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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

Contribuição da História e Filosofia da Ciência no Processo Ensino Aprendizagem para alunos do Ensino Médio.

Sandra Regina Gimenez Rosa1 Álvaro Lorencini Júnior2

Resumo: Esta pesquisa tem como principal objetivo analisar a História da Ciência que está sendo apresentada nos livros didáticos de Biologia do Ensino Médio. Nossa investigação parte do seguinte questionamento: que tipo de história esta sendo apresentado nos livros didáticos, já que ela é considerada nos documentos oficiais como um dos critérios de avaliação do livro didático? Para isso apresentamos uma rápida síntese acerca da importância do livro didático; em seguida sugerimos que uma história de problemas parece ser o tipo de história mais apropriado para a compreensão de importantes episódios da história da ciência; no que segue apresentamos um episódio da história da Biologia, a descoberta do princípio da transformação bacteriana e em seguida, na última seção, uma rápida descrição do desenvolvimento geral de ciência.

Palavras - chave: Ensino de Ciências: Livro didático de Biologia; História e Filosofia da Ciência

1 INTRODUÇÃO

A proposta das Diretrizes Curriculares Estaduais (DCEs) desenvolvida

para a disciplina de Biologia está estruturada de modo que, os conteúdos

inseridos estão implantados dentro de seu contexto de construção, acreditando

que isso possa auxiliar o aluno a ter uma visão menos distorcida do

1Professora mestra pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atua como professora de Biologia do Ensino Médio, na Escola Estadual Presidente Kennedy em Rolândia, PR. 2Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professor do Departamento de Biologia Geral e do Programa de Mestrado e Doutorado em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

conhecimento científico. Portanto, as DCEs direcionam a importância para a

História e Filosofia da Ciência (HFC), quando enfatiza:

As Diretrizes Curriculares fundamentam-se na concepção histórica da Ciência articulada aos princípios da Filosofia da Ciência. Ao partir da dimensão histórica da disciplina de Biologia, foram identificados os marcos conceituais da construção do pensamento biológico. Estes marcos foram adotados como critérios para a escolha dos conteúdos estruturantes. (PARANÁ, 2008, p. 20 - 30, grifo do autor).

Neste trabalho será verificado se a História e Filosofia da Ciência podem

ajudar o aluno a compreender a construção do desenvolvimento da Biologia,

auxiliando no processo de ensino-aprendizagem. Também será examinado de

que modo a História da Ciência está sendo apresentada em um livro didático

de Biologia (da amostra selecionada mais adiante).

Embora não seja o objeto de estudo desta pesquisa, acreditamos que é

preciso destacar que a maioria dos professores não teve, durante sua

formação inicial, e muitos nem em formações continuadas, pouco ou nenhum

acesso a referenciais teóricos que discutam essa abordagem.

Apesar do reconhecimento da importância da História e Filosofia da

Ciência pelas Diretrizes Curriculares Estaduais e por autores que veremos

mais adiante, ainda falta uma análise criteriosa no que diz respeito ao tipo de

história que se encontra nos livros didáticos. A descrição oferecida por Carneiro

e Gastal (2005) ilustra com clareza a preocupação com o tipo de história

veiculada nos livros didáticos.

Há uma preocupação em apresentar aspectos históricos na introdução de conceitos científicos. Entretanto, ainda falta uma análise crítica do tipo de história veiculada nesses livros e de como a concepção de História e Filosofia das Ciências deve ser trabalhada nos diferentes níveis de escolaridade. Assim, o que se deveria questionar é a concepção de história veiculada nesses materiais e não a sua ausência (CARNEIRO & GASTAL, 2005, p. 33).

Para desenvolver esta pesquisa iremos apresentar um estudo específico

sobre o episódio da Transformação Bacteriana, retirado de um livro didático de

Biologia avaliado pelo PNLEM. Este conteúdo foi selecionado por ter sido de

grande relevância para o desenvolvimento da hereditariedade.

Faremos a aplicação da História e Filosofia da Ciência, não como tópico

adicional ao conteúdo, onde expõe datas e fatos, mas que promove a reflexão

e capacidade investigativa do estudante.

Porém, antes de passarmos à apresentação, do modo como a história é

descrita no livro didático, vejamos de forma resumida a história da

transformação bacteriana.

Frederick Griffith, em 1927, sabia da existência de duas linhagens da

bactéria Streptococcus pneumoniae. Uma linhagem era capsulada (em que a

célula é envolvida por uma cápsula de polissacarídeo) e outra não capsulada

(em que a célula não apresenta envoltório de polissacarídeo). Pneumococos3

capsulados são patogênicos, isto é, causam pneumonia em animais, enquanto

pneumococos sem cápsulas não causam a doença. A presença de cápsula é

hereditária.

Griffith observou que bactérias capsuladas mortas pela ação do calor

perdiam a capacidade de causar doença. Porém, quando se misturavam essas

bactérias com bactérias vivas não capsuladas, a mistura provocava a morte

dos camundongos. Ou seja, bactérias não-capsuladas adquiriam a capacidade

de causar a doença, o que significava que elas haviam se transformado. Griffith

imaginou a existência de um ‘fator de transformação’, mas não conseguiu

explicá-lo.

Em 1944, Oswald Avery e seus colaboradores demonstraram que uma

solução contendo DNA purificado de bactérias capsuladas mortas, misturada

com bactérias vivas não capsuladas, também provocava a morte dos

camundongos. Assim, eles concluíram que o DNA era o ‘fator de

transformação’, responsável pela transformação das bactérias.

Buscaremos apoio para desenvolver esta pesquisa, nos textos originais

sobre o episódio da transformação bacteriana de historiadores como Robert

Olby (1974) e Ernst Mayr (1998), entre outros.

3De acordo com o Dicionário etimológico e circunstanciado de Biologia (1993, p. 373) pneumococo é uma bactéria arredondada que ataca principalmente o parênquima pulmonar, causando a pneumonia. Modernamente é considerado um estreptococo.

Outro instrumento será buscado na Filosofia da Ciência de Thomas

Kuhn (2005), tendo em vista o fato de que este filósofo desenvolve uma

perspectiva de análise que privilegia a investigação histórica dentro de

contextos científicos amplos. Kuhn sugere que a compreensão de processos

científicos que aparecem isolados, na maioria dos livros didáticos, são partes

de estruturas mais complexas.

Este trabalho tem como enfoque a metodologia qualitativa, que segundo

Bogdan e Biklen (1994, p. 47 - 51), a fonte direta de coleta de dados é o

ambiente natural, onde serão coletados os dados descritivos, “a investigação

qualitativa faz luz sobre a dinâmica interna das situações (p. 51).”

Nosso trabalho será organizado do seguinte modo: na segunda seção

apresentaremos uma rápida descrição acerca da importância do livro didático

de Biologia do Ensino Médio.

Com relação à seção três, os tipos de histórias descritas por Ernst Mayr

(1998), onde sugerimos que a história de problemas parece ser o tipo de

história mais adequada para a compreensão de importantes episódios da

História da Ciência.

Na seqüência, descreveremos a análise das atividades de Ernst Mayr

(1998), da narrativa de Favaretto e Mercadante (2005) e do historiador Robert

Olby (1974) e demais historiadores e na última seção, será descrito uma

síntese do desenvolvimento da ciência, segundo o filósofo Thomas Kuhn

(2005). Foram coletados dados sobre as narrativas dos livros de Silva Júnior e

Sasson (2005) e Lopes e Rosso (2005), porém, dados os limites deste trabalho

não iremos apresentar e nem desenvolver os dados coletados. Para concluir,

apresentaremos as considerações finais, a partir das análises realizadas.

2 OS LIVROS DIDÁTICOS E SUA IMPORTÂNCIA

Partiremos da premissa que a proposta da inserção da História e

Filosofia da Ciência nos livros didáticos baseiam-se no princípio de que, este,

enquanto instrumento acessível e utilizado pelos professores e alunos, é muito

favorável. Portanto, devido a sua extensa utilização e como elemento

pedagógico fundamental, o livro didático necessita ser de boa qualidade.

A definição apresentada por Vasconcelos e Souto (2003, p. 93 - 94)

esclarece a nossa afirmação a respeito dos livros didáticos:

[...] no ensino de ciências, os livros didáticos constituem um recurso de fundamental importância, já que representam em muitos casos o único material de apoio didático disponível para alunos e professores.

E continuam:

[...] deve ser um instrumento capaz de promover a reflexão sobre os múltiplos aspectos da realidade e estimular a capacidade investigativa do aluno para que ele assuma a condição de agente na construção do seu conhecimento.

Contudo, apesar da ênfase dada à importância dos livros didáticos, os

autores ressaltam que:

[...] os livros de Ciências disponíveis no mercado brasileiro, entretanto, revelam uma disposição linear de informações [...]

A linearidade descrita nos livros didáticos é empregada para facilitar a

explicação da história narrada. É a história fato a fato e oferece apenas uma

seqüência de acontecimentos encobrindo o problema em questão. Este tipo de

História não promove a reflexão e nem estimula a capacidade investigativa do

aluno, apenas expõe datas e fatos, não expondo o processo de contexto da

história.

Concordamos com Pretto (1985, p. 77) em sua colocação:

A apresentação da ciência é absolutamente a-histórica. Sem referência a seu processo de criação e muito menos ao contexto em que foi criada. E, o pior, na tentativa de suprir esta lacuna passa uma visão da História da Ciência como se fosse, como já dizíamos, um armazém, um depósito onde se guardam as vidas dos cientistas, seus feitos e suas obras.

Um significante passo quanto à disponibilidade do livro didático para os

alunos foi, sem dúvida, a implementação do Programa Nacional do Livro

Didático (PNDL) pelo Ministério da Educação em 1985, visando dispor a

obtenção gratuita de livros didáticos aos alunos das escolas públicas

brasileiras.

Nos últimos anos, com a implantação do PNDL, os docentes puderam

abandonar os livros que traziam erros conceituais e arremeteram na

atualização de conteúdos, títulos apropriados aos critérios propostos e

suspensão de comercialização de títulos reprovados.

Proporcionando o livre arbítrio quanto à preferência do livro didático pelo

professor e por estar em concordância com as Diretrizes Curriculares

Nacionais4 para o Ensino Médio, o Programa Nacional do Livro para o Ensino

Médio (PNLEM) abre a possibilidade de inscrição para as obras didáticas.

De acordo com o PNLEM (2007, p. 11 - 14), são deliberados critérios

triviais de caráter eliminatório e de qualificação para a avaliação das obras

didáticas inscritas para o PNLEN/2007. O não cumprimento de algum dos

critérios, de caráter eliminatório e de qualificação, por parte de uma obra

didática, resultará em uma proposta oposta aos objetivos a que ela deveria

servir o que justificará sua exclusão do PNLEM.

Das nove obras didáticas oferecidas para análise no catálogo de livros

de 2007 na disciplina de Biologia, oito obras oferecem, de acordo com o

PNLEM, a construção do conhecimento científico como um processo histórico,

social e cultural, valorizando a História e Filosofia da Ciência. Em nosso

4As Diretrizes Curriculares Nacionais, além de tratar das especificidades da Educação Básica, organizam-se a partir das disciplinas que compõem a base nacional comum e a parte diversificada. É o conjunto proposto pela dimensão histórica da disciplina, os fundamentos teórico-metodológicos, os conteúdos estruturantes, o encaminhamento metodológico, a avaliação e a referência (DCE, 2008, p. 38 - 70).

trabalho, analisaremos a narrativa da transformação bacteriana em apenas

uma das nove obras didáticas oferecidas pelo PNLEM de 2007.

Deste modo, como vemos, a História e Filosofia da Ciência estão sendo

considerada e encontra-se nos documentos oficiais, fazendo parte da sua

avaliação.

Bastos (in NARDI et al, 1998, p. 46) argumenta sobre um ponto que se

encontra nos livros didáticos, sendo para o nosso estudo muito importante

devendo por isto ser levado em consideração:

Os textos de História da Ciência disponíveis para consulta dificilmente se adaptam às necessidades específicas do Ensino de Ciências na escola fundamental e média, talvez porque não reúnam simultaneamente, de modo sintético e numa linguagem acessível, os diferentes aspectos que o professor pretende discutir em sala de aula.

Considerando o que foi apresentado, é de responsabilidade do professor

fazer uma análise minuciosa no ato da escolha do livro didático, pois se trata

de uma decisão significante no processo de ensino-aprendizagem, pois, além

do professor atuar como mediador entre conhecimento e aluno, é ele que

indica os livros que usa.

3 TIPOS DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Elementos da História e Filosofia da Ciência e da Biologia possibilitam

aos alunos a compreensão de que existe uma rede de relações entre a

produção científica e o contexto social, econômico e político. Corroborando, as

Diretrizes Curriculares permitem incorrer pela História e Filosofia da Ciência, já

que identificam a concepção de Ciência presente nas relações sociais de cada

momento histórico (PARANÁ, 2008, p. 50).

O argumento de Bastos (NARDI et al, 1998, p. 43), com relação à

História da Ciência veiculada ilustra bem o problema quanto ao tipo de história

apresentada nos livros didáticos.

Incorre em erros factuais: dá a entender que os conhecimentos científicos progrediram única e exclusivamente por meio de descobertas fabulosas realizadas por cientistas geniais; ignora as relações entre o processo de produção de conhecimento na Ciência e o contexto social, político, econômico e cultural; glorifica o presente e seus paradigmas, menosprezando a importância das correntes científicas divergentes das atuais, a riqueza dos debates ocorridos no passado, as descontinuidades entre passado e presente etc; estimula a idéia de que os conhecimentos científicos atuais são verdades imutáveis.

Então, considerando que os livros didáticos trazem história,

questionaremos qual o tipo de história veiculado – uma vez que existem vários

- e não a sua ausência.

Ernst Mayr (1998, p. 16 – 22) um historiador da Biologia apresenta

alguns tipos de histórias que podem ser classificadas da seguinte maneira:

história lexicográfica5, cronológica6, biográfica7, cultural e sociológica8 e história

de problema. A diferenciação entre esses tipos de histórias encontra-se no

anexo, titulado como: Tipos de histórias descritas por Ernst Mayr.

Entre todos os tipos de histórias, Mayr (1998) prefere a história de

problemas, a qual se caracteriza pelo estudo dos problemas e não pelos

períodos.

Nesse tipo de história, os problemas científicos são compreendidos por

meio de estudos de sua história. Nessa abordagem é apresentada não apenas

a história bem sucedida, mas também as tentativas fracassadas para a solução

de problemas.

Nesta concepção, algumas questões devem ser ponderadas, entre

elas:

5A história lexicográfica é descrita por Carneiro e Gastal em seu artigo História e Filosofia das Ciências no Ensino de Biologia (Ciência e Educação, v. 11, n.1, p. 33-39, 2005) como história de consensualidade. 6Segundo o artigo História e Filosofia das Ciências no Ensino de Biologia (Ciência e Educação, v. 11, n.1, p. 33-39, 2005) de Carneiro e Gastal, a história cronológica é denominada história de linearidade. 7A história biográfica é descrita por Carneiro e Gastal em seu artigo História e Filosofia das Ciências no Ensino de Biologia (Ciência e Educação, v. 11, n.1, p. 33-39, 2005) como história anedótica. 8Carneiro e Gastal, em seu artigo, História e Filosofia das Ciências no Ensino de Biologia (Ciência e Educação, v. 11, n.1, p. 33–39, 2005), a história cultural e sociológica é denominada como história de ausência do contexto histórico mais amplo.

Quais foram os problemas científicos do seu tempo? Quais foram os instrumentos conceituais e técnicos de que dispunha na busca de uma solução? Quais foram os métodos que ele pôde utilizar? Que idéias predominantes na sua época orientaram a sua pesquisa e influenciaram as suas decisões? Questões dessa natureza prevalecem na aproximação da história de problemas (MAYR, 1998, p. 21).

A história de problemas além de ser descrita por Ernst Mayr (1998),

também é considerada por outro grande historiador da Biologia, Robert Olby

(1974). Para estes historiadores, a maior parte dos problemas científicos é

mais bem compreendido pelo estudo de sua história.

A história de problemas indaga o ‘por que’. “As tentativas de respostas

para essas perguntas requerem a coleta e o exame atento de muitas

evidências, e isso quase sempre conduz a novas aberturas [...]” (MAYR, 1988,

p. 22).

Ao depararmos e analisarmos as narrativas históricas apresentadas

em alguns livros didáticos observamos que elas enfatizam parte da história, ou

seja, são unicamente descritivas, com ênfase nas questões ‘o quê?’, ‘quando?’

e ‘onde?’ ou então apresentam a seqüência de tempo, enfatizando datas e

fatos numa seqüência linear, o que acaba ocultando o problema em questão.

Devemos ressaltar que a produção científica não é linear, todavia, os livros

didáticos preservam até hoje esse tipo de abordagem histórica.

Não queremos sugerir que as histórias de Olby (1974) e Mayr (1998)

são superiores as que são narradas em livros didáticos, ao invés de se falar em

superioridade, queremos destacar os níveis diferenciados de descrições

históricas, uma vez que as narrativas históricas encontradas nos livros

didáticos não favorecem a compreensão do problema num contexto mais

amplo.

Na concepção da história de problemas, além de apresentar não

apenas a história bem sucedida, também apresenta as tentativas fracassadas

para a solução de problemas, quais foram os problemas científicos do seu

tempo, os instrumentos conceituais e técnicos de que dispunham no período e

que idéias prevaleciam na sua época, orientando a pesquisa.

Deste modo, se não asseguramos que as narrativas históricas tais

como as apresentadas nos livros didáticos são inferiores às histórias dos

historiadores, precisamos justificar nossa opção por narrativas do tipo de Olby

(1974) e Mayr (1998). Assim, buscaremos apoio na Filosofia da Ciência, em

especial no enfoque dado à Filosofia da Ciência por Thomas Kuhn (2005).

4 ABORDAGEM DIDÁTICO-PEDAGÓGICA E SEUS RESULTADOS

Realizamos nosso trabalho com uma turma de 3º ano de Ensino Médio,

no período matutino de uma escola central na cidade de Rolândia, PR. A turma

apresentava quarenta e um alunos matriculados. Destes, três eram

remanejados para o período noturno, dois eram desistentes e um transferido

para outro estabelecimento de ensino. De maneira geral, os trinta e cinco

alunos que freqüentavam eram pouco participativos na aula de Biologia, a não

ser quando sentiam facilidade para aproximar o conteúdo trabalhado com as

situações de sua vida cotidiana.

Foi solicitado aos alunos que formassem grupos de cinco pessoas,

totalizando sete grupos. Os grupos formados foram denominados de grupo

número um, dois, três, quatro, cinco, seis e sete. Os componentes de cada

grupo sempre foram os mesmos.

4.1 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS QUESTÕES PROPOSTAS NA

ATIVIDADE DE ERNST MAYR

Iniciamos nossa primeira atividade solicitando aos alunos que lessem o

texto e as questões propostas e manifestassem suas opiniões em um debate

entre eles. Não fiz nenhuma intervenção para que suas conversas e

discussões fossem as mais próximas possíveis das idéias e opiniões de cada

um. Este texto e os demais encontram - se disponíveis no anexo deste artigo.

Dos sete grupos que fizeram parte da pesquisa, selecionamos

qualitativamente algumas respostas de alguns grupos. Para todas as atividades

foram utilizadas duas a três aulas.

A primeira pergunta argüia se o conhecimento científico é

absoluto/definitivo e verdadeiro. Justifique.

Apenas um grupo respondeu que “sim, pois para ser verdadeiro exige o

estudo, análise, conclusão e aprovação da pesquisa, com isso sendo absoluto

e definitivo.”

Os demais grupos responderam que não e selecionamos dois que

fizeram a seguinte justificativa: o primeiro;

O conhecimento científico não é absoluto e verdadeiro apesar de ter ocorrido muitos avanços científicos, com desenvolvimentos fundamentais para a existência humana, pois para se chegar a esses resultados ocorreram sucessivas descobertas e indagações. Portanto, o conhecimento científico não é absoluto e definitivo, sujeito as novas definições sobre determinado assunto.

O segundo grupo respondeu que:

O conhecimento científico não é absoluto e nem definitivo, pois a ciência procede de constantes estudos e descobertas. É verdadeira até ser questionada e analisada com base em estudos pode se mudar a concepção sobre determinado assunto.

Outra pergunta realizada foi que na disciplina de Biologia, existe uma

maior valorização de memorização de termos científicos do que a resolução e

interpretação dos problemas de determinado desenvolvimento científico, como

é o caso da Transformação Bacteriana, que veremos na próxima atividade.

Conhecer a História da Ciência no ensino de Biologia não é apenas registrar os

fatos ocorridos como nomes, datas e resultados de pesquisa. Partindo da

afirmação acima, de que forma o livro didático transmite a visão de ciência?

Esse enfoque de Ciências favorece ou não a aprendizagem dos conteúdos

para os alunos? Justifique.

De todas as respostas, selecionamos três que seguem:

Os livros didáticos trazem as informações como uma “coisa” absoluta e definitiva. Não favorece. Pois aprendemos de uma maneira e com isso sempre acreditamos no que é dito nos livros, e de tal forma às vezes nos tornamos ignorantes quando alguma opinião é dada sobre aquilo que acreditamos que é certo.

O próximo grupo respondeu que:

Os livros didáticos transmitem resumidamente a história de suas descobertas e de seus descobridores, enfatizando as datas e os termos científicos. Conhecer a História da Ciência favorece no processo de aprendizagem, uma vez que além de saber os termos científicos e as datas, conhecer seu desenvolvimento, sua história, os processos usados e desafios enfrentados pelo cientista irão auxiliar o estudante no entendimento e uma maior compreensão da matéria estudada.

E por último:

A memorização de termos é necessária para se saber o que está sendo estudado. A história da ciência deve ser registrada a partir de diferentes estudos e pontos de vista. Os livros didáticos apresentam a história de forma vaga, pois, diversidade de opiniões e estudos não são apresentados. O livro apresenta a história de forma técnica.

É interessante considerar que a maioria dos alunos, pelo menos de

forma simplista tem a opinião de que o conhecimento científico não é

absoluto/definitivo e verdadeiro. O conhecimento científico não é considerado

algo pronto, acabado e definitivo, busca constantemente explicações, soluções,

revisões e reavaliações de seus resultados, pois segundo Cervo e Bervian

(2002), a ciência é um processo em construção.

Quanto à segunda questão apresentada anteriormente, alguns alunos

entendem a necessidade de memorizar os termos científicos e sobre a História

da Ciência, destacam que “conhecer seu desenvolvimento, sua história, os

processos usados e desafios enfrentados pelo cientista irá auxiliar o estudante

no entendimento e uma maior compreensão da matéria estudada.”

Santos (SILVA et al, 2006, p. 223) em seu artigo A Botânica no ensino

médio: será que é preciso apenas memorizar nomes de plantas, faz uma

colocação sobre a memorização de termos científicos em relação ao conteúdo

de Botânica. Este exemplo nos ajuda muito para o nosso caso.

O que se vê, na prática, é uma tendência a simples memorização de nomes científicos, citações de “botânicos famosos” e um emaranhado de datas e sistemas classificatórios confusos. Tal procedimento parece desmotivar tanto alunos quanto professores, transformando a Botânica, então, em uma seção da Biologia meramente decorativa e destituída de seu papel histórico na construção do conhecimento biológico.

4.2 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS QUESTÕES PROPOSTAS NA

ATIVIDADE DE FAVARETTO E MERCADANTE

Para a segunda atividade, utilizamos a narrativa de Favaretto e

Mercadante (2005). Foi solicitado aos alunos que lessem o texto e verificassem

como o autor explica o ‘fracasso’ de Griffith e o ‘sucesso’ de Avery para a

elucidação do princípio transformante das bactérias e ainda qual é o tipo de

história de Ernst Mayr (1998, p. 16 - 22), que está sendo apresentada, como já

anunciada na seção três e anexada a este artigo.

Após a leitura os componentes do grupo manifestaram suas opiniões em

um debate entre eles. Alguns participantes apresentaram dificuldades em

aceitar as demais opiniões, porém, à medida que as respostas iam se

aproximando de uma resposta de consenso, as discussões diminuíam.

Para todas as atividades, a maioria dos alunos solicitava a atividade de

Ernst Mayr (1998) para relembrarem os tipos de histórias que eram

consideradas por este autor.

Foi pedido aos alunos que respondessem a seguinte pergunta: Qual é o

tipo de História, segundo Mayr (1998) está contemplada no livro didático de

Favaretto e Mercadante (2005)? Justifique.

Quanto a esta questão, sendo de grande importância para o nosso

trabalho, analisamos as respostas dos sete grupos, sendo assim organizadas:

duas respostas foram que a história era cronológica, duas de problema, duas

biográfica e uma lexicográfica; respectivamente sendo explicadas assim:

“Cronológica, porque apresenta uma seqüência de tempo (organização

temporal), enfatiza datas e acontecimentos em seqüência linear.” “[...] pois

apresenta as datas, cientistas e o problema de uma forma linear.”

“Problema, pois tem a história bem sucedida e também fala do fracasso da

ciência.” “[...] pois nesta abordagem, apresenta não apenas a história bem

sucedida, mas também as tentativas fracassadas para soluções de problema.”

“Biográfica, porque está vinculada a vida de Griffith, mas quem explicou e

provou a teoria foi Oswald Avery, MacLeod e McCart;” “[...] porque retrata os

progressos da ciência e problemas científicos vinculados a apenas um

cientista: Griffith;”

“Lexicográfica, pois no trecho estão as respostas das perguntas “o que?”,

“quando?” e “onde?”

Analisando o livro didático de Favaretto e Mercadante (2005, p. 94 – 95),

percebemos que os autores enfatizam ‘o que’ e ‘quando’ Griffith e Avery

fizeram seus experimentos, não exigindo reflexão. A seqüência dos fatos é

apresentada de forma linear. Segundo Mayr (1998, p. 16 - 17), esse tipo de

história é lexicográfica e cronológica. Os autores não abordam a história de

problemas.

Em relação à segunda pergunta, “Griffith imaginou a existência de um

“fator de transformação”, mas não conseguiu purificá-lo nem explicar de que se

tratava” (2005, p. 94). Você considera que com essa informação o autor do livro

didático concebe a idéia de que Griffith era um cientista incapaz e improdutivo?

Justifique.

Entre as respostas dos sete grupos, seis concordam que o autor quis

passar a idéia que Griffith foi um cientista fracassado, vejamos algumas das

respostas: “O autor do livro concebe a idéia de que Griffith foi incapaz de

explicar sua pesquisa. Porém ele foi muito produtivo desenvolvendo seus

estudos com os ratos.” “Sim, porque Griffith tinha uma idéia porém não tinha

meios para concluir essa idéia, os recursos que Griffith tinha naquele momento

era menor do que o de Avery.” “O autor insinua que Griffth era incapaz de

realizar a pesquisa, provavelmente na época lhe faltou suporte tecnológico

suficiente para poder continuar.”

Na narrativa do historiador Robert Olby (1974) e demais historiadores,

percebemos que Griffith expôs uma tentativa de resposta, apesar de

equivocado, no que diz respeito às bactérias não-capsuladas ingerirem das

capsuladas, um ‘pabulum’9 capaz de causar a transformação das bactérias

não-capsuladas em capsuladas. Outra razão pela qual Griffith não conseguiu

explicar o fator de transformação entre as bactérias é que ele não dispunha dos

estudos enzimáticos e da teoria da polimeria10 que, em 1944, direcionou o

caminho para Avery e seus colaboradores na explicação da transformação

bacteriana.

A próxima questão presente na atividade de Favaretto e Mercadante

(2005, p. 94 – 95), realizada aos alunos foi a seguinte: Em 1944, Oswald Avery,

MacLeod e McCarty afirmaram que “o DNA era o “fator de transformação”,

responsável pela mudança do comportamento das bactérias” (2005, p. 95).

Você considera que essa afirmação dos autores do livro didático concebe a

idéia de que Avery era um cientista genial e capaz? Justifique.

Todos os grupos concordaram que a forma como a história é

apresentada, Avery realmente foi um cientista genial, veremos algumas:

“[...] Avery obteve sucesso em sua experiência, fazendo com que seu nome

fosse visto como um cientista genial e capaz, tudo resultado de sua pesquisa.”

“Avery foi muito genial e capaz ao descobrir a mudança de comportamento das

bactérias por ele ter detalhado mais e afirmar com certeza o ‘fator de

transformação’ através das suas experiências.”

Sobre a colocação do autor ao fato de Avery ter afirmado que o DNA era

o fator de transformação, é necessário nos remetermos a historiografia de

(WHITE, 2003, p. 337, BRODY & BRODY, 2000, p. 351, FERREIRA, 2003, p.

40), que nos revela que Avery trabalhava com grande determinação no Instituto

Rockefeller onde se dedicou ao problema da transformação bacteriana por

aproximadamente quinze anos.

9Pabulum significa “alimento”, sendo muito utilizado na medicina e para se referir a nutrição, ou a substância de que os elementos nutritivos são passivamente absorvidos. http://en.wikipédia.org/wiki/pablum acesso em 03 de maio de 2011. 10A teoria dos polímeros pertence a um ramo de estudo da química. De acordo com o Dicionário etimológico circunstanciado de Biologia (1993, p. 376) a polimeria é a combinação de numerosas moléculas de um mesmo composto, que procede como monômero, para a formação de uma molécula muito maior, considerada polímero. Ex a proteína é um polímero de aminoácidos.

Os autores também não explicam que na época de Griffith, o mesmo

não dispunha dos estudos enzimáticos e da teoria da polimeria que, em 1944,

estava disponível para Avery na explicação da transformação bacteriana.

A história apresentada desta forma destaca Avery como o solucionador

do enigma da transformação bacteriana. Deste modo, o relato da história

apresentada, dá a impressão de que Avery resolveu com muita facilidade tal

questão, o que na verdade demorou quinze anos. Além de que, após o

resultado da descoberta de Griffith, Neufeld11 e seu assistente Levinthal repetiu

o experimento e a confirmação de seus resultados apareceu em 1928 no

mesmo ano, do próprio relato de Griffith.

Na realidade, quando Griffith relatou a transformação dos tipos de

pneumococos como variável, Avery juntamente com Heidelberger,

estabeleceram seguramente que os pneumococos eram imutáveis (OLBY,

1974, p. 174). Além de que o resultado de sua pesquisa foi contestado pela

comunidade científica da época, como veremos a seguir.

4.3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS QUESTÕES PROPOSTAS NA

ATIVIDADE DE ROBERT OLBY

Após apresentar o texto de Olby (1974) e demais historiadores, foi

solicitado aos alunos que analisassem e respondessem as questões abaixo.

“Griffith imaginou a existência de um “fator de transformação”, mas não

conseguiu purificá-lo nem explicar de que se tratava”. Esta afirmação encontra-

se no livro didático de Favaretto e Mercadante (2005, p. 94). Segundo a história

de Olby e outros historiadores, você considera que os autores concebem a

idéia de que Griffith tentou explicar o fator da transformação bacteriana?

Justifique.

Todos os grupos responderam que segundo Olby (1974) e demais

historiadores, Griffith tentou explicar qual era o fator de transformação entre as

11Ambos trabalhavam no Instituto Robert Koch em Berlim. Eles repetiram o experimento de Griffith em 1928, mesmo ano em que Griffith descobriu as formas R e S de pneumococos e anunciou sua descoberta (OLBY, 1974, p. 178).

bactérias, mas o autor do livro didático não. Selecionamos duas respostas.

Vejamos a primeira:

Sim, segundo Olby, Griffith tentou explicar o fato. Ele sugeriu que as bactérias não patogênicas vivas ingeriam uma substância proveniente da bactéria infecciosa morta, que chamou de pabulum. Entretanto, sua explicação a respeito de um pabulum não foi convincente e consequentemente, não foi acolhida pela comunidade científica da época.

Na continuidade:

Sim, mas sua tentativa foi inútil, a explicação de Griffith a respeito da transformação bacteriana em que uma mutação era em resposta as condições do ambiente ou ainda, que a bactéria ingeria uma substância que ele denominou como pabulum não satisfazia Avery.

De acordo com (WHITE, 2003, p. 337, BRODY & BRODY, 2000, p. 351,

OLBY, 1974, p. 175), Griffith sugeriu que as bactérias não patogênicas vivas

ingeriam uma substância proveniente da bactéria infecciosa morta, que

chamou de ‘pabulum’.

A próxima pergunta foi: quais são as razões históricas científicas que

justificam o motivo pelo qual Griffith não conseguiu explicar que “o DNA era o

“fator de transformação”, responsável pela mudança do comportamento das

bactérias”?

Entre as respostas selecionadas, descreveremos três: “Os instrumentos

não eram avançados o suficiente, a sociedade científica da época

negligenciava outras afirmações sobre o assunto.”

Ele não conseguiu explicar porque na época os aparelhos para pesquisas eram fracos e também eram necessários novos métodos de pesquisa. A intenção de Griffith era descobrir uma vacina contra a pneumonia e por acaso percebeu a transformação das bactérias.

“Griffith não conseguiu explicar que o ‘DNA era o fator de transformação’, pois

não tinha os recursos necessários ou até mesmo alguns dos conhecimentos

que ao longo dos anos foram desenvolvidos por alguns cientistas.”

O próximo questionamento era se, a narrativa histórica dos livros

didáticos sugere a impressão que Avery foi rápido e muito capaz na descoberta

do DNA como fator de transformação e quais são as razões históricas

científicas dos avanços na área, que justificam o motivo pelo qual Avery

conseguiu explicar que “o DNA era o “fator de transformação”, responsável

pela mudança do comportamento das bactérias?”

Todos os grupos responderam que Avery não foi rápido para concluir

qual era o fator responsável pela transformação bacteriana, pois demorou

quinze anos. Entre as respostas das quais selecionamos, os grupos

responderam que as razões e os avanços científicos que favoreceram Avery

foram: “Na época de Avery aparelhos de pesquisa e os métodos de pesquisas

já estavam em um grande avanço na ciência.” “O motivo pelo qual se

conseguiu explicar, é o avanço da tecnologia científica, os novos métodos de

estudo no campo enzimático.”

Vejamos segundo Olby, (1974, p. 183) o que Avery relatou: “Extratos de

pneumococos relativamente impuros eram submetidos a atividade enzimática

na esperança que desta tentativa alguma pista pudesse ser obtida para a

identidade do constituinte biologicamente ativo”. Portanto, a contribuição dos

estudos enzimáticos12 também foi de extrema importância para elucidar essa

questão.

White (2003, p. 336) nos revela que a idéia de que os genes pudessem

ser isolados era praticamente impossível, porque os microscópios não tinham

poder de resolução para vê-los. Mayr (1998, p. 911) acrescenta que era

também necessário novos métodos para a análise dessas moléculas e isso só

foi possível entre 1930 e 1940. Esses novos métodos consistiam em ultra-

centrifugação, filtragem, absorção de luz, entre outros.

A partir de então, com o avanço da tecnologia e novos métodos de

estudos enzimáticos, tinham-se novas perspectivas para a purificação do

princípio transformante.

12Enzimas segundo o Dicionário etimológico e circunstanciado de Biologia (1993, p. 135) é a designação geral das proteínas que atuam como catalisadores de reações químicas. Promovem reações importantes intra ou extracelulares.

A penúltima pergunta dessa atividade foi qual a reação da comunidade

científica em 1944 quando Avery publicou os resultados de suas pesquisas?

Explique.

Todos os grupos responderam que o resultado não foi aceito pela

comunidade científica da época. Selecionamos algumas respostas que nos

esclarece especificamente a esta pergunta. “Rejeição, eles não se importaram

com que ele havia dito, porque nem todos os cientistas acreditavam que o DNA

era o material hereditário.” E prosseguem: “de acordo com Favaretto e

Mercadante (2005) fica sugerido que houve a aceitação da comunidade

científica, pois não demonstra nenhuma contrariedade, através desse livro.” O

segundo grupo escolhido descreveu que:

Os resultados da pesquisa de Avery foram de grande impacto na época. O assunto obteve ênfase em seminários apenas em 1946 e mesmo assim nem todos os cientistas envolvidos se convenceram de que era o DNA, o material hereditário.

O grupo acima ainda relatou que “os autores dos livros didáticos, transmitem a

idéia de que a conclusão de Avery foi definitivamente aceito desde o início.

Eles não descrevem com clareza a reação da comunidade.”

Realmente, o assunto foi discutido amplamente em seminários somente

em 1946. Mesmo assim, nem todos os cientistas envolvidos se convenceram

que o DNA era o material hereditário. Tal afirmação é comprovada por Muller13

que se expressava com bastante ceticismo e ainda em 1955, Goldschmidt14

permanecia reticente.

Também foi questionado, qual o tipo de História segundo Mayr (1998)

está contemplada na narrativa de Robert Olby (1974) e demais historiadores?

Justifique.

Seis dos sete grupos responderam que é a história de problema.

Vejamos algumas: “A explicação dos fatos nos leva a entender os motivos do

13Muller era um geneticista que se recusava a aceitar que o DNA descoberto por Avery era o fator transformante das bactérias. Ele tinha a opinião de que o que ocorria era um tipo de crossing over entre os cromossomos do tipo indutor de características (OLBY, 1974, p. 190). 14Goldschmidt era um geneticista antigo e hesitante em acreditar que o DNA e não as proteínas fosse o agente transformador. Ele escreveu: “não se pode afirmar como um dogma, ou como fato comprovado, que o DNA seja o material genético” (MAYR, 1988, p. 913).

que esta sendo estudado, quais foram às explicações, de onde as conclusões

foram tiradas.” “[...] pois retrata as principais dificuldades dos cientistas,

descreve mais claramente seus instrumentos e experimentos usados na

época.” “[...] neste tipo de história indaga-se o ‘porque’. As tentativas de

respostas para essas perguntas requerem a coleta e o exame atento de muitas

evidências, e isso quase sempre conduz a novas aberturas.”

5 DESENVOLVIMENTO GERAL DE CIÊNCIA SEGUNDO THOMAS KUHN

Muitas pessoas, cientistas ou não, confiam que a maneira ideal,

segundo a qual a ciência deve transformar-se é pelo progresso gradativo, ou

seja, cada nova teoria vai-se aperfeiçoando da antiga até chegar à verdade.

Essa forma de evolução da ciência é considerada linear e Kuhn15 (2005) rejeita

essa forma evolutiva da ciência.

Grande parte dos livros de Ciência apresenta a evolução científica de

forma contínua ou cumulativa, dando a entender que os fatos históricos

ocorridos num determinado desenvolvimento científico aconteceram com

alguns cientistas que foram acumulando uma a uma suas descobertas a fim de

que o problema fosse resolvido.

Dessa forma, tem-se a impressão de que os cientistas de épocas

anteriores trabalhavam com os mesmos problemas e utilizaram as mesmas

metodologias, fazendo com que a ciência pareça cumulativa. Esse tipo de

história, segundo Kuhn, é apresentada de uma maneira errônea.

A ciência nas palavras de Kuhn (2005, p. 180), chama a atenção a

respeito da linearidade no desenvolvimento científico, ou seja, o

desenvolvimento da ciência, não é como o que ocorre na citação a seguir:

15Thomas S. Kuhn em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, não menciona a transformação bacteriana e nem a genética molecular, no entanto, seu livro traz exemplos da Física e Química que poderão ser aproveitados para o episódio da transformação bacteriana.

... num processo frequentemente comparado à adição de tijolos a uma construção, os cientistas juntaram um a um os fatos, conceitos, leis ou teorias ao caudal de informações proporcionado pelo manual científico contemporâneo.

Segundo Kuhn, não é dessa maneira que uma ciência se desenvolve,

porque em cada geração os cientistas trabalham com os problemas da sua

época, utilizando os instrumentos disponíveis para tentar dar uma solução às

dificuldades encontradas.

Desta forma, retornando ao problema da explicação da transformação

bacteriana, os livros didáticos narram tal episódio como se ele começasse com

Griffith e, semelhante a uma adição de fatos, conceitos, leis ou teorias,

terminasse em Avery.

Os livros didáticos, segundo Kuhn (2005, p. 177), apresentam apenas

trechos da história na introdução do capítulo ou fazem esparsas referências a

heróis da ciência. No entanto, mais importante do que isso, é constatarmos se

as histórias estão sendo apresentadas de maneira linear ou descontínua, e de

modo a privilegiar acontecimentos históricos, sem referência a contextos mais

amplos que favoreçam a sua compreensão.

Favaretto e Mercadante (2005, p. 94 – 95) apresentam o

desenvolvimento da Ciência com relação à transformação bacteriana, por meio

da vida de Griffith e Avery, enfatizando a concepção de linearidade e até

sugerindo que Avery continuou a pesquisa de Griffith distinguindo apenas que

os mesmos ocorreram em diferentes épocas. E o que é mais agravante,

atribuíram a Griffith objetivos que vão além da produção da vacina que era

purificar e explicar qual era o fator de transformação bacteriana, objetivos estes

que não teriam sidos alcançados por ele. “[...] em 1928 Frederick Griffith

tentava obter uma vacina contra a pneumonia causada pelo pneumococo.”

Para Kuhn (2005, p. 166), a maneira pela qual um cientista vê,

interpreta e organiza um aspecto específico do mundo será orientada pelo

paradigma em que está trabalhando, ou seja, os cientistas nunca enxergaram o

mundo item por item, eles buscam compreender entidades individuais a partir

de redes teóricas mais amplas.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Verificamos ao analisar os livros didáticos de Biologia usados no

Ensino Médio, que a História da Ciência encontra-se presente nos textos desse

recurso pedagógico. No entanto, falta estruturação na História da Ciência

apresentada nos livros didáticos, pois, raríssimas vezes a história é descrita

congregando conflitos, embates teóricos das idéias e interesses econômicos,

políticos e ideológicos. Geralmente são expostas apenas como ilustrações dos

acontecimentos científicos e histórias sobre os cientistas que contribuíram para

o desenvolvimento do assunto.

A compreensão da História e Filosofia da Ciência permite perceber que

a Ciência não segue um critério linear progressivo, adicionando novos

conhecimentos. Porém, existe uma tendência a fazer com que a História da

Ciência nos livros didáticos pareça linear e cumulativa, acrescentando novos

conhecimentos.

Olhar para a história, nos permite localizar movimentos de oposição de

idéias em um mesmo contexto, e ver que as idéias consideradas errôneas,

foram dominantes em um dado momento, impedindo o desenvolvimento de

outras que, ultimamente, são mais aceitas.

A História incorporada com a Filosofia pode enriquecer o assunto,

tornando-o mais significante e, consequentemente, permitindo ao usuário do

livro didático compreender melhor o que ele está estudando.

Sugerimos então que uma das alternativas para a melhoria da

qualidade do ensino pode estar na estruturação da História da Ciência que é

abordada no livro didático.

Portanto, concluímos que não é que os livros didáticos não contenham

História da Ciência, mas o modo como esta história é apresentada, nem

sempre favorece o leitor em sua tentativa de compreensão do conhecimento

científico.

REFERÊNCIAS

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CARNEIRO, Maria H. da S.; GASTAL, Maria L. História e filosofia das ciências no ensino de biologia. Ciência & Educação, v.11, n. 1, p. 33-39, 2005. Acesso em 2 abr 2007.

CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002.

DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO. 29ª. ed. São Paulo: Globo, 1993.

Dicionário etimológico e circunstanciado de biologia. São Paulo: Scipione, 1993.

DIRETRIZES CURRICULARES DE BIOLOGIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA. Curitiba: 2006.

FAVARETTO J. A.; MERCADANTE C. Biologia . 1. ed. São Paulo: Moderna, 2005.

FERREIRA, R. Watson & Crick. A história da descoberta da estrutura do DNA. São Paulo: Odysseus Editora, 2003.

JÚNIOR, C. DA S; SASSON, S. Biologia. 8. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,

2005.

KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

LOPES. S.; ROSSO. S. Biologia. 1. ed. São Paulo: Saraiva. 2005.

MAYR, E. O Desenvolvimento do pensamento biológico. Brasília: UNB. 1998.

OLBY, Robert. The path to the double helix. Seatle, USA: University of Washington Press, 1974.

PNLEM. Catálogo do programa nacional do livro para o ensino médio. Brasília, 2007.

PRETTO, N. De Luca. A ciência nos livros didáticos. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp e Editora da Universidade Federal da Bahia, 1985.

SANTOS, S. F.; (Silva et al). Estudos de história e filosofia das ciências. Subsídios para aplicação no Ensino. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2006.

VASCONCELOS, S. D.; SOUTO, E. O livro didático de ciências no ensino fundamental – Proposta de critérios para análise do conteúdo zoológico. Ciência & Educação, v.9, n.1, p. 93 -104, 2003 Acesso em 02 abr. 2007.

WHITE. M. Rivalidades produtivas. Disputas e brigas que impulsionaram a ciência e a tecnologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

wikipédia.org/wiki/pablum Acesso em 03 maio 2011.

ANEXOS

1 TIPOS DE HISTÓRIAS DESCRITAS POR ERNST MAYR

Considerando que os livros didáticos trazem história e que são

avaliados por especialistas do Estado e educadores, sendo que um dos

critérios analisados é a existência ou não da História da Ciência, nota-se uma

preocupação social com essa. No entanto, apesar do reconhecimento da

importância da História e Filosofia da Ciência, ainda falta uma análise criteriosa

no que diz respeito ao tipo de história que se encontra nos livros didáticos.

Há uma preocupação em apresentar aspectos históricos na introdução de conceitos científicos. Entretanto, ainda falta uma análise crítica do tipo de história veiculada nesses livros e de como a concepção de História e Filosofia das Ciências deve ser trabalhada nos diferentes níveis de escolaridade. Assim, o que se deveria questionar é a concepção de história veiculada nesses materiais e não a sua ausência (CARNEIRO & GASTAL, 2005, p. 33).

Não basta dizer que os livros didáticos inserem história, ou que devam

trazer, ou ainda, que a mesma é importante, pois existem vários tipos de

histórias.

Um grande historiador da Biologia, Ernst Mayr (1998, p. 16 - 22),

apresenta alguns tipos de histórias que podem ser classificadas da seguinte

maneira: história lexicográfica, cronológica, biográfica, cultural e sociológica e

história de problema. Apresentaremos a seguir, resumidamente, a

diferenciação entre algumas destes tipos de histórias.

A história lexicográfica é puramente descritiva, com ênfase nas

questões ‘o quê?’, ‘quando?’ e ‘onde?’ e por isso tem a desvantagem de

favorecer apenas parte da história, pois deste modo apresenta um conjunto de

dados que não exigem reflexão.

Já a história cronológica apresenta a seqüência de tempo para toda

espécie de historiografia favorecendo um critério indispensável de organização

temporal. Porém, segundo Mayr (1998), esse tipo de história possui a

desvantagem de reduzir todo o problema científico à seqüência temporal,

devido ao fato de enfatizar datas e acontecimentos numa seqüência linear, o

que acaba ocultando o problema em questão.

Uma outra forma de apresentação da história descrita por Mayr (1998)

é denominada de história biográfica, que tem por objetivo retratar os

progressos da Ciência por meio das vidas dos principais cientistas, com isso

apresenta problemas científicos como vinculados a apenas um cientista.

Mayr (1998) também apresenta a história cultural e sociológica. Neste

tipo de abordagem histórica, os aspectos da Ciência estão descritos como

forma de atividade humana, inseparáveis do meio intelectual e institucional da

época, recurso para aqueles que chegam à História da Ciência pelo

conhecimento da história geral. Porém, esse tipo de história, segundo o autor,

é muito genérica, pois as atividades humanas atreladas aos aspectos sociais e

intelectuais são muito diversificadas e, por conseguinte, não condiz com o

objetivo da História da Ciência.

Porém, nenhum desses tipos de histórias satisfaz Mayr. Por isso, ele

opta por uma outra forma de história: a história de problemas, a qual se

caracteriza pelo estudo dos problemas e não pelos períodos.

Nesse tipo de concepção, os problemas científicos são compreendidos

por meio de estudos de sua história. Nessa abordagem é apresentada não

apenas a história bem sucedida, mas também as tentativas fracassadas para a

solução de problemas.

Na história de problemas, algumas questões devem ser consideradas,

entre elas:

Quais foram os problemas científicos do seu tempo? Quais foram os instrumentos conceituais e técnicos de que dispunha na busca de uma solução? Quais foram os métodos que ele pôde utilizar? Que idéias predominantes na sua época orientaram a sua pesquisa e influenciaram as suas decisões? Questões dessa natureza prevalecem na aproximação da história de problemas (MAYR, 1998, p. 21).

A história de problemas além de ser descrita por Ernst Mayr (1998),

também é considerada por outro grande historiador da Biologia, Robert Olby

(1974). Para estes historiadores, a maioria dos problemas científicos é melhor

compreendido pelo estudo de sua história.

A história de problemas não é uma história tradicional da Ciência.

Neste tipo de história indaga-se o ‘por que’. “As tentativas de respostas para

essas perguntas requerem a coleta e o exame atento de muitas evidências, e

isso quase sempre conduz a novas aberturas [...]” (MAYR, 1988, p. 22).

Ao depararmos com as narrativas históricas encontradas nos livros

didáticos, observamos que elas enfatizam parte da história, ou seja, são

puramente descritivas, com ênfase nas questões ‘o quê?’, ‘quando?’ e ‘onde?’

ou então apresentam a seqüência de tempo, enfatizando datas e fatos numa

seqüência linear, o que acaba ocultando o problema em questão. Devemos

ressaltar que a produção científica não é linear, porém, os livros didáticos

preservam até hoje esse tipo de abordagem histórica.

Na concepção da história de problemas, os problemas científicos são

melhores compreendidos. Tal abordagem, além de apresentar não apenas a

história bem sucedida, também apresenta as tentativas fracassadas para a

solução de problemas, quais foram os problemas científicos do seu tempo, os

instrumentos conceituais e técnicos de que dispunham no momento e que

idéias preponderavam na sua época, orientando a pesquisa.

2 NARRATIVA DO LIVRO DIDÁTICO DE FAVARETTO E MERCADANTE

Será verificada por meio da narrativa de Favaretto e Mercadante (2005),

como o autor explica o ‘fracasso’ de Griffith e o ‘sucesso’ de Avery para a

elucidação do princípio transformante das bactérias e ainda os tipos de história

de Ernst Mayr (1998, p. 16 - 22), que são classificadas da seguinte maneira:

história lexicográfica, cronológica, biográfica e história de problema.

Após a leitura do texto abaixo, será solicitado aos componentes do

grupo que manifestem suas opiniões em um debate entre eles e que responda

as questões a seguir.

DESCRIÇÃO DO EPISÓDIO DA TRANSFORMAÇÃO BACTERIANA APRESENTADA NO LIVRO DIDÁTICO DE FAVARETTO E MERCADANTE

Em 1928, Frederick Griffith tentava obter uma vacina contra a pneumonia causada pelo pneumococo. Essa bactéria pode ser encontrada em duas formas: uma sem cápsula e não-patogênica; a outra, patogênica (capaz de produzir doença), possui, além da membrana plasmática e da parede celular, uma cápsula externa. A presença de cápsula é característica hereditária; bactérias capsuladas ou não-capsuladas geram outras iguais a elas. Griffith observou que, matando bactérias capsuladas pelo calor, elas perdiam a capacidade de causar doença. Quando, porém, misturava bactérias capsuladas mortas pelo calor com bactérias vivas não-capsuladas, a mistura provocava a morte dos camundongos. Coletando amostras de sangue dos camundongos mortos por essa mistura, Griffith encontrou bactérias vivas capsuladas. Imaginou a existência de um “fator de transformação”, mas não conseguiu purificá-lo nem explicar de que se tratava. Em 1944, Oswald Avery, MacLeod e McCarty demonstraram que uma solução contendo DNA obtido de bactérias capsuladas mortas, misturada com bactérias vivas não-capsuladas, também provocava a morte dos camundongos, que tinham igualmente, em seu sangue, bactérias capsuladas vivas. Assim, o DNA era o “fator de transformação”, responsável pela mudança do comportamento das bactérias (FAVARETTO & MERCADANTE, 2005, p. 94 – 95).

3 NARRATIVA DO HISTORIADOR ROBERT OLBY E OUTROS

Será verificado através da narrativa do historiador Robert Olby (1974) e

demais historiadores a explicação quanto ao ‘fracasso’ de Griffith e o ‘sucesso’

de Avery para a elucidação do princípio transformante das bactérias e ainda os

tipos de história de Ernst Mayr (1998, p. 16 - 22), que são classificadas da

seguinte maneira: história lexicográfica, cronológica, biográfica e história de

problema, como já foram anunciadas anteriormente.

Após a leitura do texto abaixo, será pedido aos componentes do grupo

que manifestem suas opiniões em um debate entre eles e que responda as

questões a seguir.

Relacionado com o tipo da bactéria estava a capacidade de causar ou

não a pneumonia. Trabalhava-se então, com a perspectiva de que a mudança

de tipos, ou seja, com a variação das bactérias estava a possibilidade de

mutação entre as espécies.

Entre os cientistas envolvidos com o problema da mutação entre os

pneumococos, encontrava-se o médico Frederick Griffith especialista em

patologia. Griffith pesquisava uma vacina contra a pneumonia quando

identificou que bactérias R16 transformavam-se em S17.

Quando injetava em camundongos as bactérias patogênicas mortas ou

as não-patogênicas vivas, os camundongos não desenvolviam a pneumonia.

Mas se injetasse nos animais a bactéria patogênica morta e a não-patogênica

viva os camundongos desenvolviam a pneumonia, fato que ele achou estranho.

Embora tenha chegado a uma conclusão errada, como veremos a seguir,

Griffith tentou explicar o fato.

Ele sugeriu que as bactérias não patogênicas vivas ingeriam uma

substância proveniente da bactéria infecciosa morta, que chamou de ‘pabulum’,

(WHITE, 2003, p. 337, BRODY & BRODY, 2000, p. 351, OLBY, 1974, p. 175).

Percebemos que Griffith descobriu a transformação das bactérias R em

S, entretanto, sua explicação a respeito de um ‘pabulum’ não foi convincente e

conseqüentemente, não foi acolhida pela comunidade científica da época.

Oswald T. Avery e seus colaboradores analisaram o experimento sobre

a transformação das bactérias e afirmaram que os pneumococos eram

imutáveis (OLBY, 1974, p. 174).

Quando uma descoberta é feita é de se esperar que a comunidade de

cientistas diretamente envolvidos rejeite suas afirmações e organizem uma

ação de retaguarda contra ela, ao ponto que a evidência se torne inadequada e

não se possa sustentar uma interpretação harmônica com o pensamento

corrente.

Após o resultado da descoberta de Griffith, Neufeld18 e seu assistente

Levinthal foram tão rápidos ao repetir o seu trabalho que a confirmação de

seus resultados apareceu em 1928 no mesmo ano, do próprio relato de Griffith.

16Forma R também chamada de rough; pneumococo de aspecto rugoso, sem cápsula e não patogênica. 17Forma S também chamada de smooth; pneumococo de aspecto liso, com cápsula e patogênica. 18Ambos trabalhavam no Instituto Robert Koch em Berlim. Eles repetiram o experimento de Griffith em 1928, mesmo ano em que Griffith descobriu as formas R e S de pneumococos e anunciou sua descoberta (OLBY, 1974, p. 178).

Com a confirmação dos resultados de Griffith efetivados por Neufeld e

Levinthal, Avery agora não tinha alternativa senão encarar essa descoberta.

É interessante mencionar aqui a importância de considerarmos como a

comunidade científica trabalha. Uma experiência científica não vale por si só,

mas somente quando interligada a uma rede complexa em que intervêm

fatores culturais, sociais, psicológicos e políticos. Os cientistas trabalham com

o que está disponível no momento de suas pesquisas e o desenvolvimento de

seus campos de conhecimento, considerando o contexto social e político do

período.

Após a confirmação do experimento de Griffith por Neufeld e Levintal,

Avery aceita o fato da descoberta da transformação bacteriana. Contudo, isso

não implica dizer que ele tenha aceito a explicação para a transformação de

bactérias R em S.

A explicação de Griffith a respeito da transformação bacteriana em que

uma mutação era em resposta às condições do ambiente ou ainda, que a

bactéria ingeria uma sustância que ele denominou como ‘pabulum’ não

satisfazia Avery.

Avery aferia que uma substância química, até então não revelada, era o

agente da transformação bacteriana que remetia a informação do surgimento

da cápsula nas bactérias e, por conseguinte, causava a pneumonia nos

camundongos.

Em busca da explicação sobre os constituintes da transformação, ou

seja, qual seria a substância com capacidade da transformação bacteriana,

muitos outros pesquisadores repetiram o trabalho de Griffith.

Em 1933, Alloway realizou o experimento da transformação in vitro - isto

é, sem a necessidade de injetar bactérias em camundongos - de célula livre de

pneumococos, porém, evitou se comprometer com a identidade química do

agente.

Três anos depois que Alloway descreveu essa substância fibrosa

precipitada por álcool, Avery expôs que “o agente transformador dificilmente

seria carboidrato, não combinava muito bem com proteína, e melancolicamente

sugeriu que poderia ser um ácido nucléico” (OLBY, 1974, p. 182).

Percebemos que Alloway por meio de seu experimento, preparou

caminho para Avery, McLeod e McCarty, seus colaboradores, para a

identificação e interpretação do agente de transformação através da realização

da transformação in vitro de células de pneumococos.

A contribuição dos estudos enzimáticos19 também foi de extrema

importância para elucidar essa questão. Vejamos segundo Olby, (1974, p. 183)

o que Avery relatou: ”Extratos de pneumococos relativamente impuros eram

submetidos a atividade enzimática na esperança que desta tentativa alguma

pista pudesse ser obtida para a identidade do constituinte biologicamente

ativo”.

A partir de então, com o avanço da tecnologia e novos métodos de

estudos enzimáticos, tinham-se novas perspectivas para a purificação do

princípio transformante.

Avery, que trabalhava com grande determinação no Instituto Rockefeller

em Nova York, dedicou-se com apego ao problema da transformação

bacteriana por aproximadamente 15 anos (WHITE, 2003, p. 337, BRODY &

BRODY, 2000, p. 351, FERREIRA, 2003, p. 40).

Na época, Avery trabalhou com a possibilidade que eles estivessem

lidando com DNA, mas usando de meios não muito certos.

De acordo com Olby (1974, p. 184) “um exemplo da maneira como o

problema da identidade foi resolvido, era o procedimento do isolamento”. A

proteína pelo método clorofórmico, o polissacarídeo capsular pela digestão

com uma enzima específica bacteriana que o hidrolisa, o ácido ribonucléico

pela digestão enzimática com ribonuclease (OLBY, 1974, p. 184).

Olby (1974) prossegue: “A partir desta exposição, parece que a

identidade da substância transformadora foi revelada lentamente, passo a

passo” (p. 184). E adianta-se: “Além disso, tínhamos boas evidências de que a

enzima que destruía a atividade era a DNase [...]. Tal fato contribuiu para

limitar as coisas e chegar a maiores evidências [...]” (OLBY, 1974, p. 185).

Estes resultados contribuíram para a elucidação de que o DNA era o agente da

transformação em bactérias.

Até então, a idéia de que os genes pudessem ser isolados era

praticamente impossível, porque os microscópios não tinham poder de

19Enzimas segundo o Dicionário etimológico e circunstanciado de Biologia (1993, p. 135) é a designação geral das proteínas que atuam como catalisadores de reações químicas. Promovem reações importantes intra ou extracelulares.

resolução para vê-los (WHITE, 2003, p. 336). Era também necessário novos

métodos para a análise dessas moléculas e isso só foi possível entre 1930 e

1940. Esses novos métodos consistiam em ultra centrifugação, filtragem,

absorção de luz, entre outros (MAYR, 1988, p. 911).

Mas à medida que a tecnologia foi se aperfeiçoando e com o suporte do

desenvolvimento de outras áreas de pesquisas, os cientistas puderam explorar

e compreender com mais precisão os componentes celulares.

Avery, em 1944 conseguiu demonstrar que o princípio transformante era

o DNA puro e não uma proteína associada, como afirmado por alguns

adversários de Avery (MAYR, 1988, p. 912, DUCLÓS, 2004, p. 3 e OLBY,

1974, p. 191).

Em 1944 Avery publicou os resultados de suas pesquisas - que não

obteve na época, grande impacto entre os geneticistas - o qual mostrou

claramente que era o DNA, e não a proteína ou o RNA, que permitia o

transporte das informações hereditárias (BRODY & BRODY, 2000, p. 351- 352,

MAYR, 1988, p. 912).

O assunto foi discutido amplamente em seminários somente em 1946.

Mesmo assim, nem todos os cientistas envolvidos se convenceram que o DNA

era o material hereditário. Tal afirmação é comprovada por Muller20 que se

expressava com bastante ceticismo e ainda em 1955, Goldschmidt21

permanecia reticente.

20Muller era um geneticista que se recusava a aceitar que o DNA descoberto por Avery era o fator transformante das bactérias. Ele tinha a opinião de que o que ocorria era um tipo de crossing over entre os cromossomos do tipo indutor de características (OLBY, 1974, p. 190). 21Goldschmidt era um geneticista antigo e hesitante em acreditar que o DNA e não as proteínas fosse o agente transformador. Ele escreveu: “não se pode afirmar como um dogma, ou como fato comprovado, que o DNA seja o material genético” (MAYR, 1988, p. 913).