizado que contribuisse para estreitar a relação e

compreensão dos jovens com a música. Nesse sentido, trabalhou-se os seguintes

conteúdos: evolução dos registros sonoros para perceber as diferenças do acesso às

músicas em vários períodos históricos inclusive o contemporâneo, os elementos sonoros

e sua organização numa composição, gêneros/estilos musicais para e aguçar a pesquisa

e ampliar o repertório.

Embora tenha sido elaborado um planejamento, todos os conteúdos foram

tratados a partir da receptividade da turma. Ou seja, houve uma flexibilidade na ordem,

no aprofundamento e no encaminhamento das aulas. Isso porque foi considerado e

respeitado a fluência da aula, observando o rendimento dos alunos. Os assuntos

planejados para cada aula foram tratados e retomados também em outros momentos, de

acordo com as demandas percebidas. A maioria dos temas abordados permeou todas as

aulas durante as execuções, análises e comentários. O primeiro conteúdo discorreu

sobre o histórico dos registros sonoros: fonógrafo, gramofone, disco, rádio e como

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conseqüência os diferentes meios de ouvir música, equipamentos sonoros atuais e suas

características. Este conteúdo foi abordado por meio de exemplos concretos de

equipamentos. Foi levado para a sala de aula aparelhos como o “três em um”

(envolvendo os toca-discos e a fita cassete), DVD, microsystem, TV e a TV multimídia.

O repertório veiculado foi diferenciado com músicas de Roberto Carlos, Fundo de

Quintal, Ataulfo Alves, Tonico e Tinoco, Chico Buarque(nos festivais), Sidney Magal,

Ivete Sangalo, Zezé de Camargo e Luciano.

Os comentários e observações sobre as músicas foram distintos de acordo com

os meios de comunicação. Ao ouvirem música os alunos fixavam a atenção ao som, já

ao “assistir música” os comentários também foram sobre o figurino e a performance

musical. Alguns comentários foram sobre momentos marcantes na história de suas

famílias relacionados aos aparelhos de reprodução sonora. Uma curiosidade é que

somente dois conhecem a distribuição de músicas por faixas nos discos, e disco não está

tão longe assim em termos de período histórico.

Além da apreciação musical coletiva, é desenvolvida uma atividade interativa

onde utiliza-se fichas contendo cinco espaços com a finalidade de caracterizar cinco

meios utilizados para ouvir música. Os alunos demonstraram interesse na atividade,

fazendo questionamentos e citando meios que não havíamos comentado em sala de aula,

como som ao vivo e automotivo. Os meios comentados pelos alunos foram: MP3, MP4,

MP5, MP7, show, vídeo ou DVD, internet, rádio, CD, som automotivo e roda de

amigos. As características citadas foram sobre: liberdade de escolha musical e liberdade

para o momento de ouvir música, capacidade de armazenamento, potência de volume,

qualidade sonora, estar entre amigos ou estar sozinho, energia entre pessoas, emoção.

A abordagem deste conteúdo se justificou no fato de que atualmente há uma

aliança entre música e tecnologia. Essa aliança tem proporcionado uma diversidade de

vivências musicais, possibilitando a ampliação do espaço de ouvir/ver música. Por

exemplo, não é mais necessário estar em casa ou em apresentações para apreciar

música, pode-se ouvir música no carro, na rua e no trabalho.

Na evolução de nossos estudos a seqüência continuou com a identificação e

organização dos elementos sonoros em composições de vários gêneros/estilos musicais,

onde se percebe dificuldades para ouvir, não para perceber os detalhes, mas, para

literalmente ouvir a música. Então a opção foi para o recurso do audiovisual, com

shows de vários artistas, uma música da cada grupo ou cantor. Os elementos sonoros

16

percebidos com mais facilidade foram os timbres dos instrumentos, a intensidade e a

densidade diferenciada durante a execução de uma música.

No desenvolvimento das aulas, as atividades práticas foram comumente lúdicas

e envolventes. Nessas, a participação da turma foi de forma espontânea e prazerosa.

Contudo, nas atividades em que se exigiu a elaboração, experimentação e ensaios,

alguns se mostram indispostos e se dispersaram, por vezes fugindo do assunto, saindo

da sala. Essas atitudes parecem ter implícita uma insegurança de experimentar e se

expressarem por meio das propostas. Mesmo os alunos que tocam instrumentos

musicais não tinham tido, anteriormente, oportunidade de ter experimentado

possibilidades sonoras diferentes. As práticas musicais da maioria consistiam na

execução de obras prontas, não se permitindo a ousadia de criação musical. Nesses

alunos, evidenciou-se inclusive uma resistência a tocar os diferentes instrumentos

levados à sala de aula, ficando normalmente tocando somente seus instrumentos.

Embora, tendo dificuldades, chegou-se a elaboração de uma seqüência sonora

por grupo, com sentimento de satisfação demonstrados pelos participantes.

Além dos elementos sonoros, outro conteúdo proposto foi o de gênero/estilo,

com o objetivo de perceber além dos elementos sonoros, a forma musical, a

performance e as características musicais de dois ou 3 estilos. A intenção não foi

estudar muitos gêneros ou estilos musicais, mas sim, fomentar e apontar um, dentre

vários caminhos, despertando nos alunos o interesse em pesquisar gêneros e estilos de

seu interesse.

Utilizando os meios atuais de reprodução sonora assistimos e analisamos as

formas e estruturas musicais de alguns gêneros/estilo como rock, música sertaneja,

tropicalismo e sons alternativos, sendo que nesses dois últimos não se desenvolveu um

aprofundamento, sendo abordados sinteticamente. Os estilos rock e música sertaneja

foram trabalhados de forma mais densa, abordando suas origens e evoluções. A ênfase

nesses dois estilos se deveu ao fato de serem os mais comuns entre os alunos, segundo

pesquisa feita previamente.

Mesmo ouvindo música diariamente nenhum dos alunos havia percebido como

conteúdo musical a organização das estruturas formais da música como: introdução,

como se repetem partes da música, refrão, instrumentos utilizados, de acordo com as

particularidades de cada gênero/estilo apresentado. Dentre estes os grupos de sons

alternativos, despertou bastante interesse e ampliou a visão dos alunos, no que se refere

à forma da música.

17

Diante do mundo visual de hoje “parar para ouvir”, inicialmente traz a

necessidade de ver o que está ouvindo para melhor compreensão. Passamos então a

registrar por meio de linhas, pontos, traços a composição musical. Nesta proposta os

sons foram desenhados de acordo com a estrutura da música, cada parte, tem um

registro visual que é grafado na medida em que se faz presente na obra ouvida. Outra

maneira foi intensificar as representações visuais conforme a intensidade e densidade

instrumental e vocal.

O registro gráfico, bem como a manifestação verbal da compreensão da musica,

permitiu avaliar qualitativamente o entendimento dos alunos acerca do conteúdo

trabalhado. A maior parte dos alunos demonstrou a percepção dos elementos trabalhos

na música. Somente uns vinte por cento dos alunos ainda permanecem com a atenção

somente na letra da música, sem perceber a estrutura formal e/ou os elementos que a

compõe.

3.2 ENVOLVIMENTO DOS ALUNOS

Durante a implementação ficou evidente que o envolvimento dos alunos para

com a aula estava totalmente relacionado com o envolvimento do professor para com o

projeto e a turma. A relação com o projeto está transversalizada pela afetividade,

afinidade e dedicação que são doadas à proposta. Percebe-se que a relação dos alunos

com o tema trabalhado foi mediada e conquistada pela forma como foi gestado,

gerenciado e implementado os conteúdos. O planejamento das aulas foi visto como

modo de preocupação para com eles, fazendo com que se sentissem valorizados.

A sensação de valorização por parte dos alunos ocorreu de acordo com as aulas.

Especialmente na primeira aula o comportamento era de total desinteresse, o que

provocou insegurança e preocupação em como continuar. Na segunda aula, quando

paramos para ouvir música nos diferentes meios de comunicação e a sala de aula foi

preparada especialmente para o trabalho do conteúdo com essa turma, o comportamento

dos alunos mudou sensivelmente. Ficou evidente a sensação de acolhimento que eles

sentiram.

O acolhimento e a afetividade demonstrada ao preparar a aula foram

evidenciados no procedimentos de levar materiais diferentes - como aparelho de som 3

em 1, instrumentos de banda rítmica -, convidar pessoas da comunidade para participar

18

da aula, apresentar endereços eletrônicos para pesquisa, receber o material impresso,

reservar os espaços do colégio com antecedência (como anfiteatro e laboratório de

informática).

Todas as atividades em sala de aula foram realizadas por todos, com mais ou

menos comprometimento. Porém, uma única atividade solicitada para ser desenvolvida

em casa, não foi bem sucedida. A atividade consistiu em registrar graficamente a

estrutura formal de uma música. Não ficou claro se a não realização da tarefa foi devida

o não entendimento da mesma ou ao não comprometimento dos alunos para com a aula.

Contudo, há de se considerar que todos os alunos que estudaram nesta sala trabalham

durante o dia todo.

Mesmo não fazendo uma das atividades em casa o envolvimento no decorrer do

processo foi para além da aula. Ficou claro o diálogo sobre as aulas de música em

outros momentos durante a semana. Essa constatação pode ser confirmada na chegada

de um novo aluno na turma. Este integrou a turma já nas últimas aulas do projeto,

porém trouxe consigo o violão e já veio engajado num grupo.

Esse fato revelou que o horário da aula não encerrava o interesse, vivencia e

trocas dos alunos, pois eles continuavam a “viver” as aulas de música em outros

momentos, compartilhando suas experiências e notificando o que foi trabalhado. O fato

de continuarem envolvidos com música para além de nossas aulas, também resultou em

criar demandas para que outras disciplinas envolvessem músicas ao trabalharem seus

conteúdos. Um exemplo foi na disciplina de matemática, que ocorria posteriormente à

aula de música. O professor de matemática, ao perceber o envolvimento e a prática

musical dos alunos, solicitou a criação uma música falando dos conteúdos da matéria.

Outros exemplos foram os professores que permitiram o uso da música em suas aulas,

como nas disciplinas de inglês e geografia.

Durante as aulas formaram-se um elo importante entre os alunos, a disciplina e a

professora. Essa aproximação permitiu que eles compartilhassem seus esforços para

estarem na aula à noite, explicando o porquê de chegarem atrasados, relacionando

alguns assuntos da aula com fatos familiares, e, ainda, contando sobre seus trabalhos.

Pode-se dizer que ocorreu um envolvimento pessoal e profissional de ambas as partes,

envolvendo também a comunidade administrativa e pedagógica do colégio.

3.3 MATERIAL DIDÁTICO

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Na proposta do PDE está inclusa a preparação do material didático. Este tem por

objetivo instrumentalizar os professores para que as aulas sejam ministradas em

consonância com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná que foram construídas

para todas as disciplinas da matriz curricular. Como os professores participaram desta

construção, há o incentivo para a elaboração de material didático-pedagógico pelo

próprio professor da rede estadual de educação. Por contar com a orientação de mestres

das universidades estaduais do Paraná, a construção deste material torna-se

oportunidade de maior qualidade no desenvolvimento dos conteúdos estudados em sala

de aula.

OLIVEIRA (2007), preocupada com a qualidade dos materiais didáticos

utilizados em música, organizou uma pesquisa sobre as concepções que fundamentam

os materiais didáticos e a utilização dos mesmos. Em seu estudo a autora ressalta a

necessidade da inserção da temática elaboração de material didático no currúculo das

faculdades.

Elaborar o desenvolvimento de conteúdos em música foi um desafio, além da

preocupação em atender o objetivo do projeto de intervenção, havia também a

preocupação em viabilizar a utilização desta proposta aos docentes da disciplina de

Arte. Isso porque esta disciplina é composta por quatro linguagens: a dança, o teatro, as

artes visuais e música, porém a maioria dos docentes tem formação acadêmica em artes

visuais. Sendo assim, o desafio foi elaborar um material didático a ser utilizado por

docentes com formação acadêmica em música, artes visuais, teatro ou dança, que

contemplasse conteúdos de música.

O material didático foi elaborado visando atender a uma demanda do ensino

médio em música, considerando que a maioria dos livros existentes possuem uma

linguagem infantil. As bibliotecas dos estabelecimentos de ensino estão dotadas de

acervos bibliográficos, com conteúdos a serem pesquisados e desenvolvidos por

profissionais da área de música. Sob estes dois aspectos fica uma lacuna para o

desenvolvimento deste estudo em sala de aula na faixa etária citada.

Para atender as necessidades citadas a intenção também foi oferecer um material

flexível, para ser utilizado conforme o conhecimento musical do professor, este tem a

oportunidade de aprofundar-se “mais” ou “menos” nos conteúdos e atividades do

material pedagógico. Um professor com maior experiência em música terá mais

aprofundamento nas execuções. E um professor com poucas experiências sonoras terá

20

mais aprofundamento na teoria apresentada. Em nossas aulas durante a execução do

projeto, mesmo não tendo formação na área musical muitos assuntos foram comentados

pela professora e não lidos literalmente durante as aulas, pois os alunos gostavam mais

da prática.

O material didático organizado contemplando inicialmente informações sobre as

diferentes formas de registro e veiculação de músicas. As aulas iniciam com teorias que

vão mesclando-se com atividades práticas finalizando somente com práticas. As

atividades propostas são, primeiramente, com a interferência do professor e no decorrer

do percurso as práticas tornam-se improvisações e construções elaboradas com os

conhecimentos experimentados e adquiridos pelos alunos. Muitos conhecimentos

utilizados nas composições sonoras em sala de aula já faziam parte da vivência dos

alunos, porém não percebidos ou utilizados conscientemente.

Há uma preocupação também com a diagramação seguindo a mesma divisão em

toda a construção: os textos relacionados ao aprofundamento teórico são diferenciados

dos textos onde são propostas as atividades, que são distintos dos textos para lembretes

e observações. Os textos são organizados em pequenos itens para não ficar cansativo,

em cada página figuras relacionadas ao tema servem de fundo em marca d’água aos

textos, para tornar mais prazerosa a leitura deixando as páginas mais alegres.

Após a realização da intervenção do projeto, alguns aspectos já podem ser

revisados para segunda edição do material, como por exemplo, a inserção de uma

atividade com leitura de grafia sonora com cartões para serem executados. Os alunos

sentem dificuldade em visualizar graficamente as percepções sonoras. Outro aspecto

que poderia ser feito de forma diferente, seria a entrega do material impresso completo

no início, no primeiro dia de aula, pois foi entregue aos alunos conforme os temas das

aulas foram surgindo. Isso porque acredito que se os alunos possuem o material em

casa, é maior a oportunidade de ler antes e questionar mais durante as aulas. É também

um instrumento para diagnóstico do interesse conforme os comentários e

questionamentos feitos.

3.4 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO E RESULTADOS

Os encaminhamentos metodológicos sempre permeram três momentos, segundo

orientações da Diretriz Curricular da disciplina de Arte (2009). O primeiro momento é

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dedicado a sentir e perceber por meio de composições e registros de experiências

sonoras já realizadas utilizando-se dos meios de comunicação, despertando o gosto para

aprofundamento no assunto. O segundo refere-se aos conhecimentos teóricos musicais,

evolução histórica e contextualização com os dias atuais. E no terceiro momento os

alunos iniciam a prática, expressando e relacionando seu conhecimento pessoal ao

adquirido. Estes três momentos acontecem alternadamente durantes as aulas, não

seguindo a seqüência citada.

Além dos momentos citados acima a prática musical requer atenção quanto a

apreciação, composição, e execução, três experiências necessárias para adquirir

conhecimento musical. Segundo SWANWICK, citado por Hentschke e Del Bem (2003,

p. 180) “propiciam um envolvimento direto com a música, possibilitando a construção

do conhecimento musical pela ação do próprio indivíduo”

Para organizar as aulas e suas partes, foram utilizados breves comentários

iniciais ou vídeos com a turma toda, e, em seguida desenvolvido praticas musicais em

grupos menores, visando para maior aprofundamento e integração da turma. Na

primeira aula foram pesquisadas as vivências sonoras dos alunos, por meio de um

questionamento escrito sobre os gostos musicais, nome de cantores e de músicas, sua

convivência com músicos e experiências com instrumentos, conforme material

didático. Na escolha da música 60% faz opção por músicas sertanejas e 40% dividiram-

se entre rock, reage, pagode, hip-hop, forró, gospel e MPB atual.

Os encaminhamentos citados no parágrafo anterior aconteceram na primeira

metade do projeto. Na segunda metade, os alunos demonstraram vontade de participar

somente com prática, com execução de repertório conhecido, reproduzindo o que

tocavam anteriormente. Outra questão que merece destaque foi o fato de que os alunos

que já possuem uma prática instrumental, não se disponibilizaram para outras

experiências sonoras, com outros instrumentos nas atividades práticas. Diante da

situação, em acordo com os alunos foi formado duas equipes na sala, cada qual com

uma música escolhida para ser ensaiada e apresentar no final do projeto. Foi combinado

que a primeira das duas aulas da disciplina, ficaria a cargo da professora, que traria

novos conteúdos, exercícios e análises para a sala toda, e que na aula seguinte, cada

equipe acrescentariam na execução algo estudado na primeira aula. Assim ficariam

músicos e não músicos na mesma equipe conseguindo dialogar, dar opiniões e

enriquecer a música escolhida.

22

Nas aulas práticas foi possível perceber o envolvimento dos alunos, diagnosticar

a compreensão dos conteúdos, proporcionar a auto-avaliação do professor e dos alunos

que sentiam a evolução na experimentação. Na prática foi possível adquirir a

valorização da criação das composições musicais e perceber quanto de esforço, de

dedicação, de organização e de conhecimento é necessário para a execução musical.

No que se refere a avaliação, há uma avaliação processual a cada momento do

projeto de intervenção. Destacam-se três momentos: no primeiro contato com os alunos,

ouvir uma música e por meio da escrita registrar suas percepções. Esta audição foi

desenvolvida sem estudo, ou informação alguma. O outro momento na penúltima aula,

foi ouvir a mesma música e registrar por meio da escrita suas percepções e comparar os

comentários. No terceiro momento foi a execução de uma música com intervenções

criadas pelos alunos.

Ao ouvir a música na primeira aula, os comentários escritos foram: um sobre o

som da guitarra, outro sobre o estilo que é contagiante e diferente, outro dize que a

música tem uma maneira e um ritmo diferente das músicas gospel que conhece. Um

aluno não fez comentários e dez comentaram sobre a letra da música. Todos os

comentários resumiram-se a duas ou três linhas.

Ouvindo a mesma música na penúltima aula os comentários foram sobre a

seqüência de instrumentos usados com detalhes de densidade e intensidade, introdução

com guitarra, solo vocal, tema da letra da música, afinação do cantor, troca de tons na

voz, destaques de instrumentos em determinados momentos, uso do agudo e do grave,

ritmo rápido, estilo rock, música alegre, satisfação interior, melodia da voz e em quantas

partes a música se divide. Estas foram palavras escritas pelos alunos. Dois alunos ainda

relataram somente sobre a letra da música. Mas, as demais observações foram feitas

utilizando uma média de oito linhas por aluno, demonstrando o acréscimo de

informações e conhecimento maior sobre o assunto.

Ao questionar sobre o que conseguimos observar ouvindo uma música, as

respostas foram sobre: estrutura totalmente planejada, organização da variedade de

instrumentos, a intensidade diferenciada, a combinação de palavras e os “parágrafos”.

Puderam ainda identificar ritmos e estilos, a qualidade do som eletrônico, a afinação

vocal e instrumental. Um dos assuntos que chama a atenção é à estrutura, a forma

musical que inclusive quem já executa instrumentos não havia percebido antes das

nossas aulas. Outra abordagem observada pelos alunos foi sobre os sentimentos que a

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música desperta através dos sons irritantes, suaves, alto, rápidos, lentos, várias vozes e

também da mensagem transmitida através da letra.

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo planejando as aulas é muito difícil iniciar a intervenção pedagógica sem

conhecer a turma, não ser a professora titular e não ter formação acadêmica no assunto

escolhido. Portanto no desenvolvimento desta proposta, surgiram vários momentos de

insegurança quanto ao encaminhamento das atividades, pois os alunos são jovens,

alguns instrumentistas e esta turma tem uma característica incomum de instabilidade

comportamental comentada também pelos demais professores que ministram aula na

mesma sala.

A primeira percepção foi de que a música é um assunto novo no ambiente

escolar, mesmo sendo o último ano que contempla a disciplina de arte na educação

básica em nossa região.O que antes era somente para entretenimento passou a ser objeto

de estudo, aguçando um comportamento mais frenético. Porém, o fato de trocar de

ambiente para estudar, expressar, ser ouvido em suas experiências e perceber a própria

evolução nas execuções, com certeza influenciou os alunos para que os

encaminhamentos metodológicos pudessem fluir, dando espaço para aprofundamento ao

novo objeto de estudo.

A música para ser experimentada pelos alunos como execução, apreciação e

composição têm um processo demorado com dificuldade de se atingir em um bimestre.

Por isso, os recortes dos conteúdos musicais podem ser estudados em todas as séries, de

maneira investigativa, para que no final do processo da educação básica as percepções

musicais façam parte da vida do aluno.

Os recortes de assuntos a serem estudados são direcionados por meio do

conhecimento musical do professor, pois o conteúdo em música é vasto e o educando,

no momento da aula, consegue perceber e aprender o conteúdo de domínio do educador.

Por esse fator e para garantir os conteúdos musicais em sala de aula, há necessidade de

construção de materiais didáticos acessíveis para músicos e não músicos, proporcionado

opções de encaminhamento metodológico e de conteúdos, o que jamais substitui o

profissional com formação na área.

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Relacionado as atitudes docentes, fica claro nas observações dos alunos o

comportamento do profissional quanto a planejar, preparar materiais e atividades. Estes

atos revelam para o aluno o grau de comprometimento e valorização do professor para

com eles.

O comprometimento e a preocupação com a educação musical, especificamente

a apreciação, não é um assunto de hoje. Segundo CARONE (2003), em sua pesquisa,

descobriu um estudo feito em 1940 nos Estados Unidos por Adorno, este presenciou a

novidade do rádio e a divulgação da música erudita como entretenimento. Para

acompanhar os programas de rádio, distribuiu cartilhas nas escolas tentando direcionar a

apreciação musical como estudo, como fonte de conhecimento pelos alunos. Mas os

donos dos meios de comunicação preocupados com a audiência, não valorizaram a

iniciativa de Adorno, levando ao ar as músicas que os ouvintes conseguiam assoviar ou

cantarolar. O ato de assoviar ou cantarolar uma música, sem conhecimento musical,

para Adorno é comparada a montanha de ouro que o avarento consegue acumular

durante sua vida.

Existiram e existem pessoas preocupadas e desenvolvendo experiências com

apreciação musical em escolas de música, em ONGs e também em escolas públicas. Um

exemplo é o trabalho da professora de música Del Ben, que desenvolveu uma proposta

de apreciação musical em escola pública no Rio Grande do Sul, em 1997.

O que caracteriza e diferencia a proposta de apreciação musical deste artigo das

demais encontradas na revisão bibliográfica deve-se ao fato de ser preparada para

jovens, praticamente adultos, e não para crianças ou adolescentes. Também é relevante

e paradoxo, o estudo de um tema necessário no ambiente escolar por uma profissional

da educação sem formação acadêmica na área específica da música.

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5- REFERÊNCIAS DEL BEN, Luciana M. A utilização do Modelo Espiral de Desenvolvimento Musical como critério de avaliação da apreciação musical em um contexto educacional brasileiro. Porto Alegre, UFRGS. Curso de Pós-Graduação em Música, 1996/1997.

CAMPOS, Moema C. A educação Musical e o novo Paradigma. Enelivros, Rio de Janeiro, 2000. CARONE, Iray. Adorno e a educação musical pelo rádio. Educação e Sociedade. Campinas, v.24, n.83, 2003. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010173302003000200009&script=sci_arttext&tl

ng=es em 25/11/2009.

CUNHA, Elisa da Silva e. A avaliação da apreciação musical. In: HENTSCHKE, Liane; SOUZA, Jusamara. Avaliação em Música – reflexões e práticas. São Paulo, Moderna, 2003. DAYRELL, Juarez. A Música em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2005. DAYRELL, Juarez. O Jovem como Sujeito Social. Revista Brasileira de Educação, Nº 24, 2003. HENTSCHKE, Liane; DEL BEM, Liane. Ensino de Música – propostas para pensar e agir na sala de aula. Editora Moderna Ltda, São Paulo, 2003. JANZEN, Thenille Braun; ARROYO Margarete. Adolescentes-Jovens-Música: Compreendendo essa relação a partir de um levantamento bibliográfico na área da educação musical. Universidade Federal de Uberlandia, 2006. OLIVEIRA, Fernanda de Assis. Materiais didáticos nas aulas de música do ensino fundamental: um mapeamento das concepçõesdos professores de música da rede municipal de ensino de Porto Alegre. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 17, 77-85, set. 2007. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO do Colégio Estadual Polivalente de Goioerê - Ensino Profissional Médio e Profissionalizante. QUEIROZ, Luiz Ricardo da Silva; MARINHO, Vanildo Mousinho. Contexturas: o ensino das artes em diferentes espaços. Editora Universitária, João Pessoa, 2005. SCHAFER, R. Murray. O Ouvido Pensante. Fundação Editora da UNESP; São Paulo, 1991.

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SEED – Secretaria de Estado da Educação. Arte e Artes. Disponível em <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br>. Acesso durante o primeiro semestre de 2008. SOUZA, Jusamara. Aprender e Ensinar Música no Cotidiano. Sulina 2º ed.; Porto Alegre, 2009. SOUZA, Jusamara. Música, Cotidiano e Educação. 1º ed.; Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000. SOUZA, Jusamara. O valor da música. Revista Mundo Jovem, março, 2002.