da borracha às turbinas: a produção do espaço de porto velho – ro

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA TEREZA CRISTINA DA SILVA VILLELA DA BORRACHA ÀS TURBINAS A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO - RO PORTO VELHO - RO 2008

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Page 1: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

TEREZA CRISTINA DA SILVA VILLELA

DA BORRACHA ÀS TURBINAS

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO - RO

PORTO VELHO - RO

2008

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

TEREZA CRISTINA DA SILVA VILLELA

DA BORRACHA ÀS TURBINAS

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO - RO

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Título de Mestre. Área de Concentração: Amazônia e Política de Gestão Territorial Linha de Pesquisa: Gestão do Território

PORTO VELHO - RO

2008

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Ficha Catalográfica

Bibliotecária responsável: Eliane Gemaque - CRB 11-549

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Villela, Tereza Cristina da Silva.

V735b

Da borracha às turbinas: a produção do espaço de Porto Velho - RO / Tereza Cristina da Silva Villela – Porto Velho, 2008.

106p.

Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia. Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Rondônia, 2008.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Santos

1. Cidade. 2. Amazônia. 3. Sociedade. 4. Planejamento. I. Título.

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v

Aos meus amores: Luciano, sempre ao meu lado e nossa filha Sofia, que enche nossos dias de alegria.

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vi

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Carlos Santos, pela orientação, pelo saber compartilhado, por seus ensinamentos não só em Geografia, mas de vida, exemplo de simplicidade e sabedoria.

Aos professores do Programa de Pós-graduação em Geografia/UNIR, pelas aulas em que aprendi muito do que transcrevo neste trabalho.

À Prefeitura do Município de Porto Velho, Secretaria de Planejamento e Coordenação – SEMPLA, pelo incentivo, pelo material disponibilizado, pela convivência.

Aos colegas do mestrado, amizades que levarei pra sempre no coração, amigos que me incentivaram, apoiaram e me fizeram acreditar mais em mim mesma.

Aos meus pais que mesmo de longe me incentivaram, acreditando, depositando seu amor, carinho e afeição, amo muito vocês.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho foi refletir sobre o crescimento urbano e a

conseqüente exclusão social no espaço da cidade, decorrente da falta de infra-

estrutura, que tem como implicação a fragmentação deste espaço, formando

novas territorialidades. Procurou-se exemplificar o urbano na Amazônia a partir

da cidade de Porto Velho (RO), buscando aclarar a relevância dos Planos

Diretores como instrumento de política pública fundamental para o

desenvolvimento do município, assim como, a importância da participação

popular para que a teoria de cidade ideal seja levada à prática, processo que

necessita dos diversos atores que compõem a sociedade, na busca por um

desenvolvimento real, que respeite a cultura e os anseios dos povos e suas

localidades, incentivando o processo participativo objetivando o

desenvolvimento sustentável.

Adotou-se o método descritivo-reflexivo, pautado num estudo bibliográfico. Os

resultados do estudo mostram a real necessidade da continuidade do processo

de planejamento para eficácia dos Planos Diretores.

Palavras-Chave : Cidade, Amazônia, Sociedade, Planejamento

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viii

ABSTRACT

The goal of this work was to reflect about the urbane growth and the

consequences of social exclusion in the city space, as a result of lack of

infrastructure, what causes the fragmentation of this space and creates new

territories. This research fitched to exemplify the urbane area of Amazonia,

starting from Porto Velho city (RO), trying to make clear the importance of the

Major Planning as a public politic instrument, essential to the development of

the country, as well as, the importance of the popular participation to practice

the theory of ideal city, process that requires that everybody in the society be

engaged with the searching of a real development, that respects the culture and

the longings of the people and their localities, encouraging the participative

process, with the objective of sustainable development.

The method adopted was the descriptive-reflexive, based in a bibliography

study. The results of this study showed the real necessity of the continuous

planning process in order to get efficient Major Plannings.

Keywords : City, Amazônia, Society, Planning

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ix

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ....................................... ........................................................14

INTRODUÇÃO.....................................................................................................17

CAPÍTULO I

1. CONCEITUALIZANDO ESPAÇO E URBANIZAÇÃO ........... ..........................20

1.1. O Urbano como Espaço Vivido .....................................................................25

CAPÍTULO II

2. CIDADE – ESPAÇO GLOBALIZADO ..................... ........................................29

CAPÍTULO III

3. PORTO VELHO: CIDADE DA AMAZÔNIA................. ....................................40

3.1. Formação Urbana .........................................................................................50

CAPÍTULO IV

4. INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO URBANO ............. ..........................72

CAPÍTULO V

5. PLANOS DIRETORES DE PORTO VELHO – 1990-2008 ..... .........................81

5.1. Um novo Plano Diretor – PD/2008 ................................................................89

5.2. O que mudou em 18 anos.............................................................................93

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ................................................100

REFERÊNCIAS .................................................................................................103

Page 10: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

x

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 01: Estado de Rondônia............................................................................40

Figura 02: EFMM – Trajeto ao lado do trecho encachoeirado do Rio Madeira ....42

Figura 03: América do Sul – Área Geo-econômica de influência da EFMM.........44

Figura 04: Localização de Porto Velho ................................................................45

Figura 05: Limites.................................................................................................46

Figura 06: A cidade ..............................................................................................47

Figura 07: Área do complexo ferroviário de Porto Velho - 1908...........................48

Figura 08: Avenida Presidente Dutra – 1950 .......................................................50

Figura 09: Imagem Aérea Praça Madeira-Mamoré ..............................................51

Figura 10: Armazenamento e Transporte da Borracha ........................................52

Figura 11: Evolução urbana .................................................................................58

Figura 12: Perímetro até 2008 .............................................................................59

Figura 13: Zoneamento PD/1990 .........................................................................88

Figura 14: Zoneamento PD/2008 .........................................................................97

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xi

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 01: Porcentagem de População Total das Capitais.................................60

Gráfico 02: Classes de Rendimento nominal mensal...........................................67

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 01: Taxa de Crescimento Populacional....................................................55

Tabela 02: População residente segundo zona de localização............................57

Tabela 03: Perfil do quadro habitacional ..............................................................67

Tabela 04: Déficit/Inadequação Habitacional .......................................................67

Tabela 05: Crescimento Populacional / Bairros ...................................................69

Tabela 05A: ZONA 1 ...........................................................................................69

Tabela 05B: ZONA 2............................................................................................69

Tabela 05C: ZONA 3............................................................................................70

Tabela 05D: ZONA 4............................................................................................70

Tabela 05E: ZONA EXTENSÃO URBANA...........................................................70

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xii

SIGLAS E ABREVIATURAS

APA - Área de Proteção Ambiental

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

CAERD – Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia

CEPAM - Centro de Estudos e Planejamento em Administração Municipal

Domitotal – Domicílio Total

Domiurb – Domicílio Urbano

Domirural – Domicílio Rural

EFMM – Estrada de Ferro Madeira Mamoré

ENDUR - Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano –

FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

FUNASA - Fundação Nacional de Saúde

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços

IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano

ISSQN - Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza

ITUC/AL - UFPE - Programa Latino Americano de Conservação Integrada Urbana

e Territorial da Universidade Federal de Pernambuco

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPPUR/UFRJ – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da

Universidade Federal do Rio de Janeiro

MA - Macrozona Ambiental

MR - Macrozona Rural

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MU - Macrozona Urbana

ONG – Organização Não Governamental

OMS - Organização Mundial de Saúde

PAC - Plano de Aceleração do Crescimento

PD – Plano Diretor

PNAFM – Programa de Modernização da Administração Tributária e de Gestão

dos setores Sociais Básicos, Fiscal dos Municípios Brasileiros

Pop – População

Poptotal – População Total

Poprural – População Rural

Popurb – População Urbana

Saneam – Saneamento

SEMPLA - Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação de Porto Velho

SEMTRAN – Secretaria Municipal de Trânsito de Porto Velho

SEMUR – Secretaria Municipal de Regularização Fundiária e Habitação de Porto

Velho

UEP – Unidade Especial de Planejamento

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a

cultura

USP - Universidade de São Paulo

ZA - Zona Atacadista

ZEIS - Zonas de Interesse Social

ZI - Zona Industrial

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DA BORRACHA ÀS TURBINAS

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE PORTO VELHO – RO

APRESENTAÇÃO

Em agosto de 2001 chegamos a Rondônia, eu Arquiteta e Urbanista, meu

esposo Engenheiro Civil, profissionais em busca de novas oportunidades de

trabalho como tantos migrantes que vêm das diversas regiões do país. A primeira

vez em Porto Velho, o estranhamento foi muito, nunca havia sentido calor

tamanho, a região sudeste onde nasci, mesmo no verão, é gostoso ficar à

sombra, aqui, nem nela me refrescava, mas o ser humano se adapta, e já se vão

7 anos.

Quando passei a conhecer a cidade, algumas situações chamaram muito a

atenção: os vazios e contrastes urbanos, fruto da especulação imobiliária e

evidências de uma cidade com muito a se desenvolver, a Estrada de Ferro

Madeira Mamoré - EFMM ao lado do majestoso Rio Madeira, local que conta um

pedaço da história , eu estava na Amazônia, e no entanto a cidade me pareceu

árida, cinza, não havia verde a não ser em poucas avenidas, ou que me afastasse

alguns quilômetros. O homem destruindo a natureza para criar seu ambiente, uma

insensatez.

O descaso com a arquitetura e história, seu mais belo patrimônio, a

Estrada de Ferro, deixado ao dará me incomodou e aumentou a vontade de

continuar os estudos em arquitetura, levando-me a buscar um curso a distância,

visto que a cidade não oferecia nada nessa área, iniciei uma pós-graduação em

Gestão do Patrimônio Cultural1 e o objeto de estudo seria a Madeira Mamoré.

Durante esse estudo busquei sua história, que se mostrou a própria história do

surgimento da cidade de Porto Velho e o início de seu desenvolvimento urbano. A

localização no centro da cidade exigiu diretrizes que a considerassem como fator

de valorização do habitante local e de sua história. A partir desse estudo, na

1 Gestão do patrimônio cultural integrado ao planejamento urbano da América Latina - ITUC/AL - Cátedra UNESCO – UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. Monografia apresentada pela autora: Complexo Ferroviário de Porto Velho - Diretrizes para Uso do Espaço (Orientadora: Vera Milet).

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busca por informações, conheci muitas pessoas que tinham o mesmo anseio em

contribuir para o desenvolvimento da cidade de Porto Velho, e principalmente

para que esta tivesse seu patrimônio preservado. E foi através desses ideais

comuns com interesses comuns que fui trabalhar na prefeitura municipal e, 2005,

iniciando na recém criada Secretaria Municipal de Regularização Fundiária -

SEMUR, onde conheci a situação fundiária e habitacional catastrófica da cidade.

Elaborar os projetos arquitetônicos talvez fosse a etapa mais simples, pois o

processo para viabilização desses projetos era por demais burocratizada. Mas dei

minha contribuição dentro do meu conhecimento do que sejam moradias dignas,

hoje construídas e habitadas.

Devido ao trabalho já iniciado com a Madeira Mamoré, fui convidada a

participar da elaboração de um projeto de revitalização desta, que a então

administração municipal tinha como promessa de campanha, e passei a trabalhar

na Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação - SEMPLA, onde tive a

oportunidade de colocar meus estudos sobre a EFMM em prática e fazer parte do

Projeto de Revitalização do Complexo Madeira Mamoré de Porto Velho, trabalho

árduo, pois no início éramos apenas dois arquitetos e desenvolvemos toda a

proposta que hoje está sendo executada e já conta com novos integrantes na

equipe para detalhar os projetos que traçamos desde o início.

Devolver o espaço ao uso de sua população, tornando-o um difusor de

cultura, história e motivo de orgulho do portovelhense de todo o Estado foi o

partido adotado.

O trabalho como arquiteta na prefeitura me levou a conhecer melhor as

necessidades da cidade e os anseios tanto políticos quanto da população e

constatar que muitas vezes eles são distintos. Ter a oportunidade de projetar

melhorias para essa cidade foi colocar em prática a verdadeira arquitetura, a de

viabilizar espaços de convívio, de relações humanas, buscando a integração de

classes nos espaços públicos livres e a melhoria de conforto nos de serviços.

Munida de certo conhecimento sobre a cidade que havia escolhido para

morar, decidi continuar os estudos e para isso ingressei no mestrado da UNIR,

mas não foi tão simples, primeiro fiz um projeto com a temática voltada para as

questões culturais, com intenção de ampliar os estudos na área do patrimônio de

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um estado novo como Rondônia, seria um desafio, mas esse projeto não foi

aceito. Foi questionando sobre a importância dessa temática que conheci uma

pessoa que seria de grande importância na minha vida acadêmica a partir de

então, meu orientador e amigo, Prof. Dr. Carlos Santos, que me levou a enxergar

o quanto seria interessante tratar da questão do desenvolvimento urbano e

passou a me indicar leituras que me fizeram chegar ao tema desta dissertação;

teoria esta, que eu trazia como lacuna e busquei preencher na geografia e

acredito que obtive êxito.

Entrar para o mestrado foi uma conquista e no seu decorrer pude aprender

o quanto a geografia é ampla e o quanto as profissões se completam, pois ali, no

meio de tantos geógrafos, me sentia acolhida como arquiteta, pois muitas áreas

do conhecimento são comuns.

As disciplinas cursadas contribuíram imensamente para que o trabalho se

desenvolvesse de forma sólida. Foram elas: Teoria da Geografia, Cultura e

Populações Amazônicas, Métodos quantitativos e Modelagem,

Geoprocessamento e Cartografia, O Estado e as Políticas Públicas na Amazônia,

Urbanização na Amazônia.

Durante o mestrado tive um motivo ainda maior para desejar o

planejamento e desenvolvimento sustentável dessa cidade, pois aqui nasceu

minha filha Sofia, em dezembro de 2007, portovelhense, rondoniana.

Estudar a cidade de Porto Velho, sua evolução urbana e os seus Planos

Diretores somaram-se aos anseios já existentes da minha vida profissional em

contribuir para a melhoria da qualidade de vida nos espaços reprojetados e é o

que espero ter alcançado.

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17

INTRODUÇÃO

A urbanização crescente do planeta é fato. Cada dia mais as

cidades precisam dar conta de abrigar pessoas, que precisam de condições

mínimas de vida, como habitação digna, isto é, uma construção adequada,

provida de saneamento, urbanização e planejamento, que proporcione o acesso

ao trabalho, transporte público, aos equipamentos públicos que devem estar

presentes na cidade, enfim o espaço de todos e de cada um. Mas, não é isso que

vemos em nossas cidades, pelo contrário, elas crescem de forma desordenada,

insalubre, sem proporcionar à grande parte de seus habitantes um mínimo de

dignidade urbana.

O espaço urbano vem crescendo rapidamente nas últimas décadas e as

políticas públicas constroem instrumentos de gestão, como o Plano Diretor, porém

não os coloca em prática por falta de planejamento. Assim, grande parte dos

habitantes das cidades tem seus direitos de morar e viver dignamente ultrajado,

postos de lado, enquanto outros se isolam em muros que prometem segurança,

lazer e bem-estar, os condomínios fechados. Este é o caminho de um

desenvolvimento sem planejamento.

Dessa forma, torna-se imprescindível formular políticas públicas que

viabilizem o desenvolvimento sustentável das cidades e possibilite a eficácia dos

Planos Diretores, o mais precioso instrumento na luta contra o crescimento

desigual.

Pretende alçar a discussão sobre a importância do indivíduo em tempos de

globalização, do pensar no coletivo para a melhoria do espaço de viver, da

participação popular no processo de construção das diretrizes de

desenvolvimento do espaço cidade.

A pesquisa tem como objetivo analisar a expansão urbana do município de

Porto Velho através de seus Planos Diretores e as conseqüências desta

expansão na qualidade de vida da população, ressaltando sua condição de

cidade na Amazônia. Esse desenvolvimento é mostrado através de mapas,

gráficos e dados, tendo como fonte de dados, principalmente o do IBGE e a

Page 18: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

18

Prefeitura do Município de Porto Velho, demonstrando estatísticas, crescimento

populacional e urbano.

Para atender aos objetivos propostos da pesquisa, o método adotado foi o

analítico-descritivo, o qual contemplou o levantamento bibliográfico e documental.

A análise constituiu essencialmente de Revisão Bibliográfica e análise

documental e informações disponíveis sobre o tema em questão, quais sejam:

1ª etapa: Revisão de literatura – leitura e desenvolvimento de textos a partir de

literatura selecionada sobre o assunto em estudo: espaço urbano, gestão

pública, desenvolvimento sustentável, conforme bibliografia citada. O

levantamento bibliográfico é um tipo de pesquisa de caráter exploratório,

sendo realizado com a intenção de se obter conhecimentos a partir de

informações já publicadas, desta forma, este tipo de pesquisa consiste no

exame de produções já registradas.

2a etapa: Análise documental: Estatuto das Cidades, Plano Diretor do

Município de Porto Velho, medidas políticas que tenham relação com o espaço

urbano. Análise das informações urbanas, quais sejam, mapas urbanos e

pesquisas do IBGE.

3a etapa: Análise dos dados obtidos com as pesquisas, apontamento de

qualidades e fraquezas do processo em desenvolvimento, diagnóstico da

situação atual.

Utilizamos como arcabouço teórico, obras de importantes geógrafos, como,

Milton Santos e David Harvey, assim como, as reflexões provenientes dos

inquietantes diálogos com o professor e orientador deste trabalho, Carlos

Santos.

O texto elaborado a partir da pesquisa teórica documental, estruturou-se

em cinco capítulos. No primeiro apresentamos os conceitos que norteiam o

trabalho, as discussões teóricas acerca do espaço e da urbanização e seus

processos transformadores.

O capítulo dois traz essa discussão para a escala da cidade que a cada dia

torna-se mais globalizada e delineia sobre a vida nesse espaço de contrastes

tendo o homem como ator e receptor dessas mudanças.

Page 19: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

19

O terceiro capítulo situa Porto Velho e sua história de cidade da Amazônia,

seu apogeu com a borracha e o declínio em seguida, seu desenvolvimento

urbano, população e os novos empreendimentos que vêem acelerar o processo

de urbanização.

No quarto capítulo são abordados os instrumentos legais que norteiam o

desenvolvimento sustentável das cidades, sendo o mais pertinente o Plano

Diretor.

No quinto e último capítulo analisamos os dois Planos Diretores de Porto

Velho, um de 1990 que vigorou até a conclusão do atual, em 2008.

Nas considerações finais buscamos o encontro da teoria e prática aqui

analisadas através da evolução da cidade e os resultados obtidos com esta

análise.

Procuramos com esse trabalho, contribuir para o diálogo entre a cidade e

seu habitante, sabendo que este é um longo processo e acreditando que o mais

importante “é estar consciente dos problemas da vida, desta miséria imensa que

precisa ser eliminada” , palavras do arquiteto Oscar Niemeyer (2000) que temos

como referencial de arquitetura, assim como temos a Milton Santos na geografia.

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20

CAPÍTULO I

1. CONCEITUALIZANDO ESPAÇO E URBANIZAÇÃO

Teorizar sobre o espaço não é tarefa fácil, embora ele esteja presente a

todo instante em nosso cotidiano. Sua conceitualização é referência teórica para

que possamos estudar, por exemplo, o urbano. Para M. Santos (2006, p.63), que

dedicou grande parte de sua obra ao estudo do espaço geográfico, ele “constitui

um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações” que:

é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois cibernéticos fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina.

Assim, o espaço geográfico é entendido como agente ativo das relações

sociais e do físico, ou seja, um híbrido. Para esse autor, o espaço não é apenas

um reflexo da sociedade, mas um produto desta, é a “morada do homem”, é o seu

lugar de vida e de trabalho, resultado histórico dos conflitos sociais. “(...) sua

tendência é mudar com o processo histórico, uma vez que o espaço geográfico é

também espaço social” (M. Santos, 1986, p.120).

É nele que a vida se desenvolve, sendo que “o espaço geográfico é a

natureza modificada pelo homem através do seu trabalho”, segundo M. Santos

(op. cit., p. 119). E complementa que “o espaço não pode ser apenas um reflexo

do modo de produção atual porque é também reflexo dos modos de produção do

passado” (Idem).

O espaço é uma instância da sociedade. Assim, entendemos por forma o

que é visível, um conjunto formado por objetos, bairro, uma cidade; por função a

atividade desempenhada por esse espaço, a vida no cotidiano, o trabalho, as

atividades imateriais que dão forma aos objetos; e o processo, associado à

estrutura, é, segundo Corrêa (2001, p. 29), “definido como uma ação que se

realiza de modo contínuo, implicando tempo e mudança”.

Os modos de produção tornam-se concretos numa base territorial

historicamente determinada por estes e pelas forças produtivas. As formas

Page 21: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

21

espaciais constituem, dessa forma, sujeito e objeto na produção do espaço

geográfico. Este espaço sofre transformações de acordo com a relação humana,

das necessidades de instrumentalização, da divisão do trabalho. A vida humana

se dá no espaço, nele o homem se instrumentaliza através da alocação de

funções. Assim, ao modificar o espaço de acordo com suas necessidades,

mediante o modo de produção no qual está inserido, resulta que o entendimento

do mesmo, passa pelo estudo de todo o processo histórico de sua formação.

Inclusive, é bom lembrar, a própria condição humana foi produzida por

conta dessa relação com o espaço. Isto é, ao moldar espaços o homem se

moldou enquanto tal. As possibilidades humanas de realização dependem do

acesso ao espaço, então, as possibilidades que a mente humana vislumbra só

são factíveis pelas possibilidades de moldagens que o espaço oferece.

Nas palavras de C. Santos (2004, p.167): “o espaço se tornou mente

através da condição humana”, esse deve ser o lugar de transcendência do

espaço, nós mesmos. E mais, pelo teor do espaço, sua densidade e

complexidade, pode-se dispor de tempos diferentes de duração dos processos,

ou seja, de dinâmicas de realizações. Pois, segundo o mesmo autor (op.cit., p.

37) “O espaço é algo que ao possibilitar o movimento, o tempo, e revelar-se

energia e matéria, torna-se, portanto, uma dinâmica tessitura de possibilidades,

ou de espacialidades produzindo temporalidades”

O espaço geográfico é, então, o meio que possibilita o processo social. É

através da dimensão espacial que ele se expande, abrigando do local ao global e

assim sendo transformado por estes. Segundo C. Santos (op.cit., p.19), o espaço

“é um dado natural apreendido intuitivamente, desse modo, portanto, o espaço

não é construível. Entretanto, o espaço é suscetível de atributos, ou seja, o

espaço pode ser qualificado” (grifo do autor). É esta qualificação que distingue as

localidades e as tornam singulares a partir do modo como seus habitantes usam,

qualificam o espaço, formando espacialidades, incorporando suas dimensões,

entre elas a humana.

E essa é a dimensão que importa ser discutida. A espacialidade enquanto recorte do espaço é o verdadeiro locus da condição humana. Nessa conotação, espacialidade pode ser, inclusive, contraposta à noção de sócio-espaço, quando esta é colocada como expressão de processo. Ou seja, o composto "sócio-espaço" como indicação de processo tanto

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22

social quanto espacial, mistura alho com bugalho. O processo, no caso, é eminente e exclusivamente social, o espacial funciona como condicionante(s) dado(s) naturalmente, passível de transformação em recurso(s) pela ação social. Desse modo, o composto "sócio-espaço" tem sentido naturalizante e/ou positivista, impreciso, híbrido, de péssima formulação. Em suma, o conceito de espacialidade define o resultado da ação humana na(s) circunvizinhança(s) da presença humana. Trata-se de uma visão de transcendência do fato geográfico para o fato exossomático (grifo do autor) (C. SANTOS, Revista Eletrônica Primeira Versão, 2002) 2.

A espacialidade é fruto da ação social e “é, simultaneamente, o meio e o

resultado, o pressuposto e a encarnação da ação e da relação sociais”, conforme

contextualiza Soja (1993, p. 158). E é no espaço urbano que essa espacialidade

social se manifesta.

A Geografia tem a noção de espaço geográfico como a mais abrangente e,

por conseqüência, a mais abstrata. Observamos que na concepção de espaço

geográfico estão contidas diferentes categorias3.

Podemos lembrar algumas das categorias do espaço geográfico; quais

sejam: região, território, paisagem e lugar, em razão de sua relevância no âmbito

da temática urbana e por entender que estão interligadas.

O conceito de Região tem sido bastante questionado por estudiosos, pois é

bem mais amplo do que uma área delimitada da superfície terrestre, uma divisão

político administrativa. Com o avanço da globalização econômica e cultural, a

facilidade de acesso as informações e culturas as características próprias de cada

região se suavizam, tendem a descaracterização, há uma tendência à

homogeneidade.

Corrêa (op.cit., p. 183) fala da origem etimológica do termo região, que

estaria no termo regio, do latim, o qual se referia “à unidade político-territorial em

que se dividia o Império Romano”. Ainda segundo este autor, o fato de seu radical

ser proveniente do verbo regere, governar, atribuiria à região “em sua concepção

original, uma conotação eminentemente política”.

Utilizamos a categoria região para designar lugares semelhantes entre si,

uma área que se distingue das demais por possuir características próprias. A 2 Disponível em http://www.primeiraversao.unir.br/artigo111.html 3 Entende-se por categoria palavras ou conceitos “as quais se atribui dimensão filosófica” ou seja, “produzem significado basicamente não de uso coletivo, mas do sentido que adquirem no contexto de sistemas de pensamento determinados” (Genro Filho, l986).

Page 23: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

23

região está relacionada ao momento histórico e geográfico, por seus traços

físicos, características econômicas, humanas e socioculturais.

Ao falarmos sobre região nos vem o termo regionalização, também

bastante usado na geografia e nas diversas áreas do conhecimento. Acerca deste

termo, Haesbaert (1999, p. 28) afirma que:

Enquanto a região adquire um caráter epistemológico mais rigoroso, com uma delimitação conceitual mais consistente, a regionalização pode ser vista como um instrumento geral de análise, um pressuposto metodológico para o geógrafo e neste sentido, é a diversidade territorial como um todo que nos interessa, pois a princípio qualquer região pode ser objeto de regionalização, dependendo dos objetivos definidos pelos pesquisadores.

Podemos relacionar esta regionalização à globalização, quando objetos de

regiões distantes passam a fazer parte do cotidiano de uma localidade, sendo

regionalizado.

O conceito de território pode ser definido por uma área demarcada onde

um indivíduo, ou uma coletividade exercem o seu poder. O território é o produto

histórico do trabalho humano, que resulta na construção de um domínio ou de

uma delimitação territorial, assumindo múltiplas formas e determinações:

econômica, administrativa, bélica, cultural e jurídica. Segundo M. Santos (1986, p.

189) "a utilização do território pelo povo cria o espaço." Sendo assim, o território

contém o espaço.

Para Moraes (1993) é o “espaço de exercício de um poder” que se tornou

“a área de manifestação de uma soberania estatal, delimitada pela jurisdição de

uma dada legislação e de uma autoridade. O território é assim, qualificado pelo

domínio político de uma porção da superfície terrestre”. Raffestin (1993, p.143)

faz um contraponto à discussão ao salientar que espaço e território são termos

distintos, quando coloca que:

Espaço e território não são termos equivalentes (...) É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.

O espaço torna-se sim território quando dominado pelo homem, é

resultado da ação humana que delimita e detém espaços. O mesmo autor, aborda

a noção de territorialidades através da seguinte conclusão:

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De acordo com nossa perspectiva, a territorialidade assume um valor bem particular, pois reflete o multidimensionamento do "vivido" territorial pelos membros de uma coletividade, pela sociedade em geral. Os homens vivem ao mesmo tempo o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas (RAFFESTIN, 1993, p. 158).

Deste modo o território ganha uma identidade, não em si mesma, mas na

coletividade que nele vive e o produz. Ele é um todo concreto, mas ao mesmo

tempo flexível, dinâmico e contraditório, por isso dialético, recheado de

possibilidades que só se realizam quando impressas e espacializadas no próprio

território, logo trata de considerá-lo como produção humana a partir do uso dos

recursos que dão condições a nossa existência.

A paisagem é tudo aquilo que podemos perceber por meio de nossos

sentidos (audição, visão, olfato e tato), destacando-se a visualização. Divide-se

em natural e construída ou cultural, a natural dispensa apresentações e a

construída são tidas como as interferências do homem, podendo ser rural ou

urbana. A primeira é formada pela atividade agropecuária, fazendo parte da

realidade de propriedades rurais. A segunda é constituída por elementos urbanos

como ruas, avenidas, estradas , praças, viadutos, prédios que se encontram

habitados por pessoas que realizam suas atividades nesse espaço.

Segundo M. Santos (2006, p.103-104)

A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse sentido, a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção horizontal, uma situação única. Cada paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos, providas de um conteúdo técnico específico. (...) A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente. (...) A paisagem existe através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual.

Já Lugar ou local, é, dentre as categorias de espaço a que é melhor

percebida e definida pelo homem através de seus sentidos. Sobre isso, afirma M.

Santos (1986, p. 121) que “lugar é antes de tudo, uma porção da face da Terra

identificada por um nome”, sendo que o conceito de lugar do ponto de vista

psicológico nos é imposto antes do conceito de espaço. Essa concepção nos

aproxima muito do conceito de espaço vivido, entendido como lugar.

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Giddens (1991, p.26-27), escreve que lugar “é melhor conceitualizado por

meio da idéia de localidade, que se refere ao cenário físico da atividade social

como situado geograficamente”. É o lugar que vai expressar a cultura singular de

cada comunidade, cada história, cada desenvolvimento, o que M. Santos (2006,

p.339) afirma: “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de

uma razão local, convivendo dialeticamente”.

É no lugar que as pessoas vivem seu cotidiano e essa vivência não é

substituída pela virtualidade, daí a importância em se valorizá-lo, o lugar, pois “as

pessoas vivenciam apenas uma pequena porção do espaço geográfico, que é

exatamente o lugar”, conforme constata Sene (2003, p.133).

Dessa forma, podemos trabalhar o objeto da geografia, o espaço

geográfico, na dimensão do lugar (espaço vivido).

1.1. O Urbano como Espaço Vivido

Ao estudar o urbano nos deparamos com alguns termos que precisamos

esclarecer; são eles: Urbanismo, Urbanização e Planejamento Urbano.

Urbanização é um conceito geográfico que representa o desenvolvimento

das cidades e urbanismo a disciplina destinada ao estudo desse processo.

(...) O urbanismo, na medida em que possui suas próprias leis de transformação é, pelo menos, parcialmente construído de princípios básicos de organização espacial. O papel específico que o espaço desempenha, tanto na organização da produção como na padronização das relações sociais está consequentemente, expresso na estrutura urbana (...) O urbanismo pode ser visto como uma forma particular ou padronizada do processo social. Esse processo desenvolve-se num meio espacial estruturado, criado pelo homem. A cidade pode, por isso, ser olhada como um ambiente tangível construído – um ambiente que é um produto social (HARVEY, 1980, p. 168 e 265).

A urbanização planejada apresenta significativos benefícios para os

habitantes, porém, quando não há planejamento urbano, os problemas sociais se

multiplicam nas cidades como, por exemplo, criminalidade, desemprego, poluição,

destruição do meio ambiente e desenvolvimento de sub-habitações.

Dentro desse processo, é o planejamento urbano o responsável pela

criação e desenvolvimento de programas que buscam melhorar, planejar, projetar

e revitalizar as cidades, tendo como objetivo propiciar aos habitantes a melhor

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qualidade de vida, lidando basicamente com os processos de produção,

estruturação e apropriação do espaço urbano.

As áreas urbanas concentram a grande maioria das populações; segundo o

censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, pelo

menos 85% da população brasileira vivia em cidades, porém, há dentre estes,

muitos excluídos do espaço, dos benefícios, dos direitos que uma cidade deve

oferecer a seus habitantes; invasores e ocupantes de áreas de risco, inóspitas

para a vida humana, ou, de propriedades públicas e privadas.

Qualquer habitante urbano tem em sua mente a cidade onde mora. Isto é,

“o mapa do espaço-cidade, que cada um de nós traz dentro de si e que constitui o

sedimento inconsciente das nossas noções de espaço e de tempo” (ARGAN,

1993, p.232). Porém, não há a consciência de que esse espaço pertence a cada

um desses habitantes, essa apropriação que faz com que o indivíduo lute por

seus direitos, defenda seu território.

A cidade é feita de pessoas, embora grande parte delas não sinta seu valor

na formação urbana, vêem-se à margem do que constroem, quando poderiam

apropriar-se, usufruir e participar de forma mais ativa desta construção. Extrapola

o limite urbano estabelecido, dificultando o poder público de agir com eficácia na

ampliação de infra-estrutura que atenda a sua totalidade. Muitos cidadãos estão à

margem dos limites e do direito à cidade. São ignorados pela cidade oficial, pois

ocupam irregularmente o solo urbano, o que distancia ainda mais a cidade ideal

da real.

Segundo Argan (op. cit., p.73), “a chamada cidade ideal nada mais é que

um ponto de referência em relação ao qual se medem os problemas da cidade

real”. Mas, se almejarmos o ideal poderemos chegar a ele, pois essa ideologia, na

prática, é o urbanismo. Como defende Lefebvre (2001, p.16), em seu texto “O

Direito à Cidade” constata que o urbanismo como a própria vida urbana

“pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e

reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos

modos de viver na cidade”.

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A urbanidade representa a possibilidade de encontro das diferenças e de

exercício da cidadania, porque a sociedade é multicultural, híbrida; é a via por

onde se qualificam os espaços.

De acordo com a Carta Mundial pelo Direito à Cidade4 (2004-2005):

além de garantir os direitos humanos às pessoas, o território das cidades, seja urbano ou rural, é espaço e lugar de exercício e cumprimento dos direitos coletivos como forma de assegurar a distribuição e uso eqüitativo, universal, justo, democrático e sustentável dos recursos, riquezas, serviços, bens e oportunidades das cidades.

Com o crescimento acelerado e mal planejado, esse ‘exercício dos direitos

coletivos’ parece cada vez mais utópico. A cidade não oferece mais o lazer aberto

e gratuito, não investe em cultura, exemplo disso são os cinemas que viram

igrejas em tantas cidades brasileiras, e essas se proliferam, preenchendo outra

lacuna e proporcionando inclusão e lazer , principalmente a jovens, atingindo

grande parte da população de baixa renda. Os usos vão se transformando,

porque a cidade é espaço em movimento, como descrito por M. Santos:

O dia-a-dia das sociedades gira em torno dos seus objetos fixos, naturais ou criados, aos quais se aplica o trabalho. Fixos e fluxos combinados caracterizam o modo de vida de cada formação social. Fixos e fluxos influem-se mutuamente. A grande cidade é um fixo enorme, cruzado por fluxos enormes (homens, produtos, mercadorias, ordens, idéias), diversos em volume, intensidade, ritmo, duração e sentido. Aliás, as cidades se distinguem umas das outras por esses fixos e fluxos (2002, p 127).

Sobre estes fixos e fluxos, Benevolo (2004, p.13), destaca que “a situação

física de uma sociedade é mais durável do que a própria sociedade e pode ainda

ser constatada – reduzida a ruínas ou funcionando – quando a sociedade que a

produziu já desapareceu há muito tempo”. A estrutura urbana vai se adequando

ao uso, mas guarda a história de seus usos anteriores, das alterações sofridas, o

que M. Santos chama de rugosidade:

Chamemos rugosidade ao que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares. Em cada lugar, pois, o tempo atual se defronta com o tempo passado cristalizado em formas (2006, p.140).

4 A carta mundial pelo direito à cidade é um instrumento dirigido a contribuir com as lutas urbanas e com o processo de reconhecimento no sistema internacional dos direitos humanos do direito à cidade.

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Há uma necessidade visível de uma forma de urbanizar regionalizada, que

considere as características locais, amazônica, pois não se pode importar

paisagens ou reproduzir espaços. A cotidianidade precisa estar expressa no

urbano, na arquitetura, nos espaços públicos e privados, formando a identidade

local, sua singularidade, um espaço socialmente construído.

O urbanismo deve possibilitar a integração dos espaços público e privado,

gerando mais que o simples alcance visual entre os espaços, mas o diálogo entre

as pessoas, inibir a criminalidade, incentivar a participação, a vivência, a

apropriação do espaço pelo cidadão, sem distinção de classe.

Nesse sentido, o urbanismo enseja com suas peculiaridades a discussão

dos atributos que oferecem possibilidades de análise, sendo que Soja (1993,

p.127) contextualiza sobre as espacializações e suas relações entre a geografia e

a teoria social crítica, alcançando a dialética sócio-espacial e conclui que a

história da urbanização torna-se “necessária e centralmente, uma geografia (grifo

do autor) histórica localizada”

O papel social do urbanismo dentro do contexto histórico-geográfico é

reforçado através da teoria de Maricato (2000, p. 168) ao inferir que:

O espaço urbano não é apenas um mero cenário para as relações sociais, mas uma instância ativa para a dominação econômica ou ideológica. As políticas urbanas, ignoradas por praticamente todas as instituições brasileiras, cobram um papel importante na ampliação da democracia e da cidadania. Para começar, quando se pretende desmontar o simulacro para colocar em seu lugar real, os urbanistas deveriam reivindicar a adoção de indicadores sociais e urbanísticos que pudessem constituir parâmetros/ antídotos contra a mentira que perpetua a desigualdade.

São essas políticas urbanas que devem estruturar-se com a participação

popular para uma sociedade mais justa e igualitária.

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CAPÍTULO II

2. CIDADE – ESPAÇO GLOBALIZADO

O espaço urbanizado é a cidade, nosso foco de estudo. Viver na cidade é

conviver com sua estrutura física em constante movimento: bairros, vilas,

avenidas, ruas, praças, construções, marcos, “fixos e fluxos”, homens, mulheres,

crianças, idosos, etnias, tribos, comunidades, religiões, culturas5.

Esse viver é principalmente trocar experiências com um grande número de

pessoas, é seguir horários, necessitar de transportes, equipamentos urbanos,

áreas de convívio, trabalho, habitação, comércio, saúde, educação, lazer; é

aceitar regras, respeitar culturas; sobretudo, quando essa cidade tem como

característica marcante a intensa migração, como é o caso de Porto Velho, capital

do Estado de Rondônia, cidade que abriga diversas culturas em seu espaço,

vidas vindas de todas as partes do país em busca do sonho de uma vida melhor,

pessoas que juntas, com todas as suas contradições compõe a cultura

portovelhense.

Entender o indivíduo dentro do contexto da cidade é começar pela sua

tomada de consciência da mesma. Além de suas formas de relacionamento com

o “outro”, com o grupo e com a própria cidade.

Cada pessoa traz traços de sua história, de sua cultura, uma bagagem de

vivências, características que a tornam única; um ser povoado por lembranças,

memórias de pessoas, lugares, de história, acontecimentos, fatos vividos ou

simplesmente imaginados, porque nosso imaginário também é único, podemos

até confundir o real e o imaginado, o que vivemos e o que nos foi contado, o que

somos e o que queremos ser, o que aconteceu e o que gostaríamos que fosse

verdade, tanto que assimilamos fatos que passam a fazer parte da nossa

verdade, da nossa vida, da nossa história. Mesmo os sonhos, estes também

5 Cultura [Do lat. cultura.] - O conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade. [Nas ciências humanas, opõe-se por vezes à idéia de natureza, ou de constituição biológica, e está associada a uma capacidade de simbolização considerada própria da vida coletiva e que é a base das interações sociais.] (Aurélio Buarque de Holanda)

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fazem parte do que somos, “(...) os sonhos são documentos sobre o estado do

relacionamento social entre nós e nós mesmos.” (MARTINS, 2000, p.66)

A cultura é tudo isso que trazemos, nossos antepassados nossos

aprendizados, nosso imaginário, esse ludicismo nato do ser humano.

A cultura só pode ser lacunar e cheia de buracos, inacabada e mutante. Ela deve continuamente integrar o novo ao velho, o velho ao novo. Daí a necessidade vital de princípios, ao mesmo tempo, organizadores e críticos do conhecimento para contextualizar, globalizar e antecipar (MORIN,1997, p.46).

O homem busca mostrar o que é através da sua imagem. “A exterioridade

é que é importante, aquilo que se vê” (MARTINS, op. cit., p.52). “Todos estão

procurando o sujeito típico ideal e o protagonista típico, que no fundo é irreal”

(MARTINS, op. cit., p.149). Estas afirmações mostram o quão enganado é o

homem na procura de sua socialização, pois para ser aceito ele se despe de si

mesmo e se fantasia na tentativa de parecer com o outro, perdendo sua

autenticidade; tentando ser diferente passa a ser igual, um simulacro, o ser global.

Somos o que buscamos, o que assimilamos, somos parte herança, parte entorno,

presente, consciente e inconsciente.

O diálogo entre as pessoas, entre elas e o lugar, o modo de viver é o ponto

de partida da vida em sociedade, no entanto o individualismo é cada vez mais

crescente, contradizendo tal princípio, estamos sozinhos mesmo que rodeados

por muitas outras pessoas. É o que Morin coloca como as contradições de nós

mesmos:

Introduzo a contradição na idéia de organização, já que esta é, ao mesmo tempo, mais e menos que a soma das partes que a constituem e comporta um antagonismo interno. Da mesma forma, a vida é ininteligível se não utilizarmos o recurso da dialógica: o ser vivo vive na temperatura de sua própria destruição, ele vive de morte e morre de vida, é autônomo-dependente, auto-eco-organizador. A relação entre o indivíduo humano, a espécie e a sociedade é igualmente dialógica: possuímos genes que nos possuem; possuímos idéias e mitos que nos possuem; somos gerados pela sociedade que geramos (MORIN, op. cit., p.62).

A idéia do provisório só faz aumentar a atitude individualista de vida, o

desejo de voltar ao local de origem, tão comum aos migrantes de todas as partes

desencadeia o não amor, a não vida presente para realização do sonho do viver

no lugar de onde saiu.

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Exemplo disso é o prazer que temos quando nos encontramos com um

conterrâneo em terra estrangeira, é como se encontrássemos um cúmplice, um

irmão, alguém que vem da mesma raiz, do mesmo lugar, que sabe o que você

sabe. Assim sentiu Binjamim, ao encontrar uma criança que como ele vivera nos

campos de concentração. “Eram olhos que eu conhecia. Eu os vira milhares de

vezes, no campo e mais tarde também.” “Éramos as únicas crianças que sabiam

a verdade, e podíamos confiar plenamente um no outro...” (WILKOMIRSKI, 1998,

p.189 a 193)

A cidade é o grande abrigo do contraste, sua imagem é a representação do

espaço através de caminhos, bairros, limites, pontos focais e marcos visuais; por

onde quer que passemos haverá uma paisagem ao redor da qual de alguma

forma fazemos parte. Observando-se a cidade através de um trajeto, pode-se

perceber os pontos que atraem na paisagem, que nos fazem mentalizar

caminhos, lugares, pontos importantes, mediante formas, cores, sensações,

aspectos físicos, culturais, contrastes.

A percepção depende também da relação do indivíduo com o local, se ele

é habitante, sua visão estará acrescida do sentimento de morador que tem o

mapa mental da área que vive relacionada às suas atividades diárias; se for

visitante, terá olhos para o novo e fará uma análise muitas vezes generalista e

superficial, mas destacando pontos atrativos do local; por último, se for um técnico

analisará a área em seu conjunto geográfico, ambiente e cidade, malha urbana,

procurando integrar o que observa e seus dados técnicos. São essas imagens

que nos fazem relacionar tempo e espaço, passado e presente, a nossa história e

a história do lugar.

A cidade faz parte da nossa memória como cenário dos acontecimentos.

Voltar a um local onde já estivemos traz-nos diversas lembranças. Sair do local de

origem em busca de novas oportunidades é deixar para trás parte de nossa

história, como nos diz tão claramente Bosi:

O desenraizamento é uma condição desagregadora da memória. (...) Ter um passado, eis outro direito da pessoa que deriva de seu enraizamento. Entre as famílias mais pobres a mobilidade extrema impede a sedimentação do passado, perde-se a crônica da família e do indivíduo em seu percurso errante. Eis um dos mais cruéis exercícios de opressão econômica sobre o sujeito: a espoliação das lembranças (BOSI, 1987, p.362).

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Assim como as pessoas, os lugares também têm sua história, embora haja

um processo de crescente descaracterização urbana.

A malha urbana, os espaços livres e edificados formam os contornos da

cidade, seu traçado. Os espaços livres, sejam estes públicos ou privados, são

espaços de transição, ligando bairros, centro-periferia, habitação-trabalho.

É através deste estudo, do dia a dia da cidade, do seu movimento, do seu

formato, do seu uso, que começam a serem discutidas as intervenções

urbanísticas, pois se alterarmos o uso e movimento de uma determinada área

isso surtirá reflexo por toda a cidade. A paisagem muda a cada dia e essa

transformação contínua faz parte do estudo e da previsão de crescimento ou

intervenção.

A observação da cidade nos faz buscar explicações ao ver os extremos tão

próximos, riqueza e pobreza lado a lado, liberdade e aprisionamento. O menino

do bairro pobre brinca de soltar pipa livre nas ruas de terra ao lado do esgoto que

corre a céu aberto. O menino da classe média joga futebol no computador,

fechado, protegido do mundo lá fora.

Num breve passeio pela cidade de Porto Velho, é possível observar o quão

grande são as disparidades. O processo de gentrificação é acelerado,

impulsionado pela especulação imobiliária crescente. O crescimento expulsa,

exclui, marginaliza, deixa á margem; novos empreendimentos valorizam áreas e

expulsam seus antigos moradores. Essa transferência da população local para

melhorar o nível da região, transfere também a pobreza de lugar, esconde-se o

problema, não o soluciona.

Com a melhoria do uso, das pessoas que detêm os imóveis, busca-se uma

melhor freqüência de pessoas e de giro econômico no local, o que certamente

acontece, mas para favorecimento de poucos. “Todo comércio tem uma função de

domesticação do espaço; vender, comprar, trocar: com estes movimentos

sensíveis os homens dominam verdadeiramente os lugares mais selvagens, as

construções mais sagradas” (BARTHES, 1984, p.68). Vende-se a casa

conquistada com suor, deixando a própria história para traz.

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Visa-se o econômico, mas com benefícios de quem? Se esses valores

fossem aplicados no bem estar social dessa localidade, na melhoria de vida das

pessoas que foram dali retiradas, mas na maioria dos casos o dinheiro vem para

quem já o detém, proprietários, investidores, empresários. O pobre continua

pobre, a disparidade continua clara na imagem da cidade.

Considerar o homem e o local onde ele vive é essencial ao planejamento,

gestão e conservação das cidades, visando seu desenvolvimento sustentável e a

valorização das características específicas de cada local, sua cultura, história,

pessoas.

É a dimensão cultural que diferencia, caracteriza um local, pois está

diretamente ligada ao espaço, à história e aos símbolos locais, distingue a forma

como as pessoas se relacionam com seu meio, e estabelece uma estreita relação

com o desenvolvimento econômico e político local. “Fale de sua aldeia e falará do

mundo”, já dizia Tolstói6, do local para o global.

Com a globalização, o “espaço geográfico ganha novos contornos, novas

características, novas definições e também uma nova importância, porque a

eficácia das ações está estreitamente relacionada com sua localização” (M.

SANTOS, 2000, p.79). Cada lugar procura valorizar suas peculiaridades, afim de

atrair mercados, explorando seus potenciais na procura de diferenciar-se no

espaço global, “nunca o espaço geográfico foi tão valorizado (nos dois sentidos

do termo) como está sendo na atual etapa da expansão capitalista, na era da

globalização, na era informacional” (SENE, 2003, p.126). O lugar, o espaço

definido, objetos e ações de uma comunidade que nele interfere e vive toma

destaque.

O processo da globalização muda a forma de análise do espaço, pois o

local não está sozinho, ele influencia e é influenciado pelas decisões políticas

nacionais, pela economia mundial, pela cultura global. A espacialidade humana é

social, política, cultural, multidimensional e é desse mundo que precisamos dar

6 Liev Tolstói , (09/09/1828 – 20/11/1910) foi um escritor russo muito influente na literatura e política de seu país.

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conta, mundo que detém a espacialidade humana, produto instituído socialmente,

lugar do homem.

Podemos perceber nas palavras de M. Santos que o processo de

globalização dialoga com o local, “não existe um espaço global, mas, espaços da

globalização. O mundo se dá sobretudo como norma, ensejando a

espacialização, em diversos pontos, dos seus vetores técnicos, informacionais,

econômicos, sociais, políticos e culturais” (2006, p.337).

Giddens também analisa a globalização através das relações em

sociedade e da valorização do local.

A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões socias através do tempo e do espaço (1991, p.69).

Entende-se, pois, que as transformações locais são parte desse processo

que é a globalização, mas essa globalização pode ser perversa, segundo M.

Santos (2000, p. 38), pois

há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social.

O mundo global é competitivo, nele, gentileza e solidariedade perdem seu espaço,

a competividade acaba por destroçar as antigas solidariedades, frequentemente horizontais, e por impor uma solidariedade vertical, cujo epicentro é a empresa hegemônica, localmente obediente aos interesses globais mais poderosos e, desse modo, indiferente ao entorno (M. SANTOS, op. cit., p.85).

É justamente o habitante local que deve valorizar seu espaço e não

esperar que o mundo global o valorize, ou a fragmentação não só de seu espaço

físico, mas de sua sociedade pode ser de difícil reversão, pois a globalização que

gera riquezas, gera também pobreza. M. Santos (op. cit.) discute esse tema em

seu texto ‘por uma nova globalização’, onde expõe que antes essa pobreza “era

uma pobreza que se produzia num lugar e não se comunicava a outro lugar”,

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então, “era frequentemente apresentada como um acidente natural ou social”,

diferente da pobreza atual, que é “estrutural globalizada, resultante de uma ação

deliberada”. O espaço global produz o espaço da pobreza e sua disseminação na

busca de capital. Mas o local “pode estruturar alianças estratégicas numa grande

e diversificada rede de cidades e centros econômicos, multiplicando suas

possibilidades” (BUARQUE, 2002, p.39).

Cada vez mais as distâncias são vencidas num tempo mais curto, as

transmissões são em tempo real, as barreiras tempo-espaço são facilmente

transpostas; aliás, já não são mais consideradas barreiras. D. Harvey (1992,

p.190) diz que “o progresso implica a conquista do espaço, a derrubada de todas

as barreiras espaciais e a “aniquilação do espaço através do tempo””. O mundo

está diminuindo, no entanto, quanto menor o mundo, mais comprometida fica a

vida cotidiana, menos tempo temos.

Há aspectos positivos nesse processo, como a inserção das localidades no

comércio mundial, a ampliação das redes de comunicação e muitos negativos,

como o empobrecimento da ação do cidadão neste espaço, o individualismo e

consumismo exacerbado, posto que, juntamente com a globalização cresce o

domínio capitalista, com a predominância da competitividade a qualquer custo e

conseqüente aumento da pobreza, devido ao princípio capitalista de acumulação.

O domínio do espaço físico foi e continua sendo motivo dos maiores conflitos da

humanidade em busca do poder econômico e político.

O termo globalização pode ser recente, mas seu processo não. Segundo

Friedman (2005), em seu texto “O mundo é plano”, ela vem acontecendo há

séculos, e o mundo vem se encolhendo desde então.

Assim, este autor divide o processo de globalização em três eras históricas,

tendo início em 1492, quando Cristóvão Colombo saiu em busca de novas terras

para o comércio. Nesta primeira era da globalização, que teria perdurado até

1800, o tamanho do mundo reduziu de grande para médio, num processo de

integração global e esforços individuais dos paises. De 1800 a 2000 temos a

segunda era, diminuindo o tamanho do mundo de médio para pequeno, sendo

caracterizada pela expansão das empresas multinacionais em busca de

mercados e mão-de-obra; teve dois grandes marcos, a evolução na área dos

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transportes e inovações tecnológicas na área de comunicações. O momento atual

seria a terceira era, que na análise do autor, está encolhendo o mundo de

pequeno para minúsculo, propiciando que o indivíduo e grupos se globalizem. O

ser mais distante está tão próximo, ou mais, que seu vizinho de porta.

O que é intrigante é que quanto mais nos aproximamos do que antes

estava distante, há um desinteresse pelo que está próximo, pelo lugar que se

vive; pela cidade, bairro, a vida em comunidade na busca do bem comum, pelo

seu espaço real. A vida, em grande parte hoje é virtual. Para Harvey,

por meio da experiência de tudo – comida, hábitos culinários, música, televisão, espetáculos e cinema –, hoje é possível vivenciar a geografia do mundo vicariamente, como um simulacro. O entrelaçamento de simulacros da vida diária reúne no mesmo espaço e no mesmo tempo diferentes mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que oculta de maneira quase perfeita quaisquer vestígios de origem, dos processos de trabalhos que os produziram ou das relações sociais implicadas em sua produção (1992, p.270-271).

A virtualidade é um simulacro, pois através dele viajamos o mundo sem

sair do lugar, nos tornamos cidadãos globalizados sem no entanto cruzar

fronteiras territoriais físicas. "O espaço se globaliza, mas não é mundial como um

todo senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais mas não há um

espaço mundial. Quem se globaliza mesmo são as pessoas" (M. SANTOS, 1993,

p.16). O homem moderno é globalizado, e por isso a sua relação com os outros,

com empresas e com o espaço muda.

O espaço, porém, é o cerne de análise das dimensões da globalização.

Giddens (1991, p.74-82) nos fala sobre quatro dimensões da globalização, sendo

a primeira delas a economia capitalista mundial. “O capitalismo foi uma influência

globalizante fundamental precisamente por ser uma ordem econômica e não

política.” Em seguida os sistemas de estado-nação, que “são os atores principais

dentro da ordem política global”.

A ordem militar é a terceira dimensão da globalização citada por Giddens,

dimensão esta que “não se limita obviamente ao armamento e as alianças entre

as forças armadas de estados diferentes – ela também diz respeito à própria

guerra”. A quarta dimensão é o desenvolvimento industrial – “expansão da divisão

global do trabalho”.

Page 37: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

37

Juntas, essas dimensões nos dão um quadro de mudanças ocorridas na

sociedade, que culminam nas transformações tecnológicas ocorridas no decorrer

da era moderna, modificando o espaço e o tempo do trabalho, com reflexos na

estrutura da sociedade, de sua organização política, cultural e espacial.

Os países não têm total autonomia sobre suas ações, porque essas têm

que levar em consideração as externalidades como a economia mundial, e seguir

regras acordadas entre as nações. Nessa troca de influências há uma

desigualdade tecnológica discrepante, onde os espaços que dominam as

tecnologias dos que precisam delas.

“Outras dimensões da globalização, como a socioeconômica, a cultural e a

política, estão permanentemente atravessadas pela dimensão espacial, ou

melhor, todas elas se materializam no espaço geográfico” (SENE, 2003, p.119).

A internacionalização do capital e de diversos setores da vida social é

conseqüência, mas também a promoção do desenvolvimento local e a troca

intensa de informações que desafia os limites territoriais. “ O desenvolvimento

local pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que leva

ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em

pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos” (BUARQUE, 2002, p.

25, grifo do autor).

As grandes empresas multinacionais fixam-se em locais não com o intuito

de atingir aquele mercado local, mas de gerar estruturas globais de produção e

oferta. Há o crescimento local por gerar empregos, mas não é o objetivo maior do

empresariado, que busca a facilidade de deslocamento, desafiando a

territorialidade, que se tornou flexível para atender a esta generalização do

mercado.

Soja (1993, p.129) fala sobre a necessidade do desenvolvimento

geograficamente desigual; “a problemática espacial e suas ramificações sócio-

políticas nas escalas regional e internacional dependem da importância atribuída

ao desenvolvimento geograficamente desigual na gênese e na transformação do

capitalismo.” Os espaços desenvolvidos têm poder sobre os subdesenvolvidos na

forma de domínio tecnológico, econômico, político.

Page 38: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

38

As cidades querem oferecer vantagens para que essas empresas se

instalem em seus territórios, atrair investimentos, e é a especificidade local que as

valoriza diante da globalização que ameaça o desenvolvimento local, que

aumenta a desigualdade econômica e a exclusão social. Ao mesmo tempo que

supõe integrar os países, globaliza a miséria, excluindo grande parte das pessoas

do mercado. Para que haja o rico é preciso existir o pobre, pois é das diferenças

que se alimenta o capitalismo.

Buarque (2002, p. 31) afirma que “o desenvolvimento local não pode ser

confundido com o isolamento da localidade e seu distanciamento dos processos

globais; ao contrário, a abertura para os processos externos é um fator de

propagação e estímulo à inovação local.”

“Pensar globalmente, agir localmente”, ou seja, a partir de uma construção

do global, da percepção do todo, desenvolver projetos e ações no âmbito local

visando o seu desenvolvimento, valorizando sua singularidade e investimento na

sociedade que integra uma totalidade é à base da sustentabilidade, de uma

globalização transformadora que respeite o ser humano e sua espacialidade.

A dimensão cultural tem papel fundamental na distinção do local em

relação ao global, pois está diretamente ligada ao espaço, à história e aos

símbolos locais. Distingue a forma como as pessoas se relacionam com seu

meio, e estabelece uma estreita relação com o desenvolvimento econômico e

político local.

É diante da globalização que as características locais têm de ser

reforçadas, para não se perderem e porque são elas que vão caracterizar o local

ressaltando seus diferenciais propícios ou não ao desenvolvimento.

O Estado precisa então se fortalecer, ser ativo no mercado e os

movimentos sociais e ongs incentivados, para que os benefícios do

desenvolvimento fiquem no local, para que a cultura não se dissolva pela falta de

territorialidade. Assim, colaborando para a preservação local estará contribuindo

para solucionar problemas globais.

“A contraface da globalização não parece ser a uniformização e

padronização mundial dos estilos de desenvolvimento, mas ao contrário, a

Page 39: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

39

valorização do local e da diversidade, como diferencial de qualidade e

competitividade” (BUARQUE, 2002, p. 37, grifo do autor). A cultura pode ser

explorada como esse diferenciador dos espaços, no intuito de um

desenvolvimento que respeite os princípios do desenvolvimento sustentável e da

sustentabilidade.

Não diminuímos o espaço, agregamos sim a ele novas espacialidades,

como a virtual, e por vezes não damos conta de viver integralmente cada parte

desse tão vasto horizonte que nos é proporcionado, por isso o homem moderno

faz opções, escolhe quais as espacialidades a serem consideradas de maior

importância em seu cotidiano em detrimento de outras. O mundo é vasto, o tempo

é curto. Ao mesmo tempo em que há uma diminuição do espaço global, há um

aumento do individual.

Não se pode viver fora da globalização, porque se está neste mundo, neste

espaço, sofre-se, pois, influências desse processo, mesmo que imperceptíveis a

muitos. Mas é possível sim lutar ‘por uma outra globalização’, onde o ser humano

seja respeitado em sua espacialidade, como indivíduo e como sociedade, e para

que isso ocorra é preciso planejamento, vontade política e participação de cada

um na construção da melhoria local, absorvendo os reflexos positivos da

globalização e eliminando os negativos, com um desenvolvimento onde haja

eqüidade entre classes, tanto na divisão e conquista do capital na divisão do

trabalho, quanto na apropriação do espaço real.

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40

CAPÍTULO III

3. PORTO VELHO – CIDADE DA AMAZÔNIA

Situada em Rondônia, região norte do território brasileiro, Porto Velho

encabeça uma rede urbana, formada por cinqüenta e duas cidades, que é o

resultado de um processo bem recente de urbanização da fronteira agrícola,

conforme se verifica na Figura 01. O dinamismo urbano da Região Norte também

se evidencia em cidades como Rio Branco, no Acre, e, marcantemente, em

Manaus, no Amazonas, e Belém, no Pará.

Figura 01 - O Estado de Rondônia

Fonte: site www.portalbrasil.net

Iniciamos com um pouco da história de Rondônia. No século XVII, teve

como seus primeiros colonizadores os portugueses, que começaram a percorrer

as terras do que seria o atual Estado de Rondônia. No século seguinte, com a

descoberta e a exploração de ouro em Goiás e Mato Grosso, aumentou o

interesse pela região. Em 1776, a construção do Forte Príncipe da Beira, às

margens do rio Guaporé, estimulou a implantação dos primeiros núcleos

Page 41: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

41

coloniais, que se desenvolveram no final do século XIX com o surto da exploração

da borracha.

No século XX, a criação do estado do Acre, a construção da Ferrovia

Madeira-Mamoré e a ligação telegráfica estabelecida por Cândido Rondon,

representaram novo impulso à colonização.

O Tratado de Petrópolis7 em 1903 estabeleceu definitivamente as fronteiras

entre o Brasil e a Bolívia, compensando a anexação do Acre por meio da cessão

de pequenos territórios próximos à foz do rio Abunã, numa região próxima ao

Acre, e também na bacia do rio Paraguai, e do pagamento de uma quantia em

dinheiro.

Como a Bolívia ficou, após guerra com o Chile, sem saída para o mar, dois

artigos do Tratado de Petrópolis obrigaram o Brasil a assinar um Tratado de

Comércio e Navegação que permitisse a Bolívia usar os rios brasileiros para

alcançar o oceano Atlântico. Além disso, a Bolívia poderia estabelecer alfândegas

em Belém, Manaus, Corumbá e outros pontos da fronteira entre os dois países,

assim como o Brasil poderia estabelecer aduanas na fronteira com a Bolívia.

O Brasil foi obrigado, ainda, a construir uma ferrovia "desde o porto de

Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré", com um ramal que

chegasse em território boliviano, como constatamos no artigo VII do referido

tratado:

Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no Rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou outro ponto próximo (Estado de Mato Grosso), chegue a Vila Bela (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às mesmas franquezas e tarifas.

Surgia, em meio à floresta amazônica, inserida na maior bacia hidrográfica

do globo, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – EFMM, que teve sua delimitação

realizada em 1905, as obras iniciadas em 1907 e concluídas em 1912. Mas a

idéia e a necessidade de sua construção remontam à década de 20 do século XIX 7 Tratado de Petrópolis , também denominado O Tratado de permuta de Territórios e outras Compensações, foi o documento que resolveu a "Questão Acreana" entre o Brasil e a Bolívia. O tratado foi assinado pelos brasileiros Barão do Rio Branco e Joaquim Francisco de Assis Brasil, e pelos bolivianos Fernando E. Guachalla e Cláudio Pinilla na cidade de Petrópolis em 17 de novembro de 1903.

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Desde o ano de sua independência, 1825, a Bolívia cogitava uma saída

comercial através dos rios Mamoré, Madre de Dios e Beni, Madeira e Amazonas.

Progressivamente estavam sendo mapeados o intrincado sistema de rios daquela

região amazônica, no Brasil, na Bolívia e no Peru. Entretanto, já era sabido que o

mais sério obstáculo à navegação dos principais rios eram as vinte cachoeiras e

corredeiras dos rios Mamoré e Madeira, ao longo de mais de 420km de seu curso,

parte em território brasileiro e parte pela fronteira com a Bolívia.

Figura 02 - EFMM – Trajeto ao lado do trecho encach oeirado do Rio Mamoré-Madeira

Fonte: IPHAN

Page 43: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

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Por mais de um século, luso-brasileiros e hispano-americanos

aventuraram-se com suas embarcações pelos trechos encachoeirados, ou

contornavam esses obstáculos por terra, arrastando suas canoas. A idéia de uma

via terrestre tomou maior vulto a partir de 1846, quando o engenheiro boliviano

José Augustín Palácios entregou ao governo do seu país um relatório sobre a

região. Esse relatório recomendava estudos sobre a navegação do Rio Madeira,

como única forma de solucionar o problema de escoamento da produção e da

importação da Bolívia.

Podemos ter uma idéia da escala colossal dos territórios envolvidos nos

interesses brasileiro e boliviano, de dimensões equivalentes à soma dos atuais

estados de Mato Grosso e Rondônia, acrescidos de extensa área de influência à

montante dos Rios Mamoré, Madre de Dios e Beni, e à jusante do Rio Madeira

até o Rio Amazonas. A imagem adiante nos auxilia nessa avaliação.

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Figura 03 - América do Sul – Área Geo-econômica de influência da EFMM

Fonte: IPHAN

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A Borracha é o impulso à criação e desenvolvimento. A ocupação da

capital do Estado, Porto Velho, tem início de forma exploratória, com a borracha,

a implantação da EFMM para escoamento da produção desta. Porto Velho foi

criada por volta de 1907, à margem direita do Rio Madeira, sete quilômetros

abaixo da Cachoeira de Santo Antônio do Alto Madeira, na parte oeste da Região

Norte do Brasil, na Amazônia Ocidental, durante a construção da EFMM. A

microrregião de Porto Velho é uma das oito do Estado de Rondônia e compõe a

mesorregião de Madeira-Guaporé.

Figura 04 – Localização de Porto Velho

Legenda: Porto Velho

Fonte: google earth

O município possui área de 35.928,9 Km², altitude de 85,2m, latitude:

08º45’43’’ e longitude: 063º54’14’’. Limita-se ao norte, noroeste e nordeste com o

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Estado do Amazonas; ao sudeste com os municípios de Cujubim, Machadinho do

Oeste e Candeias do Jamari; ao leste com os municípios de Candeias do Jamari

e Alto Paraíso; ao sul com os municípios de Campo Novo de Rondônia e Nova

Mamoré; ao oeste com o Estado do Acre e República da Bolívia. Tem em sua

maior parte relevo plano, com variações de altitudes que vão de 70 metros a

pouco mais de 500 metros.

Figura 05 – Limites

Fonte: www.a-rondonia.com

O Rio Madeira, um dos principais afluentes do Rio Amazonas, exerce traço

marcante na demarcação urbana, como podemos observar na próxima imagem.

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Figura 06 – A cidade

Fonte: wikimapia

A borracha, nos anos de 1900-1910, foi o produto brasileiro mais exportado

ao lado do café, segundo Sodré (1976, p.66), a Amazônia conheceu a ascensão

rápida com a borracha que atingiu fases de dominação monopolista dos

mercados, porque eram novos neles e sem competidores, para declinar depressa,

também, logo que outros produtores, mais aparelhados, apareceram.

Desde meados do séc. XIX, nos primeiros movimentos para construir uma

ferrovia que possibilitasse superar o trecho encachoeirado do rio Madeira (cerca

de 380km) e dar vazão à borracha produzida na Bolívia e na região de Guajará

Mirim, a localidade escolhida para construção do porto foi Santo Antônio do

Madeira, província de Mato Grosso possibilitando a exportar para a Europa e os

EUA.

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As dificuldades de construção e operação de um porto fluvial, em frente

aos rochedos da cachoeira de Santo Antônio, fizeram com que construtores e

armadores utilizassem o pequeno porto amazônico localizado 7km abaixo, em

local muito mais favorável. Era chamado por alguns de porto velho dos militares,

numa referência ao abandonado acampamento da guarnição militar que ali

acampara durante a Guerra do Paraguai (essa guarnição ali estivera como

precaução do Governo Imperial contra uma temida invasão por parte da Bolívia).

Em 15 de janeiro de 1873, o Imperador Pedro II assinou o Decreto-Lei

nº5.024, autorizando navios mercantes de todas as nações subirem o Rio

Madeira. Em decorrência disso, foram construídas modernas facilidades de

atracação em Santo Antônio, que passou a ser denominado porto dos vapores ou,

no linguajar dos trabalhadores, porto novo. O porto velho dos militares continuou

a ser usado por sua maior segurança, apesar das dificuldades operacionais e da

distância até Santo Antônio, ponto inicial da EFMM.

Percival Farquhar, proprietário da empresa que afinal conseguiu concluir a

ferrovia em 1912, desde 1907 usava o velho porto para descarregar materiais

para a obra e, quando decidiu que o ponto inicial da ferrovia seria aquele (já na

província do Amazonas), tornou-se o verdadeiro fundador da cidade que, quando

foi afinal oficializada pela Assembléia do Amazonas, recebeu o nome de Porto

Velho, hoje, a capital de Rondônia, oficializada em 2 de outubro de 1914.

Figura 07 - Área onde foi construído o complexo fer roviário de Porto Velho – 1908

Fonte: www.ronet.com.br

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Após a conclusão da obra da EFMM, em 1912, e a retirada dos operários,

a população local era de cerca de 1.000 pessoas. O maior de todos os bairros era

onde moravam os barbadianos, Barbadoes Town, construído em área de

concessão da ferrovia. As moradias abrigavam principalmente trabalhadores

oriundos das Ilhas Britânicas do Caribe, genericamente denominados

"barbadianos".

A EFMM foi inaugurada no dia 12 de abril de 1912, após várias tentativas

fracassadas que tiveram início na década de 70 do século XIX.

Foi a primeira estrada de ferro na Amazônia, e sua construção constitui

uma epopéia, por todas as motivações que a criaram e pela conjuntura histórica

de sua concepção, construção, funcionamento, desativação.

Com o tempo passou a abrigar moradores das mais de duas dezenas de

nacionalidades de trabalhadores que para cá acorreram. Essas frágeis e quase

insalubres aglomerações, associadas às construções da Madeira Mamoré deram

origem a cidade de Porto Velho. Muitos operários, migrantes e imigrantes

moravam em bairros de casas de madeira e palha, construídas fora da área de

concessão da ferrovia.

A EFMM é, não apenas o símbolo, mas a própria história da ocupação

dos atuais estados de Rondônia e Acre. Ao longo de seu percurso, contornando

os trechos encachoeirados dos Rios Madeira e Mamoré, estão implantadas

pequenas vilas, estações, construções rústicas, caixas d’água, pontes e colônias

agrícolas que atestam o povoamento inicial da região.

Durante quase seis anos, trabalhadores de mais de 25 nacionalidades

empregaram seus esforços, enfrentaram doenças, inúmeros perderam suas

vidas, para que viesse a ser concretizado o sonho da construção da estrada no

início do século (1905-1911). Em vários pontos da linha férrea constituíram-se

povoados, vilas de agricultores e comércios que escoavam seus produtos pelos

trens que ali trafegavam.

A área não industrial das obras tinha uma concepção urbana bem

estruturada, onde moravam os funcionários mais qualificados da empresa e onde

estavam os armazéns de produtos diversos. Nos primórdios havia uma divisão da

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cidade em duas partes distintas: a área de concessão da ferrovia e a área pública;

duas pequenas povoações, com aspectos muito distintos que eram separadas por

uma linha fronteiriça denominada Avenida Divisória, a atual Avenida Presidente

Dutra.

Figura 08 - Avenida Presidente Dutra – 1950

Fonte: www.ronet.com.br

3.1. Formação Urbana

O núcleo urbano inicial de Porto Velho tinha boas condições de

salubridade, o que contribuiu para o seu desenvolvimento e também a facilidade

de acesso pelo rio durante o ano todo, as condições do seu porto, e a

necessidade que a ferrovia sentia de exercer maior controle sobre os operários

para garantir o bom andamento das obras. Foram construídas então residências

em sua área de concessão, e, até mesmo, de certa forma, ao bairro onde

moravam principalmente os estrangeiros trazidos para a construção.

O centro comercial e urbano formou-se a partir da Praça Madeira

Mamoré, sendo o comércio mais significativo localizado ao longo da Avenida 7 de

setembro, que ainda mantém essa característica. Ainda próximos à praça, na

parte mais antiga do centro de Porto Velho, encontram-se vários prédios de

significativa importância no crescimento da cidade.

O Pátio Ferroviário da EFMM é de fundamental importância para preservar

a memória da ocupação dos territórios amazônicos da bacia do Rio Madeira, no

Brasil e na Bolívia.

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Figura 09 – Imagem Aérea Praça Madeira Mamoré- Port o Velho

CASA DE FORÇA

OFICINA E ROTUNDA

ESTAÇÃO

ARMAZÉM -01 ARMAZÉM -03 ARMAZÉM -02

PLANO INCLINADO

Fonte: VILLELA, T.C, adaptado de Prefeitura Municipal de Porto Velho

A importância da EFMM para a formação da cidade pode ser medida pelo

texto da lei de sua criação (Lei Nº. 757 de 2 de outubro de 1914), aprovada pela

Assembléia Legislativa do Amazonas, que diz:

Art. 2o. - O Poder Executivo fica autorizado a entrar em acordo com o Governo Federal, a Madeira Mamoré Railway Company e os proprietários de terras para a fundação imediata da povoação, aproveitando na medida do possível, as obras do saneamento feitas ali por aquela companhia, e abrir os créditos necessários à execução da presente lei.

Nos seus primeiros 60 anos, o desenvolvimento da cidade esteve

diretamente ligado às operações da ferrovia. Enquanto a borracha apresentou

valor comercial significativo, houve crescimento e progresso. Nos períodos de

desvalorização da borracha, devido às condições do comércio internacional e à

inoperância empresarial e governamental, estagnação e pobreza.

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Figura 10 – Armazenamento e Transporte da Borracha

Fonte: www.ronet.com.br

Quando a borracha da Malásia tornou-se competitiva ao preço da borracha

da Amazônia no mercado mundial, a economia regional estagnou. Segundo Dean

(1989, p.64-65), a produção da borracha expandiu-se enormemente:

Entre 1907 e 1910 duplicou na Malásia, alcançando 400.000 hectares. (...)

A economia da Amazônia, por sua vez, foi arrasada pela concorrência do

Ceilão e da Malásia. Os salários caíram junto com os preços a um quarto

do seu nível durante o boom. “Comerciantes, exportadores, banqueiros e

corretores desesperados juntaram-se aos seringueiros num êxodo da

região.

A grave crise da borracha amazônica foi também conseqüência da

ausência de visão dos líderes empresariais da época, principalmente os

denominados barões da borracha, cuja imensa capitalização no período de

apogeu foi usada apenas para obras e ações improdutivas, e governamentais, o

que resultou na completa ausência de alternativas para o desenvolvimento

regional.

Entre 1925 e 1960, o centro urbano da cidade de Porto Velho adquiriu o

traçado que possui.

No ano de 1943, foi constituído o Território Federal de Guaporé, com

capital em Porto Velho, mediante o desmembramento de áreas de Mato Grosso e

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do Amazonas, o que estimulou a ocupação e o desenvolvimento da região que

em 1956, passou a se chamar Território de Rondônia. Com a segunda guerra

mundial e a criação dos territórios federais, ocorreu novo e rápido ciclo de

progresso regional. Esse surto decorreu das necessidades de borracha das forças

aliadas, que haviam perdido os seringais malaios na guerra do Pacífico e produziu

o denominado Segundo Ciclo da Borracha.

A economia gomífera produziu um intenso povoamento regional responsável por uma incipiente rede urbana. É no contexto da economia da borracha e de suas conseqüências para o povoamento do sudoeste da Amazônia que se dá a segunda tentativa de ocupação da atual Rondônia (C. SANTOS, 2007, p.50).

Finda a guerra, novamente a economia regional baseada na borracha, e

dirigida com imprevidência e incapacidade empreendedora, entrou em paralisia.

Após 60 anos de existência, a EFMM foi considerada como uma “ferrovia

deficitária”, em uma época em que a política brasileira enfatizava e financiava a

indústria e o transporte rodoviário. Em 1972 as locomotivas apitaram pela última

vez, dando por encerrado o funcionamento da já lendária ferrovia. Dois anos

após, iniciou-se a crise do petróleo.

Entre os anos 60 e 80, o crescimento é acelerado, nestas décadas

Rondônia foi considerada o eldorado brasileiro, quando atraiu milhares de

imigrantes da Região Sul, seduzidos pela distribuição de terras promovida pelo

governo federal. Os incentivos fiscais e os intensos investimentos do governo

federal, como os projetos de colonização dirigida, que estimularam a migração,

em grande parte originária do Centro-Sul. Além disso, o acesso fácil à terra boa e

barata atraiu empresários interessados em investir na agropecuária e na indústria

madeireira. A descoberta de ouro e cassiterita também contribui para o aumento

populacional.

A partir de 1979, vários representantes da comunidade local, manifestando-

se sobre a importância da ferrovia como legado histórico para o Território de

Rondônia, demonstraram o interesse de preservar a memória da EFMM,

entendendo que a melhor maneira seria reativá-la e colocá-la a serviço dos

interesses da comunidade.

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A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, além de ter sido o elemento básico

da ocupação do Território de Rondônia, integrou-se plenamente aos costumes e

necessidades da região. Ela representou, entre outros fatores, um

empreendimento técnico e econômico internacional e de grande vulto, um fator

sócio-cultural da maior importância para a vida brasileira e boliviana, pois, ao

desbravar a região, alterou a condição de vida da população que se deslocou

para aquele ponto distante da Amazônia Ocidental.

Representando uma das mais importantes obras de engenharia do início

do século, o seu acervo hoje permite caracterizar não só aquela tentativa inédita

de ocupação da Amazônia, como também a transferência, para a região, da mais

avançada tecnologia da época, representada pela energia a vapor.

Em 1981 Rondônia ganha a condição de Estado. Em apenas duas

décadas, a população do estado passou de 70 mil para 500 mil. Porém, de 1991 a

1997, o território perdeu em média 37 pessoas por dia. Segundo o IBGE, a

migração ocorre principalmente em direção a Roraima. Com o esgotamento da

qualidade da terra, em virtude das constantes queimadas, os pequenos

agricultores buscam novas fronteiras agrícolas na Amazônia.

Mais recentemente, no ano de 1995, a construção do porto graneleiro na

capital, Porto Velho e a abertura, em 1997, da hidrovia do rio Madeira, mudam o

perfil econômico de Rondônia. Com 1.115 km, a hidrovia liga a capital ao Porto de

Itacoatiara, no Amazonas, barateando o transporte de seus produtos agrícolas.

Rondônia abastece a Região Nordeste com feijão e milho, destacando-se também

como produtor nacional de cacau, café, arroz e soja.

Marcado pelo extrativismo vegetal, principalmente de madeira e borracha,

Rondônia também é responsável por 40% da cassiterita produzida no Brasil. Com

a construção da Usina Hidrelétrica de Samuel, na década de 80, cresceram os

segmentos madeireiro, mineral, de construção civil e alimentos.

O Estado tem 1,56 milhões de habitantes, dos quais 66,8% vivem nas

cidades. Mais de 370 mil, ou um quarto dos habitantes, moram na capital, Porto

Velho. Recoberto em sua maior parte por vegetação típica de cerrado, o estado

conta com 22.433 km de rodovias, sendo apenas 6,32% pavimentadas. O

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55

saneamento básico também é bastante precário. Em 2005, a rede de esgoto

alcança 48,3% dos domicílios do estado, segundo o IBGE.

Os reflexos dessas condições insalubres aparecem na saúde da

população: o estado é considerado pela Fundação Nacional de Saúde uma região

endêmica de malária, leishmaniose e febre amarela. De acordo com dados do

Conselho Federal de Medicina, conta com 7,1 médicos para cada grupo de 10 mil

habitantes, metade do que é considerado aceitável pela Organização Mundial de

Saúde (OMS).

Contribuíram para o crescimento de Porto Velho a descoberta de

cassiterita (minério de estanho) nos velhos seringais no final dos anos 50, e de

ouro no rio Madeira, mas, principalmente, a decisão do governo federal, no final

dos anos 70, de abrir nova fronteira agrícola no então Território Federal de

Rondônia, como meio ocupar e desenvolver essa região segundo os princípios da

segurança nacional vigentes. Além de aliviar tensões fundiárias principalmente

nos estados do sul, por meio da transferência de grandes contingentes

populacionais para o novo Eldorado.

Quase 1 milhão de pessoas migraram para Rondônia, e Porto Velho

evoluiu rapidamente, de 90.000 para 300.000 habitantes (Fonte: Site Prefeitura de

Porto Velho).

Tabela 01 – Taxa de crescimento populacional (%)

1950/60 1960/70 1970/80 1980/90

Rondônia 6,39 4,76 16,03 7,88

Norte 3,34 3,47 5,02 5,19

Brasil 2,99 2,88 2,48 1,92

Fonte: IBGE

A cidade e o estado tornaram-se uma nova mistura cultural, onde convivem

hábitos e sotaques de todos os quadrantes do país. Juntaram-se ao Boi-bumbá e

forró (de origem nordestina), o vaneirão (gaúcho); ao tacacá e açaí, o chimarrão;

à alpercata, a bota e o chapéu de vaqueiro. O desenvolvimento da pecuária

incorporou as festas de peões e os rodeios aos folguedos juninos.

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56

Esta migração intensa provocou um explosivo crescimento da cidade,

particularmente na década de 80. Hoje a cidade mostra as conseqüências desse

crescimento desordenado. Os bairros periféricos são pouco mais que um

aglomerado de casebres de madeira cobertos de palha, sem ordenação ou infra-

estrutura. Em grande parte resultam de invasões de terras ainda não ocupadas,

por parte de uma população sem teto, que aqui chegava num ritmo não

acompanhado pelas instituições públicas.

Apenas o centro, uma herança dos desbravadores, apresenta

características de urbanização definidas. Os bairros que se interpõe entre o

centro e a periferia, mostram bem essa condição, com ruas ainda por asfaltar e

sem calçadas, rede de esgotos inexistente, casebres de madeira ao lado de belas

residências. A redução na taxa de crescimento demográfico da década atual, por

outro lado, tem permitido que rapidamente os moradores e os órgãos públicos

implementem melhorias.

A área urbana do município de Porto Velho, como na grande maioria das

cidades brasileiras não obedece ao limite urbano estabelecido.

A cidade vem crescendo de maneira acentuada nos últimos anos e sua

população está estimada em 374 mil habitantes (IBGE, 2005), como se pode

observar na tabela a seguir:

Page 57: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

57

Tabela 02 – População residente segundo zona de loc alização - Porto Velho 2000/05

Zona de localização Ano População total

Urbana Rural

2000 334.661 271.064 63.597

2001 342.264 277.222 65.042

2002 347.844 281.742 66.102

2003 353.961 286.697 67.264

2004 380.884 308.503 72.381

2005 373.917 302.873 71.044

Fonte: IBGE / censo demográfico 2000

Nota: Dados estimados, com exceção dos relativos ao ano 2000

As taxas médias geométricas de crescimento entre 1991 e 2000 foram de

2,35 e a taxa de urbanização, no mesmo período, passou de 72,16% para 81,79%

da população total. A densidade média do núcleo urbano principal, cuja área é

estimada em 11.689 hectares é bastante baixa, cerca de 25,0 hab/ha.

Esse crescimento pode ser também observado nos mapas de evolução e

perímetro urbano de Porto Velho, de 1972 a 1985 e o que vigorou até 2008.

Page 58: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

58

Figura 11 – Evolução urbana

Em 1985 já era claro o crescimento para zona leste da cidade, o que se

confirma no perímetro demarcado pelo Plano Diretor de 1990 e já ultrapassado

fisicamente, reflexo do crescente número de áreas invadidas ou ocupadas

irregularmente; invasão e ocupação das margens dos cursos d’água,

comprometendo os mananciais pelo avanço da urbanização desordenada.

A próxima imagem mostra a quanto a cidade extrapolou seu limite tido

como urbano.

Page 59: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

59

Figura 12 - Perímetro até 2008

Fonte: Prefeitura de Porto Velho

Esse crescimento acelerado e desestruturado resultou na carência de

serviços públicos básicos, como saneamento, água tratada, habitação, dentre

outros, e quem mais sofre é sem dúvidas a população mais pobre que é

marginalizada, segregada, excluída da cidade.

A ampliação do perímetro urbano torna-se urgente, para que esta área já

expandida possa oficialmente fazer parte da cidade e seus habitantes usufruírem

Page 60: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

60

dos benefícios que a administração pública tem por obrigação oferecer. Com esse

objetivo, a Prefeitura do município de Porto Velho vem desenvolvendo trabalhos

no sentido de levantar, organizar e sistematizar as informações necessárias ao

estudo da cidade para conclusão de seu plano diretor.

O crescimento da cidade de Porto Velho na direção Leste teve a vantagem

de possibilitar a ocupação de áreas mais altas e planas, bastante adequadas à

urbanização, mas demonstrou por outro lado, um problema grave, porém comum

à muitas cidades brasileiras, uma forte dispersão da malha urbana, ocupada com

baixas densidades, fato este que dá origem a grandes vazios urbanos

comprometendo a expansão das redes de infra-estrutura e de equipamentos

sociais, dados os custos elevados representados por grandes extensões de áreas

a serem cobertas por estas redes.

Na Amazônia, cerca de 76,15% da população já vive em cidades (IBGE,

2000), muitas delas tendo passado pela agricultura de subsistência, procurando

posteriormente os centros urbanos como melhoria de qualidade de vida. Em

Rondônia a capital, Porto Velho, concentra grande parte dessa população, como

se vê no gráfico.

Gráfico 01 - Porcentagem de população total das cap itais em relação ao Estado

Fonte: INPE

Page 61: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

61

Nas décadas de 70 e 80, o Estado foi tomado por um enorme fluxo

migratório, pessoas que buscavam riquezas, atraídas pelo garimpo, pela oferta de

terras, do Eldorado e grande parte desse fluxo dirigiu-se para a capital. Muitos

enriqueceram, e destes, parte voltou com as riquezas tiradas daqui para usufruir

do bem estar das cidades de origem. Mas a grande maioria nem enriqueceu, nem

voltou para o lugar de origem.

“Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja

história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma

vigorosa alienação” (M. SANTOS, 2006, p. 328). O autor fala da

“desterritorialização, que é, também, desculturização”, vista por Haesbaert como

uma espécie de “mito”, “mais do que a desterritorialização desenraizadora,

manifesta-se um processo de reterritorialização espacialmente descontínuo e

extremamente complexo” (HAESBAERT, 1994, p. 214).

Dessa forma, Porto Velho passou a abrigar saudades das raízes de seus

habitantes, que por vezes sonham com a volta e portanto não se enraízam. É

comum ouvir relatos de pessoas que vieram para ficar aqui um ano, dois e já se

vão vinte, ou mais e ainda sonham com a volta.

Esse pensamento vem mudando aos poucos, por pessoas que realizaram

aqui seus projetos de vida, tiveram descendentes, filhos da terra e que têm a

difícil tarefa de mudar esta mentalidade ainda tão presente, abrir a cidade,

derrubar muros, tabus, preconceitos, formando um novo território, que

se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintomático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo pela representação), o ator ‘territorializa”o espaço. (...) o território nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder (RAFFESTIN, 1993, p. 43).

Os projetos de urbanização precisam acompanhar essa dinâmica espacial

e seu conseqüente crescimento demográfico, mas isso praticamente não ocorre.

O grande impacto populacional, ocasionado por medidas políticas de

incentivo a colonização da Amazônia, ainda hoje são sentidos na falta de infra-

estrutura mínima satisfatória, nas baixas taxas de abastecimento de água,

Page 62: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

62

saneamento quase inexistentes, déficit habitacional alto, custo de vida elevado,

segurança pública insuficiente.

O mercado imobiliário explora essas deficiências de forma inescrupulosa; o

marketing imobiliário apóia-se principalmente na ausência de segurança pública,

o que aumenta consideravelmente a construção de condomínios de casas e

apartamentos, de muros que os separam da cidade real. Vende-se um

isolamento, uma nova espacialidade, como se nesta não importasse o mundo lá

fora, as pessoas lá fora, a cidade.

Esses condomínios são construídos em áreas menos valorizadas da

cidade e o poder público é induzido a estender infra-estrutura para atender essa

demanda. Os prédios, aos poucos se multiplicam e começam a formar uma

barreira visual na cidade, já não se pode vê-la ao longe, mas do alto dos prédios.

São os reflexos da globalização no espaço urbano, onde o apartamento alcançou

o status da moradia contemporânea ideal, segura e prática.

No final do séc. XX o mundo acompanhou atento a queda de um de seus

mais famosos muros: o de Berlin, que naquele momento parecia libertar o mundo,

derrubar as barreiras de cada um de nós, mas assistiu-se ao evento por detrás de

outros tantos muros, divisores talvez mais difíceis de derrubar do que aquele. Do

outro lado, o coletivo perde força, a cidade é segregada.

Através de estratégias do mercado imobiliário, normalmente os

empreendimentos são lançados em áreas de menor valor, forçando o

desenvolvimento e sutilmente expulsa a população original para atrair residentes

de mais alta renda, ocasionando o processo de gentrificação.

Fechar-se em condomínios pode ser o caminho individual, o mais fácil para

quem tem poder aquisitivo, mas não para a sociedade. Essa cidade ideal e irreal,

sai caro para a cidade real. O mau aproveitamento dos espaços gera sua

escassez, o seu alto valor estimula o marketing de que verticalizar é bom.

Outro grande vilão que mutila o espaço urbano são os shoppings centers, e

Porto Velho já teve o seu primeiro shopping inaugurado, e tem um segundo em

obras.

Page 63: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

63

Para o arquiteto Paulo Mendes da Rocha (em entrevista a Folha on line –

20/06/2006)8, o confinamento crescente dos cidadãos em espaços privados

destrói as cidades. "A pessoa se priva de tudo, inclusive da vida urbana. Isso não

forma cidadão", afirmou Mendes, que citou o shopping como exemplo de

excludência. Para Fani (2005, p.21), “o padrão arquitetônico da cidade também

segrega, separa, expulsa”.

Os shoppings centers são grandes armas contra os centros das cidades,

império do consumismo, reúnem lazer em torno do comércio diversificado,

oferecem segurança, diversão e entretenimento, mas a uma parcela da população

que possa pagar por isso. “Todos nós ficamos cansados de ver coisas iguais

demais, um shopping normal nos exclui da cidade, com suas lojas tão iguais a

ponto de você não saber em que cidade está” (LERNER, 2005, p.120).

Cabe ao planejamento urbano organizar e propor soluções a esses

transtornos da cidade, desenvolvendo estudos em busca da melhor qualidade de

vida da população, atuando no ambiente urbano, nos processos de produção,

estruturação e apropriação do espaço urbano. A interpretação destes processos,

assim como o grau de alteração de seu encadeamento, varia de acordo com a

posição a ser tomada no processo de planejamento e principalmente com o poder

de atuação do órgão planejador.

A equipe de planejamento urbano, que deve ser interdisciplinar, trabalha

além do aspecto físico-territorial da cidade, envolvendo o processo de produção,

estruturação e apropriação do espaço urbano, detectando impactos positivos e

negativos, causados por um plano de desenvolvimento urbano.

Segundo Câmara e Medeiros (1998), modelagem de dados refere-se ao

processo de abstrair os fenômenos do mundo real para criar a organização lógica

do banco de dados. Um modelo de dados fornece ferramentas formais para

descrever a organização lógica de um banco de dados, bem como define as

operações de manipulação de dados permitidas. No caso de aplicações

geográficas, as técnicas tradicionais de modelagem devem ser estendidas para

incluir questões específicas de dados geográficos.

8 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u61599.shtml

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64

A cidade extrapola o limite urbano estabelecido, dificultando o poder

público de agir com eficácia na ampliação de infra-estrutura que atenda a sua

totalidade. Muitos cidadãos estão à margem dos limites e do direito à cidade, tão

almejado, são ignorados pela cidade oficial, pois ocupam irregularmente o solo

urbano, distando ainda mais a cidade ideal da real.

Estamos prestes a presenciar um novo boom demográfico em Porto Velho,

com a instalação das hidrelétricas do Madeira, o que pode ser também uma

chance da cidade se estruturar de forma sólida, visto que os investimentos são

vultuosos.

Os prognósticos dos ambientalistas são desastrosos, mas a situação real é

que elas estão aí e ao invés de apenas detectar os problemas, temos sim que

propor soluções e, mais do que nunca, pensar a cidade de todos, novos e velhos,

migrantes e portovelhenses, e abraçar a oportunidade de replanejamento.

A questão chave do urbanismo é justamente antecipar essa cidade ideal,

planejá-la, conter o crescimento desordenado, propondo intervenções que

transformem o uso e apropriação do espaço urbano. Cada trecho do espaço

urbano pode ser caracterizado, segundo sua maior ou menor acessibilidade, a

infra-estrutura, serviços urbanos, valor da terra, densidade de ocupação, tipo de

uso permitido.

Com o uso de imagens da cidade, gestores e técnicos passam a dispor de

mais informações sobre o município, melhorando o tempo e a qualidade da

tomada de decisões. Utilizando programas de computador que permitem o uso de

informações cartográficas (mapas e plantas) e informações a que se possa

associar coordenadas, permitindo, por exemplo, utilizar uma planta da cidade

identificando as características de cada área da cidade e seus equipamentos.

Com o estudo da área urbana é possível abranger uma gama de

possibilidades em diversos setores da gestão municipal, destacando-se:

a) Ordenamento e gestão do espaço;

b) Otimização de arrecadação;

c) Localização de equipamentos e serviços públicos;

Page 65: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

65

d) Identificação de público-alvo de políticas públicas; entre outros.

Segundo Ribeiro da Silva (2004, p. 55-70) a cidade é um espaço dinâmico,

resultante da atuação constante dos agentes produtores do espaço urbano, sendo

local que possibilita a maximização da reprodução capitalista. Ao mesmo tempo, é

o resultado do conjunto de práticas sociais, de fatores econômicos e políticos que

se expressam no interior da cidade. São essas mudanças que, transformadas em

imagens, são trabalhadas no planejamento urbano, e devem direcionar o

crescimento de forma ordenada.

Conhecer a cidade é imprescindível para detectar lacunas e propor

soluções a esta, e para isso, é necessário um mapeamento preciso nos vários

layers que a formam.

As cidades brasileiras passaram por uma urbanização acelerada no século

XX, sendo que em 1960, a população urbana representava 45% da população

total – contra 55% de população rural , recebendo em 40 anos, entre 1960 e

2000, 106 milhões de novos habitantes. Hoje, vivem nas cidades 80% da

população brasileira (IBGE).

Da década de 80 aos dias atuais, a precariedade habitacional vem

assumindo contornos cada vez mais graves, instalando-se nos loteamentos

irregulares e clandestinos, sem infra-estrutura e equipamentos públicos,

ocupações irregulares de áreas ambientalmente frágeis.

Um dos mais eficientes meios de conhecer a qualidade de vida de uma

população é analisar a condição da habitação, considerando o ambiente que se

encontra, assim como o acesso a bens e serviços.

A Amazônia tem o olhar do mundo voltada para si por sua diversidade

natural, mas também é espaço de habitar humano, de formação de cidades, de

desenvolvimento e planejamento territorial. Para um processo de planejamento

contínuo com qualificação e estruturação urbana é necessária uma política

habitacional eficaz que possibilite o acesso à moradia digna tão discursada na

política, tão desejada pela população.

A Região Norte, constituída pelos estados de Rondônia, Acre, Amazonas,

Roraima, Pará, Amapá e Tocantins e abrangendo 7% da população brasileira (5%

Page 66: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

66

Classes de rendimento nominal mensal (salário míni mo)Porto Velho - 2000

23%

28%12%

13%

15%

6% 3% até 1

mais de 1 a 2

mais de 2 a 3

mais de 3 a 5

mais de 5 a 10

mais de 10 a 20

mais de 20

em 1980) apresentou no período 1980/91 a mais alta taxa média de incremento

anual da população residente (3,9%), o que denota a persistência de fluxos

migratórios, ainda que em menor intensidade do que nos anos 70, pois a taxa de

fecundidade encontra-se em queda, já em 4,04% nas áreas urbanas em 1984, a

maior entre as regiões do país.

Porto Velho, capital do estado de Rondônia tem área de 34.069 km² e

conta 334.661 pessoas residentes (2000), crescendo 1,72 % ao ano. Como no

restante do país, a maior parte da população tem renda baixa, sendo que, 63% da

população empregada, recebem até 3 salários mínimos e necessitam de

incentivos políticos na área habitacional.

Gráfico 02

Fonte: Prefeitura de Porto Velho – SEMPLA

Para traçar um perfil do quadro habitacional na cidade de Porto Velho,

optou-se por examinar seu crescimento populacional (total, urbano e rural), o

aumento no número de domicílios (total, urbano e rural) e o atendimento a estes

domicílios em saneamento básico nos anos de 1970,1980,1991 e 2000, dados

disponibilizados pelo IBGE, com exceção do saneamento, fornecidos pela

Prefeitura do Município de Porto Velho.

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Tabela 03 – perfil do quadro habitacional

Anos poptotal Popurb poprural domitotal domiurb domirural saneam 1970 84048 47888 36160 14782 8292 6490 266 1980 133882 102593 31289 26023 20321 5702 520 1991 287534 229788 57746 66531 53838 12753 1330 2000 334661 273709 60952 83744 68943 14801 1507

Fonte: dados IBGE

Somam-se os baixos índices de atendimento do sistema de tratamento e

distribuição de água, que atende menos de 50% dos domicílios (CAERD -2000),

induzindo a proliferação de poços para captação de águas subterrâneas. Apenas

1,8% dos domicílios são atendidos pelo sistema incipiente de esgotamento

sanitário, comprometendo o lençol freático com a instalação de fossas.

São as conseqüências de um crescimento desordenado; o município não

acompanha o desenvolvimento populacional e habitacional, como mostram os

mapas de delimitação do perímetro urbano de Porto Velho, evolução de 1972 a

1985 e o atual (ver figuras p. 58-59). As áreas já expandidas têm que ser

incluídas na cidade para que seus habitantes possam usufruir dos benefícios que

a administração pública tem por obrigação oferecer.

O déficit habitacional é crescente e o elevado índice de inadequação

habitacional; há baixa interface com investimentos em infra-estrutura,

principalmente saneamento básico.

Tabela 04 - Déficit/Inadequação Habitacional

Houve um crescimento muito grande, um salto aguçado na demanda

populacional e não houve um plano de ação municipal que acompanhasse esse

crescimento na área habitacional. Segundo estimativas do IBGE para populações

residentes, em 1° de julho de 2008, Porto Velho alc ançou a soma de 379.186

habitantes.

Com a legislação prevista no Estatuto da Cidade para viabilizar a utilização

do estoque dos lotes urbanos na promoção dos programas habitacionais é

Inadequação Habitacional Base : Censo IBGE 2000 Porto Velho - sede

Déficit Habitacional

Por adensamento Por Infra-estrutura

Absoluto 10.378 7.986 40.682 Relativo 12% 10% 48%

Fonte : IPPUR/UFRJ ser. 2003

Page 68: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

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possível reduzir este déficit, assim como a inadequação habitacional,

estabelecendo programas para implantação da infra-estrutura e dos serviços

urbanos em todo o perímetro urbano, mas para que isso ocorra é imprescindível

um estudo minucioso do seu processo evolutório, associando a análise

quantitativa a uma abordagem qualitativa da questão habitacional, considerando a

realidade local.

A cidade deve ser vista como um todo para que se possam trabalhar as

partes pontualmente. A urbanização não planejada fragmenta o território e

segrega os grupos sociais, pois por vezes expulsa a pobreza para a periferia,

outras justapõe áreas nobres com áreas extremamente precárias, cria vazios

urbanos e aguça as diferenças.

Sem áreas legais de habitar, as pessoas invadem áreas impróprias,

formando loteamentos clandestinos, as conhecidas “invasões”, criando ainda

maiores dificuldades ao setor público para que sejam feitas as melhorias que

tornariam habitável aquele espaço, pois muitas das vezes estas invasões

extrapolam o limite urbano delimitado da cidade. Em Porto Velho observa-se o

crescimento intenso de bairros na zona leste da cidade, com altas taxas de

crescimento populacional.

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Tabela 05 – crescimento populacional/bairros

ZONA 01 BAIRRO População Total Homem Mulher

1 CENTRO 2.323 1.007 1.316 2 CAIARI 512 230 282 3 OLARIA 3.984 1.848 2.136 4 SÃO CRISTOVÃO 4.319 2.051 2.268 5 KM 1 363 172 191 6 STA BÁRBARA 1.254 587 667 7 MOCAMBO 1.015 498 517 8 BAIXA DA UNIÃO 2.535 1.247 1.288 9 ARIGOLÂNDIA 1.030 451 579

10 PANAIR 1.793 877 916 11 PEDRINHAS 3.668 1.798 1.870 12 SÃO JOÃO BOSCO 6.290 2.999 3.291 13 LIBERDADE 4.127 1.976 2.151 14 N. SRA.DAS GRAÇAS 3.505 1.699 1.806 15 MATO GROSSO 2.376 1.185 1.191 16 ROQUE 2.340 1.139 1.201 17 AREAL 5.682 2.687 2.995 18 TRIÂNGULO 2.460 1.236 1.224 19 SÃO SEBASTIÃO 6.599 3.321 3.278 20 NACIONAL 6.821 3.468 3.353 21 COSTA E SILVA 4.578 2.252 2.326 22 TUCUMANZAL 2.493 1.245 1.248 23 TUPY 995 491 504 24 MILITAR 356 175 181

Total 71.418 34.639 36.779

ZONA 02 BAIRRO População

Total Homem Mulher 1 EMBRATEL 10.328 5.051 5.277 2 N. PORTO VELHO 9.866 4.738 5.128 3 INDUSTRIAL 455 215 240 4 RIO MADEIRA 2.271 1.085 1.186 5 FLODOALDO P. PINTO 9.968 4.815 5.153 6 AGENOR CARVALHO 11.183 5.466 5.717 7 LAGOA 692 345 347 Total 44.763 21.715 23.048

Page 70: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

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ZONA 3

BAIRRO População Total Homem Mulher

1 CONCEIÇÃO 8.802 4.354 4.448 2 NOVO HORIZONTE 3.510 1.741 1.769 3 ELETRONORTE 4.181 2.031 2.150 4 AREIA BRANCA 1.210 623 587 5 NOVA FLORESTA 9.317 4.571 4.746 6 FLORESTA 6.396 3.186 3.210 7 ELDORADO 2.135 1.083 1.052 8 CASTANHEIRA 10.272 5.041 5.231 9 COHAB 11.618 5.592 6.026

10 CALADINHO 9.612 4.749 4.863 11 CIDADE DO LOBO 3.793 1.894 1.899 12 ESTRADA P/ GUAJARA 75 42 33 13 AEROCLUBE 1.283 591 692 14 CIDADE NOVA 4.917 2.553 2.664

Total 77.421 38.051 39.370

ZONA 04 BAIRRO População Total Homem Mulher

1 CUNIÃ 5.132 2.562 2.570 2 IGARAPÉ 8.817 4.349 4.468 3 TIRADENTES 1.688 827 861 4 TANCREDO NEVES 9.788 4.787 5.001 5 JK 9.530 4.715 4.815 6 CASCALHEIRA 335 172 163 7 TRÊS MARIAS 6.441 3.202 3.239 8 LAGOINHA 4.699 2.316 2.383 9 APONIÃ 12.099 5.864 6.235

10 PLANALTO 239 136 103 11 TEIXEIRÃO 5.103 2.564 2.539 12 ESCOLA DE POLÍCIA 4.460 2.253 2.207

Total 68.331 33.747 34.584

POPULAÇÃO URBANA: 236.849 116.780 120.069

EXTENSÃO URBANA EXTENSÃO URBANA População Total Homem Mulher

1 MARCOS FREIRE 4.973 2.482 2.491 2 RONALDO ARAGÃO 1.455 723 732 3 ULISSES GUIMARÃES 5.799 2.896 2.903 4 MARIANA 5.482 2.792 2.690 5 SÃO FRANCISCO 7.557 3.806 3.751 6 SOCIALISTA 5.597 2.776 2.821 7 JARDIM SANTANA 6.674 3.373 3.301 8 OUTROS 4.953 2.508 2.445 TOTAL 42.490 21.356 21.134

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - Censo 2000

Page 71: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

71

Por outro lado, alguns grupos, para ficar próximos aos serviços, comércio,

facilidades do centro da cidade, ocupam áreas próximas a este, igualmente

impróprias, criando uma proximidade física da cidade, mas continuando excluída

socialmente, desafiando o conceito básico de cidade, baseado na inter-relação

entre as classes sociais.

É o caso do Baixa da União, uma área alagadiça, próxima ao centro, que

poderia servir à população como um grande parque urbano de preservação, mas

hoje está totalmente invadida, o que ocasiona além do problema de assentamento

precário, a conseqüência ambiental, posto que são totalmente desprovidos de

qualquer saneamento.

A crescente demanda por condomínios fechados acentua ainda mais o

quadro de distanciamento entre classes.

A valorização das terras através de interesses de poucos causa o processo

de gentrificação, distanciando ainda mais a pobreza da cidade.

As mudanças devem vir através de um planejamento que veja a cidade,

detecte seus defeitos e proponha soluções a curto, médio e longo prazos, para

que seja possível sua efetivação.

A cidade atual é fruto de um processo histórico de exploração e privilégio

das classes abastadas sobre as pobres, onde poucos são beneficiados e a

maioria não usufrui dos benefícios que gera, criando um território urbano de

grandes desigualdades sociais.

Consolidar a função social da propriedade, baseada fortemente na

construção do interesse público da maioria é o fundamento do Estatuto da

Cidade.

Page 72: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

72

CAPÍTULO IV

4. INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO URBANO

"O planejamento não é mais do que a tentativa de viabilizar

a intenção de governar o próprio futuro."

(Carlos Matus)

Para nortear e planejar o crescimento, as cidades dispõem de documentos

fundamentais; entre os de maior importância estão o Estatuto da Cidade e o

Plano Diretor do Município. O Estatuto da cidade reúne importantes instrumentos

que visam garantir a efetividade do Plano Diretor, responsável pelo

estabelecimento da política urbana na esfera municipal e pelo pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, como

consta no Art.182 da Constituição Federal.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Pela Constituição de 1988, os municípios foram promovidos à categoria de

ente federativo, co-responsável por promover as políticas habitacional e urbana.

Isso potencializou experiências já em andamento, no esforço de preencher o

vácuo criado pelo esvaziamento da política nacional, e fez surgir novas soluções

no nível local.

Page 73: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

73

Mas, para que estes documentos sejam aplicados de forma eficaz é

necessário um mapeamento claro das necessidades, dados reais, para tornar a

cidade elemento espacial de integração.

O Plano Diretor é um instrumento que suscita desafios e oportunidades,

visto que, os núcleos urbanos brasileiros vêm passando por um crescimento

desmedido nas últimas décadas, crescimento sem desenvolvimento, devido à

ocupação desordenada do território e por falta de políticas públicas que absorvam

esses problemas e trabalhem na solução destes, necessitando debater sobre as

formas de planejar o ordenar o território no âmbito local.

Da população destes núcleos urbanos, a maior parte vive em cidades com

mais de 20 mil habitantes. M. Santos (2005) afirma que “a população urbana das

aglomerações com mais de 20 mil habitantes cresce mais depressa do que a

população total e a população urbana do país, e o mesmo fenômeno também se

verifica em escala regional”.

A desarticulação política, a busca por interesses unilaterais agrava os

problemas básicos da cidade, principalmente aqueles como saneamento, obras

que não aparecem politicamente e por isso são desvalorizadas pelos gestores.

Mas essa visão pequena sobre o poder local vem mudando nos últimos

anos, ele tem sido apontado como “espaço privilegiado para a realização da

democracia, da participação cidadã e de iniciativas econômicas e sociais”

(COSTA, 1996, p. 113).

A partir da Constituição de 1988, a política de desenvolvimento das cidades

brasileiras passou a ser definida por Leis Orgânicas e Planos Diretores. Este

último define-se como instrumento de gestão contínua para a transformação

positiva da cidade e seu território, cuja função é estabelecer as diretrizes e pautas

para a ação pública e privada, com o objetivo de garantir as funções sociais da

cidade. Elaborado numa perspectiva de médio prazo, geralmente dez anos,

estando sujeito a reavaliações periódicas, sem prazos definidos, mas sempre que

fatos significativos do fenômeno urbano o requeiram.

Com a criação do Ministério das Cidades (2001) pelo governo federal,

ampliou-se a discussão voltada às políticas de desenvolvimento urbano, antiga

Page 74: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

74

reivindicação dos movimentos sociais de luta pela reforma urbana. Seu grande

desafio é a organização do espaço segundo as necessidades práticas dos atores

sociais que intervêm no processo de desenvolvimento local.

O Estatuto da cidade reúne importantes instrumentos que visam garantir a

efetividade do Plano Diretor, responsável pelo estabelecimento da política urbana

na esfera municipal e pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade

e da propriedade urbana, como consta no Art.182 da Constituição Federal9. O

Estatuto da Cidade, lei federal, n. 10.257 de 10 de julho de 2001, em vigor desde

outubro de 2001; regulamenta a Constituição Federal no que trata da política

urbana, definindo diretrizes a serem aplicadas nos municípios brasileiros.

Alguns dos principais assuntos que aborda são:

a) Regularização fundiária, privilegiando áreas de baixa renda;

b) Uso e ocupação do solo urbano

c) Habitação, principalmente nas áreas subutilizadas da cidade;

d) Relação cidade-campo e a expansão urbana descontrolada;

e) Qualidade do meio ambiente na cidade, qualidade do habitat;

f) Parcerias entre os setores público e privado nas intervenções

urbanísticas;

g) Gestão democrática e participação popular nas decisões.

Para que esses temas sejam discutidos e as ações previstas, o Estatuto da

Cidade reforça a importância dos Planos Diretores Municipais, obrigatórios para

municípios com mais de 20.000 habitantes.

A participação popular é essencial para garantir que as ações previstas no

Estatuto da Cidade; é ela que garantirá que as ações previstas sejam efetivadas.

Segundo publicação do Ministério das Cidades (Plano Diretor Participativo, 2004):

Os processos de discussão de planos diretores municipais podem ser

uma excelente oportunidade de municípios que enfrentam problemas

comuns discutirem e fazerem acordos em torno de questões setoriais e

9 Artigo 182 da constituição Federal: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

Page 75: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

75

temáticas mais amplas que se relacionam ao desenvolvimento regional.

Pode ser até mesmo uma forma de avançarmos na construção de novas

metodologias para o tema do planejamento espacial metropolitano ou

regional.

Reforça, pois, o olhar sobre a cidade como elemento espacial de

integração, que se relaciona com a região em que está inserida e, portanto pode

propor soluções para os problemas comuns em conjunto.

Uma importante contribuição é oferecida por Oliveira (2001, p. 1) ao afirmar

que “A cidade se origina da necessidade de contato, comunicação, organização e

troca entre homens e mulheres”, e esse contato se amplia no intercâmbio entre

cidades, no intuito de reforçar as características locais e regionais.

Os municípios devem reforçar suas potencialidades, vocações e

identidades, na perspectiva do desenvolvimento local sustentável, através do uso

racional dos recursos naturais, investindo também nos serviços de infra-estrutura

e em iniciativas de valorização sociocultural. É importante lembrar que a

descentralização de investimentos federais e estaduais para o interior dos

estados contribui bastante para alcançar o desenvolvimento de forma mais

equilibrada.

A cultura caracteriza um local, pois está diretamente ligada ao espaço, à

história e aos símbolos locais. Distingue a forma como as pessoas se relacionam

com seu meio, e estabelece uma estreita relação com o desenvolvimento

econômico e político local. “O desenvolvimento divorciado do seu contexto

humano e cultural não é mais do que um crescimento sem alma” (UNESCO).

Diante da globalização as características locais têm que ser reforçadas,

para não se perderem e porque são elas que vão caracterizar da região à

localidade, ressaltando seus diferenciais propícios ou não ao desenvolvimento.

A cultura é elemento essencial no planejamento, gestão e conservação das

cidades, visando seu desenvolvimento sustentável e a valorização das

características específicas de cada local, nesse sentido Taylor (1871, p. 9)

destaca que ao “Falar de cultura significa falar da história da humanidade, pois o

termo engloba costumes, arte, arquitetura, cultos e comportamentos diversos que

Page 76: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

76

caracterizam e distinguem povos, mas que é também um elo entre muitos, “um

todo completo”

O desenvolvimento sustentável urbano é um aliado na valorização da

dimensão cultural, valorizando a cidade e direcionando o crescimento desta,

atraindo investimentos para o verdadeiro desenvolvimento local.

A questão social é preocupação constante, em Harvey (1980) podemos

perceber o objetivo social do ordenamento político territorial, quando questiona se

“é possível harmonizar as políticas que governam a forma espacial e os

processos sociais de modo a assegurar a obtenção de, sobretudo, algum objetivo

social?” Se a resposta for não, a segregação é conseqüência.

O Plano Diretor é a busca dessa resposta positiva e no seu processo, é

fundamental a participação de diversos setores da sociedade civil e do governo:

técnicos da administração municipal, órgãos públicos estaduais, federais,

instituições de ensino, movimentos populares, representantes de associações de

bairros e de entidades da sociedade civil, além de empresários, comerciantes e

quem mais venha a se interessar pelo futuro da cidade.

A participação, segundo Demo (1990, p. 97) “é processo, não produto

acabado”, é necessário um início, uma vontade, um despertar, um estímulo para

que se chegue a uma participação ampla da comunidade, “uma questão de

educação de gerações”, completa.

Analisar a situação atual para se definir ações é indispensável. É preciso

esboçar a imagem detalhada do sistema atual e então propor mudanças. Ao final

da análise obtém-se um diagnóstico de passado, presente e futuro.

Para a formulação das possibilidades de gestão e cenário mais provável é

de grande importância a posição assumida pelos atores envolvidos, visando

interesses destes e os conflitos existentes.

Algumas ferramentas gerenciais podem ser utilizadas, como o

planejamento estratégico, apoiando a escolha de um modelo de gestão que

permita a criação de espaços que estimulem a participação, a co-

responsabilidade e o acompanhamento da gestão pela população.

Page 77: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

77

O planejamento estratégico aplicado à forma de governar o público, traz

como ponto fundamental a inter-relação entre os atores sociais e políticos, público

e privado, na busca de desenvolvimento. A ação deve estar pautada na reflexão,

no cálculo antecipado do reflexo desta no futuro.

Aplicado ao ambiente governamental público vem integrar atores que antes

agiam independentemente uns dos outros e prevê com essa integração um

enriquecimento político, econômico, cultural e social, pois a partir do momento

que a gestão é capacitada e o projeto de governo atinge as lacunas existentes

anteriormente com a participação ativa dos atores sociais, o desenvolvimento

torna-se conseqüência dessa integração.

A busca pela solução dos conflitos não deve ser única do governo, mas de

todos os meios envolvidos, assim, se cada qual procurar resolver sua fração,

teremos o crescimento local e global que se espera.

Planejar o desenvolvimento municipal é um dos maiores desafios para o

poder público nos dias incertos que correm e o Plano Diretor dos municípios é

instrumento fundamental na articulação das ações de seu planejamento.

Mas, o município não se limita ao urbano, assim também não pode limitar-

se a este seu Plano Diretor, visto que, urbano e rural estão diretamente ligados. O

que deve-se abordar portanto, são os problemas do município como um todo,

estejam estes na área urbana ou rural; a relação destes entre si e com a região.

A atualização dos dados, o replanejamento, têm de ser constantes.

Buarque (2002) infere que “a única coisa realmente constante é a mudança”, e

destaca a importância da participação da sociedade para que essa mudança seja

em seu benefício:

O planejamento e o Estado – como agente regulador – ganham

relevância, assumem papéis e se tornam uma necessidade vital na

medida em que a sociedade se oriente para o desenvolvimento

sustentável e para a construção de um novo estilo de desenvolvimento

que busca a conservação do meio ambiente, o crescimento econômico e

a eqüidade social.

A mobilização da cidadania local é fundamental para garantir que os

benefícios previstos no Plano Diretor possam ser efetivados e sair do papel,

Page 78: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

78

considerando as características de cada município no enfrentamento das

questões urbanas essenciais.

O Planejamento tem como meta trazer a teoria à prática, tornar o planejado

em ação política, popular, coletiva, mas como sabemos e já citado por Giddens

nas palavras de Ira J. Cohen, “se fosse uma questão simples reconciliar ação e

coletividade em uma teoria social única, então a discriminação entre esses temas

jamais seria cogitada” (COREN, 1999, p. 394).

Com o planejamento estratégico, o município passa a ser detentor do

“maior papel no combate à pobreza e à exclusão social”, deixando a tradicional

visão assistencialista e passando a adotar “programas de geração de emprego e

renda, ações de solidariedade no combate à fome, investimentos em infra-

estrutura urbana, etc. ...” (BAVA, 1996, p.53).

A responsabilidade de planejamento de políticas públicas está, ou deveria

estar pautada na confiança. Nas palavras de Giddens, “a confiança sem

responsabilidade pode tornar-se unilateral, ou seja, cair na dependência; a

responsabilidade sem confiança é impossível, porque significaria o escrutínio

contínuo dos motivos e das ações do outro” (GIDDENS: 1993, p. 191). Giddens,

considera a democracia como um instrumento de transformação coletiva para

modificar os padrões existentes.

Ora, pois não é então o Plano Diretor essa ferramenta a serviço da

democracia? Construído de forma democrática e participativa, o plano constitui-se

no mais importante instrumento na busca de cidades mais justas e na construção

de um pacto sócio-territorial que mude o quadro de desigualdades expressivo de

nosso território.

A visão política vem na frente da técnica, pois o Plano Diretor é um

instrumento vinculado aos poderes e atribuições de um governo municipal. São

duas dimensões interligadas, sendo que a política visa garantir o acesso à cidade,

o direito a ela e a dimensão técnica visa buscar as formas de viabilizar esse

acesso. Acessibilidade torna-se assim, palavra chave da cidade democrática.

“O exercício político do planejamento é como um jogo; um jogo que se

desenvolve em arenas diversas, na ausência de regras preestabelecidas”

Page 79: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

79

(MONTEIRO, 1990, p.12), onde é melhor participar do que apenas sofrer as

conseqüências, pois todos que habitam o território sentiram seus efeitos, positivos

ou não.

A clareza nas diretrizes estabelecidas é presença obrigatória para que a

confiança prevaleça sobre o jogo de poderes e que estes não se escondam por

trás de decisões tão norteadoras do futuro das cidades.

Toda proposta participativa significa divisão de poder para ser autêntica,

mas não está na lógica do poder dividir-se e este pode ser um dos empecilhos do

processo participativo.

o poder, nome comum, se esconde atrás do Poder, nome próprio.

Esconde-se tanto melhor quanto maior for a sua presença em todos os

lugares. Presente em cada relação, na curva de cada ação: insidioso, ele

se aproveita de todas as fissuras sociais para infiltrar-se até o coração

do homem. A ambigüidade se encontra aí, portanto, uma vez que há o

‘Poder’ e o ‘poder’. Mas o primeiro é mais fácil de cercar porque se

manifesta por intermédio dos aparelhos complexos que encerram o

território, controlam a população e dominam os recursos. É o poder

visível, maciço, identificável. Como conseqüência é o perigoso e

inquietante, inspira a desconfiança pela própria ameaça que representa.

Porém, o mais perigoso é aquele que não se vê, ou que não se vê mais

porque acreditou tê-lo derrotado, condenando-o à prisão domiciliar

(RAFFESTIN, 1993, p.52).

Conquistar o espaço da participação é o ponto de partida para a solução

dos problemas de um município. O desenvolvimento sustentável, procura a

eqüidade entre comunidades e entre gerações com a parceria entre governo e

sociedade, cidades, paises, povos, interligados em busca do crescimento geral

baseado na sustentabilidade.

Salgado (1996) aponta que a “melhoria da qualidade de vida,

democratização do poder e defesa do meio ambiente constituem-se bandeiras

que estão sendo assumidas com maior consistência, gerando transformações na

ação municipal”. Com a aplicação do desenvolvimento sustentável, aumenta-se a

sustentabilidade do território, pois, melhor administrado, com diretrizes que

Page 80: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

80

demonstrem os principais fatores que levem ao seu uso mais adequado, que

atenda à população, sem eliminar os recursos que serão necessários no futuro.

O desenvolvimento sustentável deve atingir todas as classes, todos devem

participar de uma administração mais envolvida com o crescimento humano e não

apenas econômico. E para que o ser humano cresça, ele precisa de uma

natureza preservada, de sua memória histórica e cultural resguardada e de

condições de vida mais dignas.

Assim, o planejamento, como ferramenta de gestão, possibilita a tomada

de decisões estratégicas, considerando os diferentes aspectos sociais,

econômicos e ambientais do município, e amplia a visão do gestor, estabelecendo

prioridades para superar as dificuldades e desenvolver as potencialidades, no

sentido de assegurar o futuro desejado.

Para que o Plano Diretor seja o início da construção das cidades que

queremos, é preciso não só cobrar, mas participar ativa e criticamente do seu

processo, do planejamento à implantação, das revisões e adequações

necessárias, porque o território é de quem o faz, quem trabalha por ele, de quem

luta por viver de forma digna no seu espaço.

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81

CAPÍTULO V

PLANOS DIRETORES DE PORTO VELHO

1990 – 2008

Complementando nosso estudo sobre a cidade de Porto Velho, para o qual

nos baseamos no estudo teórico-histórico feito nos capítulos anteriores,

passaremos agora análise de seus Planos Diretores.

Porto Velho concluiu neste ano (2008) seu segundo Plano Diretor – PD,

isto é, dezoito anos após a elaboração do primeiro, vigente portanto de 1990 até

2008. Abordaremos os pontos relevantes dos dois planos, na tentativa de detectar

suas qualidades e lacunas, considerando o momento em que foram

desenvolvidos.

O grande diferencial entre eles está na criação do Estatuto da Cidade em

2001, que estabeleceu pontos que norteiam os Planos Diretores10 elaborados a

partir desta data, como parte da nova política urbana. São pontos a serem

discutidos e que devem fazer parte do PD de cada município. Com ele os Planos

Diretores tomaram um cunho mais humano, social, deixaram de ter o aspecto

apenas técnico, de ser sinônimo de zoneamento, como eram a maioria destes

documentos até então. E o de Porto Velho não foge à regra.

Começamos pela análise do PD/1990, elaborado pela Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP e pela

Fundação de Pesquisa Ambiental, da mesma Universidade.

Este Plano traçava, como sua definição e abrangência, a promoção do

desenvolvimento das funções sociais da cidade nos campos político, estratégico,

social e físico-territorial, e tem como objetivos definir diretrizes para o uso e

ocupação do solo urbano, a localização de equipamentos e de serviços urbanos e

atenção ao sistema viário.

Textualmente, as propostas de melhorar a qualidade de vida da população

através do planejamento de uso da cidade são relevantes quando propõem:

10 É preciso esclarecer que os planos diretores são instrumentos de planejamento municipal que devem abranger todo o município. Isto é, devem ordenar todo o território do municipal: rural e urbano.

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82

- redução das desigualdades;

- eliminação das deficiências nas redes de equipamentos sociais e de infra-

estrutura;

- elevação da qualidade do meio urbano;

- participação popular;

- manutenção do limite das áreas urbanizadas.

E constituía como objetivos estratégicos, a implantação de zoneamento e

de hierarquia viária. Porém, os pontos abordados não tomaram a dimensão

esperada, por inconsistência do próprio Plano, assim como a atenção aos

padrões de meio fio, sarjeta e calçadas, no intuito de privilegiar o pedestre, pois

qualquer pedestre tem dificuldade de circulação pelas ruas de Porto Velho.

Como objetivos sociais, constitui prioridade o atendimento escolar urbano

e recomenda a promoção de estudos técnicos para diversos projetos que não

aconteceram.

Com relação aos objetivos físico-territoriais, assegura que o

desenvolvimento urbano do município garanta a qualidade de vida. Para tanto,

sugere a promoção de estudos que eliminem enchentes, impeça a ocupação de

áreas de risco, que preserve os recursos naturais, implante áreas verdes,

preserve o patrimônio histórico-cultural; porém, não define as áreas em questão e

não propõe ações efetivas. Enfim, são sugestões generalistas, evasivas.

Dentre as diretrizes políticas , estão: criar conselhos visando participação

popular, reformular os órgãos municipais e promover articulação entre órgãos.

Como diretrizes estratégicas, propõe “elaborar políticas de ocupação do

solo urbano que estimulem a ocupação dos vazios urbanos, com o conseqüente

adensamento populacional em regiões da cidade.” Propõe, também, estudos para

implantação de equipamentos urbanos.

Percebemos que estes estudos deveriam ser desenvolvidos no processo

de elaboração do PD. No entanto, diversas vezes no texto há a sugestão de se

desenvolver estudos para propor soluções, mas o documento não articula nem

Page 83: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

83

sequer quem deve promover os estudos. É tudo muito vago, sem estipulação de

prazos, sem uma seqüência, sem direcionamento.

Apresentamos na seqüência um estudo feito por empresa contratada pela

Prefeitura de Porto Velho para iniciar a análise e levantamentos para embasar um

novo Plano Diretor. Nele são detectadas quais as proposições do PD/1990 que

obtiveram êxito.

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84

PLANO DIRETOR MUNICIPAL DE PORTO VELHO O Plano Diretor – 1990 Consistência, Atualidade e Nível de Implantação Consórcio Cyro Laurenza

PROPOSIÇÕES CAMPO

NATUREZA TEOR

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Promoção da melhoria de vida e redução das desigualdades Eliminação das deficiências nas redes de equipamentos sociais e de infra-estutura Participação dos cidadãos nos processos decisórios Coibição do uso anti-social do solo Levantamentos anuais do Município com indicação de ocupação urbana

Obj

etiv

os

Elevar a qualidade do meio ambiente, resguardar recursos naturais e o patrimônio histórico

Reformular a organização dos órgãos municipais Promover a articulação com órgãos e entidades federais e estaduais, em especial à política de saneamento básico, meio ambiente e transporte de cargas

Política

Dire

triz

es

Criar conselhos representativos da comunidade junto aos órgãos de planejamento e de execução Promover o crescimento da cidade na área urbanizada

Manutenção do perímetro urbano legal em vigor Promoção do adensamento e ocupação de lotes vazios

Estratégica

Obj

etiv

os

Implantação de zoneamento com predominância de usos a serem incentivados

Page 85: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

85

Implantação de Hierarquia viária Padronização de meios-fios, sarjetas e calçadas

Elaborar políticas de ocupação do solo urbano na ocupação dos vazios Promover estudos e pesquisas relacionadas às atuais predominâncias de uso do solo Hierarquizar o sistema viário

Dire

triz

es

Promover a articulação dos órgãos federais e estaduais reativação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

Priorizar o atendimento da população escolar urbana do primário ao final do primeiro ciclo Estabelecer sistema de distribuição de unidades escolares Promover o atendimento adequado à população quanto à rede de equipamentos de saúde Promover estudos de modernização e complementação da rede de serviços de saúde Estabelecer sistema de distribuição, dimensionamento e padronização dos Centros Sociais Urbanos Promover estudos técnicos objetivando modernizar o serviço de coleta, transporte e destinação final dos resíduos sólidos urbano e escolher local apropriado para instalação de um aterro sanitário

Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Cultural Promover estudos técnicos objetivando a localização de Áreas de recreação Promover estudos técnicos objetivando a localização do Parque Ecológico Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Poliesportivo Municipal Promover estudos técnicos objetivando a localização do Cemitério Parque Promover estudos técnicos objetivando a localização do Centro Administrativo Municipal

Obj

etiv

os

Promover estudos técnicos objetivando a localização do Viveiro Municipal

Realizar pesquisas para a implantação de Planos setoriais de educação e saúde e sistema de creches nas áreas deficientes

Implantar Escola Modelo voltada à formação de professores Implantar Estádio Poliesportivo na área verde próxima ao Igarapé da Penal Implantar Centro Cultural junto à Praça da Estação da estrada de Ferro Madeira-Mamoré Implantar Cemitério Parque nas proximidades do Parque ecológico

Implantar Aterro Sanitário a 21km da cidade com acesso pela rodovia BR-364 Implantar Centro Administrativo Municipal junto ao entroncamento da BR-364 com a Av. Jorge

Teixeira

Social

Dire

triz

es

Implantar Central de Abastecimento no setor urbano formado pelas vias Gov. Jorge Teixeira, Costa e Silva e Calama.

Page 86: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

86

Assegurar o desenvolvimento urbano do Município visando garantir e elevar o padrão de vida Promover estudos para diminuição de áreas de enchentes e proibir sua ocupação Preservar recursos naturais da cidade Promover a pavimentação de logradouros públicos Proibir a construção de avenidas de fundo de vales Desenvolver sistema de áreas verdes, áreas de lazer considerando o aproveitamento de talvegues e áreas inundáveis

Obj

etiv

os

Preservar e melhorar a paisagem urbana, recursos naturais e patrimônio histórico

Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de sistemas de áreas verdes de recreação e lazer

Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de Plano de Drenagem Urbana Realizar estudos e pesquisas visando a implantação de Plano Setorial de Operacionalização de serviços urbanos

Impedir a aprovação de novos parcelamentos do solo urbano nas áreas externas ao atual perímetro urbano do Município

Elaborar políticas de preservação do ajardinamento do sistema de áreas vedes Equipar com serviços e mobiliário urbano adequado os trechos de logradouros da cidade, destinados ao uso de pedestres

Estimular a iniciativa privada para equipar e manter logradouros públicos da cidade Instalar Parque Ecológico em área rural e elaborar políticas inibidoras do crescimento urbano em suas instalações

Manter a localização da atual Estação Rodoviária e expandir sua área.

Físico-Territorial

Dire

triz

es

Implantar Terminal de Cargas, junto ao porto no Rio Madeira próximo ao anel viário básico Legenda:

Proposições Não Implantadas

Proposições Parcialmente Implantadas

Proposições Implantadas

Fonte: Prefeitura de Porto Velho - SEMPLA

Page 87: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

87

Segundo análise do Consórcio Cyro Laurenza, poucas das propostas

tiveram prosseguimento, a maioria delas ficou apenas no discurso e no papel.

Consideramos que os grandes entraves ao prosseguimento e efetivação

das ações apontadas como necessárias no PD/1990 foram principalmente a

ausência de um cronograma de atividades a serem cumpridas a curto, médio e

longo prazos e o não direcionamento de recursos para que essas ações

pudessem se efetivar. Ao contrário, ele adia os estudos operacionais setoriais

para um futuro indeterminado, privando o Plano da chance de delinear um quadro

de demandas quantitativamente consistente no tempo.

Também é fato que a vontade política em dar prosseguimento aos estudos

e proposições do Plano Diretor foi ausente, o que obstrui o processo de

planejamento, pois este envolve permanente revisão, atualização e controle para

que seja efetivo. “Ora, a vontade política é o fator de excelência das transfusões

sociais” (M. SANTOS, 2005, p.140).

No tocante ao zoneamento, o PD/1990 fez mais um mapeamento da forma

como o espaço já era usado do que um planejamento propriamente dito e

considerou como zona de expansão urbana as contidas fora do perímetro urbano

até 5000 (cinco mil) metros, ou seja, considerou a linha limítrofe da cidade 5km

adiante sem importar-se se a faixa abrangia rio, igarapés, áreas impróprias para

edificar, sem qualquer estudo das áreas nela contidas o documento permite à

cidade desenvolver-se fisicamente nesse sentido. Observamos aí um confronto

com o desejo de adensamento urbano e contensão da expansão expresso no

mesmo documento.

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88

Figura 13 - Zoneamento – PD/1990

Fonte: Prefeitura de Porto Velho - SEMPLA

Page 89: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

89

Outros aspectos não abordados no PD de 1990 serão comentados em

conjunto com o de 2008 quando contemplados por este.

5.1. Um novo Plano Diretor – PD/2008

O PD/2008 já inicia com algumas vantagens. Primeiro, por ter como ponto

de partida o PD de 1990, foi possível se criticar e apontar falhas e acertos.

Também, por ter em mãos diagnósticos e material levantado pelo consórcio Cyro

Laurenza, Engefoto e Policentro que mapeou toda cidade de Porto Velho. E, por

último, porque contou com um grande aliado que é o Estatuto da Cidade, que,

inclusive, deu embasamento legal às proposições do novo PD.

O PD/2008 começa traçando a história da formação da cidade de Porto

Velho. Localiza o município e a região em que se insere, analisa desde a criação

da EFMM ao sistema viário regional atual. Abrange, ao menos em sua

contextualização, as terras indígenas, as unidades de conservação e os distritos

para os quais adota o Zoneamento-Sócio-Econômico-Ecológico, produzido pela

Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral – SEPLAN, adiando

um replanejamento das áreas citadas.

No aspecto sócio-econômico e demográfico prevê um grande crescimento

devido à construção das Hidrelétricas do Rio Madeira. De início, faz uma projeção

de 409.405 habitantes para o ano de 2010 e 448.263 para 2015, sem levar em

consideração a construção das usinas. Considerando as usinas, a projeção

cresce de 394.822 habitantes em 2008 para 419.838 habitantes em 2010.

Compõe o histórico da malha urbana e os limites impostos a ela, sejam

naturais como os igarapés ou construídos como o aeroporto e a BR-364, para

justificar seu crescimento para o leste.

É dado o devido destaque à questão da habitação como “extremamente

preocupante”, quadro que tem grande probabilidade de ser agravado com a

pressão sobre o setor imobiliário impulsionado pela instalação das usinas. Para

elaborar estudos sobre este tema, somado ao da Regularização Fundiária, foi

contratada uma empresa especializada com o apoio do Banco Interamericano de

Desenvolvimento – BID, que em conjunto com a Secretaria de Regularização

Page 90: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

90

Fundiária e Habitação - SEMUR elaboraram diagnósticos sobre o assunto,

indicando os instrumentos políticos a serem usados para saldar seu déficit.

No campo da Infra-estrutura e Serviços Públicos, assunto não abordado

em 1990, detecta problemas quanto ao saneamento ambiental, principalmente

quanto ao abastecimento de água, cuja rede existente serve apenas 50% dos

domicílios e esgotamento sanitário, problema ainda maior, pois apenas 1,8% dos

domicílios possui rede coletora. A drenagem urbana é feita em sua maior parte à

céu aberto. Recursos do Plano de Aceleração do Crescimento - PAC, do Governo

Federal, devem sanar estes problemas.

O desrespeito a áreas de preservação, como a APA do Rio Madeira e a

coleta de lixo, que atende 80% da população, e destino final dos resíduos também

são abordados e informa que um novo aterro deverá ser implantado na altura do

km 9 da BR-364, sentido Cuiabá.

Quanto ao sistema viário, sua hierarquização já era prevista em 1990,

porém o de 2008 detecta a ausência dessa hierarquia, o que somado a outros

fatores, tais como imprudência de motoristas e pedestres resulta em um alto

índice de acidentes de trânsito. O PD atual faz um diagnóstico mais preciso,

identificando 106 mil carros e 165 mil bicicletas, segundo a SEMTRAN –

Secretaria Municipal de Trânsito. A construção de dois shoppings, já citados

anteriormente, e de outros empreendimentos na cidade, como faculdades,

constituem inovações que causam grande fluxo, merecendo estudos a parte.

Neste sentido, está sendo exigido pela SEMTRAN o Estudo de Impacto de

Vizinhança, na intenção de minimizar transtornos. Ainda sobre este tema, pode-se

salientar a necessidade de reestruturação do terminal rodoviário.

Surpreende-nos o fato do PD/2008 (p.20), mais moderno que o anterior,

fazer referência ao uso de bicicletas como problema:

Aos problemas de circulação regional soma-se o conflito provocado por motos e bicicletas que circulam junto com os demais veículos, originando um número significativo de acidentes de trânsito.

É lamentável que o documento tenha o usuário como vilão do trânsito,

quando na verdade os acidentes são ocasionados pela falta de estrutura

oferecida pela cidade para uma boa fluidez e circulação do trânsito. O próprio

Page 91: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

91

Ministério das Cidades, do Governo Federal, desenvolveu o Programa Brasileiro

de Mobilidade por Bicicleta – Bicicleta Brasil que visa proporcionar

o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos de transporte coletivo e não motorizados de maneira efetiva, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Esta nova abordagem tem como centro das atenções o deslocamento das pessoas e não dos veículos.11

Pois considera a inserção da bicicleta no desenho urbano uma

necessidade para dar suporte à Mobilidade Urbana Sustentável, incorporando-se

a necessidade da construção de ciclovias e ciclofaixas. Além disso, estimula o

desenvolvimento e aprimoramento de ações que favoreçam o uso da bicicleta

como modo de transporte, com mais segurança.

A energia elétrica é tida como serviço deficitário. As telecomunicações e

comunicação social são citadas como aspectos positivos ao entretenimento e

informação local.

O documento traz um mapa dos principais equipamentos urbanos

existentes na cidade, quais sejam os hospitais e seus raios de influência e de

educação com os respectivos raios de influência e detecta a carência em

equipamentos de esporte e lazer.

O sistema de transporte público, segundo o PD/2008, é operado por 2

empresas que percorrem 54 linhas. O mapa que demonstra esse serviço possui

um esboço ilegível, dando a impressão de que essas linhas tendem a sair da

região periférica em direção ao centro e vice-versa.

O PD/2008 traça o perfil da Estrutura Administrativa Municipal, composta

de 16 secretarias, Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano – ENDUR,

Fundação Cultural Yaripuna, Instituto de Previdência e Conselhos. Faz uma

crítica à máquina administrativa no que concerne às reformas desta, que somam

quatorze de 1990 a 2008, constatando falha na atribuição de competências de

cada órgão, provocando desentendimento entre as secretarias. Elege três

secretarias como tendo maior importância no processo de gestão urbana: a de

Planejamento e Coordenação, a de Regularização Fundiária e Habitação, criada

11 Disponível no link http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/transporte-e-mobilidade/programas-e-acoes/bicicleta-brasil/apresentacao/

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92

na última gestão, e a de Trânsito. Detecta ausência de capacitação dos

servidores e recomenda que, por meio desta, é possível melhorar a qualidade dos

serviços prestados. Como solução aponta a já efetuada adesão da Prefeitura ao

Programa de Modernização da Administração Tributária e de Gestão dos setores

Sociais Básicos, Fiscal dos Municípios Brasileiros – PNAFM, do Ministério da

Fazenda com vistas à eficiência e eficácia dos serviços públicos.

Entre os anos de 2002 e 2003 foi feito o mapeamento das informações

cadastrais e levantamento aerofotogramétrico com informações cadastrais

bastante úteis, porém não é atualizado, ação já recomendada pelo PD/1990.

O texto ainda discorre sobre o conjunto de leis que constituem os

instrumentos aplicáveis para política de desenvolvimento e expansão urbana,

legislação urbanística, ambiental e edilícia, Lei Orgânica do Município e o

Zoneammento Sócio-Econômico-Ecológico de Rondônia.

A receita arrecadada, segundo o PD tem variação percentual positiva, e

com o PAC, Porto Velho foi contemplado em diferentes programas, conforme

tabela disponível no PD:

Tabela 07 – Recursos dirigidos ao Município

Programa Valor (R$ 1,00)

Saneamento e urbanização 105.300.000

PAC/FUNASA 14.000.000

Construção de Habitações de interesse social (FNHIS) 24.500.000

Total 143.800.000

Fonte: Plano Diretor de Porto Velho 2008

Estima-se o seguinte quadro de receita até 2016:

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93

Crescimento significativo da receita em

função de royalties dos empreendimentos

previstos, ICMS, ISSQN.

Tabela 08 - Receita 2006-2016

Fonte: Plano Diretor de Porto Velho 2008

5.2. O que mudou em 18 anos

Passamos a analisar, conforme seqüência que adotamos do próprio

PD/2008, as diretrizes propostas por este.

O PD deixa claro que as propostas são voltadas para o distrito sede de

Porto Velho, mas que durante os estudos deste, foram feitos levantamentos de

dados e carências também dos distritos, uma segunda etapa do trabalho deverá

elaborar planos para o desenvolvimento destes distritos, em curto prazo pelo

Poder Executivo Municipal. A principal reivindicação dos moradores desses

distritos se refere a abastecimento de água e esgotamento sanitário.

O Macrozoneamento trata o município como um todo e divide-o em três

áreas integradas, a Macrozona Urbana (MU), representada pelo distrito sede e

núcleos urbanos dos demais distritos; Ambiental (MA) são áreas dedicadas à

proteção dos ecossistemas e dos recursos naturais, constituídas pelas Terras

Indígenas e Unidades de Conservação e a Rural (MR) constituída pelas áreas

restantes.

Anos Receita estimada

(em milhões)

2006 287,5

2007 312,8

2008 341,2

2009 370,4

2010 402,4

2011 432,9

2012 461,7

2013 490,0

2014 519,3

2015 548,2

2016 576,9

Page 94: Da Borracha às Turbinas: A Produção do Espaço de Porto Velho – RO

94

As Diretrizes de Uso e Ocupação do Solo para o distrito sede do Município

de Porto Velho pretendem assegurar um crescimento ordenado e uma melhor

qualidade de vida da população.

As propostas iniciam redefinindo os usos numa importante avenida da

cidade, a Avenida Jorge Teixeira, que passa a ser considerada Área Central

Especial e sofre um redirecionamento de usos.

No que concerne ao Setor Histórico da cidade restringe-se a subordinação

das restrições a área e diretrizes impostas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional – IPHAN, órgão do Governo Federal. Vimos que este ponto

poderia ser amplamente discutido em conjunto com o IPHAN, a sociedade e

demais setores interessados e não apenas subordinado. A cidade deixa de

discutir e propor legislação própria para preservar sua história, de incentivar a

conscientização dos valores culturais tão importantes para a inserção do cidadão

como parte da cidade que habita. A própria prefeitura tem desenvolvido um

Projeto de Revitalização do Centro, que abrandge área não contemplada pelas

diretrizes do IPHAN, e tem tido grande êxito com projetos em andamento como o

Mercado Cultural, antigo Mercado Municipal a já concluída Praça das Caixas

D´Água, em obras, praças e outros prédios de importância para a cidade, mas

que não são tombados pelo IPHAN e portanto fogem a sua proteção, como a

antiga Câmara Municipal e o Mercado Central, também em obras. A Revitalização

do Complexo Madeira Mamoré que encontra-se em obras teve o projeto

elaborado pelos técnicos da SEMPLA e aprovado pelo IPHAN e está em obras.

No setor comercial, o PD cria corredores de atividades comerciais e

serviços, em áreas já detectadas com este uso.

Diferente do PD de 1990 que definia como área de expansão urbana 5km

em torno de toda a extensão de limite da cidade, o que demonstrava uma

inexistência de estudo das áreas com possibilidade de expansão, o PD de 2008

define duas áreas concentradas, com uso definido para chácaras de lazer, ponto

que demonstra a real preocupação em adensar a ocupação dentro do limite

urbano existente.

Reserva uma área para as atividades industriais, assunto não definido em

1990, a leste da cidade, próxima à BR-364, desviando o tráfego pesado do centro

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95

da cidade, pois o PD prevê também um Contorno Leste e o outro Sul, que

desviará o trânsito para as obras das hidroelétricas, e outros empreendimentos

desta área. .

Delimita Zonas Especiais de interesse social em duas áreas especificas,

uma a leste da cidade e outra ao sul, em área pertencente ao exercito.

O IPTU progressivo e a urbanização compulsória, instrumentos aplicáveis

segundo o Estatuto das Cidades serão grandes aliados na eliminação dos vazios

urbanos. O PD define áreas para inicio desse adensamento e aplicação desses

instrumentos.

Os centros de bairros já existentes, como do Tancredo Neves e da Av.

Jatuarana, são reconhecidos e reforçados pelo PD como tendência espontânea

para os quais propõe melhorias.

A mobilidade urbana já terá grande melhora com o deslocamento do

tráfego pesado através dos contornos criados e além disso o PD tem como

diretrizes e propostas:

- planejamento integrado de transportes e uso do solo;

- priorizar o transporte coletivo ao privado, com a implantação de terminais

de bairro e faixa exclusiva para ônibus;

- melhora da acessibilidade para pedestres e portadores de necessidades

especiais com um programa de recuperação de calçadas;

- estimular o uso de bicicletas, ampliando ciclovias e ciclofaixas integradas

ao sistema viário.

- hierarquização das vias, indicado no PD 1990 e novamente no atual,

adiantando algumas das propostas que farão parte de um Plano de Mobilidade

Urbana.

O Meio Ambiente é tido como ponto sensível na cidade de Porto Velho,

possui igarapés que deveriam ser protegidos e tem suas áreas ocupadas

irregularmente e poluídas.

Tem por diretrizes:

- impedir a ocupação das áreas de risco;

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96

- realizar um programa de parques lineares;

- elaborar projeto de macro drenagem das águas pluviais;

- proteção das APA’s;

- ampliação de áreas verdes.

- programas de educação ambiental

O PD/2008 prevê integração entre os programas de Regularização

Fundiária, Habitação, PAC em benefício do Meio Ambiente, pois as áreas que

precisam ser preservadas são constantemente invadidas por uma faixa da

população que necessita ser beneficiada pelos programas habitacionais.

Não basta remover estas pessoas das áreas impróprias, é necessário que

os projetos de revitalização dessas áreas degradadas sejam implementados e

passem a fazer parte do lazer e bem estar da população local, para que esta

ajude a preservar, da mesma forma as praças que já estão sendo resgatadas, um

plano de arborização urbana se faz necessário.

Como apoio a outras ações, como proteção das áreas verdes

remanescentes, o PD faz referência ao Código Municipal de Meio Ambiente.

O turismo ecológico é citado como potencialidade, para isso é necessário

catalogar pontos turísticos, divulgar e desenvolver programas de promoção

turística.

Ao final do texto do PD/2008 o Patrimônio Histórico Cultural é outra vez

abordado e novamente há ausência de proposta.

No mapa de zoneamento podemos observar o novo limite urbano, que

engloba parte da zona leste que já extrapolava a antiga delimitação, a delimitação

das Zonas de Interesse Social – ZEIS, a Zona Atacadista – ZA transferida para

área próxima a industrial – ZI, e áreas que tiveram seus usos atualizados.

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Figura 14 – Zoneamento PD/2008

Fonte: Plano Diretor de 2008

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Pudemos observar com a análise dos dois Planos Diretores do Município

de Porto Velho, de 1990 e de 2008, a evolução das propostas, o fortalecimento de

idéias e a abertura dos caminhos legais para efetivação das diretrizes apontadas,

no intuito, de sanar os problemas deste espaço chamado cidade que acolhe as

pessoas, que é espaço de trabalho, de relações, de lazer, de cultura, de vida,

deve ser planejada com a participação de todos para que possa realmente

atender as necessidades e anseios da maioria, conjunto de idéias de diferenças,

mas também, de semelhanças.

O Plano Diretor de 2008 abrange e aprofunda assuntos pouco ou não

abordados em 1990, o que nos leva a considerá-lo um crescimento em termos de

instrumentos para gerir a cidade de Porto Velho.

Podemos apontar como destaque do Plano de 2008 a integração de planos

de ação de Habitação e Meio Ambiente, na busca de um planejamento

sustentável que possa organizar os usos das cidades proporcionando bem estar

ao seu usuário, nesse sentido o PD pode ser instrumento de conciliação do

homem e da natureza, seguindo o dizer de M. Santos:

Quando a natureza se torna social, cabe a geografia perscrutar e expor como o uso consciente do espaço pode ser um veículo para a restauração do homem e sua dignidade. Os geógrafos, ao lado de outros cientistas sociais, devem se preparar para colocar os fundamentos de um espaço verdadeiramente humano, um espaço que uma os homens por e para seu trabalho(...) (2002, p.267).

A aplicação de medidas concretas para incentivo do adensamento urbano

tem papel fundamental para que haja um melhor aproveitamento da infra-

estrutura urbana e possibilita a inclusão de toda a população nos projetos de

expansão de sua rede.

Ausência de cronogramas pode interferir negativamente na efetivação das

ações do PD, que como todo processo de planejamento, precisa de continuidade,

e esta determinará o êxito ou não das propostas, demandando ações integradas e

estratégicas, sobretudo para promover a participação popular nessa continuidade,

pois sem a mobilização da sociedade não há efetivação das melhorias propostas.

A cidade que queremos, mais justa e com qualidade de vida deve ser

objeto de um planejamento contínuo, M.Santos considerou que o espaço, que

aqui tratamos na escala da cidade,

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99

deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e anima, ou seja, a sociedade em movimento. [...] um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos ; não entre estes especificamente, mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediado pelos objetos naturais e artificiais (1991, p.71).

São as relações que acontecem na cidade que a transformam dia após dia

e se essa transformação não for auxiliada tecnicamente tem como resultados a

exclusão social e a conseqüente degradação do meio. Segundo o mesmo autor,

Estaríamos, agora, deixando a fase da mera urbanização da sociedade, para entrar em outra, na qual defrontamos a urbanização do território. A chamada urbanização da sociedade foi o resultado da difusão, na sociedade, de variáveis e nexos relativos à modernidade do presente, com reflexos na cidade. A urbanização do território é a difusão mais ampla no espaço das variáveis e dos nexos modernos. Trata-se, na verdade, de metáforas, pois o urbano também mudou de figura e as diferenças atuais entre a cidade e o campo são diversas das que reconhecíamos há alguns poucos decênios (M. SANTOS, 1993, p.125)

A abordagem regional deve ser explorada, visto que as influências

principalmente econômicas influenciam o local. A cidade precisa estar estruturada

na escala local, para que o global não seja fator de desvalorização, mas de

destaque desta entre as tantas outras. Os fluxos econômicos, de conhecimento e

tecnologia definem esse novo espaço urbano e surge a cidade global, que se

interliga às demais através destes.

O uso do solo urbano também determinará seu valor, ao que Harvey

exemplifica:

No mercado da moradia isso significa que os indivíduos negociam a quantidade de moradia (usualmente concebida como espaço), a acessibilidade (usualmente, o custo de transporte ao lugar do emprego), a necessidade de todos outros bens e serviços, dentro de um orçamento mais que restrito (HARVEY, 1980, p.138)

Neste sentido a especulação imobiliária deve ser contida, e Porto Velho

passa por um momento de grande expectativa com a instalação das Hidrelétricas

do Madeira, fator de importante discussão, pois devido a estas, espera-se um

novo boom populacional, e se a cidade não estiver preparada de infra-estrutura e

planejamento, sofrerá as conseqüências e transtornos da falta de ordenamento.

Espera-se que com o PD, aliado as legislações municipais, estaduais e federais e

instrumentos necessários esse documento tenha continuidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As cidades têm passado por mudanças constantes no intuito de um futuro

de desenvolvimento equilibrado e universalização do direito a qualidade de vida.

Se a cidade está em constante movimento e construção, assim também

seu estudo não pode ser conclusivo, sempre havendo o que ser complementado,

e a cada estudo, novas possibilidades se abrem, como essa nossa análise sobre

os Planos Diretores, que pode ser o início de outras pesquisas, se aprofundados

os pontos levantados ou descobrir-se outros que tenham passado despercebidos,

pois, também as lacunas são pontos que suscitam novos questionamentos. A

pesquisa aqui desenvolvida teve como meta, não esgotar o assunto da questão

urbana, sendo que as possibilidades de direcionamento são inesgotáveis, mas

trazê-lo a discussão, torná-lo presente.

Procuramos detectar alguns dos caminhos na busca do bem-estar urbano,

e constatamos que as ciências, sejam a arquitetura, a geografia, a sociologia e

outras, precisam interagir em seus campos de conhecimento e pesquisas, para

que possamos caminhar para uma maior apropriação do espaço, seja ele coletivo

ou individual, real ou virtual. A articulação dos saberes auxilia a construção de

uma sociedade democrática, onde os espaços são respeitados e acolhem os

desejos da população, proporcionando qualidade de vida e desenvolvimento

sustentável, estreitando cada vez mais a distância entre a cidade que temos e a

que queremos.

As tendências que a urbanização assume (...) aparecem como dado fundamental para admitirmos que o processo irá adquirir a dinâmica política própria, estrutural, apontando para uma evolução que poderá ser positiva se não for brutalmente interrompida (M. SANTOS, 2005, p.140).

Ou seja, precisamos sim idealizar um mundo melhor e possível, se

quisermos alcançá-lo, a cidade ideal pode ser utopia, mas se conquistarmo-na

pouco a pouco, pode tornar-se atingível.

O Estatuto da Cidade assim como a Carta Mundial pelo Direito à Cidade

ousam idealizar essa cidade ideal. Salientamos alguns trechos do Estatuto que

demonstram a afirmativa, como em seu parágrafo único do artigo primeiro: “estão

estabelecidas as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso

da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos

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cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Idealiza uma Cidade Sustentável

onde todos, incluindo para as gerações presentes e vindouras, têm “o direito à

terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao

transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer” (Artigo 2º parágrafo 1º).

No Inciso IV do mesmo Artigo 2º, o planejamento inclui não somente “o

desenvolvimento das cidades”, mas também a “distribuição espacial das

atividades econômicas” (...) “de modo a evitar e corrigir as distorções do

crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio-ambiente”. Já no Inciso

VII deste artigo vemos o objetivo de “integração e complementariedade entre as

atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do

município e do território sob sua influência”.

O Inciso VIII que se refere a novos padrões de comportamento, de

civilidade e de organização social ao incentivar a “adoção de padrões de

produção, consumo e expansão urbana compatíveis com a sustentabilidade

ambiental social e econômica do município e do território”.

Indica pois um caminho, um projeto possível, mas ainda não realizado.

Parte dessa difícil tarefa cabe aos Planos Diretores, a de trazer estas

propostas para a escala regional e local, aplicando-as à situação de cada

realidade e às necessidades urbanas locais, identificando com clareza os

requisitos da função social da propriedade urbana, definindo os instrumentos mais

importantes a serem implantados para bom uso do solo do território municipal

(seja urbano, seja rural), para que sejam tomadas iniciativas concretas

associando o Executivo e o Judiciário na operacionalização da regularização

fundiária. Mas nenhum instrumento político tem o poder de sanar os problemas

por si só, trazem-nos sim à discussão, propõem diretrizes, e se efetivam a partir

do trabalho e participação conjunta no desejo de mudar a cidade.

Em síntese, afirmamos que o plano diretor participativo, mais do que um

instrumento técnico de controle de uso do solo e de implementação da política

urbana do município, função que já justificaria sua elaboração, pode vir a se

constituir em um importante instrumento político de mobilização social para o

debate sobre nossas cidades.

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Nosso desejo é de que haja a continuidade do processo de planejamento

para que se alcance o desenvolvimento sustentável, tornando as desigualdades

menos intensas.

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103

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