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LIONEL SHRIVER A NOVA REPÚBLICA

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LIONEL SHRIVERA NOVA REPÚBLICA

L I ON E L S H R I VE R

D A A U T O R A D E

P R E C I S A M O S FA L A R S O B R E O K E V I N

A NOVA REPÚBLICA

Um grupo separatista de Barba, península fi c cional de Portugal, comete atentados ter roristas como

estratégia para conquistar sua independência. Os Sol-dados Ousados de Barba aterrorizam a comunidade internacional com ações implacáveis e imprevisíveis, e a autodeterminação da península tornou-se um tema central e de grande repercussão política. Para cobrir as atrocidades, correspondentes estrangeiros se concen-tram na lúgubre e atrasada Cinzeiro, capital de Barba. E mais um acaba de chegar.

Edgar Kellogg sempre quis ser popular. Outro-ra uma criança gorda e rejeitada, construiu sua vida sem grande imaginação, mas com muita persistência. Quando decide largar a lucrativa e entediante carreira como advogado em Nova York em busca da emoção e da incerteza do jornalismo, Edgar se vê diante da opor-tunidade de substituir, em Barba, um correspondente misteriosamente desaparecido: Barrington Saddler. Mas sua tarefa não será fácil. Excepcional e carismá-tico, o amado “Bear” impregna a vida de todos com o

NESTA SÁTIRA SOCIAL

AFIADA, PARTE PARÁ-

BOLA, PARTE HISTÓRIA

DE AVENTURA, A ACLA-

MADA AUTORA DE PRE-

CISAMOS FALAR SOBRE

O KEVIN APRESENTA,

DE MODO PRECISO E

PERTURBADORAMENTE

HILARIANTE, OBSERVA-

ÇÕES A RESPEITO DAS

RELAÇÕES HUMANAS,

DA POLÍTICA E DO PA-

PEL DA MÍDIA.

“UMA TRAMA INCRIVEL-

MENTE FANTASIOSA,

PERSONAGENS CONS-

TRUÍDOS DE FORMA VÍ-

VIDA, DIÁLOGOS INTE-

LIGENTES E CÍNICOS, E

UM LUGAR FICCIONAL

BRI LHANTE E VEROSSÍ-

MIL. A NOVA REPÚBLICA

É UM LIVRO SIMPLES-

MENTE FANTÁSTICO.”

— BOOKLIST

vazio de sua ausência. E até mesmo os atos terroristas dos Soldados Ousados parecem ter sido subitamente suspensos após o desaparecimento do jornalista.

Nesta obra escrita em 1998 mas publicada apenas em 2012, Lionel Shriver, uma das escritoras mais pers-picazes da atualidade, questiona o mistério que cerca as pessoas populares. O que as transforma em fi guras tão magnéticas? E, no fi m das contas, quem tem a melhor vida: o admirado ou o admirador?

Com a habilidade e a ironia características de Shri-ver, A nova república explora temas como o culto à per-sonalidade, o terrorismo e os estratagemas e a repre-sentatividade da imprensa.

“A COMPREENSÃO DE SHRIVER DOS SEUS

CONTERRÂNEOS É ÍNTIMA E IMPASSÍ-

VEL... ELA CONSEGUE FAZER COM QUE

OS PERSONAGENS FIQUEM PARA SEM-

PRE NA IMAGINAÇÃO DOS LEITORES.”

— T HE NEW YORK TIMES

“UMA PROSA PRECISA E DINÂMICA, A ES-

CRITA DE SHRIVER É QUASE COMO JOR-

NALISMO LITERÁRIO.”

— LOS ANGELES TIMES

“UM ROTEIRO MAGNÍFICO, EXTREMA-

MENTE ENGRAÇADO. SHRIVER É MES-

TRE DA MISANTROPIA.”

— TIME

“LIONEL SHRIVER É UMA ESCRITORA MOR-

DAZ E ICONOCLASTA. SEUS PERSONAGENS

GOSTAM DE COMPETIR E PROVOCAR.”

— THE NEW YORKER

“A AUTORA É CORAJOSA EM SUA RECUSA

A ESCREVER SOBRE GENTILEZA, E EM

LANÇAR MÃO DE PERSONAGENS SEM

TRAÇOS DE REDENÇÃO.”

— THE TELEGRAPH

“SHRIVER NÃO SE INTIMIDA DIANTE DE

ASSUNTOS COMPLEXOS.”

— THE INDEPENDENT

“COM DIÁLOGOS VIGOROSOS E UMA

NAR RATIVA ATRAENTE, SHRIVER

OFE RECE RAPIDAMENTE O ESBOÇO

PERS PICAZ DE UM PERSONAGEM EM

UMA FRASE, E SEU OLHAR SE MOSTRA

AFIADO PARA O QUE É ARTIFICIAL OU

AFETADO, OU ATÉ PARA O COMOVEN-

TEMENTE VÃO NO COMPORTAMENTO

HUMANO.”

— ENTERTAINMENT WEEKLY

D E S I G N D E C A P A : J A R R O D T A Y L O R

F O T O G R A F I A D E C A P A : © C H R I S T O P H E R J O N E S

A D A P T A Ç Ã O D E C A P A : J U L I O M O R E I R A

© S

uki D

hand

a

www.intrinseca.com.br

LIONEL SHRIVER é autora de Precisamos fa-lar sobre o Kevin, best-seller internacional ganhador do Orange Prize em 2005 e adaptado para o cinema em 2011, além de Dupla falta, O mundo pós-aniversário e Tempo é dinheiro, fi nalista do National Book Award. Formada e pós-graduada pela Universidade de Co-lumbia, Lionel viveu em Nairóbi, Bangcoc e Belfast. Hoje se divide entre Lon-dres e Nova York e é colu-nista do jornal britânico The Guardian.

ESPANH

A

MARROCOS

PORTUGAL

BARBA

MADRI

PORTO

LISBOA

CINZEIRO

SEVILHA

Mar MediterrâNeo

OceaNo AtlâNtico

Golfo de

Barba

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tradução deVera Ribeiro

Lionel Shriver

A nova república

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Copyright © 2012 Lionel Shriver

título originalThe New Republic

revisãoTaís MonteiroTamara Sender

diagramaçãoIlustrarte Design e Produção Editorial

cip-brasil. catalogação na publicaçãosindicato nacional dos editores de livros, rj

S564n

Shriver, Lionel, 1957- A nova república / Lionel Shriver ; tradução Vera Ribeiro. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Intrínseca, 2015.

384 p. ; 23 cm. Tradução de: The new republic ISBN 978-85-8057-631-3

1. Romance americano. I. Ribeiro, Vera. II. Título.

14-16018 cdd: 813 cdu: 821.111(73)-3

[2015]

Todos os direitos desta edição reservados àEditora Intrínseca Ltda.Rua Marquês de São Vicente, 99, 3º andar22451-041 GáveaRio de Janeiro – RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

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Para Sarowitz, é claro —a quem devo há muito uma dedicatória exclusiva

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Minha experiência com jornalistas me autoriza a registrar que inúmeros dentre eles são ignorantes, preguiçosos, dogmáticos em suas opiniões,

intelectualmente desonestos e insufi cientemente supervisionados (...). Eles têm imenso poder, e muitos são extremamente irresponsáveis.

— Conrad Black

A linguagem política (...) foi concebida para fazer as mentiras soarem verdadeiras e o assassinato, respeitável, e para dar uma aparência de solidez a puras bolhas de ar.

— George Orwell

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nota da autora

Escrito entre Dupla falta e Precisamos falar sobre o Kevin, A nova república foi concluído em 1998. Naquela época, meu histórico de vendas era um horror. E, o que talvez seja mais importante, meus compatriotas norte-americanos, em sua maioria, descartavam o terrorismo como um Problema Chato dos Estrangeiros. Não consegui despertar interesse pelo manuscrito em nenhuma editora dos Estados Unidos.

Em pouco tempo, essas duas fontes de desincentivo desapareceram. Mi-nhas vendas melhoraram. Depois do 11 de Setembro, os norte-americanos fi -caram muito interessados no terrorismo, para dizer o mínimo. Por isso, durante anos após a calamidade em Nova York, fui obrigada a manter o romance na gaveta, porque um livro que tratasse dessa questão com um toque de leveza seria considerado de mau gosto.

Mas o tabu parece haver chegado ao fi m. As sensibilidades se robusteceram. Tenho esperança de que este romance — cujos temas só se tornaram mais contundentes desde que ele foi escrito — possa agora ser lançado sem causar melindres. Apesar de revisado com o olhar frio da distância, o livro está sendo publicado mais ou menos como o escrevi originalmente, com um pequenino e irresistível acréscimo no epílogo, que os leitores reconhecerão de imediato.

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ESPANHA

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MARROCOS

OCEANO

ATLÂNTICO

MAR MEDITERRÂNEO

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capítulo 1

Menção honrosa

Chispando para seu apartamento na Rua 89 Oeste, Edgar Kellogg esquivou--se, querendo evitar o contato visual com um porteiro que ao menos recebia um pagamento regularmente. Caminhava com passos rápidos e tensos, os om-bros recurvados. Sem ter como pagar o aluguel do mês seguinte, deu uma es-piada ansiosa na luz indicadora do elevador que estava parada no doze, como se pudesse ser preso a qualquer momento. A etapa seguinte seria estourar o limite dos cartões de crédito. Aquele lugar costumava lhe dar um tremendo barato. Agora que não podia bancar o aluguel, o barato vinha saindo caro e, batendo o pé com o sapato de couro de cabra que já vira dias melhores, ele calculou, abatido, que cada dia naquele endereço idiota lhe tirava noventa paus. Esperar um cheque de cento e setenta e cinco dólares da Amoco Traveler era como tentar tirar água de um barco com um conta-gotas, enquanto o mar frio jorrava por um rombo do tamanho de uma galocha.

Já no décimo nono andar, Edgar lançou um olhar para o que era, em es-sência, um quarto e sala de mobiliário chique, mas cujo serviço de limpeza fornecido pela administração fora um dos primeiros luxos a serem cortados. Mal tinha dado dez da manhã e Edgar já estava de olho comprido nos Do-ritos na bancada. Uma coisa que não previra no tocante ao “home offi ce”

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havia sido a Síndrome do Petisco; nos últimos tempos, sua energia mental se dividia igualmente entre sua nova carreira (preocupar-se com dinheiro, o que era um substituto perfeito de ganhá-lo) e o propósito de não se empanturrar. Caramba, estava virando uma garotinha, e logo, logo, estaria inventando san-duíches abertos de bolachas integrais Ryvita com tomate-cereja (só vinte e cinco calorias!). Esse pensamento lhe veio como um baque: Isto não está dando certo. Logo em seguida: Cometi um erro terrível. E, já que ele nunca fora chegado a rodeios: Eu sou um babaca.

Não era o tipo de pensamento positivo que os manuais recomendavam para quem estava quase chegando a uma entrevista de emprego, em cuja pre-paração Edgar tinha se mantido longe das latas de cerveja e aberto o National Record. Com horas de antecedência, sua concentração já vacilava. Captando lampejos estroboscópicos de palavras soltas, seus olhos correram por um ar-tigo sobre terrorismo: nos últimos tempos, era novidade não haver nenhum caso. Mais abaixo: um correspondente havia sumido fazia três meses. Em suma: continuava desaparecido. Se o sumido não fosse um repórter, essa “ma-téria” nunca teria saído, muito menos na primeira página. Afi nal, se Edgar Kellogg desaparecesse amanhã, era pouco provável que o Record divulgasse atualizações frenéticas sobre a busca contínua por um advogado em aposen-tadoria precoce, transformado em um freelance zé-ninguém. Na gíria da sua nova carreira, “freelance” parecia ser o jargão dos entendidos para designar “desempregado” e, quando ele resmungava a palavra diante de seus conheci-dos, eles davam risinhos de chacota.

Mesmo assim, em vez de se informar sobre os acontecimentos atuais, Edgar estava, mais uma vez, buscando compulsivamente uma reportagem de Tobias Falconer. O engraçado era que, quando encontrava alguma, não a lia. E isso era típico. Fazia anos que ele pegava aquele jornal opressivamente sério, de letrinha miúda — um dos últimos baluartes de austeridade que se recusava a adotar cores —, apenas para localizar as matérias de Falconer, embora raras vezes conseguisse submeter-se a lê-las. Ele nunca tentara iden-tifi car o que temia.

Desabando no sofá acolchoado de veludo cotelê, Edgar rendeu-se à re-fl exão sem compromisso que, por sorte, dez anos frenéticos de Wall Street haviam evitado. Durante todo aquele tempo, a eletrizante assinatura de Toby Falconer provocara choques em Edgar, com correntes alternadas de inveja e saudade que confundiam, mas viciavam. Esses pequenos picos de energia lhe

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davam arrepios no couro cabeludo, mas ler matérias inteiras seria como enfi ar os dedos na tomada. Sendo assim, por que comprar o jornal? Por que moni-torar a carreira de um homem que ele não via havia vinte anos e que era um traidor, cujo próprio sobrenome o fazia se encolher?

Por outro lado, as venturas de Falconer tinham sido fáceis de acompanhar. Primeiro como correspondente do U.S. News and World Report, depois, se-minalmente, do National Record, ele enviava suas reportagens peripatéticas de Beirute, Belfast ou Sarajevo. Em mais de uma ocasião havia conquistado prê-mios por matérias especialmente arriscadas ou negligenciadas até aquele mo-mento, e esses prêmios enchiam Edgar de uma intrigante mistura de irritação e orgulho. Edgar, é claro, havia escolhido a ocupação mais lucrativa. Para seu desespero, no entanto, tinha descoberto como era pequeno o valor do dinhei-ro, quando não servia para livrar o sujeito de se esfalfar desde as sete da manhã em um escritório de advocacia que ele execrava. “Bem-remunerado” era um termo oportuno, embora, no fi nal, ele não conseguisse imaginar nenhuma quantia tão vultosa que pudesse realmente compensar as doze ou treze horas de cada dia da semana jogadas no lixo.

Ao se livrar de sua carreira “promissora” no direito corporativo (se bem que o que ela prometia, é claro, era mais direito corporativo), a fi m de arriscar a sorte no jornalismo, seis meses antes, Edgar havia relutado em examinar até que ponto essa reinvenção impetuosa e fi nanceiramente suicida teria sido infl uenciada por seu velho parceiro inseparável do ensino médio — ele que, tendo sempre conseguido os amigos mais divertidos, as garotas mais bonitas e os empregos mais legais nas férias de verão, naturalmente havia garantido a vocação mais descolada. Se, com o tempo, Toby Falconer e Edgar Kellogg tinham se sentido atraídos pelo jornalismo, talvez essa convergência indicasse apenas que os dois garotos haviam tido mais em comum no ensino médio do Colégio Yardley do que Edgar jamais se atrevera a acreditar quando garoto.

Nem sonhando. Imaginar que ele tivera alguma semelhança com Falconer na adolescência era tão presunçoso que chegava a ser utópico. Toby Falconer era um exemplo único. Sem dúvida, toda escola tinha um, embora o singular fosse incongruente como exemplar típico; presumivelmente, não haveria nin-guém igual a ele.

Um Falconer era o tipo de sujeito de quem os outros não conseguiam parar de falar. Tinha o dom de ser o centro das atenções quando nem estava presente. Sempre fi cava com as garotas, porém, mais importante, com a ga-

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rota. Fosse quem fosse a gata imaginada por você com a porta do banheiro fechada, ela se encantaria com o nosso herói. Sempre dava para herdar um pouco do prestígio, é claro, mas, se você andasse muito com um Falconer, passaria a maior parte dos seus encontros respondendo a perguntas das garo-tas sobre a infância problemática dele. A liberdade de um Falconer era quase perfeitamente irrestrita, porque ele nunca era punido por seus pecados. E, de qualquer modo, os pecados de um Falconer não pareceriam depravados, mas meramente travessos, gozadores ou até encantadores, na verdade — parte do pacote sem o qual um Falconer não seria aquele malandro cativante que a gente conhece, ama e perdoa indefi nidamente. E, além disso, quem se arrisca-ria a desagradá-lo, cobrando-lhe satisfações? Ele fazia tudo com estilo, não só por ter desenvoltura social, mas porque a defi nição de estilo, em seu círculo, era o jeito de Falconer fazer o que quer que Falconer fi zesse. Era impossível determinar até que ponto o magnetismo de um Falconer podia ser atribuí-do à beleza física. Boa aparência não faria mal, mas, se um Falconer tivesse qualquer traço desviante — um nariz encaroçado ou sobrancelha contínua —, esse traço simplesmente serviria para reconfi gurar o arquétipo do belo. Falconer ditava o padrão, de modo que, por sua própria natureza, não podia parecer feio, nem tecer comentários francamente idiotas, nem fazer alguma coisa desajeitada de que os outros rissem, a não ser com um espírito fervoroso, cúmplice ou bajulador.

Até então, Edgar tinha sido o homólogo de Falconer, aquela criatura sim-biótica sem a qual um Falconer não poderia existir. Os muito admirados pre-cisam dos admiradores e, para desalento próprio, Edgar tinha se candidatado mais de uma vez a esse posto. Embora preferisse o papel de grande astro do campus se o cargo estivesse dando sopa, vivia preso num eterno impasse: na ânsia de ser admirado, estava fadado a admirar outras pessoas que fossem ad-miráveis. O que fazia dele, necessariamente, um tiete.

Até aquele dia, a única arma que havia derrubado a tirania de um Falconer fora a desilusão cruel e disciplinada. Por vezes, um Falconer se revelava uma fraude. Eis que podia mostrar-se desajeitado, se você permanecesse atento. No fi m, caso se esforçasse, era inteiramente possível rir dos defeitos dele, de um modo que não chegava a ser lisonjeiro. Abrir o olho era doloroso no começo, embora também fosse um alívio, e, no fi nal das contas, Edgar fi caria sozinho, mas livre. No entanto, abaixar um pouco a bola do ungido era um exercício intrigante, até mesmo deprimente, e em razão disso Edgar reservava suas de-

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núncias mais virulentas justamente para as pessoas com quem mais havia se extasiado um dia.

A conduta pública de Edgar — brusco, durão, desconfi ado e de ar impas-sível — era tremendamente discrepante de sua queda secreta por se deixar ca-tivar pelos Falconers que passassem, e, no íntimo, ele tinha medo de que todo o propósito dessa carapaça fosse conter um interior totalmente meloso. Ele não suportava pensar em si mesmo como um coadjuvante. Ter se encantado servilmente com qualquer tipo de ídolo envergonhava-o quase tanto quanto já ter sido gordo. Por isso, dentre suas várias ambições, aos trinta e sete anos, a mais dominante era nunca voltar a sucumbir ao feitiço de um Falconer.

Fora exatamente no bojo dessa resolução que Edgar Kellogg saíra mar-chando do escritório de advocacia Lee & Thole, seis meses antes, decidido a despir o Burberry insípido do zé-ninguém excessivamente bem pago. Vestiria enfi m o manto mais grandioso do líder, do criador de tendências, do ícone cultural. E foi tomado por essa mesma determinação que partiu para sua en-trevista de emprego às quatro da tarde no National Record. Estava farto de ser O Tiete. Queria ser O Cara.

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LIONEL SHRIVERA NOVA REPÚBLICA

L I ON E L S H R I VE R

D A A U T O R A D E

P R E C I S A M O S FA L A R S O B R E O K E V I N

A NOVA REPÚBLICA

Um grupo separatista de Barba, península fi c cional de Portugal, comete atentados ter roristas como

estratégia para conquistar sua independência. Os Sol-dados Ousados de Barba aterrorizam a comunidade internacional com ações implacáveis e imprevisíveis, e a autodeterminação da península tornou-se um tema central e de grande repercussão política. Para cobrir as atrocidades, correspondentes estrangeiros se concen-tram na lúgubre e atrasada Cinzeiro, capital de Barba. E mais um acaba de chegar.

Edgar Kellogg sempre quis ser popular. Outro-ra uma criança gorda e rejeitada, construiu sua vida sem grande imaginação, mas com muita persistência. Quando decide largar a lucrativa e entediante carreira como advogado em Nova York em busca da emoção e da incerteza do jornalismo, Edgar se vê diante da opor-tunidade de substituir, em Barba, um correspondente misteriosamente desaparecido: Barrington Saddler. Mas sua tarefa não será fácil. Excepcional e carismá-tico, o amado “Bear” impregna a vida de todos com o

NESTA SÁTIRA SOCIAL

AFIADA, PARTE PARÁ-

BOLA, PARTE HISTÓRIA

DE AVENTURA, A ACLA-

MADA AUTORA DE PRE-

CISAMOS FALAR SOBRE

O KEVIN APRESENTA,

DE MODO PRECISO E

PERTURBADORAMENTE

HILARIANTE, OBSERVA-

ÇÕES A RESPEITO DAS

RELAÇÕES HUMANAS,

DA POLÍTICA E DO PA-

PEL DA MÍDIA.

“UMA TRAMA INCRIVEL-

MENTE FANTASIOSA,

PERSONAGENS CONS-

TRUÍDOS DE FORMA VÍ-

VIDA, DIÁLOGOS INTE-

LIGENTES E CÍNICOS, E

UM LUGAR FICCIONAL

BRI LHANTE E VEROSSÍ-

MIL. A NOVA REPÚBLICA

É UM LIVRO SIMPLES-

MENTE FANTÁSTICO.”

— BOOKLIST

vazio de sua ausência. E até mesmo os atos terroristas dos Soldados Ousados parecem ter sido subitamente suspensos após o desaparecimento do jornalista.

Nesta obra escrita em 1998 mas publicada apenas em 2012, Lionel Shriver, uma das escritoras mais pers-picazes da atualidade, questiona o mistério que cerca as pessoas populares. O que as transforma em fi guras tão magnéticas? E, no fi m das contas, quem tem a melhor vida: o admirado ou o admirador?

Com a habilidade e a ironia características de Shri-ver, A nova república explora temas como o culto à per-sonalidade, o terrorismo e os estratagemas e a repre-sentatividade da imprensa.

“A COMPREENSÃO DE SHRIVER DOS SEUS

CONTERRÂNEOS É ÍNTIMA E IMPASSÍ-

VEL... ELA CONSEGUE FAZER COM QUE

OS PERSONAGENS FIQUEM PARA SEM-

PRE NA IMAGINAÇÃO DOS LEITORES.”

— T HE NEW YORK TIMES

“UMA PROSA PRECISA E DINÂMICA, A ES-

CRITA DE SHRIVER É QUASE COMO JOR-

NALISMO LITERÁRIO.”

— LOS ANGELES TIMES

“UM ROTEIRO MAGNÍFICO, EXTREMA-

MENTE ENGRAÇADO. SHRIVER É MES-

TRE DA MISANTROPIA.”

— TIME

“LIONEL SHRIVER É UMA ESCRITORA MOR-

DAZ E ICONOCLASTA. SEUS PERSONAGENS

GOSTAM DE COMPETIR E PROVOCAR.”

— THE NEW YORKER

“A AUTORA É CORAJOSA EM SUA RECUSA

A ESCREVER SOBRE GENTILEZA, E EM

LANÇAR MÃO DE PERSONAGENS SEM

TRAÇOS DE REDENÇÃO.”

— THE TELEGRAPH

“SHRIVER NÃO SE INTIMIDA DIANTE DE

ASSUNTOS COMPLEXOS.”

— THE INDEPENDENT

“COM DIÁLOGOS VIGOROSOS E UMA

NAR RATIVA ATRAENTE, SHRIVER

OFE RECE RAPIDAMENTE O ESBOÇO

PERS PICAZ DE UM PERSONAGEM EM

UMA FRASE, E SEU OLHAR SE MOSTRA

AFIADO PARA O QUE É ARTIFICIAL OU

AFETADO, OU ATÉ PARA O COMOVEN-

TEMENTE VÃO NO COMPORTAMENTO

HUMANO.”

— ENTERTAINMENT WEEKLY

D E S I G N D E C A P A : J A R R O D T A Y L O R

F O T O G R A F I A D E C A P A : © C H R I S T O P H E R J O N E S

A D A P T A Ç Ã O D E C A P A : J U L I O M O R E I R A

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LIONEL SHRIVER é autora de Precisamos fa-lar sobre o Kevin, best-seller internacional ganhador do Orange Prize em 2005 e adaptado para o cinema em 2011, além de Dupla falta, O mundo pós-aniversário e Tempo é dinheiro, fi nalista do National Book Award. Formada e pós-graduada pela Universidade de Co-lumbia, Lionel viveu em Nairóbi, Bangcoc e Belfast. Hoje se divide entre Lon-dres e Nova York e é colu-nista do jornal britânico The Guardian.

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