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DA DEFINIÇÃO ECONÔMICA DO PROBLEMA DE FALÊNCIA À ELABORAÇÃO DE LEIS Filipe Costa de Souza Universidade Federal de Pernambuco/PIMES, Pernambuco – Brasil. Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901 e-mail:[email protected] Francisco de Sousa Ramos Universidade Federal de Pernambuco/PIMES, Pernambuco – Brasil. Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901 e-mail: [email protected] Resumo A insolvência de organizações afeta vários segmentos do mercado, estendendo-se desde a alocação de recursos e oferta de bens e serviços até as expectativas dos mercados de capital e crédito. Fazem-se necessárias, então, leis que regulem o processo de insolvência minimizando seus efeitos negativos. Este trabalho se propôs a realizar uma ligação entre a definição econômica do problema de falência e os principais aspectos da elaboração de leis. A literatura econômica define o problema de falência como a alocação de recursos de um devedor falido entre os seus credores, de modo que o somatório das reivindicações supera o patrimônio do devedor. Para solucionar esse impasse são então propostas algumas abordagens, que vão desde a definição de regras de alocação, ao uso da teoria dos jogos. Devido a essas diferentes abordagens e, sobretudo, as questões derivadas de cada uma delas, é possível definir os principais objetivos que devem ser considerados pelos legisladores. As leis devem estabelecer a ordem de pagamento dos credores e critérios para coordenar a divisão dos ativos do devedor, buscar mecanismos para maximizar o valor do patrimônio a ser dividido, além de estabelecer sanções para os gestores que dolosamente contribuírem para a falência da empresa. Palavras-chaves: problema de falência, regras de falência, leis de falência. Área principal: AF – Aplicações a Economia e Finanças. Abstract The organizations’ insolvency affects the market in many areas, moving from the allocation of resources and supply of goods and services until the expectations of the capital and credit markets. Therefore, laws that rule the insolvency process and minimize its negatives effects are necessary. This paper proposed to realize a link between the economic definition of bankruptcy problem and the mains aspects of lawmaking. The economic literature defines the bankruptcy problem as the allocation of resources of a debtor among his creditors, in which the sum of the claims is higher than the debtor’s patrimony. To solve this issue, some approaches, from definitions of allocation rules to the use of game theory, were proposed. Because of those approaches and, especially, the questions proceeding from them, is possible to define the main goals to be consider by the lawmakers. The law shall establish the creditor’s payment ordering and rule to split the debtor’s estate, to search mechanisms that maximize the debtor’s patrimony, further than establish punishments to the managers that intentionally contributed to the firm bankruptcy. Keywords: bankruptcy problem, bankruptcy rules, bankruptcy laws. Main area: AF – Applications to Economic and finances. XLI SBPO 2009 - Pesquisa Operacional na Gestão do Conhecimento Pág. 461

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DA DEFINIÇÃO ECONÔMICA DO PROBLEMA DE FALÊNCIA À ELABORAÇÃO DE LEIS

Filipe Costa de SouzaUniversidade Federal de Pernambuco/PIMES, Pernambuco – Brasil.

Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901 e-mail:[email protected]

Francisco de Sousa RamosUniversidade Federal de Pernambuco/PIMES, Pernambuco – Brasil.

Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901e-mail: [email protected]

Resumo

A insolvência de organizações afeta vários segmentos do mercado, estendendo-se desde a alocação de recursos e oferta de bens e serviços até as expectativas dos mercados de capital e crédito. Fazem-se necessárias, então, leis que regulem o processo de insolvência minimizando seus efeitos negativos. Este trabalho se propôs a realizar uma ligação entre a definição econômica do problema de falência e os principais aspectos da elaboração de leis. A literatura econômica define o problema de falência como a alocação de recursos de um devedor falido entre os seus credores, de modo que o somatório das reivindicações supera o patrimônio do devedor. Para solucionar esse impasse são então propostas algumas abordagens, que vão desde a definição de regras de alocação, ao uso da teoria dos jogos. Devido a essas diferentes abordagens e, sobretudo, as questões derivadas de cada uma delas, é possível definir os principais objetivos que devem ser considerados pelos legisladores. As leis devem estabelecer a ordem de pagamento dos credores e critérios para coordenar a divisão dos ativos do devedor, buscar mecanismos para maximizar o valor do patrimônio a ser dividido, além de estabelecer sanções para os gestores que dolosamente contribuírem para a falência da empresa.Palavras-chaves: problema de falência, regras de falência, leis de falência.Área principal: AF – Aplicações a Economia e Finanças.

Abstract

The organizations’ insolvency affects the market in many areas, moving from the allocation of resources and supply of goods and services until the expectations of the capital and credit markets. Therefore, laws that rule the insolvency process and minimize its negatives effects are necessary. This paper proposed to realize a link between the economic definition of bankruptcy problem and the mains aspects of lawmaking. The economic literature defines the bankruptcy problem as the allocation of resources of a debtor among his creditors, in which the sum of the claims is higher than the debtor’s patrimony. To solve this issue, some approaches, from definitions of allocation rules to the use of game theory, were proposed. Because of those approaches and, especially, the questions proceeding from them, is possible to define the main goals to be consider by the lawmakers. The law shall establish the creditor’s payment ordering and rule to split the debtor’s estate, to search mechanisms that maximize the debtor’s patrimony, further than establish punishments to the managers that intentionally contributed to the firm bankruptcy.

Keywords: bankruptcy problem, bankruptcy rules, bankruptcy laws.Main area: AF – Applications to Economic and finances.

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Page 2: DA DEFINIÇÃO ECONÔMICA DO PROBLEMA DE FALÊNCIA À … · 2009-09-15 · critérios para coordenar a divisão dos ... dificuldades financeiras comprovadas do primeiro. O desenvolvimento

Introdução

O estudo sobre temas relativos à falência é de interesse de diversos agentes econômicos, podendo-se citar, por exemplo, credores, sócios e acionistas de empresas, fornecedores, instituições financeiras, consumidores, governo entre outros. Esse interesse se justifica, pois, a partir da falência de um devedor são realocados recursos econômicos e se redefine a oferta de bens e serviços no mercado. Ademais, a falência de alguma instituição ou até mesmo a sua iminência, também afetam os mercados de capitais e de crédito.

Para minimizar os efeitos negativos de eventuais falências e estabelecer as medidas adotadas em caso de insolvência de algum devedor são estabelecidas leis. Estas têm como objetivo regular tanto o processo de liquidação quanto a recuperação judicial de pessoas físicas, jurídicas e outras instituições, ou ainda regular os acordos entre devedor e credores em caso de dificuldades financeiras comprovadas do primeiro. O desenvolvimento de leis e suas reformas são fundamentados, sobretudo, por estudos econômicos e jurídicos, que estabelecem o escopo do problema, sua abrangência e os mecanismos os quais devem ser seguidos, de modo que as leis melhor se adequem ao contexto econômico e social de cada localidade.

Nesta perspectiva, o objetivo do trabalho é realizar a ligação entre a definição econômica do problema de falência e a elaboração de leis de insolvência. Com isso, pretende-se explorar este ponto ainda pouco discutido na literatura, em especial na literatura nacional. Para isso, o trabalho terá seguinte estrutura: Na seção 2 será formalmente definida a abordagem econômica para o problema de falência. Na seção 3 se apresentará as mais populares regras de falência utilizadas para a realocação dos recursos do devedor entre os seus credores, bem como as propriedades que justificam essa popularização. Na seção 4, é exposta a relação dual existente no problema de falência. Na seção 5, o problema é visto sobre a ótica da Teoria dos Jogos. Na seção 6, é realizada uma ligação entre as diversas abordagens para o problema de falência e a elaboração de leis de insolvência. Concluindo o trabalho, na seção 7, são apresentadas as considerações finais.

1. O problema de falência

Na literatura econômica, o problema de falência é tradicionalmente abordado como a alocação de recursos divisíveis de um devedor falido entre seus n credores, de modo que a soma dos montantes reclamados supera o valor disponível. O montante total a ser dividido, ou seja, o patrimônio do devedor é conhecido por todos ou os credores fazem a mesma avaliação monetária do bem ou bens. Ademais, os credores não apresentam nenhuma característica especifica que lhes proporcione alguma prioridade de pagamento. Formalmente tem-se:

Definição 1: o problema de falência é dado por um par (E, c), com c = (c1,..., cn), 0 ≤ c1 ≤ ...≤ cn

e 0 ≤ E ≤ ∑ =n

1i ic , onde E representa o patrimônio a ser repartido e c indica o vetor de reivindicações dos n credores, sendo ci o valor do crédito devido ao agente },,1{ nNi =∈ , e N o conjunto dos credores (AUMANN & MASCHLER, 1985).

Contudo, outros autores apresentam uma pequena extensão desse problema original, permitindo que o conjunto de credores também varie. Esta nova definição é dada por:

Definição 2: o problema de falência é dado por uma tripla (A, E, c), com c = (c1,..., cn), 0 ≤ c1 ≤ ...≤ cn e 0 ≤ E ≤ ∑ =

n1i ic , onde A representa um subconjunto do conjunto de credores

definido por N={1,...,n}, E representa o patrimônio a ser repartido e c indica o vetor de reivindicações dos n credores, sendo ci o valor do crédito devido ao agente i∈ A (GARCÍA-JURADO, GONZALES-DÍAZ & VILLAR, 2006).

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Definido o problema, busca-se então uma solução formal para o mesmo. Esta solução é na verdade a alocação final dos recursos entre os n credores e é representada por uma n-upla x=(x1,..., xn) de números reais. Assim, na tentativa de se obter tal solução, utiliza-se uma função f que, dados os parâmetros E e c, consegue chegar a uma única alocação x: f(E; c) = x. Essas funções são conhecidas como regras de falência (bankruptcy rules) e devem respeitar três condições:

i) A alocação deve ser eficiente de Pareto, pois, como E≤ ∑ =ni ic1 , então a solução deve

utilizar todos os recursos disponíveis para efetuar o ressarcimento, logo ∑ = =ni i Ex1 .

ii) Os credores não podem receber mais do que o valor de seus créditos, ou seja, xi≤ci.

iii) Os credores não podem ser obrigados a pagar as reivindicações dos demais, isto é, não podem ganhar menos que zero, deste modo 0 ≤ xi.

Segundo Bergantiños & Vidal-Puga (2004), outros problema também podem ser estendidos desse formalismo inicial do problema de falência, como por exemplo: o problema do excedente (surplus problem), o problema de alocação (alocation problem) e o problema das perdas (loss problem).

Os problemas citados também são definidos como um par (E, c), apresentando apenas algumas peculiaridades de contexto e solução devido às possibilidade de flexibilizar as restrições estabelecidas. Por exemplo, no problema do excedente (surplus problem), c pode ser entendido como um vetor de reivindicações não atreladas a um direito dos agentes, ou seja, é apenas uma solicitação (tentativa de partilha) de um excedente qualquer. Logo, as restrições que a função f(E; c) necessitaria satisfazer são: ∑ = Exi e xi ≥ 0, pois os agentes não têm limite máximo para suas reivindicações (lembrando que, mesmo quando o agente i solicitar ci > E, ele só poderá receber no máximo xi = E). Para mais informações sobre os respectivos problemas recomenda-se a leitura de Bergantiños & Vidal-Puga (2004).

2. A escolha da regra de falência

Após a definição do problema de falência e as condições que uma regra de falência deve atender, o leitor deve ter percebido que inúmeras funções são capazes de satisfazer essas restrições e assim chegar a uma alocação dos ativos do devedor entre os seus n credores. Desse modo, conforme Herrero & Villar (2001), a escolha da regra adequada pode depender do contexto em que o problema se insere, como por exemplo: a existência de fatores éticos e culturais, como é o caso do Talmud, ou ainda de tradições sociais que privilegiem a escolha de alguma regra específica.

Todavia, três soluções se popularizaram na literatura por apresentarem algumas propriedades particulares. Mas, antes de explicar que propriedades são essas, é preferível conhecer primeiro as regras, são elas: divisão por prêmios iguais, divisão por perdas iguais e divisão por prêmios proporcionais.

• Prêmios iguais - DGI1: o patrimônio é dividido igualmente entre os credores, porém, com base na restrição (ii), o valor recebido (xi) não pode superar o valor do crédito (ci).

Assim, cada participante recebe xi = min{ci, }λ, onde resolve λ ∑ ==ni i E} ,min{c1 λ .

• Perdas iguais - DPI: todos os credores têm a mesma perda monetária, porém, com base na restrição (iii), a perda (ci-xi) não pode superar o valor do crédito (ci). Assim, cada credor recebe xi=max{0, ci- }λ, onde resolveλ ∑ ==

ni i E} -c max{0,1 λ .

1 Neste trabalho, como as divisões por prêmios iguais e por perdas iguais têm as mesmas iniciais, será utilizada a sigla DGI, no primeiro caso, dando a idéia de “divisão por ganhos iguais”.

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• Prêmios proporcionais - DP: cada participante recebe um montante do patrimônio proporcional ao valor de seu crédito, ou seja, o credor i recebe xi = cλi, onde

∑=

=ni ic

E 1

λ .

Para entender um pouco melhor como essas regras funcionam e o impacto no resultado final da alocação, imagine o seguinte cenário: E = 60, N = {credor 1, credor 2, credor 3} e

c = (c1=10, c2=30, c3=60), ou seja, 100=∑∈ Ni

ic . Então, aplicando a regra de prêmios iguais, a alocação final dos recursos seria:

x = (x1=10, x2=25, x3=25). Verifique que, se os credores tivessem créditos de mesmo valor, seriaλ igual a 20, contudo, como o credor 1 não pode receber mais do que 10 (seu crédito original), restariam 50 unidades monetárias para serem repartidas entre os credores 2 e 3, resultando em ganhos de 25 para cada.

Aplicando agora a regra de perdas iguais, a alocação final dos recursos seria: x = (x1=0, x2=15, x3=45). Verifique que, se os credores tivessem créditos de mesmo valor, seriaλ aproximadamente 13,33 (40/3), contudo, o credor 1 não pode perder mais do que 10 (seu crédito original) restando então 3,33 unidades monetárias para serem descontadas entre os créditos restantes do credor 2 e 3. Assim, além de perderem 13,33 cada, os credores 2 e 3 teriam que repartir a perda de 3,33, resultando em uma perda total de aproximadamente 15 unidades monetárias. Isso resultaria em ganhos aproximados de 15 para o credor 2, e 45 para o credor 3.

Novamente, para o mesmo cenário, a alocação final dos recursos pela regra dos prêmios proporcionais é facilmente obtida, resultando em: x = (x1 = 6, x2 = 18, x3 = 36). A definição dos valores neste caso é mais simples, basta calcular o que é igual a 0,6.λ

Assim, é possível perceber que a divisão por prêmios iguais é geralmente preferida pelos agentes (credores) com reivindicações de menor valor. Por outro lado, a divisão por perdas iguais é preferida pelos agentes com créditos de maior valor. O leitor é convidado a testar outros valores, confirmando os resultados expostos.

Agora, que o leitor já está familiarizado com as principais2 soluções do problema de falência, é possível definir as propriedades que as popularizaram. Estas são definidas por autores como Dagan (1997), Herrero & Villar (2001) e García-Jurado, Gonzales-Díaz & Villar (2006), são elas:

Tratamento igual de iguais (equal treatment of equals): Essa característica indica que credores com o mesmo valor para suas reivindicações deveriam obter o mesmo ganho final no processo de alocação. Essa propriedade visa atender questões éticas e de simetria, por isso, as regras que atendem essa característica são conhecidas como f-justas ou simplesmente justas. Assim:

jiji xx então cc seN,ji, ==∈∀ .

Invariância de escala ou Homogenia de grau um (scale invariance): indica que a alocação final é independente da unidade monetária utilizada. Assim:

c) f(E,)c Ef( 0, αααα =>∀ ,

Composição (Composition): Se o patrimônio da firma for dividido em fragmentos, o ganho total do agente i deve permanecer inalterado. Por exemplo, suponha que o patrimônio E tenha sido dividido em duas partes E1 e E2, tal que E1 + E2 = E, então, f(E, c) = f(E1, c) + f(E2, c- f(E1, c)). Assim, generalizando:

)c),f(E-c ,f(Ec) f(E, ,então EE k1i 1-ii

k1i i ∑=∑ = == , onde E0 0, e ≡ k é o número de partições de E.

2 Herrero & Villar (2001) denominam essas formas de divisão como “Os Três Mosqueteiros” (The Three Musketeers) do problema de falência. A quarta solução, representando D’Artagnan seria o Talmud.

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Aditividade (additivity): é uma extensão da composição, indicando que divisões no patrimônio e no vetor de reivindicações não devem alterar o resultado final da alocação dos recursos. Essa característica é particularmente importante para pagamentos intertemporais. Assim, seja T={1,...,t} o conjunto dos t períodos tem-se:

).c ,f(E ... )c ,f(E)c Ef( tt11ti

tti

t ++=∑∑ == 11 ,

Monotonicidade (monotonic): indica que variações positivas no patrimônio, não podem levar à redução nos ganhos dos credores, aplicada a condição ceteris paribus (a mesma intuição também pode ser utilizada para variações negativas, ou seja, uma redução no patrimônio não deve beneficiar nenhum credor). Assim:

c) ,f(E'c) f(E, então, ,E'E se ≥≥

Essa idéia pode ser estendida para variações nos valores das reivindicações. Uma variação positiva na reivindicação do credor i (ci), não deve reduzir os seus ganhos xi. Ademais, variações positivas na reivindicação do credor j não devem aumentar o ganho do credor i,

Nji, ∈∀ . Essas características são facilmente observadas para funções diferenciáveis através da análise das primeiras derivadas. Por exemplo, avaliando a divisão por prêmios proporcionais tem-se que:

0)(

,0)(

))((,0 21

21

1 ≤∑−=

∂∂≥

∑−∑=

∂∂≥

∑=

∂∂

ni

i

j

in

i

in

i

i

in1 i

ii

ccE

cx

cccE

cx

cc

Ex

Preservação da ordem (order presevation): indica que os agentes com créditos de maior valor devem receber maiores ganhos. Assim:

Nji, ∈∀ , se ci c≥ j então, xi x≥ j. Ademais, os agentes com maior crédito também devem estar sujeitos a maiores perdas. Logo:

Nji, ∈∀ , se ci c≥ j então, ci - xi c≥ j – xj.

3. A relação dual

Para Aumann & Maschler (1985) e Herrero & Villar (2001), o problema de falência também pode ser entendido como uma relação dual, isto é, ao invés de se analisar o problema com a divisão do patrimônio E, é possível estudá-lo como a repartição das perdas definidas aqui como: P = ∑ n

1 ic -E.Então, para essa nova abordagem do problema, os parâmetros da regra de falência seriam

P e c, que de modo análogo ter-se-ia: f(P, c) = c - x. Logo, duas regras são ditas dual, ou seja, f(.) é a regra de falência dual a f*(.) se f*(E, c) = c – f(P, c).

Perceba que o dual de f*(.) é (f*(.))* que é a própria regra f(.). Para facilitar o entendimento será recorrido, novamente, as tão famosas regras de falência já expostas: a divisão por prêmios iguais, por perdas iguais, e a divisão proporcional. Intuitivamente é possível perceber que o dual da divisão por prêmios iguais é a divisão por perdas iguais. Explicitando a questão tem-se:

DGI*=DPI DIGi*(E,c) = ci – DIGi(P, c),DIGi(P, c)= min{ci, },λonde resolve λ E -c P} ,min{c n

1 ini i ∑=∑ == 1 λ .

DIGi*(E, c) = ci – min{ci, λ} = max{0, ci - λ} = DPIi(E, c) onde, λ resolve ∑ ==ni i E} -c max{0,1 λ .

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O leitor é convidado a verificar a recíproca, que o dual da divisão por perdas iguais é a divisão por ganhos iguais, utilizando um raciocínio análogo ao exposto. Por sua vez, o dual da regra proporcional é a própria regra proporcional, pois note que:

DP*=DP

DPi(E,c) = xi = cλi, onde ∑

==

ni icE

1λ , assim,

DPi*(E,c) = ci – DPi(P, c), e como,

DPi(P, c)=∑ =

ni i

i

cPc

1, e P = ∑ n

1 ic - E, então,

DPi*(E,c) = c)(E,DPxλcλ)c(1ccc

Ec c iiiiiini i

ni i

i ===−−=

−∑−=

=

1

1 .

Esse fato ressalta uma das vantagens de se trabalhar com a divisão proporcional. Além disso, estudos experimentais destacam que a divisão proporcional é de fato a mais preferida pela maioria dos agentes econômicos quando se trata da partilha de recursos (SOUZA & RAMOS 2008).

4. Abordagem via Teoria dos Jogos

Conforme Thomson (2003), o problema de falência também pode ser abordado sob novas perspectivas, ou seja, é possível analisá-lo sob a ótica da teoria dos jogos e assim, o problema poderia ser transformado em um jogo de barganha. A principal diferença dessa nova abordagem para a abordagem adotada nas seções anteriores é que, com a aplicação da teoria dos jogos, os ganhos dos agentes passam a ser expressos em termos de suas utilidades.

No problema de barganha, n agentes devem dividir um montante E entre eles e caso não cheguem a um consenso, cada indivíduo receberá um valor previamente arbitrado (di), de modo que a soma desses valores é menor do que E. O vetor d composto pelo ganho arbitrado de cada jogador é denominado de ponto de desacordo e é de conhecimento comum. Logo, o problema de barganha é dado por um par (U, d), onde U é um subconjunto dos nℜ e d é um ponto em U. O conjunto U é o conjunto dos vetores de utilidade factíveis dos n agentes caso esses cheguem a um consenso unânime sobre a divisão.

A mais popular solução para esse tipo de problema foi proposta por Nash (1950) e é conhecida na literatura como solução de barganha de Nash3 (Nash bargaining soluction) (MYERSON, 1991). Essa solução é também definida como f(U, d) = x = (x1,..., xn), e deve atender cinco propriedades, são elas: eficiência, racionalidade individual, independência de escala, independência de alternativas irrelevantes e simetria.

Eficiência de Pareto: indica que o recurso é dividido integramente entre os envolvidos, permitindo que eles alcancem os maiores níveis de utilidade possíveis através da divisão. Isto é, se d) f(U,x então d), f(U,x seU,x e U,d) f(U, =≥∈∀∈ .

Racionalidade individual: os jogadores só aceitaram uma divisão quando a sua utilidade resultante for maior do que a utilidade ganho no ponto de desacordo, ou seja, dd) f(U, ≥ .

Invariante de transformações de utilidade: se existem duas versões do mesmo problema de barganha, diferindo apenas a unidade em que são medidas as utilidades dos jogadores – ou seja, o segundo jogo é uma transformação do primeiro – e a origem do ponto de desacordo. Então, as

3 Outra popular solução para o problema de barganha é a solução de Raiffa-Kalai-Smorodinsky (FRIEDMAN, 1989).

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alocações resultantes da barganha devem estar associadas pela mesma transformação de utilidade. Isto é,

0λ que tal,γ,λ iii ≥∀ , seU})x ..., ,(x|)γxλ,...,γx{(λV n1nnn111 ∈++= e

)γdλ,...,γd(λh nnn111 ++= então))γd) f(U,λ,...,γd) (U,f(λh)f(V, nnn111 ++=

Independência de alternativas irrelevantes: a eliminação de vetores de utilidade os quais não seriam escolhidos pelos participantes, isso, mantido o ponto de desacordo constante, não deve modificar a solução do problema. Isto é, para todo conjunto convexo e fechado V, se

d) f(U,d) f(V, então V,d) f(U, e UV =∈⊆ .

Simetria: se a posição dos participantes for simétrica no problema de barganha, a solução também deve tratá-los como iguais. Assim, se di=dj e {(xi, xj)|(xj, xi) ∈ U)} = U, então, fi(U, d) = fj(U, d).

Então, a solução de barganha de Nash seria:∏ −∈ n

ii dx d) f(U, 1 )(maxarg

Luce & Raiffa (1989) apresentam algumas críticas a o uso da solução de barganha de Nash para resolver problemas de alocação de recursos, especialmente, por dificuldades práticas de se conhecer a função utilidade dos agentes, ou ainda os seus graus de aversão a risco. Os autores afirmam que por simplicidade, em muitos casos, é assumida a neutralidade a risco dos agentes, fato este que pode não descrever corretamente as preferências dos mesmos. Myerson (1991) também expõem um exemplo claro, de como o grau de aversão a risco dos indivíduos pode interferir nos seus ganhos finais (alocação final), reservando maiores ganhos monetários para aqueles indivíduos mais propensos a risco. Imagine a seguinte situação, adaptada do jogo proposto por Myerson (1991): Dois indivíduos devem dividir R$30 e caso não cheguem a um comum acordo ambos ganha zero. Sabe-se que o indivíduo 1 é neutro a risco, ou seja, tem uma função utilidade linear para dinheiro e que o individuo 2 é avesso a risco e sua função utilidade é representada pela raiz quadrada de seus ganhos monetários. Assim, pela solução de barganha de Nash, a alocação seria R$20 para o indivíduo 1, R$10 para o indivíduo 2.

Na tentativa de se estabelecer leis de falência adequadas para a realocação de recursos na economia a abordagem por teoria dos jogos pode encontrar alguns entraves, em especial na definição da função utilidade dos participantes, ou ainda, com base no exemplo de Myerson, o indivíduo 2 pode não achar essa uma divisão muito justa. Ademais, se assumida a hipótese de neutralidade a risco e definido valores iguais para os agentes no ponto de desacordo, a solução de Barganha de Nash é simplesmente a divisão por ganhos iguais, não sendo necessário recorrer a maiores sofisticações (THOMSON, 2003).

Na próxima seção serão apresentadas e debatidas as principais questões presentes na literatura sobre projetos de leis de insolvência, enfatizando como esses assuntos são derivados da definição inicial do problema e a importância de leis formalmente estabelecidas para coordenar os agentes. Com isso, será possível avaliar quais os enfoques são mais adequados para modelar e solucionar as questões derivados do problema.

5. Projetando leis de falência

Segundo Araújo & Funchal (2006), em linhas gerais, as leis de falência existem para evitar problemas de não coordenação entre os credores, estabelecer as regras em caso de quebra de contratos, bem como definir as estratégias e prioridades de pagamento dos credores. Hart (1999) amplia esses objetivos afirmando que as leis de falência têm ainda um importante papel

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mesmo antes que as empresas se tornem insolventes. Para o autor, as leis têm um impacto na decisão das firmas no que se refere à tomada de créditos, bem como na decisão das instituições financeiras em concedê-los.

Assim, as teorias sobre o projeto de leis de falência passam a enfatizar questões como: definição da prioridade de pagamento dos credores, mecanismos para maximizar o valor do patrimônio a ser dividido entre os credores, uso de penalidades para minimizar a ocorrência de fraudes e investimentos com grandes chances de insucesso e existência de outras alternativas para o futuro do insolvente além da liquidação.

Devido a particularidades nos contratos de concessão de crédito e prestação de serviços ou venda de materiais, é possível definir diferentes categorias de credores, que se distinguem em especial por suas diferentes prioridades de pagamentos. Para entender esse problema, Bebchuk & Fried (2001), ressaltam duas categorias básicas de credores: os credores com garantia real, e os credores quirografários (ou sem garantia real).

Os credores com garantia real são assim sugestivamente chamados, pois para a concessão do crédito é exigida uma caução do eventual devedor como garantia de ressarcimento caso o respectivo pagamento da dívida não seja efetuado. Por outro lado, os créditos quirografários ou sem garantida real não fazem exigência de caução. Logo, fica evidente que em caso de falência do devedor, os credores com garantia real têm prioridade de pagamento (maior senioridade) sobre os credores sem garantia. Esse fato é conhecido na literatura com ‘regra da prioridade absoluta’ (absolutely priority rule) (BEBCHUK, 2002). Todavia, além dessas duas classes de credores apresentadas, também existem outros tipos de credores, como os créditos trabalhistas ou derivados de acidentes de trabalho, créditos tributários, fiscais etc. Todas essas modalidades de credores apresentam diferentes prioridades de pagamento, a depender do perfil e dos objetivos da legislação4.

Então, uma legislação pode estabelecer como se dará a divisão dos ativos entre as classes de credores e também intraclasse, definindo a regra de falência para cada caso, bem como a prioridade de pagamento dos credores, de modo que as classes de menor prioridade só seriam pagas se as reivindicações da classe anterior fossem atendidas por completo e ainda existissem recursos do devedor para serem repartidos. Assim, como base na definição 2 do problema de falência, poder-se-ia definir a forma de pagamento adotados por uma legislação. O conjunto N = {1,...,n} representaria o conjunto total de credores, sendo este particionado em m partes correspondentes as m diferentes classes de credores existentes, as quais são definidas pelo conjunto M={1,...,m}, tal que, NA Mj =∈ . Além disso, o montante repartido por cada classe

corresponderia a: }c),Emin{(EEjAi

ijk

kMj ∑∑−=∈<

∈ , tal que ∑=∈ Mj

jEE , ∑=∈ Mj

jii cc e E0 ≡ 0.

Então a lei que determina a forma de repartição seria representada por uma funçãoj

iMj

MjMjMjjAi x)c ,E,(Af =∈

∈∈∈

∈ , onde o índice i indica o credor dentro de uma classe especifica, e o índice j indica a classe. Essa função, ou seja, a forma com que os recursos serão repartidos dentro de cada classe de credores pode variar com isso ter-se-ia:

=

=

=

∈∈

∈∈

∈∈

mAi

mmm

mAi

2Ai

222

2Ai

1Ai

111

1Ai

mm

22

11

x)c ,E,(Af

x)c ,E,(Af

x)c ,E,(Af

4 Por exemplo, o objetivo central expresso pelo sistema de insolvência inglês é proteger os credores, já o objetivo central do sistema francês é preservar os empregos e manter a firma em funcionamento. (Davydenko & Franks, 2008). Com isso, fica evidente que as leis devem estar alinhadas com as metas governamentais de modo a alcançar os resultados esperados de forma mais eficiente.

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Para ilustrar essa questão do projeto de uma legislação, será modelado o critério de divisão estabelecido pela legislação de falência brasileira nos moldes apresentados e em seguida será realizado um exemplo numérico ilustrando a questão.

Como base no Artigo 83 da lei de falência Brasileira (Lei 11.101) tem-se que o pagamento dos créditos prioriza em ordem: o pagamento dos créditos trabalhista em até cento e cinquenta salários mínimos; em seguida, o pagamento dos credores com garantias reais, os tributos e, por fim, os demais créditos quirografários (sem garantia real). Todavia, quando não houver recursos suficientes para o pagamento de todos os credores na totalidade dos seus créditos, o montante obtido será rateado entre eles, proporcionalmente ao valor dos respectivos créditos, respeitando a prioridade estabelecida.

É possível agrupar os credores em três categorias básicas, como estabelece a lei, são elas: credores trabalhistas, credores com garantia, credores quirografários. Então a Lei brasileira no que tange o pagamento dos credores seria definida por:

==

==

==

3i

3i

333

3i

2i

2i

222

2i

1i

1i

111

1i

cx)c ,E,(ADP

cx)c ,E,(ADP

cx)c ,E,(ADP

λ

λ

λ

Imagine o seguinte exemplo: o conjunto M é formado por três categorias de credores M={credores trabalhista, credores com garantia, credores quirografários}, cada uma com 5 indivíduos os quais têm créditos de mesmo valor. Ao primeiro grupo é devido um total de $100 mil, para o segundo é devido um total de $200 mil e ao terceiro também é devido um total de R$ 200 mil. Por sua vez, o patrimônio (E) da firma é avaliado em $400 mil. Então, com base na legislação brasileira, primeiro são pagos os credores trabalhistas proporcionalmente, ao valor de

seus créditos. Neste caso especifico, eles serão pagos integralmente, pois, ∑=∈ 1Ai

1i1 cE , assim,

cada credor trabalhista receberia 20 mil reais. Em seguida, são pagos os credores com garantia real. Novamente, para os valores propostos no exemplo, os credores com garantia real são pagos

integralmente, pois, ∑=∈ 2Ai

2i2 cE , assim cada credor com garantia real receberia 40 mil reais. Por

fim, com o montante restante, E3=100 mil, cada credor quirografária receberia apenas 20 mil, não sendo assim ressarcidos por completo.

===

===

===

mil cx)c ,E,(ADP

mil cx)c ,E,(ADP

mil cx)c ,E,(ADP

3i

3i

333

3i

2i

2i

222

2i

1i

1i

111

1i

20

40

20

λ

λ

λ

Logo, fica claro que devido à limitação no valor do patrimônio a ser dividido, algumas classes de credores menos prioritárias não seriam reembolsadas por completo, ou até mesmo correriam o risco de não serem ressarcidos. Assim, baseados no principio da monotonicidade, é evidente que os agentes se preocuparão e exigirão mecanismos legais que aumentem o valor de E ou simplesmente o preserve.

Como o problema de falência está fundamentalmente ligado com a venda dos ativos do devedor por meio da liquidação judicial, mecanismos como leilões, ou até mesmo compensação de créditos (quando o credor também tem obrigações com o devedor) são apontados como possíveis estratégias a serem utilizadas.

Bebchuk & Fried (2001) ressaltam ainda um outro ponto: a relação entre o valor do bem dado como caução, no caso dos créditos com garantia real, e o real valor da dívida. Para os autores, o primeiro passo para o pagamento dos credores de forma equitativa está na avaliação desses bens. Isso ocorreria, pois, muitas vezes, o valor da caução supera o valor do crédito devido. Assim, por exemplo, se a caução for transferida integralmente ao respectivo credor restarão menos recursos para ressarcir os demais créditos quirografários.

Para solucionar esse impasse é proposta então a redefinição da categoria créditos com garantias reais, para uma categoria denominada de nonrecourse loan. Essa redefinição consiste

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em dividir o crédito com garantia em duas partes: a com garantia, e a sem garantia. A parte segurada do crédito corresponderia ao valor mínimo da avaliação da caução chamada aqui de L, ou valor da dívida ci, ou seja, min{L, ci}. Por sua vez, a parcela não segurada do crédito seria equivalente ao máximo entre o valor da dívida menos o valor da avaliação do bem ou zero, ou seja, max{ci-L, 0}. O objetivo dessa nova classificação seria reduzir o conflito entre as categorias de credores permitindo uma avaliação adequada da caução, a qual poderia ser feita por meio de leilões, por exemplo. Ademais, para evitar discordâncias na avaliação é sugerido que o credor participe do leilão, podendo realizar lances pelo bem os compensando com o valor do seu crédito.

Todavia, em caso de impedimentos legais para a venda do bem, uma alternativa seria o pagamento dos créditos com garantias reais em sua totalidade (se possível) com os ganhos futuros da firma. Já nos casos onde o bem não pode ser vendido individualmente, isto é, a empresa falida é avaliada como uma única unidade produtiva, novos modelos são propostos para a avaliação da firma, esses modelos apresentados por Bebchuck (2000) e Hart et al (1997) e propõem a utilização de opções e leilões em múltiplas etapas, respectivamente.

Por sua vez, a questão da preservação do valor do patrimônio se justifica, pois, gerentes ou donos de firmas em dificuldade financeira ou na eminência de falência podem ser mais propensos a realizarem investimentos com grande chance de insucesso, ou até mesmo fraudes (HART 1999).

Pela existência do risco moral por parte dos gerentes ou donos de firmas falidas, as legislações já passam a estabelecer sanções para os indivíduos que agirem dolosamente para a falência da empresa, ou que realizarem atos ilícitos durante a gestão. Essas penalidades podem ser tanto de natureza civil (como por exemplo, a impossibilidade de administrar bens de terceiros e/ou assumir cargos de gerência durante um período arbitrado e multas), quanto sanções de natureza penal.

Como dito no início da seção, as leis de falência também devem se preocupar com a saúde financeira das firmas antes que essas entrem em um estado de insolvência como o objetivo de preservar o mercado de crédito. Por isso, em muitas nações, também há uma atenção dos legisladores em estabelecerem penalidades para os gestores que não informam as cortes de falência um estado de dificuldade financeira ou falência eminente. Deste modo, o juiz de falência poderia indicar, em tempo hábil, especialistas para avaliarem as condições de negócio da empresa e as possibilidades de reorganizá-la, sem a necessidade do decreto da falência.

Povel (1999) afirma ainda que, se não existirem penalidades adequadas, os agentes responsáveis pela solicitação da falência podem adotar um estratégia, denominada pelo autor de “esperar e rezar” (wait and pray), tentando esconder as dificuldades financeiras e manter a firma em operação até que a situação melhore.

Vale ressaltar que o estado de insolvência não indica necessariamente inviabilidade ou ineficiência econômica. Uma empresa pode se encontrar em dificuldades financeiras por má administração ou por uma crise de caráter temporário em algum setor da economia, fatos estes que podem ser solucionados. Além disso, em alguns casos, os recursos produtivos podem ser melhor aproveitados se permanecerem de posse da firma, em lugar de serem realocados por meio da liquidação para outras atividades produtivas, preservando ainda o valor dos bens intangíveis.

A falência de algumas organizações também pode provocar alterações negativas em mercados de concorrência imperfeita, como alteração nos preços, problemas de abastecimento ou prestação de serviços, o que ressalta a importância de outra alternativa para o caso de falência além da liquidação. Tais alternativas são a recuperação judicial, e em alguns casos a acordos extrajudiciais entre os credores e o devedor.

Em linhas gerais, a recuperação judicial consiste na manutenção da firma em funcionamento (apoiada por especialistas indicados pelo juiz de falência ou pela comissão de credores) e ressarcimento das respectivas obrigações com os ganhos futuros obtidos da atividade econômica (BEBCHUK & FRIED, 2001).

Entretanto, Araújo & Funchal (2005), destacam que o processo de recuperação judicial traz dois problemas conhecidos como problemas de filtro (Filtering Failure), que são: firmas que deveriam ser reestruturadas, ou seja, firmas economicamente eficientes são liquidadas - Erro Tipo

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I; e empresas que deveriam ser liquidadas, isto é, empresas economicamente ineficientes entram em um processo de reorganização - Erro Tipo II. Além disso, os autores afirmam que identificar em qual estágio a firma se encontra – se a firma é economicamente eficiente ou não – nem sempre é uma tarefa fácil, exigindo muita rapidez e discernimento do Poder Judiciário e das instituições envolvidas.

Além da recuperação judicial, algumas nações permitem aos credores e ao falido realizarem acordos sem a necessidade da solicitação formal da falência, desde que estes não diminuam o direito de nenhum indivíduo que não participe do mesmo. Neste contexto, o problema de falência é abordado como um problema de barganha entre os credores e devedor. Agora, o ponto de desacordo são os ganhos esperados em caso de solicitação formal de falência, permitindo condições necessárias para os agentes exporem seu poder de barganha e definirem um acordo. Outro ponto positivo dos acordos extrajudiciais está no fato destes não incorporarem os custos legais de uma solicitação de falência formal, nem tão pouco estabelecerem prazos legais indesejados pelas partes.

Todavia, se a recuperação judicial não for bem sucedida, ou o acordo entre credores e devedor não se concretizar, esses podem ser convertidos em um processo de liquidação, sendo a firma vendida nos moldes tradicionais apresentados. 6. Considerações finais

Este trabalho se propôs a realizar uma ligação entre a definição econômica do problema de falência e os principais aspectos abordados para a elaboração de leis. Na literatura econômica, o problema de falência é definido como o processo de alocação dos recursos de um devedor falido entre seus credores, de modo o somatório dos créditos supera o valor disponível.

Como solução para essa questão são, então, propostas regras de falência as quais estabelecem quanto cada credor deveria ganhar do montante total, respeitada a eficiência da alocação, o limite superior dos créditos e o direito dos credores não pagarem as reivindicações dos demais. Todavia, inúmeras regras são capazes de satisfazer essas condições e, por isso, a escolha da regra adequada passa a depender do contexto em que o problema se insere e de algumas propriedades desejadas para uma regra que defini a alocação de recursos, são elas: tratamento igual de iguais, invariância de escala, composição, aditividade, monotonicidade e preservação da ordem.

Por atenderem a essas propriedades, três divisões se popularizaram na literatura: prêmios iguais, perdas iguais e prêmios proporcionais. Dentre estas propostas de alocação, a divisão proporcional mercê um destaque individual, dado que é utilizado como critério de divisão por diversas legislações, como a brasileira, por exemplo.

Também foi exposta a relação dual existente, que passaria de uma análise de divisão de recursos, para uma análise de divisão de perdas (prejuízos). Nesse contexto, a divisão por prêmios iguais tem como dual a divisão por perdas iguais e, por sua vez, o dual da regra proporcional é a própria regra proporcional, destacando ainda mais as suas vantagem de análise.

Outra perspectiva para o problema de falência também foi apresentada. Essa abordagem baseava-se na teoria dos jogos, sendo o problema caracterizado como um jogo de barganha, no qual os ganhos dos agentes são expressos por meio de funções utilidade. Contudo, essa abordagem apresentava algumas limitações, em especial para critérios objetivos na elaboração de leis (como o problema da elicitação da utilidade). Por isso, essas abordagens são mais adotadas no caso da análise de acordos extrajudiciais fora das cortes de falência, evitando custos e prazos legais desfavoráveis. Com isso, os agentes poderiam utilizar seus diferentes poderes de barganha e estabelecerem uma alocação ótima para as partes, desde que não reduzisse involuntariamente o direito de nenhum credor.

Devido as diferentes abordagens que podem ser adotadas ao se analisar o problema de falência e, sobretudo, as questões derivadas de cada uma delas, é possível então definir os principais objetivos que devem ser considerados pelos legisladores. As leis devem definir as prioridades de pagamento dos credores, e critérios para coordenar a divisão dos ativos, buscar

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mecanismos para maximizar o valor do patrimônio a ser dividido, além de estabelecer sanções para os gestores que dolosamente contribuírem para a falência da empresa. Ademais, outras estratégias além da liquidação, como a reorganização e os acordos extrajudiciais também devem ser considerados, em especial, devido aos objetivos estabelecidos pelo governo e os impactos negativos de uma eventual falência do devedor sobre o mercado. Essas medidas têm como fim, preservar o mercado de créditos e maximizar o bem-estar econômico, garantindo empresas economicamente viáveis e eficientes em funcionamento no mercado.

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