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Cursos de Especializaccedilatildeo para o quadro do Magisteacuterio da SEESPEnsino Fundamental II e Ensino Meacutedio

Rede Satildeo Paulo de

Eacutetica d03

Rede Satildeo Paulo de

Cursos de Especializaccedilatildeo para o quadro do Magisteacuterio da SEESP

Ensino Fundamental II e Ensino Meacutedio

Satildeo Paulo

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Sumaacuterio1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica 4

2 A Eacutetica em Aristoacuteteles 14

3 Sobre a Conduta Moral Parte I 25

4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II 38

Bibliografia tema 1 48

Bibliografia tema 2 49

Bibliografia tema 4 50

Ficha da Disciplina 51

sumario

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1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica

O propoacutesito dos trecircs toacutepicos que compotildeem esse texto eacute o de primeiramente buscar uma certa compreensatildeo da educaccedilatildeo eacutetica do homem grego no periacuteodo anterior a Soacutecrates para entatildeo nos proacuteximos dois toacutepicos comeccedilar a anaacutelise de alguns elementos componentes de um novo modelo eacutetico o socraacutetico-platocircnico no qual a razatildeo teraacute papel preponderante para a de-terminaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

Tornou-se comum no meio filosoacutefico a distinccedilatildeo entre moral e eacutetica no sentido (em linhas gerais) que a moral diria respeito ao corpo de regras que funciona como paradigma para a de-terminaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas ou maacutes em um grupo social e a eacutetica seria a disciplina teoacuterica que teria como objeto de estudo criacutetico a moral A palavra ldquomoralrdquo eacute derivada de mos

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mores termo latino para verter o termo grego ethos de onde deriva a palavra eacutetica Visto que eacute anacrocircnico empregar o termo ldquomoralrdquo quando se trata da eacutetica grega do periacuteodo dos traacutegicos de Soacutecrates de Platatildeo de Aristoacuteteles e considerando que quando o termo eacute empregado pe-los latinos natildeo recebe a distinccedilatildeo supramencionada quando utilizarmos a palavra lsquomoralrsquo em expressotildees como lsquomoralmente boarsquo natildeo estaremos fazendo qualquer distinccedilatildeo entre lsquomoralrsquo e lsquoeacuteticarsquo mas estaremos tomando ambos os termos como sinocircnimos A Eacutetica tem entatildeo o seu nome (assim como vaacuterios outros tantos conceitos da Filosofia) derivado do grego derivado de ethos que comumente eacute vertido para o Portuguecircs como haacutebito costume Daiacute natildeo se segue que a Eacutetica tem como grande propoacutesito mapear os costumes de um grupo social para entatildeo elaborar um corpo de regras a partir de tal mapeamento A Eacutetica tem muito menos como propoacutesito examinar como as coisas satildeo como satildeo os haacutebitos e costumes de uma comunidade como os indiviacuteduos dessa comunidade agem normalmente nas inter-relaccedilotildees pessoais do que examinar como os indiviacuteduos como agentes morais deveriam agir A Eacutetica agrave semelhanccedila de outras disciplinas tem como uma das suas funccedilotildees propiciar uma boa organizaccedilatildeo nas diversas sociedades para que os seus indiviacuteduos possam nela viverem bem Para isso natildeo basta constatar como satildeo as accedilotildees dos indiviacuteduos mas tratar de como eles deveriam agir para que a sociedade venha a se manter organizada e com isso possa promover uma boa vida para os indiviacuteduos

A literatura da Greacutecia antiga apresenta desde os seus relatos mais antigos importantes problemas eacuteticos ainda que eles natildeo fossem explicitados como objetos de estudo Entre os poetas traacutegicos questotildees eacuteticas de extrema relevacircncia foram apresentadas como sobre a pos-sibilidade de imputar ao agente moral a responsabilidade da sua accedilatildeo se ela foi realizada sem consciecircncia das circunstacircncias em que a accedilatildeo ocorreu como no ceacutelebre caso do Eacutedipo que mata o pai sem saber que era o seu pai Atentemos que ainda hoje saber se o agente tinha consciecircncia das suas accedilotildees pode ser crucial para poder responsabilizar algueacutem tanto do ponto de vista moral como ateacute mesmo do ponto de vista juriacutedico

Vale observar que tendo tratado de questotildees relevantes a Eacutetica grega natildeo consiste em con-juntos de regras ou teorizaccedilotildees que ficaram na totalidade ou em sua maior parte circunscritas a um momento embrionaacuterio das investigaccedilotildees eacuteticas e que estatildeo guardadas em uma redoma aberta apenas para uma certa erudiccedilatildeo pouco profiacutecua para suscitar novos problemas eacuteticos ou possiacuteveis resoluccedilotildees de problemas postos por novos modelos eacuteticos Muito mais do que isso a eacutetica grega antiga auxilia em muito a anaacutelise eacutetica de uma perspectiva histoacuterica uma

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vez que autores como Platatildeo e Aristoacuteteles tiveram profunda influecircncia na posteridade Os gregos tecircm importacircncia hoje no domiacutenio eacutetico tambeacutem por suscitarem problemas ainda atuais e por apresentarem alternativas que contribuem e muito para pensar questotildees eacuteticas Nesse sentido vale observar que a eacutetica aristoteacutelica tem sido consultada ateacute mesmo para trazer para o debate eacutetico elementos (como o resgate da discussatildeo do acraacutetico do phroacutenimos de um fim a ser buscado que orientaria as discussotildees eacuteticas e deve orientar as accedilotildees dos agentes morais etc) que ajudam a fazer contraponto inclusive com o modelo eacutetico universalista kantiano Dito isso faz-se necessaacuterio examinar o que os gregos antigos nos apresentaram acerca da eacutetica natildeo apenas para pensar a Histoacuteria da Filosofia no concernente agrave Eacutetica mas tambeacutem para ajudar a pensar questotildees eacuteticas independentemente de qual autor ou escola as teriam apresentado

Ainda que haja uma variada gama de questionamentos eacuteticos na literatura anterior a Aris-toacuteteles talvez seja exagerado querer encontrar em tais textos uma Eacutetica tal como noacutes a conhec-emos em Aristoacuteteles em cujos textos eacuteticos encontramos objeto de estudo bem determinado com modelo investigativo proacuteprio a tal objeto e com caracteriacutesticas especiacuteficas de tal anaacutelise (nesse sentido o modelo investigativo na eacutetica se distingue radicalmente do modelo investi-gativo metafiacutesico ou das matemaacuteticas) Os textos de Hesiacuteodo e sobretudo os textos atribuiacutedos a Homero faziam parte da educaccedilatildeo do homem grego inclusive em relaccedilatildeo a sua formaccedilatildeo eacutetica Obviamente natildeo por trazerem pormenorizadas discussotildees eacuteticas mas por apresentarem modelos de comportamento modelos de como o homem grego no geral deveria se portar em diversas situaccedilotildees Nesse sentido os deuses e os heroacuteis da Iliacuteada e da Odisseacuteia eram de certo modo apresentados como modelos de comportamento As accedilotildees dos deuses e de heroacuteis eram tomadas como paradigmas para as accedilotildees humanas Haacute portanto nos textos dos traacutegicos de Hesiacuteodo e sobretudo os atribuiacutedos a Homero certas determinaccedilotildees de como deve o indiviacuteduo agir para tornar-se moralmente bom Para percebermos a importacircncia da educaccedilatildeo do homem grego a partir dos textos atribuiacutedos a Homero lembremos por exemplo que na Repuacuteblica sob diversos aspectos um dos diaacutelogos mais importantes de Platatildeo quando em diversos momentos Soacutecrates pensa a educaccedilatildeo na cidade ideal ele o faz em grande medida a partir dos textos atribuiacutedos a Homero

Em um raacutepido exame geral da Eacutetica grega talvez seja de bom tom natildeo gastar muita tinta com os filoacutesofos preacute-socraacuteticos porque de modo geral eles natildeo tiveram como objeto de in-vestigaccedilatildeo questotildees eacuteticas Os preacute-socraacuteticos se notabilizaram especialmente pelas suas inves-

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tigaccedilotildees acerca da natureza acerca do mundo acerca da possibilidade ou natildeo de ter acesso ao mundo e a partir daiacute poder falar sobre ele Parece-nos conveniente tambeacutem natildeo nos determos nos sofistas (haacutebeis professores de retoacuterica que ganharam fama e muito dinheiro por trabalha-rem a forma do discurso de modo tal a fazecirc-lo forte por trabalharem a forma do discurso com tal destreza a ponto de fazer parecer que eacute o que natildeo eacute a ponto de discorrerem sobre falsidades dando a elas aparecircncia de verdades) Ainda que os sofistas tivessem grande preocupaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo astuciosa (podendo ser falsa) do discurso com o intuito em grande medida de favorecer politicamente aqueles que participavam dos debates que determinavam os destinos da polis na aacutegora da Atenas democraacutetica essa preocupaccedilatildeo com grandes reflexos na poliacutetica natildeo fez com que tomassem a eacutetica como objeto investigativo

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

Com Platatildeo a Eacutetica ganha atenccedilatildeo especial Eacute comum na literatura especializada nos diaacutelo-gos de Platatildeo dividi-los em grupos Uma dessas divisotildees diz respeito agrave cronologia na elabora-ccedilatildeo dos diaacutelogos Uma delas comporta 3 momentos no primeiro momento o qual mais nos interessaraacute aqui corresponde aos diaacutelogos escritos na juventude (o segundo momento eacute o dos diaacutelogos de maturidade e por fim no terceiro momento os diaacutelogos de velhice) denominados diaacutelogos aporeacuteticos isto eacute diaacutelogos que acabavam em aporia em dificuldade sem se chegar agrave definiccedilatildeo do objeto investigativo motivador do diaacutelogo Tais diaacutelogos chegam ao fim sem o aclaramento de certas duacutevidas de certos questionamentos natildeo sendo obtido conhecimento seguro acerca do objeto investigado Esses diaacutelogos tecircm como protagonista Soacutecrates que dife-rentemente dos preacute-socraacuteticos iraacute dar grande atenccedilatildeo ao homem enquanto objeto de estudo sobretudo no que diz respeito agrave Eacutetica

Com Soacutecrates o homem se torna de modo mais acentuado objeto de investigaccedilatildeo Natildeo investigaccedilatildeo do ponto de vista bioloacutegico mas de um ponto de vista eacutetico portanto de um ponto de vista em que o homem eacute examinado sobretudo em relaccedilatildeo agraves suas accedilotildees mas natildeo propriamente como eles agem cotidianamente Em relaccedilatildeo ao modo como os homens agem cotidianamente principalmente como agem bem em grande medida a partir de paradigmas dados por heroacuteis e deuses em textos como a Iliacuteada e a Odisseacuteia esse natildeo eacute o modelo buscado por Soacutecrates Se por um lado Soacutecrates como homem grego foi educado tambeacutem com os textos atribuiacutedos a Homero valendo-se de tais textos em suas conversas com os interlocutores

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por outro lado Soacutecrates natildeo aceita por completo o modelo educativo dos textos atribuiacutedos a Homero Na proacutepria Repuacuteblica Soacutecrates propotildee censura a partes de tais textos

No concernente agrave Eacutetica Soacutecrates parece propor novidades Ao inveacutes de aceitar plenamente o modelo eacutetico cujos paradigmas das accedilotildees moralmente boas seriam dados pelos textos que ajudaram a educar o homem grego Soacutecrates propotildee um novo modelo onde as accedilotildees moral-mente boas seriam determinadas natildeo por modelos jaacute dados mas de certo modo por paradig-mas a serem buscados pela razatildeo A razatildeo de certo modo poderia direcionar o homem para as boas accedilotildees Mas como fazecirc-lo Tal busca figura em vaacuterios diaacutelogos de Platatildeo mas natildeo se encontra de modo sistemaacutetico e concentrado em um ou outro diaacutelogo estando distribuiacuteda nos mesmos sobretudo nos diaacutelogos aporeacuteticos de juventude A partir do conjunto de informaccedilotildees dadas nos diversos diaacutelogos eacute possiacutevel chegar a alguns elementos proacuteprios agrave discussatildeo eacutetica socraacutetica

Se por um lado Soacutecrates natildeo aceita por completo os paradigmas dados (sobretudo nos textos atribuiacutedos a Homero) para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa por outro ele necessita propor outros paradigmas outros orientadores do agente para que este possa reali-zar accedilotildees moralmente boas Natildeo parece ser a proposta socraacutetica atribuir aos deuses as causas das nossas accedilotildees como se os homens fossem marionetes dos deuses Por outro lado Soacutecrates parece propor que as nossas accedilotildees e consequumlentemente o nosso modo de vida se bom ou ruim natildeo podem ser obra do acaso Nesse sentido em uma certa proposta socraacutetica o bem do homem natildeo eacute determinado exclusivamente pelas contingecircncias externas Pelo contraacuterio ainda que Soacutecrates natildeo pareccedila eliminar o peso das contingecircncias externas para a possibilidade ou natildeo do agente poder agir bem e com isso poder viver bem ele parece sustentar que cabe ao agente ter certo controle das nossas accedilotildees e portanto ter certo controle das accedilotildees moralmente boas que podemos engendrar

Para isso Soacutecrates volta a sua atenccedilatildeo enquanto objeto da sua investigaccedilatildeo natildeo para o corpo o qual natildeo eacute o responsaacutevel primeiro pelas accedilotildees do agente mas para a alma a qual seria a motivadora das accedilotildees Nesse sentido a investigaccedilatildeo eacutetica socraacutetica ganha certo vieacutes psicoloacutegi-co Soacutecrates propotildee uma divisatildeo tripartite da alma A alma teria uma parte apetitiva a qual inclinaria o agente a realizar accedilotildees para satisfazerem-na Essa parte da alma seria a responsaacutevel pelos prazeres pelas inclinaccedilotildees do agente para satisfazer as necessidades que aparentam ser

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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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tema1

Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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                                                      1. Botatildeo 52
                                                        1. Paacutegina 51 Off
                                                        2. Paacutegina 52
                                                        3. Paacutegina 53
                                                          1. Botatildeo 53
                                                            1. Paacutegina 51 Off
                                                            2. Paacutegina 52
                                                            3. Paacutegina 53
                                                              1. Botatildeo 7
                                                              2. Botatildeo 8
                                                              3. Botatildeo 12
                                                              4. Botatildeo 13
                                                              5. Botatildeo 9

Rede Satildeo Paulo de

Cursos de Especializaccedilatildeo para o quadro do Magisteacuterio da SEESP

Ensino Fundamental II e Ensino Meacutedio

Satildeo Paulo

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Sumaacuterio1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica 4

2 A Eacutetica em Aristoacuteteles 14

3 Sobre a Conduta Moral Parte I 25

4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II 38

Bibliografia tema 1 48

Bibliografia tema 2 49

Bibliografia tema 4 50

Ficha da Disciplina 51

sumario

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1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica

O propoacutesito dos trecircs toacutepicos que compotildeem esse texto eacute o de primeiramente buscar uma certa compreensatildeo da educaccedilatildeo eacutetica do homem grego no periacuteodo anterior a Soacutecrates para entatildeo nos proacuteximos dois toacutepicos comeccedilar a anaacutelise de alguns elementos componentes de um novo modelo eacutetico o socraacutetico-platocircnico no qual a razatildeo teraacute papel preponderante para a de-terminaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

Tornou-se comum no meio filosoacutefico a distinccedilatildeo entre moral e eacutetica no sentido (em linhas gerais) que a moral diria respeito ao corpo de regras que funciona como paradigma para a de-terminaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas ou maacutes em um grupo social e a eacutetica seria a disciplina teoacuterica que teria como objeto de estudo criacutetico a moral A palavra ldquomoralrdquo eacute derivada de mos

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mores termo latino para verter o termo grego ethos de onde deriva a palavra eacutetica Visto que eacute anacrocircnico empregar o termo ldquomoralrdquo quando se trata da eacutetica grega do periacuteodo dos traacutegicos de Soacutecrates de Platatildeo de Aristoacuteteles e considerando que quando o termo eacute empregado pe-los latinos natildeo recebe a distinccedilatildeo supramencionada quando utilizarmos a palavra lsquomoralrsquo em expressotildees como lsquomoralmente boarsquo natildeo estaremos fazendo qualquer distinccedilatildeo entre lsquomoralrsquo e lsquoeacuteticarsquo mas estaremos tomando ambos os termos como sinocircnimos A Eacutetica tem entatildeo o seu nome (assim como vaacuterios outros tantos conceitos da Filosofia) derivado do grego derivado de ethos que comumente eacute vertido para o Portuguecircs como haacutebito costume Daiacute natildeo se segue que a Eacutetica tem como grande propoacutesito mapear os costumes de um grupo social para entatildeo elaborar um corpo de regras a partir de tal mapeamento A Eacutetica tem muito menos como propoacutesito examinar como as coisas satildeo como satildeo os haacutebitos e costumes de uma comunidade como os indiviacuteduos dessa comunidade agem normalmente nas inter-relaccedilotildees pessoais do que examinar como os indiviacuteduos como agentes morais deveriam agir A Eacutetica agrave semelhanccedila de outras disciplinas tem como uma das suas funccedilotildees propiciar uma boa organizaccedilatildeo nas diversas sociedades para que os seus indiviacuteduos possam nela viverem bem Para isso natildeo basta constatar como satildeo as accedilotildees dos indiviacuteduos mas tratar de como eles deveriam agir para que a sociedade venha a se manter organizada e com isso possa promover uma boa vida para os indiviacuteduos

A literatura da Greacutecia antiga apresenta desde os seus relatos mais antigos importantes problemas eacuteticos ainda que eles natildeo fossem explicitados como objetos de estudo Entre os poetas traacutegicos questotildees eacuteticas de extrema relevacircncia foram apresentadas como sobre a pos-sibilidade de imputar ao agente moral a responsabilidade da sua accedilatildeo se ela foi realizada sem consciecircncia das circunstacircncias em que a accedilatildeo ocorreu como no ceacutelebre caso do Eacutedipo que mata o pai sem saber que era o seu pai Atentemos que ainda hoje saber se o agente tinha consciecircncia das suas accedilotildees pode ser crucial para poder responsabilizar algueacutem tanto do ponto de vista moral como ateacute mesmo do ponto de vista juriacutedico

Vale observar que tendo tratado de questotildees relevantes a Eacutetica grega natildeo consiste em con-juntos de regras ou teorizaccedilotildees que ficaram na totalidade ou em sua maior parte circunscritas a um momento embrionaacuterio das investigaccedilotildees eacuteticas e que estatildeo guardadas em uma redoma aberta apenas para uma certa erudiccedilatildeo pouco profiacutecua para suscitar novos problemas eacuteticos ou possiacuteveis resoluccedilotildees de problemas postos por novos modelos eacuteticos Muito mais do que isso a eacutetica grega antiga auxilia em muito a anaacutelise eacutetica de uma perspectiva histoacuterica uma

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vez que autores como Platatildeo e Aristoacuteteles tiveram profunda influecircncia na posteridade Os gregos tecircm importacircncia hoje no domiacutenio eacutetico tambeacutem por suscitarem problemas ainda atuais e por apresentarem alternativas que contribuem e muito para pensar questotildees eacuteticas Nesse sentido vale observar que a eacutetica aristoteacutelica tem sido consultada ateacute mesmo para trazer para o debate eacutetico elementos (como o resgate da discussatildeo do acraacutetico do phroacutenimos de um fim a ser buscado que orientaria as discussotildees eacuteticas e deve orientar as accedilotildees dos agentes morais etc) que ajudam a fazer contraponto inclusive com o modelo eacutetico universalista kantiano Dito isso faz-se necessaacuterio examinar o que os gregos antigos nos apresentaram acerca da eacutetica natildeo apenas para pensar a Histoacuteria da Filosofia no concernente agrave Eacutetica mas tambeacutem para ajudar a pensar questotildees eacuteticas independentemente de qual autor ou escola as teriam apresentado

Ainda que haja uma variada gama de questionamentos eacuteticos na literatura anterior a Aris-toacuteteles talvez seja exagerado querer encontrar em tais textos uma Eacutetica tal como noacutes a conhec-emos em Aristoacuteteles em cujos textos eacuteticos encontramos objeto de estudo bem determinado com modelo investigativo proacuteprio a tal objeto e com caracteriacutesticas especiacuteficas de tal anaacutelise (nesse sentido o modelo investigativo na eacutetica se distingue radicalmente do modelo investi-gativo metafiacutesico ou das matemaacuteticas) Os textos de Hesiacuteodo e sobretudo os textos atribuiacutedos a Homero faziam parte da educaccedilatildeo do homem grego inclusive em relaccedilatildeo a sua formaccedilatildeo eacutetica Obviamente natildeo por trazerem pormenorizadas discussotildees eacuteticas mas por apresentarem modelos de comportamento modelos de como o homem grego no geral deveria se portar em diversas situaccedilotildees Nesse sentido os deuses e os heroacuteis da Iliacuteada e da Odisseacuteia eram de certo modo apresentados como modelos de comportamento As accedilotildees dos deuses e de heroacuteis eram tomadas como paradigmas para as accedilotildees humanas Haacute portanto nos textos dos traacutegicos de Hesiacuteodo e sobretudo os atribuiacutedos a Homero certas determinaccedilotildees de como deve o indiviacuteduo agir para tornar-se moralmente bom Para percebermos a importacircncia da educaccedilatildeo do homem grego a partir dos textos atribuiacutedos a Homero lembremos por exemplo que na Repuacuteblica sob diversos aspectos um dos diaacutelogos mais importantes de Platatildeo quando em diversos momentos Soacutecrates pensa a educaccedilatildeo na cidade ideal ele o faz em grande medida a partir dos textos atribuiacutedos a Homero

Em um raacutepido exame geral da Eacutetica grega talvez seja de bom tom natildeo gastar muita tinta com os filoacutesofos preacute-socraacuteticos porque de modo geral eles natildeo tiveram como objeto de in-vestigaccedilatildeo questotildees eacuteticas Os preacute-socraacuteticos se notabilizaram especialmente pelas suas inves-

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tigaccedilotildees acerca da natureza acerca do mundo acerca da possibilidade ou natildeo de ter acesso ao mundo e a partir daiacute poder falar sobre ele Parece-nos conveniente tambeacutem natildeo nos determos nos sofistas (haacutebeis professores de retoacuterica que ganharam fama e muito dinheiro por trabalha-rem a forma do discurso de modo tal a fazecirc-lo forte por trabalharem a forma do discurso com tal destreza a ponto de fazer parecer que eacute o que natildeo eacute a ponto de discorrerem sobre falsidades dando a elas aparecircncia de verdades) Ainda que os sofistas tivessem grande preocupaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo astuciosa (podendo ser falsa) do discurso com o intuito em grande medida de favorecer politicamente aqueles que participavam dos debates que determinavam os destinos da polis na aacutegora da Atenas democraacutetica essa preocupaccedilatildeo com grandes reflexos na poliacutetica natildeo fez com que tomassem a eacutetica como objeto investigativo

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

Com Platatildeo a Eacutetica ganha atenccedilatildeo especial Eacute comum na literatura especializada nos diaacutelo-gos de Platatildeo dividi-los em grupos Uma dessas divisotildees diz respeito agrave cronologia na elabora-ccedilatildeo dos diaacutelogos Uma delas comporta 3 momentos no primeiro momento o qual mais nos interessaraacute aqui corresponde aos diaacutelogos escritos na juventude (o segundo momento eacute o dos diaacutelogos de maturidade e por fim no terceiro momento os diaacutelogos de velhice) denominados diaacutelogos aporeacuteticos isto eacute diaacutelogos que acabavam em aporia em dificuldade sem se chegar agrave definiccedilatildeo do objeto investigativo motivador do diaacutelogo Tais diaacutelogos chegam ao fim sem o aclaramento de certas duacutevidas de certos questionamentos natildeo sendo obtido conhecimento seguro acerca do objeto investigado Esses diaacutelogos tecircm como protagonista Soacutecrates que dife-rentemente dos preacute-socraacuteticos iraacute dar grande atenccedilatildeo ao homem enquanto objeto de estudo sobretudo no que diz respeito agrave Eacutetica

Com Soacutecrates o homem se torna de modo mais acentuado objeto de investigaccedilatildeo Natildeo investigaccedilatildeo do ponto de vista bioloacutegico mas de um ponto de vista eacutetico portanto de um ponto de vista em que o homem eacute examinado sobretudo em relaccedilatildeo agraves suas accedilotildees mas natildeo propriamente como eles agem cotidianamente Em relaccedilatildeo ao modo como os homens agem cotidianamente principalmente como agem bem em grande medida a partir de paradigmas dados por heroacuteis e deuses em textos como a Iliacuteada e a Odisseacuteia esse natildeo eacute o modelo buscado por Soacutecrates Se por um lado Soacutecrates como homem grego foi educado tambeacutem com os textos atribuiacutedos a Homero valendo-se de tais textos em suas conversas com os interlocutores

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por outro lado Soacutecrates natildeo aceita por completo o modelo educativo dos textos atribuiacutedos a Homero Na proacutepria Repuacuteblica Soacutecrates propotildee censura a partes de tais textos

No concernente agrave Eacutetica Soacutecrates parece propor novidades Ao inveacutes de aceitar plenamente o modelo eacutetico cujos paradigmas das accedilotildees moralmente boas seriam dados pelos textos que ajudaram a educar o homem grego Soacutecrates propotildee um novo modelo onde as accedilotildees moral-mente boas seriam determinadas natildeo por modelos jaacute dados mas de certo modo por paradig-mas a serem buscados pela razatildeo A razatildeo de certo modo poderia direcionar o homem para as boas accedilotildees Mas como fazecirc-lo Tal busca figura em vaacuterios diaacutelogos de Platatildeo mas natildeo se encontra de modo sistemaacutetico e concentrado em um ou outro diaacutelogo estando distribuiacuteda nos mesmos sobretudo nos diaacutelogos aporeacuteticos de juventude A partir do conjunto de informaccedilotildees dadas nos diversos diaacutelogos eacute possiacutevel chegar a alguns elementos proacuteprios agrave discussatildeo eacutetica socraacutetica

Se por um lado Soacutecrates natildeo aceita por completo os paradigmas dados (sobretudo nos textos atribuiacutedos a Homero) para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa por outro ele necessita propor outros paradigmas outros orientadores do agente para que este possa reali-zar accedilotildees moralmente boas Natildeo parece ser a proposta socraacutetica atribuir aos deuses as causas das nossas accedilotildees como se os homens fossem marionetes dos deuses Por outro lado Soacutecrates parece propor que as nossas accedilotildees e consequumlentemente o nosso modo de vida se bom ou ruim natildeo podem ser obra do acaso Nesse sentido em uma certa proposta socraacutetica o bem do homem natildeo eacute determinado exclusivamente pelas contingecircncias externas Pelo contraacuterio ainda que Soacutecrates natildeo pareccedila eliminar o peso das contingecircncias externas para a possibilidade ou natildeo do agente poder agir bem e com isso poder viver bem ele parece sustentar que cabe ao agente ter certo controle das nossas accedilotildees e portanto ter certo controle das accedilotildees moralmente boas que podemos engendrar

Para isso Soacutecrates volta a sua atenccedilatildeo enquanto objeto da sua investigaccedilatildeo natildeo para o corpo o qual natildeo eacute o responsaacutevel primeiro pelas accedilotildees do agente mas para a alma a qual seria a motivadora das accedilotildees Nesse sentido a investigaccedilatildeo eacutetica socraacutetica ganha certo vieacutes psicoloacutegi-co Soacutecrates propotildee uma divisatildeo tripartite da alma A alma teria uma parte apetitiva a qual inclinaria o agente a realizar accedilotildees para satisfazerem-na Essa parte da alma seria a responsaacutevel pelos prazeres pelas inclinaccedilotildees do agente para satisfazer as necessidades que aparentam ser

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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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tema 4ficha sumaacuterio bibliografia

que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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                                                      1. Botatildeo 52
                                                        1. Paacutegina 51 Off
                                                        2. Paacutegina 52
                                                        3. Paacutegina 53
                                                          1. Botatildeo 53
                                                            1. Paacutegina 51 Off
                                                            2. Paacutegina 52
                                                            3. Paacutegina 53
                                                              1. Botatildeo 7
                                                              2. Botatildeo 8
                                                              3. Botatildeo 12
                                                              4. Botatildeo 13
                                                              5. Botatildeo 9

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Sumaacuterio1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica 4

2 A Eacutetica em Aristoacuteteles 14

3 Sobre a Conduta Moral Parte I 25

4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II 38

Bibliografia tema 1 48

Bibliografia tema 2 49

Bibliografia tema 4 50

Ficha da Disciplina 51

sumario

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1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica

O propoacutesito dos trecircs toacutepicos que compotildeem esse texto eacute o de primeiramente buscar uma certa compreensatildeo da educaccedilatildeo eacutetica do homem grego no periacuteodo anterior a Soacutecrates para entatildeo nos proacuteximos dois toacutepicos comeccedilar a anaacutelise de alguns elementos componentes de um novo modelo eacutetico o socraacutetico-platocircnico no qual a razatildeo teraacute papel preponderante para a de-terminaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

Tornou-se comum no meio filosoacutefico a distinccedilatildeo entre moral e eacutetica no sentido (em linhas gerais) que a moral diria respeito ao corpo de regras que funciona como paradigma para a de-terminaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas ou maacutes em um grupo social e a eacutetica seria a disciplina teoacuterica que teria como objeto de estudo criacutetico a moral A palavra ldquomoralrdquo eacute derivada de mos

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mores termo latino para verter o termo grego ethos de onde deriva a palavra eacutetica Visto que eacute anacrocircnico empregar o termo ldquomoralrdquo quando se trata da eacutetica grega do periacuteodo dos traacutegicos de Soacutecrates de Platatildeo de Aristoacuteteles e considerando que quando o termo eacute empregado pe-los latinos natildeo recebe a distinccedilatildeo supramencionada quando utilizarmos a palavra lsquomoralrsquo em expressotildees como lsquomoralmente boarsquo natildeo estaremos fazendo qualquer distinccedilatildeo entre lsquomoralrsquo e lsquoeacuteticarsquo mas estaremos tomando ambos os termos como sinocircnimos A Eacutetica tem entatildeo o seu nome (assim como vaacuterios outros tantos conceitos da Filosofia) derivado do grego derivado de ethos que comumente eacute vertido para o Portuguecircs como haacutebito costume Daiacute natildeo se segue que a Eacutetica tem como grande propoacutesito mapear os costumes de um grupo social para entatildeo elaborar um corpo de regras a partir de tal mapeamento A Eacutetica tem muito menos como propoacutesito examinar como as coisas satildeo como satildeo os haacutebitos e costumes de uma comunidade como os indiviacuteduos dessa comunidade agem normalmente nas inter-relaccedilotildees pessoais do que examinar como os indiviacuteduos como agentes morais deveriam agir A Eacutetica agrave semelhanccedila de outras disciplinas tem como uma das suas funccedilotildees propiciar uma boa organizaccedilatildeo nas diversas sociedades para que os seus indiviacuteduos possam nela viverem bem Para isso natildeo basta constatar como satildeo as accedilotildees dos indiviacuteduos mas tratar de como eles deveriam agir para que a sociedade venha a se manter organizada e com isso possa promover uma boa vida para os indiviacuteduos

A literatura da Greacutecia antiga apresenta desde os seus relatos mais antigos importantes problemas eacuteticos ainda que eles natildeo fossem explicitados como objetos de estudo Entre os poetas traacutegicos questotildees eacuteticas de extrema relevacircncia foram apresentadas como sobre a pos-sibilidade de imputar ao agente moral a responsabilidade da sua accedilatildeo se ela foi realizada sem consciecircncia das circunstacircncias em que a accedilatildeo ocorreu como no ceacutelebre caso do Eacutedipo que mata o pai sem saber que era o seu pai Atentemos que ainda hoje saber se o agente tinha consciecircncia das suas accedilotildees pode ser crucial para poder responsabilizar algueacutem tanto do ponto de vista moral como ateacute mesmo do ponto de vista juriacutedico

Vale observar que tendo tratado de questotildees relevantes a Eacutetica grega natildeo consiste em con-juntos de regras ou teorizaccedilotildees que ficaram na totalidade ou em sua maior parte circunscritas a um momento embrionaacuterio das investigaccedilotildees eacuteticas e que estatildeo guardadas em uma redoma aberta apenas para uma certa erudiccedilatildeo pouco profiacutecua para suscitar novos problemas eacuteticos ou possiacuteveis resoluccedilotildees de problemas postos por novos modelos eacuteticos Muito mais do que isso a eacutetica grega antiga auxilia em muito a anaacutelise eacutetica de uma perspectiva histoacuterica uma

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vez que autores como Platatildeo e Aristoacuteteles tiveram profunda influecircncia na posteridade Os gregos tecircm importacircncia hoje no domiacutenio eacutetico tambeacutem por suscitarem problemas ainda atuais e por apresentarem alternativas que contribuem e muito para pensar questotildees eacuteticas Nesse sentido vale observar que a eacutetica aristoteacutelica tem sido consultada ateacute mesmo para trazer para o debate eacutetico elementos (como o resgate da discussatildeo do acraacutetico do phroacutenimos de um fim a ser buscado que orientaria as discussotildees eacuteticas e deve orientar as accedilotildees dos agentes morais etc) que ajudam a fazer contraponto inclusive com o modelo eacutetico universalista kantiano Dito isso faz-se necessaacuterio examinar o que os gregos antigos nos apresentaram acerca da eacutetica natildeo apenas para pensar a Histoacuteria da Filosofia no concernente agrave Eacutetica mas tambeacutem para ajudar a pensar questotildees eacuteticas independentemente de qual autor ou escola as teriam apresentado

Ainda que haja uma variada gama de questionamentos eacuteticos na literatura anterior a Aris-toacuteteles talvez seja exagerado querer encontrar em tais textos uma Eacutetica tal como noacutes a conhec-emos em Aristoacuteteles em cujos textos eacuteticos encontramos objeto de estudo bem determinado com modelo investigativo proacuteprio a tal objeto e com caracteriacutesticas especiacuteficas de tal anaacutelise (nesse sentido o modelo investigativo na eacutetica se distingue radicalmente do modelo investi-gativo metafiacutesico ou das matemaacuteticas) Os textos de Hesiacuteodo e sobretudo os textos atribuiacutedos a Homero faziam parte da educaccedilatildeo do homem grego inclusive em relaccedilatildeo a sua formaccedilatildeo eacutetica Obviamente natildeo por trazerem pormenorizadas discussotildees eacuteticas mas por apresentarem modelos de comportamento modelos de como o homem grego no geral deveria se portar em diversas situaccedilotildees Nesse sentido os deuses e os heroacuteis da Iliacuteada e da Odisseacuteia eram de certo modo apresentados como modelos de comportamento As accedilotildees dos deuses e de heroacuteis eram tomadas como paradigmas para as accedilotildees humanas Haacute portanto nos textos dos traacutegicos de Hesiacuteodo e sobretudo os atribuiacutedos a Homero certas determinaccedilotildees de como deve o indiviacuteduo agir para tornar-se moralmente bom Para percebermos a importacircncia da educaccedilatildeo do homem grego a partir dos textos atribuiacutedos a Homero lembremos por exemplo que na Repuacuteblica sob diversos aspectos um dos diaacutelogos mais importantes de Platatildeo quando em diversos momentos Soacutecrates pensa a educaccedilatildeo na cidade ideal ele o faz em grande medida a partir dos textos atribuiacutedos a Homero

Em um raacutepido exame geral da Eacutetica grega talvez seja de bom tom natildeo gastar muita tinta com os filoacutesofos preacute-socraacuteticos porque de modo geral eles natildeo tiveram como objeto de in-vestigaccedilatildeo questotildees eacuteticas Os preacute-socraacuteticos se notabilizaram especialmente pelas suas inves-

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tigaccedilotildees acerca da natureza acerca do mundo acerca da possibilidade ou natildeo de ter acesso ao mundo e a partir daiacute poder falar sobre ele Parece-nos conveniente tambeacutem natildeo nos determos nos sofistas (haacutebeis professores de retoacuterica que ganharam fama e muito dinheiro por trabalha-rem a forma do discurso de modo tal a fazecirc-lo forte por trabalharem a forma do discurso com tal destreza a ponto de fazer parecer que eacute o que natildeo eacute a ponto de discorrerem sobre falsidades dando a elas aparecircncia de verdades) Ainda que os sofistas tivessem grande preocupaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo astuciosa (podendo ser falsa) do discurso com o intuito em grande medida de favorecer politicamente aqueles que participavam dos debates que determinavam os destinos da polis na aacutegora da Atenas democraacutetica essa preocupaccedilatildeo com grandes reflexos na poliacutetica natildeo fez com que tomassem a eacutetica como objeto investigativo

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

Com Platatildeo a Eacutetica ganha atenccedilatildeo especial Eacute comum na literatura especializada nos diaacutelo-gos de Platatildeo dividi-los em grupos Uma dessas divisotildees diz respeito agrave cronologia na elabora-ccedilatildeo dos diaacutelogos Uma delas comporta 3 momentos no primeiro momento o qual mais nos interessaraacute aqui corresponde aos diaacutelogos escritos na juventude (o segundo momento eacute o dos diaacutelogos de maturidade e por fim no terceiro momento os diaacutelogos de velhice) denominados diaacutelogos aporeacuteticos isto eacute diaacutelogos que acabavam em aporia em dificuldade sem se chegar agrave definiccedilatildeo do objeto investigativo motivador do diaacutelogo Tais diaacutelogos chegam ao fim sem o aclaramento de certas duacutevidas de certos questionamentos natildeo sendo obtido conhecimento seguro acerca do objeto investigado Esses diaacutelogos tecircm como protagonista Soacutecrates que dife-rentemente dos preacute-socraacuteticos iraacute dar grande atenccedilatildeo ao homem enquanto objeto de estudo sobretudo no que diz respeito agrave Eacutetica

Com Soacutecrates o homem se torna de modo mais acentuado objeto de investigaccedilatildeo Natildeo investigaccedilatildeo do ponto de vista bioloacutegico mas de um ponto de vista eacutetico portanto de um ponto de vista em que o homem eacute examinado sobretudo em relaccedilatildeo agraves suas accedilotildees mas natildeo propriamente como eles agem cotidianamente Em relaccedilatildeo ao modo como os homens agem cotidianamente principalmente como agem bem em grande medida a partir de paradigmas dados por heroacuteis e deuses em textos como a Iliacuteada e a Odisseacuteia esse natildeo eacute o modelo buscado por Soacutecrates Se por um lado Soacutecrates como homem grego foi educado tambeacutem com os textos atribuiacutedos a Homero valendo-se de tais textos em suas conversas com os interlocutores

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por outro lado Soacutecrates natildeo aceita por completo o modelo educativo dos textos atribuiacutedos a Homero Na proacutepria Repuacuteblica Soacutecrates propotildee censura a partes de tais textos

No concernente agrave Eacutetica Soacutecrates parece propor novidades Ao inveacutes de aceitar plenamente o modelo eacutetico cujos paradigmas das accedilotildees moralmente boas seriam dados pelos textos que ajudaram a educar o homem grego Soacutecrates propotildee um novo modelo onde as accedilotildees moral-mente boas seriam determinadas natildeo por modelos jaacute dados mas de certo modo por paradig-mas a serem buscados pela razatildeo A razatildeo de certo modo poderia direcionar o homem para as boas accedilotildees Mas como fazecirc-lo Tal busca figura em vaacuterios diaacutelogos de Platatildeo mas natildeo se encontra de modo sistemaacutetico e concentrado em um ou outro diaacutelogo estando distribuiacuteda nos mesmos sobretudo nos diaacutelogos aporeacuteticos de juventude A partir do conjunto de informaccedilotildees dadas nos diversos diaacutelogos eacute possiacutevel chegar a alguns elementos proacuteprios agrave discussatildeo eacutetica socraacutetica

Se por um lado Soacutecrates natildeo aceita por completo os paradigmas dados (sobretudo nos textos atribuiacutedos a Homero) para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa por outro ele necessita propor outros paradigmas outros orientadores do agente para que este possa reali-zar accedilotildees moralmente boas Natildeo parece ser a proposta socraacutetica atribuir aos deuses as causas das nossas accedilotildees como se os homens fossem marionetes dos deuses Por outro lado Soacutecrates parece propor que as nossas accedilotildees e consequumlentemente o nosso modo de vida se bom ou ruim natildeo podem ser obra do acaso Nesse sentido em uma certa proposta socraacutetica o bem do homem natildeo eacute determinado exclusivamente pelas contingecircncias externas Pelo contraacuterio ainda que Soacutecrates natildeo pareccedila eliminar o peso das contingecircncias externas para a possibilidade ou natildeo do agente poder agir bem e com isso poder viver bem ele parece sustentar que cabe ao agente ter certo controle das nossas accedilotildees e portanto ter certo controle das accedilotildees moralmente boas que podemos engendrar

Para isso Soacutecrates volta a sua atenccedilatildeo enquanto objeto da sua investigaccedilatildeo natildeo para o corpo o qual natildeo eacute o responsaacutevel primeiro pelas accedilotildees do agente mas para a alma a qual seria a motivadora das accedilotildees Nesse sentido a investigaccedilatildeo eacutetica socraacutetica ganha certo vieacutes psicoloacutegi-co Soacutecrates propotildee uma divisatildeo tripartite da alma A alma teria uma parte apetitiva a qual inclinaria o agente a realizar accedilotildees para satisfazerem-na Essa parte da alma seria a responsaacutevel pelos prazeres pelas inclinaccedilotildees do agente para satisfazer as necessidades que aparentam ser

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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

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bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

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bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

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bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

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bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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tema 4ficha sumaacuterio bibliografia

que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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                                                      1. Botatildeo 52
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                                                        3. Paacutegina 53
                                                          1. Botatildeo 53
                                                            1. Paacutegina 51 Off
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                                                              1. Botatildeo 7
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                                                              3. Botatildeo 12
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1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica

O propoacutesito dos trecircs toacutepicos que compotildeem esse texto eacute o de primeiramente buscar uma certa compreensatildeo da educaccedilatildeo eacutetica do homem grego no periacuteodo anterior a Soacutecrates para entatildeo nos proacuteximos dois toacutepicos comeccedilar a anaacutelise de alguns elementos componentes de um novo modelo eacutetico o socraacutetico-platocircnico no qual a razatildeo teraacute papel preponderante para a de-terminaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

Tornou-se comum no meio filosoacutefico a distinccedilatildeo entre moral e eacutetica no sentido (em linhas gerais) que a moral diria respeito ao corpo de regras que funciona como paradigma para a de-terminaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas ou maacutes em um grupo social e a eacutetica seria a disciplina teoacuterica que teria como objeto de estudo criacutetico a moral A palavra ldquomoralrdquo eacute derivada de mos

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mores termo latino para verter o termo grego ethos de onde deriva a palavra eacutetica Visto que eacute anacrocircnico empregar o termo ldquomoralrdquo quando se trata da eacutetica grega do periacuteodo dos traacutegicos de Soacutecrates de Platatildeo de Aristoacuteteles e considerando que quando o termo eacute empregado pe-los latinos natildeo recebe a distinccedilatildeo supramencionada quando utilizarmos a palavra lsquomoralrsquo em expressotildees como lsquomoralmente boarsquo natildeo estaremos fazendo qualquer distinccedilatildeo entre lsquomoralrsquo e lsquoeacuteticarsquo mas estaremos tomando ambos os termos como sinocircnimos A Eacutetica tem entatildeo o seu nome (assim como vaacuterios outros tantos conceitos da Filosofia) derivado do grego derivado de ethos que comumente eacute vertido para o Portuguecircs como haacutebito costume Daiacute natildeo se segue que a Eacutetica tem como grande propoacutesito mapear os costumes de um grupo social para entatildeo elaborar um corpo de regras a partir de tal mapeamento A Eacutetica tem muito menos como propoacutesito examinar como as coisas satildeo como satildeo os haacutebitos e costumes de uma comunidade como os indiviacuteduos dessa comunidade agem normalmente nas inter-relaccedilotildees pessoais do que examinar como os indiviacuteduos como agentes morais deveriam agir A Eacutetica agrave semelhanccedila de outras disciplinas tem como uma das suas funccedilotildees propiciar uma boa organizaccedilatildeo nas diversas sociedades para que os seus indiviacuteduos possam nela viverem bem Para isso natildeo basta constatar como satildeo as accedilotildees dos indiviacuteduos mas tratar de como eles deveriam agir para que a sociedade venha a se manter organizada e com isso possa promover uma boa vida para os indiviacuteduos

A literatura da Greacutecia antiga apresenta desde os seus relatos mais antigos importantes problemas eacuteticos ainda que eles natildeo fossem explicitados como objetos de estudo Entre os poetas traacutegicos questotildees eacuteticas de extrema relevacircncia foram apresentadas como sobre a pos-sibilidade de imputar ao agente moral a responsabilidade da sua accedilatildeo se ela foi realizada sem consciecircncia das circunstacircncias em que a accedilatildeo ocorreu como no ceacutelebre caso do Eacutedipo que mata o pai sem saber que era o seu pai Atentemos que ainda hoje saber se o agente tinha consciecircncia das suas accedilotildees pode ser crucial para poder responsabilizar algueacutem tanto do ponto de vista moral como ateacute mesmo do ponto de vista juriacutedico

Vale observar que tendo tratado de questotildees relevantes a Eacutetica grega natildeo consiste em con-juntos de regras ou teorizaccedilotildees que ficaram na totalidade ou em sua maior parte circunscritas a um momento embrionaacuterio das investigaccedilotildees eacuteticas e que estatildeo guardadas em uma redoma aberta apenas para uma certa erudiccedilatildeo pouco profiacutecua para suscitar novos problemas eacuteticos ou possiacuteveis resoluccedilotildees de problemas postos por novos modelos eacuteticos Muito mais do que isso a eacutetica grega antiga auxilia em muito a anaacutelise eacutetica de uma perspectiva histoacuterica uma

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vez que autores como Platatildeo e Aristoacuteteles tiveram profunda influecircncia na posteridade Os gregos tecircm importacircncia hoje no domiacutenio eacutetico tambeacutem por suscitarem problemas ainda atuais e por apresentarem alternativas que contribuem e muito para pensar questotildees eacuteticas Nesse sentido vale observar que a eacutetica aristoteacutelica tem sido consultada ateacute mesmo para trazer para o debate eacutetico elementos (como o resgate da discussatildeo do acraacutetico do phroacutenimos de um fim a ser buscado que orientaria as discussotildees eacuteticas e deve orientar as accedilotildees dos agentes morais etc) que ajudam a fazer contraponto inclusive com o modelo eacutetico universalista kantiano Dito isso faz-se necessaacuterio examinar o que os gregos antigos nos apresentaram acerca da eacutetica natildeo apenas para pensar a Histoacuteria da Filosofia no concernente agrave Eacutetica mas tambeacutem para ajudar a pensar questotildees eacuteticas independentemente de qual autor ou escola as teriam apresentado

Ainda que haja uma variada gama de questionamentos eacuteticos na literatura anterior a Aris-toacuteteles talvez seja exagerado querer encontrar em tais textos uma Eacutetica tal como noacutes a conhec-emos em Aristoacuteteles em cujos textos eacuteticos encontramos objeto de estudo bem determinado com modelo investigativo proacuteprio a tal objeto e com caracteriacutesticas especiacuteficas de tal anaacutelise (nesse sentido o modelo investigativo na eacutetica se distingue radicalmente do modelo investi-gativo metafiacutesico ou das matemaacuteticas) Os textos de Hesiacuteodo e sobretudo os textos atribuiacutedos a Homero faziam parte da educaccedilatildeo do homem grego inclusive em relaccedilatildeo a sua formaccedilatildeo eacutetica Obviamente natildeo por trazerem pormenorizadas discussotildees eacuteticas mas por apresentarem modelos de comportamento modelos de como o homem grego no geral deveria se portar em diversas situaccedilotildees Nesse sentido os deuses e os heroacuteis da Iliacuteada e da Odisseacuteia eram de certo modo apresentados como modelos de comportamento As accedilotildees dos deuses e de heroacuteis eram tomadas como paradigmas para as accedilotildees humanas Haacute portanto nos textos dos traacutegicos de Hesiacuteodo e sobretudo os atribuiacutedos a Homero certas determinaccedilotildees de como deve o indiviacuteduo agir para tornar-se moralmente bom Para percebermos a importacircncia da educaccedilatildeo do homem grego a partir dos textos atribuiacutedos a Homero lembremos por exemplo que na Repuacuteblica sob diversos aspectos um dos diaacutelogos mais importantes de Platatildeo quando em diversos momentos Soacutecrates pensa a educaccedilatildeo na cidade ideal ele o faz em grande medida a partir dos textos atribuiacutedos a Homero

Em um raacutepido exame geral da Eacutetica grega talvez seja de bom tom natildeo gastar muita tinta com os filoacutesofos preacute-socraacuteticos porque de modo geral eles natildeo tiveram como objeto de in-vestigaccedilatildeo questotildees eacuteticas Os preacute-socraacuteticos se notabilizaram especialmente pelas suas inves-

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tigaccedilotildees acerca da natureza acerca do mundo acerca da possibilidade ou natildeo de ter acesso ao mundo e a partir daiacute poder falar sobre ele Parece-nos conveniente tambeacutem natildeo nos determos nos sofistas (haacutebeis professores de retoacuterica que ganharam fama e muito dinheiro por trabalha-rem a forma do discurso de modo tal a fazecirc-lo forte por trabalharem a forma do discurso com tal destreza a ponto de fazer parecer que eacute o que natildeo eacute a ponto de discorrerem sobre falsidades dando a elas aparecircncia de verdades) Ainda que os sofistas tivessem grande preocupaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo astuciosa (podendo ser falsa) do discurso com o intuito em grande medida de favorecer politicamente aqueles que participavam dos debates que determinavam os destinos da polis na aacutegora da Atenas democraacutetica essa preocupaccedilatildeo com grandes reflexos na poliacutetica natildeo fez com que tomassem a eacutetica como objeto investigativo

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

Com Platatildeo a Eacutetica ganha atenccedilatildeo especial Eacute comum na literatura especializada nos diaacutelo-gos de Platatildeo dividi-los em grupos Uma dessas divisotildees diz respeito agrave cronologia na elabora-ccedilatildeo dos diaacutelogos Uma delas comporta 3 momentos no primeiro momento o qual mais nos interessaraacute aqui corresponde aos diaacutelogos escritos na juventude (o segundo momento eacute o dos diaacutelogos de maturidade e por fim no terceiro momento os diaacutelogos de velhice) denominados diaacutelogos aporeacuteticos isto eacute diaacutelogos que acabavam em aporia em dificuldade sem se chegar agrave definiccedilatildeo do objeto investigativo motivador do diaacutelogo Tais diaacutelogos chegam ao fim sem o aclaramento de certas duacutevidas de certos questionamentos natildeo sendo obtido conhecimento seguro acerca do objeto investigado Esses diaacutelogos tecircm como protagonista Soacutecrates que dife-rentemente dos preacute-socraacuteticos iraacute dar grande atenccedilatildeo ao homem enquanto objeto de estudo sobretudo no que diz respeito agrave Eacutetica

Com Soacutecrates o homem se torna de modo mais acentuado objeto de investigaccedilatildeo Natildeo investigaccedilatildeo do ponto de vista bioloacutegico mas de um ponto de vista eacutetico portanto de um ponto de vista em que o homem eacute examinado sobretudo em relaccedilatildeo agraves suas accedilotildees mas natildeo propriamente como eles agem cotidianamente Em relaccedilatildeo ao modo como os homens agem cotidianamente principalmente como agem bem em grande medida a partir de paradigmas dados por heroacuteis e deuses em textos como a Iliacuteada e a Odisseacuteia esse natildeo eacute o modelo buscado por Soacutecrates Se por um lado Soacutecrates como homem grego foi educado tambeacutem com os textos atribuiacutedos a Homero valendo-se de tais textos em suas conversas com os interlocutores

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por outro lado Soacutecrates natildeo aceita por completo o modelo educativo dos textos atribuiacutedos a Homero Na proacutepria Repuacuteblica Soacutecrates propotildee censura a partes de tais textos

No concernente agrave Eacutetica Soacutecrates parece propor novidades Ao inveacutes de aceitar plenamente o modelo eacutetico cujos paradigmas das accedilotildees moralmente boas seriam dados pelos textos que ajudaram a educar o homem grego Soacutecrates propotildee um novo modelo onde as accedilotildees moral-mente boas seriam determinadas natildeo por modelos jaacute dados mas de certo modo por paradig-mas a serem buscados pela razatildeo A razatildeo de certo modo poderia direcionar o homem para as boas accedilotildees Mas como fazecirc-lo Tal busca figura em vaacuterios diaacutelogos de Platatildeo mas natildeo se encontra de modo sistemaacutetico e concentrado em um ou outro diaacutelogo estando distribuiacuteda nos mesmos sobretudo nos diaacutelogos aporeacuteticos de juventude A partir do conjunto de informaccedilotildees dadas nos diversos diaacutelogos eacute possiacutevel chegar a alguns elementos proacuteprios agrave discussatildeo eacutetica socraacutetica

Se por um lado Soacutecrates natildeo aceita por completo os paradigmas dados (sobretudo nos textos atribuiacutedos a Homero) para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa por outro ele necessita propor outros paradigmas outros orientadores do agente para que este possa reali-zar accedilotildees moralmente boas Natildeo parece ser a proposta socraacutetica atribuir aos deuses as causas das nossas accedilotildees como se os homens fossem marionetes dos deuses Por outro lado Soacutecrates parece propor que as nossas accedilotildees e consequumlentemente o nosso modo de vida se bom ou ruim natildeo podem ser obra do acaso Nesse sentido em uma certa proposta socraacutetica o bem do homem natildeo eacute determinado exclusivamente pelas contingecircncias externas Pelo contraacuterio ainda que Soacutecrates natildeo pareccedila eliminar o peso das contingecircncias externas para a possibilidade ou natildeo do agente poder agir bem e com isso poder viver bem ele parece sustentar que cabe ao agente ter certo controle das nossas accedilotildees e portanto ter certo controle das accedilotildees moralmente boas que podemos engendrar

Para isso Soacutecrates volta a sua atenccedilatildeo enquanto objeto da sua investigaccedilatildeo natildeo para o corpo o qual natildeo eacute o responsaacutevel primeiro pelas accedilotildees do agente mas para a alma a qual seria a motivadora das accedilotildees Nesse sentido a investigaccedilatildeo eacutetica socraacutetica ganha certo vieacutes psicoloacutegi-co Soacutecrates propotildee uma divisatildeo tripartite da alma A alma teria uma parte apetitiva a qual inclinaria o agente a realizar accedilotildees para satisfazerem-na Essa parte da alma seria a responsaacutevel pelos prazeres pelas inclinaccedilotildees do agente para satisfazer as necessidades que aparentam ser

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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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tema 2ficha sumaacuterio bibliografia

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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tema 4ficha sumaacuterio bibliografia

que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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                                                      1. Botatildeo 52
                                                        1. Paacutegina 51 Off
                                                        2. Paacutegina 52
                                                        3. Paacutegina 53
                                                          1. Botatildeo 53
                                                            1. Paacutegina 51 Off
                                                            2. Paacutegina 52
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                                                              1. Botatildeo 7
                                                              2. Botatildeo 8
                                                              3. Botatildeo 12
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mores termo latino para verter o termo grego ethos de onde deriva a palavra eacutetica Visto que eacute anacrocircnico empregar o termo ldquomoralrdquo quando se trata da eacutetica grega do periacuteodo dos traacutegicos de Soacutecrates de Platatildeo de Aristoacuteteles e considerando que quando o termo eacute empregado pe-los latinos natildeo recebe a distinccedilatildeo supramencionada quando utilizarmos a palavra lsquomoralrsquo em expressotildees como lsquomoralmente boarsquo natildeo estaremos fazendo qualquer distinccedilatildeo entre lsquomoralrsquo e lsquoeacuteticarsquo mas estaremos tomando ambos os termos como sinocircnimos A Eacutetica tem entatildeo o seu nome (assim como vaacuterios outros tantos conceitos da Filosofia) derivado do grego derivado de ethos que comumente eacute vertido para o Portuguecircs como haacutebito costume Daiacute natildeo se segue que a Eacutetica tem como grande propoacutesito mapear os costumes de um grupo social para entatildeo elaborar um corpo de regras a partir de tal mapeamento A Eacutetica tem muito menos como propoacutesito examinar como as coisas satildeo como satildeo os haacutebitos e costumes de uma comunidade como os indiviacuteduos dessa comunidade agem normalmente nas inter-relaccedilotildees pessoais do que examinar como os indiviacuteduos como agentes morais deveriam agir A Eacutetica agrave semelhanccedila de outras disciplinas tem como uma das suas funccedilotildees propiciar uma boa organizaccedilatildeo nas diversas sociedades para que os seus indiviacuteduos possam nela viverem bem Para isso natildeo basta constatar como satildeo as accedilotildees dos indiviacuteduos mas tratar de como eles deveriam agir para que a sociedade venha a se manter organizada e com isso possa promover uma boa vida para os indiviacuteduos

A literatura da Greacutecia antiga apresenta desde os seus relatos mais antigos importantes problemas eacuteticos ainda que eles natildeo fossem explicitados como objetos de estudo Entre os poetas traacutegicos questotildees eacuteticas de extrema relevacircncia foram apresentadas como sobre a pos-sibilidade de imputar ao agente moral a responsabilidade da sua accedilatildeo se ela foi realizada sem consciecircncia das circunstacircncias em que a accedilatildeo ocorreu como no ceacutelebre caso do Eacutedipo que mata o pai sem saber que era o seu pai Atentemos que ainda hoje saber se o agente tinha consciecircncia das suas accedilotildees pode ser crucial para poder responsabilizar algueacutem tanto do ponto de vista moral como ateacute mesmo do ponto de vista juriacutedico

Vale observar que tendo tratado de questotildees relevantes a Eacutetica grega natildeo consiste em con-juntos de regras ou teorizaccedilotildees que ficaram na totalidade ou em sua maior parte circunscritas a um momento embrionaacuterio das investigaccedilotildees eacuteticas e que estatildeo guardadas em uma redoma aberta apenas para uma certa erudiccedilatildeo pouco profiacutecua para suscitar novos problemas eacuteticos ou possiacuteveis resoluccedilotildees de problemas postos por novos modelos eacuteticos Muito mais do que isso a eacutetica grega antiga auxilia em muito a anaacutelise eacutetica de uma perspectiva histoacuterica uma

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vez que autores como Platatildeo e Aristoacuteteles tiveram profunda influecircncia na posteridade Os gregos tecircm importacircncia hoje no domiacutenio eacutetico tambeacutem por suscitarem problemas ainda atuais e por apresentarem alternativas que contribuem e muito para pensar questotildees eacuteticas Nesse sentido vale observar que a eacutetica aristoteacutelica tem sido consultada ateacute mesmo para trazer para o debate eacutetico elementos (como o resgate da discussatildeo do acraacutetico do phroacutenimos de um fim a ser buscado que orientaria as discussotildees eacuteticas e deve orientar as accedilotildees dos agentes morais etc) que ajudam a fazer contraponto inclusive com o modelo eacutetico universalista kantiano Dito isso faz-se necessaacuterio examinar o que os gregos antigos nos apresentaram acerca da eacutetica natildeo apenas para pensar a Histoacuteria da Filosofia no concernente agrave Eacutetica mas tambeacutem para ajudar a pensar questotildees eacuteticas independentemente de qual autor ou escola as teriam apresentado

Ainda que haja uma variada gama de questionamentos eacuteticos na literatura anterior a Aris-toacuteteles talvez seja exagerado querer encontrar em tais textos uma Eacutetica tal como noacutes a conhec-emos em Aristoacuteteles em cujos textos eacuteticos encontramos objeto de estudo bem determinado com modelo investigativo proacuteprio a tal objeto e com caracteriacutesticas especiacuteficas de tal anaacutelise (nesse sentido o modelo investigativo na eacutetica se distingue radicalmente do modelo investi-gativo metafiacutesico ou das matemaacuteticas) Os textos de Hesiacuteodo e sobretudo os textos atribuiacutedos a Homero faziam parte da educaccedilatildeo do homem grego inclusive em relaccedilatildeo a sua formaccedilatildeo eacutetica Obviamente natildeo por trazerem pormenorizadas discussotildees eacuteticas mas por apresentarem modelos de comportamento modelos de como o homem grego no geral deveria se portar em diversas situaccedilotildees Nesse sentido os deuses e os heroacuteis da Iliacuteada e da Odisseacuteia eram de certo modo apresentados como modelos de comportamento As accedilotildees dos deuses e de heroacuteis eram tomadas como paradigmas para as accedilotildees humanas Haacute portanto nos textos dos traacutegicos de Hesiacuteodo e sobretudo os atribuiacutedos a Homero certas determinaccedilotildees de como deve o indiviacuteduo agir para tornar-se moralmente bom Para percebermos a importacircncia da educaccedilatildeo do homem grego a partir dos textos atribuiacutedos a Homero lembremos por exemplo que na Repuacuteblica sob diversos aspectos um dos diaacutelogos mais importantes de Platatildeo quando em diversos momentos Soacutecrates pensa a educaccedilatildeo na cidade ideal ele o faz em grande medida a partir dos textos atribuiacutedos a Homero

Em um raacutepido exame geral da Eacutetica grega talvez seja de bom tom natildeo gastar muita tinta com os filoacutesofos preacute-socraacuteticos porque de modo geral eles natildeo tiveram como objeto de in-vestigaccedilatildeo questotildees eacuteticas Os preacute-socraacuteticos se notabilizaram especialmente pelas suas inves-

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tigaccedilotildees acerca da natureza acerca do mundo acerca da possibilidade ou natildeo de ter acesso ao mundo e a partir daiacute poder falar sobre ele Parece-nos conveniente tambeacutem natildeo nos determos nos sofistas (haacutebeis professores de retoacuterica que ganharam fama e muito dinheiro por trabalha-rem a forma do discurso de modo tal a fazecirc-lo forte por trabalharem a forma do discurso com tal destreza a ponto de fazer parecer que eacute o que natildeo eacute a ponto de discorrerem sobre falsidades dando a elas aparecircncia de verdades) Ainda que os sofistas tivessem grande preocupaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo astuciosa (podendo ser falsa) do discurso com o intuito em grande medida de favorecer politicamente aqueles que participavam dos debates que determinavam os destinos da polis na aacutegora da Atenas democraacutetica essa preocupaccedilatildeo com grandes reflexos na poliacutetica natildeo fez com que tomassem a eacutetica como objeto investigativo

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

Com Platatildeo a Eacutetica ganha atenccedilatildeo especial Eacute comum na literatura especializada nos diaacutelo-gos de Platatildeo dividi-los em grupos Uma dessas divisotildees diz respeito agrave cronologia na elabora-ccedilatildeo dos diaacutelogos Uma delas comporta 3 momentos no primeiro momento o qual mais nos interessaraacute aqui corresponde aos diaacutelogos escritos na juventude (o segundo momento eacute o dos diaacutelogos de maturidade e por fim no terceiro momento os diaacutelogos de velhice) denominados diaacutelogos aporeacuteticos isto eacute diaacutelogos que acabavam em aporia em dificuldade sem se chegar agrave definiccedilatildeo do objeto investigativo motivador do diaacutelogo Tais diaacutelogos chegam ao fim sem o aclaramento de certas duacutevidas de certos questionamentos natildeo sendo obtido conhecimento seguro acerca do objeto investigado Esses diaacutelogos tecircm como protagonista Soacutecrates que dife-rentemente dos preacute-socraacuteticos iraacute dar grande atenccedilatildeo ao homem enquanto objeto de estudo sobretudo no que diz respeito agrave Eacutetica

Com Soacutecrates o homem se torna de modo mais acentuado objeto de investigaccedilatildeo Natildeo investigaccedilatildeo do ponto de vista bioloacutegico mas de um ponto de vista eacutetico portanto de um ponto de vista em que o homem eacute examinado sobretudo em relaccedilatildeo agraves suas accedilotildees mas natildeo propriamente como eles agem cotidianamente Em relaccedilatildeo ao modo como os homens agem cotidianamente principalmente como agem bem em grande medida a partir de paradigmas dados por heroacuteis e deuses em textos como a Iliacuteada e a Odisseacuteia esse natildeo eacute o modelo buscado por Soacutecrates Se por um lado Soacutecrates como homem grego foi educado tambeacutem com os textos atribuiacutedos a Homero valendo-se de tais textos em suas conversas com os interlocutores

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por outro lado Soacutecrates natildeo aceita por completo o modelo educativo dos textos atribuiacutedos a Homero Na proacutepria Repuacuteblica Soacutecrates propotildee censura a partes de tais textos

No concernente agrave Eacutetica Soacutecrates parece propor novidades Ao inveacutes de aceitar plenamente o modelo eacutetico cujos paradigmas das accedilotildees moralmente boas seriam dados pelos textos que ajudaram a educar o homem grego Soacutecrates propotildee um novo modelo onde as accedilotildees moral-mente boas seriam determinadas natildeo por modelos jaacute dados mas de certo modo por paradig-mas a serem buscados pela razatildeo A razatildeo de certo modo poderia direcionar o homem para as boas accedilotildees Mas como fazecirc-lo Tal busca figura em vaacuterios diaacutelogos de Platatildeo mas natildeo se encontra de modo sistemaacutetico e concentrado em um ou outro diaacutelogo estando distribuiacuteda nos mesmos sobretudo nos diaacutelogos aporeacuteticos de juventude A partir do conjunto de informaccedilotildees dadas nos diversos diaacutelogos eacute possiacutevel chegar a alguns elementos proacuteprios agrave discussatildeo eacutetica socraacutetica

Se por um lado Soacutecrates natildeo aceita por completo os paradigmas dados (sobretudo nos textos atribuiacutedos a Homero) para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa por outro ele necessita propor outros paradigmas outros orientadores do agente para que este possa reali-zar accedilotildees moralmente boas Natildeo parece ser a proposta socraacutetica atribuir aos deuses as causas das nossas accedilotildees como se os homens fossem marionetes dos deuses Por outro lado Soacutecrates parece propor que as nossas accedilotildees e consequumlentemente o nosso modo de vida se bom ou ruim natildeo podem ser obra do acaso Nesse sentido em uma certa proposta socraacutetica o bem do homem natildeo eacute determinado exclusivamente pelas contingecircncias externas Pelo contraacuterio ainda que Soacutecrates natildeo pareccedila eliminar o peso das contingecircncias externas para a possibilidade ou natildeo do agente poder agir bem e com isso poder viver bem ele parece sustentar que cabe ao agente ter certo controle das nossas accedilotildees e portanto ter certo controle das accedilotildees moralmente boas que podemos engendrar

Para isso Soacutecrates volta a sua atenccedilatildeo enquanto objeto da sua investigaccedilatildeo natildeo para o corpo o qual natildeo eacute o responsaacutevel primeiro pelas accedilotildees do agente mas para a alma a qual seria a motivadora das accedilotildees Nesse sentido a investigaccedilatildeo eacutetica socraacutetica ganha certo vieacutes psicoloacutegi-co Soacutecrates propotildee uma divisatildeo tripartite da alma A alma teria uma parte apetitiva a qual inclinaria o agente a realizar accedilotildees para satisfazerem-na Essa parte da alma seria a responsaacutevel pelos prazeres pelas inclinaccedilotildees do agente para satisfazer as necessidades que aparentam ser

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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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tema1

Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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tema 2ficha sumaacuterio bibliografia

2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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vez que autores como Platatildeo e Aristoacuteteles tiveram profunda influecircncia na posteridade Os gregos tecircm importacircncia hoje no domiacutenio eacutetico tambeacutem por suscitarem problemas ainda atuais e por apresentarem alternativas que contribuem e muito para pensar questotildees eacuteticas Nesse sentido vale observar que a eacutetica aristoteacutelica tem sido consultada ateacute mesmo para trazer para o debate eacutetico elementos (como o resgate da discussatildeo do acraacutetico do phroacutenimos de um fim a ser buscado que orientaria as discussotildees eacuteticas e deve orientar as accedilotildees dos agentes morais etc) que ajudam a fazer contraponto inclusive com o modelo eacutetico universalista kantiano Dito isso faz-se necessaacuterio examinar o que os gregos antigos nos apresentaram acerca da eacutetica natildeo apenas para pensar a Histoacuteria da Filosofia no concernente agrave Eacutetica mas tambeacutem para ajudar a pensar questotildees eacuteticas independentemente de qual autor ou escola as teriam apresentado

Ainda que haja uma variada gama de questionamentos eacuteticos na literatura anterior a Aris-toacuteteles talvez seja exagerado querer encontrar em tais textos uma Eacutetica tal como noacutes a conhec-emos em Aristoacuteteles em cujos textos eacuteticos encontramos objeto de estudo bem determinado com modelo investigativo proacuteprio a tal objeto e com caracteriacutesticas especiacuteficas de tal anaacutelise (nesse sentido o modelo investigativo na eacutetica se distingue radicalmente do modelo investi-gativo metafiacutesico ou das matemaacuteticas) Os textos de Hesiacuteodo e sobretudo os textos atribuiacutedos a Homero faziam parte da educaccedilatildeo do homem grego inclusive em relaccedilatildeo a sua formaccedilatildeo eacutetica Obviamente natildeo por trazerem pormenorizadas discussotildees eacuteticas mas por apresentarem modelos de comportamento modelos de como o homem grego no geral deveria se portar em diversas situaccedilotildees Nesse sentido os deuses e os heroacuteis da Iliacuteada e da Odisseacuteia eram de certo modo apresentados como modelos de comportamento As accedilotildees dos deuses e de heroacuteis eram tomadas como paradigmas para as accedilotildees humanas Haacute portanto nos textos dos traacutegicos de Hesiacuteodo e sobretudo os atribuiacutedos a Homero certas determinaccedilotildees de como deve o indiviacuteduo agir para tornar-se moralmente bom Para percebermos a importacircncia da educaccedilatildeo do homem grego a partir dos textos atribuiacutedos a Homero lembremos por exemplo que na Repuacuteblica sob diversos aspectos um dos diaacutelogos mais importantes de Platatildeo quando em diversos momentos Soacutecrates pensa a educaccedilatildeo na cidade ideal ele o faz em grande medida a partir dos textos atribuiacutedos a Homero

Em um raacutepido exame geral da Eacutetica grega talvez seja de bom tom natildeo gastar muita tinta com os filoacutesofos preacute-socraacuteticos porque de modo geral eles natildeo tiveram como objeto de in-vestigaccedilatildeo questotildees eacuteticas Os preacute-socraacuteticos se notabilizaram especialmente pelas suas inves-

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tigaccedilotildees acerca da natureza acerca do mundo acerca da possibilidade ou natildeo de ter acesso ao mundo e a partir daiacute poder falar sobre ele Parece-nos conveniente tambeacutem natildeo nos determos nos sofistas (haacutebeis professores de retoacuterica que ganharam fama e muito dinheiro por trabalha-rem a forma do discurso de modo tal a fazecirc-lo forte por trabalharem a forma do discurso com tal destreza a ponto de fazer parecer que eacute o que natildeo eacute a ponto de discorrerem sobre falsidades dando a elas aparecircncia de verdades) Ainda que os sofistas tivessem grande preocupaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo astuciosa (podendo ser falsa) do discurso com o intuito em grande medida de favorecer politicamente aqueles que participavam dos debates que determinavam os destinos da polis na aacutegora da Atenas democraacutetica essa preocupaccedilatildeo com grandes reflexos na poliacutetica natildeo fez com que tomassem a eacutetica como objeto investigativo

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

Com Platatildeo a Eacutetica ganha atenccedilatildeo especial Eacute comum na literatura especializada nos diaacutelo-gos de Platatildeo dividi-los em grupos Uma dessas divisotildees diz respeito agrave cronologia na elabora-ccedilatildeo dos diaacutelogos Uma delas comporta 3 momentos no primeiro momento o qual mais nos interessaraacute aqui corresponde aos diaacutelogos escritos na juventude (o segundo momento eacute o dos diaacutelogos de maturidade e por fim no terceiro momento os diaacutelogos de velhice) denominados diaacutelogos aporeacuteticos isto eacute diaacutelogos que acabavam em aporia em dificuldade sem se chegar agrave definiccedilatildeo do objeto investigativo motivador do diaacutelogo Tais diaacutelogos chegam ao fim sem o aclaramento de certas duacutevidas de certos questionamentos natildeo sendo obtido conhecimento seguro acerca do objeto investigado Esses diaacutelogos tecircm como protagonista Soacutecrates que dife-rentemente dos preacute-socraacuteticos iraacute dar grande atenccedilatildeo ao homem enquanto objeto de estudo sobretudo no que diz respeito agrave Eacutetica

Com Soacutecrates o homem se torna de modo mais acentuado objeto de investigaccedilatildeo Natildeo investigaccedilatildeo do ponto de vista bioloacutegico mas de um ponto de vista eacutetico portanto de um ponto de vista em que o homem eacute examinado sobretudo em relaccedilatildeo agraves suas accedilotildees mas natildeo propriamente como eles agem cotidianamente Em relaccedilatildeo ao modo como os homens agem cotidianamente principalmente como agem bem em grande medida a partir de paradigmas dados por heroacuteis e deuses em textos como a Iliacuteada e a Odisseacuteia esse natildeo eacute o modelo buscado por Soacutecrates Se por um lado Soacutecrates como homem grego foi educado tambeacutem com os textos atribuiacutedos a Homero valendo-se de tais textos em suas conversas com os interlocutores

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por outro lado Soacutecrates natildeo aceita por completo o modelo educativo dos textos atribuiacutedos a Homero Na proacutepria Repuacuteblica Soacutecrates propotildee censura a partes de tais textos

No concernente agrave Eacutetica Soacutecrates parece propor novidades Ao inveacutes de aceitar plenamente o modelo eacutetico cujos paradigmas das accedilotildees moralmente boas seriam dados pelos textos que ajudaram a educar o homem grego Soacutecrates propotildee um novo modelo onde as accedilotildees moral-mente boas seriam determinadas natildeo por modelos jaacute dados mas de certo modo por paradig-mas a serem buscados pela razatildeo A razatildeo de certo modo poderia direcionar o homem para as boas accedilotildees Mas como fazecirc-lo Tal busca figura em vaacuterios diaacutelogos de Platatildeo mas natildeo se encontra de modo sistemaacutetico e concentrado em um ou outro diaacutelogo estando distribuiacuteda nos mesmos sobretudo nos diaacutelogos aporeacuteticos de juventude A partir do conjunto de informaccedilotildees dadas nos diversos diaacutelogos eacute possiacutevel chegar a alguns elementos proacuteprios agrave discussatildeo eacutetica socraacutetica

Se por um lado Soacutecrates natildeo aceita por completo os paradigmas dados (sobretudo nos textos atribuiacutedos a Homero) para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa por outro ele necessita propor outros paradigmas outros orientadores do agente para que este possa reali-zar accedilotildees moralmente boas Natildeo parece ser a proposta socraacutetica atribuir aos deuses as causas das nossas accedilotildees como se os homens fossem marionetes dos deuses Por outro lado Soacutecrates parece propor que as nossas accedilotildees e consequumlentemente o nosso modo de vida se bom ou ruim natildeo podem ser obra do acaso Nesse sentido em uma certa proposta socraacutetica o bem do homem natildeo eacute determinado exclusivamente pelas contingecircncias externas Pelo contraacuterio ainda que Soacutecrates natildeo pareccedila eliminar o peso das contingecircncias externas para a possibilidade ou natildeo do agente poder agir bem e com isso poder viver bem ele parece sustentar que cabe ao agente ter certo controle das nossas accedilotildees e portanto ter certo controle das accedilotildees moralmente boas que podemos engendrar

Para isso Soacutecrates volta a sua atenccedilatildeo enquanto objeto da sua investigaccedilatildeo natildeo para o corpo o qual natildeo eacute o responsaacutevel primeiro pelas accedilotildees do agente mas para a alma a qual seria a motivadora das accedilotildees Nesse sentido a investigaccedilatildeo eacutetica socraacutetica ganha certo vieacutes psicoloacutegi-co Soacutecrates propotildee uma divisatildeo tripartite da alma A alma teria uma parte apetitiva a qual inclinaria o agente a realizar accedilotildees para satisfazerem-na Essa parte da alma seria a responsaacutevel pelos prazeres pelas inclinaccedilotildees do agente para satisfazer as necessidades que aparentam ser

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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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                                                      1. Botatildeo 52
                                                        1. Paacutegina 51 Off
                                                        2. Paacutegina 52
                                                        3. Paacutegina 53
                                                          1. Botatildeo 53
                                                            1. Paacutegina 51 Off
                                                            2. Paacutegina 52
                                                            3. Paacutegina 53
                                                              1. Botatildeo 7
                                                              2. Botatildeo 8
                                                              3. Botatildeo 12
                                                              4. Botatildeo 13
                                                              5. Botatildeo 9

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tigaccedilotildees acerca da natureza acerca do mundo acerca da possibilidade ou natildeo de ter acesso ao mundo e a partir daiacute poder falar sobre ele Parece-nos conveniente tambeacutem natildeo nos determos nos sofistas (haacutebeis professores de retoacuterica que ganharam fama e muito dinheiro por trabalha-rem a forma do discurso de modo tal a fazecirc-lo forte por trabalharem a forma do discurso com tal destreza a ponto de fazer parecer que eacute o que natildeo eacute a ponto de discorrerem sobre falsidades dando a elas aparecircncia de verdades) Ainda que os sofistas tivessem grande preocupaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo astuciosa (podendo ser falsa) do discurso com o intuito em grande medida de favorecer politicamente aqueles que participavam dos debates que determinavam os destinos da polis na aacutegora da Atenas democraacutetica essa preocupaccedilatildeo com grandes reflexos na poliacutetica natildeo fez com que tomassem a eacutetica como objeto investigativo

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

Com Platatildeo a Eacutetica ganha atenccedilatildeo especial Eacute comum na literatura especializada nos diaacutelo-gos de Platatildeo dividi-los em grupos Uma dessas divisotildees diz respeito agrave cronologia na elabora-ccedilatildeo dos diaacutelogos Uma delas comporta 3 momentos no primeiro momento o qual mais nos interessaraacute aqui corresponde aos diaacutelogos escritos na juventude (o segundo momento eacute o dos diaacutelogos de maturidade e por fim no terceiro momento os diaacutelogos de velhice) denominados diaacutelogos aporeacuteticos isto eacute diaacutelogos que acabavam em aporia em dificuldade sem se chegar agrave definiccedilatildeo do objeto investigativo motivador do diaacutelogo Tais diaacutelogos chegam ao fim sem o aclaramento de certas duacutevidas de certos questionamentos natildeo sendo obtido conhecimento seguro acerca do objeto investigado Esses diaacutelogos tecircm como protagonista Soacutecrates que dife-rentemente dos preacute-socraacuteticos iraacute dar grande atenccedilatildeo ao homem enquanto objeto de estudo sobretudo no que diz respeito agrave Eacutetica

Com Soacutecrates o homem se torna de modo mais acentuado objeto de investigaccedilatildeo Natildeo investigaccedilatildeo do ponto de vista bioloacutegico mas de um ponto de vista eacutetico portanto de um ponto de vista em que o homem eacute examinado sobretudo em relaccedilatildeo agraves suas accedilotildees mas natildeo propriamente como eles agem cotidianamente Em relaccedilatildeo ao modo como os homens agem cotidianamente principalmente como agem bem em grande medida a partir de paradigmas dados por heroacuteis e deuses em textos como a Iliacuteada e a Odisseacuteia esse natildeo eacute o modelo buscado por Soacutecrates Se por um lado Soacutecrates como homem grego foi educado tambeacutem com os textos atribuiacutedos a Homero valendo-se de tais textos em suas conversas com os interlocutores

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por outro lado Soacutecrates natildeo aceita por completo o modelo educativo dos textos atribuiacutedos a Homero Na proacutepria Repuacuteblica Soacutecrates propotildee censura a partes de tais textos

No concernente agrave Eacutetica Soacutecrates parece propor novidades Ao inveacutes de aceitar plenamente o modelo eacutetico cujos paradigmas das accedilotildees moralmente boas seriam dados pelos textos que ajudaram a educar o homem grego Soacutecrates propotildee um novo modelo onde as accedilotildees moral-mente boas seriam determinadas natildeo por modelos jaacute dados mas de certo modo por paradig-mas a serem buscados pela razatildeo A razatildeo de certo modo poderia direcionar o homem para as boas accedilotildees Mas como fazecirc-lo Tal busca figura em vaacuterios diaacutelogos de Platatildeo mas natildeo se encontra de modo sistemaacutetico e concentrado em um ou outro diaacutelogo estando distribuiacuteda nos mesmos sobretudo nos diaacutelogos aporeacuteticos de juventude A partir do conjunto de informaccedilotildees dadas nos diversos diaacutelogos eacute possiacutevel chegar a alguns elementos proacuteprios agrave discussatildeo eacutetica socraacutetica

Se por um lado Soacutecrates natildeo aceita por completo os paradigmas dados (sobretudo nos textos atribuiacutedos a Homero) para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa por outro ele necessita propor outros paradigmas outros orientadores do agente para que este possa reali-zar accedilotildees moralmente boas Natildeo parece ser a proposta socraacutetica atribuir aos deuses as causas das nossas accedilotildees como se os homens fossem marionetes dos deuses Por outro lado Soacutecrates parece propor que as nossas accedilotildees e consequumlentemente o nosso modo de vida se bom ou ruim natildeo podem ser obra do acaso Nesse sentido em uma certa proposta socraacutetica o bem do homem natildeo eacute determinado exclusivamente pelas contingecircncias externas Pelo contraacuterio ainda que Soacutecrates natildeo pareccedila eliminar o peso das contingecircncias externas para a possibilidade ou natildeo do agente poder agir bem e com isso poder viver bem ele parece sustentar que cabe ao agente ter certo controle das nossas accedilotildees e portanto ter certo controle das accedilotildees moralmente boas que podemos engendrar

Para isso Soacutecrates volta a sua atenccedilatildeo enquanto objeto da sua investigaccedilatildeo natildeo para o corpo o qual natildeo eacute o responsaacutevel primeiro pelas accedilotildees do agente mas para a alma a qual seria a motivadora das accedilotildees Nesse sentido a investigaccedilatildeo eacutetica socraacutetica ganha certo vieacutes psicoloacutegi-co Soacutecrates propotildee uma divisatildeo tripartite da alma A alma teria uma parte apetitiva a qual inclinaria o agente a realizar accedilotildees para satisfazerem-na Essa parte da alma seria a responsaacutevel pelos prazeres pelas inclinaccedilotildees do agente para satisfazer as necessidades que aparentam ser

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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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ficha sumaacuterio bibliografia

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tema1

Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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por outro lado Soacutecrates natildeo aceita por completo o modelo educativo dos textos atribuiacutedos a Homero Na proacutepria Repuacuteblica Soacutecrates propotildee censura a partes de tais textos

No concernente agrave Eacutetica Soacutecrates parece propor novidades Ao inveacutes de aceitar plenamente o modelo eacutetico cujos paradigmas das accedilotildees moralmente boas seriam dados pelos textos que ajudaram a educar o homem grego Soacutecrates propotildee um novo modelo onde as accedilotildees moral-mente boas seriam determinadas natildeo por modelos jaacute dados mas de certo modo por paradig-mas a serem buscados pela razatildeo A razatildeo de certo modo poderia direcionar o homem para as boas accedilotildees Mas como fazecirc-lo Tal busca figura em vaacuterios diaacutelogos de Platatildeo mas natildeo se encontra de modo sistemaacutetico e concentrado em um ou outro diaacutelogo estando distribuiacuteda nos mesmos sobretudo nos diaacutelogos aporeacuteticos de juventude A partir do conjunto de informaccedilotildees dadas nos diversos diaacutelogos eacute possiacutevel chegar a alguns elementos proacuteprios agrave discussatildeo eacutetica socraacutetica

Se por um lado Soacutecrates natildeo aceita por completo os paradigmas dados (sobretudo nos textos atribuiacutedos a Homero) para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa por outro ele necessita propor outros paradigmas outros orientadores do agente para que este possa reali-zar accedilotildees moralmente boas Natildeo parece ser a proposta socraacutetica atribuir aos deuses as causas das nossas accedilotildees como se os homens fossem marionetes dos deuses Por outro lado Soacutecrates parece propor que as nossas accedilotildees e consequumlentemente o nosso modo de vida se bom ou ruim natildeo podem ser obra do acaso Nesse sentido em uma certa proposta socraacutetica o bem do homem natildeo eacute determinado exclusivamente pelas contingecircncias externas Pelo contraacuterio ainda que Soacutecrates natildeo pareccedila eliminar o peso das contingecircncias externas para a possibilidade ou natildeo do agente poder agir bem e com isso poder viver bem ele parece sustentar que cabe ao agente ter certo controle das nossas accedilotildees e portanto ter certo controle das accedilotildees moralmente boas que podemos engendrar

Para isso Soacutecrates volta a sua atenccedilatildeo enquanto objeto da sua investigaccedilatildeo natildeo para o corpo o qual natildeo eacute o responsaacutevel primeiro pelas accedilotildees do agente mas para a alma a qual seria a motivadora das accedilotildees Nesse sentido a investigaccedilatildeo eacutetica socraacutetica ganha certo vieacutes psicoloacutegi-co Soacutecrates propotildee uma divisatildeo tripartite da alma A alma teria uma parte apetitiva a qual inclinaria o agente a realizar accedilotildees para satisfazerem-na Essa parte da alma seria a responsaacutevel pelos prazeres pelas inclinaccedilotildees do agente para satisfazer as necessidades que aparentam ser

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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
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prazerosas Se em Soacutecrates a boa vida do homem natildeo parece estar sujeita ao acaso natildeo eacute sendo guiado pela parte apetitiva da sua alma que o agente conseguiraacute viver bem conseguiraacute uma boa vida pois a parte apetitiva da alma pode se deixar guiar muitas vezes por aquilo que aparenta ser bom sem de fato ser bom

Comer chocolate e outros doces pode aparentar ser bom para uma crianccedila na medida em que pode satisfazer a sua inclinaccedilatildeo para a satisfaccedilatildeo dos seus desejos mas a crianccedila se ali-mentando regularmente de chocolate e outros doces sem qualquer orientaccedilatildeo pode de ime-diato satisfazer as suas inclinaccedilotildees imediatas motivadas pela parte apetitiva da sua alma e com isso ter prazer tendo a crenccedila que estaacute fazendo um bem a si mesmo Mas pode ser que essa crianccedila possa vir a ter brevemente problemas de sauacutede por consumir exageradamente os doces Aquilo que parece ser um bem natildeo eacute necessariamente de fato um bem Eacute possiacutevel o engano em relaccedilatildeo ao bem Sem a devida orientaccedilatildeo a crianccedila pode estar gerando para si sem ter clareza disso mais mal que bem Como entatildeo poder ser bem orientado segundo o bem natildeo meramente aparente mas o bem de fato

O que parece ser o bem pode se apresentar de muacuteltiplos modos Nesse sentido algo pode ser bom para Soacutecrates e natildeo para Glauco ou entatildeo uma accedilatildeo pode ser justa e boa em certo momento e natildeo em outro E ainda algo pode ser bom para um indiviacuteduo lsquoxrsquo em determinado momento e para o mesmo indiviacuteduo lsquoxrsquo ruim em outro momento Restituir aquilo que eacute devido a algueacutem nem sempre pode ser algo justo e bom como Soacutecrates argumenta no livro I da Repuacuteblica Restituir armas quando um indiviacuteduo lsquoxrsquo estaacute satildeo pode ser justo e bom mas pode natildeo ser se ele natildeo estiver satildeo podendo tal restituiccedilatildeo vir a gerar problemas para tal indiviacuteduo lsquoxrsquo Face agrave possibilidade de engano acerca do que eacute o bem a virtude o justo e face agrave aparente multiplicidade de bens do que eacute virtuoso ou do que eacute justo como uma concepccedilatildeo muacuteltipla e talvez meramente aparente de bem pode ser guia para as accedilotildees de um agente moral Como detectar o que de fato eacute o Bem para que o mesmo possa bem guiar as accedilotildees do indiviacuteduo con-duzindo-o agraves boas accedilotildees aquelas que lhe possibilitam viver bem Esses satildeo difiacuteceis problemas que Soacutecrates necessita enfrentar na apresentaccedilatildeo de um modelo eacutetico novo Ele entatildeo recor-reraacute ao que se convencionou chamar de Teoria das Formas ou Teoria das Ideacuteias para enfrentar tais problemas

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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Relembrando rapidamente de modo bastante geral alguns pontos da Teoria das Ideacuteias concernentes agrave discussatildeo eacutetica apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo Soacutecrates propotildee a sepa-raccedilatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel O mundo sensiacutevel seria apreensiacutevel pelos sentidos apreensatildeo essa que natildeo oferece o conhecimento acerca do mundo mas apenas opiniotildees sobre ele uma vez que os entes existentes no mundo que satildeo muacuteltiplos e em transformaccedilatildeo satildeo apenas coacutepias imperfeitas da verdadeira realidade a das Ideacuteias realidade essa una e imutaacutevel apreensiacuteveis pela razatildeo

Atraveacutes dos sentidos apreendemos por exemplo as muacuteltiplas aacutervores existentes no mundo que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo de vir-a-ser As aacutervores do mundo (que estatildeo em processo de transformaccedilatildeo em devir) natildeo correspondem agrave verdadeira realidade e natildeo nos pos-sibilitam sequer conhecer o que eacute a aacutervore que eacute uma Ideacuteia una e imutaacutevel Se a aacutervore fosse uma laranjeira e se a laranjeira correspondesse agrave ideacuteia de aacutervore entatildeo uma jabuticabeira que eacute bem diferente ou natildeo poderia ser aacutervore ou a ideacuteia de aacutervore teria que ser muacuteltipla Se fosse muacuteltipla ela teria que ser tatildeo muacuteltipla quantos satildeo os tipos de aacutervores Se as aacutervores satildeo infini-tamente diferentes as ideacuteias de aacutervores seriam infinitamente diferentes natildeo nos possibilitando conhecer o que eacute aacutervore pois ldquoaacutervorerdquo receberia infinitos significados A proposta socraacutetica eacute que se faz necessaacuteria uma Ideacuteia una das coisas como a de aacutervore para que ao se falar de aacutervore algo determinado seja compreendido As muacuteltiplas aacutervores (em devir) do mundo soacute satildeo recon-hecidas enquanto tais por participarem da ideacuteia una de aacutervore As Ideacuteias asseguram o plano do conhecimento na proposta socraacutetica Quanto a certo modelo eacutetico proposto por Soacutecrates nos diaacutelogos de Platatildeo ele pressupunha o conhecimento portanto as Ideacuteias

Do mesmo modo que no supramencionado exemplo da aacutervore face aos muacuteltiplos bens ditos das muacuteltiplas coisas e situaccedilotildees do mundo natildeo seria possiacutevel o conhecimento acerca do Bem conhecimento esse necessaacuterio para se poder agir bem Em um certo modelo eacutetico socraacutetico o conhecimento das boas accedilotildees necessariamente conduziria o agente agraves boas accedilotildees Soacute agiria mal quem desconhecesse como agir bem Uma razatildeo bem cultivada conduziria o agente agraves accedilotildees moralmente boas Educar bem o agente do ponto de vista eacutetico pressuporia fazecirc-lo ter acesso agraves ideacuteias de virtude justiccedila bem etc

Soacutecrates parece propor um modelo eacutetico intelectualista (no qual a razatildeo bem cultivada eacute

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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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suficiente para a determinaccedilatildeo das accedilotildees moralmente boas) segundo o qual as accedilotildees do agente 1) natildeo dependeriam dos desiacutegnios dos deuses 2) natildeo estariam totalmente sujeitas ao acaso dado pelas contingecircncias do mundo 3) nem tampouco dependeriam dos impulsos da parte apetitiva da alma a qual pode conduzir a accedilotildees aparentemente boas que de fato natildeo o satildeo ou ateacute mesmo para accedilotildees que manifestamente natildeo satildeo boas A vida guiada pelas paixotildees e natildeo orientada por certa razatildeo a qual possibilita conhecer o que eacute a virtude o Bem pode apenas acidentalmente conduzir o agente agrave boa vida Eacute preciso ao homem entatildeo natildeo se deixar guiar pelas suas paixotildees semelhante a um barco agrave deriva em que eacute conduzido para o lado que o vento e as ondas o levarem sem qualquer capacidade de ser guiado O destino de tal barco eacute dado pelas contingecircncias do momento na regiatildeo do mar em que estaacute A vida do homem natildeo pode de modo semelhante estar sujeita agraves contingecircncias do mundo Para o barco poder ir a algum lugar determinado de modo natildeo acidental eacute preciso que algueacutem tome o seu leme De modo semelhante eacute preciso que algo no homem tome o leme da sua vida das suas accedilotildees A parte intelectiva da alma seraacute a responsaacutevel por dar certo rumo agraves accedilotildees agrave vida do agente Para isso faz-se necessaacuterio ascender agraves Ideacuteias faz-se necessaacuterio ao intelecto controlar os impulsos do agente de modo a ele poder agir bem poder alcanccedilar a boa vida

Nesse modelo socraacutetico as accedilotildees satildeo realizadas pelos homens aos quais pode ser imputada a responsabilidade das suas accedilotildees Mas se por um lado Platatildeo apresenta certo modelo eacutetico intelectualista proposto por Soacutecrates por outro lado no diaacutelogo Mecircnon eacute levantada a objeccedilatildeo que a razatildeo natildeo seria suficiente para conduzir o agente agraves accedilotildees moralmente boas ao se suspeit-ar que um agente natildeo pode se transformar em virtuoso atraveacutes da aprendizagem meramente racional Nesse sentido Soacutecrates questiona no Mecircnon se a virtude pudesse ser ensinada por que Peacutericles natildeo teria feito dos seus filhos homens virtuosos Comeccedila-se a levantar a suspeita que o acesso agraves Ideacuteias natildeo seria suficiente para tornar o agente virtuoso Platatildeo entatildeo comeccedila a atenuar a funccedilatildeo da razatildeo que ascende agraves Ideacuteias como guia uno e infaliacutevel para as boas accedilotildees como capaz de exclusivamente engendrar as accedilotildees moralmente boas

Aristoacuteteles por sua vez natildeo poderaacute aceitar o intelectualismo do modelo socraacutetico at-enuado por Platatildeo por uma razatildeo bastante simples Aristoacuteteles natildeo aceita a Teoria das Ideacuteias de Platatildeo rechaccedila a divisatildeo do mundo em sensiacutevel e inteligiacutevel negando tambeacutem a ideacuteia de participaccedilatildeo (a qual na Teoria das Formas possibilita que ambos os mundos sensiacutevel e in-teligiacutevel natildeo sejam intransponiacuteveis um ao outro) Negando o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo

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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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tema1

Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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tema 2ficha sumaacuterio bibliografia

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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tema 4ficha sumaacuterio bibliografia

que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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Aristoacuteteles natildeo tem mais as Ideacuteias para de certo modo orientar o agente para a determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa Natildeo atribuindo aos deuses a responsabilidade das accedilotildees moralmente boas do agente moral e tambeacutem natildeo delegando ao acaso ou agraves contingecircncias do mundo a pos-sibilidade da accedilatildeo moralmente boa uma vez que recusa o modelo dos diaacutelogos de Platatildeo Aris-toacuteteles necessitaraacute de outro guia para orientar o agente moral para as accedilotildees moralmente boas e consequumlentemente para a boa vida Essas recusas de Aristoacuteteles em relaccedilatildeo ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo faraacute com que Aristoacuteteles apresente um modelo eacutetico sob muitos aspectos bem diferente do modelo dos diaacutelogos platocircnicos

Aristoacuteteles atribui grande importacircncia aos impulsos da parte da alma responsaacutevel pelos de-sejos os quais se convertem em moacuteveis das accedilotildees mesmo as que satildeo consideradas moralmente boas Se no modelo apresentado nos diaacutelogos a parte apetitiva da alma deveria estar sujeita agrave parte intelectiva a qual seria a responsaacutevel pela determinaccedilatildeo da accedilatildeo moralmente boa em Aristoacuteteles a parte responsaacutevel pelos desejos assumiraacute grande importacircncia para o engendra-mento das accedilotildees mesmo as moralmente boas O que eacute da ordem dos apetites e dos desejos natildeo deveraacute ser subjugado pelas determinaccedilotildees da razatildeo mas deveraacute ser conduzido para que bem orientado possa ser desejo do que eacute bom do que eacute virtuoso levando agraves boas e virtuosas accedilotildees No novo modelo proposto por Aristoacuteteles saber como agir natildeo implica necessariamente em agir segundo o conhecimento de como agir pois os desejos se apresentam como moacuteveis das accedilotildees no modelo aristoteacutelico Eacute possiacutevel ao agente moral saber como deveria agir para agir bem e ainda assim ter o desejo de realizar accedilotildees contraacuterias agraves boas accedilotildees Vejamos entatildeo a seguir o novo modelo eacutetico proposto por Aristoacuteteles

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo

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tema1

Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
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                3. Paacutegina 6
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                5. Paacutegina 8
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                8. Paacutegina 11
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Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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2 A Eacutetica em Aristoacuteteles

O objetivo dos trecircs toacutepicos deste texto eacute o de comeccedilar a apresentar a sofisticada teoria eacutetica aristoteacutelica chamando a atenccedilatildeo para algumas diferenccedilas em relaccedilatildeo aos modelos eacuteticos anteriores Para tal propoacutesito seratildeo apresentados diversos elementos que fizeram da eacutetica ar-istoteacutelica um dos grandes modelos eacuteticos da Histoacuteria da Filosofia como a nova concepccedilatildeo de virtude o justo-meio a razatildeo voltada para a esfera praacutetica etc

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

Aristoacuteteles nos deixou trecircs textos eacuteticos a 1) Eacutetica a Nicocircmaco o texto mais comentado do Estagirita (Aristoacuteteles era de Estagira) a 2) Eacutetica a Eudemo e a 3) Magna Moralia Aleacutem desses outro texto atribuiacutedo por alguns especialistas a Aristoacuteteles nos chegou Da virtude e dos Viacutecios mas os comentadores de Aristoacuteteles consideram de modo geral esse uacuteltimo texto

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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                                                      1. Botatildeo 52
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                                                        3. Paacutegina 53
                                                          1. Botatildeo 53
                                                            1. Paacutegina 51 Off
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                                                              3. Botatildeo 12
                                                              4. Botatildeo 13
                                                              5. Botatildeo 9

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como apoacutecrifo natildeo tendo sido escrito pelo Estagirita Esses textos eacuteticos compotildeem junta-mente com a Poliacutetica o grupo de textos denominados praacuteticos isto eacute textos que tratam da praacutexis (accedilatildeo) De certo modo semelhante ao que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo a investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica guarda estreita relaccedilatildeo com a investigaccedilatildeo psicoloacutegica metafiacutesica e sobretudo com a investigaccedilatildeo poliacutetica Em Aristoacuteteles a Eacutetica e a Poliacutetica satildeo complementares uma de-pendendo da outra para a sua boa compreensatildeo A psicologia torna-se de grande relevacircncia na medida em que de modo similar ao que encontramos nos diaacutelogos de Platatildeo como no final do livro IV da Repuacuteblica Aristoacuteteles examina a alma em partes Tal divisatildeo eacute de grande relevacircncia na medida em que para pensar como as accedilotildees satildeo engendradas seraacute preciso examinar como veremos quais as partes da alma atuam em tal engendramento Por fim a Metafiacutesica assume grande importacircncia por ser proacuteprias dela algumas investigaccedilotildees cujo objeto pertence tambeacutem ao domiacutenio eacutetico Nesse sentido em grande medida os pressupostos metafiacutesicos valem para a investigaccedilatildeo eacutetica

Visto a estreita relaccedilatildeo da Eacutetica com o exame psicoloacutegico metafiacutesico e poliacutetico aleacutem de outras investigaccedilotildees como a bioloacutegica e ateacute mesmo com os textos de fiacutesica isso nos faz encon-trar elementos que ajudam a compor uma certa compreensatildeo do modelo eacutetico natildeo apenas em seus trecircs textos eacuteticos mas tambeacutem na Metafiacutesica na Poliacutetica no De Anima nos textos bi-oloacutegicos e em vaacuterios outros textos do corpus aristotelicum Mas diferentemente do que ocorre nos diaacutelogos de Platatildeo Aristoacuteteles possui um conjunto de textos em que trata especificamente dos escritos praacuteticos e nos trecircs textos eacuteticos do Estagirita supracitados examina especifica-mente questotildees eacuteticas Talvez natildeo seja exagerado afirmar que eacute com Aristoacuteteles que a Eacutetica ganha estudos sistemaacuteticos com meacutetodo proacuteprio de investigaccedilatildeo contornos mais precisos textos especiacuteficos sobre questotildees eacuteticas Se Aristoacuteteles herda uma certa tradiccedilatildeo de discussotildees eacuteticas de Hesiacuteodo dos traacutegicos da Iliacuteada e da Odisseacuteia de Soacutecrates de Platatildeo de alguns preacute-socraacuteticos a investigaccedilatildeo dos seus predecessores e contemporacircneos talvez natildeo seja suficiente para considerarmos a Eacutetica como disciplina constituiacuteda Para uma certa compreensatildeo da eacutetica aristoteacutelica eacute mister lembramo-nos do contexto no ele escreve Nesse sentido conveacutem recor-dar que o grande interlocutor de Aristoacuteteles tambeacutem nos textos eacuteticos eacute Platatildeo eacute o que estaacute em certa medida encerrado nos diaacutelogos de Platatildeo (lembremos que Aristoacuteteles estudou na academia de Platatildeo por praticamente duas deacutecadas) Muitos argumentos levantados nos textos eacuteticos satildeo para responder a discussotildees que encontramos nos diaacutelogos do mestre Platatildeo

Aristoacuteteles apresenta um modelo eacutetico que ainda que guarde muacuteltiplos elementos proacuteprios

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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

lineorgindexphpantiguidade

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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ao modelo dos diaacutelogos de Platatildeo eacute bem distinto deste Logo no capiacutetulo dois do livro I da EN Aristoacuteteles em uma alegoria indicativa do modelo teleoloacutegico que apresenta nessa obra evoca a imagem da figura de um arqueiro que para atingir o seu alvo precisa antes visualizaacute-lo assim como o agente moral necessita ter em mira o seu fim praacutetico (o qual eacute um bem) para poder alcanccedilaacute-lo Natildeo se trata aqui de uma novidade do modelo aristoteacutelico uma vez que a ideacuteia de Bem deve em certa medida tambeacutem nos diaacutelogos de Platatildeo direcionar as accedilotildees do agente para que ele consiga agir moralmente bem e consequumlentemente viver bem feliz Em Aristoacuteteles o bem tambeacutem deve ser norteador das accedilotildees moralmente boas para que o agente possa vir a viver bem com isso alcanccedilando o seu fim de um ponto de vista eacutetico

Poreacutem uma vez que o Estagirita natildeo aceita a divisatildeo dos mundos em sensiacutevel e inteligiacutevel e nem o que possibilitava o contato entre ambos os mundos (a saber a Ideacuteia de participaccedilatildeo) ele natildeo pode aceitar o modelo eacutetico que tem como guia das accedilotildees as Ideacuteias O bem que deveraacute orientar as accedilotildees moralmente boas do agente natildeo poderaacute consistir em uma Ideacuteia No capiacutetulo 6 do livro I da Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles rechaccedila o bem uno geneacuterico enquanto Ideacuteia sustentando que o bem eacute dito de muacuteltiplos modos (formulaccedilatildeo essa de base metafiacutesica dada a partir da discussatildeo travada no texto Metafiacutesica acerca dos muacuteltiplos modos de dizer o ser) Se Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com as Ideacuteias para orientar o agente sobre como agir moral-mente bem e se o bem eacute o fim da investigaccedilatildeo eacutetica pois eacute visando a esse fim o bem que as accedilotildees humanas satildeo realizadas o Estagirita precisa de outra concepccedilatildeo de bem orientadora das accedilotildees do agente moralmente bom

22 A vida feliz

Desde o iniacutecio da EN Aristoacuteteles parte em busca do bem para saber o que fazer para atingi-lo semelhante ao arqueiro em relaccedilatildeo ao alvo Examina entatildeo o Estagirita em uma praacutetica comum nos seus textos o que os seus predecessores e contemporacircneos tomavam como sendo o fim eacutetico buscado a saber o bem uma boa vida a fim de saber qual tipo de vida buscar em seu modelo eacutetico Nesse exame acerca de qual a melhor vida a ser buscada Aristoacuteteles encontraraacute nas anaacutelis-es dos seus predecessores e contemporacircneos quatro candidatas relevantes que se apresentam agrave vida feliz 1) a vida dos prazeres 2) a vida das honras 3) a vida virtuosa e 4) a vida contempla-tiva Por mais que Aristoacuteteles pareccedila estar buscando um modelo eacutetico distinto de um modelo intelectualista socraacutetico onde a vida feliz poderia ser alcanccedilada mediante boa orientaccedilatildeo da

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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

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bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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razatildeo ele natildeo propotildee um modelo eacutetico hedonista em que o fim a ser buscado seria dado pelo prazer Deste modo 1) a vida dos prazeres primeira candidata agrave vida feliz natildeo se confundiria com a felicidade ainda que a vida feliz pressuponha prazer ainda que o prazer nas palavras de Aristoacuteteles seja um acompanhante natural da felicidade Isso significa que as accedilotildees humanas e consequumlentemente a investigaccedilatildeo eacutetica em Aristoacuteteles natildeo teratildeo como guia como fim o prazer muito embora Aristoacuteteles pareccedila natildeo conceber a felicidade do agente moral sem prazer Diferentemente dos diaacutelogos de Platatildeo o prazer receberaacute grande atenccedilatildeo na investigaccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica recebendo na Eacutetica a Nicocircmaco dois tratados tal eacute a sua importacircncia para o mod-elo eacutetico proposto por Aristoacuteteles 2) O segundo candidato agrave vida feliz eacute a vida das honras a qual eacute descartada na sequumlecircncia uma vez que as honras como Aristoacuteteles afirma dependem mais de quem a concede do que de quem as recebe Como uma das caracteriacutesticas da vida feliz eacute a autonomia (isto eacute eacute a vida que torna o agente natildeo carecendo de nada) a felicidade natildeo pode se identificar com as honras pois a vida feliz natildeo pode depender de outrem o qual poderaacute ou natildeo conceder honra ao que pretende alcanccedilar a vida feliz

Restam entatildeo dois outros candidatos agrave vida feliz quais sejam 3) a vida virtuosa e 4) a vida contemplativa No concernente agrave vida contemplativa Aristoacuteteles apenas a menciona para logo a seguir informar que dela trataraacute posteriormente Dela o Estagirita vai tratar apenas no livro X uacutel-timo livro da obra Aristoacuteteles vai na EN voltar-se sobretudo para a noccedilatildeo de vir-tude Esta se torna a principal candidata agrave vida feliz para o homem Podemos entatildeo comeccedilar a entender primeiro a estrutura da EN a qual visa apresentar um projeto praacutetico para possibilitar ao agente viver bem fim da eacutetica aristoteacutelica Uma vida sem ter como fim o alvo de viver bem e de pensar em meios ao longo de uma vida para atingir tal fim dificilmente poderia conduzir o agente a uma boa vida Uma certa razatildeo possibilita ao agente moral natildeo ficar preso agraves decisotildees momentacircneas tomadas a partir das inclinaccedilotildees das suas paixotildees possi-bilitando-lhe calcular o que seria o viver bem e como alcanccedilar a boa vida em um projeto para

Acerca da vida contemplativa como uma das possibili-

dades de alcanccedilar o fim uacuteltimo da eacutetica a saber o bem

a felicidade natildeo trataremos aqui Para uma certa noccedilatildeo

sobre em que medida a vida contemplativa possibilita

ao agente a boa vida vide o artigo lsquoPolis e virtude em

Aristoacutetelesrsquo de Reinaldo Sampaio Pereira na Revista

de Estudos Filosoacuteficos e Histoacutericos da Antiguidade n

25 jul 2008 ndash jun 2009) httpwwwantiguidadeon-

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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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uma vida toda Eacute esse o exame que toma boa parte da atenccedilatildeo do filoacutesofo na EN

Para saber como agir virtuosamente Aristoacuteteles natildeo pode mais contar com a Ideacuteia de vir-tude e a partir dela saber se uma accedilatildeo qualquer participa da Ideacuteia de virtude e participando de tal Ideacuteia percebecirc-la como virtuosa como ocorre em diaacutelogos de Platatildeo O criteacuterio determi-nante da accedilatildeo virtuosa natildeo se encontra tambeacutem em modelos dados a priori Aristoacuteteles neces-sita de uma nova noccedilatildeo de virtude a qual seraacute responsaacutevel pela grande novidade do modelo ar-istoteacutelico Tal noccedilatildeo apresentada eacute extremamente sofisticada e faz com que a eacutetica aristoteacutelica difira radicalmente de todos os modelos eacuteticos universalistas (tanto os da antiguidade quanto os posteriores a Aristoacuteteles) como o dos diaacutelogos de Platatildeo o de um certo modelo cristatildeo ou entatildeo o modelo kantiano Em Aristoacuteteles a determinaccedilatildeo da accedilatildeo virtuosa natildeo pode ser dada a priori Isso faz com que natildeo seja possiacutevel em seu modelo produzir um corpo de regras que poderiam circunscrever as accedilotildees virtuosas moralmente boas Esse impedimento pode ser visto como de certo modo problemaacutetico Por outro lado tal impedimento pode ser visto como o grande diferencial do modelo eacutetico aristoteacutelico em relaccedilatildeo aos outros modelos diferencial esse que possibilita considerar por exemplo aspectos culturais na determinaccedilatildeo de uma accedilatildeo virtuosa Nesse sentido uma accedilatildeo que pode ser considerada virtuosa para algueacutem em determi-nado contexto natildeo seraacute necessariamente virtuosa para outra pessoa em um contexto diferente Se uma accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa dependeraacute de muitas variantes

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelicoAristoacuteteles por um lado parece procurar escapar de um modelo eacutetico duro com princiacutepios

ou modelos de como agir bem dados a priori O Estagirita introduz na eacutetica um certo relativ-ismo Mas por outro lado ele natildeo pode cair em um modelo relativista nos moldes do relativ-ismo de Protaacutegoras do homem medida de todas as coisas em um modelo em que o que seria considerado ou natildeo virtuoso dependeria do agente de como o agente considera a sua proacutepria accedilatildeo o que pulverizaria a eacutetica pois se cada um pode elaborar livremente a sua regra de con-duta mesmo vivendo em sociedade se cada um pode determinar livremente para si mesmo se a sua accedilatildeo eacute ou natildeo virtuosa entatildeo cada um pode fazer qualquer coisa (desde que fosse con-siderada boa para si mesmo sendo nesse modelo relativista radical moralmente boa) desse modo se dissolveria a eacutetica e consequumlentemente tal modelo eacutetico geraria inuacutemeros problemas de convivecircncia social

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Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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tema 2ficha sumaacuterio bibliografia

Evitando o relativismo de Protaacutegoras no campo eacutetico Aristoacuteteles apresenta um elemento regulador da accedilatildeo virtuosa que natildeo eacute estrangeiro ao mundo grego uma certa moderaccedilatildeo Aristoacuteteles propotildee que uma accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa necessita atender a uma certa moderaccedilatildeo a uma mediania a um justo-meio Esse justo-meio ao qual tem que necessariamente atender toda accedilatildeo virtuosa natildeo eacute um meio aritmeacutetico como insiste Aristoacuteteles assim como o 3 eacute o meio entre o 2 e o 4 A noccedilatildeo de justo-meio com a qual o Estagirita trabalha na EN eacute a de mesoteacutes um meio que varia caso a caso Para explicar essa noccedilatildeo chave de justo-meio Aristoacuteteles observa que para toda accedilatildeo e sentimento haacute um excesso uma falta e um justo-meio As accedilotildees podem ser viciosas tanto por excesso quanto por falta Apenas as accedilotildees que atendem a um justo-meio satildeo as virtuosas Em relaccedilatildeo a uma virtude como a coragem por exemplo a falta de impulso para algumas accedilotildees pode ser considerada como covardia (viacutecio) O excesso do mesmo impulso temeridade (viacutecio) Apenas eacute considerada corajosa a accedilatildeo resultante de um impulso adequado moderado que atende a um justo-meio fazendo com que o agente natildeo aja viciosamente nem por excesso (temerariamente) nem por falta (covardemente) mas virtuosamente (de modo corajoso) Mas o justo-meio varia caso a caso varia segundo o agente segundo o objeto segundo o contexto no qual a accedilatildeo ocorre

O justo-meio varia segundo o agente natildeo sendo possiacutevel determinar uma accedilatildeo virtuosa incondicionalmente para todos os indiviacuteduos assim como natildeo eacute possiacutevel se prescrever a boa quantidade de comida a priori para duas pessoas para um atleta uma boa quantidade de comida e o tipo de alimento pode ser x mas para algueacutem que possui alguma atividade mais sedentaacuteria a boa quantidade de alimento pode ser bem menor do que a quantidade x O justo meio varia tambeacutem segundo o objeto a coragem (virtude) por exemplo estaacute mais proacutexima do viacutecio por excesso (temeridade) que do viacutecio por falta (covardia) jaacute a temperanccedila (virtude) estaacute mais proacutexima do viacutecio por falta (insensibilidade) que do viacutecio por excesso (intemperanccedila) A accedilatildeo virtuosa depende tambeacutem do momento apropriado (kairos) avanccedilar sobre as linhas do inimigo em uma batalha natildeo necessariamente eacute uma accedilatildeo corajosa (virtuosa) Pode haver mo-mento em que avanccedilar sobre o inimigo pode ser um viacutecio por excesso (temeridade) colocando desnecessariamente em risco a vida de muitos soldados sem a promoccedilatildeo de qualquer ganho em contrapartida

A determinaccedilatildeo do que eacute virtuoso portanto depende de se a accedilatildeo atende ou natildeo a um justo-meio mas o justo-meio depende do agente do objeto do momento oportuno do lugar apropriado etc Aristoacuteteles por um lado elimina o relativismo radical no domiacutenio eacutetico ao

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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
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instituir um princiacutepio regulador da accedilatildeo moralmente boa o justo-meio Toda accedilatildeo para ser considerada virtuosa portanto moralmente boa deve necessariamente atender a um justo-meio (as que natildeo o atendem satildeo viciosas por excesso ou por falta) Mas a determinaccedilatildeo do justo-meio como princiacutepio determinante da accedilatildeo moralmente boa natildeo possibilita engessar o modelo eacutetico aristoteacutelico em um conjunto de determinaccedilotildees de como agir virtuosamente moralmente bem uma vez que como visto o justo-meio varia caso a caso em cada accedilatildeo se-gundo cada contexto Essa maleabilidade conferida pelo justo-meio faz com que o modelo eacutetico aristoteacutelico difira em muito dos modelos universalistas conferindo a ele a possibilidade de se considerar a diversidade cultural de contextos de agentes morais na determinaccedilatildeo das accedilotildees virtuosas moralmente boas

O domiacutenio da eacutetica aristoteacutelica eacute o domiacutenio da contingecircncia jamais o da necessidade Se no mundo tudo fosse necessaacuterio (necessaacuterio aqui entendido como o que natildeo pode ser de outro modo) se natildeo houvesse a possibilidade de algo ser de um modo ou de outro natildeo have-ria a possibilidade de escolha para o agente moral Natildeo se pode escolher fazer com que uma pedra natildeo caia (se natildeo impedida de cair por algo qualquer) uma vez jogada para cima Natildeo havendo capacidade de escolha (a partir da possibilidade de duas ou mais accedilotildees) natildeo se pode responsabilizar algueacutem do ponto de vista eacutetico esvaziando com isso o domiacutenio da eacutetica Para a existecircncia da esfera eacutetica faz-se necessaacuterio portanto que haja a possibilidade de o mundo comportar a contingecircncia faz-se necessaacuterio que as coisas no mundo possam ser de um modo ou de outro assim como pode ser possiacutevel a algueacutem se deslocar para um lado ou para outro ou mesmo ficar parado deslocar-se com maior ou menor velocidade com um ou com outro meio de deslocamento Eacute na contingecircncia do mundo que o homem pode agir eacute nele que seraacute aberto o domiacutenio para a esfera eacutetica em Aristoacuteteles

Uma vez que eacute na contingecircncia do mundo que o agente moral pode agir nela a razatildeo ca-paz de fazer ciecircncia a razatildeo cientiacutefica (a qual a partir de princiacutepios invariaacuteveis infere regras leis naturais produzindo conhecimento acerca do mundo) eacute impotente para a determinaccedilatildeo de como agir Como em Aristoacuteteles o agente moral natildeo tem mais as Ideacuteias (dos diaacutelogos de Platatildeo) para o orientarem sobre como agir bem e o agente precisa detectar qual a melhor accedilatildeo em cada caso particular entatildeo natildeo seraacute a razatildeo cientiacutefica que lhe conferiraacute tal capacidade de escolha Aristoacuteteles iraacute propor um outro tipo de racionalidade uma razatildeo praacutetica delibera-tiva calculativa responsaacutevel natildeo pela produccedilatildeo do conhecimento (como o da Metafiacutesica ou

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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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tema 2ficha sumaacuterio bibliografia

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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tema 4ficha sumaacuterio bibliografia

que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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das Matemaacuteticas) mas por calcular na contingecircncia do mundo qual a melhor accedilatildeo dentre as accedilotildees possiacuteveis responsaacutevel por calcular quais accedilotildees devem ser executadas para se atingir um determinado fim

Pensar em como agir de um determinado modo para atingir um fim eacute proacuteprio agrave eacutetica aristo-teacutelica a qual eacute teleoloacutegica finalista ou seja nela o agente moral age em funccedilatildeo de fins e jamais aleatoriamente Jaacute na abertura da EN Aristoacuteteles sustenta que toda accedilatildeo e toda escolha visam um certo fim Esse fim como afirma o Estagirita a seguir eacute um bem Esse fim esse bem eacute aquilo que o agente moral busca ao agir Para Aristoacuteteles todos buscam o bem para si a felici-dade Todas as accedilotildees do agente moral visam a promoccedilatildeo da maior quantidade de bem-estar do agente Essa felicidade buscada natildeo se confunde com o uso que fazemos de felicidade quando dizemos que estamos felizes porque conseguimos rever alguma pessoa de quem gostamos e que natildeo viacuteamos haacute muito tempo ou quando alguma outra coisa boa acontece conosco

A felicidade em Aristoacuteteles eacute algo que se consegue com uma vida toda com uma vida vir-tuosa A felicidade portanto natildeo eacute obra do acaso mas pode ser alcanccedilada com um bom caacutelculo das accedilotildees a serem realizadas Em raacutepidas palavras a eacutetica aristoteacutelica tem como fim possibilitar a cada agente moral a felicidade a qual eacute alcanccedilaacutevel mediante uma vida virtuosa Nesse sen-tido a busca pelas accedilotildees virtuosas se faz necessaacuteria Aristoacuteteles se volta entatildeo para saber quais accedilotildees poderiam ser tomadas como virtuosas e mais do que isso como o agente moral pode agir virtuosamente natildeo ficando sujeito ao acaso ou aos seus impulsos que natildeo conduziriam a accedilotildees virtuosas portanto a uma vida virtuosa condiccedilatildeo necessaacuteria para uma vida feliz

Se como visto a razatildeo praacutetica calculativa apresenta-se como condiccedilatildeo necessaacuteria para a accedilatildeo moralmente boa ela se apresenta necessaacuteria para se detectar qual accedilatildeo atende a um justo-meio fazendo com que a accedilatildeo seja virtuosa (tornando a nossa vida natildeo entregue ao acaso) por outro lado a razatildeo por si soacute natildeo eacute capaz de engendrar accedilotildees Por mais que a razatildeo seja habilidosa no caacutelculo de qual accedilatildeo executar esta jamais eacute executada se natildeo for motivada por um desejo Nesse sentido o desejo se converte em moacutevel das accedilotildees Em Aristoacuteteles as accedilotildees podem ser motivadas repentinamente sem caacutelculo preacutevio apenas atendendo a impulsos Mas tais accedilotildees seriam de certo modo similares agraves accedilotildees dos animais racionais elas natildeo teriam a razatildeo praacutetica como guia dificilmente conduzindo o agente (se ele agisse sempre por impulso) a uma vida virtuosa feliz

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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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A razatildeo praacutetica e os desejos satildeo necessaacuterios para as boas accedilotildees que poderatildeo conduzir agrave vida feliz A escolha em Aristoacuteteles consiste justamente na operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo com a razatildeo praacutetica de certo modo orientando o desejo e este principiando a accedilatildeo Como visto a possibilidade de responsabilizar algueacutem pelas suas accedilotildees (instaurando o universo eacutetico) soacute se daacute quando haacute para o agente a capacidade de escolher como agir ante a possibili-dade de duas ou mais accedilotildees A possibilidade de operaccedilatildeo conjunta entre razatildeo praacutetica e desejo portanto assegura o domiacutenio eacutetico em Aristoacuteteles Grande parte do esforccedilo do Estagirita passa a ser entatildeo o de estudar como ambas as faculdades operam no engendramento de uma accedilatildeo

Aristoacuteteles natildeo aceita a sugestatildeo apresentada nos diaacutelogos de Platatildeo segundo a qual soacute age mal quem desconhece como agir bem como se o conhecimento acerca do bem levasse neces-sariamente agrave praacutetica das boas accedilotildees No modelo aristoteacutelico ainda que a razatildeo praacutetica possa orientar os desejos do agente moral ela natildeo eacute senhora dos desejos Aristoacuteteles atribui aos de-sejos humanos a possibilidade de natildeo atender ao que determina a razatildeo Em sua visatildeo o con-hecimento acerca do bem da virtude de como algueacutem deve agir em determinado momento natildeo assegura a accedilatildeo segundo tal conhecimento Eacute possiacutevel o agente saber com certo grau de precisatildeo o que deve fazer para agir bem e ainda assim ter o impulso de agir contrariando o que prescreve a razatildeo O saber como agir bem pela razatildeo natildeo confere necessariamente a capacidade de controle dos impulsos do agente moral

Para que o agente moral consiga controlar e bem direcionar os seus impulsos segundo o que prescreve uma razatildeo praacutetica bem cultivada eacute preciso um longo processo educativo atraveacutes do haacutebito (ethos) O termo ldquoeacuteticardquo eacute derivado de ethos (haacutebito) No modelo aristoteacutelico o processo educativo atraveacutes do haacutebito assume papel de extrema relevacircncia Eacute atraveacutes do haacutebito que uma certa disposiccedilatildeo (talvez um termo moderno proacuteximo do que Aristoacuteteles entende por disposiccedilatildeo ndash hexis ndash seja caraacuteter) vai sendo formada Se o agente moral adquire o haacutebito (por exemplo agir moralmente bem) na medida em que as accedilotildees vatildeo se repetindo vatildeo se tornando habituais e a disposiccedilatildeo para agir segundo esse tipo de accedilotildees vai se solidificando Um agente que vai gradativamente sendo educado a natildeo jogar papel no chatildeo vai gradativamente solidi-ficando a sua disposiccedilatildeo (que vai se convertendo em haacutebito) para natildeo jogar papel no chatildeo Na medida em que a sua disposiccedilatildeo para natildeo jogar papel no chatildeo vai se solidificando tal agente teraacute cada vez mais o desejo de natildeo jogar o papel no chatildeo Como o desejo eacute o moacutevel da accedilatildeo o

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isciplina 02TEMAS

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tema 2ficha sumaacuterio bibliografia

agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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tema 3ficha sumaacuterio bibliografia

3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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agente tendo o desejo de natildeo jogar papel no chatildeo e a sua razatildeo orientando-o a natildeo fazecirc-lo a calcular o que eacute necessaacuterio para natildeo jogar o papel no chatildeo eacute de se esperar que o agente acabe por adquirir o haacutebito de natildeo jogaacute-lo

O processo educativo eacutetico em Aristoacuteteles natildeo deveraacute ser feito (como parece ser sugerido em certa medida nos diaacutelogos de Platatildeo) exclusivamente pela instruccedilatildeo da razatildeo Em Aris-toacuteteles natildeo eacute suficiente instruir a razatildeo calculativa do agente pois se ele tiver o desejo de agir de certo modo e a razatildeo o orienta a agir de modo contraacuterio dependendo da disposiccedilatildeo que o agente tiver ele atenderaacute agrave inclinaccedilatildeo do desejo e natildeo seguiraacute a orientaccedilatildeo da razatildeo A educa-ccedilatildeo eacutetica aristoteacutelica entatildeo pressupotildee a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente educaccedilatildeo essa que quando moralmente boa possibilita o desejo do agente de se inclinar normalmente para as boas accedilotildees possibilitando ao agente uma vida virtuosa criando a possibilidade de ele viver fe-liz felicidade essa que eacute o que visa a eacutetica aristoteacutelica Nesse sentido a educaccedilatildeo da disposiccedilatildeo do agente torna-se condiccedilatildeo necessaacuteria para que ele consiga atingir o seu fim do ponto de vista eacutetico Tambeacutem quanto agrave educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de uma boa disposiccedilatildeo o modelo eacutetico aristoteacutelico difere do modelo platocircnico e de outros modelos eacuteticos

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
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3 Sobre a Conduta Moral Parte I

Preliminares

A moral tem a ver com as ideacuteias de bem e de mal mas natildeo no sentido amplo em que tudo o que eacute desejaacutevel (por exemplo a sauacutede) eacute um bem e tudo o que eacute indesejaacutevel (por exemplo a doenccedila) eacute um mal Trata-se antes de um sentido bem mais restrito em que o bem vem a ser o benefiacutecio que proporcionamos agraves outras pessoas (crianccedilas jovens ou adultos) ao agir por forccedila de obrigaccedilotildees de deveres que reconhecemos ter para com elas e o mal vem a ser malefiacutecio que causamos a elas ao descumprirmos essas obrigaccedilotildees

Frequumlentemente falamos em eacutetica como um sinocircnimo de moral Eacute nesse sentido que se fala por exemplo em eacutetica na poliacutetica em comissatildeo de eacutetica etc Assim quando dizemos que a conduta de um poliacutetico de um profissional foi antieacutetica queremos com isso dizer que ela foi contraacuteria agrave moral que ela foi moralmente errada Usarei aqui esses dois termos como sinocircni-mos um do outro

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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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Observemos que haacute uma estreita e importante relaccedilatildeo entre moral e direito De fato as leis juriacutedicas sobretudo no campo do direito penal mdash que eacute o que lida com o crime mdash procuram exprimir aquilo que a sociedade ou os legisladores julgam que eacute moralmente correto nesse terreno portanto podemos dizer que uma proibiccedilatildeo legal (por exemplo aquela que incide sobre o homiciacutedio ou sobre o estupro) exprime uma proibiccedilatildeo que eacute aquela de natildeo matar natildeo estuprar Mas a despeito dessa relaccedilatildeo estreita moral e direito satildeo coisas diferentes e eacute impor-tante que se tenha presente essa diferenccedila pois muitas coisas que estatildeo dentro da moral estatildeo fora do direito Se algueacutem trai a confianccedila de um amigo de um modo chocante e injustificado noacutes diremos que ele fez algo eacutetica ou moralmente errado Mas ningueacutem de noacutes vai dizer que a conduta foi ilegal isto eacute contra a lei Assim como nesse exemplo haacute muitas outras condutas que satildeo reguladas pela moral e que natildeo satildeo objetos do direito Podemos dizer que ao contraacuterio das obrigaccedilotildees e normas legais que satildeo inscritas formalmente no corpo da lei as obrigaccedilotildees e normas morais satildeo ldquoinscritasrdquo informalmente no tecido de nossas relaccedilotildees sociais

Assim a moral eacute inseparaacutevel da vida social Por que isso As pessoas que satildeo direta ou in-diretamente afetadas por nossos comportamentos poderatildeo ser prejudicadas por alguns desses comportamentos Se vocecirc sempre busca a satisfaccedilatildeo de seus interesses individuais sem levar em consideraccedilatildeo as adversidades ou prejuiacutezos que essa sua busca inflige nas outras pessoas com as quais vocecirc se relaciona seja no ciacuterculo familiar seja no profissional seja em qualquer outro vocecirc estaraacute agindo de um modo eticamente errado para com elas Portanto eacute necessaacuterio traccedilar uma linha que separe os interesses individuais que todos podemos buscar daqueles que satildeo proibidos Esta linha existe e natildeo pode deixar de existir na vida social embora natildeo seja sempre faacutecil dizer por onde ela passa exatamente Por outro lado se imaginarmos um mundo mdash ir-real ndash em que vocecirc natildeo se relacionasse nem direta nem indiretamente com nenhuma pessoa entatildeo vocecirc natildeo seria capaz de praticar nem o mal nem o bem a distinccedilatildeo entre o bem e o mal morais natildeo existiria o que mostra que a moralidade pressupotildee a existecircncia de relaccedilotildees entre as pessoas

Outro fato notaacutevel a respeito da moral eacute sua universalidade Ou seja ele faz parte de qual-quer tipo de sociedade humana e natildeo haacute nenhuma pessoa que pretenda estar fora de sua juris-diccedilatildeo Queremos com isso dizer que por mais que haja divergecircncia entre as pessoas a respeito do que eacute moralmente certo e do que eacute moralmente errado ningueacutem pretende estar ldquofora ou acima do bem e do malrdquo Mas mesmo nas facccedilotildees criminosas no mundo do crime organizado

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no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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tema 3ficha sumaacuterio bibliografia

no universo de uma grande penitenciaacuteria os criminosos ou sentenciados tecircm suas normas proacuteprias do certo e do errado bem como medidas de puniccedilatildeo previstas para a transgressatildeo dessas normas

31 A Dimensatildeo Moral

Os indiviacuteduos mantecircm uns com os outros e com grupos e instituiccedilotildees vaacuterios tipos de rela-cionamento Um desses tipos eacute aquele formado pelo que chamamos de relaccedilotildees morais O con-junto dessas relaccedilotildees morais numa sociedade constitui aquilo que vamos chamar de dimensatildeo moral da vida social Para chegar a uma compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social vamos tratar de entender o que haacute de proacuteprio no tecido das relaccedilotildees morais que ligam as pessoas umas com as outras

Perguntemos-nos entatildeo que relaccedilotildees satildeo essas exatamente Para responder eacute esclarecedor pensar como elas diferem de outros tipos de relaccedilotildees as natildeo-morais Como exemplos de rela-ccedilotildees natildeo-morais pensemos na amizade na descendecircncia e na maternidade Dizemos que ser-amigo-de eacute uma relaccedilatildeo social jaacute que envolve mais do que uma pessoa e se desenvolve durante nossa vida por outro lado ser-descendente-de eacute uma relaccedilatildeo bioloacutegica e natildeo social Por uacuteltimo ser-matildee-de mdash natildeo apenas no sentido de ter dado agrave luz mas tambeacutem de cuidar do filho mdash eacute uma relaccedilatildeo ao mesmo tempo bioloacutegica e social

Pois bem Nenhuma dessas trecircs relaccedilotildees eacute intrinsecamente uma relaccedilatildeo moral (embora a primeira e a uacuteltima se relacionem com a moral) natildeo faz parte da definiccedilatildeo mais essencial delas um compromisso muacutetuo de obrigaccedilotildees que o rompimento leve a acusaccedilotildees ou a condenaccedilotildees

E quanto agraves relaccedilotildees morais qual seria sua marca distintiva Podemos caracterizaacute-la do se-guinte modo Vamos pensar numa certa aacuterea da vida social aquela definida pelo entrelaccedilamen-to e combinaccedilatildeo (1) das exigecircncias morais que as pessoas fazem umas agraves outras por exemplo a exigecircncia de respeito de consideraccedilatildeo de ser tratado ldquocomo pessoa e natildeo como objetordquo etc (2) das expectativas morais isto eacute as expectativas de que as outras pessoas cumpram aquelas exigecircncias ou seja nos respeitem nos tratem com consideraccedilatildeo etc (3) dos sentimentos morais como os sentimentos de gratidatildeo de ressentimento de indignaccedilatildeo de culpa de auto-respeito etc que brotam em noacutes como consequumlecircncia das expectativas a serem cumpridas ou descump-ridas e (4) das atitudes morais nas quais aqueles sentimentos se manifestam por exemplo ati-

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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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tudes de culpar condenar louvar bem como algumas reaccedilotildees de agressatildeo Vou utilizar o termo conduta moral para designar o entrelaccedilamento desses quatro elementos

De fato as pessoas vivendo em sociedade tecircm a expectativa de serem tratadas pelas outras de um modo eticamente adequado portanto com respeito justiccedila dignidade Eacute faacutecil ver que essas expectativas provecircm das exigecircncias morais que regulam nossa vida social e que satildeo funda-mentais Quando uma expectativa nossa eacute frustrada mdash isto eacute quando a outra pessoa natildeo agiu do modo eticamente adequado ou esperado mdash entatildeo a exigecircncia moral foi descumprida pela outra pessoa E por se tratar de uma exigecircncia e natildeo de um favor sentimo-nos no direito de reclamar de cobrar da outra pessoa de condenaacute-la ou de exigir desculpas ou reparaccedilatildeo isto eacute de adotar alguma atitude moral ldquopunitivardquo contra ela

As atitudes de condenaccedilatildeo e puniccedilatildeo satildeo elementos centrais de nossa vida moral O fato eacute que todos noacutes sem exceccedilatildeo sentimo-nos no direito de pronunciar condenaccedilotildees morais contra os outros Uma questatildeo fundamental da filosofia moral eacute entatildeo a seguinte em que eacute que se fundamenta esse direito O que autoriza uma pessoa a condenar outra Natildeo vale responder apenas ldquoeacute o fato de essa ter cometido um mal contra a primeirardquo pois nossa pergunta eacute mais geral e mais fundamental o que justifica que eu inflija uma puniccedilatildeo moral sobre uma pessoa que fez um mal para mim Bem uma resposta que parece satisfatoacuteria e que tem sido dada por vaacuterios filoacutesofos eacute eu tenho esse direito porque se essa pessoa tivesse feito isso comigo eu reconheceria nela o direito de me condenar de me punir e aceitaria essa condenaccedilatildeo como merecida Tudo se passa entatildeo como se existisse um ldquocombinadordquo um acordo um contrato entre essa pessoa e mim estabelecendo que determinadas condutas de um em relaccedilatildeo ao outro ficam proibidas condutas que nem eu nem ela podemos praticar sob pena de sofrermos as consequumlecircncias desagradaacuteveis de sermos condenados punidos hostilizados

Vemos desse modo que as ideacuteias de proibiccedilatildeo de direito de dever de condenaccedilatildeo de puniccedilatildeo satildeo centrais na eacutetica na moral

Uma ideacuteia determinante do tratamento que estamos defendendo eacute a de que a estrutura em questatildeo eacute a realidade baacutesica que devemos primeiro estudar Dentro da aacuterea extralegal da aprovaccedilatildeo e desaprovaccedilatildeo morais a anaacutelise filosoacutefica do discurso moral ndash isto eacute aquela que esmiuacuteccedila o conceito de liberdade responsabilidade ndash viria em segundo lugar as atitudes verbais e natildeo verbais satildeo o que importa inicialmente Os atos individuais e particulares de culpar de

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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
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condenar de exprimir raiva gratidatildeo aprovaccedilatildeo etc satildeo a realidade baacutesica com a qual comeccedilar Eles satildeo um objeto mais seguro para o iniacutecio da investigaccedilatildeo porque eles ocorrem diante de nossos olhos nas relaccedilotildees sociais publicamente observaacuteveis do cotidiano

Com respeito agrave proibiccedilatildeo levantemos agora a seguinte questatildeo por que tem de ser assim Por que a proibiccedilatildeo eacute ou tem de ser central na moral Seraacute que natildeo poderiacuteamos ter uma eacutetica uma moral sem proibiccedilotildees

Natildeo infelizmente natildeo eacute possiacutevel Com efeito toda conduta vista como moralmente errada aparece sempre na forma de uma conduta proibida vejamos por quecirc Eacute parte integrante da conduta proibida ser objeto de ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo haacute sentido em proibir algo sem associar uma ameaccedila de puniccedilatildeo agrave praacutetica desse algo Mas vamos pensar aqui natildeo apenas na puniccedilatildeo legal e institucionalizada mas tambeacutem nas condutas punitivas adotadas nas relaccedilotildees interpes-soais seja nas dos pais com os filhos seja nas de adultos entre si Exemplos dessas condutas satildeo pocircr de castigo ficar bravo com a pessoa romper relaccedilotildees com ela espalhar que ela eacute um mau caraacuteter que fez uma coisa horriacutevel para vocecirc desacreditar publicamente a pessoa agredi-la fisicamente dando agrave agressatildeo o sentido de revide contra o mal praticado por ela participar do linchamento do perpetrador de um crime particularmente hediondo e revoltante como eacute o estuproassassinato etc Todas essas condutas tecircm em comum o fato de infligir uma situaccedilatildeo desagradaacutevel adversa sobre o praticante da accedilatildeo moralmente incorreta Elas podem ser con-sideradas como puniccedilotildees morais em analogia com a ideacuteia de puniccedilatildeo no acircmbito legal

Bem mas a seguinte pergunta ainda natildeo foi respondida por que tem de haver proibiccedilatildeo E com ela a ameaccedila de puniccedilatildeo Pelo seguinte todos noacutes precisamos que a conduta moralmente incorreta seja proibida isto eacute necessitamos da ameaccedila de puniccedilatildeo ainda que dirigida poten-cialmente contra noacutes para que natildeo incorramos na conduta errada E mesmo quando nenhuma puniccedilatildeo alheia arme seu bote contra uma possiacutevel conduta incorreta nossa ainda assim deveraacute estar presente a puniccedilatildeo infligiacutevel em noacutes por noacutes mesmos na forma do sentimento de culpa (ou consciecircncia pesada) Ou seja precisamos da ameaccedila de puniccedilatildeo para natildeo agirmos de modo errado

Mas vocecirc pode continuar insistindo e por que as coisas satildeo assim O que faz com que seja verdade que precisemos dessa ameaccedila para agir corretamente E esta eacute uma pergunta muito boa cujo exame vai nos levar mais fundo na compreensatildeo da eacutetica Uma resposta (ainda que

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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
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parcial) para essa pergunta eacute a seguinte aquilo que chamamos de eticamente errado nunca eacute algo a que somos indiferentes Muito pelo contraacuterio eacute sempre algo que em si mesmo eacute bom natildeo moralmente bom eacute claro mas bom no sentido de ser ou vantajoso ou lucrativo ou gostoso ou atraente ou sedutor etc Em outras palavras aquilo que chamamos de mal moral eacute sempre e como que por natureza feito de tentaccedilotildees Assim sendo o refrear-se e natildeo fazer a coisa errada constitui sempre uma frustraccedilatildeo de desejos uma renuacutencia ao tentador ao atraente e eacute portanto sempre em parte desagradaacutevel Dito de outra forma a praacutetica do mal mdash dessa coisa que nos proibimos e censuramos nos outros mdash eacute intrinsecamente ou atraente ou gostosa ou excitante ou estimulante ou colorida ou rendosa ou vantajosa isto e eacute em si mesma boa nesse sentido amplo da palavra ldquoboardquo Na verdade se o que consideramos mal moral natildeo tivesse nenhuma dessas qualidades desejaacuteveis natildeo seria necessaacuterio termos normas ou mandamentos que di-gam ldquoNatildeo faccedila isso natildeo faccedila aquilordquo jaacute que em se tratando de algo sem nenhuma qualidade desejaacutevel ningueacutem iria querer fazecirc-lo Qualquer visatildeo moral prudente que natildeo se limite a de declaraccedilotildees de princiacutepios e exortaccedilotildees de normas de conduta e que ambicione ser de fato posta em praacutetica para promover eficazmente o bem comum tem de comeccedilar por reconhecer a verdade da proposiccedilatildeo acima E isso eacute tanto melhor pois quanto mais conhecemos os ardis do inimigo tanto mais podemos nos proteger dele E o inimigo neste caso natildeo estaacute fora de noacutes mas sim em noacutes na nossa capacidade de desejarmos as coisas de nos sentirmos atraiacutedos por pessoas e coisas em nossa sujeiccedilatildeo agraves tentaccedilotildees de buscar essas pessoas e coisas atraentes

32 Contrato e Conduta Moral

As situaccedilotildees em que as pessoas exigem determinadas coisas uma das outras satildeo caracteristi-camente aquelas em que se pode dizer que um acordo reciacuteproco foi previamente estabelecido ainda que de modo impliacutecito Um acordo ou para empregar o termo mais apropriado um contrato reciacuteproco Podemos talvez interpretar as exigecircncias morais como algo que eacute insti-tuiacutedo tendo-se como pano de fundo um contrato taacutecito ou expresso um contrato que diremos moral Exigecircncias fazem sentido somente dentro da vigecircncia de um contrato e as ofensas morais seriam entatildeo descritas como comportamentos que constituem um rompimento uma violaccedilatildeo das condiccedilotildees postas por um certo tipo de contrato A violaccedilatildeo de condiccedilotildees contrata-das por sua vez seria entatildeo vista como algo que pode fazer nascer naturalmente sentimentos hostis para com o ofensor e que aleacutem do mais justifica a expressatildeo desses sentimentos nos

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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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vaacuterios tipos de atitudes de punir Embora este seja um esboccedilo muito incompleto de uma linha de explicaccedilatildeo das atitudes morais ele parece suficiente como sugestatildeo de uma possibilidade de se construir uma teoria da responsabilidade e puniccedilatildeo morais no quadro de uma reflexatildeo sobre os sentimentos morais Como se sabe o contratualismo em eacutetica tem uma linha respeitaacutevel de proponentes na filosofia moderna a qual inclui John Locke Jean-Jacques Rousseau Imman-uel Kant entre outros e tambeacutem na cena contemporacircnea sendo que o norte-americano John Rawls eacute o mais eminente nome dos anos 1970 ateacute a atualidade Em consequumlecircncia disso existe uma literatura substancial de inspiraccedilatildeo contratualista a que se pode recorrer com o fim de se construir uma teoria correspondente dos fundamentos da conduta moral Haacute uma afirmaccedilatildeo de Peter Strawson filoacutesofo inglecircs contemporacircneo na qual esclarecedoramente ele identifica a feitura da exigecircncia moral com a disposiccedilatildeo para adotar as atitudes morais Seu pensamento pode ser interpretado como contendo a sugestatildeo de uma explicaccedilatildeo de tipo contratualista dos sentimentos e atitudes morais e pode desse modo ser relacionado com a tradiccedilatildeo filosoacutefica referida acima

A dimensatildeo da expressatildeo dos sentimentos de ressentimento gratidatildeo etc eacute de fato central para a natureza social do homem e ela o eacute a tal ponto que noacutes parecemos ateacute mesmo carecer do poder de optar entre reter ou abandonar esta dimensatildeo

Quando atribuiacutemos a algueacutem um desses sentimentos noacutes o fazemos sempre com base em alguma atitude que a pessoa tem de manifestar o sentimento em questatildeo Na ordem do conhecimento da conduta moral portanto o que se apresenta em primeiro lugar aos olhos do observador satildeo as atitudes Aleacutem do mais elas satildeo algo que tem a natureza de ocorrecircncias que podem ser vistas por um observador Elas satildeo mais ainda publicamente observaacuteveis isto eacute a respeito delas eacute possiacutevel ter-se sem grande dificuldade um acordo intersubjetivo por parte de diferentes observadores a respeito da ocorrecircncia delas da relativa intensidade dos sentimentos que elas servem para exprimir e dos efeitos que elas produzem nas outras pessoas Isto tudo faz portanto com que elas constituam um adequado ponto de partida epistemoloacutegico uma teoria da conduta moral deve consequentemente tomar a forma inicial de um estudo das atitudes morais

Disse mais atraacutes que a questatildeo de por que adotamos as atitudes morais nos casos em que o fazemos eacute uma questatildeo central da teoria dos sentimentos morais Essas atitudes quando satildeo

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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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de hostilidade satildeo de fato como ensina Peter Strawson os correlatos das exigecircncias morais nos casos em que se sente que estas uacuteltimas foram descumpridas Entendo que o insight con-tido nesta sugestatildeo eacute muito precioso e ele convida o estudioso a dar um passo adiante o qual natildeo eacute dado por Strawson que consiste em tentar saber qual eacute a natureza exata dessas exigecircncias e quais satildeo os elementos mdash isto eacute crenccedilas emoccedilotildees expectativas mdash que estatildeo centralmente envolvidos nelas ou subjacentes a elas

Uma das raiacutezes do contraste entre natildeo manifestarmos por exemplo indignaccedilatildeo para com pessoas mentalmente perturbadas e manifestarmo-las para com pessoas normais reside no fato de que no primeiro caso noacutes natildeo fazemos mdash porque natildeo teria sentido fazecirc-las mdash as exigecircn-cias de consideraccedilatildeo de boa-vontade etc que fazemos no segundo caso Portanto podemos num primeiro momento convenientemente pensar essas exigecircncias mdash ou mais exatamente a dimensatildeo da exigecircncia de consideraccedilatildeo mdash como sendo a fonte ou se se prefere como sendo uma condiccedilatildeo necessaacuteria que precisa existir previamente para que os sentimentos emerjam e as relaccedilotildees tenham lugar Inspecionemos entatildeo aquilo que estaacute envolvido nesta exigecircncia de consideraccedilatildeo em particular as crenccedilas que estariam envolvidas aiacute Estatildeo certamente presentes

bull A crenccedila de que eacute razoaacutevel e plenamente justificado entender como princiacutepio

geral que toda e qualquer pessoa vivendo em sociedade tenha o direito agrave consid-

eraccedilatildeo ao respeito agrave boa-vontade por parte das outras

bull A crenccedila de que o agente que eacute justificadamente objeto por exemplo do culpar

ou da condenaccedilatildeo eacute perfeitamente capaz de enxergar que a crenccedila enunciada no

item (a) eacute aceitaacutevel e que a accedilatildeo pela qual ele estaacute sendo culpado eacute uma instacircncia

de violaccedilatildeo do direito referido acima

bull A crenccedila partilhada por todos inclusive pelo ofensor de que este eacute capaz de al-

terar sua conduta em ocasiotildees futuras do mesmo tipo noutras palavras a crenccedila

de que nossas reais atitudes de culpar ou condenar nas quais nossos sentimentos

de ressentimento de indignaccedilatildeo de raiva etc satildeo exprimidos podem afetar o

comportamento futuro do ofensor

Tentemos enxergar um pouco mais fundo nessa aacuterea das exigecircncias morais Uma questatildeo

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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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baacutesica que eacute inevitaacutevel levantar-se a respeito delas eacute a seguinte quais seriam as condiccedilotildees que datildeo nascimento a essas exigecircncias ou que as fundamParece que a legitimidade de uma exigecircncia quando ela existe proveacutem toda ela da legitimidade de um direito previamente es-tabelecido soacute posso validamente exigir X se tenho direito a X Com isso somos remetidos agrave questatildeo seguinte quais satildeo os elementos necessaacuterios e em seu conjunto suficientes para que um direito se qualifique do ponto de vista moral como um direito legiacutetimo A contrapartida do direito eacute naturalmente a obrigaccedilatildeo ou o dever se tenho direito a X as outras pessoas tecircm o dever de respeitar esse direito meu a X Eacute na aacuterea juriacutedica naturalmente que vamos encon-trar e em abundacircncia o discurso dos direitos e deveres e aiacute eles satildeo instituiacutedos por meio do contrato juriacutedico Este por sua vez eacute uma forma particular de uso da linguagem Os usos da linguagem foram penetrantemente estudados entre outros pelo filoacutesofo inglecircs John L Aus-tin (principalmente nos anos 50) e sua intuiccedilatildeo a respeito do que ele chamou de ldquosentenccedila performativardquo eacute interessante lembrar aqui O uso performativo da linguagem eacute aquele que se caracteriza pelo seguinte fato a emissatildeo da elocuccedilatildeo performativa (a qual tem a aparecircncia de uma sentenccedila descritiva como por exemplo ldquoX tem direitosrdquo) eacute na verdade a execuccedilatildeo da accedilatildeo ou a produccedilatildeo do estado de coisas que a sentenccedila em questatildeo aparentemente descreve Com efeito ldquoX tem direito a Yrdquo por exemplo no uso performativo eacute uma elocuccedilatildeo com a qual o falante produz o estado de coisas de X ter ou passar a ter direito a Y Ou seja esta elocuccedilatildeo (emitida por algueacutem investido da necessaacuteria autoridade) instaura nascer o direito em questatildeo Pois bem Passando do domiacutenio juriacutedico para o domiacutenio exclusivamente moral podemos dizer que o discurso moral mdash ou melhor uma parte dele que eacute aquela que geraria e fundaria enti-dades e relaccedilotildees morais mdash cria direitos e deveres morais onde antes natildeo havia nem uns nem outros Permanecendo na analogia com a lei na qual direitos e deveres fazem sentido dentro de um contrato diremos que o fundamento ou parte do fundamento da exigecircncia moral eacute um preacutevio contrato (de natureza) moral que cria direitos e deveres morais

Tendo chegado a esse ponto temos de admitir que com esta sugestatildeo natildeo apenas re-solvemos muito pouco mais ainda criamos para noacutes mesmos vaacuterios problemas Com efeito a Histoacuteria da filosofia natildeo deixa duacutevidas de que indo por esses caminhos estamos pisando num terreno cheio de controveacutersia Para cada nova tentativa de propor alguma versatildeo original do contratualismo por exemplo a relativamente recente tentativa de John Rawls em Uma Teoria da Justiccedila [A Theory of Justice] de 1971 segue-se uma teoria que conflita e polemiza com ela por exemplo a visatildeo de Robert Nozick em Anarchy State and Utopia [Anarquia Estado e Uto-

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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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pia] de 1974 que se encarrega de manter consideraacutevel o grau de divergecircncia entre os criteacuterios agrave luz dos quais se haacute de especificar as lsquoclaacuteusulasrsquo baacutesicas desse contrato Um outro problema eacute uma possiacutevel objeccedilatildeo que se pode fazer contra a procedecircncia da analogia com a situaccedilatildeo ju-riacutedica nesta uacuteltima o contrato eacute tatildeo concreto e fatual quanto um trecho de discurso enquanto que na situaccedilatildeo moral natildeo haacute do ponto de vista fatual ou histoacuterico contrato algum nem eacute possiacutevel escrevecirc-lo a partir dos costumes praticados numa comunidade no que respeita ao re-lacionamento entre as pessoas jaacute que eles satildeo muitas vezes inconsistentes uns com os outros de modo que caberia perguntar que espeacutecie de entidade eacute esse suposto contrato moral Um dos elementos que validam o contrato juriacutedico eacute o assentimento das partes contratantes mani-festado expressamente por escrito e registrado em cartoacuterio ora onde encontrar assentimento dos membros da comunidade a um contrato moral admitindo que este possa ser satisfatoria-mente redigido

Seja como for pode-se dar como virtualmente certo que aquilo que daacute nascimento e funda a exigecircncia moral eacute uma condiccedilatildeo de natureza praacutetica mdash portanto vinculada agrave organizaccedilatildeo da conduta individual e social mdash e natildeo de natureza teoacuterico-cognitiva De fato esteja ou natildeo a or-ganizaccedilatildeo em pauta espelhada em suas linhas mais gerais e baacutesicas numa espeacutecie de contrato moral o certo eacute que ela vai incluir no essencial estipulaccedilotildees que visam entre outras coisas garantir a prevalecircncia de um certo nuacutemero de condiccedilotildees algumas das quais oacutebvias como a sobrevivecircncia da espeacutecie e a existecircncia de um miacutenimo de harmonia social que exclua um estado de beligeracircncia generalizado e crocircnico e outras que visam a fazer funcionar a sociedade Ou seja o que eacute essencial aqui pode ser descrito mediante o uso de categorias praacuteticas como fins a serem atingidos e estado-de-coisas sociais que se quer implantar

As consideraccedilotildees acima pertencem ao grupo das questotildees mais gerais que teriam que ser estudadas por uma teoria mais acabada da conduta moral Haacute por outro lado um grupo de questotildees mais particulares as quais seria tambeacutem necessaacuterio tentar responder Limito-me aqui apenas a apontaacute-las Como jaacute foi dito mais atraacutes a expressatildeo das atitudes estaacute sujeita a um grau consideraacutevel de variaccedilatildeo de indiviacuteduo para indiviacuteduo Estas variaccedilotildees dependem de diversos fatores um dos quais diz respeito ao temperamento e ao caraacuteter individual da pessoa que faz a avaliaccedilatildeo moral de uma conduta e um outro envolve a natureza da relaccedilatildeo dele com o agente cuja conduta eacute objeto da avaliaccedilatildeo Sabemos que o grau em que algueacutem estaacute disposto por exemplo a desculpar as pessoas depende em muitos casos de condiccedilotildees extra-morais como

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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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amizade afeiccedilatildeo simpatia admiraccedilatildeo Nesses casos seria falso dizer que esse algueacutem sabe que o agente eacute responsaacutevel pelo mal que ele merece ser culpado e punido mas natildeo obstante isso deixa por causa de sua afeiccedilatildeo etc de responsabilizaacute-lo As coisas devem se passar antes do seguinte modo por forccedila da afeiccedilatildeo esse algueacutem natildeo vecirc o agente como uma pessoa que estava (plenamente) consciente daquilo que estava fazendo ou das consequumlecircncias possiacuteveis de sua accedilatildeo Por que razatildeo as pessoas procedem assim em alguns casos e fazem o oposto em outros e por que os indiviacuteduos apresentam tal variaccedilatildeo entre si na adoccedilatildeo das atitudes morais satildeo questotildees que devem ser respondidas mdash ateacute onde podemos respondecirc-las mdash para que se tenha uma compreensatildeo mais aprofundada e mais abrangente da conduta moral

33 A natureza do culpar e do desculpar

A relaccedilatildeo entre culpa e responsabilidade eacute habitualmente pensada nos seguintes termos culpar algueacutem por alguma coisa implica em entender que esse algueacutem eacute responsaacutevel por algo que ocorreu ou que deixou de ocorrer portanto por uma situaccedilatildeo situada no passado Mas parece que este entendimento estaacute longe de esgotar as relaccedilotildees interessantes entre culpar e atribuir responsabilidade

Com efeito eacute razoaacutevel supor-se que o ato de culpar no domiacutenio moral eacute um tipo de accedilatildeo praticada em conformidade com um impulso para trazer alguma alteraccedilatildeo num certo estado de coisas global e isso por meio de uma modificaccedilatildeo do comportamento de outrem ou por meio de uma modificaccedilatildeo da condiccedilatildeo mental do proacuteprio agente (Isto estaacute relacionado com mas natildeo eacute idecircntico a a dupla desejabilidade referida acima) Se assim eacute entatildeo o culpar deve ser visto como um aspecto da conduta moral que estaacute em boa parte intrinsecamente voltado para o futuro

Por outro lado eacute de se presumir que uma pessoa se sinta culpada na medida em que ela se pensa responsaacutevel pela provocaccedilatildeo ou prevalecircncia de um certo estado de coisas e nessa medida o sentimento de culpa diz respeito ao passado Mas aqui tambeacutem haacute razatildeo para se entender que esse sentimento estaacute tambeacutem muito relacionado com o futuro a pessoa se sente ou con-tinua a se sentir culpada a menos que ela tome iniciativas no sentido da reparaccedilatildeo (futura) do mal praticado Sentir-se culpado eacute distinto de lamentar Este uacuteltimo tambeacutem se relaciona com accedilotildees passadas e pode estar ou natildeo associado com a culpa Nos casos em que ele estaacute entatildeo

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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
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o agente lamenta a accedilatildeo praticada e se ainda haacute tempo de reparar o mal entatildeo ele se sentiraacute (futuro) culpado se natildeo fizer nada na direccedilatildeo da reparaccedilatildeo Vecirc-se desse modo que o senti-mento de culpa ao mesmo tempo em que incide sobre uma accedilatildeo passada eacute alimentado por uma condiccedilatildeo voltada para o futuro

Portanto somos inclinados a pensar que culpar eacute entre outras coisas atribuir responsabili-dade por accedilotildees futuras ou pelas consequumlecircncias de accedilotildees futuras do objeto dessa atitude e que em conformidade com isso a famosa condiccedilatildeo agir-diferentemente-do-que-se-age mdash que eacute vista como central para a accedilatildeo humana livre mdash eacute voltada-para-o-futuro

Considere-se ainda a ldquoloacutegicardquo da fala ldquoDesculperdquo Ela tem o objetivo de comunicar que a accedilatildeo ofensiva foi por exemplo natildeo-intencional ou natildeo-consciente ou que se lamenta tecirc-la praticado etc A profericcedilatildeo eacute sobretudo isso um meio de fazer a outra pessoa saber da natildeo-intencionalidade etc da accedilatildeo e isso com vistas a prevenir interpretaccedilotildees errocircneas presentes ou futuras eou reaccedilotildees hostis futuras contra o agente Esta fala tem eacute verdade um conteuacutedo assertivo ndash isto eacute um conteuacutedo que seraacute verdadeiro ou falso ndash que ostensivamente incide sobre o passado (por exemplo ldquoA accedilatildeo praticada natildeo foi intencionalrdquo o que seraacute verdadeiro ou falso) mas a razatildeo de ser dela mdash aquilo que a motiva mdash eacute uma preocupaccedilatildeo com o presente e com o futuro preocupaccedilatildeo essa que eacute exprimida pelo conteuacutedo diretivo da elocuccedilatildeo ldquoDesculperdquo O conteuacutedo diretivo eacute aquele que visa natildeo a dizer a verdade mas a influenciar o comportamento do ouvinte

Portanto e resumindo a pessoa que culpa consegue o que ela quer tatildeo logo ela eacute solicitada a desculpar eou tem o prejuiacutezo reparado eou retalia eou eacute vingado etc E estas condiccedilotildees se referem ao presente e ao futuro O pedido de desculpas do ofensor e seu reconhecimento de que a queixa de outra pessoa eacute justa eacute importante para que o acusador se decirc por satisfeito e isto envolve a avaliaccedilatildeo presente de uma accedilatildeo passada como errada ou injusta

Por outro lado a ameaccedila de puniccedilatildeo legal ou moral e obviamente por sua proacutepria natureza dirigida para o futuro Sua justificaccedilatildeo decorre entre outras coisas de sua eficaacutecia em afetar o comportamento futuro das pessoas Mas ocorre que a ameaccedila de puniccedilatildeo natildeo eacute nada na aus-ecircncia de ocorrecircncias efetivas de puniccedilatildeo em situaccedilotildees que elas ocorrem portanto estas uacuteltimas precisam existir se se quer que a ameaccedila de puniccedilatildeo sirva o propoacutesito referido acima Logo no fundamento de muita puniccedilatildeo o que vamos encontrar eacute uma condiccedilatildeo prospectiva

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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

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  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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Considere-se tambeacutem o escolher ou o exerciacutecio da faculdade de escolha Ele tem igual-mente seu lugar no quadro acima e novamente deve ser visto como sendo dirigido-para-o-futuro A eficaacutecia da ameaccedila de puniccedilatildeo em impedir as pessoas de fazerem isto ou aquilo implica que elas tecircm o poder de escolher neste ou naquele momento do futuro entre fazer isto ou aquilo

Consideraccedilotildees anaacutelogas se aplicam ao perdoar Pense-se no ditado ldquoCompreender eacute per-doar tudordquo (Comprendre crsquoest tout pardonner) no contexto de uma certa postura filosoacutefica Se interpretado num sentido perfeitamente literal ele constitui uma negaccedilatildeo das atitudes morais em geral Por isso natildeo se pode dar a ele essa interpretaccedilatildeo quando agimos em conformidade com este ditado supomo-lo reescrito nos seguintes termos noacutes compreendemos e perdoa-mos mas com a condiccedilatildeo que a pessoa objeto da atitude faccedila ou escolha fazer a coisa certa na proacutexima vez Portanto embora o perdoar incida sobre uma conduta passada ele eacute dependente de uma condiccedilatildeo prospectiva

Subjacente tambeacutem agrave conformidade agraves normas morais mdash agrave praacutetica de natildeo violaacute-las mdash figura uma condiccedilatildeo tambeacutem dirigida-para-o-futuro o receio de infligimento de puniccedilatildeo ou condenaccedilatildeo

Falando em termos mais gerais diremos que no que diz respeito agrave garantia da manutenccedilatildeo de disposiccedilotildees de consideraccedilatildeo respeito boa-vontade etc deve-se colocar a ecircnfase sobre a importacircncia de ter a capacidade de desculpar-se por ter feito X de reparar o mal de sentir-se culpado etc mdash isto eacute condiccedilotildees que se referem ao futuro mdash e natildeo sobre a alegaccedilatildeo de natildeo se ter tido a capacidade de evitar a praacutetica da accedilatildeo errada X

Podemos dizer para concluir que as coisas se passam como se existisse no culpar e nas ati-tudes afins uma ambiguumlidade inerente entre passado e futuro que eacute essencial a elas para que elas desempenhem as funccedilotildees para as quais elas foram desenvolvidas

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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

Esta seccedilatildeo trata de questotildees centrais da teoria da justificaccedilatildeo da puniccedilatildeo e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas Vamos fazer um esforccedilo de compreensatildeo da dimensatildeo moral da vida social em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atraacutes Um tema central desta parte seraacute o da utilidade da manifestaccedilatildeo das atitudes mo-rais Como se sabe o conceito de utilidade eacute muito empregado em filosofia moral e tambeacutem na discussatildeo dos fundamentos da puniccedilatildeo legal Quero aqui em vez disso relacionaacute-lo com as atitudes morais nelas mesmas isto eacute independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas

De um ponto de vista amplo podemos dizer que haacute uma dupla desejabilidade na manifesta-ccedilatildeo dos sentimentos morais em quaisquer das atitudes que nos satildeo familiares

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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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Em primeiro lugar essas atitudes tecircm frequumlentemente a consequumlecircncia de afetar e influ-enciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que satildeo desejaacuteveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relaccedilatildeo Natildeo estou aqui dizendo que noacutes de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejaacuteveis Quaisquer que sejam exatamente os motivos que nos levam a essa manifestaccedilatildeo o fato eacute que ela produz resultados desejaacuteveis Pois bem De que modo se daacute a influecircncia referida acima Entre outras coisas eacute plausiacutevel supor que eacute o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violaccedilatildeo das normas morais e agraves vezes o proacuteprio ato de as terem transgredido Em outras palavras dar vazatildeo agrave revolta agrave indignaccedilatildeo ao descontentamento agrave raiva etc pode ter o efeito beneacutefico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se decirc conta da gravidade da ofensa cometida e agraves vezes da proacutepria ocorrecircncia dela E nos casos em que esse efeito eacute bem sucedido o ofensor tenderaacute a entender e aceitar a condenaccedilatildeo moral recebida Isso significa que a gravidade do erro moral eacute (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro atitude essa de castigaacute-lo de uma forma ou de outraDesse modo pode-se dizer que a condenaccedilatildeo e a puniccedilatildeo morais satildeo uma fonte importante de um tipo de autocon-hecimento que eacute o conhecimento de nosso proacuteprio comportamento eacutetico ou dos padrotildees de nosso comportamento E com isso eacute tambeacutem um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor Portanto o culpar mdash na forma de uma expressatildeo efetiva e eficaz de sentimentos de indignaccedilatildeo reprovaccedilatildeo etc mdash eacute uma ferramenta importante e mesmo necessaacuteria do conhecimento e da educaccedilatildeo morais E isso eacute verdadeiro independentemente da interpretaccedilatildeo mais moraliacutestica ou mais ldquoterapecircuticardquo que se queira dar a esse culpar Vecirc-se desse modo que no que diz respeito agrave utilidade referida acima natildeo parece haver conflito entre a visatildeo terapecircutica e a visatildeo moraliacutestica ou ldquoprincipialrdquo da adoccedilatildeo de atitudes morais

A esse respeito eacute bom observar o seguinte As pessoas frequumlentemente enveredam pelo caminho de montar para si mesmas eou para os outros justificaccedilotildees supostamente eacuteticas para oacutedios ou outras formas de hostilidade que de fato tecircm origens natildeo-morais isto eacute que satildeo geradas natildeo pela violaccedilatildeo de normas por parte do indiviacuteduo objeto da hostilidade mas por fatores meramente psicoloacutegicos integrantes do temperamento dos interesses da person-alidade delas Trata-se aiacute de casos em que um certo tipo de hostilidade eacute mascarado em outro

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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
          1. Botatildeo 11
            1. Paacutegina 3 Off
              1. Botatildeo 62
                1. Paacutegina 4 Off
                2. Paacutegina 5
                3. Paacutegina 6
                4. Paacutegina 7
                5. Paacutegina 8
                6. Paacutegina 9
                7. Paacutegina 10
                8. Paacutegina 11
                9. Paacutegina 12
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como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbaccedilatildeo interior e natildeo por um fato exterior eacute apresentada como uma reaccedilatildeo justa provocada por um comportamento alheio indevido Ora o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende eacute claro de a hostilidade ser genuinamente moral e natildeo mascarada de moralidade

Em segundo lugar a expressatildeo das atitudes e talvez especialmente do culpar e das demais reaccedilotildees hostis tem em muitos casos ou talvez sempre uma outra utilidade que eacute independen-te da primeira a saber a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por forccedila da violaccedilatildeo de normas E isto estaacute associado ao fato de as vaacuterias formas de manifestar desaprovaccedilatildeo ou hostilidade moral mdash e podemos aqui pensaacute-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral mdash fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relaccedilatildeo consigo mesmo e com o mundo Pode-se dizer que a expressatildeo de atitudes hostis nesses casos garante a ldquosobrevivecircncia moralrdquo do agente isto eacute sua condiccedilatildeo de um ser possuidor de personalidade moral

Portanto dar vazatildeo a sentimentos de ressentimento ou indignaccedilatildeo e praticar atos de conde-naccedilatildeo e puniccedilatildeo morais satildeo modos de restaurar certas condiccedilotildees umas mentais outras com-portamentais na ausecircncia das quais as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo e boas relaccedilotildees em geral seriam muito difiacuteceis ou mesmo impossiacuteveis de se estabelecerem ou de se restabelecerem uma vez rompidas Talvez a universalidade que se reconhece existir na sociedade dos homens da con-duta moral e de suas atitudes possa ser explicada em parte ao menos por esta dupla desejabi-lidade

O problema da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa o qual tem sido desde o iniacutecio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades eacute muito frequumlentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo Para que a puniccedilatildeo seja justa parece mdash pelo menos pareceu e parece a muitos mdash que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista Com efeito se nossa liberdade fosse totalmente compatiacutevel com a determinaccedilatildeo causal de nossa accedilatildeo entatildeo a accedilatildeo maacute (e a boa) jaacute estaria preacute-determinada desde sempre e natildeo seria fruto de nossa livre escolha Logo natildeo seria justo puni-la Mas ocorre que ningueacutem desde a Greacutecia antiga ateacute hoje conseguiu enunciar inteli-givelmente o que eacute essa liberdade e esse fato por si soacute faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noccedilatildeo No entanto o discurso da justiccedila da puniccedilatildeo e da recompensa parece

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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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fortemente fazer sentido ele eacute mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais Em nosso trabalho natildeo vamos enfrentar este problema espinhoso

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justiccedila da puniccedilatildeo e em geral das atitudes morais hostis (ie aquelas que tendem a resultar no infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis como sofrimento dor etc agrave pessoa objeto da atitude) a puniccedilatildeo o infligimento a algueacutem de condiccedilotildees desagradaacuteveis eacute aceitaacutevel e justificado somente se eles satildeo justos Poderiacuteamos acres-centar e eles satildeo justos somente se o agente objeto deles os merece mas isso natildeo ajuda muito uma vez que o merecimento eacute em geral entendido ou definido a partir da proacutepria noccedilatildeo de justiccedila como por exemplo nesta formulaccedilatildeo ldquoMerecer uma coisa () eacute ter agido de tal manei-ra que a obtenccedilatildeo da coisa merecida seja considerada como justardquo (LALANDE 1999 p 665)

A justiccedila eacute um dos grandes e controversos temas da filosofia Mas precisamos a esta altura ter cuidado em natildeo assumir sem mais que necessitamos primeiro de uma teoria detalhada e abrangente que nos forneccedila uma clarificaccedilatildeo filosoacutefica do conceito de justiccedila para depois ex-aminarmos em que condiccedilotildees uma puniccedilatildeo eacute justa Pode ser que seja o caso mas pode ser que natildeo Seja como for natildeo haacute como evitar a tarefa de investigar o modo como a ideacuteia de justiccedila estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo

Presumivelmente a puniccedilatildeo justa eacute aquela que eacute infligida nos casos em que uma exigecircncia moral eacute descumprida Logo precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigecircncia eacute uma accedilatildeo injusta pela qual o agente estaacute sujeito a ser justamente punido Como foi observado mais acima seria aqui importante refletir sobre a questatildeo de quais satildeo as car-acteriacutesticas de uma exigecircncia que a tornam uma exigecircncia moral vaacutelida isto eacute uma exigecircncia que eacute correto as pessoas fazerem uma agraves outras Uma dessas caracteriacutesticas eacute naturalmente ser ela alicerccedilada numa preacutevia norma moral cuja validade eacute aceita uma exigecircncia seria vaacutelida se ela decorre de uma norma moral justa portanto de uma norma tal que a inobservacircncia dela constituiacutesse uma accedilatildeo injusta

Com isso a questatildeo da justiccedila se desloca do item puniccedilatildeo para o item norma moral Mas natildeo eacute plausiacutevel que cada uma das normas morais separadamente das outras seja caracterizaacutevel como justa (em si mesma) Podemos dizer ao contraacuterio que a justiccedila das atitudes morais hostis em geral e da puniccedilatildeo em particular parece residir grosso modo na justiccedila de algum sistema de normas cuja eficaacutecia satildeo garantidos pela ameaccedila de puniccedilatildeo decorrente da possiacutevel violaccedilatildeo

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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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tema 4ficha sumaacuterio bibliografia

que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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desse sistema A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais de que a puniccedilatildeo faz parte teria a funccedilatildeo de garantir a observacircncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observacircncia de um contrato juriacutedico Com isso somos aqui mais uma vez remetidos aacute ideacuteia de contrato Nessa linha de reflexatildeo a justiccedila residiria em uacuteltima anaacutelise num contrato moral isto eacute no sistema das diversas claacuteusulas que compo-riam esse contrato O contrato moral justo e universalmente aceito como tal assumindo-se que ele possa ser lsquoredigidorsquo justificaria o infligimento punitivo de sofrimento Como assinala-mos atraacutes um tal programa de fundamentaccedilatildeo das atitudes morais poderia portanto buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes John Locke Rousseau Kant Rawls e outros

Mas num esforccedilo em busca do fundamental ou do mais fundamental pode-se perguntar por que optar pela ideacuteia de contrato e de contrato justo Natildeo tentarei responder estas per-guntas a natildeo ser para sugerir o que segue Consideremos mas uma vez a noccedilatildeo de utilidade soacute que agora pensada como ideacuteia fundamentadora (e natildeo como elemento fatual associado com as atitudes morais) A utilidade de contratos juriacutedicos ou natildeo eacute manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelececirc-la e o contrato justo (admitindo-se que ele exista) ou aquele dotado de maior grau de justiccedila tem uma utilidade maior que o contrato natildeo-justo nisso pelo menos que o primeiro tem mais condiccedilotildees do que o segundo de garantir a harmo-nia e concoacuterdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato Portanto a utilidade eacute uma razatildeo de ser do contrato

Mais atraacutes falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraccedilotildees desejaacuteveis em condiccedilotildees comportamentais eou mentais Pensemos nestas uacuteltimas O ressentimento e a dor provocados por injusticcedila podem dissolver-se com a reparaccedilatildeo desta uacuteltima e a reparaccedilatildeo mui-tas vezes natildeo pode assumir outra forma senatildeo a do infligimento de condiccedilotildees desagradaacuteveis ao agente da injusticcedila A puniccedilatildeo do infrator tem essa utilidade para a viacutetima da injusticcedila seja ela um indiviacuteduo um grupo de pessoas ou a sociedade em geral

Os direitos instituiacutedos no contrato juriacutedico tecircm sua contrapartida nos direitos morais dos indiviacuteduos os quais podem ser respeitados ou violados Ora as atitudes hostis podem funcio-nar evidentemente como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados e garantir para o indiviacuteduo o pleno exerciacutecio deles

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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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UnespR

edefor bull Moacutedulo I bull D

isciplina 02TEMAS

ficha sumaacuterio bibliografia

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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Por outro lado o insistir em que o infrator receba o que ele merece porque assim o exigem os sentimentos feridos da viacutetima faz como jaacute foi apontado mais atraacutes com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida mdash isto eacute melhor conhecida mdash em toda a sua extensatildeo pelo proacuteprio infrator e isso eacute uacutetil

Um programa como esse que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo eacute em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa que eacute uma metafiacutesica as-sociada ou natildeo agrave teologia na qual o Bem o Mal a Justiccedila etc tecircm um caraacuteter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histoacuteria e com os diversos elementos psicoloacutegicos da sociedade dos homens Eacute de supor-se que o mal o bem a responsabilidade a liberdade o merecimento a justiccedila a virtude a puniccedilatildeo sejam itens integrados numa certa unidade e se eacute assim natildeo haacute como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais E parece que a ideacuteia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos lsquomisteriosorsquo dessa rede de conceitos Assim o mal por exemplo pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido de forma que prati-car o mal consiste em violar claacuteusulas desse contrato

Um tal programa filosoacutefico pode parecer que desqualifica as ideacuteias de justiccedila de virtude etc as quais algumas metafiacutesicas gostariam de ver elevadas a uma posiccedilatildeo mais privilegiada Mas a finalidade da vida humana natildeo parece ser a virtude nem a justiccedila A vida social humana eacute inerentemente moral eacute verdade Mas a razatildeo por que pregamos e tentamos praticar a virtude e a justiccedila parece ser em uacuteltima anaacutelise uma razatildeo eminentemente praacutetica que tem muito a ver com a utilidade Com efeito a dimensatildeo da moralidade eacute uacutetil na mesma medida em que a existecircncia da vida social eacute uacutetil Esta dimensatildeo eacute parte da natureza social humana Os homens concebem certas praacuteticas como corretas justas virtuosas e outras como injustas viciosas in-corretas e natildeo interessa mdash isto eacute natildeo eacute em uacuteltima anaacutelise uacutetil mdash para eles renunciar a esta concepccedilatildeo e nem isso parece possiacutevel ao indiviacuteduo social

Jaacute que neste ensaio estamos fazendo uso (explicativo e justificatoacuterio) da ideacuteia de utili-dade conveacutem que indiquemos a relaccedilatildeo entre este nosso uso e a conhecida escola filosoacutefica do utilitarismo eacutetico Esta uacuteltima vecirc a utilidade como sendo o princiacutepio dos valores eacuteticos ou como o bem eacutetico supremo Em que consistiria exatamente a utilidade mdash isto eacute qual seria seu conteuacutedo mdash eacute um assunto controverso na escola Por exemplo para o inglecircs John Stuart

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edefor bull Moacutedulo I bull D

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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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Mill (1806-73) que eacute um de seus trecircs proponentes claacutessicos [os outros dois satildeo Jeremy Ben-tham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900) tambeacutem ingleses] a utilidade consiste no prazer e o princiacutepio supremo da eacutetica eacute o Princiacutepio da Maior Felicidade o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nuacutemero de pessoas a felicidade aiacute consistindo no prazer e na ausecircncia de desprazer Mas seja qual for seu conteuacutedo a escolha da utilidade como a ideacuteia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma exclusatildeo draacutestica de tradicionais consideraccedilotildees de natureza deontoloacutegica kantianas ou natildeo isto eacute daquelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intriacutenseco das accedilotildees boas consideradas nelas mesmas e em particular da intenccedilatildeo com que elas satildeo praticadas O centro do palco eacutetico passa a ser ocupado pela utilidade que as accedilotildees e suas consequumlecircncias tenham

Pelo menos duas criacuteticas importantes tecircm sido feitas ao utilitarismo (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade que residiria precisamente na exclusatildeo de consideraccedilotildees deon-toloacutegicas (2) Natildeo se vecirc como poderia ser incluiacuteda na ideacuteia de utilidade a noccedilatildeo de justiccedila a qual no entanto eacute uma peccedila essencial do aparato moral Estas criacuteticas satildeo seacuterias e seria ingenuidade aderir ao utilitarismo como se natildeo o fossem No entanto o aproveitamento no contexto dos problemas que estamos estudando de um certo tanto de utilitarismo natildeo sig-nifica por si soacute uma adesatildeo agrave filosofia moral advogada por essa escola Natildeo estamos estudando aqui a maldade ou bondade das accedilotildees muito menos dizendo que o caraacuteter bom ou mal deva ser medido atraveacutes do grau de utilidade que uma accedilatildeo e suas consequumlecircncias tecircm O que esta-mos tentando fazer eacute explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta moral referidos acima ou se se quiser a dimensatildeo da disposiccedilatildeo para experimentar e manife-star os sentimentos morais Portanto natildeo parece que aquelas objeccedilotildees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizaccedilatildeo que estamos fazendo da noccedilatildeo de utilidade O importante filoacutesofo britacircnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo mdash por exemplo para explicar por que valorizamos certos traccedilos de caraacuteter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos mdash e natildeo como um princiacutepio normativo isto eacute como um princiacutepio para nos orientar a respeito de quais accedilotildees devem ser praticadas ie satildeo boas E nem por isso ele eacute visto como utilitarista embora agraves vezes seja tido como um precur-sor dessa tendecircncia A utilidade em provocar condiccedilotildees comportamentais eou mentais dese-jaacuteveis eacute de fato uma das razotildees praacuteticas para se adotar esta ou aquela atitude moral portanto parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela Quanto ao uso

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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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UnespR

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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justificatoacuterio que estamos fazendo ele natildeo estaacute comprometido com o uso dessa ideacuteia como fundamento da eacutetica

Mais acima falamos e mais que uma vez sobre a satisfaccedilatildeo de uma necessidade emocional da viacutetima que pode advir do infligimento de puniccedilatildeo ao infrator e estamos tentando reservar um papel justificatoacuterio para esta satisfaccedilatildeo Um tal expediente traz agrave mente muito natural-mente a filosofia retributivista da puniccedilatildeo O retributivista sustenta como princiacutepio geral que eacute correto que o ofensor sofra puniccedilatildeo Mas ao contraacuterio do utilitarista que dirige seus olhos para as consequumlecircncias da accedilatildeo ele afirma que a ofensa traz como que intrinsecamente por-tanto independentemente de suas consequumlecircncias a necessidade da puniccedilatildeo Uma accedilatildeo viola-dora da norma provocaria na ordem moral um desequiliacutebrio o qual seria restabelecido atraveacutes do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor A puniccedilatildeo seria necessaacuteria ateacute mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (ldquointeirezardquo) moral do agente ofensor o crim-inoso moral necessitaria por razotildees que tecircm a ver com ele proacuteprio como agente moral sofrer puniccedilatildeo Hegel defendia uma tal puniccedilatildeo Segundo ele o criminoso tem direito a ser punido para que deste modo seja tratado natildeo como uma coisa mas como uma pessoa Vecirc-se bem que esta filosofia estaacute associada com temas como o da autopuniccedilatildeo e com uma certa visatildeo do senso comum sobre o vingar-se sobre ldquolavar a almardquo ou com a poliacutetica do ldquoolho por olho dente por denterdquo

A teoria retributiva da puniccedilatildeo se alimenta do desejo de infligir adversidades De fato e como foi dito atraacutes essa teoria eacute particularmente sensiacutevel a coisas como o desejo ou neces-sidade emocional da retaliaccedilatildeo de vinganccedila etc Ora essas coisas satildeo vistas por alguns intelec-tuais com suspeiccedilatildeo eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros e em especial o desejo de vinganccedila satildeo intrinsecamente lsquomausrsquo ou lsquonegativosrsquo ou entatildeo bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade benevolecircncia etc Pode ser que eles tenham razatildeo em algum grau Mas parece haver uma incompreensatildeo a respeito da substacircncia do espiacuterito do retributivismo Considere-se a criacutetica a esta teoria feita pelo filoacutesofo inglecircs contemporacircneo Anthony Kenny segundo o qual o elemento essencial na puniccedilatildeo de acordo com uma teoria puramente retributiva ldquoEacute o dano do criminoso seja em sua vida liber-dade ou propriedade Este mal eacute procurado diretamente como um fim em si e natildeo como um meio para impedir ou corrigir Mas buscar o prejuiacutezo de outro como um fim em si mesmo eacute o caso paradigmaacutetico de uma accedilatildeo injustardquo (KENNY 1978 p 73) Ora a incompreensatildeo dele

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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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      2. Botatildeo 3
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reside em tomar o prejuiacutezo de outro ldquocomo um fim em si mesmordquo incompreensatildeo esta que eacute real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva De fato o fim uacuteltimo aiacute seria a satisfaccedilatildeo da necessidade emocional da viacutetima de que ocorra um prejuiacutezo para o ofensor de que ele pague pelo que fez e natildeo estaacute nada claro que a satisfaccedilatildeo dessa necessidade seja ldquoum caso paradigmaacutetico de accedilatildeo injustardquo Seria injusto isto sim o ofensor permanecer impune

Falta pelo menos em alguns criacuteticos mais ou menos radicais do retributivismo uma anaacutelise mais aprofundada da noccedilatildeo de justiccedila merecimento retaliaccedilatildeo O filoacutesofo ceacutetico Alfred J Ayer falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a puniccedilatildeo e a recompensa escreve ldquonossa principal razatildeo para recompensar ou punir algueacutem eacute que ele merecerdquo (AYER 1973 p 277 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Ora aqui tambeacutem haacute uma incompreensatildeo o merecer natildeo eacute a razatildeo primaacuteria mas apenas uma condiccedilatildeo necessaacuteria A razatildeo primaacuteria poderia ser digamos a mesma necessidade emocional da parte da viacutetima de ver o ofensor prejudicado Numa outra passagem Ayer questiona a ideacuteia retributivista de vinganccedila ldquoa proacutepria noccedilatildeo de castigo vingativo a ideacuteia de que se algueacutem faz mal aos outros () eacute exigido que seja feito mal a ele eacute uma noccedilatildeo objetaacutevel por razotildees moraisrdquo (AYER 1973 p 271) Enunciada assim a ideacuteia eacute mais questionaacutevel do que seria se ldquoeacute exigidordquo eacute substituiacutedo por exemplo por ldquoeles tecircm o direito derdquo E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese eacute a de que a viacutetima tem direito mas natildeo eacute obrigada agrave puniccedilatildeo vingativa do ofensor

Conveacutem assinalar que se vamos empreender uma anaacutelise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo no utilitarismo e no retributivismo entatildeo precisamos advertir a noacutes mesmos sobre os perigos do ecletismo As linhas que foram propostas aqui e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas natildeo significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicaccedilatildeo ecleacutetica Mas natildeo vou discutir aqui esse assunto mesmo porque natildeo seria frutiacutefero fazecirc-lo sem um preacutevio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam ou deixem de conflitar umas com as outras

Vou no entanto registrar o seguinte primeiro pode ser que algumas teses mais caracteriacutes-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo Mais atraacutes por exemplo procurei argumentar que o ressentimento e a indignaccedilatildeo mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo reciacuteproca que eacute desse ponto de vista uacutetil que esses sentimentos sejam extintos no espiacuterito da pessoa em que eles emergem (aquilo

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que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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tema 4ficha sumaacuterio bibliografia

que referi como ldquoprovocaccedilatildeo de alteraccedilotildees de condiccedilotildees mentaisrdquo) e o modo mais natural como se daacute essa extinccedilatildeo eacute a reparaccedilatildeo do mal pelo ofensor aiacute incluiacuteda possivelmente a sub-missatildeo dele agrave puniccedilatildeo Segundo nem tudo o que estaacute proacuteximo do retributivismo estaacute por essa razatildeo fora do alcance da explicaccedilatildeo utilitarista Como exemplo disso considere-se a seguinte afirmaccedilatildeo daquele que eacute o primeiro grande sistematizador do utilitarismo Jeremy Bentham ldquotoda puniccedilatildeo eacute maldade toda puniccedilatildeo eacute em si um mal Segundo o princiacutepio da utilidade se ela deve ser admitida ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maiorrdquo (BENTHAM 1979 p 59 traduccedilatildeo alterada pelo autor) Os retributivistas mdash ou ao menos alguns deles mdash poderiam concordar que a puniccedilatildeo considerada nela mesma eacute um mal e mais que isso argumentar que a opccedilatildeo pela exclusatildeo do mal maior natildeo estaacute em desacordo com nenhum princiacutepio retributivista sendo que esta opccedilatildeo poderia ser interpretada como a opccedilatildeo pelo bem jaacute que a puniccedilatildeo de um mal particular seria nesse caso um bem o qual consistiria na exclusatildeo do mal maior

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
          1. Botatildeo 11
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                4. Paacutegina 7
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bibliografia

Bibliografia tema 1

bull BENOIT Hector Estudos sobre o diaacutelogo Filebo de Platatildeo Ed Unijuiacute Ijuiacute-RS 2007

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao Mundo Grego estudos de histoacuteria da Filosofia Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de Filosofia Grega Loyola e PUC-Rio Satildeo Paulo-SP 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Ed UNB Brasiacutelia-DF 1981

bull GOLDSCHMIDIT Victor Os diaacutelogos de Platatildeo estrutura e meacutetodo dialeacutetico Loyola Satildeo Paulo-SP 2002

bull HADOT Pierre O que eacute a Filosofia Antiga Loyola Satildeo Paulo-SP 2004

bull JAEGER Werner Paideacuteia a formaccedilatildeo do homem grego Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 1989

bull KIRK G S e RAVEN J E Os filoacutesofos preacute-socraacuteticos Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1982

bull MAGALHAtildeES-VILHENA VASCO O problema de Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecra-tes de Platatildeo Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian Lisboa-Portugal 1984

bull NUSSBAUM MARTHA C A fragilidade da bondade Fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Martins Fontes Satildeo Paulo-SP 2009

bull PAPPAS Nickolas A Repuacuteblica de Platatildeo ediccedilotildees 70 Lisboa Portugal 1995

bull PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Loyola Satildeo Paulo-SP 2009

bull PIETTRE Bernard Platatildeo a Repuacuteblica livro VII Ed UNB e Ed Aacutetica Satildeo PauloSP 1981

bull REALE Giovanni Para uma nova interpretaccedilatildeo de Platatildeo Loyola Satildeo Paulo-SP 1997

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles

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bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
          1. Botatildeo 11
            1. Paacutegina 3 Off
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                1. Paacutegina 4 Off
                2. Paacutegina 5
                3. Paacutegina 6
                4. Paacutegina 7
                5. Paacutegina 8
                6. Paacutegina 9
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4

bibliografia

Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull TRABATTONI F Platatildeo Annablume editora Satildeo Paulo-SP 2010

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro-RJ 2008

bull VERNANT J P As Origens do Pensamento Grego Difel Rio de Janeiro-RJ 2009

ZINGANO Marco lsquoVirtude e saber em Soacutecratesrsquo in Estudos de Eacutetica Antiga Discurso Editorial Satildeo Paulo-SP 2007 pp 41-72

Bibliografia tema 2

bull ALLAN D J A filosofia de Aristoacuteteles Lisboa Presenccedila 1970

bull BARNES Jonathan Aristoacuteteles ideacuteias e letras Aparecida-SP 2009

bull BRAGUE Remi Introduccedilatildeo ao mundo grego estudos de histoacuteria da filosofia Satildeo Paulo Loyola 2007

bull BRUNSCHWIG Jacques Estudos e exerciacutecios de filosofia grega Satildeo Paulo Loyola 2009

bull FINLEY Moses I O legado da Greacutecia uma nova avaliaccedilatildeo Brasiacutelia Ed UNB 1981

bull HADOT Pierre O que eacute a filosofia antiga Satildeo Paulo Loyola 2004

bull KRAUT R (Org) Aristoacuteteles a eacutetica a Nicocircmaco Porto Alegre Artmed 2006

bull LEAR Jonathan Aristoacuteteles o desejo de entender Satildeo Paulo Discurso Editorial 2006

bull NUSSBAUM Martha C A fragilidade da bondade fortuna e eacutetica na trageacutedia e na filo-sofia grega Satildeo Paulo Martins Fontes 2009

bull ROBINSON T M As origens da alma os gregos e o conceito de alma de Homero a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Annablume 2010

bull ROSS David Aristoacuteteles Lisboa Dom Quixote 1987

bull VAacuteZQUEZ A S Eacutetica Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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isciplina 02TEMAS

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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edefor bull Moacutedulo I bull D

isciplina 02TEMAS

ficha sumaacuterio bibliografia

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
      1. Botatildeo 2
      2. Botatildeo 3
      3. Botatildeo 10
        1. Paacutegina 3 Off
          1. Botatildeo 11
            1. Paacutegina 3 Off
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                1. Paacutegina 4 Off
                2. Paacutegina 5
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                4. Paacutegina 7
                5. Paacutegina 8
                6. Paacutegina 9
                7. Paacutegina 10
                8. Paacutegina 11
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bibliografia

bull VERNANT J P As origens do pensamento grego Rio de Janeiro Difel 2009

bull ZINGANO Marco Estudos de eacutetica antiga Satildeo Paulo Discurso Editorial 2007

Bibliografia tema 4

bull AYER A J As questotildees centrais da filosofia Traduccedilatildeo Alberto Oliva e Luiacutes Alberto Cerqueira Rio de Janeiro Zahar 1973

bull BENTHAM J Uma Introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Traduccedilatildeo Luiacutes Joatildeo Barauacutena Satildeo Paulo Abril Cultural 1979 (Os Pensadores)

bull KENNY A Freewill and responsibility London Routledge amp Kegan Paul 1978

bull LALANDE A Vocabulaacuterio teacutecnico e criacutetico da filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

bull RAWLS J A Theory of justice Oxford Oxford University 1972

bull STRAWSON PF Freedom and resentment and other essays London Methuen 1974

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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ficha sumaacuterio bibliografia

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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edefor bull Moacutedulo I bull D

isciplina 02TEMAS

ficha sumaacuterio bibliografia

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Ficha da disciplina

Autoria

Reinaldo Sampaio Pereira

Antonio Trajano Menezes Arruda

Ficha da Disciplina

Eacutetica

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edefor bull Moacutedulo I bull D

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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isciplina 02TEMAS

ficha sumaacuterio bibliografia

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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UnespR

edefor bull Moacutedulo I bull D

isciplina 02TEMAS

ficha sumaacuterio bibliografia

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Ficha da disciplina

Reinaldo Sampaio Pereira

Professor de Histoacuteria da Filosofia Antiga da UNESP de Mariacutelia Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996) mestre em Filosofia pela Unicamp (1999) doutor em Filosofia pela Unicamp (2006) poacutes-doutor em Filosofia pela USP (2009) Desenvolve pesquisa em Aris-toacuteteles desde a graduaccedilatildeo mais especificamente nas aacutereas de Metafiacutesica e Eacutetica

Antonio Trajano Menezes Arruda

Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafiacutesicos e Introduccedilatildeo agrave leitura dos textos filosoacuteficos do Curso de Gradu-accedilatildeo em Filosofia da UNESP ndash campus de Mariacutelia

Ementa da disciplina

Primeiramente o curso aborda problemas e discussotildees eacutetica na filosofia antiga sobretudo nas filosofias de Platatildeo e Aristoacuteteles filoacutesofos que de alguma forma estabeleceram muitos dos conceitos eacuteticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos seacuteculos Num segundo momento o curso introduz algumas questotildees acerca do problema da conduta moral

Palavras-chave

Eacutetica moral conduta arbiacutetrio bem

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edefor bull Moacutedulo I bull D

isciplina 02TEMAS

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Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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UnespR

edefor bull Moacutedulo I bull D

isciplina 02TEMAS

ficha sumaacuterio bibliografia

1

2

3

4

Ficha da disciplina

Estrutura da Disciplina

Eacutetica

Tema 1 ndash A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia

socraacutetico-platocircnica

11 A Eacutetica na literatura grega anterior a Soacutecrates

12 A Eacutetica nos diaacutelogos de Platatildeo

13 Eacutetica e Teoria das Ideacuteias nos diaacutelogos de Platatildeo

Tema 2 ndash A Eacutetica em Aristoacuteteles

21 Uma nova proposta de modelo eacutetico em relaccedilatildeo ao modelo socraacutetico-platocircnico

22 A vida feliz

23 Um certo relativismo no modelo eacutetico aristoteacutelico

Tema 3 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 1

31 A Dimensatildeo Moral

32 Contrato e Conduta Moral

33A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 ndash Sobre a conduta Moral ndash Parte 2

41 Utilidade retribuiccedilatildeo e atitudes morais

UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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UNESP ndash Universidade Estadual PaulistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

Governo do Estado de Satildeo Paulo Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoCoordenadoria de Estudos e Normas PedagoacutegicasGabinete da CoordenadoraPraccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

Governo do estado de satildeo PauloGovernador

Geraldo alckmin

secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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secretaria de desenvolvimento econocircmico ciecircncia e tecnoloGiasecretaacuterio

Paulo alexandre Barbosa

universidade estadual Paulistareitor afastado

Herman Jacobus cornelis voorwaldvice-reitor no exerciacutecio da reitoria

Julio cezar duriganchefe de Gabinete

carlos antonio GameroProacute-reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de Pinho

Proacute-reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeomarilza vieira cunha rudge

Proacute-reitora de Pesquisamaria Joseacute soares mendes Giannini

Proacute-reitora de extensatildeo universitaacuteriamaria ameacutelia maacuteximo de arauacutejo

Proacute-reitor de administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rached

secretaacuteria Geralmaria dalva silva Pagotto

FundunesP - diretor Presidente luiz antonio vane

Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
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  • Ficha da Disciplina
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Proacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraElisa Tomoe Moriya Schluumlnzen

Coordenadora Pedagoacutegica

Ana Maria Martins da Costa SantosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e Silva

Rogeacuterio Luiz Buccelli

Coordenadores dos CursosArte Rejane Galvatildeo Coutinho (IAUnesp)

Filosofia Luacutecio Lourenccedilo Prado (FFCMariacutelia)Geografia Raul Borges Guimaratildees (FCTPresidente Prudente)

Antocircnio Cezar Leal (FCTPresidente Prudente) - sub-coordenador Inglecircs Mariangela Braga Norte (FFCMariacutelia)

Quiacutemica Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Teacutecnica - Sistema de Controle AcadecircmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaAdministraccedilatildeoMaacutercio Antocircnio Teixeira de Carvalho

NEaD ndash Nuacutecleo de Educaccedilatildeo a Distacircncia(equipe Redefor)

Klaus Schluumlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andreacute Luiacutes Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

Marcos Roberto GreinerPedro Caacutessio Bissetti

Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialElisandra Andreacute Maranhe

Joatildeo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Lili Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

  • Marcador 1
  • 1 A Eacutetica na literatura grega dos traacutegicos e na filosofia socraacutetico-platocircnica
  • 2 A Eacutetica em Aristoacuteteles
  • 3 Sobre a Conduta Moral Parte I
  • 4 Sobre a Conduta Moral ndash Parte II
  • Bibliografia tema 1
  • Bibliografia tema 2
  • Bibliografia tema 4
  • Ficha da Disciplina
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                                        1. Paacutegina 38 Off
                                        2. Paacutegina 39
                                        3. Paacutegina 40
                                        4. Paacutegina 41
                                        5. Paacutegina 42
                                        6. Paacutegina 43
                                        7. Paacutegina 44
                                        8. Paacutegina 45
                                        9. Paacutegina 46
                                        10. Paacutegina 47
                                          1. Botatildeo 57
                                            1. Paacutegina 38 Off
                                            2. Paacutegina 39
                                            3. Paacutegina 40
                                            4. Paacutegina 41
                                            5. Paacutegina 42
                                            6. Paacutegina 43
                                            7. Paacutegina 44
                                            8. Paacutegina 45
                                            9. Paacutegina 46
                                            10. Paacutegina 47
                                              1. Botatildeo 64
                                                1. Paacutegina 48 Off
                                                2. Paacutegina 49
                                                3. Paacutegina 50
                                                  1. Botatildeo 65
                                                    1. Paacutegina 48 Off
                                                    2. Paacutegina 49
                                                    3. Paacutegina 50
                                                      1. Botatildeo 52
                                                        1. Paacutegina 51 Off
                                                        2. Paacutegina 52
                                                        3. Paacutegina 53
                                                          1. Botatildeo 53
                                                            1. Paacutegina 51 Off
                                                            2. Paacutegina 52
                                                            3. Paacutegina 53
                                                              1. Botatildeo 7
                                                              2. Botatildeo 8
                                                              3. Botatildeo 12
                                                              4. Botatildeo 13
                                                              5. Botatildeo 9