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Página 1 de 58 CURSO sobre MARXISMO TEMAS ESPECÍFICOS: LIBERALISMO E DESENVOLVIMENTISMO, NEOLIBERALISMO, NEODESENVOLVIMENTISMO e POLÍTICAS PÚBLICAS 17 a 19 de agosto de 2013 Local: Escola Nacional de Formação Florestan FernandesRealização: Departamento de Formação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Coletivo da Juventude Metalúrgica do ABC

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CURSO sobre MARXISMO

TEMAS ESPECÍFICOS: LIBERALISMO E

DESENVOLVIMENTISMO,

NEOLIBERALISMO,

NEODESENVOLVIMENTISMO e

POLÍTICAS PÚBLICAS

17 a 19 de agosto de 2013

Local: Escola Nacional de Formação

“Florestan Fernandes”

Realização: Departamento de Formação do

Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e

Coletivo da Juventude Metalúrgica do ABC

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Sumário

Quadros-Síntese 03 Textos a serem utilizados para trabalhos em grupo 06

Orientações para melhor aproveitamento do trabalho em grupo 06 Tema 1: Liberalismo e Desenvolvimentismo 07

Grupo 1: Liberalismo econômico: Adam Smith e o laissez-faire 07 Grupo 1: O Preço Natural e o Preço de Mercado das Mercadorias 10

Questões 11 Grupo 2: Doutrina Keynesiana 12 Grupo 2: Uma receita keynesiana para salvar a economia europeia 13 Questões 16 Grupo 3: Celso Furtado: uma concepção de História em um modelo de desenvolvimento econômico 17 Questões 20

Grupo 4: Indústria antes de Getúlio 21 Grupo 4: Barão de Mauá, pioneiro da indústria brasileira 23 Questões 24

Tema 2: Neoliberalismo e Neodesenvolvimentismo 25 Grupo 1: Thatcher-Reagan e o neoliberalismo: a contrarrevolução travestida de reforma e modernização 25

Questões 27 Grupo 2: Para além das políticas de resgate 28 Questões 31 Grupo 3: O decênio que mudou o Brasil 32 Questões 36 Grupo 4: Dez teses sobre o novo desenvolvimentismo 37 Questões 41

Tema 3: Políticas Públicas 42 Grupo 1: As fases do processo de políticas públicas 42 Questões 45 Grupo 2: Da Globalização ao Poder Local: a Nova Hierarquia dos Espaços 46 Questões 51 Grupo 3: Ser jovem nãoé fácil 52

Questões 56 Grupo 4: Regionalismo e o Smabc 57 Questões 58

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QUADROS-SÍNTESE

Item Liberalismo Desenvolvimentismo

Período XVIII a 1970 Anos 1930 / Pós-Guerra

até final anos 1980

Teóricos Adam Smith = laissez-faire

John Locke

Cepal

Mundo Revolução Industrial Keynesianismo e Social-

Democracia

Brasil Colônia Getúlio Vargas / JK

Aspectos centrais Avanços tecnológicos Industrialização hipertardia

Ideário Iluminismo Nacional-Desenvolvimentismo

ou Capitalismo Nacional(ismo)

Trabalho em Grupo – Liberalismo e Desenvolvimentismo

Tema Texto

Grupo

1

Mão invisível, preponderância do Mercado,

Adam Smith

Liberalismo econômico: Adam

Smith e o laissez-faire

Grupo

2

Keynesianismo “Doutrina Keynesiana”

“Uma receita keynesiana para salvar

a economia europeia”

Grupo

3

Desenvolvimentismo Cepalino “Uma concepção de História em um

modelo de desenvolvimento

econômico”

Grupo

4

Industrialização no Brasil “Indústria antes de Getúlio” e “Barão

de Mauá, um gigante na

industrialização brasileira”

Eduardo Magalhães

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Item Neoliberalismo Neodesenvolvimentismo

Período 1970 até hoje XXI

Teórico Milton Friedman

Escola de Chicago

Bresser-Pereira

João Sicsú

Mundo Crise econômica início 1970

Reagan e Thatcher,

Bretton Woods

Crise 2008

Lehman Brothers

Brasil Collor / FHC Lula-Dilma

Aspectos centrais Revolução Informacional

Lógica em Rede

Nova relação entre Centro-

(Semi) Periferia

Ideário Consenso de Washington Consenso Pós-Keynesiano

Trabalho em Grupo – Neoliberalismo e Neodesenvolvimentismo

Tema Texto

Grupo

1

Os governos de Reagan e Thatcher Thatcher-Reagan e o neoliberalismo:

a contrarrevolução travestida de

reforma e modernização

Grupo

2

A crise mundial de 2008 Para além das políticas de resgate

Grupo

3

Neodesenvolvimentismo e a questão social na

era Lula-Dilma

O decênio que mudou o Brasil

Grupo

4

O novo desenvolvimentismo Dez teses sobre o novo

desenvolvimentismo

Eduardo Magalhães

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Trabalho em Grupo – Políticas Públicas

Tema Texto

Grupo

1

Conceitos e principais características “As fases do processo de políticas

públicas”

Grupo

2

Desenvolvimento Local-Global “Da Globalização ao Poder Local: a

Nova Hierarquia dos Espaços”

Grupo

3

Juventude “Ser jovem não é fácil”

Grupo

4

Regionalismo e o Smabc “O sindicato dos metalúrgicos do

ABC e as ações regionais na década

de 1990”

Eduardo Magalhães

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TEXTOS A SEREM UTILIZADOS PARA TRABALHOS EM GRUPO

Orientações para melhor aproveitamento do trabalho em grupo:

Leitura e debate do texto em grupo: 1h e 30 minutos

Divisão de tarefas: eleger relator e coordenador

Apresentação em plenária: 15 minutos para cada grupo

Debate geral em plenária: 30 minutos

Questões orientadoras: É apresentado a cada grupo e em cada tema diferente

um conjunto de questões orientadoras específicas. É preferível que as mesmas

não sejam vistas necessariamente enquanto perguntas diretas, mas sim enquanto

sugestões indicadoras para o debate. Isto é, provocações para auxiliar o grupo a

sistematizar e problematizar o tema em discussão a partir do texto . Por óbvio,

outras questões podem ser debatidas, considerando como objetivo central a

compreensão do tema proposto.

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TEMA GERAL 1: LIBERALISMO E DESENVOLVIMENTISMO

TEMA DO GRUPO 1: Mão invisível, preponderância do Mercado, Adam Smith

Texto:

Liberalismo econômico: Adam Smith e o laissez-faire

A Europa viu nascer no início do século XVIII, depois de mais de dois séculos sob forte

influência das ideias e práticas mercantilistas, que podem ser genericamente sintetizadas

pelo binômio absolutismo político + intervencionismo econômico, um movimento

filosófico-cultural que exerceu enorme influência em todo o continente, o Iluminismo,

que tinha por principais proposições a defesa da liberdade em todas as suas dimensões

(liberalismo), o reconhecimento dos valores e dos direitos individuais (individualismo)

e a crença na supremacia da razão (racionalismo).

Embora as ideias iluministas tenham exercido influência em toda a Europa, ela foi mais

marcante na França e na Escócia, que, por coincidência ou não, tornaram-se os berços

das duas escolas de pensamento econômico surgidas na segunda metade do século, a

escola fisiocrata e a escola clássica, respectivamente.

Nascido em 1723 em Kirkcaldy, uma pequena cidade portuária da Escócia, Adam

Smith pode ser considerado um produto desse contexto histórico. Seu pai, também

chamado Adam, era advogado de formação, e chegou a ocupar postos de certa

importância na administração escocesa, e sua mãe, Margareth Douglas Smith, descendia

de proprietários de terras do condado de Fife. Smith, após concluir os estudos

secundários em Kirkcaldy, ingressou na Universidade de Glasgow. Aceitou uma bolsa

para prosseguir seus estudos no Balliol College, em Oxford. Depois de alguns anos sem

emprego fixo, inicia sua carreira de professor ministrando diversas conferências avulsas

em Edimburgo e posteriormente, assumiu a cadeira de Filosofia Moral, além de outros

trabalhos, todos oferecendo-lhe oportunidades de conhecer grandes pensadores como

David Hume. Adoeceu e veio a falecer em 17 de julho de 1790, em Edimburgo, aos 66

anos de idade.

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Liberalismo Econômico

Todo indivíduo necessariamente trabalha no sentido de fazer com que o rendimento

anual da sociedade seja o maior possível. Na verdade, ele geralmente não tem intenção

de promover o interesse público, nem sabe o quanto o promove. Ao preferir dar sustento

mais à atividade doméstica que à exterior, ele tem em vista apenas sua própria

segurança; e, ao dirigir essa atividade de maneira que sua produção seja de maior valor

possível, ele tem em vista apenas seu próprio lucro, e neste caso, como em muitos

outros, ele é guiado por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte de

sua intenção. E o fato de este fim não fazer parte de sua intenção nem sempre é o pior

para a sociedade. Ao buscar seu próprio interesse, frequentemente ele promove o da

sociedade de maneira mais eficiente do que quando realmente tem a intenção de

promovê-lo. (“Adam Smith, A Riqueza das Nações, Livro IV, capítulo 2”).

O liberalismo econômico tem em Adam Smith sua principal figura. Para ele, ao

contrário dos mercantilistas, não havia necessidade de o Estado intervir na economia,

pois ela era guiada por uma “mão invisível”, isto é, pelas leis naturais do mercado.

Essas leis eram a livre concorrência e a competição entre os produtores as quais

determinavam o preço das mercadorias e eliminavam os fracos e os ineficientes. Dizia

que os agentes econômicos são movidos por impulsos de ganância e ambição

próprios, o que impulsionaria o crescimento e o desenvolvimento econômico,

favorecendo toda a sociedade, promovendo uma evolução generalizada. Assim, o

próprio mercado regulamentava a economia, trazendo a harmonia social, sem a

necessidade da intervenção da autoridade pública.

Em seu livro, A. Smith defendeu as leis de mercado, o fim das restrições às importações

e dos gastos governamentais improdutivos. O Estado deveria intervir somente para

coibir os monopólios que impediam a livre circulação das mercadorias. As funções do

Estado seriam garantir a lei, a segurança e a propriedade, além de proteger a saúde e

incentivar a educação.

Mas o liberalismo econômico só é possível dentro de um quadro de boa

administração das empresas que estão em circulação, pois sem o planejamento correto

e a eficiência no cumprimento das obrigações, as leis naturais do mercado acabam se

desajustando, fazendo necessária a intervenção estatal. Podendo utilizar-se das ideias de

Smith para um melhor planejamento por parte do administrador, tendo em vista o

funcionamento do mercado, para que sua produção e faturamento não descontrolem.

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Divisão do trabalho

Dentro da administração, devem-se levar em consideração cinco funções

administrativas. Todas seguem na mesma lógica das ideias de Smith já escritas há três

séculos. A primeira dessas funções é o Planejamento, seguido diretamente pela

Organização. Funções muito reforçadas e faladas por ele, podendo ser observadas em

seu exemplo utilizado para traduzir sua tese do princípio da divisão do trabalho, escrita

em uma época em que tal feito era ainda incipiente e provocava sérias dúvidas em

pessoas ou famílias que tinham o costume de se envolver, direta ou indiretamente, na

produção de quase todos os bens e serviços de que precisavam se utilizar. Adam Smith

utilizou os primeiros capítulos de seu livro, “Riqueza das Nações”, para convencer a

todos das vantagens da divisão do trabalho feita pelo administrador durante seu

planejamento, fazendo tal divisão visando os objetivos da empresa e especificando a

melhor forma para alcançá-lo por meio de um plano de ações levando-se em conta a

organização, coordenando todos os recursos da empresa, sejam humanos, financeiros ou

materiais, alocando-os da melhor forma para possibilitar a divisão das tarefas. Foi com

esse objetivo que fez uso do famoso exemplo da fábrica de alfinetes:

“Um operário não treinado para essa atividade (que a divisão do trabalho transformou

em uma indústria específica) nem familiarizado com a utilização das máquinas ali

empregadas (cuja invenção provavelmente também se deveu à mesma divisão do

trabalho), dificilmente poderia talvez fabricar um único alfinete em um dia,

empenhando o máximo de trabalho; de qualquer forma, certamente não conseguirá

fabricar vinte.

Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada, não somente o trabalho todo

constitui uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de setores, dos

quais, por sua vez, a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial.

Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz

as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer

uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes; montar a cabeça já é

uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes

também constitui uma atividade independente.” Podendo observar que a especialização

do trabalhador, tem como consequências a economia de tempo e dinheiro.

A terceira função é o Comando, fazendo com que os subordinados executem o que

deve ser feito. Pressupõe que as relações hierárquicas estejam claramente definidas, ou

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seja, que a forma como administradores e subordinados se influenciam esteja explícita,

assim como o grau de participação e colaboração de cada um para a realização dos

objetivos definidos. Hierarquia também claramente encaixada na ideia da divisão do

trabalho de Smith, sendo separada a função de comando da de obediência, tendo sempre

em vista na primeira a Coordenação e o Controle, as duas últimas funções do

administrador.

Trecho de “O Preço Natural e o Preço de Mercado das Mercadorias” em “A

Riqueza das Nações”, Livro Primeiro) – Adam Smith.

“Quando o preço de uma mercadoria não é menor nem maior do que o suficiente para

pagar ao mesmo tempo a renda da terra, os salários do trabalho e os lucros do

patrimônio ou capital empregado em obter, preparar e levar a mercadoria ao mercado,

de acordo com suas taxas naturais, a mercadoria é nesse caso vendida pelo que se pode

chamar seu preço natural. (...)

O preço efetivo ao qual uma mercadoria é vendida denomina-se seu preço de mercado.

Esse pode estar acima ou abaixo do preço natural, podendo também coincidir

exatamente com ele. O preço de mercado de uma mercadoria específica é regulado pela

proporção entre a quantidade que é efetivamente colocada no mercado e a demanda

daqueles que estão dispostos a pagar o preço natural da mercadoria. (...)

Quando a quantidade de uma mercadoria colocada no mercado é inferior à demanda

efetiva, não há possibilidade de fornecer a quantidade desejada a todos aqueles que

estão dispostos o valor integral (...) que deve ser pago para colocar a mercadoria no

mercado. Em consequência, ao invés de desejar essa mercadoria ao preço em que está,

alguns deles estarão dispostos a pagar mais. Começará imediatamente uma concorrência

entre os pretendentes, e em consequência o preço de mercado subirá mais ou menos em

relação ao preço natural, na proporção em que o grau de escassez da mercadoria ou a

riqueza, a audácia e o luxo dos concorrentes acenderem mais ou menos a avidez em

concorrer. Entre concorrentes de riqueza e luxo igual, o mesmo grau de escassez

geralmente provocará uma concorrência mais ou menos forte, de acordo com a menor

ou maior importância, para eles, da aquisição da mercadoria. Daí o preço exorbitante

dos gêneros de primeira necessidade durante o bloqueio de uma cidade ou em caso de

fome generalizada.

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Quando a quantidade da mercadoria colocada no mercado ultrapassa a demanda efetiva,

não há possibilidade de ser toda vendida àqueles que desejam pagar o [preço natural].

Uma parte deve ser vendida àqueles que só aceitam pagar menos, e o baixo preço que

pagam pela mercadoria necessariamente reduz o preço total. O preço de mercado

descerá mais ou menos abaixo do preço natural, na proporção em que o excedente

aumentar mais ou menos a concorrência entre os vendedores, ou segundo for para eles

mais ou menos importante desembaraçar-se imediatamente da mercadoria. (...)

Quando a quantidade colocada no mercado coincide exatamente com o suficiente e

necessário para atender à demanda efetiva, muito naturalmente o preço de mercado

coincidirá com o preço natural, exatamente ou muito aproximadamente. (...) A

concorrência entre os diversos comerciantes os obriga todos a aceitar este preço natural,

mas não os obriga a aceitar menos.”

Questões orientadoras para o Grupo 1

Tema geral: Liberalismo e Desenvolvimentismo

Tema específico: Mão invisível, preponderância do Mercado, Adam Smith

1. Características essenciais do liberalismo econômico

2. Motivos pelos quais a “mão invisível” é insuficiente ou inadequada ao

funcionamento da própria sociedade capitalista

3. A importância ou justificativa histórica do liberalismo econômico de

Adam Smith para o desenvolvimento capitalista

4. Relação entre o capitalismo industrial inglês e o surgimento do

liberalismo econômico na Inglaterra

5. Papel do Estado no liberalismo econômico

6. É possível estabelecer alguma ligação entre a divisão do trabalho

defendida por Adam Smith no século 18 e o Taylorismo-Fordismo do

século 20?

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TEMA GERAL 1: LIBERALISMO E DESENVOLVIMENTISMO

TEMA DO GRUPO 2: Keynesianismo

Texto:

Doutrina Keynesiana

A doutrina keynesiana é uma teoria econômica que ganhou destaque no início da década

de 1930, no momento em que o capitalismo vivia uma de suas mais graves crises. Nesta

época, as nações capitalistas geriam o campo econômico com base nas teorias

estabelecidas por liberalismo clássico, doutrina econômica onde se defendia a ideia de

que o desenvolvimento econômico de uma nação estaria atrelado a um princípio de não-

intervenção do Estado na economia.

De fato, a proposta keynesiana tem como ponto fundamental revisar as teorias liberais

lançadas pelo teórico Adam Smith, principalmente, no que se refere às novas

configurações assumidas pela economia capitalista. O principal responsável por tal

exercício de revisão do liberalismo foi o economista britânico John Maynard Keynes,

que em sua obra “Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro” estabeleceu os

pontos fundamentais da teoria econômica que leva o seu nome.

Segundo o pensamento keynesiano, a premissa fundamental para se compreender uma

economia encontrava-se na simples observação dos níveis de consumo e investimento

do governo, das empresas e dos próprios consumidores. Partindo desse princípio, a

doutrina keynesiana aponta que no momento em que as empresas tendem a investir

menos, inicia-se todo um processo de retração econômica que abre portas para o

estabelecimento de uma crise.

Dessa maneira, para que essa situação fosse evitada, o keynesianismo defende a

necessidade do Estado em buscar formas para se conter o desequilíbrio da economia.

Entre outras medidas, os governos deveriam aplicar grandes remessas de capital na

realização de investimentos que aquecessem a economia de modo geral. Paralelamente,

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era de fundamental importância que o governo também concedesse linhas de crédito ao

baixo custo, garantido a realização de investimentos do setor privado.

Promovendo tais medidas de incentivo, os níveis de emprego aumentariam e

consequentemente garantiriam que o mercado consumidor desse sustentação real a

toda essa aplicação de recursos. Dessa maneira, o pensamento proposto por Keynes

transformava radicalmente o papel do Estado frente à economia, colocando em total

descrédito as velhas perspectivas do “laissez faire” liberal.

Somente a partir da década de 1970, novas correntes de pensamento econômico

combateram os princípios do pensamento keynesiano. Nessa época, a retração dos altos

índices de desenvolvimento alcançados nas duas décadas seguintes à Segunda Guerra

Mundial pôs em cheque a teoria John M. Keynes. Com isso, as perspectivas liberais dos

teóricos da escola monetarista de Chicago ganharam destaque no pensamento

econômico capitalista.

Por Rainer Sousa

Uma receita keynesiana para salvar a economia europeia

Diz-se que os países periféricos da área do euro, assim como a Inglaterra, não têm

alternativa de política econômica a não ser pela via da ortodoxia centrada no corte dos

gastos para reduzir seus déficits e dívidas públicos. Até o momento, desde a Grécia à

Irlanda e passando pela própria Inglaterra, esse tipo de política tem resultado num

contundente fracasso. Não obstante, sob o tacão da Alemanha de Merkel e da França de

Sarcozy, e mediante o auxílio do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, insiste-se na

linha do “sacrifício” fiscal recorrente.

O corte de gastos públicos durante uma recessão é o exato oposto do que propôs Keynes

há cerca de 70 anos. Sua receita diante da queda do consumo, do emprego e do

investimento era o aumento o gasto público, desencadeando o efeito virtuoso oposto, do

aumento do consumo (ou da demanda efetiva) para o aumento do investimento, deste

para o aumento do emprego e daí para a realimentação da demanda, tudo isso

concorrendo para a saída da recessão na medida em que os empresários adquirem

confiança na retomada do ciclo.

Na visão ortodoxa, o que se pretende, em tese, é recuperar a confiança dos empresários

pelo efeito da redução do déficit e da dívida públicos. Esse elemento mágico, a

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recuperação da confiança empresarial, seria suficiente para a retomada do investimento,

do emprego e da demanda – portanto, operando no sentido contrário ao presumido por

Keynes. É fácil verificar que a política ortodoxa se apóia numa quimera, ou seja, num

elemento psicológico, a confiança do empresário, independentemente da situação

concreta do mercado de trabalho e de bens e serviços.

Em termos técnicos, a política keynesiana atua pelo lado da demanda, enquanto a

política ortodoxa pretende atuar pelo lado da oferta. Isso significa que não uma empresa

em particular, mas o conjunto delas confia mais em fatores psicológicos para ampliar

seus investimentos do que na verificação da situação da demanda efetiva. Comparada à

política keynesiana, é uma espécie de placebo administrado à economia, enquanto a

política keynesiana é injeção na veia. Então, a pergunta óbvia é: por que essa insistência

na ortodoxia, mesmo diante da evidência de seu fracasso?

Há várias razões, sobretudo de ordem ideológica, mas a principal delas está no campo

da economia política: diante da crise, os ortodoxos preferem políticas do lado da oferta

(redução da taxa básica de juros) porque as políticas do lado da demanda – ou seja,

aumento dos gastos públicos – ao contrario das primeiras, são geralmente redistributivas

de renda a favor dos mais pobres. Gastos fiscais são aplicados em infra-estrutura e

serviços públicos. Taxa de juros baixa favorece sobretudo os ricos que têm garantias

reais para tomar empréstimos.

A crise atual tem uma dimensão ideológica adicional por causa da escala da dívida e dos

déficits em alguns países europeus como Grécia, mais de 180% do PIB, e da Itália, mais

de 120%. Antes dela, a situação fiscal na zona do euro, exceto na Grécia, era

extremamente confortável, muito abaixo dos parâmetros do Tratado de Maastricht que

institui o euro (máximo de 60% do PIB para a dívida, e de 3% do PIB para o déficit

público). Contudo, porque os governos tiveram de salvar os bancos, a crise financeira

vinda dos EUA se converteu em crise fiscal em larga escala.

A ideia de que se tem de reduzir déficit e dívida como condição de retomada é um

disparate. O corte nos gastos públicos reduz a demanda, o emprego, o consumo interno

e a própria receita fiscal, aumentando a relação déficit-dívida/PIB. A medida é, pois,

contraproducente. Assim, independentemente do nível do déficit e da dívida, o primeiro

movimento sempre terá de ser no sentido de aumentá-lo a fim de estimular o consumo,

o emprego e o investimento. O movimento seguinte será no sentido da redução da

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relação déficit-dívida/PIB. É nesse ponto que entra em jogo a articulação tesouro

nacional/banco central, da qual os países do euro estão excluídos.

Normalmente, o tesouro emitiria dívida, e o banco central facilitaria a colocação desses

títulos no mercado, como nos EUA. Acontece que o BCE é descolado dos tesouros

europeus, um leviatã monetário que tem como mandato único evitar a inflação e pouco

interesse em desenvolvimento. Com isso, os países, para aumentarem os gastos públicos

recorrendo a endividamento, têm que ir diretamente ao mercado privado. O mercado

comandará a taxa de juros e a disponibilidade de recursos de empréstimos, ditando

soberanamente as crises entre os países.

Em tese, se reduzirem déficits e dívidas, os países do euro teriam melhores condições de

empréstimos no mercado privado. Isso é uma falácia. É a especulação que comanda o

processo, mantendo os governos como reféns. Diante dessa situação, um plano

keynesiano para resgatar a Europa implicaria, antes de mais nada, mudar a forma de

atuação do BCE. Os países endividados seriam autorizados a aumentar temporariamente

seus déficits e sua dívidas, até encontrar o ponto do crescimento sustentável, enquanto o

BCE, que acaba de disponibilizar para os bancos privados empréstimos de 1,3 trilhão de

dólares, garantisse liquidez também aos governos, para que não fiquem como reféns do

mercado em sua política de retomada.

Claro, isso só será possível com uma virada eleitoral nos principais países da área do

euro, notadamente França, Alemanha, Itália e Espanha – apoiada de fora por um

presidente Obama que venha reforçado por sua própria reeleição e pela eleição de uma

maioria democrata no Congresso. Não é preciso dizer que a alternativa é caótica: a

proposta de Merkel, em vez de mudar o BCE, é reforçar sua linha ortodoxa e mudar o

sistema fiscal europeu no sentido de reduzir todos os tesouros nacionais à política de

cortes nos gastos públicos. Em suma, fazer da Europa uma magna Grécia!

J. Carlos de Assis: Economista, professor de Economia Internacional da UEPB,

presidente do Intersul e autor, junto com o matemático Francisco Antonio Doria, de “O

universo neoliberal em desencanto” pela Civilização Brasileira.

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Questões orientadoras para o Grupo 2

Tema geral: Liberalismo e Desenvolvimentismo

Tema específico: Keynesianismo

1. Contexto histórico de nascimento do Keynesianismo

2. Relação do keynesianismo entre demanda e oferta

3. Estratégia keynesiana para solução das crises econômicas

4. Importância do keynesianismo hoje

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TEMA GERAL 1: LIBERALISMO E DESENVOLVIMENTISMO

TEMA DO GRUPO 3: Desenvolvimentismo Cepalino

Texto:

Celso Furtado: uma concepção de História em um modelo de

desenvolvimento econômico

O paraibano Celso Furtado, nascido em 1920, foi considerado um dos maiores

economistas brasileiros do século XX. Preocupado com a situação de

subdesenvolvimento do nordeste e de todo o país, encontra na teoria econômica

ferramentas para implantar um projeto de governo que se preocuparia em criar

condições para o desenvolvimento econômico através da ação do Estado como motor

desse processo.

Além de Celso Furtado, o economista argentino Raul Prebisch, na década de 1950,

também defendia o mesmo modelo. Atribuía o precário desenvolvimento não só da

América Latina, mas do Terceiro Mundo como um todo, as determinações do sistema

capitalista na sua globalidade. Conclui que as relações de troca na periferia do mundo

estavam declinando em direção ao centro e, nesse sentido, o crescimento era muito lento

nas regiões de Terceiro Mundo, bem como na América Latina. Desse modo condenava

a estrutura econômica mundial concentrada no sucesso da Europa e principalmente dos

Estados Unidos, por entender que essas regiões tinham a economia a seu favor, em

detrimento dos países dependentes que, por sua vez, eram os fornecedores de matéria-

prima. Ou seja, era a ordem mundial econômica global que mantinha essas regiões em

um estado contínuo de desenvolvimento dependente.

Os interlocutores da teoria do subdesenvolvimento procuraram demonstrar que as

relações de troca mundiais impunham aos países de Terceiro Mundo um

desenvolvimento dependente e desequilibrado. Para obter o equilíbrio, a solução era

encorajar a indústria local, impondo barreiras tarifárias contra as importações. A

substituição das importações foi conseguida principalmente pela intervenção do Estado

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na economia, que passou a ser também um agente regulador da instabilidade econômica

e social. Igualmente, a prática do planejamento foi incorporada pelo poder público e

tornou-se um componente paulatinamente cada vez mais utilizado pelo Estado. Esse

planejamento estava intimamente ligado a um projeto de planificação, um controle pré-

determinado, ferramenta utilizada pelo governo para gerenciar o Estado.

A política desenvolvimentista resultou de pesquisas da Comissão Econômica para

América Latina (CEPAL), que se foi refletida no Brasil, em grande parte, pelos

intelectuais. Segundo Guido Mantega, os intelectuais se voltaram para a industrialização

como meta prioritária para a situação brasileira naquele momento. No Brasil, a liderança

do movimento ficou nas mãos de um grupo de intelectuais de centro esquerda

denominado Grupo de Itatiaia. Esse grupo se transformaria no Instituo Superior de

Estudos Brasileiros (ISEB) encarregado de discutir os grandes problemas nacionais e de

auxiliar na elaboração dos programas de governo.

O ISEB reuniu nas décadas de 1950 e de 1960 os participantes da ideologia do

desenvolvimento nacional. Suas diretrizes fundamentadas na CEPAL indicavam

políticas econômicas de cunho nacional desenvolvimentista. Furtado foi um dos

representantes desse grupo na economia política desenvolvimentista e que se

transformou em ministro do governo de Juscelino Kubitschek. Na oportunidade exerceu

ativa participação na elaboração de projetos para os fins da modernização. Sendo assim,

a CEPAL teve destacada atuação ao longo do governo JK como centro da ideologia do

desenvolvimento, promovendo cursos, conferências, seminários e pesquisas.

As concepções do ISEB, no campo da economia, tinham como influência, entre outras,

as ideias do economista Keynes. Seus princípios se baseavam no desenvolvimento

econômico ligado ao progresso tecnológico que por sua vez resulta no acúmulo de

capital, com o aumento da produtividade do trabalho e nível de vida.

Na obra clássica de Furtado “Formação Econômica Brasileira”, o autor busca a

compreensão do processo histórico econômico do Brasil e da América Latina. Nela faz

uma análise desde a colonização portuguesa ao período de industrialização da primeira

metade do século XX. Conforme Furtado, a economia se torna uma ferramenta essencial

para o entendimento da História e vice-versa: os problemas econômicos somente podem

ser entendidos, e portanto, resolvidos, historicamente. Nesse sentido, acreditava ser

possível a elaboração de um método de entendimento da História que correspondesse às

suas expectativas acerca da compreensão do processo de desenvolvimento econômico.

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Sua teoria não se fundamentava na espontaneidade de um processo de livre mercado,

como acreditavam os liberais ou ainda em uma abordagem a-histórica da realidade.

Entender o desenvolvimento econômico ou mesmo do subdesenvolvimento era

entender, no caso, a própria história do Brasil. A partir disso, estabelecer-se-ia

propostas, planos e metas para a superação do subdesenvolvimento.

Resgatar o passado para Celso Furtado tem como um dos grandes objetivos buscar

elementos que possam orientar a composição de um projeto nacional.

Escreve Furtado: “eu fui chegando à conclusão de que havia qualquer coisa de errado

com o Brasil. Era fácil demais seguir a linha que era aceita, indicada pelos que

estudavam o Brasil na época. O próprio Euclides da Cunha e Oliveira Viana eram

fascinados pela sociologia do século XIX, que valorizavam o padrão das etnias, das

raças. Eugênio Gudin, por exemplo, era o maior economista do Brasil. Tinha

seguidores, representava internacionalmente o país e iria ser um dia ministro da

Fazenda. Ele partia do princípio de que o Brasil tinha inferioridades naturais,

principalmente por seu clima e sua raça. Pronto, estava tudo explicado. Ora, eu me

revoltei contra isso...No fundo, era um sistema de cultura que era inferior, que criava

essa situação. Não era o clima, nem a raça.”. Quer dizer, a ciência econômica, como

qualquer outra ciência, não pode estar descolada da história. A história, sendo o

desenrolar da vida humana, constitui as relações econômicas estabelecidas na sociedade.

Furtado alega que sua intenção fora “...aproximar a História da análise econômica;

extrair destas perguntas precisas e obter respostas para as mesmas na História...”.

Segundo Hannah Arendt, grande parte das ideologias buscam explicar a realidade tendo

como essência a busca por uma solução histórica, o que a autora chama de “a chave da

História”. O que move os fatos, o que impulsiona a ação do homem, qual o papel do

Estado, das classes ou do interesse individual, isso é a História.

Muitos intelectuais buscaram na cultura, na religião ou em outros elementos, o

entendimento da História, mas Celso Furtado parte da teoria econômica para resolver

suas questões de entendimento da política e, portanto da História.

Fonte: Neilaine Ramos Rocha de Lima. Adaptado por Eduardo Magalhães

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Questões orientadoras para o Grupo 3

Tema geral: Liberalismo e Desenvolvimentismo

Tema específico: Desenvolvimentismo Cepalino

1. Qual era a visão do funcionamento da economia mundial que justificou o modelo

desenvolvimentista cepalino?

2. Quais são as principais características do desenvolvimentismo?

3. Qual a relação e importância da História para a análise econômica segundo Celso

Furtado?

4. O que pode ser extraído de importante do pensamento desenvolvimentista cepalino de

Celso Furtado para os dias atuais?

5. Enfim, o que diferencia, basicamente o liberalismo do desenvolvimentismo?

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TEMA GERAL 1: LIBERALISMO E DESENVOLVIMENTISMO

TEMA DO GRUPO 4: Industrialização no Brasil

Texto:

Indústria antes de Getúlio

Nas escolas, quando muito, ensina-se que a industrialização brasileira teve início a partir

dos anos 30 com Getúlio Vargas. Correto, mas incompleto. Pouco ou nada se fala sobre

as importantes tentativas anteriores de implantação da indústria no Brasil. Elas

ocorreram e estão intimamente ligadas à política exterior brasileira.

Obrigados a deixar Lisboa por conta da invasão de Napoleão, o governo de Portugal,

toda a família real e D. João VI chegam em Salvador a 28 de Janeiro de 1808. Em 01 de

abril do mesmo ano, por meio de decreto, o monarca cria tarifa alfandegária de 24%. Ou

seja, todos os produtos importados passariam a pagar esse valor para entrar no Brasil.

Dessa forma, revogou o decreto de sua mãe, Dona Maria I, que em 05 de Janeiro de

1785 proibiu a indústria no Brasil. Isso significou na prática um grande estímulo para a

nascente manufatura brasileira e ao mesmo tempo uma enorme contrariedade aos

interesses da Inglaterra. Recordemos que este país estava em plena Revolução Industrial

e necessitava vender seus produtos excedentes.

Em 28 de abril de 1809 novo decreto isenta as exportações de manufaturados

brasileiros e reduz pela metade os direitos alfandegários das matérias-primas necessárias

à construção naval, além de incentivos aos inventores de máquinas e oferta de crédito.

No entanto, por meio de três acordos firmados em 19 de Fevereiro de 1810 o próprio D.

João VI intimidou-se e reduziu a alíquota para 15% aos produtos ingleses. Mesmo

Portugal pagaria mais: 16%. Essa nova realidade foi um desastre para a florescente

indústria do Brasil.

Seu filho, D. Pedro I, não só renovou a dependência brasileira em relação à Inglaterra,

mas também aprofundou a subordinação econômica. O Tratado da Amizade, Navegação

e Comércio firmado em 17 de Agosto de 1827 e válido por quinze anos, viabiliza a

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garantia dos privilégios ingleses, servindo da mesma forma como referência para outros

tratados entre o Brasil e nações capitalistas industriais: Áustria, Prússia, Cidades

Hanseáticas, Dinamarca, Estados Unidos e Países Baixos. Conforme sintetiza muito

bem o professor Amado Luiz Cervo: “(…) Era a universalização do sistema de tratados

desiguais, abrindo-se o Brasil à concorrência do capitalismo industrial, de forma

completa e perfeita, com o sacrifício dos instrumentos internos de defesa”. A

justificativa histórica para o ato de D. Pedro I foi conquistar o reconhecimento das

nações mais importantes da independência brasileira, o que foi obtido. Em síntese: em

nome da soberania política o Brasil subordinou-se economicamente. Continuando a

análise: é possível haver independência política se não há independência econômica?!

Em 1844 o governo de D. Pedro II rompe com a política externa de seu pai, D. Pedro I,

que havia nos levado à dependência histórica. O sistema dos tratados é substituído por

uma estratégia internacional de fortalecimento da indústria brasileira até 1876. Não é

coincidência que nesse período foi possível o surgimento de um industrial do porte de

Barão de Mauá, o qual se tornou, de longe, o maior capitalista industrial brasileiro da

época e um dos maiores do mundo. A política de soberania e indústria nacionais tinha

preponderância no parlamento, principalmente na Câmara. Entretanto, havia uma parte

dos representantes parlamentares, notadamente senadores, que defendiam políticas

liberais, contrárias ao protecionismo. O executivo, personificado por D. Pedro II,

acabou cedendo às pressões da Inglaterra e aos poucos aderiu à “liberdade de mercado”,

abandonando as ações de proteção e incentivo à indústria do Brasil.

Em todos esses períodos, o setor produtivo que mais se destacou foi o têxtil, mas foram

significativos também os avanços da indústria naval, metalúrgica e siderurgia. O têxtil,

por exemplo, crescia mesmo durante o período colonial, tendo sido o motivo mais

importante para levar à proibição de D. Maria I.

As iniciativas de industrialização existiram durante o Brasil Imperial, com destaque para

a administração de D. Pedro II, foram abortadas por pressão principal do capitalismo

inglês. O Estado acabou bloqueando as iniciativas privadas e mesmo tratando de

impedi-las. Tais políticas contribuíram para a instalação de um capitalismo tardio no

Brasil, ou segundo o filósofo José Chasin, um capitalismo hipertardio de via colonial.

Eduardo Magalhães

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Barão de Mauá, pioneiro da indústria brasileira

Em uma época em que a renda nacional dependia quase que exclusivamente do meio

rural, o Barão de Mauá foi o responsável por um surto que acelerou a industrialização

no país, tendo sido proprietário de algumas das mais importantes empresas brasileiras

no século XIX e um dos mais ricos industriais do planeta.

Com 23 anos se tornou sócio da empresa escocesa em que trabalhava. Algum tempo

depois, fez uma visita à Inglaterra e diante das fábricas, fundições de ferro e

empreendimentos comerciais importantes do principal país capitalista na época, voltou

para o Brasil decidido de que o crescimento do país deveria ser impulsionado pela

industrialização.

Investimentos na indústria pesada

Em 1845, Irineu tomou sozinho a frente do ousado empreendimento de construir os

estaleiros da Companhia Ponta da Areia, com que iniciou a indústria naval brasileira.

No ano seguinte, o estaleiro já era considerado o maior patrimônio industrial do país.

Em onze anos, já havia fabricado mais de 70 navios. Fundou também a Companhia de

Iluminação à Gás do Rio de Janeiro para a iluminação pública da cidade. Mauá, além de

produzir navios, caldeiras para máquinas a vapor, prensas, tubos para encanamentos de

água e guindastes, construiu também estradas de ferro, e foi o responsável pela primeira

ferrovia brasileira.

Criou também um banco com filiais em várias capitais brasileiras e no exterior:

Londres, Nova York, Buenos Aires e Montevidéu. Envolveu-se nos projetos das

primeiras rodovias pavimentadas do país e organizou companhias de navegação a vapor

no Rio Grande do Sul e no Amazonas. Contribuiu também para o fluxo de informações

ao se dedicar à instalação dos primeiros cabos telegráficos submarinos ligando o Brasil

à Europa.

Possuía empresas do Norte ao Sul do Brasil e tudo que era moderno no país tinha um

toque seu, além disso, sua fortuna era maior do que o orçamento disponível para o

governo federal na época. Por ter ideias diferentes das do imperador D. Pedro II e

especialmente por pressões inglesas, acabou sendo alvo de perseguições e suas

empresas entraram em processo de falência, pois muitos dos seus projetos começaram a

ser inviabilizados.

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Acometido pelo diabetes, acabou falecendo em 1889, mas não sem antes vender suas

empresas e liquidar suas dívidas.

Questões orientadoras para o Grupo 4

Tema geral: Liberalismo e Desenvolvimentismo

Tema específico: Industrialização no Brasil

1. Relação que pode ser estabelecida entre o início do processo de industrialização

brasileira no século XIX e a Revolução Industrial inglesa (segunda fase).

2. Quais foram as características básicas das políticas industriais dos governos

imperiais de D. Maria I e D. João VI?

3. Quais as conclusões possíveis entre independência política e dependência

econômica durante a administração de D. Pedro I?

4. Apesar de em ciência histórica não existir o “se”, o Brasil poderia ser diferente

caso houvesse se industrializado no mesmo período da Revolução Industrial

inglesa?

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TEMA GERAL 2: NEOLIBERALISMO E NEODESENVOLVIMENTISMO

TEMA DO GRUPO 1: Os governos de Reagan e Thatcher

Texto:

Thatcher-Reagan e o neoliberalismo: a contrarrevolução travestida de reforma e

modernização

Emir Sader – 12/04/2013

A virada de período histórico operada pelo fim da URSS, pela passagem à hegemonia

unipolar dos EUA e pela hegemonia do modelo neoliberal, representou um duro golpe

para a esquerda. Mais além da desaparição do sistema soviético – que, antes mesmo de

se avaliar sua natureza, representava um contrapeso ao bloco imperialista –, a derrota da

esquerda foi de dimensões muito maiores.

Em primeiro lugar porque a crise soviética não desembocou numa solução de esquerda

– como esperavam os trotskistas e poderiam supor os social-democratas –, mas numa

alternativa plenamente capitalista, de direita.

Em segundo lugar, porque trouxe com ela a desmoralização do socialismo, do Estado,

da economia planificada, da política, dos partidos, das soluções coletivas, junto com a

desqualificação da esquerda, do movimento sindical, do mundo do trabalho.

Alterou-se não apenas o cenário político, mas também o ideológico. Com a desaparição

de alternativas, o liberalismo se impôs, carimbando seu sistema político como “a

democracia”, a economia capitalista como “a economia”.

Mas a principal vitória ideológica do liberalismo renascido foi a desqualificação, como

superado, de todo o ideário da esquerda, que até esse momento aparecia como a

superação histórica do capitalismo. A desaparição da URSS era considerada como a

negação de uma evolução histórica que levaria do capitalismo ao socialismo; surgia a

teorização do fim da história, com a vitória do capitalismo e da democracia liberal.

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Completou-se o quadro com a ruptura da aliança, na Europa, entre socialistas e

comunistas, com aqueles aderindo ao neoliberalismo e estes ficando isolados e sem base

importante de apoio popular. Na América Latina o fenômeno similar foi a adesão dos

nacionalismos (mexicano, argentino) e da social-democracia (chilena, venezuelana,

brasileira) ao neoliberalismo.

No plano ideológico, a direita revigorou-se, assumindo a bandeira das reformas e da

modernização, agora identificadas com o mercado e contra o Estado. A esquerda ficou

na defensiva, como se tivesse deixado de representar o futuro da humanidade, para

representar o passado. O capitalismo assumiu ares de dinamismo, de eficácia, de

modernização, enquanto o socialismo e o Estado foram projetados como arcaicos,

estagnantes, antidemocráticos.

O auge do modelo neoliberal passou relativamente logo, a crise capitalista iniciada em

2008 se encarregou de terminar com o consenso das políticas econômicas neoliberais.

Mas a ideologia que o acompanhou segue vigente: mercado, consumismo, soluções

individuais, desqualificação da política – e, com ela, dos partidos, dos Estados e

governos, dos parlamentos.

Ideologicamente, a esquerda segue na defensiva, porque não construiu uma

interpretação contemporânea para disputar com a narrativa neoliberal. Mesmo os

sucessos de governos latino-americanos não foram codificados em um modelo pós-

neoliberal, para difundi-los. O prestígio do Lula por todo o mundo revela o potencial de

uma proposta dessa ordem, mas ela não foi formulada, ainda que verbalizada pelo Lula

e pela Dilma.

Vivemos um período de transição, entre um modelo velho que teima em sobreviver – e

conta com o monopólio mundial dos meios de comunicação para isso – e um mundo

novo, com avanços reais, mas ainda sem capacidade de formulação e menos ainda de

sua difusão.

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Questões orientadoras para o Grupo 1

Tema geral: Neoliberalismo e Neodesenvolvimentismo

Tema específico: Os governos de Reagan e Thatcher

1. Consequências, em nível mundial e nacional (Brasil) para a esquerda e

movimentos sociais em geral por conta da hegemonia neoliberal nos anos

1970/1990

2. Há um “trem da história”?

3. O neoliberalismo (capitalismo) é o “fim da história”?

4. Principais características ideológicas do neoliberalismo para o dia a dia

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TEMA GERAL 2:NEOLIBERALISMO E NEODESENVOLVIMENTISMO

TEMA DO GRUPO 1: A crise mundial de 2008

Texto:

Para além das políticas de resgate

João Sicsú - Diretor de Estudos Macroeconômicos do IPEA e professor do IE-UFRJ

O sistema financeiro ofereceu aos americanos de renda mais baixa e instável o sonho da

casa própria. Ao mesmo tempo, ofereceu aos de cima outro sonho, o da alta

rentabilidade financeira – já que as operações tradicionais, como a concessão de crédito,

estavam remunerando muito aquém dos seus sonhos financistas. O sonho dos de baixo

era compatível com o sonho dos de cima. Diferentemente das empresas e outros entes,

os americanos de baixo (os indivíduos do grupo subprime) supostamente poderiam

pagar aos de cima juros mais altos. O sistema pactuou os sonhos dos “subcidadãos” com

os sonhos das superinstituições financeiras.

As operações de financiamento imobiliário ao grupo de “subcidadãos” eram de alto

risco por estarem garantidas pelo trabalho, por vezes, informal e por rendas,

potencialmente, variáveis. E, finalmente, chegou o dia em que as garantias evaporaram.

Chegou o dia em que as prestações da casa própria não puderam mais ser pagas. Uma

das formas de pactuação dos sonhos foi estabelecer contratos de financiamento

imobiliário com juros altos, mas com percentuais diferenciados ao longo do tempo. No

começo do contrato, as taxas de juros eram baixas, depois eram muito altas para

compensar a redução da primeira fase. Até o final de 2006, a maior parte dos contratos

ainda estava na fase de juros mais baixos (e, portanto, a inadimplência era reduzida).

Posteriormente, na fase de juros mais altos, a prestação elevada não cabia no

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rendimento dos “sub-cidadãos” e os empréstimos deixaram de ser validados. Esse é o

desenho da crise de crédito que atingiu a economia norte-americana.

O sistema financeiro vendeu a dívida que carregava dos “subcidadãos” para as super-

instituições, remunerando-as com elevadas taxas de juros, proporcionais ao risco da

operação. Quando foi percebido que a dívida dos de baixo não estava sendo validada,

decidiu-se vender o papel lastreado na capacidade de pagamento dos “subcidadãos”.

Quase que simultaneamente, todos tomaram a mesma decisão. Por razões óbvias, os

papéis passaram a valer quase nada. Quando os preços de ativos entram em deflação

aguda, diz-se, então, que o mercado entrou em crise de liquidez. Esses papéis de alto

risco e remuneração compunham o ativo de muitas instituições financeiras nos Estados

Unidos. Os valores de passivos são mais rígidos do que de ativos. Se por um lado, a

maior parte dos ativos das instituições financeiras é cotada pelo mercado, por outro, os

seus passivos estão registrados em contratos. Assim, passivos e ativos se

desequilibraram. Foi isto que tornou o capital de diversas instituições insuficiente para

garantir a continuidade de suas operações. A terceira crise, então, adentrou a economia:

a crise patrimonial. Primeiro foi a crise de crédito, que se transformou em crise de

liquidez que, por sua vez, se transformou em crise patrimonial.

Instituições financeiras que não foram atingidas tão diretamente pela crise estão

temerosas, decidiram retrair seus negócios: afinal, ao negociar um ativo, o devedor

potencial pode ser um “subcidadão” oculto ou uma superinstituição em crise, mas sem

sintomas externos. Se isto vale para o sistema financeiro, vale também para setor real da

economia. Quem tinha planos de investimento em capital produtivo vai mantê-los na

gaveta. O trabalhador sujeito a risco de renda (desemprego) vai reduzir a demanda para

fazer um fundo de precaução. Portanto, o risco agora é de que haja uma quarta crise:

uma crise de demanda por mão-de-obra, bens de consumo e capital produtivo. O canal

mais objetivo de contaminação dessa próxima crise é a redução da oferta e da demanda

por crédito, independentemente das taxas de juros cobradas ou oferecidas. O outro canal

é subjetivo, é a desconfiança generalizada na capacidade de compra futura da economia,

ou seja, mesmo aqueles que não necessitam do sistema financeiro para investir ou para

produzir ou para consumir tenderão a se retrair.

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Aviso aos liberais: esta crise é resultado da falta de regulamentação sobre as

superinstituições financeiras e da falta de políticas públicas habitacionais para os

“subcidadãos”. Foi a falta de atuação do Estado e não a sua ação ativa que causaram a

crise.

As políticas governamentais de resgate do sistema financeiro são todas necessárias. As

políticas de compra de papéis que não valem o que mercado pagaria restituem o capital

de instituições que poderiam falir. As benesses orçamentárias do governo que envolvem

as transações de aquisições de instituições dentro do sistema financeiro são válidas. As

intervenções diretas com re-capitalização e tomada do controle por parte do Estado são

indispensáveis. Contudo, todas essas políticas são limitadas porque os canais objetivo e

subjetivo de contaminação do setor financeiro para o setor real já estão abertos.

Uma política fiscal agressiva de gastos será necessária. Todas as políticas de salvamento

de instituições financeiras podem restabelecer a saúde do sistema, mas não são capazes

de restaurar a sua atividade. O saneamento do sistema é um problema objetivo, contábil.

Contudo, sua atividade depende de sentimentos, conjecturas e temores tanto da parte do

sistema financeiro quanto da parte do setor real. Toda a liquidez que poderá restaurar

instituições financeiras e impedir que a crise atinja o sistema em sua totalidade pode

ficar represada. Banqueiros e empresários não têm interesse em realizar negócios que

podem não ser validados pelo consumidor final. A saída bem-sucedida deverá ser uma

ativação dos negócios privados estimulada pelo setor público, que deverá realizar

gastos, contratar mão-deobra e transferir renda àqueles que têm alta propensão a gastar

(que são os “subcidadãos) e, portanto, não vão represar liquidez.

Caso as políticas do governo norte-americano sejam apenas de restauração do sistema

financeiro, a economia dos Estados Unidos ficará patinando por algum tempo, que

poderá ser longo. A economia japonesa já mostrou e tem mostrado que não vale a pena

esperar. A diferença ensinada por J.M.Keynes entre as políticas de ampliação da

liquidez e as políticas fiscais de gastos é que as primeiras são dependentes das reações,

por vezes, pessimistas ou excessivamente cautelosas do setor privado, enquanto as

últimas representam “remédio direto na veia”, ou seja, compras diretas ao setor privado,

contratações de mão-de-obra ou transferências de renda àqueles que gastam tudo aquilo

que recebem e que, portanto, ativam os negócios privados da economia.

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Questões orientadoras para o Grupo 2

Tema geral: Neoliberalismo e Neodesenvolvimentismo

Tema específico: A crise mundial de 2008

1. Como funcionou o mecanismo básico de origem da crise financeira mundial de

2008?

2. Possibilidades de uma crise imobiliária no Brasil aos mesmos moldes que a

iniciada nos Estados Unidos em 2008

3. Relação entre a desregulamentação dos mercados financeiros a partir dos anos

1970 (Thatcher e Reagan) e a crise de 2008.

4. Papel do Estado (o que foi feito e o que deveria ser feito: Estados Unidos e

países centrais da Europa Ocidental) em relação à crise de 2008

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TEMA GERAL 2:NEOLIBERALISMO E NEODESENVOLVIMENTISMO

TEMA DO GRUPO 3: Neodesenvolvimentismo e a questão social na era Lula-Dilma

Texto:

O decênio que mudou o Brasil

O período posterior à aprovação da Constituição seguiu demarcado crescentemente por,

pelo menos, duas visões distintas e polarizadas em termos de possibilidades abertas de

futuro a serem construídas para a sociedade brasileira. De um lado, o projeto neoliberal,

que terminou agregando segmentos políticos capazes de hegemonizar a condução do

governo nacional entre 1990 e 2002 e, de outro, o projeto desenvolvimentista que se

consagrou vitorioso a partir de 2003 pelo conjunto das forças políticas pertencentes à

Frente Democrática e Popular, cuja liderança maior coube ao Partido dos

Trabalhadores.

O projeto neoliberal representou a internalização de um ideário originado e praticado

por governos como na Inglaterra (Margareth Thatcher, 1979-90), nos Estados Unidos

(Ronald Reagan, 1981-89), entre outros de idêntica inclinação política e ideológica. Os

governos neoliberais no Brasil consagraram a velha e surrada perspectiva das

tradicionais elites conservadoras de que não haveria possibilidades nacionais autônomas

para a construção de um país livre para toda a população.

Foram anos de enaltecimento da “economia política do bonsai”. Para qualquer broto de

crescimento com possível distribuição menos ingrata da renda que ousasse aparecer no

Brasil havia a tesoura dos delegados do Consenso de Washington a amputá-lo, sempre

com o rigozijo dos defensores do pensamento único como parcela significativa dos

meios de comunicação. Enquanto o Estado era tratado como responsável por todos os

males do Brasil, o desenvolvimento nacional era concebido como algo espontâneo e

exclusivo das forças de mercado. No máximo a função de regulação ao Estado, jamais a

de promotor e protetor do processo de desenvolvimento nacional.

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Neoliberalismo X (Neo)Desenvolvimentismo

Os percentuais das tabelas abaixo falam por si só. Refletem, como é afirmado ao longo

do texto, os resultados práticos produzidos por políticas públicas opostas em sua

essência. A neoliberal defende a menor participação possível do Estado na vida

econômica de um país, a (neo)desenvolvimentista, pelo contrário, entende como sendo

vital a inserção desse mesmo Estado no âmbito econômico e social, isto é, nega que o

mercado, por si só, seja o responsável pelo funcionamento de uma sociedade.

A respeito dos números a seguir, ainda é fundamental sublinhar que em 2002 a

população brasileira era de 175 milhões e em 2012, 194 milhões, um aumento, portanto,

de quase 20 milhões de brasileiros, ou seja, 11%. Quer dizer, os percentuais referem-se

a números absolutos diferentes. Nesse sentido, os parcos resultados positivos entre

1995-2002 beneficiaram um contingente substancialmente menor do que os obtidos no

decênio 2003-2012. Por exemplo, o aumento de 27,3% do emprego no primeiro período

impactou uma PEA (População Economicamente Ativa) significativamente menor do

que na fase seguinte que, mesmo percentualmente, foi muito maior: 79,1%1.

Inflação % PIB per capita % % Dívida

Pública/PIB

Produtividade % Reservas %

95/2002 2003/12 95/2002 2003/12 95/2002 2003/12 95/2002 2003/12 95/2012 2003/12

106,5 76,5 6,4 27,6 143,3 -41,1 0,3 13,2 -2,6 887

Emprego % Desigualdade % Salário/PIB Salário Mín. Real

%

Desemprego %

95/2002 2003/12 95/2002 2003/12 95/2002 2003/12 95/2002 2003/12 95/2012 2003/12

27,3 79,1 -2,2 -11,4 -7,2 8,9 29,8 70,7 57,9 -38,9

Resumidamente, o crescimento da economia combinado com o regime político

autoritário favoreceu apenas parte da população, o que estimulou o florescimento de

uma espécie de capitalismo selvagem, em que o Brasil se transformou num dos

símbolos mundiais da desigualdade e pobreza do capitalismo subdesenvolvido a não ser

seguido. A “teoria do bolo”, de que somente após a economia crescer seria possível

1 Pode-se argumentar que pelo fato de o primeiro período (1995-2002) englobar somente 8 anos e o segundo (2003-2012) dez anos, haveria uma comparação desigual. No entanto, se acrescentarmos mais dois anos incluindo também

1993 e 1994, os resultados da política neoliberal seriam ainda piores.

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distribuir, se tornou, desde os anos 1970, uma referência a não ser questionada. Ousar

divergir implicava ser identificado como acadêmica e politicamente ultrapassado,

perdido no passado distante.

A contração do ciclo de forte expansão econômica proporcionada pela crise da Dívida

Externa (1981-83) em meio ao sucesso das lutas sociais em torno da retomada

democrática descortinou no último quartel do século passado uma significativa

desconexão entre os rumos da política e da economia nacional.

A retomada do regime democrático a partir de 1985, consolidada pelos avanços da

Constituição de 1988, aplainou um novo caminho de sucessos na política brasileira. Em

2013, o país completa 28 de regime democrático. O mais longo período da História

nacional, cuja referência principal é a construção do Estado de bem estar social que

absorve atualmente 23% do PIB em prol da proteção e promoção social. Em 1985, ao

final do governo militar, o gasto social representou tão somente 13,5% do Produto

Interno Bruto Nacional.

Por outro lado, a economia abandonou a trajetória de contínuo e sustentável crescimento

da produção nacional, o que significou a imposição da convivência com duas décadas

de semi estagnação da renda per capita dos brasileiros. Com as medidas de ajuste

exportador tomadas no início dos anos 1980 pelo governo militar, o país deu início ao

longo calvário de esforços internos para gerar riqueza capaz de pagar a dívida externa.

Como resultado, as políticas de ajuste promoveram o crescente desajuste social.

Com os governos neoliberais que sucederam a etapa da Nova República (1985-90), a

fase de semi estagnação da renda não foi alterada, somente interrompida desde 2003, o

que terminou por deixar um rastro evidente de pobreza, desemprego e concentração da

renda.

Contrariando a tudo isso, surge o decênio iniciado com a vitória do presidente Lula e

continuado pela presidenta Dilma que possibilitou, pela primeira vez nos últimos

cinquenta anos, unir na mesma trajetória a democracia com o crescimento da produção e

justiça social.

Nos últimos 10 anos, a política e a economia soberanas andaram de mãos dadas e os

resultados positivos para o conjunto da população têm sido crescentes. O decênio

glorioso não surpreende mais o mundo.

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Dessa forma, o Brasil se transformou em uma referência global a ser seguida. Com a

retomada do planejamento, o crescimento da economia foi estruturado em um conjunto

de inovadoras políticas públicas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família que

evoluiu positivamente para o programa Brasil sem Miséria e Brasil Carinhoso.

Simultaneamente, a intervenção pública organizada e sistêmica se constituiu no pilar de

irradiação dos investimentos em diversos setores produtivos, como por meio dos Planos

de Aceleração do Crescimento (PAC I e II), do programa habitacional Minha Casa,

Minha Vida, da política de desenvolvimento produtivo Brasil Maior, entre outras

iniciativas desenvolvimentistas.

Por conta disso, o Brasil encontra-se atualmente entre as seis principais economias

globais e entre as maiores democracias de massa do mundo. Ao mesmo tempo

consolida cada vez mais a condição de país que expande a sua produção interna

combinada com a melhor distribuição do que melhor produz, o que resulta na tendência

próxima de superação da miséria. Também aponta para o estabelecimento do patamar

da desigualdade de renda somente compatível com os chamados países desenvolvidos.

Frente à crise de dimensão global, o Brasil seguiu e segue inovando com a adoção de

políticas públicas de caráter anticíclico, ao contrário das iniciativas neoliberais na

década de 1990 de aprofundamento dos problemas que vinham do exterior. Seja em

2008 e 2009, seja em 2011 e 2012, as decisões governamentais de redução na taxa de

juros com ativação da política fiscal se mostraram fundamentais para evitar as

repercussões da crise internacional no mercado interno brasileiro.

Adicionalmente, registram-se medidas de apoio à competitividade do setor produtivo

nacional com a implementação de políticas de redução de custos às famílias e às

empresas.

Destacam-se, neste sentido, as ações de maior redução na taxa de juros, na desoneração

fiscal e na diminuição das contas de luz.

Em resumo, a continuidade do compromisso com a solidez fiscal que viabilizou a via

para a redução da taxa Selic, assim como avanços em termos da reconstrução do modelo

no setor elétrico, capaz de garantir a retomada dos investimentos, a expansão da oferta

com a manutenção da matriz limpa e as condições básicas para a redução da tarifa.

Aliado à política monetária e cambial, o Brasil consegue enfrentar a crise global

buscando fortalecer o seu mercado interno, com a contínua redução da pobreza, da

desigualdade de renda e do desemprego. Também adota várias políticas de ampliação

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do acesso à universidade, com a expansão e descentralização da rede federal, Prouni,

Fies, bem como as ações no ensino técnico e na qualificação e valorização da mão de

obra brasileira.

Inegavelmente, um caminho próprio, distinto do observado atualmente em outras

economias, que permite ao país e ao seu povo sair da crise global muito mais pujante.

Texto adaptado por Eduardo Magalhães a partir do documento “O decênio que mudou o Brasil”

publicado em fevereiro de 2013 pela Fundação Perseu Abramo e Partido dos Trabalhadores.

http://www.fpabramo.org.br/sites/default/files/Folheto_PT_10anos_governo_Net.pdf

Questões orientadoras para o Grupo 3

Tema geral: Neoliberalismo e Neodesenvolvimentismo

Tema específico: Neodesenvolvimentismo e a questão social na era Lula-Dilma

1. Tendo como referência as últimas duas décadas, quais são as diferenças

das características básicas entre as políticas econômicas aplicadas no

Brasil?

2. Identificar o papel do Estado e do Mercado/Capital, no que se refere ao

desenvolvimento econômico e respectivas consequências sociais, nos

seguintes períodos: a) Ditadura Militar; b) Democratização até final do

governo FHC e c) Lula-Dilma.

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TEMA GERAL:NEOLIBERALISMO E NEODESENVOLVIMENTISMO

TEMA DO GRUPO 4: O novo desenvolvimentismo

Texto:

DEZ TESES SOBRE O NOVO DESENVOLVIMENTISMO

Nos dias 24 e 25 de Maio de 2010 um grupo de economistas de tradição keynesiana e

estruturalista se reuniu em São Paulo para discutir as dez teses sobre o novo

desenvolvimentismo – um nome que alguns deles já vinham usando há alguns anos para

descrever a estratégia nacional de desenvolvimento que países de renda media têm

adotado ou deveriam adotar para promover seu desenvolvimento econômico e atingir o

nível de renda dos países mais ricos.

A reunião integrou o projeto “Crescimento com Estabilidade Financeira e o Novo

Desenvolvimentismo”, financiado pela Fundação Ford. O projeto tem como pano de

fundo o fracasso do consenso de Washington em promover o desenvolvimento

econômico na America Latina e a grande crise financeira de 2008 que mostrou ao

mundo os limites e perigos envolvidos na globalização e desregulamentação

financeiras.

A reunião foi feita na esteira de uma das maiores crises financeiras da historia, na qual

ficou evidente o impacto da abertura dos mercados financeiros sobre as taxas de câmbio

e os preços de bens comercializáveis. O G20 e mais alguns países têm tentado agora

construir a devida regulação para os mercados financeiros. A partir desse pano de fundo

e das recorrentes crises nos países em desenvolvimento de renda média, o objetivo geral

do encontro foi avaliar quão efetiva uma estratégia baseada no novo

desenvolvimentismo pode ser para promover o crescimento com estabilidade. O

objetivo mais específico foi discutir as dez teses sobre o novo desenvolvimentismo que

haviam sido submetidas aos participantes antes da reunião de São Paulo.

Depois de dois dias de intensa e rica discussão, os organizadores locais do encontro

ficaram responsáveis pela revisão do texto das teses de modo a refletir o resultado dos

debates. A versão final que segue foi aprovada pelos participantes originais da reunião.

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Outros economistas e cientistas sociais comprometidos com os objetivos de crescimento

com estabilidade e igualdade social estão agora também convidados a subscrever as dez

teses.

1. O desenvolvimento econômico é um processo estrutural de plena utilização de

todos os recursos domésticos disponíveis, capaz de levar a economia de maneira

sustentável à máxima taxa de acumulação de capital com base na incorporação de

progresso técnico. O primeiro objetivo é promover o pleno emprego do fator trabalho.

Este processo envolve não apenas o aumento da produtividade em cada setor, mas

também a contínua transferência de trabalhadores para indústrias que produzem bens e

serviços de maior valor adicionado e que paguem maiores salários.

2. O mercado é o lócus privilegiado desse processo, mas o Estado desempenha um

papel estratégico em prover o arcabouço institucional apropriado que sustente esse

processo estrutural. Isso inclui a promoção de estruturas e instituições financeiras

capazes de canalizar os recursos domésticos para o desenvolvimento de inovações em

setores que geram elevadas taxas de crescimento do valor adicionado doméstico. Esse

arcabouço institucional deve também incluir medidas que possibilitem superar

desequilíbrios estruturais e promovam a competitividade internacional.

3. No contexto da globalização, o desenvolvimento econômico requer uma

estratégia nacional de desenvolvimento que capture oportunidades globais, isto é,

economias de escala globais e fontes múltiplas de aprendizado tecnológico, reduza

barreiras à inovação decorrentes de regimes de propriedade intelectual excessivamente

rígidos, assegure estabilidade financeira e crie oportunidades de investimento para

empreendedores privados.

4. Apesar de as políticas industriais estratégicas e a visão schumpeteriana do

processo de desenvolvimento econômico serem fundamentais, o lado da demanda é

aquele que abriga os maiores gargalos para o crescimento. Desde Keynes

reconhece-se que a oferta é incapaz de criar automaticamente sua própria demanda.

Entretanto, em países em desenvolvimento existem adicionalmente duas tendências

estruturais que limitam a demanda e o investimento: a tendência para os salários

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crescerem abaixo da taxa de crescimento da produtividade e a tendência à

sobrevalorização da taxa de câmbio real e/ou nominal.

5. A tendência para os salários crescerem mais lentamente que a

produtividade decorre da oferta abundante de mão de obra e da economia política dos

mercados de trabalho. Além de limitar a demanda doméstica e reforçar a concentração

de renda, essa tendência pode também afetar negativamente o crescimento da

produtividade no longo prazo. Um salário mínimo legalmente determinado, programas

de transferências de renda para os pobres e, principalmente, a garantia do governo em

pagar salários que possibilitem um padrão de vida razoável, podem ser utilizados para

neutralizar essa tendência de subvalorização do trabalho. A alternativa – uma

sobrevalorização crônica da moeda doméstica que aumenta o poder de compra – não é

uma estratégia sustentável.

6. A tendência à sobrevalorização cíclica da taxa de câmbio em países em

desenvolvimento se deve tanto à dependência da poupança externa na forma de fluxos

de capital quanto à doença holandesa no contexto de um mercado de capitais

excessivamente aberto e sem a apropriada regulação. Essa tendência implica que a taxa

de câmbio em países em desenvolvimento não é somente volátil, mas contribui para

recorrentes crises monetárias e bolhas nos mercados financeiros. Também implica que

oportunidades de investimentos orientadas para exportações são cronicamente

insuficientes, pois a sobrevalorização cambial torna até mesmo as empresas domésticas

mais eficientes, não competitivas em um ambiente internacional.

7. A doença holandesa pode ser caracterizada como uma permanente

sobrevalorização da moeda doméstica devido à existência de rendas oriundas das

exportações baseadas em commodities e recursos naturais ou em trabalho

excessivamente barato. A doença holandesa impede a prosperidade de outras indústrias

de bens comercializáveis ao criar um diferencial entre a “taxa de câmbio de equilíbrio

em conta corrente” (que equilibra o saldo em conta-corrente) e a “taxa de cambio de

equilíbrio industrial”, que permitiria às indústrias de bens comercializáveis utilizando o

estado da arte em tecnologia tornarem-se competitivas no mercado global.

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8. O desenvolvimento econômico deve ser financiado primordialmente com

poupança doméstica. Para atingir tal objetivo a criação de instituições financeiras

públicas que garantam a plena utilização de recursos domésticos - especialmente o

trabalho -, a inovação financeira e o suporte ao investimento se faz necessário. A

tentativa de utilização de poupança externa via déficits em conta corrente geralmente

não aumenta a taxa de investimento (como defendido pela visão ortodoxa), pelo

contrário, aumenta o endividamento doméstico e reforça a instabilidade financeira.

Estratégias de crescimento baseadas em poupança externa causam fragilidade

financeira; colocam governos na busca da construção de sua reputação, na posição de

reféns dos mercados financeiros, e terminam, em geral, em crises cambiais e de balanço

de pagamentos.

9. Para garantir um arcabouço apropriado para o desenvolvimento econômico, o

governo deve assegurar uma relação de longo prazo estável entre a dívida pública e

o PIB e uma taxa real de câmbio que considere e busque neutralizar os efeitos

adversos da doença holandesa sobre o setor manufatureiro doméstico.

10. Para atingir o desenvolvimento de longo prazo a política econômica deve

perseguir o pleno emprego como seu objetivo principal, ao mesmo tempo em que

garanta estabilidade de preços e financeira.

Essas dez proposições não pretendem ser uma receita completa para o desenvolvimento

econômico. Ao contrário, elas pretendem ser um conjunto de propostas que possam ser

subscritas por uma vasta gama de economistas. Essas propostas devem ser ajustadas

tendo em vista contextos domésticos produtivos, sociais e políticos específicos. Nada

foi dito sobre o contexto atual de globalização financeira e arquitetura do comércio

global que são temas que necessitam claramente de atenção, especialmente em um

ambiente globalizado caracterizado por intensa competição adversa.

Os economistas que subscrevem esse documento não estão afirmando que concordam

totalmente com as dez teses. Estão simplesmente afirmando que apóiam sua abordagem

teórica e suas principais recomendações de política econômica.

São Paulo, 29 de Julho de 2010.

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Questões orientadoras para o Grupo 4

Tema geral: Neoliberalismo e Neodesenvolvimentismo

Tema específico: O novo desenvolvimentismo

1. Relação entre Estado e Mercado (papel de cada um)

2. Importância do trabalho, emprego e renda para o Neodesenvolvimentismo

3. Desafios para a implantação efetiva do Neodesenvolvimentismo

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TEMA GERAL 3: POLÍTICAS PÚBLICAS

TEMA DO GRUPO 1: Conceitos e principais características

Texto:

As fases do processo de políticas públicas

1. Políticas Públicas é o mesmo que governo em ação

2. O tema política pública passa a ser estudado com maior intensidade após a

Segunda-Guerra com o estado de bem-estar social na Europa e também com o

surgimento do Neoliberalismo (chamado pelo eufemismo políticas de ajuste fiscal) a

partir dos anos 1970/1980.

3. Políticas Públicas constituem, na verdade, um conjunto de fases conhecidas por

“ciclo de política pública” ou policy cicle ou ainda fases do “processo de políticas

públicas”, em inglês, policy making process.

4. São cinco os estágios:

a. Identificação do problema;

b. Agenda setting ou construção de agenda;

c. Formulação da política;

d. Implantação e

e. Avaliação

5. As três primeiras fases são agregadas no que se chama “processo decisório”

6. O “processo decisório” envolve, por exemplo, a relação entre Executivo e

Legislativo na aprovação de projetos de lei, a influência do Poder Judiciário nas

políticas desenhadas pelos demais poderes, a influência dos grupos de interesse e

pressões políticas sobre programas governamentais etc. O “processo decisório” inclui a

identificação, agenda e formulação.

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7. As duas últimas fases referem-se, por óbvio, à execução, propriamente dita, das

políticas públicas: implantação e monitoramento/avaliação.

8. Identificação do problema

A sociedade percebe que determinado problema precisa ser dominado

política e administrativamente.

Para a identificação de um problema sugere-se que se considere o critério

SMART:

Specific (específico): Não se deve esperar resolver todos os problemas do

mundo. Ao fazer isso, acaba-se não resolvendo nada, inclusive a situação

específica que se deseja mudar.

Measurable (mensurável): Tudo o que se pretende atingir deve

necessariamente poder ser medido. Para isso, temos os indicadores e as

fontes de verificação.

Acceptable (aceitável): Um projeto não pode estar em contradição, por

exemplo, com a comunidade próxima à população referida. Seria resolver

um problema e criar outro.

Realistic (realista): Expressa-se de maneira realista o que se pode

realizar, considerando-se as hipóteses e pré-condições.

Time-bound (limite no tempo): Indica o prazo em que se deve cumprir o

objetivo.

9. Agenda setting ou construção da agenda: nessa fase o problema é elevado à

agenda pública, ou seja, é incluído na pauta atual do governo. Da mesma forma que na

etapa anterior, os mais diversos atores sociais/políticos (partidos, ONGs, sindicatos,

movimentos sociais, governos, grupos de interesse, mídia etc) tomam tal decisão.

10. Formulação da política: Os problemas incluídos na agenda governamental

serão elaborados na forma de uma política pública, ou seja, um programa ou ação do

governo para o enfrentamento do problema diagnosticado e considerado relevante,

merecedor de atenção e gastos governamentais. Em geral, participam dessa etapa os

atores técnicos e políticos pertencentes ou envolvidos, respectivamente, com a instância

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de decisão responsável pela implantação, assim como grupos de interesse e membros da

sociedade civil organizada com poder de pressão e de definição do desenho da política.

Nessa fase também é fundamental a construção de indicadores. Como o próprio nome

diz, os indicadores indicam se determinado objetivo ou meta foi ou não alcançado. Deve

ser o mais específico possível e objetivamente conferido. Ainda, um bom indicador não

possuirá utilidade alguma se não puder ser verificado, quer dizer, deve haver uma fonte

verificável para cada indicador. Exemplo:

Objetivo Indicador Fonte de Verificação

Diminuir a evasão escolar

dos jovens (14 a 16 anos)

do bairro X da cidade Y

Aumentou, em relação ao

ano anterior, 20% o nível

de jovens matriculados

Fichas de inscrição das

escolas públicas estaduais

do bairro X da cidade Y

11. Implantação: Há basicamente dois formatos diferentes para implantação de

políticas públicas. O primeiro deles é o top-down (de cima para baixo). Aqui há a

separação clara entre processo decisório (identificação, agenda e formulação) e

execução (implantação, monitoramento/avaliação). É possível afirmar que neste

modelo de implantação há grande semelhança com o sistema fordista de gestão. Esse

modelo é centralizado, hierárquico e antidemocrático na medida em que um pequeno

número de administradores públicos tomam as decisões e os demais executam, sem

questionamentos. O segundo formato é o bottom-up (de baixo para cima). Nessa

proposta os executores e beneficiários participam também das fases decisórias

(identificação, agenda e formulação). Há, assim, maior democracia, menor centralização

e menor hierarquização. É, portanto, mais participativo.

12. Monitoramento / Avaliação: Constitui grave erro avaliar uma política pública

somente ao final de sua execução, pois, caso a mesma não tenha sido satisfatória, nada

mais é possível de ser alterado. Logo, a avaliação deve ocorrer no processo decisório da

política pública (formulação), durante sua implantação e, por óbvio, em sua finalização.

Durante sua formulação é necessário avaliar as possíveis consequências e custos da

política pública em questão, inclusive examinando as consequências e custos da

manutenção do status quo. Essa é a chamada avaliação ex ante. Igualmente é vital que a

política pública seja avaliada, ou melhor, monitorada durante toda sua execução. Nesse

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período, caso algo não ocorra conforme o previsto é necessário realizar alterações. Essa

é a chamada avaliação in itinere. Por último é a já referida avaliação final: ex post.

Adaptado por Eduardo Magalhães.

Questões orientadoras para o Grupo 1

Tema geral: Políticas Públicas

Tema específico: Conceitos e principais características

1. Quais são as fases de um ciclo de políticas?

2. Quais são as características básicas de cada um desses ciclos?

3. Quais seriam as diferenças entre políticas públicas em uma sociedade neoliberal

e neodesenvolvimentista?

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TEMA GERAL 3: POLÍTICAS PÚBLICAS

TEMA DO GRUPO 2: Desenvolvimento Local-Global

Texto:

Da Globalização ao Poder Local: a Nova Hierarquia dos Espaços

Ladislau Dowbor

junho de 1995

O conceito de espaço no nosso desenvolvimento está sem dúvida gerando interesse

crescente, mas também crescente confusão. Afinal, para onde vão as macrotendências:

globalização, blocos, poder local? Entre o “Small is Beautiful” e a “aldeia global”, há

razões de sobra para se discutir de forma mais aprofundada, ou em todo caso mais

organizada, o conceito de espaço, e a importância que assume no nosso cotidiano.

Referimo-nos aqui aos espaços da reprodução social. Na realidade, a simples

reprodução do capital, ou reprodução econômica, já não é suficientemente abrangente

para refletir os problemas que vivemos, inclusive para entender a própria reprodução do

capital. Na linha defendida pelos sucessivos relatórios sobre Desenvolvimento

Humano das Nações Unidas, o objetivo central do desenvolvimento é o homem, a

economia é apenas um meio. Ninguém mais se impressiona com o simples crescimento

do PIB, e tornou-se cada vez mais difícil identificar bem estar humano com o bem estar

das empresas.

O Espaço Global

A globalização constitui ao mesmo tempo uma tendência dominante neste fim de

século, e uma dinâmica diferenciada. Um excelente exemplo nos é dado pela dimensão

da especulação financeira. A circulação financeira internacional ultrapassa, em 1995, o

trilhão de dólares por dia, para uma base de trocas efetivas de bens e serviços da ordem

de 20 a 25 bilhões, o que significa trocas 40 vezes maiores do que as que seriam

necessárias para cobrir atividades econômicas reais. Esta ampliação dramática da

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especulação financeira é literalmente carregada pelas novas tecnologias: a integração

dos espaços mundiais de comunicação, via satélites e fibras óticas, e a capacidade de

tratamento instantâneo de informação em gigantescas quantidades com a informática,

levou a uma grande dianteira, na globalização, de um setor cuja matéria prima — a

informação — é particularmente fluida, e que dispõe de amplos recursos para financiar

os equipamentos mais modernos. As avaliações da crise de 1987 permitem hoje

entender melhor o ponto crítico deste processo: na era do dinheiro volátil, os fluxos se

tornaram mundiais, enquanto os instrumentos de regulação continuam no âmbito do

Estado nacional. É curioso ver o banco central norte-americano, o Federal Reserve,

confessar a sua incompetência jurídica, na medida em que o seu campo de atuação é

essencialmente nacional, e a sua impotência técnica, na medida em que não dispõe de

computadores sequer para seguir o que está acontecendo.

Por traz desta desarticulação está o descompasso entre a rapidez da evolução das

técnicas, e a relativa lentidão das transformações institucionais, gerando um amplo

espaço econômico mundial sem nenhum controle ou regulação, e uma perda global de

governabilidade no planeta. O dramático aumento de vendas de armas para a África,

para compensar a perda de mercados com o fim da guerra fria, a mundialização e

expansão do tráfico de drogas, ou a prática generalizada de sobre-pesca em águas

internacionais, destruindo a capacidade básica de reprodução da biomassa marítima, são

algumas consequências deste novo faroeste mundial.

Na ausência de governo mundial, há segmentos bem mais globais do que os outros:

trata-se de uma globalização hierarquizada. Navegam com confiança neste espaço as

cerca de 500 a 600 grandes empresas transnacionais que comandam 25% das atividades

econômicas mundiais, e controlam cerca de 80 a 90% das inovações tecnológicas. Estas

empresas pertencem aos Estados Unidos, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha e poucos

mais, e constituem um poderoso instrumento de elitização da economia mundial. No

dizer franco de um economista, neste sistema, “quem não faz parte do rolo compressor,

faz parte da estrada”. A verdade é que ampla maioria das populações do mundo hoje faz

parte “da estrada”.

Mas sobretudo, a globalização não é geral. Se olharmos o nosso cotidiano, desde a casa

onde moramos, a escola dos nossos filhos, o médico para a família, o local de trabalho,

até os horti-fruti-granjeiros da nossa alimentação cotidiana, trata-se de atividades de

espaço local, e não global. É preciso, neste sentido, distinguir entre os produtos globais

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que indiscutivelmente hoje existem, como o automóvel, o computador e vários outros, e

os outros níveis de atividade econômica e social. Daí a necessidade de substituirmos a

visão de que “tudo se globalizou”, por uma melhor compreensão de como os diversos

espaços do nosso desenvolvimento se articulam, cada nível apresentando os seus

problemas e as suas oportunidades, e a totalidade representando um sistema mais

complexo.

A erosão do Estado-nação

O dilema ao nível da nação fica bastante claro ao examinarmos as tentativas de se

implantar no Brasil uma política de juros capaz de conter o consumo e a inflação: a

elevação da taxa de juros, normalmente uma iniciativa soberana tomada pelo Banco

Central, levou em 1995 a um afluxo gigantesco de capitais internacionais à procura de

altas remunerações. Tratando-se de capital especulativo extremamente volátil, não

reforça a capacidade de investimentos no país, e leva pelo contrário a uma drenagem

impressionante de recursos nacionais pela alta remuneração conseguida, tornando a

posição insustentável. Temos aqui claramente os limites de políticas institucionais que

continuam sendo de âmbito nacional quando as dinâmicas financeiras já são mundiais.

Há aqui indiscutivelmente um processo de erosão de soberania.

Por outro lado, o Governo central vê o seu papel profundamente alterado pela própria

aceleração das transformações econômicas e sociais. Frente a mudanças tecnológicas e

de relações sociais de produção extremamente rápidas, o Estado tradicional faz figura

de dinossauro, amplamente ultrapassado por uma dinâmica que exige respostas rápidas

e flexíveis a situações diversificadas e complexas. Isto pode ser visto simplesmente

como um problema “estreito”, de eficiência administrativa. Na realidade, quando as

decisões são formalmente colocadas em níveis institucionais onde o cidadão não pode

influir sobre o seu curso de maneira significativa, é a própria racionalidade política que

se vê deformada.

Situações complexas e diferenciadas, e que se modificam rapidamente, exigem muito

mais participação dos atores sociais afetados pelas políticas. Exigem, na realidade,

sistemas muito mais democráticos. Ainda nesse sentido, o nível central de decisão do

país tem de se preocupar com a coerência das grandes infraestruturas econômicas, com

os equilíbrios macroeconômicos, com as desigualdades regionais, com a inserção do

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país na economia mundial, com os eixos tecnológicos de longo prazo. Problemas mais

específicos terão de ser transferidos para espaços de decisão mais próximos do cidadão.

Finalmente, conforme veremos em detalhe mais adiante, constituimos hoje

dominantemente sociedades urbanizadas. Com isto constituiu-se um tecido social

organizado, a cidade, frequentemente maior inclusive do que muitos dos Estados-nação

herdados do passado. Foi-se o tempo em que tudo tinha de ser feito na “capital”, porque

aí estavam localizados o governo, os técnicos, os bancos, enquanto o “resto” era

população rural dispersa. E a tendência natural é para as cidades assumirem

gradualmente boa parte dos encargos antigamente de competência dos governos

centrais, completando assim a transformação do papel do Estado-nação na hierarquia

dos espaços sociais.

A cidade como base da organização social e política

Num processo intenso de urbanização tardia, o Brasil vê explodir as suas cidades, com

imensas periferias caóticas e miseráveis, necessitando de tudo. É útil lembrar que uma

cidade moderna como São Paulo tem 4 milhões de pessoas que vivem em condições

sub-humanas, entre rua, favelas e cortiços. O caráter explosivo desta situação manifesta-

se com mais ou menos intensidade em todo o país, e não é particularmente um

fenômeno do Rio de Janeiro, como tem sido apresentado. Isso, entre outros fatores,

levou à constituição inicialmente de um amplo setor informal da economia, e

crescentemente de um setor criminal, que vai minando a sociedade por baixo. São

roubados diariamente cerca de 420 carros por dia só na cidade de São Paulo, o que

representa um valor da ordem de 700 milhões de dólares por ano. Se somarmos a

prostituição, particularmente a grande indústria da prostituição infantil, o tráfico de

drogas e os jogos ilegais como o video-poquer e outros, estamos nos referindo a um

setor econômico da ordem de 3 bilhões de dólares por ano, valor equivalente ao

orçamento da cidade. Nenhum sistema de atividades deste porte subsiste sem um

conjunto de conivências diretas e indiretas dentro dos campos político, jurídico e

empresarial.

O mesmo processo que gera esta situação explosiva abre oportunidades. A população

urbanizada é organizável, e os espaços locais podem abrir uma grande oportunidade

para a sociedade retomar as rédeas do seu próprio desenvolvimento. O mundo urbano

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moderno está literalmente fervilhando com as novas iniciativas de organização social e

com as novas tecnologias urbanas.

Não que as iniciativas locais sejam suficientes. No entanto, sem sólidas estruturas locais

participativas e democratizadas, não há financiamentos externos ou de instituições

centrais que produzam resultados. De certa forma, a cidade está recuperando

gradualmente um espaço de decisão direta sobre a “polis”, recuperando a dimensão

mais expressiva da política e da democracia.

A tendência para um reforço generalizado da gestão política nas próprias cidades

representa uma importante evolução da democracia representativa, onde se é cidadão

uma vez a cada quatro anos, para uma democracia participativa, onde grande parte das

opções concretas relacionadas com as condições de vida e a organização do nosso

cotidiano passam a ser geridas pelos próprios cidadãos.

Na excelente formulação do relatório das Nações Unidas, “Na prática, tanto o Estado

como o mercado são frequentemente dominados pelas mesmas estruturas de poder. Isso

sugere uma terceira opção mais pragmática: que o povo deveria controlar tanto o Estado

como o mercado, que precisam trabalhar articulados, com as populações recuperando

suficiente poder para exercer uma influência mais efetiva sobre ambos.”

Em outros termos, a cidade aparece hoje como foco de uma profunda reformulação

política no sentido mais amplo. Não que o nível local de organização política substitua

transformações nas formas de gestão política que têm de ser levadas a efeito nos níveis

do Estado-nação e mundial: mas comunidades fortemente estruturadas podem constituir

um lastro de sociedade organizada capaz de viabilizar as transformações necessárias nos

níveis mais amplos.

A recuperação da dimensão comunitária

É melhor ser cidadão local ou cidadão do mundo? A pergunta não tem sentido na

medida em que a cidadania tem hoje de se exercer em diversos níveis de espaços

articulados. Transferir a cidadania para níveis cada vez mais amplos, e cada vez mais

distantes do cidadão, é transferir o poder significativo para mega-estruturas

multinacionais, enquanto se dilui a cidadania no anonimato. Na excelente formulação de

Milton Santos, “o que globaliza separa; é o local que permite a união”. Uma dimensão

extremamente prática deste processo nos é dada pelo exemplo cotidiano do dilema da

solidariedade. Encontrar um amigo, um velho conhecido, mendicando na rua, nos

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transtorna. E no entanto, nos acostumamos a ver crianças pequenas saltitando entre

carros numa avenida movimentada, ou uma pessoa deitada na calçada, e seguimos

adiante. …Não é que o ser humano agora seja menos solidário: ninguém se solidariza

com o anonimato. A humanização do desenvolvimento, ou a sua re-humanização, passa

pela reconstituição dos espaços comunitários. Caminhamos para a reconstituição das

comunidades, em outro nível, incorporando e capitalizando as próprias tecnologias hoje

desagregadoras.

Questões orientadoras para o Grupo 2

Tema geral: Políticas Públicas

Tema específico: Desenvolvimento Local-Global

1. O Local e o Global estão articulados na perspectiva do capital? O que isso

significa para nós cidadãos?

2. Relação entre a dinâmica global do capital e a perspectiva nacional (local) dos

Estados-Nacionais.

3. Relação entre as políticas públicas e os processos de globalização neoliberal.

4. Relação dos governos locais (ou subnacionais), governos nacionais e políticas

públicas.

5. O que é possível refletir a partir da seguinte frase: “O Estado-nação tornou-se

pequeno demais para as grandes coisas, e grande demais para as pequenas”

6. Importância política da relação articulada entre local-global.

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TEMA GERAL:POLÍTICAS PÚBLICAS

TEMA DO GRUPO 3: Juventude

Texto:

Ser jovem não é fácil

Ladislau Dowbor2

17 de junho de 2013

Eu tinha vinte anos. Que ninguém me diga que é a mais bela idade da vida.

Paul Nizan, Aden, Arabie

O transporte numa cidade como São Paulo é sem dúvida caótico. Anos de poder de empreiteiras

e montadoras articuladas com políticos fisiológicos a seu serviço nos deram muitos viadutos,

túneis e ruas paralisadas por 7 milhões de veículos. A apropriação da política urbana pelos

sucessivos malufismos gerou uma estagnação do transporte coletivo. O Paulistano perde uma

média de duas horas e quarenta minutos no trânsito por dia. E na ausência de transporte de

massa decente, quem mora na Capela do Socorro acorda às 5 da manhã para chegar na hora ao

emprego, volta para casa às 9 e adormece no sofá vendo bobagens. Vida de família?

Não tenho aqui a pretensão de explicar a juventude, nem de dar conselhos sobre os movimentos.

Mas o contexto dá para delinear. Há tempos ajudei a organizar um livro para as Nações Unidas,

Cities for Children, ou seja, cidades para crianças. Recusaram o título que eu propus

inicialmente, que era “Administrando as Cidades como se as Crianças fossem Importantes”.3 A

realidade é que crianças e jovens representam um terço da população, mas as políticas urbanas

foram organizadas para a faixa etária superior, e para as elites. Não se trata de 20 centavos,

trata-se de um saco cheio generalizado com o caos urbano gerado, que transtorna a qualidade de

vida das pessoas, e dos jovens em particular.

2 Laidslau Dowbor é professor da PUC-SP, economista e consultor de várias agências das Nações Unidas. A presente nota se apoia no estudo mais amplo A Economia da Família, http://dowbor.org/2013/05/economia-da-familia.html/ 3 Cities for Children, ideias sobre como poderiam ser organizadas as cidades se levássemos em conta as

crianças. Sheridan Bartlett et al., Cities for Children, Earthscan, London 1999 www.earthscan.co.uk

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Não é tão difícil assim colocar-se no lugar do jovem. Sai da escola sem nunca ter visitado uma

empresa, uma repartição pública, uma organização da sociedade civil. A separação radical entre

as fases de estudo e do trabalho, produz uma geração de jovens desorientados, à procura da sua

utilidade na vida. Se cruzarmos esta situação com as dinâmicas do trabalho, a ausência de

perspectivas torna-se muito forte, a não ser em alguns grupos privilegiados. Na realidade, no

processo produtivo onde os conhecimentos passam a desempenhar um papel preponderante, em

vez de estudo e trabalho serem etapas distintas da vida, devem crescentemente constituir um

processo articulado onde aquisição de conhecimentos e a sua aplicação produtiva devem

enriquecer-se permanentemente. Isto se organiza.

Sentir-se inútil numa fase da vida em que o jovem chega disposto a fazer e acontecer, gera sem

dúvida um sentimento de profunda frustração. Poder fazer uma coisa útil parece constituir um

favor, alguém “deu” um emprego. Uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que no conjunto,

o who you know (quem você conhece) tornou-se um fator mais importante de avanço

profissional do que o what you know (o quê você conhece, as suas competências). O mundo

para o jovem passa a ser visto como um universo opaco e fechado, gerando desânimo e

passividade, e frequentemente revolta e violência.

Esta tendência tem de ser colocada numa perspectiva mais ampla. As nossas crianças e os

nossos jovens são criados num referencial de família muito frágil: com os dois pais no trabalho,

o trabalho distante da casa, casais frequentemente separados, o silêncio no binômio sofá-

televisão: constrói-se assim muito pouco balizamento entre o bem e o mal, muito pouco sentido

de vida. Nos Estados Unidos apenas 25% dos domicílios têm pai, mãe e filhos. O joy-stick

basta? A grande solução apresentada seria o tempo integral da criança na escola, em nome da

educação, mas liberando os pais no horário completo.

Um outro universo que contribuía muito para a construção de valores era a rua, a vizinhança.

Ali, não era ainda o mundo ̧mas também já não era a família, ali a criança e o jovem testavam a

sua presença social, delimitavam gradualmente os valores da amizade, o peso das rivalidades,

construíam os seus espaços de sociabilidade. Hoje, nenhuma mãe em sã consciência diz à

criança que vá brincar na rua. Fica sossegada quando as crianças estão sentadas no sofá,

comendo salgadinho, e vendo “vale tudo por dinheiro”. Porque na rua é o perigo, são as drogas,

as gangues, os acidentes de carro, o medo. Não inserimos mais as crianças no mundo, buscamos

apenas protegê-las. E quando chega o momento inevitável de sua inserção, desabam sobre elas

desafios difíceis de suportar.

Os pais perdidos entram em intermináveis discussões sobre se devem ser mais permissivos, ou

colocar mais limites, sorrir ou gritar, e terminam, quando têm dinheiro, lamentando-se com o

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analista. O analista pode sem dúvida ajudar quando os problemas são individuais, mas não

resolverão grande coisa quando se trata de um processo socialmente desestruturante.

A escola pequena, de bairro, frequentada por pessoas que convivem de uma maneira na escola, e

de outra nas ruas da vizinhança, mas pertencendo ao mesmo tecido de relações sociais, era outro

espaço de construção de referências. Boa parte disto subsiste no interior. Nas grandes cidades, e

frente a uma construção escolar onde se buscam absurdas economias de escala (quanto maior,

mais barato), gera-se um universo de gente que só se encontra na escola. Os universos sociais

do local de residência e do local de estudo só se cruzam eventualmente. Na própria classe

média, é patético ver mães que passam horas no trânsito para levar uma criança a brincar com

outra no outro lado da cidade, porque já não aguenta a solidão em casa. E no outro lado da

cidade, o coleguinha terá os mesmos videogames, o mesmo “vale tudo por dinheiro” na

televisão. Se juntarmos os efeitos de desestruturação do referencial familiar, da ausência do

referencial de vizinhança, e da perda da presença social local da escola, e acrescentarmos o

cinismo dos valores martelados horas a fio na televisão, que valores queremos que eles tenham?

Os pais ficam indignados: eles bebem, eles fumam, eles se drogam, eles transformam o sexo

numa aeróbica banalizada, eles não vêm sentido nas coisas...O que é que nós fizemos para dar

sentida às suas vidas? Todos nós estamos ocupados em ganhar a vida, em subir nos degraus

absurdos do sucesso ̧como é que as crianças vão entender o nosso sacrifício como útil?

A compreensão de que se matar de trabalho para construir uma vida sem sentido, ainda que com

a garagem que ostenta um belo carro, e entulhada de esteiras de ginástica e outras relíquias de

entusiasmos consumistas passageiros, sem tempo para fazer as diversas coisas que poderiam ser

agradáveis, ou belas, – filtra gradualmente para dentro das nossas consciências, ainda que

continuemos todos a correr sem rumo. Será que os nossos filhos realmente não vêm o absurdo

das nossas próprias vidas? E que rumo isto aponta para elas? A verdade é que a vida reduzida a

uma corrida individual pelo sucesso econômico, com a ilusão de que tendo sucesso, e por tanto

dinheiro, compraremos o resto, é uma absurda ilusão que nos levou à civilização de guetos de

riqueza e miséria que hoje vivemos.

É significativo que em muitos lugares jovens, e até crianças, às vezes com apoio dos professores

– outra classe á procura do sentido do que ensina – estão arregaçando as mangas e começando a

tomar iniciativas organizadas. Vimos na Itália um movimento de crianças pela recuperação das

praças. Um filme-reportagem feito pelas próprias crianças mostra a passeata, a negociação com

a prefeitura, e o resgate progressivo de praças transformadas em estacionamento, para que

voltem a ter água, árvores, espaço para brinquedos e jogos, uma dimensão de estética, de lazer,

de convívio. Em muitas cidades já há câmaras-mirins, e não se podem aprovar projetos de

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espaços públicos sem o aporte do interesse organizado das crianças. Em muitos lugares, foram

organizados trajetos seguros, acompanhando as principais rotas das crianças entre as escolas e

lugares de lazer, parar melhorar a sua mobilidade e sentimento de liberdade na sua cidade: a

tecnologia é simples, são aqueles passinhos pintados na calçada, semáforos, algum reforço de

policiamento. O que estas experiências têm em comum, é o sentimento, por parte das crianças,

de estarem recuperando o seu direito à cidade, à cidadania.

Em Valparaíso, vimos uma experiência de crianças de rua que, com o apoio de uma ONG,

passaram a resgatar os espaços vazios de um bairro, a organizar as suas próprias bandas de

música, eventos culturais, a ponto que hoje as seis escolas formais do bairro se associaram ao

projeto, e desenvolvem atividades de resgate dos espaços públicos, fazem aulas sobre meio-

ambiente melhorando o próprio entorno, estudam ciências sociais melhorando o ambiente social

do bairro. Aqui também, a cidade é deles, e fazer uma coisa útil e prazerosa não é o resultado de

um emprego que lhes “dão”, mas de uma iniciativa que lhes pertence.

O que isto aponta, na realidade, é a necessidade de evoluirmos de uma visão em que a

organização social se resume a um Estado que faz coisas para nós, e de empresas que produzem

coisas para nós, para uma visão em que a sociedade organizada volta a ser dona dos processos

sociais, e articula as atividades do Estado e das empresas em função da qualidade de vida que

procuramos. A expansão das organizações da sociedade civil, a força do terceiro setor, as

políticas de desenvolvimento local e em particular do bairro, o resgate das funções sociais do

Estado, o surgimento da responsabilidade social e ambiental das empresas, a crítica às grandes

corporações da especulação financeira, do monopólio de produtos farmacêuticos, de

comercialização de armas, o próprio surgimento muito mais amplo da noção de que um outro

mundo é possível, pertencem todos a um deslocamento profundo de valores que estamos

começando a sentir na sociedade em geral.

Como indivíduos, podemos melhorar a nossa casa, batalhar o estudo para os nossos filhos,

comprar um carro melhor. Mas as mudanças sociais dependem de organização social. O

sentimento de desorientação é sentido como sofrimento individual, mas as raízes e as soluções

são mais amplas.

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Questões orientadoras para o Grupo 3

Tema geral: Políticas Públicas

Tema específico: Juventude

1. Quais são os principais dilemas dos jovens, especialmente nas grandes

cidades?

2. Quais são as causas de tais dilemas? É possível relacioná-los com a

sociedade capitalista?

3. Como encaminhar a solução de tais problemas?

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TEMA GERAL:POLÍTICAS PÚBLICAS

TEMA DO GRUPO 4: Regionalismo e o Smabc

Texto:

Texto “O sindicato dos metalúrgicos do ABC e as ações regionais na década de 1990”

lido diretamente do livro: “Trabalho e sindicato e antigos e novos territórios produtivos:

comparações entre o ABC paulista e o Sul fluminense” – organizadores Iram Jácome

Rodrigues e José Ricardo Ramalho. Editora Anna Blume, coleção Trabalho e

Contemporaneidade, São Paulo, 1ª edição, 2007.

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Questões orientadoras para o Grupo 4

Tema geral: Políticas Públicas

Tema específico: Regionalismo e o Smabc

1. Quais os pontos mais importantes da trajetória do Smabc em relação ao seu

vínculo com o desenvolvimento regional do ABC?

2. A experiência do Smabc relacionada ao campo das políticas públicas pode ser

ampliada para outros sindicatos?

3. Faz parte do papel de um Sindicato participar das políticas públicas? Por que?