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EDIÇÃOInstituto Jurídico

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

COORDENAÇÃO EDITORIALInst ituto Jur ídico

Faculdade de Direi to Univers idade de C oimbra

REVISÃO EDITORIALIsaias Hipólito

CONCEPÇÃO GRÁFICA | INFOGRAFIAAna Paula Silva

[email protected]

www.fd.uc.pt/ institutojuridicoPátio da Universidade | 3004-545 Coimbra

ISBN 978-989-98257-9-6

© FEVEREIRO 2014

INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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NATÁLIA ZAMPIERIO FENÔMENO JURISPRUDENCIAL DA JUSTIFICADA PRÁTICA

DE BLOQUEIO DE EFETIVIDADESOBRE A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA E A

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Doutoramento

Mestrado

E S T U D O S

&

SÉRIE D | 1

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O FenômenO Jurisprudencial da JustiFicada prática de BlOqueiO de eFetividade

sOBre a administraçãO da Justiça e a respOnsaBi-lidade civil extracOntratual dO estadO1

Natália Zampieri

RESUMO: O presente artigo trata da questão da relação entre a consideração da responsabilidade do Estado pela jurisdição admi-nistrativa interna e pela Corte Europeia dos Direitos do Homem. Em particular, será analisado o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Maio de 2012, e os efeitos gerados a par-tir do reconhecimento da responsabilidade do Estado, tendo em conta o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Es-tado e Demais Entidades Públicas. Com o propósito de introduzir o tema ao leitor, alguns comentários gerais serão feitos sobre a Lei n.º 67/2007. Logo após, (i) a situação da administração da justiça, (ii) a situação do funcionamento anormal do serviço ‘público’ e (iii) a situação do direito à razoável duração do processo serão considerados e explicados; assim como (iv) a possível aceitação da responsabilidade solidária e do direito/dever da ‘ação de regres-so’. Para finalizar, será possível entender algumas questões que envolvem a legislação nacional e internacional, tendo em conta a possibilidade da utilização do Recurso Extraordinário de Revisão (recurso nacional) nos casos em que se pretenda uma indemniza-ção pelos danos causados em razão da duração excessiva de um processo.

DESCRITORES: regime da responsabilidade civil extracontratual do Es-tado e demais entidades públicas; administração da justiça; análise do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Maio de 2012; responsabi-lidade interna aparente.

1 Trabalho desenvolvido no âmbito da disciplina “Administração e Res-ponsabilidade” do Curso de Doutoramento da Faculdade de Direito da Univer-sidade de Coimbra, sob orientação do Professor Doutor José Carlos Vieira de Andrade.

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ABSTRACT: The present article deals with the issue of the re-lationship between the consideration of the State liability by the internal Administrative Court and by the European Court of Hu-man Rights. In particular, it will be analyzed the Judgment of the Supreme Administrative Court of 17 May 2012 and the effects generated from the recognition of the State liability taking into consideration the Regime of Extracontractual Liability of the State and Other Public Entities. In order to introduce the topic to the reader, some general comments will be made about the 67/2007 Act. After that, (i) the situation of the administration of justice, (ii) the situation of the abnormal operation of the ‘public’ service and (iii) the situation of the right of a reasonable duration of the process will be considered and explained; as well as the (iv) possible acceptance of solidary liability and the right/obligation of ‘regressive action’. In the end, it will be possible to understand some questions involving the national and the international legis-lation taking into account the possibility to use the Extraordinary Appeal (national appeal) in cases where one wishes an indemnity for the damages caused by reason of excessive duration of the process.

KEYWORDS: Regime of Extracontractual Liability of the State and Other Public Entities; Administration of Justice; Analysis of the Judg-ment of the Supreme Administrative Court of May 17th 2012; Apparent Internal Liability.

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1. Introdução: A Responsabilidade Civil Administrativa na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro

A Lei n.º 67/20072, originada do Decreto da Assembleia 171/X, além de revogar o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de No-vembro de 19673, texto normativo que até então dispunha sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública,4 veio agora concretizar, de forma actual e compatível com a Constituição da República Portuguesa, o princípio constitucional fundamental da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, cons-tante no artigo 22.º da Constituição.5

Uma vez consideradas as transformações políticas da pas-2 A Lei n.º 67/2007, denominada Regime da Responsabilidade Civil Ex-

tracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, foi publicada no Diário da República, 1ª série, 251 (31 de Dezembro de 2007), disponível em <http://dre.pt/pdf1s/2007/12/25100/0911709120.pdf>.

3 Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, Diário do Gover-no, I Série, n.º 271, 2041-2042, <http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da-justica/livro-vi-leis/pdf-vi-1/dl-48051-1967/>.

4 Sobre o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, v. An-tônio Menezes cOrdeirO, «A responsabilidade civil do Estado», O Direito, 142/4 (2010) 623-658, esp. 632-633; Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, A responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas, Lisboa, 1997, 29-51.

5 O artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, que se refere à responsabilidade civil ou patrimonial das entidades públicas, é um dos precei-tos constitucionais que pode gerar mais dúvidas. O sentido da norma permite conferir dignidade constitucional a um princípio concretizador do Estado de di-reito superando a ideia da irresponsabilidade civil dos actos públicos, que vigo-rou durante muito tempo, uma vez que somente o texto constitucional de 1976 estabeleceu uma ruptura de forma clara (José Joaquim Gomes canOtilhO/Vital mOreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, 2007, 425-429). Sobre o significado histórico-valorativo e sobre o alcance do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, v. Manuel Afonso vaz, A responsabilidade civil do Estado: considerações breves sobre o seu estatuto constitucional. Porto, 1995, 5-11. O artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, juntamente com o arti-go 271, n.º 4, são dois importantes princípios gerais estruturantes da matéria da responsabilidade civil. Eles estão em coerência com os princípios constitucionais da prossecução do interesse público e o princípio da garantia de respeito pelos direitos e interesses protegidos dos particulares. Sobre o assunto, v. Paulo OterO, «Responsabilidade civil pessoal dos titulares de órgãos, funcionários e agentes da administração do Estado», in José Luis Martínez lópez-muñiz/Antonio calOn-Ge velásquez, coord., La responsabilidad patrimonial de los poderes públicos, Madrid, 1999, 488-501, esp. 492.

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sagem do Estado Liberal para o Estado Social, verifica-se o fenô-meno do alargamento do domínio da responsabilidade do Estado; englobando os prejuízos causados por actos de gestão privada e de gestão pública. Neste sentido, o Estado-administração, os órgãos do Poder Judicial, do Poder Legislativo e do Poder Político, podem ser demandados como sujeito passivo em um pedido indemnizatório por prejuízos por estes causados, ilícita ou licitamente. 6 7

A evolução normativa proposta pelo novo Regime pode ser verificada também na objectivação da responsabilidade subjectiva, e como bem expressado por Vieira de Andrade, propõe-se “[...] quer a ampliação do conceito de ilicitude, quer o predomínio da ideia de ilicitude sobre a da culpa ou a objectivação da culpa”. 8

Tendo em vista a relevância do tema em questão, inclusive quando se fala em assuntos como o da sustentabilidade financeira9 versus sistema de indemnizações pelo qual o novo Regime se destina, propõem-se estas breves considerações refletir sobre a responsabili-dade por danos causados pela administração da justiça10, bem como tecer comentários (numa via preventiva da violação e consequen-te responsabilização) a respeito da contribuição da gestão pública para a melhoria do sistema na administração da justiça, a respeito da previsão da acção de regresso contra agente público e também a respeito da responsabilidade solidária (pelo desenvolvimento de

6 Nesta última hipótese, o particular não tem o dever de suportar o dano.7 José Carlos Vieira de andrade. «Panorama geral do direito da res-

ponsabilidade “civil” da Administração Pública em Portugal», in lópez-muñiz/calOnGe velásquez, coord., La responsabilidad patrimonial de los poderes públicos, Ma-drid, 1999, 39-58, esp. 39-41.

8 «Panorama geral do direito da responsabilidade “civil”», 45.9 As questões financeiras não se restringem a apenas um foco de inter-

ferência. A (in)sustentabilidade financeira pode refletir sobre diversos aspectos. Suzana Tavares da Silva, em um de seus textos, aborda temas como a incapacidade financeira do Estado e o Estado Social em “Direitos Sociais e Mercado”. Ainda que não especificamente sobre Direito Administrativo, as considerações gerais causam impactos também nesta área: Suzana Tavares da silva, Direitos fundamentais na arena global, Coimbra, 2011, 99-133.

10 Importa esclarecer que, apesar de os danos causados pela adminis-tração da justiça serem danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, o regime geral aplicável aos danos decorrentes pelo seu exercício é o regime da res-ponsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa, conforme disposto no art. 12.º da Lei n.º 67/2007.

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alguns aspectos hipotéticos).Em posterior análise, pretende-se observar alguns aspectos

dos reflexos da jurisprudência relacionada com o novo Regime e com o Recurso Extraordinário de Revisão, previsto no então artigo 771.º, f, do Código de Processo Civil Português,11 particularmente nos termos referidos no Acórdão do Supremo Tribunal Adminis-trativo, de 17 de Maio de 2012,12 bem como das outras decisões relacionadas com o mesmo Acórdão. 13

2. Administração da Justiça e anormal funcionamento do serviço

Em termos teóricos, a administração da justiça pode ser entendida em três sentidos: (i) subjectivo; (ii) objectivo; e (iii) material.

O sentido subjectivo da administração da justiça se refere às entidades ou titulares, que podem consistir em órgãos que de-senvolvem atividades materialmente jurisdicionais e atividades ma-terialmente administrativas desenvolvidas pelos titulares da função jurisdicional; sendo possível enquadrar, neste sentido, o Tribunal (compreendendo o juiz ou corpo de juízes), os órgãos auxiliares da justiça (compreendendo o Ministério Público e as Secretarias), os

11 Em 26 de Junho de 2013, o Diário da República publicou a Lei n.º 41/2013 – o atual Código de Processo Civil, que entrou em vigor a partir de 1 de Setembro de 2013. Neste caso, o Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, foi revogado. Importante notar que o texto do artigo 771.º, f do antigo Código (que serviu de base para a elaboração deste artigo e enquanto funda-mento do Acórdão que será objecto de análise) corresponde ao texto do atual artigo 696.º, f. Como demonstração de respeito pelos argumentos usados pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão que será em seguida analisado, e sendo fiel à legislação atualmente vigente, optou-se por fazer sempre uma dupla referência aos artigos (legislação revogada/legislação vigente). A versão digital do atual Código de Processo Civil pode ser encontrada em <http://dre.pt/pdf1s-dip/2013/06/12100/0351803665.pdf>.

12 Acórdão do Processo 01116/11, de 17 de Maio de 2012, do Supremo Tribunal Administrativo. <http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/669d2806fdb242b580257a07004f0ac7?OpenDocument>.

13 Podem ser citados como Acórdãos relacionados: (i) Acórdão do Su-premo Tribunal Administrativo, de 5 de Janeiro de 2012; (ii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 8 de Julho de 2011; (iii) Decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 23 de Fevereiro de 2010; (iv) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30 de Março de 2006.

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órgãos ao serviço da justiça (compreendendo os peritos e gestores, entre outros) e os colaboradores na administração da justiça (com-preendendo os advogados e testemunhas, entre outros). Nota-se, entretanto, no que diz respeito a alguns actos, que a inexistência de qualquer vínculo entre o autor do acto e o Estado faz com que seja impossível o Estado ser responsabilizado.14

O sentido objectivo da administração da justiça, por sua vez, refere-se às atividades e actos praticados, podendo consistir no de-senvolvimento de atividade jurisdicional ou administrativa. A respei-to do tema, relevante considerar que certamente os actos jurisdicio-nais não esgotam o acervo de actos praticados pelo Poder Judicial, uma vez que os magistrados também praticam actos materialmente administrativos. 15

Por último, sobre o sentido material da administração da jus-tiça é possível comentar que a prestação jurisdicional é o acto final típico da função, apesar de não poder ser desconsiderada a existên-cia de actos com potencialidade danosa e que podem ser praticados a qualquer tempo no processo. 16

Considerando o entendimento teórico que subdivide a ad-ministração da justiça sob estes três sentidos, é possível identificar que nem todos os actos, por acção ou omissão, podem ser consi-derados para efeitos de imputação da responsabilidade pelos danos causados pelo Estado na administração da justiça. Para que possam ser considerados, três são os critérios objectivos que servem para qualificar qual acto praticado no processo ou no exercício de uma atividade jurisdicional pode gerar uma responsabilização. Em pri-meiro lugar, é possível considerar como critério qualificador (i) os actos jurídicos, decisões ou deliberações, praticados no exercício da função jurisdicional pelos órgãos do Poder Judicial, exceto decisões

14 Luís Guilherme catarinO, A responsabilidade do Estado pela administração da justiça: o erro judiciário e o anormal funcionamento, Coimbra, 1999, 203-215.

15 Luís Guilherme catarinO, A responsabilidade do Estado pela administração da justiça, 216-220.

16 Luís Guilherme catarinO, A responsabilidade do Estado pela administração da justiça, 220-222.

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finais, correspondendo, desta forma, à atividade jurisdicional em sentido estrito; em segundo lugar, (ii) as atividades meio, considera-das secundárias, enquadradas no sentido amplo de administração da justiça, correspondendo às atividades não jurisdicionais dos órgãos judiciais; e por fim (iii) a prática de actos jurídicos que dependem de impulso, correspondendo às atividades para-jurisdicionais dos ór-gãos auxiliares. 17

Partindo do pressuposto da verificação de tais actos danosos na prática jurídica18, é possível observar um anormal funcionamento da administração da justiça19, que é uma das hipóteses geradora de indemnização ao particular lesado, respeitados os critérios legais, se-gundo o regime da responsabilidade civil do Estado por facto ilícito decorrente do exercício da função administrativa.20 21

3. O direito à razoável duração do processo e a contribuição da gestão pública para a melhoria do sistema na administração da justiça

Considerada como uma das principais causas do anormal funcionamento da administração da justiça, a morosidade proces-sual é um fenômeno globalmente verificado22, em maior ou menor escala, sendo objecto em preocupação de diversos países.

17 A responsabilidade do Estado pela administração da justiça,, 307-311.18 Considerando as seguintes possibilidades: o não funcionamento, o

mau funcionamento e o funcionamento defeituoso do serviço.19 O anormal funcionamento pode ser originado não só por acto ou

omissão do magistrado, mas igualmente pelo restante dos funcionários que se encontram a serviço da Administração da Justiça; diferentemente é o caso de erro do judiciário, outra hipótese contemplada na Lei n.º 67/2007, a qual se refere apenas a decisões finais proferidas pelo magistrado.

20 Conforme disposto no artigo 12.º da Lei 67/2007. 21 Quanto a um dano causado pelo anormal funcionamento do serviço,

é compreensível que tal dano não tenha resultado do comportamento concreto de determinado agente ou que não exista a possibilidade da prova de sua autoria. José Carlos Vieira de andrade, «A responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa na nova lei sobre responsabilidade civil extra-contratual do Estado e demais entes públicos», Revista de Legislação e de Jurisprudên-cia, 137/3951 (Jul./Ago. 2008) 360-371, esp. 363.

22 Considerações sobre a demora do processo em diversos países podem ser encontradas em C. H. van rhee, ed., The Law’s Delay: Essays on Undue Delay in Civil Litigation, Antwerp/Oxford/New York, 2004.

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A Constituição da República Portuguesa consagra, no arti-go 20.º, n.º 4, o direito à razoável duração do processo, direito este também positivado em âmbito internacional, podendo ser citado o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 23

Para Almagro Nosete, são consideradas dilações indevidas de um processo “[...] los retardos, retrasos o demoras que se producen en el proceso por inobservancia de los plazos establecidos, por injustificadas pro-longaciones de los tiempos muertos, que separan un acto procesal de outro, sin sumisión a plazo fijo determinado [...]”;24 e que não dependam da vontade das partes ou de seus defensores. 25

A morosidade excessiva, injustificável e desnecessária, ao contrário da morosidade necessária, que é intrínseca ao desenvol-vimento natural do processo, lesa os interesses das partes e torna o resultado da atividade jurisdicional ineficaz. 26 É inegável considerar que a excessiva duração, ana medida em que não proporciona uma proteção temporalmente adequada em um processo27, pode acabar gerando, mesmo que parcialmente, os mesmos efeitos do impedi-mento ao acesso à justiça.

Considerando parte dos resultados da investigação realizada pelo Observatório da Justiça Portuguesa relativamente às possíveis causas da morosidade do sistema judiciário português, oito foram as causas endógenas28 apontadas pelo estudo. Entretanto, dada a com-

23 Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fun-damentais, de 4 de Novembro de 1950; também conhecida como ‘Convenção Europeia dos Direitos do Homem’; disponível em: <www.echr.coe.int/NR/rdonlyres/7510566B.../0/POR_CONV.pdf>

24 nOsete apud Jose Antonio tOme Garcia, Protección procesal de los derechos humanos ante los tribunales ordinarios, Madrid, 1987, 119.

25 Protección procesal de los derechos humanos, 119.26 Ana Luísa pintO, A celeridade no processo penal: o direito à decisão em prazo

razoável, Coimbra, 2008, 71.27 Para uma análise aprofundada sobre a adequação temporal, v. Jesús

GOnzález pérez, El derecho a la tutela jurisdicional, Madrid, 1989, 46; Rui pintO, A Questão de Mérito na Tutela Cautelar, Coimbra, 2009, 100-108; Cristina riBa trepat, La eficacia temporal del proceso: el juicio sin dilaciones indebidas, Barcelona, 1997, 52-55. Samuel Miranda arruda, O direito fundamental à razoável duração do processo, Brasília, 2006, 306-307.

28 São causas endógenas da morosidade do sistema judiciário português: (i) más condições de trabalho, falta ou má qualidade do espaço e dos equipamen-

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plexidade do assunto, as temáticas da falha no preparo técnico e da negligência dos funcionários judiciais merecerá particular atenção neste estudo. 29

É evidente que a eficiência na prestação de um serviço pos-sui algumas esferas, entre as quais aquela relacionada com a dispo-nibilidade de recursos financeiros, e por isto é possível afirmar que a eficiência está directamente ligada aos investimentos direcionados e despendidos na adaptação e modernização do sistema de funcio-namento da máquina estatal como um todo.30 A disposição, pela administração pública, de serviços regulares, que apresentem con-tinuidade, que sejam rápidos, econômicos, eficazes e que propor-cionem segurança, gastando aquilo que está previsto no orçamento, corresponderá, portanto, a um serviço eficiente.31

A disposição de serviços regulares com todas as caracterís-ticas acima descritas – como, por exemplo, a prestação da justiça aos cidadãos em prazo razoável – envolve necessariamente, por sua vez, a utilização de mão-de-obra física e intelectual de pessoas; e a burocracia judicial, característica clássica e inerente a vários orde-

tos; (ii) irracionalidade na distribuição de funcionários judiciais; (iii) irracionalida-de na distribuição de magistrados; (iv) falha no preparo técnico e negligência dos funcionários judiciais; (v) falha no preparo técnico e negligência dos magistrados e do Ministério Público; (vi) volume de trabalho; (vii) recursos técnicos fora do tri-bunal; (viii) cumprimento de cartas precatórias e rogatórias. Boaventura de Sousa santOs, Os tribunais nas sociedades contemporâneas: o caso português, Porto, 1996, 436 ss.

29 A escolha das temáticas não está relacionada com a sua suposta maior importância relativamente às outras. Talvez seja mais difícil aceitar e discutir a observância das nossas próprias responsabilidades do que debater sobre as más condições de trabalho ou sobre a burocracia derivada do próprio sistema, por exemplo. Aos olhos daquele que não cumpre, consciente ou inconscientemente, com suas responsabilidades, normalmente são os factores externos e alheios à sua vontade que interferem em determinada conduta ou na omissão desta.

30 A eficácia se concentra no resultado, sendo os meios para se atingir esses resultados menos relevantes. Eficiente é, por outro lado, o procedimento que visa atingir o resultado com um menor dispêndio de recursos possível, preo-cupando-se com a qualidade e com a optimização dos gastos. Convém constatar que apesar dos conceitos de eficiência e eficácia serem diferentes, eles são coinci-dentes na medida em que expressam a necessidade de maior controle dos resul-tados obtidos e do modo empregado para obter tais resultados. Samuel Miranda arruda, O direito fundamental à razoável duração do processo, 114/127-128.

31 João Carlos Simões Gonçalves lOureirO, O procedimento administrativo entre a eficiência e a garantia dos particulares: algumas considerações, Coimbra, 1995, 126-133.

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namentos jurídicos, requer maior atenção do juiz enquanto admi-nistrador dos serviços judiciais pelo facto de trabalhar em conjunto com diversos outros servidores públicos, auxiliares e colaboradores, sendo dever de todos o comprometimento ético relacionado com as atribuições de seus cargos.32

É por esta razão que, diante do novo paradigma New Public Management, e a exemplo dos compromissos éticos prestados pe-los juízes, é possível verificar a tendência da importância da utiliza-ção de recursos visando o combate ao desperdício e promovendo ganhos em eficiência na prestação jurisdicional com a intenção de prorcionar o bem ‘justiça’.33 34 35

32 É possível verificar que são duas as vertentes da gestão processual: a pró-ativa do processo; e aquela que compreende um movimento processual aparente. Conforme afirmado, o juiz não trabalha sozinho: na secretaria, outros servidores públicos estão à disposição no auxílio da prestação jurisdicional. En-tretanto, pelo motivo dos interesses particulares serem diversos entre os indiví-duos, e apesar da existência de certa hierarquia e distribuição de competências no serviço público, a conveniência momentânea pode reger as diretrizes do desem-penho na elaboração/execução de certa tarefa. A questão da conveniência, nesse sentido, interfere na cadeia de produção, afetando-a negativamente. Com relação ao movimento aparente, é possível valer-se da utilização de actos protelatórios, estimulando incidentes que acabam por multiplicar as tarefas internas da própria secretaria, interferindo, ademais, nos custos para o próprio Estado e no tempo de espera dos intervenientes processuais. O movimento aparente poderia ser origi-nário tanto do magistrado como dos funcionários da secretaria. O órgão respon-sável pela fiscalização dos desempenhos, por seu turno, desconsidera a qualidade dos actos: ou seja, a simples movimentação processual, ainda que aparente, conta como tramitação, mascarando o impulso protelatório do acto. Luís Azevedo men-des, «Uma linha de vida: organização judiciária e gestão processual nos tribunais judiciais», Julgar, 10 (Jan./Abr. 2010), 105-122, esp. 105-106.

33 Paulo Duarte teixeira, «A estratégia processual: “Da Arte da Guerra à fuga para a paz”», Julgar, 10, 151-172 (Jan./Abr. 2010), esp. 157-158.

34 Buscando no mundo das organizações privadas uma série de conceitos, o new public management, por ter como objecto apenas as regras que regem o funciona-mento interno da administração para reconduzir sua organização e atividade, enfoca a precisa responsabilidade de utilizar, de forma optimizada, os recursos disponíveis para atingir um fim específico; bem como a definição de metas a serem perseguidas por agentes responsáveis por um determinado sector, proporcionando melhores ser-viços aos cidadãos: transporta para o sector público o mesmo espírito que preside às organizações privadas – a busca da obtenção de determinados resultados de uma forma eficaz e eficiente. Neste sentido, deve o magistrado, relativamente à prática dos actos de gestão, comportar-se criteriosamente e sempre ter em mente a observação e aplicação dos princípios que norteiam a administração pública; no mesmo sentido, devem os funcionários observar as diretrizes a eles atribuídas de acordo com seus cargos. Vasco Moura ramOs, Da compatibilidade do new public management com os princípios constitucionais, Coimbra, 2002, 78-79/81-82/88.

35 Dentre as reformas propostas pelos teóricos do new public management (Vas-

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4. A responsabilidade solidária e o direito/dever de regresso

Duas são as vertentes da responsabilidade dos agentes pú-blicos frente à Administração. Existe tanto a possibilidade do exer-cício de Acção de Regresso contra o agente como a possibilidade de a Administração se dirigir diretamente contra o funcionário. Esta dupla dimensão da responsabilidade civil do agente frente à Admi-nistração pode variar conforme o regime que regula esta responsa-bilidade. 36

Considerando que o novo Regime português apresenta como traço essencial a responsabilidade exclusiva do Estado quan-do ocorre culpa leve;37 e considerando que existe presunção de culpa

co Moura ramOs, Da compatibilidade do new public management, 104-105), duas delas, se verificadas na prática, provavelmente contribuiriam para uma prestação jurisdicional mais célere: a introdução da competição entre os serviços e servidores e a reforma do sistema de incentivos. Entretanto, é importante salientar que estas duas propos-tas, caso possam ser colocadas em prática, não podem desconsiderar a necessidade da existência de uma fiscalização competente e imparcial com relação aos interesses dos servidores públicos do setor judiciário, sob pena de todo o esforço ser em vão. Busca-se, num plano maior, combater, inclusive, a corrupção, a incompetência e a ineficiência. Sobre a mesma temática, Casalta Nabais entende que um efeito do new pu-blic management é a maior transferência da responsabilidade para os contribuintes. José Casalta naBais, «Responsabilidade Civil da Administração Fiscal», in Manuel da Costa Andrade; Maria João Antunes; Susana Aires de sOusa, org. – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. 4, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, (Studia Iuridica; 101. Ad Honorem; 5), 732-733.

36 A doutrina, a fim de paliar os complexos problemas que a presença do funcionário origina na instituição da responsabilidade, problemas que redundam em prejuízo dos administrados, delimitou o que se poderiam chamar aspectos externos e internos da instituição. Neste sentido, Soulier faz uma distinção entre reparação da imputação. O primeiro concerne aos direitos da vítima. Responde a um primeiro desejo de justiça que prima sobre qualquer outra consideração: todo dano anormal e especial deve ser reparado. O problema da reparação faz referên-cia às relações da vítima com a Administração. O segundo alude, pelo contrário, às relações entre a Administração e o agente. Gérard sOulier, «Réflexion sur l’évolution et l’avenir du droit de la responsabilité de la puissance publique», Revue du Droit Public, 6 (1969) 1039-1103, esp. 1089-1090.

37 Conforme indicado por Soulier, o problema da responsabilidade pes-soal dos funcionários pesou sobre a evolução da responsabilidade do poder pú-blico, e uma das razões pelas quais as jurisdições tinham dúvidas em consagrar o princípio geral da responsabilidade sem culpa e aplicá-lo efetivamente era o medo de restabelecer, ao mesmo tempo, o princípio da irresponsabilidade dos agentes públicos. Gérard sOulier, «Réflexion sur l’évolution et l’avenir du droit de la res-

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leve pelos danos decorrentes da prática de actos jurídicos ilícitos; é possível concluir que, a menos que reste configurado dolo, culpa grave, exclusiva demora na prolação de uma decisão (unicamente de competência de elaboração do magistrado38) ou culpa do lesado, os danos por anormal funcionamento da justiça na modalidade vio-lação da razoável duração do processo será sempre enquadrada na responsabilidade da administração39, por culpa leve, respondendo o Estado de forma exclusiva pela violação e isentando, na prática, os ‘verdadeiros’ causadores do dano diante da alegação da impossibili-dade da sua determinação. 40 41

Carlos Cadilha comenta que, pela primeira vez, por meio do artigo 7.º, n.º 3, a legislação contemplou a chamada culpa do serviço,42 a qual compõe a culpa colectiva e a culpa anônima, cujos ponsabilité de la puissance publique», 1097.

38 Sobre a responsabilidade pessoal do magistrado e o erro judiciário, v. Luís Guilherme catarinO, «Contributo para uma reforma do sistema geral de responsabilidade civil extracontratual do Estado: propostas acerca da imputação por facto jurisdicional», Revista do Ministério Público, 88 (2001) 51-69, esp. 54-62; José Manuel Cardoso da cOsta, «Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado por actos da função judicial», in Diogo Leite de campOs, org., Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, vol. 1, Coimbra: Coimbra Edi-tora, 2009, (Studia Iuridica 95; Ad Honorem 4), 501-520, esp. 512-520.

39 Considerações importantes a respeito da responsabilidade civil da ad-ministração são encontradas em Marcelo Rebelo sOusa; André Salgado de matOs, Direito Administrativo Geral. Tomo III: Responsabilidade Civil Administrativa, Lisboa, 2008.

40 Possível é, por outro lado, a determinação da secção administrativa na qual a lesão foi originada ou desenvolvida.

41 Na doutrina, levar em consideração a distinção das três zonas sus-cetíveis de imputação da responsabilidade: (i) os danos imputáveis diretamente à Administração, (ii) os danos imputáveis diretamente ao funcionário, mas ex-tensível à cobertura da Administração e (iii) os danos pessoais dos funcionários, que são direta e exclusivamente imputáveis, sem cobertura da Administração. No primeiro caso, a Administração não goza de direito de regresso contra o funcio-nário; no segundo, no caso em que se faça efetiva sua garantia ou cobertura, a Administração dispõe das acções de regresso contra o funcionário; no terceiro caso, este problema não é colocado. Paulo OterO, «Responsabilidade civil pessoal dos titulares de órgãos, funcionários e agentes da administração do Estado», 491.

42 Na prática, difícil é a delimitação das arestas que separam a culpa do serviço da culpa pessoal. Seus conceitos, a questão da medição da gravidade, a re-flexão a respeito da noção subjectiva ou objetiva da culpa e a eventual intenciona-lidade na conduta são questões clássicas e tradicionais que podem não comportar uma única e definitiva resposta. Seguindo a ótica da dificuldade e versatilidade da aplicação dos conceitos, é possível acreditar que o abandono da ideia da culpa e a esquematização de um sistema de responsabilidade objetiva pode ser um cami-

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danos, quando produzidos pelo citado motivo, revelam-se num fun-cionamento anormal do serviço43 – ou porque a lesão resulta de falhas globais do serviço, ou porque, mesmo tendo sido a violação praticada por um indivíduo, este não pode ser identificado. Natural-mente, seguindo o raciocínio, e por consequência lógica da situação apresentada, não há lugar ao direito de regresso. 44 45

Com o devido respeito, apreciação e concordância com a doutrina já existente, mas refletindo a situação talvez sobre outro ângulo, é importante observar alguns outros elementos relacionados com a questão.

Segundo pesquisas no campo do processo civil, identificou--se que mesmo havendo informatização do processo, boa estrutura física do judiciário, entre outros factores normalmente alegados pe-las repartições judiciárias como justificativos dos atrasos processu-ais, o problema persiste, sendo os agentes e magistrados possíveis responsáveis por parcela significativa da demora. Já ficou compro-vado também que todas estas alterações, até mesmo alterações legis-lativas de desburocratização da justiça e informatização, não surti-ram efeitos relevantes na colaboração com a redução da duração do processo.46 Isto se deve ao argumento já utilizado: mesmo com leis nho; caminho este que não conduz a uma irresponsabilidade do funcionário, uma vez que o problema da reparação do dano não importa a imputação da responsa-bilidade ao agente público. Gérard sOulier, «Réflexion sur l’évolution et l’avenir du droit de la responsabilité de la puissance publique», 1075-1076/1090-1103.

43 O funcionamento anormal do serviço se verifica quando um compor-tamento razoavelmente possível de ser adotado e exigido, não o é. Carlos Alberto Fernandes cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Coimbra, 2008, 133.

44 Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, 132.

45 “Esta “anonimização” consegue-se através de padrões exigentes de conduta diligente, de presunções de culpa (havendo ilicitude), bem como, sobretudo, através da ideia de culpa da organização ou culpa do serviço – verificando-se que, muitas vezes, a “culpa” se dilui, resultando de deficiências organizativas, de negligências inter- sticiais ou difusas, dificilmente imputáveis individualmente a uma pessoa ou a um órgão administrativo.” José Carlos Vieira de andrade, «Panorama geral do direito da responsabilidade “civil” da Administração Pública em Portugal», 45.

46 Vários são os sistema que precisam de reforma; talvez de leis que pres-crevam procedimentos menos formalistas. Entretanto, atribuir a deficiência do sistema, que é cheio de problemas de ordem política, econômica e social, apenas à sua complexidade é um erro. As reformas legislativas possuem certos riscos e

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processuais tendentes à simplificação e a informatização do judici-ário, pressupõe-se uma mão-de-obra intelectual que é, obviamente, de pessoas; de funcionários a serviço do Estado. 47

Sobre este aspecto reflete-se acerca de qual seria o sujeito cujo dano seria imputado e, consequentemente, cujo patrimônio su-portaria os danos gerados aos administrados. Paulo Otero aponta duas tendências contraditórias. Poderiam os danos serem suporta-dos pelo patrimônio das próprias entidades públicas ou, pelo con-trário, seriam os titulares dos órgãos a suportar os encargos gerados pelas suas acções ou omissões, tendo em vista o facto de terem ap-tidão de escolha pessoal do cumprimento ou não de uma responsa-bilidade funcional.48

Seguindo o raciocínio da primeira tendência, quando o Re-gime da Responsabilidade Civil Extracontratual determina que o prejuízo causado pela demora na prestação do serviço jurisdicional é uma responsabilidade exclusiva do Estado, de culpa presumida, é possível que a idéia de culpa como censura ético-comportamental do agente seja desvalorizada.49

A interpretação, geral e abstrata, que poderia ser feita na tentativa de contribuir para a eliminação ou, ao menos, para a dimi-nuição da situação dramática e, de certa forma, comum, dos atra-sos processuais, é a seguinte: mesmo considerando a existência da possibilidade de averiguação disciplinar das condutas dos agentes, deveria haver um mecanismo em que a secção judicial, na qual se limites, não sendo as reformas processuais e judiciais substitutos suficientes no que se refere aos aspectos políticos e sociais, que jamais podem ser esquecidos. Neste aspecto, é possível citar a obra de Mauro cappelletti; Bryant Garth, Aces-so à justiça, Porto Alegre, 1988.

47 Segue o mesmo entendimento Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, A Responsabilidade Civil do Estado e demais Pessoas Colectivas Públicas, 92-94.

48 Paulo OterO, «Responsabilidade civil pessoal dos titulares de órgãos, funcionários e agentes da administração do Estado», 490-491.

49 José Carlos Vieira de andrade, «Panorama geral do direito da res-ponsabilidade “civil” da Administração Pública em Portugal», 45. Ainda sobre a desvalorização da ideia da culpa psicológica e como censura ética, bem como sua relação com a suposta modificação estrutural da responsabilidade civil da Administração, v. idem, «A responsabilidade indemnizatória dos poderes públicos em 3D: Estado de direito, Estado fiscal, Estado social», Revista de Legislação e de Jurisprudência, 140/3969 (Jul./Ago. 2011) 345-363, esp. 349.

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identifique um dano reiterado à administração da justiça, pudesse ser no-tificada para (i) corrigir a situação, (ii) ser mais cautelosa com relação a uma eventual violação na duração de um processo ou, em último caso, (iii) pudesse ser solidariamente responsabilizada em conjunto com o Estado, diante da prática de omissões reincidentes, em ca-ráter excepcional, por dolo ou por diligência e zelo manifestamen-te inferiores àqueles que se encontravam obrigados em razão do cargo.50 Neste caso, persistindo a impossibilidade de identificação de um único causador, caberia à secção responder ‘colectiva’ e so-lidariamente com o Estado,51 exercendo, caso entenda necessário, direito de regresso contra determinado(s) agente(s).

Apesar de serem verdadeiras as consequências negativas da averiguação judicial do grau de culpa, como, por exemplo, os incô-modos e eventuais verificações de partilha de responsabilidades,52 e apesar do próprio Regime configurar o acto como de culpa leve presumida, a importância de tal verificação reside na demonstração ao agente público que o Estado, seu ‘empregador’, fiscaliza os servi-ços dos seus ‘empregados’. A lógica da estabilidade do emprego pú-blico, ao contrário da lógica que funciona do âmbito privado, pode contribuir e estimular seus agentes, inclusive magistrados, de forma negativa.

Estas reflexões não excluem (e não se pretende que se exclu-am) as hipóteses dos casos de culpa leve em que só a Administração é responsável. Não se trata da defesa de uma estrita responsabilida-de solidária, mas sim excepcional. Porém, mesmo sendo excepcio-

50 A situação descrita recairia no artigo 8ª, do comentado Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, tratado neste estudo, sendo tal regime somente aplicável aos ‘funcionários da justiça’, por força do regime especial disposto no artigo 14.º da Lei 67/2007.

51 Considerando que a situação exposta versa sobre a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

52 José Carlos Vieira de andrade, «A responsabilidade por danos decor-rentes do exercício da função administrativa na nova lei sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos», 365. Também considerar os argumentos apontados por Carla Amado Gomes: a ideia de proporcionalidade e os princípios da prossecução do interesse público e da eficiência administrativa. Carla Amado GOmes, Três textos sobre o Novo Regime da Responsabilidade Civil Extra-contratual do Estado e demais Entidades Públicas, Lisboa, 2008, 35.

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nal, que seja aplicada de forma efetiva quando for necessário.Nestes termos, abrir-se-ia a viabilidade da utilização do di-

reito de regresso. Na Constituição da República Portuguesa, o n.º 4 do artigo 271.º53 remete para a Lei n.º 67/2007 a regulação do direito de regresso, o qual está disposto nos artigos 6.º, 8.º e 9.º-2.54, cujo conteúdo corresponde ao mesmo sentido do disposto no ar-tigo 524.º do Código Civil; cabendo ao condevedor que não tenha sido interpelado judicialmente o reembolso da parte de responsa-bilidade que lhe cabia no crédito, após o crédito ter sido satisfeito pelo devedor ao credor.55 Nada impede, entretanto, que as partes da dívida dos devedores solidários sejam desiguais, podendo, inclusive, apenas um devedor suportar o encargo, conforme bem dispõe o artigo 516.º do Código Civil. 56

Desta forma, para que a Administração possa actuar em via de regresso contra o agente é necessário previamente que aquela tenha indemnizado efetivamente um particular como consequência do funcionamento anormal do serviço. 57

Considerando a temática do sentido e alcance do Regime em termos de custos para os cidadãos58, e tendo o Regime passado

53 Comentários relevantes ao citado artigo em José Joaquim Gomes ca-nOtilhO/Vital mOreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coim-bra, 2010, 850-856.

54 Sobre a obrigatoriedade do direito de regresso, poderá ser esta efe-tivada pelo (i) incidente de intervenção provocada, nos termos do atual artigo 321.º do Código de Processo Civil (antigo artigo 329.º), (ii) através do mecanismo disposto no artigo 8.º, n.º 4 do novo Regime da Responsabilidade Civil Extra-contratual do Estado, ou (iii) através da instauração de uma acção de regresso, nos moldes definidos pelo artigo 37.º, n.º 2, alínea f do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Carlos Alberto Fernandes cadilha, Regime da Responsa-bilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, 106.

55 É a partir de satisfeito o pagamento que nasce o direito de regresso, o qual possui prazo prescricional de três anos, contados a partir da satisfação do crédito indemnizatório ao autor.

56 Fernando Pires de lima; João de Matos Antunes varela, Código Civil Anotado, v. I, Coimbra, 1987, 532/538-539.

57 Além de indemnizado, pode-se considerar que a Administração, para atuar em via de regresso, deve ainda ter previamente instruído um processo dis-ciplinar em que se determine ou se tente determinar o grau de culpa que gerou o dano.

58 Custo este decorrente da efetivação da responsabilidade tendo em vista a geração de uma despesa pública a ser paga mediante a existência de uma

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a estabelecer a obrigatoriedade do direito de regresso, haverá, na medida em que este direito venha a ser efetivado, uma diminuição das situações em que os custos dos pagamentos das indemnizações gerem encargos para os contribuintes.59

É compreensível que o sistema não se resume ao direito de regresso. Os valores das indemnizações por anormal funcionamen-to da justiça podem ser considerados irrelevantes se comparados com valores indemnizatórios concedidos pelos outros fundamentos permitidos pelo Regime. Entretanto, tendo em vista a necessidade do possível efeito educativo da responsabilização, é preciso que sejam os responsáveis a pagar pelos danos e não o ‘Estado’;60 talvez seja assim que a cultura da impunidade (ou da ‘imunidade’) possa começar a ser alterada. A real eficiência administrativa somente será atingida quando haja responsabilidade na execução dos serviços e quando a cultura da ‘imunidade’, demonstrada pela não popularidade da utiliza-ção do direito de regresso, entre em declínio e o instituto passe a ser utilizado, uma vez que esse é agora expressamente obrigatório pelo Regime, em determinadas actuações.

receita, que é um bem escasso. A propósito deste assunto: João Carlos lOureirO, «Adeus ao Estado Social? O insustentável peso do não ter», Boletim da Faculdade de Direito, 83 (2007) 99-182, esp. 99 ss.; José Casalta naBais, «Responsabilidade civil da administração fiscal», 729 ss.

59 Neste sentido, e mesmo tendo consciência do fenômeno comentado por Casalta Nabais relativamente à transferência da responsabilidade para em-presas seguradoras, reafirmo o entendimento de que é preciso reunir esforços na tentativa da efetivação do direito de regresso. Se verificada a prática do fenômeno comentado pelo autor, faltará, posteriormente, desenvolver um mecanismo legal que deslegitime a prática. Mesmo considerando também o verdadeiro argumento do não estabelecimento do direito de regresso face aos órgãos legislativos e o consequente encargo por parte dos contribuintes, mantenho o entendimento de que a prática do direito de regresso deveria ser fortalecida. Apesar da compreen-sível diferença de valores a serem indemnizados decorrentes da responsabilização da administração por duração excessiva do processo e da responsabilização pelo risco, por exemplo, a ideia, além da própria penalização do responsável, pode proporcionar uma mudança comportamental positiva e geral da Administração.

60 O Estado é responsável direto pela falha na execução e fiscalização do serviço, mas funciona por meio de ‘mãos alheias’.

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5. O recurso extraordinário de revisão e a justificada prática de bloqueio de efetividade

Conforme determinado no início deste breve estudo, resta ainda refletir sobre o novo Regime e o Recurso Extraordinário de Revisão, usando como parâmetro prático e argumentativo o já cita-do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. 61

O Acórdão trata da negação de provimento de Recurso Extraordinário de Revisão, no qual requeria o recorrente (i) a re-formulação de decisão proferida pelo Tribunal Central Administra-tivo Norte, em 30 de Março de 2006, para que esta estivesse em conformidade com decisão posteriormente proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que transitou em julgado em 25 de Maio de 2010; bem como (ii) outro montante a título indemni-zatório.

Igualmente, ao direito processual civil e penal o contencioso administrativo permite a possibilidade da existência de situações que requerem uma revisão da sentença que transitou em julgado.

Com o Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, ficou supri-mido o recurso de oposição de terceiro. Desta forma, o recurso extra-ordinário existente no ordenamento jurídico é o de revisão, 62 conforme disposto nos atuais artigos 696.º e seguintes do Código de Processo Civil (anteriores artigos 771.º e seguintes).63 Concretamente, a lei processual administrativa, por sua vez, admite o Recurso Extraordinário de Revisão nos artigos 154.º e seguintes, do Código de Processo nos Tribunais Ad-ministrativos. 64

61 O Acórdão Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 01116/11, de 17 de Maio de 2012, bem como os acórdãos relacionados com o mesmo caso.

62 Mesmo considerando a existência da discussão a respeito da natureza do recurso de revisão (se é um recurso ou uma acção), o presente estudo consi-derará a nomenclatura ‘recurso’, conforme descrito no Código de Processo Civil.

63 José Lebre de Freitas; Armindo Ribeiro mendes, Código de Processo Civil Anotado. vol. 3.º, tomo I, Coimbra, 2008, 219-242.

64 É possível admitir como outro tipo de revisão uma espécie de opo-sição de terceiro, nos termos do artigo 155.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. José Carlos Vieira de andrade, Justiça Administrativa, Coimbra, 2011, 400-402.

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O Recurso Extraordinário de Revisão visa reverter a eficá-cia da sentença transitada em julgado. Diante de uma situação de especial gravidade de um vício ou anomalia processual, a sentença transitada em julgado é anulada e substituída por outra. 65

Partindo para as considerações a respeito do recurso extra-ordinário de revisão66, da leitura do atual artigo 696.º do Código de Processo Civil Português decorre a compreensão dos requisitos fundamentais do recurso. Conforme determinado pelo artigo, a de-cisão internacional, a qual suscita a possibilidade da revisão da deci-são interna, deve ser proferida por uma (i) instância internacional de recurso, tratando-se de uma (ii) decisão definitiva e (iii) vinculativa para o Estado, quando seja possível verificar um (iv) caráter incon-ciliável da decisão internacional com a decisão nacional transitada em julgado. 67

Segundo o entendimento de José Lebre de Freitas, “[...] os tribunais portugueses não estão vinculados pelas decisões do TEDH, que não é um tribunal de recurso que profira decisões revo-

65 José Lebre de Freitas; Armindo Ribeiro mendes, Código de Processo Civil Anotado, 222-223.

66 A inovação relativa ao recurso extraordinário de revisão dizia respeito ao disposto na alínea f, do artigo 771.º, do Código de Processo Civil Português, inovação esta introduzida pela reforma do processo civil de 2007, decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (e que agora corresponde ao atual artigo 696.º, f). A então nova alínea veio acrescentar mais uma hipótese de revi-são, afirmando ser o recurso cabível também quando uma decisão transitada em julgado seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado português. Resta desde já esclarecer que a doutrina processualista, pelo menos relativamente a alguns dos mais recentes manuais de processo civil pesquisados, carece de quanto a reflexões doutrinárias a respeito da alteração sofrida pelo artigo 771.º do Código de Processo Civil, particularmente em sua alínea f, relativa à relevância de decisões jurisdicionais internacionais. Abílio netO, Código de Processo Civil Anotado, Lisboa, 2011, 1209-1214; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, Coimbra, 2009, 323-359; Armindo Ribeiro mendes, Recursos em processo civil: reforma de 2007, Coimbra, 2009, 195-207.

67 O citado artigo, por sua vez, está intimamente relacionado com o texto disposto no artigo 46.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tendo em vista Portugal ter assinado o Protocolo n.º 14, de 13 de Maio de 2004; bem como o texto legislativo interno, disposto no artigo 2.º, n.º 1, s, da Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, publicada no Diário da República e disponível em <http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da-justica/livro-iii-leis-civis-e/pdf-cpc/l-6-2007/down-loadFile/file/L_6_2007.pdf?nocache=1181317983.37>.

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gatórias de decisões nacionais. A vinculação é do Estado português, obrigado a indemnizar a vítima da violação da Convenção. Impõe--se apenas que, em face de uma decisão inconciliável do TEDH, o tribunal nacional possa reexaminar a sua decisão, podendo vir a revogá-la”.68

Independentemente da importante discussão a respeito do que a doutrina define como ‘instância internacional de recurso’ e ‘decisão definitiva e vinculativa’69, ressalta no caso particularmente apresentado o seguinte facto: a decisão interna, objecto da revisão,70 não pos-sui caráter inconciliável comparativamente à decisão internacional,71 uma vez que a primeira admite a violação do artigo 6.º, n.º 1 da Convenção e afirma que, de facto, houve o cometimento de um acto ilícito por parte do judiciário português, mas entende não terem sido provados, pelo autor, os danos decorrentes desta violação; sendo este o motivo pelo qual não ficou estabelecida uma indemnização pelo Tribunal Central Administrativo Norte. Desta forma, mesmo no caso de haver doutrina ou jurisprudência que entenda ser o Tri-bunal Europeu dos Direitos do Homem um tribunal de recurso, não caberia revisão; pelo menos não neste caso concreto.

Pressupondo uma série de factores,72 a prática do tribunal 68 José Lebre de Freitas; Armindo Ribeiro mendes, Código de Processo

Civil Anotado, 229.69 Relativamente à questão do mérito das decisões contempladas com o

caso julgado, Miguel Teixeira de sOusa, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lisboa, 1997, 567-599.

70 Acórdão do Processo 00005/04.2BEPRT, de 30 de Março de 2006, do Tribunal Central Administrativo Norte. <http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0855bdb99161298480257142003ba838?OpenDocument>.

71 Acórdão do Processo Affaire Anticor-Sociedade de Anti-Corrosão, LDA c. Portugal, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. <http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?item=1&portal=hbkm&action=html&highlight=AFFAIRE%20%7C%20ANTICOR-SOCIEDADE%20%7C%20DE%20%7C%20ANTI-CORROS%C3O%2C%20%7C%20LDA&sessionid=908509-81&skin=hudoc-en>.

72 Pode-se pressupor, por exemplo, que (i) a maior parte da doutrina não considera as condenações do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como detentora de caráter meramente indemnizatório; que (ii) o Comitê de Ministros, por diversas vezes, emitiu Recomendações ao Estado Português no sentido da necessidade de criar uma solução interna para o problema da duração do proces-

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nacional em aceitar a existência do cometimento do ilícito e aceitar ser culpado, mas não determinar indemnização por inexistência de comprovação do dano, produz o seguinte resultado prático: a blin-dagem da tentativa da dupla indemnização, pelo menos nos casos de razoável duração do processo em que o tribunal nacional acre-dite não terem sido os danos comprovados; e ainda mais relevan-te, a blindagem do sistema jurídico interno quanto à possibilidade de procedência de recurso extraordinário de revisão, com base na alínea f, do atual artigo 696.º do Código de Processo Civil e, even-tualmente, do artigo 154.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Apesar de ser completamente compreensível a questão da inadmissibilidade de danos presumidos tendo em vista a consequen-te abertura de precedente indemnizatório ainda mais alargado do que o permitido pelo novo Regime, e já desconsiderados os casos em que as próprias partes contribuiram para a demora no processo, constatar e admitir a existência de um ilícito de natureza particular e abstrata como é a duração razoável de um processo permite com-preender que, a princípio, há uma lesão, e que, e como consequência da lesão, um dano é gerado.

Tendo em vista a diferença de natureza entre os requisitos verificados pelo Tribunal interno e pelo Tribunal Europeu dos Di-reitos do Homem, a partir da questão da suposta compatibilidade entre as decisões, verifica-se um fenômeno interessante: o da irres-ponsabilidade responsável, ou responsabilidade interna aparente. Como ir-responsabilidade responsável, ou responsabilidade interna aparente,

so, tendo em vista a gravidade das violações e uma vez que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estava sendo usado como tribunal de recurso diante da inexistência de mecanismo interno de solução para este tipo de litígio; que (iii) o Estado Português elaborou e aprovou a Lei n.º 67/2007 para poder servir como mecanismo interno de indemnização dos danos causados por duração excessiva do processo; (iv) que, no caso prático em questão, o Tribunal Europeu dos Di-reitos do Homem determinou o quantum reparatório a título de danos morais, tendo em vista a averiguação dos critérios por ele estabelecidos relacionados com a duração do processo, não se adentrando na apuração de critérios subjectivos clássicos; e (v) tendo em vista que se o tribunal nacional informasse em sua deci-são que não reconhecia a violação por razoável duração do processo, poderia este ser condenado pelo não reconhecimento.

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podem-se considerar as práticas de aceitação mistificada da responsabi-lidade.

As decisões que envolvem os Acórdãos em questão são compatíveis, tendo em vista o reconhecimento da culpa e do come-timento de uma omissão ilícita pelo Judiciário português. Entretan-to, os critérios para a determinação da indemnização ou da repara-ção são diferentes. Enquanto no ordenamento interno o indivíduo tem o ônus de provar o dano, no plano internacional parece que os critérios subjectivos foram objectivados73 em alguma medida, tendo sido concedida, no caso em análise, uma indemnização de caráter não-patrimonial ao requerente.

Conforme esperado, o Supremo Tribunal Administrativo, segundo o Acórdão de 17 de Maio de 2012, negou provimento ao Recurso Extraordinário de Revisão pela improcedência de todas as conclusões do recurso, não existindo lugar para a aceitação da revi-são da decisão, sob a alegação da alínea f do artigo 771.º do Código de Processo Civil Português (atual artigo 696.º, f), uma vez que as decisões não são inconciliáveis tendo em vista poderem subsistir simultaneamente sem gerar qualquer contradição.

Ademais, tendo em vista a atribuição, pelo Tribunal Euro-peu dos Direitos do Homem, de uma indemnização ao recorrente, ficou inviabilizada a possibilidade do pedido de nova indemnização, no plano interno, destinada à reparação dos mesmos danos. Não se pode pretender que o processo administrativo seja refeito, uma vez que não existe inconciliabilidade entre as decisões e que uma inde-mnização já foi paga.

A importância de decidir desta forma reside na necessida-de de evitar soluções excessivas e de dupla condenação da mesma entidade pelos mesmos factos; de requerimentos de indemnizações na jurisdição interna correspondente a uma decisão do Tribunal Eu-ropeu dos Direitos do Homem por meio do recurso de revisão. 74

73 São critérios avaliados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Ho-mem a complexidade da causa, a conduta do requerente e a conduta das autori-dades nacionais.

74 Acórdão do Processo 0770/11, de 22 de Novembro de 2011, do Supre-

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Por outro lado, apesar de ter sido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30 de Março de 2006, elaborado de forma exemplar, pode acabar provocando uma responsabilidade in-terna aparente, além de impossibilitar, antecipadamente, o eventual julgamento procedente de um recurso extraordinário de revisão, nos termos previstos pela Lei.

É certo que o raciocínio acima descrito gera outras conse-quências. Todavia, é importante que se reflita sobre um conjunto de matérias jurídicas que interferem directamente na questão para que, por fim, seja possível encontrar uma situação intermediária entre a efetividade esperada pelo particular, as disposições constitucionais e infraconstitucionais, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Di-reitos do Homem, as recomendações internacionais e as consequ-ências financeiras internas.75

6. Conclusão

De forma objectiva, é possível tecer as seguintes conclusões:1. O anormal funcionamento da administração da justiça,

que pode gerar, entre outras consequências, a demora do processo, ocorre nos casos em que etapas do complexo funcionamento judicial que contemplam os actos jurídi-cos (exceto decisões finais), as atividades meio e as ati-vidades para-jurisdicionais (i) não funcionaram, (ii) fun-cionaram mal ou (iii) funcionaram de forma defeituosa;

2. A razoável duração do processo está consagrada na mo Tribunal Administrativo. <http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/46cda5d71d384e8380257958003d154b?OpenDocument>

75 O tempo e as inúmeras condenações do Estado português por viola-ção à razoável duração do processo parecem estar de alguma forma consolidados jurisprudencialmente pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e os crité-rios do Tribunal competente nacional, de natureza e características diferentes dos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, parecem ir contra as constatações jurisprudenciais. Esta prática acaba por proporcionar mais atrasos na solução dos conflitos e pode vir a não diminuir as demandas de particulares no Tribunal Eu-ropeu dos Direitos do Homem contra o Estado, uma vez que, apesar do cumpri-mento das determinações internacionais e da existência de mecanismo interno de solução, o indivíduo continuará requerendo ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem uma reparação.

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Constituição da República Portuguesa no artigo 20.º, n.º 4, e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 6.º, n.º 1;

3. O anormal funcionamento da administração da justiça é uma das hipóteses geradoras de responsabilidade ao administrado;

4. Trata-se de uma hipótese geradora inclusive pelo facto de ser competência da Administração disponibilizar um serviço eficiente também no âmbito judicial, diante da proibição da auto-tutela, entre outros factores;

5. O combate ao desperdício e a optimização geral dos serviços pode trazer resultados positivos para o sistema, numa vertente preventiva do dano;

6. O novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontra-tual do Estado e demais Entidades Públicas enquadra o anormal funcionamento da administração da justiça como um facto ilícito decorrente do exercício da função administrativa, disciplinado pelos artigos 7.º, 8.º, 9.º e 10.º da Lei 67/2007;

7. A Administração será responsável de forma exclusiva se a violação estiver enquadrada na hipótese da culpa leve, que é o caso da violação da duração do prazo razoável do processo;

8. Ponderadas as situações e respeitadas as opiniões con-trárias, porque também verdadeiras, ultrapassada a fase disciplinar, e na hipótese da constatação de um dano rei-terado à administração da justiça, ainda que simbólico, poder-se-ia invocar uma responsabilidade solidária do agente ou grupo de agentes com o Estado, em caráter excepcional, por dolo ou diligência e zelo manifesta-mente inferiores inerentes ao cargo;

9. Quanto ao direito/dever de regresso, e respeitadas as características de excepcionalidade da situação, os aten-tados à boa administração da justiça, por violação à du-

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ração razoável do processo, podem não estar adstritos ao enquadramento da culpa leve, exclusivamente;

10. Com relação ao caso prático descrito pelo Acórdão e comentado no estudo, entende-se ter sido acertada a decisão do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso de revisão;

11. Por outro lado, e tendo em vista a diferença natural e legítima dos pressupostos da indemnização entre o or-denamento nacional e a jurisprudência do Tribunal Eu-ropeu dos Direitos do Homem, pode acontecer que, em alguns casos, a jurisdição administrativa sirva apenas como mais uma etapa de esgotamento dos recursos in-ternos. Aquele indivíduo que, sentindo-se lesado, procu-rar a jurisdição nacional para obter uma indemnização, e não cumprindo os pressupostos necessários, caminhará até o Tribunal internacional em busca de uma reparação, pelo menos em sede de danos não-patrimoniais, indem-nização esta que goza de jurisprudência pacífica neste Tribunal internacional.

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