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NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO CURSO DELEGADO FEDERAL PROFº GABRIEL HABIB INFORMATIVOS STF 2008 INFORMATIVO 532 Nada. INFORMATIVO 531 Substituição da Pena e Reincidência Genérica A Turma deferiu habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de condenado por portar cédulas falsas (CP, art. 289, § 1º), cujo pleito de conversão da pena corporal por restritiva de direitos fora denegado em virtude da existência de condenação anterior pelo crime de tráfico de drogas (Lei 6.368/76, art. 12). Na ocasião, o magistrado de 1º grau entendera que a condição de reincidente do réu obstaria a concessão desse benefício legal, nos termos do art. 44, II, do CP (“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: ... II - o réu não for reincidente em crime doloso;”). Asseverou-se que, na espécie, tratar-se-ia de reincidência genérica, na qual cabível, em tese, a substituição pretendida, tendo em conta o que disposto no § 3º do mencionado art. 44 do CP (“§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.”). Ordem concedida para que o juízo monocrático profira nova decisão, desta feita, fundamentada, no que tange à reincidência genérica do paciente e, consequentemente, à eventual possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. HC 94990/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.12.20008. (HC-94990) Livramento Condicional: Falta Grave e Data-Base - 1 A Turma deferiu habeas corpus para restabelecer decisão que concedera livramento condicional ao paciente. No caso, beneficiado com a progressão de regime prisional, o paciente fugira, apresentando-se espontaneamente meses depois. Por conseguinte, o juízo das execuções criminais decretara a regressão do paciente para o regime semi-aberto e, em momento posterior, a ele deferira pedido de liberdade condicional, ao reputar já cumpridos 1/3 do total da pena, bem como presente satisfatória conduta carcerária (CP, art. 83). O Ministério Público, então, interpusera agravo de execução, rejeitado, o que ensejara a apresentação de recurso especial, provido monocraticamente, para fixar a data de recaptura do paciente como termo inicial para o cálculo do lapso temporal do livramento condicional. HC 94163/RS, rel. Min. Carlos Britto, 2.12.2008. (HC-94163)

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NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

CURSO DELEGADO FEDERAL

PROFº GABRIEL HABIB

INFORMATIVOS STF 2008

INFORMATIVO 532

Nada.

INFORMATIVO 531

Substituição da Pena e Reincidência Genérica A Turma deferiu habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de condenado por portar cédulas falsas (CP, art. 289, § 1º), cujo pleito de conversão da pena corporal por restritiva de direitos fora denegado em virtude da existência de condenação anterior pelo crime de tráfico de drogas (Lei 6.368/76, art. 12). Na ocasião, o magistrado de 1º grau entendera que a condição de reincidente do réu obstaria a concessão desse benefício legal, nos termos do art. 44, II, do CP (“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: ... II - o réu não for reincidente em crime doloso;”). Asseverou-se que, na espécie, tratar-se-ia de reincidência genérica, na qual cabível, em tese, a substituição pretendida, tendo em conta o que disposto no § 3º do mencionado art. 44 do CP (“§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.”). Ordem concedida para que o juízo monocrático profira nova decisão, desta feita, fundamentada, no que tange à reincidência genérica do paciente e, consequentemente, à eventual possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. HC 94990/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.12.20008. (HC-94990)

Livramento Condicional: Falta Grave e Data-Base - 1 A Turma deferiu habeas corpus para restabelecer decisão que concedera livramento condicional ao paciente. No caso, beneficiado com a progressão de regime prisional, o paciente fugira, apresentando-se espontaneamente meses depois. Por conseguinte, o juízo das execuções criminais decretara a regressão do paciente para o regime semi-aberto e, em momento posterior, a ele deferira pedido de liberdade condicional, ao reputar já cumpridos 1/3 do total da pena, bem como presente satisfatória conduta carcerária (CP, art. 83). O Ministério Público, então, interpusera agravo de execução, rejeitado, o que ensejara a apresentação de recurso especial, provido monocraticamente, para fixar a data de recaptura do paciente como termo inicial para o cálculo do lapso temporal do livramento condicional. HC 94163/RS, rel. Min. Carlos Britto, 2.12.2008. (HC-94163)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

Livramento Condicional: Falta Grave e Data-Base - 2 Inicialmente, esclareceu-se que a questão debatida, na espécie, consistiria em saber se a falta grave poderia ser utilizada como data-base para novo cômputo do prazo para a concessão do referido benefício. Aduziu-se que o livramento condicional constitui, para maior respeito à finalidade reeducativa da pena, a última etapa de execução penal, o qual está marcado pela idéia de liberdade responsável do condenado, de modo a lhe permitir maior possibilidade de reinserção social (Lei 7.210/84, art. 1º). No ponto, salientou-se que o fim socialmente regenerador da sanção criminal, previsto nesse art. 1º da Lei de Execução Penal - LEP, alberga um critério de interpretação das demais disposições dessa mesma lei, aproximando-se da Constituição, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (art. 1º, II e III). Tendo em conta tais premissas, afirmou-se que a LEP institui amplo sistema de deveres, direitos e disciplina carcerárias (LEP, artigos 50 e 53), sendo que, para o restabelecimento desta última, a aplicação de sanção administrativa não é a única conseqüência da prática de falta grave. Possível também a determinação judicial de regressão de regime prisional, cuja nova progressão dependerá do cumprimento de 1/6 da pena, no regime em que se encontre o condenado (LEP, art. 112). HC 94163/RS, rel. Min. Carlos Britto, 2.12.2008. (HC-94163)

Livramento Condicional: Falta Grave e Data-Base - 3 Contudo, entendeu-se que a situação dos autos seria diversa, pois não se tratava de progressão, mas de concessão de livramento condicional (CP, art. 83). Relativamente a este benefício, destacou-se que o seu requisito temporal é aferido a partir da quantidade de pena efetivamente cumprida, a qual não sofre alteração com eventual cometimento de falta grave, uma vez que o tempo de pena já cumprido não pode ser desconsiderado. Assim, na hipótese de fuga, o período em que o paciente esteve foragido não será computado como tempo de pena cumprida. Concluiu-se, dessa forma, que a relatora do recurso especial, à revelia dos enunciados legais, criara novo lapso temporal para a liberdade condicional para condenado com bons antecedentes (cumprimento de mais um período de 1/3 da pena). Os Ministros Menezes Direito e Carmén Lúcia deferiram o writ, por considerar que, no presente caso, o juiz examinara, nos termos do art. 83 do CP, os requisitos subjetivos e objetivos para a concessão do livramento condicional. Por fim, cassou-se a decisão monocrática proferida no recurso especial. HC 94163/RS, rel. Min. Carlos Britto, 2.12.2008. (HC-94163)

SEGUNDA TURMA

Lesão Corporal Leve e Princípio da Insignificância A Turma deferiu habeas corpus para declarar atípica a conduta de militar que desferira um único soco contra seu colega, também militar, após injusta provocação, absolvendo-o da imputação de lesão corporal leve (CPM, art. 209). Assentou-se que o desferimento de um único soco, após injusta provocação da vítima, tal como reconhecido pela sentença (CPM, 209, § 4º: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral ou social ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço”), permitiria, por suas características, a aplicação do princípio da insignificância. HC 95445/DF, rel. Min. Eros Grau, 2.12.2008. (HC-95445)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

INFORMATIVO 530

Livramento Condicional e Exame Criminológico - 2 A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que se discutia se o exame criminológico constituiria, ou não, requisito para a obtenção do benefício de livramento condicional. No caso, a impetração alegava constrangimento ilegal decorrente da ausência de motivação idônea na determinação desse exame, uma vez que essa exigência fora revogada com o advento da Lei 10.792/2003, bem como sustentava o atendimento do requisito de ordem objetiva, porquanto o paciente já teria cumprido mais da metade da pena imposta — v. Informativo 525. Ante o empate na votação, deferiu-se o writ para assegurar a liberdade condicional ao paciente, nos termos que vierem a ser estabelecidos pelo Juízo da Execução. Entendeu-se que, na espécie, a realização do exame criminológico revelar-se-ia extemporânea e inócua, haja vista que já cumprida mais de ¾ da pena a que condenado o paciente (tempo superior ao que estabelecido no art. 83, V, do CP) e que o laudo daquele resultante, tendo em conta a situação do sistema carcerário do Estado, não seria concluído antes do cumprimento integral da pena restritiva de liberdade, o que acontecerá dentro de poucos meses. Ademais, asseverou-se que, em princípio, o paciente preencheria as condições objetivas, reconhecidas pelo STJ, e as subjetivas, representadas por atestados de boa conduta carcerária. Enfatizou-se, ainda, que os sentenciados têm direito à razoável duração dos processos administrativos e judiciais (CF, art. 5º, LXXVIII). Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, relatora, e Menezes Direito que denegavam a ordem ao fundamento de não haver ilegalidade na imposição do exame criminológico, desde que fundamentada a decisão, salientando a possibilidade de sua adoção para a concessão do livramento condicional. HC 93108/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 25.11.2008. (HC-93108)

INFORMATIVO 529

Exercício Ilegal de Arte Farmacêutica e Curandeirismo e Necessidade de

Laudo Pericial - 1 A Turma deferiu habeas corpus para absolver os pacientes da condenação pelos crimes de exercício ilegal de arte farmacêutica e de curandeirismo (CP, artigos 282 e 284, respectivamente). No caso, foram encontrados em poder dos pacientes substâncias que eles supostamente teriam manipulado com o objetivo de produzir compostos de natureza medicamentosa. Em tal ocasião, fora realizado Laudo de Exame de Local e apreendidos os produtos. Inicialmente, assentou-se a contradição lógico-jurídica intrínseca às condenações impostas aos pacientes, porquanto os delitos imputados excluem-se mutuamente, já que, no crime previsto no art. 282 do CP, exige-se que o agente apresente aptidões ou conhecimentos médicos, ainda que sem a devida autorização legal para exercer o respectivo ofício, enquanto, para se configurar o do art. 284, é necessário que o sujeito ativo seja pessoa inculta ou ignorante. Considerando não se tratar de ato cometido por pessoas rudes, desprovidas de recursos técnicos, mas, sim, por agentes que, mediante diagnóstico e manipulação de substâncias prescreviam "supostos medicamentos" que eles mesmos produziam e comercializavam, e da informação constante da sentença de que as vítimas "tiveram um tratamento típico daqueles que se faz com um médico", reputou-se errônea a qualificação da conduta no tipo penal de curandeirismo. HC 85718/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.11.2008. (HC-85718)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

Exercício Ilegal de Arte Farmacêutica e Curandeirismo e Necessidade de Laudo Pericial - 2

De igual modo, afastou-se a imputação de exercício ilegal de arte farmacêutica, não obstante ausente controvérsia sobre o fato de os pacientes não serem farmacêuticos. Asseverou-se que esse delito só estaria caracterizado se as substâncias apreendidas fossem autênticos compostos alopáticos, o que dependeria de perícia, não efetuada, não sendo suficiente o Laudo de Exame de Local. No ponto, enfatizou-se que a falta do exame de corpo de delito não poderia ser suprida mediante exame indireto (CPP, art. 167), pois este é cabível apenas nas hipóteses em que os vestígios hajam desaparecido, o que não se dera no caso, pois, de acordo com a sentença, o objeto da prova estava à disposição do juízo que não a produzira. Dessa forma, concluiu-se que a condenação por exercício ilegal de arte farmacêutica, fundada somente nas conclusões do Laudo de Exame do Local, padeceria de nulidade (CPP, art. 564, III, b). HC 85718/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.11.2008. (HC-85718)

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento A Turma deferiu, em parte, habeas corpus para afastar a qualificadora prevista no art. 157, § 2º, I, do CP. Tendo em conta que, no caso, a arma não fora apreendida e nem periciada, entendeu-se que não seria possível aferir seu potencial lesivo, o que não justificaria a incidência da majorante no crime de roubo a que condenado o paciente. Rejeitou-se, ainda, a alegação de nulidade do processo ante a ausência do representante do Ministério Público no interrogatório (CPP, art. 564, III, d). Aduziu-se, no ponto, que seria inconsistente o argumento da impetração no sentido de que, se o parquet tivesse comparecido e feito reperguntas, a defesa do paciente poderia ter sido mais bem exercida. HC 95142/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 18.11.2008. (HC-95142)

INFORMATIVO 528

Maus Antecedentes e Fixação do Regime Inicial do Cumprimento de Pena A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a alteração do

regime inicial de cumprimento de pena, fechado, para o semi-aberto. A defesa sustentava a impossibilidade de se levar em conta, como antecedente criminal,

condenação definitiva ocorrida em data posterior ao fato relativamente ao qual fora condenado o paciente. Na espécie, entendeu-se que a impetração confundira as

noções de maus antecedentes com reincidência. Esclareceu-se que maus antecedentes representam os fatos anteriores ao crime, relacionados ao estilo de

vida do acusado e, para tanto, não é pressuposto a existência de condenação definitiva. Destarte, a data da condenação seria, pois, irrelevante para a

configuração dos maus antecedentes criminais, diversamente do que se verifica em matéria de reincidência. Nesse diapasão, consoante o disposto no art. 33, § 3º, do CP ("Art. 33. ... § 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena

far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código."), aduziu-se que a determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve considerar os maus antecedentes criminais (CP, art. 59), não

havendo qualquer ilegalidade ou abuso na sentença que impõe o regime fechado à luz da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello, que concediam o writ. O primeiro

por julgar que a análise dos maus antecedentes deveria ser realizada caso a caso e que, na presente situação, existiria apenas um antecedente criminal. O segundo, ao

fundamento de que reputar como maus antecedentes processos penais ou investigações criminais em curso conflitaria com a presunção constitucional de

inocência. HC 95585/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 11.11.2008. (HC-95585)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

INFORMATIVO 527

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento - 2 Para a caracterização da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, não é exigível que a arma seja periciada ou apreendida, desde que comprovado, por outros meios, que foi devidamente empregada para intimidar a vítima. Com base nessa orientação, a Turma, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus em que requerida a manutenção da pena imposta pelo tribunal de origem, ao argumento de que seriam indispensáveis a apreensão e a perícia da arma para aferição da mencionada causa de aumento. A impetração sustentava que, na situação dos autos, a potencialidade lesiva desse instrumento não teria sido atestada por outros elementos de prova - v. Informativo 500. Asseverou-se que o potencial lesivo integra a própria natureza do artefato e que, se por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima ou pelo depoimento de testemunha presencial ficar comprovado o emprego de arma de fogo, esta circunstância deverá ser levada em conta pelo magistrado na fixação da pena. Dessa forma, observou-se que, caso o acusado alegue o contrário ou sustente ausência de potencial lesivo do revólver utilizado para intimidar a vitima, será dele o ônus de provar tal evidência (CPP, art. 156). Ressaltou-se, ademais, que a arma, ainda que não tivesse o poder de disparar projéteis, poderia ser usada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. Por fim, aduziu-se que se exigir perícia para atestar a potencialidade lesiva do revólver empregado no delito de roubo teria como resultado prático estimular os criminosos a desaparecerem com elas, de modo que a aludida qualificadora dificilmente teria aplicação. Vencida a Min. Cármen Lúcia, relatora, que deferia o writ para anular o acórdão impugnado e restabelecer a condenação do paciente pelo crime de roubo, descrito no art. 157, caput, do CP, uma vez que, na espécie, não fora possível atestar, por outros meios de prova, a potencialidade lesiva do artefato. Precedente citado: HC 84032/SP (DJU de 30.4.2004). HC 92871/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 4.11.2008. (HC-92871)

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento - 3 Na mesma linha do entendimento fixado acima, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que não reconhecera a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor praticados pelo paciente, e contra ele aplicara, ainda, a causa de aumento de pena prevista para o crime de roubo, em razão do emprego de arma (CP, art. 157, § 2º, I). A impetração pretendia a incidência da orientação firmada pelo Supremo no julgamento do HC 89827/SP (DJU de 27.4.2007), em que admitida a continuidade entre os mencionados crimes, assim como argüia a necessidade de realização de perícia demonstrando a idoneidade do mecanismo lesivo do revólver - v. Informativo 525. Rejeitou-se, de igual modo, o pretendido reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor. Asseverou-se que tais delitos, ainda que perpetrados contra a mesma vítima, caracterizam concurso material. No ponto, não se adotou o paradigma apontado ante a diversidade das situações, uma vez que os atos constitutivos do atentado violento ao pudor não consistiriam, no presente caso, "prelúdio ao coito", porquanto efetivados em momento posterior à conjunção carnal. A Min. Cármen Lúcia reajustou seu voto por considerar que, na espécie, dadas as circunstâncias em que perpetrados os crimes, bem como o período em que o paciente permanecera na casa, fora possível às vítimas perceberem as condições da arma utilizada. HC 94714/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 4.11.2008. (HC-94714)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

Progressão de Regime: Lei 11.464/2007 e Lei Penal mais Gravosa A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para que o juízo da execução afira se atendidos os requisitos subjetivos para o deferimento do regime semi-aberto, considerados os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal - LEP. Tratava-se, na espécie, de writ em que recapturado - e submetido à regressão para o regime fechado - tivera seu pedido de progressão indeferido, porquanto não cumprira o lapso temporal exigido pela Lei 11.464/2007, a saber: 2/5 da pena, se o condenado for primário, e de 3/5, se reincidente. O paciente requeria a sua transferência de regime ao argumento de que, mesmo depois de sua fuga, já teria cumprido mais de 1/6 da pena (LEP, art. 112). Adotou-se a orientação firmada no julgamento do HC 91631/SP (DJE de 9.11.2007) no sentido de que os critérios de progressão de regime estabelecidos pela Lei 11.464/2007 somente se aplicam - tendo em conta a garantia da irretroatividade da norma penal mais gravosa (CF, art. 5º, XL e CP, art. 2º) - aos fatos ocorridos a partir de sua entrada em vigor (29.3.2007). Enfatizou-se, desse modo, que o crime de homicídio qualificado praticado pelo paciente ocorrera em 1989, antes, inclusive, da publicação do texto original da Lei 8.072/90. Vencido o Min. Marco Aurélio que, ao salientar a supressão do exame criminológico e o atendimento do requisito temporal, concedia a ordem em maior extensão a fim de assegurar a progressão no regime de cumprimento da pena. HC 94258/SP, rel. Min. Carlos Britto, 4.11.2008. (HC-94258)

REFIS: Exclusão por Inadimplência e Ausência de Notificação Prévia A Turma, por considerar que a matéria encontra-se restrita ao âmbito infraconstitucional, não conheceu, por maioria, de recurso extraordinário em que contribuinte inadimplente sustentava ofensa às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LV), porquanto fora excluído, sem oitiva prévia, do Programa de Recuperação Fiscal - REFIS. Asseverou-se que a questão restara decidida com base na legislação infraconstitucional (Lei 9.964/2000) e que eventual ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Assim, para se concluir de forma diversa da adotada pela Corte de origem, seria necessário o reexame do conjunto probatório dos autos, incabível na via eleita. Salientou-se, ainda, que o contribuinte em débito com a Fazenda Pública, ao optar pelo refinanciamento de sua dívida e aderir ao REFIS, faz uma confissão irretratável dos débitos que ele mesmo reconhece, aceitando, desse modo, as condições estabelecidas na aludida Lei 9.964/2000. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Menezes Direito que, por reputar que essa adesão não implicaria renúncia ao devido processo legal, conheciam e proviam o extraordinário para restabelecer o entendimento sufragado pelo juízo, que concedera a segurança com fim de determinar a reinclusão do contribuinte no REFIS, para que novo processo administrativo seja desenvolvido com observância da garantia do exercício da defesa e do contraditório efetivos e prévios ao ato de exclusão. RE 560477/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 4.11.2008. (RE-560477)

INFORMATIVO 526

PLENÁRIO

Art. 290 do CPM e Princípio da Insignificância -2 O Tribunal iniciou julgamento de habeas corpus, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal Militar - STM em favor de militar condenado pelo crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290) - v. Informativo 519. O acórdão impugnado afastou a aplicação do princípio da insignificância ao delito de uso de

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

substância entorpecente por se tratar de crime de perigo abstrato, pouco importando a quantidade encontrada em poder do usuário e afirmou que o art. 290 do CPM não sofreu alteração com o advento da Lei 11.343/2006, tendo em conta o critério da especialidade da norma castrense em relação à lei penal comum. Pretende a impetrante, em síntese, a aplicação: a) do princípio da insignificância, dado o grau mínimo de ofensa ao bem jurídico protegido; b) do art. 28 da Lei 11.343/2006. A Min. Ellen Gracie, relatora, denegou a ordem, no que foi acompanhada pelos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa. Entendeu que, diante dos valores e bens jurídicos tutelados pelo aludido art. 290 do CPM, revela-se inadmissível a consideração de alteração normativa pelo advento da Lei 11.343/2006. Assentou que a prática da conduta prevista no referido dispositivo legal ofende as instituições militares, a operacionalidade das Forças Armadas, além de violar os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do tipo penal. Asseverou que a circunstância de a Lei 11.343/2006 ter atenuado o rigor na disciplina relacionada ao usuário de substância entorpecente não repercute no âmbito de consideração do art. 290, do CPM, não havendo que se cogitar de violação ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Salientou, ademais, que lei posterior apenas revoga anterior quando expressamente o declare, seja com ela incompatível, ou regule inteiramente a matéria por ela tratada. Concluiu não incidir qualquer uma das hipóteses à situação em tela, já que o art. 290, do CPM, é norma especial. Em seguida, reputou inaplicável, no âmbito do tipo previsto no art. 290, do CPM, o princípio da insignificância. No ponto, após discorrer que o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, concluiu que o entorpecente no interior das organizações militares assume enorme gravidade, em face do perigo que acarreta, uma vez que é utilizado, no serviço, armamento de alto poder ofensivo, o que afeta, diretamente, a operacionalidade da tropa e a segurança dos quartéis, independentemente da quantidade da droga encontrada, e agride, dessa forma, os valores básicos das instituições militares. Em divergência, o Min. Eros Grau concedeu o writ, reportando-se às razões expendidas nos habeas corpus que deferira na 2ª Turma (HC 92961/SP, DJE de 22.2.2008; HC 90125/RS, DJE de 5.9.2008; HC 94678/RS, DJE de 22.8.2008, e.g.). Após, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto. HC 94685/CE, rel. Min. Ellen Gracie, 30.10.2008. (HC-94685)

Porte de Arma e Perícia sobre a Potencialidade Lesiva A Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, ao prover recurso especial do Ministério Público, restabelecera a condenação do paciente por porte ilegal de arma (Lei 10.826/2003, art. 14, caput). A impetração pretendia a restituição de decisão absolutória proferida pelo juízo de 1º grau (CPP, 386, II), sob o argumento de que seria atípica a conduta imputada ao paciente, uma vez que a prova pericial obtida não teria comprovado a potencialidade lesiva do revólver, e tampouco sido realizada por órgão imparcial. Para tanto, sustentava: a) que a condenação pelo delito de porte de arma pressuporia a demonstração da potencialidade lesiva do artefato; b) que a perícia efetuada seria nula e c) que haveria prova testemunhal a qual colocaria em dúvida o fato de arma estar municiada. Aduziu-se que, no presente writ, somente seria possível a apreciação das questões abrangidas pelo âmbito de devolutividade restrita do recurso especial, ou que tivessem sido objeto da decisão ora impugnada. No ponto, asseverou-se que o Tribunal a quo não apreciara todas as teses da defesa, limitando-se a afirmar que a nulidade do exame pericial no revólver não descaracterizaria o delito atribuído ao paciente, quando amparado pelo contexto fático-probatório delineado

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

nos autos. No entanto, por se entender que o STJ não deveria ter condenado, desde logo, o paciente, concedeu-se a ordem, de ofício, para afastar a condenação imposta e determinar que o tribunal de justiça local prossiga no julgamento da apelação da defesa. Precedente citado: HC 94231/RS (DJE de 5.9.2008). HC 94881/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2008. (HC-94881)

INFORMATIVO 525

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que não reconhecera a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor praticados pelo paciente, e contra ele aplicara, ainda, a causa de aumento de pena prevista para o crime de roubo, em razão do emprego de arma (CP, art. 157, § 2º, I). A impetração pretende que incida a orientação firmada pelo Supremo no julgamento do HC 89827/SP (DJU de 27.4.2007), em que admitida a continuidade entre os mencionados crimes, assim como argüi a necessidade de realização de perícia demonstrando a idoneidade do mecanismo lesivo do revólver. A Min. Cármen Lúcia, relatora, deferiu, em parte, o writ para afastar a qualificadora relativamente ao roubo. Tendo em conta que as instâncias de mérito não indicaram a existência de outra prova de que a arma possuiria potencialidade lesiva, entendeu que esse exame seria imprescindível para a incidência da causa de aumento. Por outro lado, tendo em conta a jurisprudência predominante desta Corte no sentido de que os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que perpetrados contra a mesma vítima, caracterizam concurso material, indeferiu o pedido quanto à continuidade delitiva. No ponto, não adotou o paradigma apontado ante a diversidade das situações, uma vez que os atos constitutivos do atentado violento ao pudor não consistiriam, no presente caso, "prelúdio ao coito", porquanto efetivados em momento posterior à conjunção carnal. Após, pediu vista o Min. Ricardo Lewandowski. HC 94714/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.10.2008. (HC-94714) Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras - 2 A Turma, em conclusão de julgamento, deferiu, por maioria, habeas corpus impetrado em favor de condenado por tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12, c/c art. 29 do CP) para que se aplique, em seu benefício, a causa de diminuição trazida pela Lei 11.343/2006 - v. Informativo 523. Centrava-se a questão em apurar o alcance do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, em face da nova Lei de Tóxicos, que introduziu causa de diminuição da pena para o delito de tráfico de entorpecentes, mas aumentou-lhe a pena mínima. Inicialmente, salientou-se a necessidade de se perquirir se seria lícita a incidência isolada da causa de diminuição de pena aos delitos cometidos sob a égide da lei anterior, tendo por base as penas então cominadas. Entendeu-se que aplicar a causa de diminuição não significa baralhar e confundir normas, uma vez que o juiz, ao assim proceder, não cria lei nova, mas apenas se movimenta dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente possível. Ademais, aduziu-se que se deveria observar a finalidade e a ratio do princípio, para dar correta resposta à questão, não havendo como se repudiar a aplicação da causa de diminuição também a situações anteriores. Nesse diapasão, enfatizou-se, também, que a vedação de junção de dispositivos de leis diversas é apenas produto de interpretação da doutrina e da jurisprudência, sem apoio direto em texto constitucional. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que indeferia o writ por considerar que extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro preceito de diverso diploma, implicaria alterar por completo o seu espírito normativo, gerando um conteúdo distinto do previamente estabelecido pelo

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legislador, e instituindo uma terceira regra relativamente à situação individual do paciente. Precedente citado: HC 68416/DF (DJU de 30.10.92). HC 95435/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 21.10.2008. (HC-95435) Sucessão de Leis e Bens Jurídicos Distintos A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia a nulidade de acórdão do TRF da 3ª Região, porque este não teria reconhecido a revogação do art. 16 da Lei 7.492/86 pelo art. 27-E da Lei 10.303/2001 [Lei 7.492/86: "Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa."; Lei 10.303/2001: "Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento: Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa."]. Entendeu-se não ter havido a alegada revogação, uma vez que a objetividade jurídica dos tipos penais seria distinta e haveria elementos da estrutura dos dois tipos que também não se confundiriam. Esclareceu-se que o bem jurídico tutelado pela Lei 7.492/86 é a higidez do Sistema Financeiro Nacional, considerando-se instituição financeira aquela que tenha por atividade principal a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros. A seu turno, a Lei 10.303/2001 protege a integridade do mercado de valores mobiliários que, no caso relacionado ao paciente, sequer foi ameaçado pelas práticas apuradas e provadas nos autos. Concluiu-se inexistir, por conseguinte, constrangimento ilegal. HC 94955/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 21.10.2008. (HC-94955)

INFORMATIVO 524

Maus Antecedentes e Processos em Curso A Turma decidiu afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus nos quais se discute se inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em julgado podem ser considerados como elementos caracterizadores de maus antecedentes. A impetração aduz que tal reconhecimento violaria o princípio constitucional da não culpabilidade e que a pena aplicada aos pacientes fora exasperada com base nessas circunstâncias judiciais reputadas desfavoráveis. Requer, em conseqüência, a fixação da pena-base no mínimo legal. HC 94620/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.10.2008. (HC-94620) HC 94680/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.10.2008. (HC-94680) Homicídio Culposo na Direção de Veículo Automotor e Constitucionalidade. A Turma, ao declarar a constitucionalidade do art. 302, parágrafo único, da Lei 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro, manteve acórdão que condenara o recorrente e o co-réu pelo crime de homicídio culposo em decorrência de acidente de trânsito. Alegava-se, na espécie, que, em razão de a pena-base variável cominada no dispositivo mencionado ser de 2 a 4 anos de detenção e, no art. 121, § 3º, do CP, ser apenas de 1 a 3 anos, o tratamento diferenciado seria inconstitucional por violar o princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput). Considerou-se que o princípio da isonomia não impede o tratamento diversificado das situações quando houver um elemento de discrímen razoável, pois inegável a existência de

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maior risco objetivo em decorrência da condução de veículos nas vias públicas. Enfatizou-se que a maior freqüência de acidentes de trânsito, acidentes graves, com vítimas fatais, ensejou a aprovação de tal projeto de lei, inclusive com o tratamento mais rigoroso contido no art. 302, parágrafo único, do CTB. Destarte, a majoração das margens penais - comparativamente ao tratamento dado pelo art. 121, § 3º, do CP - demonstra o enfoque maior no desvalor do resultado, notadamente em razão da realidade brasileira, envolvendo os homicídios culposos, provocados por indivíduos na direção de veículos automotores (CTB: "Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:..."). RE 428864/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 14.10.2008. (RE-428864) Redução a Condição Análoga à de Escravo e Competência A Turma deu provimento a recurso extraordinário para fixar a competência da Justiça Federal para julgar os crimes de exposição da vida ou da saúde de trabalhadores a perigo, de redução a condição análoga à de escravo, de frustração de direito assegurado por lei trabalhista e de omissão de dados da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CP, artigos 132, 149, 203 e 297, § 4º, respectivamente). Entendeu-se, no caso, que as condutas atribuídas aos recorridos, em tese, violam bens jurídicos que extrapolam os limites da liberdade individual e da saúde dos trabalhadores reduzidos àquela condição, malferindo os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade do trabalho. Por conseguinte, afastou-se a competência da Justiça Estadual. Por outro lado, não se conheceu do recurso na parte referente à alegada competência da Justiça Federal para conhecer e julgar outros crimes descritos na denúncia, alegadamente conexos, porquanto envolveriam o exame de legislação infraconstitucional, bem como o revolvimento de matéria fático-probatória. Precedentes citados: RE 398041/PA (j. em 30.11.2006); RE 480138/RR (DJE 24.4.2008) e RE 508717/PA (DJU 11.4.2007). RE 541627/PA, rel. Min. Ellen Gracie, 14.10.2008. (RE-541627)

INFORMATIVO 523

Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado por tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12, c/c art. 29 do CP) propugna pela aplicação da causa de diminuição de pena prevista pelo art. 33, § 4º, da nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), lei esta já em vigor à época da prolação da sentença condenatória. Alega que o STJ concedera parcialmente a ordem, mas equivocara-se ao determinar que a redução pretendida fosse efetivada sobre o caput do art. 33 da Lei 11.343/2006, cuja pena mínima é de 5 anos, uma vez que o réu fora condenado à pena mínima prevista no caput do art. 12 da antiga Lei de Drogas (Lei 6.368/76), que é de 3 anos, portanto mais benéfica. A Min. Ellen Gracie, relatora, indeferiu a ordem, afirmando que a questão de direito central no writ diz respeito à possibilidade de combinação de normas incriminadoras relativas ao tráfico ilícito de entorpecentes. Lembrou que o STF tem orientação consolidada no sentido de que não é possível a combinação de leis no tempo, uma vez que, agindo assim, estaria criando uma terceira lei (lex tertia). Nesse diapasão, a relatora assentou entendimento de que extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro preceito de outro diploma legal, implica alterar por completo o seu espírito normativo, criando um conteúdo diverso do previamente estabelecido pelo legislador. Destarte, concluiu não haver razão para consideração de terceira regra

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(diferente dos sistemas jurídicos das Leis 6.368/76 e 11.343/2006) relativamente à situação individual do paciente. Após, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo Ministro Cezar Peluso. Precedente citado: HC 68416/DF (DJU de 30.10.92). HC 95435/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 7.10.2008. (HC-95435)

INFORMATIVO 522

Tráfico de Drogas: Liberdade Provisória e Excepcionalidade Ante as peculiaridades da situação dos autos, a Turma deferiu habeas corpus para que a paciente permaneça em liberdade até eventual sentença penal condenatória transitada em julgado. Na espécie, a paciente fora presa em flagrante por portar maconha quando visitava seu marido em presídio, sendo denunciada como incursa nas sanções dos artigos 12 e 18 da Lei 6.368/76. Insurgia-se contra decisão que cassara o benefício de liberdade provisória a ela concedido e expedira mandado de prisão, ainda não cumprido, em seu desfavor. Inicialmente, enfatizou-se que, apesar da controvérsia a respeito da possibilidade, ou não, da liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, o writ deveria ser concedido, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana, valor transformado em princípio normativo no texto da CF/88. No ponto, tendo em conta o debilitado estado de saúde da paciente - portadora do vírus HIV, o que lhe acarretara doenças como hepatite C e câncer de medula -, bem como o fato de possuir filha pequena que dela dependeria economicamente, entendeu-se estar-se diante de exceção, a qual deveria ser capturada pelo ordenamento jurídico. Asseverou-se que a regra seria no sentido do não cabimento de liberdade provisória nas hipóteses de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, contudo ela não poderia acolher as circunstâncias descritas no presente feito. Observou-se que a custódia preventiva da paciente não anteciparia a sua condenação, mas consistiria em autêntica vingança da sociedade civil, uma vez que manter enclausurada pessoa doente não restabeleceria a ordem, além de nada reparar. Desse modo, concluiu-se que submetê-la ao cárcere seria incompatível com o direito, mesmo que adequado à regra. Leia o inteiro teor do voto condutor do acórdão na seção Transcrições deste Informativo. HC 94916/RS, rel. Min. Eros Grau, 30.9.2008. (HC-94916) T R A N S C R I Ç Õ E S Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Tráfico de Drogas: Liberdade Provisória e Excepcionalidade (Transcrições)

HC 94916/RS*

RELATOR: MIN. EROS GRAU RELATÓRIO: A paciente foi presa em flagrante portando pequena quantidade de maconha quando visitava seu marido na penitenciária. 2. Processada pelo crime de tráfico de entorpecentes, foi beneficiada com a liberdade provisória. 3. A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu

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provimento a recurso em sentido estrito, interposto pelo Ministério Público, cassando o benefício concedido à paciente. 4. Foi expedido novo mandado de prisão, não cumprido porque o novo endereço da paciente não fora corretamente cadastrado. 5. A paciente posteriormente tomou conhecimento desse mandado de prisão. 6. A impetrante afirma que entre a expedição do mandado de prisão e a presente data passaram-se cinco anos. 7. Sobreveio a impetração de habeas corpus no STJ, que o indeferiu. 8. Daí este habeas corpus, no qual se alega o quanto segue: (i) a paciente é inocente, não é traficante; viciada, tinha a droga para consumo próprio, vindo a ser presa no estabelecimento prisional porque a comprara antes da visita ao marido e não tinha onde deixá-la; (ii) a paciente chegou a pensar em apresentar-se à autoridade policial, porém descobriu ser portadora do vírus da AIDS, "o que acarretou a contração de novas enfermidades como HEPATITE C e também HTLV que é um câncer na medula, doença que já deixou alguns músculos do corpo da PACIENTE sem movimentação, e que necessitava de muitos cuidados que não seriam concedidos no cárcere e acabou mudando sua opinião, já que teve medo inclusive de morrer por falta de medicamentos"; (iii) a paciente tem interesse em provar sua inocência, está trabalhando com dificuldades para sustentar sua filha e jamais voltou a delinqüir no período em que permaneceu em liberdade; mantém atividade lícita e endereço fixo; e (iv) não há fundamentação cautelar para negar a liberdade provisória; isso porque a paciente não representa perigo para a sociedade e, em relação à garantia da instrução criminal, "A MESMA SÓ SE AUSENTOU POR MEDO, O QUE É NORMAL, AINDA MAIS QUE TRATA-SE (sic) DE PESSOA DOENTE". 9. Requer, liminarmente, inaudita altera parte, seja deferida a liberdade provisória. No mérito, a concessão definitiva da ordem. 10. A PGR é pela concessão da ordem. É o relatório. VOTO: Não obstante a controvérsia a respeito da possibilidade, ou não, da liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, tenho, na linha do parecer da Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques e em face das peculiaridades do caso, que a ordem deve ser concedida. Leio trecho desse parecer: "[...] 4. O parecer é pela concessão da ordem. 5. A Paciente foi presa em flagrante e denunciada como incursa nos artigos 12 e 18 da Lei nº 6368/76, por fato praticado, em tese, no dia 6 (seis) de julho de 2002, no interior da Penitenciária Modulada de Charqueadas. 6. Em 10 (dez) de julho de 2002, a Paciente obteve o benefício da liberdade provisória. Entretanto, a Egrégia 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul cassou a decisão que deferiu a liberdade provisória, determinando a expedição de mandado de prisão (fls. 303). 7. A Defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, que foi denegado. Impetrou-se então o presente habeas corpus no intuito de obter o benefício da liberdade provisória. 8. Segundo consta dos autos, o mandado prisional ainda não foi cumprido, pois a Paciente tem medo de ser presa e de morrer deixando sua filha desamparada, bem como morrer sem assistência no cárcere. 9. Em princípio, o crime de tráfico, qualificado como hediondo, não comporta liberdade provisória.

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10. No entanto, os documentos constantes dos autos comprovam algumas peculiaridades que justificam o abrandamento dessa regra. É que a paciente é portadora do vírus HIV, o que lhe acarretou doenças como Hepatite C e câncer na medula. Tem uma filha pequena, que precisa dos seus cuidados. 11. Desde a data dos fatos, em 6 de julho de 2002, já transcorreram mais de 6 (seis) anos, não constando notícia de que a paciente tenha voltado a delinqüir. 12. Em pesquisa realizada no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não foi localizado nenhum outro processo criminal em que a paciente figure como acusada. Ao que tudo indica, o processo criminal a que responde foi um fato isolado na sua vida, praticado em circunstâncias excepcionais. 13. Ademais, o Juiz da causa, próximo dos fatos, entendeu por bem conceder a liberdade à paciente, dando os seguintes fundamentos para a sua decisão: 'No caso em tela, a materialidade restou comprovada e existem indícios de autoria, corroborada pelas declarações que a ré prestou na polícia. Por outro lado, a ré demonstrou ter endereço certo e que exerce atividade remunerada o que, em tese, afastaria a condição da conveniência da instrução criminal e eventual aplicação da lei penal. Quanto a condição de garantia da ordem pública, tenho que a conduta da ré, embora grave, não justifica, por si só, a segregação provisória por esse motivo. Na lição do mesmo doutrinador (op. cit., p. 577), 'a ordem pública é a paz, a tranqüilidade no meio social. Assim, se o indiciado ou ré estiver cometendo novas infrações penais, ou se ele já vinha cometendo várias, sem que a Polícia lograsse prendê-lo em flagrante; se estiver fazendo apologia do crime, ou incitando ao crime, ou se reunido em quadrilha ou bando, haverá perturbação da ordem pública...', situações que não podem ser imputadas à ré. Além disso, a ré não registra antecedentes policiais nem judiciais. Cumpre salientar que, na quase totalidade das vezes, estas mulheres que são flagradas levando droga para o interior das penitenciárias, ou são ameaçadas diretamente pelos seus maridos e companheiros, ou estes por outros detentos, ou seja, não tem escolha. Por fim, a ré tem uma filha que depende de seus cuidados e, certamente, da renda que a mesma obtém com o seu trabalho. Por todos esses motivos, aliado ao fato de que não se encontram presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, ou seja, nem a ordem pública, a instrução criminal ou a eventual aplicação da lei penal estão ameaçadas. Além disso, mesmo em razão de eventual condenação, considerando a possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, não há razão para manutenção da segregação cautelar.' (apenso 1) 14. A decisão do Tribunal de Justiça, que determinou o retorno da paciente à prisão, fundamentou-se no fato de o crime ser definido em lei como hediondo, 'onde é expressamente vedada a concessão de liberdade provisória conforme preconiza o disposto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.072/90, cuja constitucionalidade vem sendo reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal e esmagadora jurisprudência' (Apenso 1), não apresentando outra justificativa, que retratasse a real necessidade de submeter a paciente, que apresenta estado de saúde debilitado, ao cárcere. 15. Assim, considerando as peculiaridades do caso concreto, que autorizam o abrandamento do rigor com que se vem aplicando a regra que impõe a prisão dos acusados por crime definido como hediondo, manifesta-se o Ministério Público Federal pela concessão da ordem." Dizer "peculiaridades do caso concreto" é dizer exceção. Exceção que se impõe seja capturada pelo ordenamento jurídico, mesmo porque, no caso, a afirmação da dignidade da pessoa humana acode a paciente.

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A transgressão à lei é punida de modo que a lei [= o direito] seja restabelecida. Nesse sentido, a condenação restabelece o direito, restabelece a ordem, além de pretender reparar o dano sofrido pela vítima. A prisão preventiva antecipa o restabelecimento a longo termo do direito; promove imediatamente a ordem. Mas apenas imediatamente, já que haverá sempre o risco, em qualquer processo, de ao final verificar-se que o imediato restabelecimento da ordem transgrediu a própria ordem, porque não era devido. A regra diz ser incabível a liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes. Daí que, nos seus termos, a prisão preventiva da paciente dela necessariamente decorreria. No caso, contudo, a exceção afasta a regra. A exceção é o caso que não cabe no âmbito de normalidade abrangido pela norma geral. A norma geral deixaria de sê-lo [= deixaria de ser geral] se a contemplasse. Da exceção não se encontra alusão no discurso da ordem jurídica vigente. Define-se como tal justamente por não ter sido descrita nos textos escritos que compõem essa ordem. É como se nesses textos de direito positivo não existissem palavras que tornassem viável a sua descrição - daí dizermos que a exceção está no direito, ainda que não se a encontre nos textos normativos de direito positivo. Pois ela não está situada além do ordenamento, senão no seu interior. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade, zona de indiferença no entanto capturada pelo direito. De sorte que não é a exceção que se subtrai à norma, mas ela que, suspendendo-se, dá lugar à exceção - somente desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. Daí que ao Judiciário, sempre que necessário, incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Mas ao fazê-lo não se afasta do ordenamento. Aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção, retirando-se desta. Este tribunal tem assim procedido em alguns casos, assumindo claramente tê-lo feito. Menciono, para dar exemplo disso, as decisões tomadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.240, da qual fui relator, e na Reclamação 3.034. Aqui, no caso de que cogitamos, estamos diante de exceção. A regra que diz ser incabível a liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes não pode colher a situação descrita nestes autos, pena de transgredir a própria ordem na qual se compõe. Pois é certo que sua aplicação conduziria a afronta à dignidade da pessoa humana, valor transformado em princípio normativo no texto da Constituição de 1988. É que a prisão preventiva da paciente não anteciparia meramente a sua condenação, porém uma autêntica vingança do Estado, rectius da sociedade civil. A condenação cederia espaço à violência incontida da vendeta. É como se a sociedade civil, representada por um Estado que ainda com ela se confunde, se vingasse de si própria por ser o que é, e como é, na pessoa da paciente. Explico-me. O Estado moderno é ainda determinado por certos particularismos, antagônicos a outros. Ainda se confunde, por uma larga parte, com o Estado do exterior, o Estado da necessidade e do entendimento, isto é, carrega características da sociedade civil, que, logicamente suprassumida no sistema hegeliano, ainda não encontrou a sua plena realização nas estruturas engendradas pela modernidade. Nele se constrói a paz burguesa, dotada de caráter temporário na medida em que o dissenso entre os particularismos antagônicos é apenas mediado, superado pela conveniência - o que, no direito, não consubstancia, a rigor, nenhuma mediação efetiva, nem suprassunção, mas justaposição conflitante. Por certo superpõem-se, no mundo da vida, manifestações próprias a ambos, ao Estado moderno e ao Estado na concepção hegeliana. Mas o que prevalece, na forma institucional do primeiro, é a apropriação, pela burguesia, dos monopólios da violência e da tributação, caracterizando uma eticidade (Sittlichkeit) ainda não de todo permeada pela racionalidade como razão efetiva. A justiça produzida pelo Estado moderno condena para restabelecer o direito que ele mesmo põe, para restabelecer a ordem, pretendendo reparar os danos sofridos

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pela vítima. Mas a vítima no caso dos autos não é identificada. É a própria sociedade, beneficiária de vingança que como que a pacifica em face, talvez, da frustração que resulta de sua incapacidade de punir os grandes impostores. De vingança se trata, pois é certo que manter presa em condições intoleráveis uma pessoa doente não restabelece a ordem, além de nada reparar. Essa brutalidade, infernal, não pode ser tida - repito - senão como expressiva pura e simplesmente de vingança, exclusivamente de vingança de quem se compraz em fazer o mal. A este tribunal incumbe a elevada missão de afirmar a força normativa da Constituição e de conferir efetividade à dignidade do ser humano, que o seu artigo 1º declara. A paciente apresenta estado de saúde debilitado - diz o Juiz da causa - e dela depende inclusive economicamente uma filha. Submetê-la ao cárcere, isso é incompatível com o direito, ainda que se possa ter como adequado à regra. Daí que a captura da exceção se impõe. Aliás, é da inclusão de situações como tais no ordenamento - e da exclusão de outras, a pretexto de razoabilidades e proporcionalidades - que depende a regularidade do seu funcionamento. Direi mesmo que a preservação dos princípios impõe, seguidas vezes, a transgressão das regras. Concedo a ordem, a fim de que a paciente permaneça em liberdade até eventual sentença penal condenatória transitada em julgado.

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Evasão Fiscal e Princípio da Consunção A Turma indeferiu habeas corpus em que denunciados por suposta prática do crime de evasão fiscal (Lei 7.492/86, art. 22, parágrafo único) pleiteavam, por falta de justa causa, o trancamento de ação penal, ao argumento de que o crime de evasão de divisas seria crime-meio para o delito de sonegação fiscal (Lei 8.137/90, art.1º). Reiteravam a alegação de que mantiveram depósitos não declarados à repartição competente com a finalidade de evadirem-se do pagamento de impostos e, por força do princípio da consunção, sustentavam que o reconhecimento da extinção da punibilidade em relação ao delito-fim - já que o Ministério Público afastara da denúncia o crime contra a ordem tributária ante o pagamento espontâneo dos tributos - implicaria a extensão dessa conseqüência àquele. Inicialmente, asseverou-se que o princípio da consunção é aplicável quando, em tese, o agente pratica uma só conduta, ou mais de uma, mas dentro do mesmo contexto fático. No entanto, considerou-se que os delitos aludidos pelos pacientes não guardam vínculo de conexão ou continência, haja vista que um tipo não necessita da realização do outro e, ademais, foram cometidos com evidente independência de desígnios e com largo interregno temporal. Enfatizou-se que o bem jurídico tutelado no art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 refere-se à regularidade das operações de câmbio, porquanto omissões nessa órbita causam efeitos sobre a política econômica do país e abalam a credibilidade do mercado financeiro (Sistema Financeiro Nacional). Por outro lado, observou-se que a sonegação fiscal atinge a ordem tributária, mais especificamente a arrecadação tributária. Desse modo, realçou-se que a diversidade dos objetos sob proteção jurídico-penal já indicaria a inviabilidade de tratar a evasão de divisas como mera e obrigatória fase de execução da sonegação fiscal. Em conclusão, aduziu-se que a extinção da punibilidade do crime de sonegação fiscal não descaracteriza nem apaga o delito de evasão de divisas, o que tornaria viável a persecução penal. HC 87208/MS, rel. Min. Cezar Peluso, 23.9.2008. (HC-87208)

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INFORMATIVO 520

Reconhecimento da Continuidade Delitiva e Fase de Execução - 3 A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que se pretendia o reconhecimento da continuidade delitiva entre os diversos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e roubo praticados pelo paciente - v. Informativo 514. Inicialmente, em questão de ordem, o Min. Carlos Britto, relator, apreciou matéria nova suscitada, na assentada anterior, pelo Min. Marco Aurélio, relativa à possibilidade ou não de o juízo da execução criminal alterar o título condenatório definitivo para reconhecer a continuidade delitiva. Manifestou-se afirmativamente, realçando que ao juiz da execução compete decidir sobre soma ou unificação de penas; progressão ou regressão de regimes; detração e remição da pena e suspensão condicional da pena (LEP, art. 66, III). Asseverou que o voto que proferira, no sentido do indeferimento do habeas corpus, não prejudicaria o manejo de eventual ação de revisão criminal (CPP, art. 621), uma vez que não avançou no exame da existência ou não dos requisitos da continuidade delitiva. Reiterou, dessa forma, o entendimento de que a análise da impetração exigiria o revolvimento de todo o quadro empírico dos delitos praticados, incabível na via eleita, no que foi acompanhado pelos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que julgava cabível a concessão, de ofício, do writ para assentar a impropriedade do exame procedido em execução de títulos condenatórios, como se pudessem ser modificados em tal via, abrindo-se margem, com isso, a que as matérias versadas pudessem ser apreciadas mediante o instrumental próprio. Em seguida, tendo em conta que as condenações estabeleceram a obrigatoriedade do regime integralmente fechado para o cumprimento das penas, a Turma, por unanimidade, deferiu a ordem, de ofício, para viabilizar a progressão no regime de cumprimento de pena. HC 93536/SP, rel. Min. Carlos Britto, 16.9.2008. (HC-93536)

Roubo e Momento Consumativo - 2 A Turma reafirmou a orientação desta Corte no sentido de que a prisão do agente ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda que sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo. Por conseguinte, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus no qual se pretendia a tipificação da conduta do paciente na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, logo após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando os pertences - v. Informativo 517. Reputou-se evidenciado, na espécie, roubo frustrado, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que concedia a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente. HC 92450/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 16.9.2008. (HC-92450) Adequação Típica: Roubo Consumado e Homicídio Tentado - 1 A Turma deferiu, parcialmente, habeas corpus para cassar sentença de 1º grau que condenara o paciente por latrocínio tentado (CP, art. 157, § 3º, in fine, c/c art. 14, II). Na espécie, embora consumado o roubo, da violência praticada não resultara morte, mas lesão corporal de natureza grave numa das vítimas. A defesa reiterava a alegação de que a capitulação dada ao fato seria inadequada e pleiteava, por esse

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motivo, o ajuste da imputação para roubo qualificado pelo resultado de lesão corporal grave (CP, art. 157, § 3º, 1ª parte). Inicialmente, adotou-se como premissa o cometimento do crime de roubo (CP, art. 157) e aduziu-se que a matéria discutida nos autos envolveria a adequação típica da conduta atribuída ao paciente. Asseverou-se que o latrocínio constitui delito complexo, em que o crime-fim é o roubo, não passando o homicídio de crime-meio. Desse modo, salientou-se que a doutrina divide-se quanto à correta tipificação dos fatos na hipótese de consumação do crime-fim (roubo) e de tentativa do crime-meio (homicídio), a saber: a) classificação como roubo qualificado pelo resultado, quando ocorra lesão corporal grave; b) classificação como latrocínio tentado; c) classificação como homicídio qualificado, na forma tentada, em concurso material com o roubo qualificado. Enfatizou-se, contudo, que tais situações seriam distintas daquela prevista no Enunciado 610 da Súmula do STF ("Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.") e que as decisões impugnadas aderiram à tese de que as circunstâncias dos fatos evidenciaram o animus necandi dos agentes, caracterizando, por isso, tentativa de latrocínio. Esclareceu-se, ainda, que esta Corte possui entendimento no sentido de não ser possível punição por tentativa de latrocínio, quando o homicídio não se realiza, e que é necessário o exame sobre a existência de dolo homicida do agente, para, presente esse ânimo, dar-se por caracterizado concurso material entre homicídio tentado e roubo consumado. HC 91585/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 16.9.2008. (HC-91585)

Adequação Típica: Roubo Consumado e Homicídio Tentado - 2 Tendo em conta essas balizas, observou-se que para a classificação da conduta imputada ao paciente seria preciso identificar-se a finalidade dos agentes: a) se considerado ausente o animus necandi na violência praticada, incidiria o art. 157, § 3º, 1ª parte, do CP; b) se definido que a intenção era de matar as vítimas, o tipo correspondente seria o do art. 121, § 2º, V, do CP, na forma tentada, em concurso material com o crime de roubo. Afirmou-se, entretanto, que em sede de habeas corpus não se pode discutir o alcance da prova sobre a intenção do agente. Assim, reputou-se incontroverso que, consoante admitido pelo STJ, as indicações seriam no sentido de que o dolo era de matar e não o de provocar lesão corporal. Esse o quadro, assentou-se que não restaria alternativa senão a da teórica tipificação do fato como homicídio, na forma tentada, em concurso material com o delito de roubo. Por conseguinte, ante o reconhecimento da competência do tribunal do júri, determinou-se que a ele sejam remetidos os autos, a fim de que proceda a novo julgamento, limitando eventual condenação à pena aplicada na sentença ora anulada. Por fim, estendeu-se, de oficio, essa mesma ordem aos co-réus. HC 91585/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 16.9.2008. (HC-91585)

INFORMATIVO 519

Perda dos Dias Remidos e Art. 58 da LEP - 2 Em conclusão de julgamento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em favor de condenado que, ante a prática de falta grave (fuga), perdera a integralidade dos dias remidos. Pretendia-se, na espécie, o estabelecimento de limitação à perda dos dias remidos em, no máximo, 30 dias, conforme o parâmetro do art. 58 da Lei de Execução Penal - LEP ["o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a 30 (trinta) dias."], sob a alegação de que a decretação automática da perda de todo o tempo remido violaria os princípios da isonomia, da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana - v. Informativo 468. Inicialmente, asseverou-se que a jurisprudência da Corte é no sentido de que a falta grave cometida durante o

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cumprimento da pena implica a perda dos dias remidos (LEP, art. 127), sem que isso signifique ofensa ao direito adquirido. No tocante à remição, cujos efeitos estão ligados ao comportamento carcerário do condenado, entendeu-se incabível a incidência do aludido art. 58 da LEP para restringir a perda a 30 dias, porquanto esse dispositivo refere-se exclusivamente ao isolamento, à suspensão e à restrição de direitos, incumbindo à autoridade disciplinar do estabelecimento prisional aplicá-lo, o que não ocorre com aquele instituto, de competência do juízo da execução. Assim, concluiu-se não haver pertinência entre o referido artigo e o objeto deste habeas corpus. Por fim, reputou-se dispensável o pedido de limitação temporal referente aos dias remidos até a prática da falta grave, uma vez que o sentenciado tornará a adquirir eventual benefício a partir da data da infração disciplinar. HC 91085/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 9.9.2008. (HC-91085) Art. 290 do CPM e Princípio da Insignificância Ante a divergência entre as Turmas sobre a matéria, a Turma decidiu submeter ao Plenário julgamento de habeas corpus em que se discute a aplicação ou não do princípio da insignificância a militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290). HC 94685/CE, rel. Min. Ellen Gracie, 9.9.2008. (HC-94685)

Princípio da Insignificância e Inaplicabilidade - 1 Por reputar típica a conduta e, nessa qualidade, relevante na seara penal, a Turma denegou ordem de habeas corpus em que pretendido o restabelecimento de acórdão do tribunal local que, ao aplicar o princípio da insignificância, absolvera condenado em 1º grau por furto qualificado (CP, art. 155, § 4º, IV). A impetração observava que o valor do bem furtado (R$ 150,00) seria ínfimo, irrisório e, portanto, inábil à causação de prejuízo patrimonial. Registrou-se que para a incidência do aludido princípio não deve ser considerado apenas o valor subtraído (ou pretendido à subtração), pois, do contrário, deixaria de haver a modalidade tentada de vários delitos, bem como desapareceria do ordenamento jurídico a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, § 2º). No ponto, enfatizou-se que o princípio da insignificância tem como vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. No entanto, entendeu-se que, no caso, as citadas diretrizes não se fazem simultaneamente presentes, haja vista que a lesão se revelou significante não apenas em razão do valor do bem subtraído, mas principalmente em virtude do concurso de pessoas para a prática do crime. Desse modo, concluiu-se não ter sido mínima a ofensividade da conduta do paciente. HC 94765/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 9.9.2008. (HC-94765)

Qualificadoras e Privilégio: Compatibilidade - 2 Em seguida, salientou-se a compatibilidade, em determinadas hipóteses, da incidência do art. 155, § 2º, do CP, ao furto qualificado ("Art. 155. ... § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa."). Tendo isso em conta, bem como a primariedade do paciente, o pequeno valor da coisa furtada e a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59), concedeu-se, de ofício, o writ para se reduzir a pena-base, fixada em 2 anos, em 2/3 (CP, art. 155, § 2º), o que conduz à pena corporal de 8 meses, tornada definitiva. Ademais, diante da regra contida no art. 44, § 2º, do CP, esclareceu-se que a substituição da pena privativa de liberdade por uma

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restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade, será feita na forma a ser definida pelo juízo das execuções criminais, no tempo estabelecido para a pena privativa de liberdade. Afastou-se, por fim, a substituição da pena corporal por multa (CP, art. 44, § 2º, 1ª parte) ou a imposição de somente pena de multa (CP, art. 155, § 2º, parte final), em face da circunstância de haver a qualificadora do inciso IV do § 4º do art. 155 do CP. HC 94765/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 9.9.2008. (HC-94765)

INFORMATIVO 518

ADPF e Lei de Imprensa - 2 O Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem, suscitada pelo Min. Carlos Britto, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, da qual relator, a fim de prorrogar, por mais 180 dias, o prazo conferido para retorno do feito para o julgamento de mérito. Trata-se, na espécie, de argüição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT contra a Lei 5.250/67 - Lei de Imprensa. Na sessão de 27.2.2008, o Tribunal, por maioria, referendara a liminar deferida para o efeito de suspender a vigência da expressão "a espetáculos de diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem", contida na parte inicial do § 2º do art. 1º; do § 2º do art. 2º; da íntegra dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 65; da expressão "e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa", constante da parte final do art. 56; dos §§ 3º e 6º do art. 57; dos §§ 1º e 2º do art. 60; da íntegra dos artigos 61, 62, 63 e 64; dos artigos 20, 21, 22 e 23; e dos artigos 51 e 52, todos do referido diploma legal - v. Informativo 496. Vencido o Min. Marco Aurélio que, tendo negado referendo à liminar, não suspendendo a eficácia dos aludidos dispositivos, rejeitava a questão de ordem, porque, do contrário, implementaria algo a implicar a visão positiva quanto a essa suspensividade. ADPF 130 QO/DF, rel. Min. Carlos Britto, 4.9.2008. (ADPF-130) Corrupção de Menores e Crime Formal A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual condenado pela prática dos delitos de roubo qualificado em concurso material com o de corrupção de menores (CP, art. 157, § 2º, I e II, c/c Lei 2.252/54, art. 1º) pretendia anular sua condenação relativamente ao aludido crime de corrupção de menores. A impetração sustentava a ausência de comprovação da materialidade delitiva quanto a tal crime, ao argumento de que não teria sido evidenciada, documentalmente, a menoridade da vítima, constando apenas mera informação da mãe do menor nesse sentido. Considerou-se que, tanto no acórdão proferido pelo STJ quanto no prolatado pelo tribunal de origem, ficara assentada a participação de um menor e, em se tratando de crime formal, estaria correto o entendimento fixado no acórdão impugnado de que o objeto jurídico tutelado pelo tipo em questão é a proteção da moralidade do menor e que esse tipo penal visa coibir a prática de delitos em que existe a exploração daquele. Assim, prescindível a prova da efetiva corrupção do menor. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski, relator, que, por reputar incabível, no caso, o debate sobre a natureza do delito, cingindo-se a questão à prova da menoridade, para ele não demonstrada, concedia a ordem para anular a decisão no tocante ao crime de corrupção de menores e restabelecia a pena fixada nas instâncias ordinárias. HC 92014/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 2.9.2008. (HC-92014)

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INFORMATIVO 517

Roubo e Momento Consumativo A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende a tipificação da conduta do paciente na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando a res furtiva. O Min. Marco Aurélio, relator, concedeu a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente. Inicialmente, aduziu que o tema versado está a merecer reflexão, distinguindo-se situações concretas reveladoras do crime tentado e do crime consumado. Considerou que, se autoridades policiais assistiram à subtração e, no mesmo momento, acudiram à vítima, detendo os envolvidos e reavendo os bens roubados, não há como cogitar de crime consumado, em vez de simplesmente tentado. Em divergência, o Min. Ricardo Lewandowski indeferiu o writ por reputar caracterizado, na espécie, roubo frustrado, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. Após, pediu vista o Min. Menezes Direito. HC 92450/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 26.8.2008. (HC-92450)

INFORMATIVO 516

HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 1

A pessoa jurídica não pode figurar como paciente de habeas corpus, pois jamais estará em jogo a sua liberdade de ir e vir, objeto que essa medida visa proteger. Com base nesse entendimento, a Turma, preliminarmente, em votação majoritária, deliberou quanto à exclusão da pessoa jurídica do presente writ, quer considerada a qualificação como impetrante, quer como paciente. Tratava-se, na espécie, de habeas corpus em que os impetrantes-pacientes, pessoas físicas e empresa, pleiteavam, por falta de justa causa, o trancamento de ação penal instaurada, em desfavor da empresa e dos sócios que a compõem, por suposta infração do art. 54, § 2º, V, da Lei 9.605/98. Sustentavam, para tanto, a ocorrência de bis in idem, ao argumento de que os pacientes teriam sido responsabilizados duplamente pelos mesmos fatos, uma vez que já integralmente cumprido termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual. Alegavam, ainda, a inexistência de prova da ação reputada delituosa e a falta de individualização das condutas atribuídas aos diretores. HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (HC-92921)

HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 2 Enfatizou-se possibilidade de apenação da pessoa jurídica relativamente a crimes contra o meio ambiente, quer sob o ângulo da interdição da atividade desenvolvida, quer sob o da multa ou da perda de bens, mas não quanto ao cerceio da liberdade de locomoção, a qual enseja o envolvimento de pessoa natural. Salientando a doutrina desta Corte quanto ao habeas corpus, entendeu-se que uma coisa seria o interesse jurídico da empresa em atacar, mediante recurso, decisão ou condenação imposta na ação penal, e outra, cogitar de sua liberdade de ir e vir. Vencido, no ponto, o Min. Ricardo Lewandowski, relator, que, tendo em conta a dupla imputação como sistema legalmente imposto (Lei 9.605/98, art. 3º, parágrafo único) - em que pessoas jurídicas e naturais farão, conjuntamente, parte do pólo passivo da ação penal, de modo que o habeas corpus, que discute a viabilidade do

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prosseguimento da ação, refletiria diretamente na liberdade destas últimas -, conhecia do writ também em relação à pessoa jurídica, dado o seu caráter eminentemente liberatório. HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (HC-92921) Dosimetria: Tráfico de Drogas e Natureza do Entorpecente A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que requerida a exclusão de circunstância judicial reputada inidônea para elevar a pena-base acima do mínimo legal. No caso, o paciente fora condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão por tráfico ilícito de entorpecente (Lei 6.368/76, art. 12) e tivera sua pena redimensionada para 4 anos, em idêntico regime prisional, pelo STJ, que excluíra a circunstância de o réu utilizar-se de sua residência para comercializar drogas. Mantivera, contudo, o aumento decorrente da natureza da substância apreendida, cocaína, em razão de sua maior nocividade à saúde pública, dado o seu alto grau de dependência física e psíquica. A impetração sustentava que a natureza do entorpecente não poderia ser invocada para a majoração da pena, alegando ausência de elementos concretos aptos a legitimá-la. Inicialmente, salientou-se que, embora tipificadas por fontes heterônomas que complementam a norma penal em branco, as espécies de substâncias entorpecentes constituem elementares do tipo, e que cabe ao juiz conjugá-las a outros fatores, como a quantidade e a qualidade, ao individualizar a pena a ser aplicada. Nesse sentido, afirmou-se que a quantidade e a espécie de entorpecente traficado, quando combinadas, são circunstâncias judiciais que podem justificar a exasperação da pena-base para além do mínimo legal e que, na hipótese, a majoração não se amparara somente na circunstância de a cocaína deter maior potencial lesivo. Entendeu-se que, na espécie, houve a indicação de fatos concretos para que fosse efetuado o acréscimo da pena do paciente, enfatizando-se a apreensão de 14 g de cocaína, situação que, em tese, deveria ser diferenciada da apreensão da mesma quantidade de outras substâncias capazes de configurar o crime. Por fim, aduziu-se que não haveria que se falar em desproporcionalidade no aumento da pena-base em 1 ano de reclusão, sobretudo se levado em conta que a reprimenda cominada ao delito varia de 3 a 15 anos de reclusão. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que concedia a ordem para reduzir a pena-base ao patamar mínimo por considerar que a majoração da pena com fundamento na natureza da substância entorpecente ampliaria demais a discricionariedade do juiz, afetando os princípios da legalidade e da segurança jurídica. HC 94655/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.8.2008. (HC-94655)

Comutação de Pena a Beneficiado com Livramento Condicional A Turma deferiu habeas corpus contra acórdão do STJ que cassara benefício de comutação da pena ao fundamento de que, na ausência de disposição expressa no Decreto 5.295/2004 - que concede indulto condicional, comutação e dá outras providências -, estaria vedada a sua outorga àqueles que estivessem em livramento condicional. Enfatizou-se que, na espécie, não há impedimento decorrente do mencionado decreto, pois as condenações impostas ao paciente se referem a fatos ocorridos antes da edição da Lei 8.072/90. Ademais, tendo em conta as peculiaridades do caso, considerou-se que o paciente preencheu todos os requisitos exigidos para a comutação da pena previstos no art. 2º do referido decreto e que a omissão contida em tal diploma, quanto ao tratamento a ser conferido aos condenados à pena privativa de liberdade que obtiveram livramento condicional até determinada data, reforçaria a tese de silêncio eloqüente, devendo essa falta ser interpretada no sentido de, relativamente a esses reeducandos, não haver impedimento para a comutação pretendida. Assim, concluiu-se que a interpretação a ser dada ao citado Decreto 5.295/2004 é a de que a comutação de pena não é

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vedada àqueles que estão em livramento condicional. Ordem concedida para restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que deferira a comutação da pena. HC 94654/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.8.2008. (HC-94654)

SEGUNDA TURMA

Descaminho e Princípio da Insignificância Por ausência de justa causa, a Turma deferiu habeas corpus para determinar o trancamento de ação penal instaurada contra acusado pela suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334), em decorrência do fato de haver iludido impostos devidos pela importação de mercadorias, os quais totalizariam o montante de R$ 5.118,60 (cinco mil cento e dezoito reais e sessenta centavos). No caso, o TRF da 4ª Região, por reputar a conduta do paciente materialmente típica, negara aplicação ao princípio da insignificância ao fundamento de que deveria ser mantido o parâmetro de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para ajuizamento de execuções fiscais (Lei 10.522/2002) e não o novo limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais) instituído pela Lei 11.033/2004. Inicialmente, salientou-se o caráter vinculado do requerimento do Procurador da Fazenda para fins de arquivamento de execuções fiscais e a inexistência, no acórdão impugnado, de qualquer menção a possível continuidade delitiva ou acúmulo de débitos que conduzisse à superação do valor mínimo previsto na Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004 ["Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). § 1o Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados."]. Entendeu-se não ser admissível que uma conduta fosse irrelevante no âmbito administrativo e não o fosse para o Direito Penal, que só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido, quando falharem os outros meios de proteção e não forem suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do Direito. HC 92438/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 19.8.2008. (HC-92438) Crime Organizado - Vedação Legal de Liberdade Provisória - Inconstitucionalidade - Convenção de Palermo - Prisão Cautelar - Requisitos (Transcrições) HC 94404 MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: "HABEAS CORPUS". ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL. CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. PLENITUDE DE ACESSO, EM CONSEQÜÊNCIA, AOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE TUTELA DA LIBERDADE. RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, EM CARÁTER APRIORÍSTICO, DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. LEI DO CRIME ORGANIZADO (ART. 7º). INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO "DUE PROCESS OF LAW", DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA "PROIBIÇÃO DO EXCESSO": FATOR DE

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CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. ENTENDIMENTO DE AUTORIZADO MAGISTÉRIO DOUTRINÁRIO (LUIZ FLÁVIO GOMES, ALBERTO SILVA FRANCO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR, GERALDO PRADO E WILLIAM DOUGLAS, "INTER ALIA"). PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CONVENÇÃO DE PALERMO (CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL). TRATADO MULTILATERAL, DE ÂMBITO GLOBAL, REVESTIDO DE ALTÍSSIMO SIGNIFICADO, DESTINADO A PROMOVER A COOPERAÇÃO PARA PREVENIR E REPRIMIR, DE MODO MAIS EFICAZ, A MACRODELINQÜÊNCIA E AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS DE CARÁTER TRANSNACIONAL. CONVENÇÃO INCORPORADA AO ORDENAMENTO POSITIVO INTERNO BRASILEIRO (DECRETO Nº 5.015/2004). INADMISSIBILIDADE DA INVOCAÇÃO DO ART. 11 DA CONVENÇÃO DE PALERMO COMO SUPORTE DE LEGITIMAÇÃO E REFORÇO DO ART. 7º DA LEI DO CRIME ORGANIZADO. A SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA, À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DOS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE NÃO VERSEM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS. JURISPRUDÊNCIA (STF). DOUTRINA. CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. INVIABILIDADE DE SUA DECRETAÇÃO, QUANDO FUNDADA NA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO, NA SUPOSTA OFENSA À CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES, NO CLAMOR PÚBLICO E NA SUPOSIÇÃO DE QUE O RÉU POSSA INTERFERIR NAS PROVAS. NÃO SE DECRETA PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO "STATUS LIBERTATIS" DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. DECISÃO: Trata-se de "habeas corpus", com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de outra ação de "habeas corpus", denegou o "writ" constitucional (HC 100.090/SP). Registro, desde logo, por necessário, tal como assinalei na decisão por mim proferida no exame de pedido de medida cautelar formulado no HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, que o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado. Isso significa, portanto, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RDA 55/192 - RF 192/122) e dos Tribunais em geral (RDA 59/326 - RT 312/363), que o súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar os remédios constitucionais, como o mandado de segurança ou, notadamente, o "habeas corpus": "- É inquestionável o direito de súditos estrangeiros ajuizarem, em causa própria, a ação de 'habeas corpus', eis que esse remédio constitucional - por qualificar-se como verdadeira ação popular - pode ser utilizado por qualquer pessoa, independentemente da condição jurídica resultante de sua origem nacional." (RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Cabe advertir, ainda, que também o estrangeiro, inclusive aquele que não possui domicílio em território brasileiro, tem direito público subjetivo, nas hipóteses de persecução penal, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal, pois - como reiteradamente tem proclamado esta Suprema Corte (RTJ 134/56-58 - RTJ 177/485-488 - RTJ 185/393-394, v.g.) - a condição jurídica de não-nacional do

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Brasil e a circunstância de esse mesmo réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Nesse contexto, impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, a preservação da integridade do seu direito de ir, vir e permanecer ("jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque"), bem assim os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. O fato irrecusável é um só: o súdito estrangeiro, ainda que não domiciliado no Brasil, assume, sempre, como qualquer pessoa exposta a atos de persecução penal, a condição indisponível de sujeito de direitos e titular de garantias, cuja intangibilidade há de ser preservada pelos magistrados e Tribunais deste país, especialmente por este Supremo Tribunal Federal. Por reconhecer, desse modo, que o súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem direito a todas as prerrogativas básicas que lhe asseguram a preservação do "status libertatis" e a observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do "due process", passo a examinar o pedido de medida cautelar ora formulado nesta sede processual. Registro, inicialmente, que o ilustre magistrado federal de primeira instância, na decisão até agora mantida pelas instâncias judiciárias que denegaram a ordem de "habeas corpus", invocou, para justificar a medida excepcional da prisão cautelar ora questionada, o que se contém no art. 7º da Lei nº 9.034/95 (Apenso 01, fls. 207): "O artigo 7º da Lei n.º 9.034, de 03 de maio de 1995 (acerca das ações praticadas por organizações criminosas), na esteira das orientações da Convenção ONU contra o Crime Organizado Transnacional (adotada em Nova Iorque, no ano de 2000, sendo aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 231, de 29.05.2003, e promulgada pelo Decreto n.º 5015, de 12.03.2004, artigo 11), veda a liberdade provisória 'aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa', de molde que o pedido deve ser deferido." (grifei) Como se sabe, a Convenção de Palermo (designação dada à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional) foi incorporada ao ordenamento positivo interno brasileiro pelo Decreto nº 5.015/2004, que a promulgou e lhe conferiu executoriedade e vigência no plano doméstico. Trata-se de relevantíssimo instrumento jurídico, de projeção e aplicabilidade globais, aprovado sob a égide das Nações Unidas (RODRIGO CARNEIRO GOMES, "O Crime Organizado na Visão da Convenção de Palermo", 2008, Del Rey), destinado a "promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional". Essa Convenção multilateral dispõe, em seu Artigo 11, que cada Estado Parte adotará, "em conformidade com seu direito interno, e tendo na devida conta os direitos da defesa", medidas apropriadas para que as autoridades competentes tenham presente a gravidade das infrações nela previstas, "quando considerarem a possibilidade de uma libertação antecipada" (n. 4), prescrevendo, ainda, que cada Estado Parte estabelecerá meios adequados para que "as condições a que estão sujeitas as decisões de aguardar julgamento em liberdade" não impeçam a presença do réu "em todo o processo penal ulterior" (n. 3). É importante assinalar, neste ponto, na linha da jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal, que os tratados internacionais (a Convenção de Palermo, p. ex.), que não versem, como na espécie, matéria concernente aos direitos humanos, estão hierarquicamente subordinados à autoridade da

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Constituição da República, como resulta claro de decisão emanada do Plenário desta Suprema Corte: "SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional."(ADI 1.480-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Desse modo, vale enfatizar, por necessário e relevante, e no que concerne à hierarquia das fontes, tratando-se de convenções internacionais que não veiculem cláusulas de salvaguarda pertinentes aos direitos humanos, que estas se sujeitam, de modo incondicional, nos planos da existência, da validade e da eficácia, à superioridade jurídica da Constituição. Não foi por outro motivo que o eminente Professor CELSO LAFER, quando Ministro das Relações Exteriores, ao propor à Presidência da República o encaminhamento, ao Congresso Nacional, do texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, entendeu conveniente enfatizar, em sua Exposição de Motivos, com inteira correção e absoluto rigor acadêmico, a necessária subordinação hierárquica dos atos internacionais à ordem normativa fundada na Constituição da República: "Infelizmente, o Brasil até hoje não ratificou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em cuja elaboração participaram brilhantes especialistas nacionais. Dúvidas, a meu ver infundadas, surgidas no seio do próprio Executivo, acerca da compatibilidade de algumas cláusulas sobre entrada em vigor de tratados e a prática constitucional brasileira em matéria de atos internacionais (...) retardaram sua submissão ao referendo do Congresso Nacional. Esse impedimento é tanto mais injustificado quando se considera a possibilidade de fazer-se, no momento da ratificação, alguma reserva ou declaração interpretativa, se assim for o desejo do Poder Legislativo. Seja como for, a eventual aprovação integral da Convenção, mesmo sem qualquer reserva, pelo Congresso Nacional, nunca poderia ser tomada como postergatória de normas constitucionais, já que no Brasil não se tem admitido que os tratados internacionais se sobreponham à Constituição." (Diário do Congresso Nacional, Seção I, de 19/05/92, p. 9.241 - grifei) Daí a advertência - que cumpre não ignorar - de PONTES DE MIRANDA ("Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969", tomo IV/146, item n. 35, 2ª ed., 1974, RT), no sentido de que, "Também ao tratado, como a qualquer lei, se exige ser constitucional" (grifei). A observação que venho de fazer, apoiada no reconhecimento que confere irrestrita precedência hierárquica à Constituição da República sobre as convenções internacionais em geral (ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas nos §§ 2º e 3º do art. 5º da própria Lei Fundamental), torna evidente que cláusulas inscritas nos textos de tratados internacionais que imponham a compulsória adoção, por autoridades judiciárias nacionais, de medidas de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem, em caráter imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso sistema de direito positivo, sob pena de gravíssima ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, dentre outros princípios constitucionais que informam e compõem o estatuto jurídico

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daqueles que sofrem persecução penal instaurada pelo Estado. Daí não ser apropriado invocar-se o art. 7º da Lei nº 9.034/95 para, com apoio nele, justificar-se um decreto judicial de privação cautelar da liberdade individual (Apenso 01, fls. 207). Mostra-se importante ter presente, no caso, que o referido art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95) proíbe, de modo abstrato e "a priori", a concessão da liberdade provisória "aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa". Essa regra legal veio a ser reproduzida, com conteúdo material virtualmente idêntico, pela Lei nº 10.826/2003, cujo art. 21 estabelecia que "Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória" (grifei). A vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do "due process", dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República. Foi por tal razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada: "(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão 'ex lege', em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente." (grifei) O eminente penalista LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini ("Crime Organizado", p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT), expõe, de modo irrefutável, a evidente inconstitucionalidade do art. 7º da Lei nº 9.034/95, advertindo, com absoluta correção, que a vedação legal em abstrato da concessão da liberdade provisória transgride "o princípio da presunção de inocência", afronta "a dignidade humana" e viola "o princípio da proibição do excesso". Essa mesma orientação é perfilhada por GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS ("Comentários à Lei contra o Crime Organizado", p. 87/91, 1995, Del Rey), que também vislumbram, no art. 7º da Lei do Crime Organizado, o vício nulificador da inconstitucionalidade, resultante da ofensa ao postulado da presunção de inocência e do desrespeito ao princípio da proporcionalidade, analisado este na dimensão que impõe, ao Estado, a proibição do excesso. Diversa não é, na matéria, e com referência específica ao art. 7º da Lei do Crime Organizado, a lição de ROBERTO DELMANTO JUNIOR ("As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração", p. 142/150, item n. 2, "c", 2ª ed., 2001, Renovar), que adverte, com inteira razão, apoiando-se em magistério de outro eminente autor (ALBERTO SILVA FRANCO, "Crimes Hediondos", p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT), que se mostra inconstitucional a proibição abstrata, em lei, da concessão da liberdade provisória, pois tal vedação, além de lesar os postulados do "due process of law" e da presunção de inocência, também se qualifica como ato estatal que transgride o princípio da proporcionalidade, no ponto em que este impõe, ao Estado, a proibição do excesso. Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com

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fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público. Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade. Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, "Curso de Direito Administrativo", p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, "Curso de Direito Administrativo", p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do "due process of law" (RAQUEL DENIZE STUMM, "Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro", p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Direitos Humanos Fundamentais", p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, "Curso de Direito Constitucional", p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros). Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Em suma, cabe advertir que a interdição legal "in abstracto", vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 7º da Lei nº 9.034/95, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.

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O magistrado, no entanto, sempre poderá, presente situação de real necessidade, evidenciada por fatos que dêem concreção aos requisitos previstos no art. 312 do CPP, decretar, em cada caso, quando tal se mostrar imprescindível, a prisão cautelar da pessoa sob persecução penal. Foi sob tal perspectiva que esta Corte, tendo presente o requisito legitimador da cautelaridade, julgou (e indeferiu) o HC 89.143/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, por haver entendido, naquele caso, que o decreto de custódia cautelar achava-se adequadamente fundamentado segundo os critérios fixados pelo art. 312 do CPP e de acordo com os padrões estabelecidos pela jurisprudência desta Suprema Corte. Tenho por inadequada, desse modo, a invocação do art. 7º da Lei do Crime Organizado para justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do ora paciente, sendo irrelevante, consideradas as razões expostas, que a regra legal em questão busque encontrar suporte e reforço, para efeito de sua aplicabilidade, em texto superveniente de convenção internacional, como a Convenção de Palermo, que também não pode transgredir a autoridade da Constituição da República. Afastada a mera invocação do art. 7º do diploma legislativo em referência, cabe examinar as outras razões expostas no ato decisório contra o qual se insurgem os autores desta ação de "habeas corpus". Ao fazê-lo, tenho para mim, em juízo de sumária cognição, que os fundamentos em que se apóia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que decretou a prisão preventiva do ora paciente, confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise. Eis, em síntese, os fundamentos da decisão, que, emanada do ilustre magistrado federal de primeira instância, deu causa às sucessivas impetrações de "habeas corpus" em favor do ora paciente (Apenso 01, fls. 204/210): "As pessoas denunciadas possuem considerável poder de decisão, autonomia e representação dentro de seu âmbito de atuação, interligando-se entre si, reiterando práticas ilegais de forma velada, tentando sempre frustrar a persecução penal de modo que a elas devem ser dispensadas atenção especial porquanto soltas continuariam seguramente a persistir na prática das atividades delitivas, ou, o que é pior, a tudo fazer para neutralizar os elementos probatórios até aqui produzidos, colocando em sério risco a eficácia da ação penal. ....................................................... Evidente o desprezo pelas autoridades constituídas e o destemor pela atuação dos órgãos estatais de controle (Banco Central do Brasil, Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal), sendo de notar que parte dos denunciados já tinha sido ouvida anteriormente (fls. 135/141 - Boris Berezovsky dos autos n.º 2006.61.81.005118-0/Apenso VII do IPL e fls. 482/488 - Kia Joorabchian do Apenso III do IPL), mas persistiram na prática delituosa, agora contando com o suposto assessoramento de autoridades federais, que teriam sido consultadas para viabilizar 'investimentos' no país. ....................................................... Todos os denunciados estrangeiros demonstram já de antemão não possuírem qualquer intenção de colaborar para a aplicação da lei penal. Em liberdade, certamente tudo farão para inviabilizar a persecução criminal, além de continuarem na prática de tais atividades, circunstância esta que desde logo coloca em grave risco a ordem pública e a credibilidade da Justiça. ....................................................... Não se decreta a custódia cautelar pela gravidade dos eventuais atos ilícitos praticados, mas pela reiterada tentativa de lhes conferir idoneidade, o que provoca, ainda nos dias atuais, grande repercussão e clamor público, fragilizando a atividade jurisdicional e a ordem pública.

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Não se trata, também, de mera detenção cautelar pela simples repercussão dos fatos, mas porquanto se observou cupidez e manobras, que não inibiram, antes reforçaram, condutas que ainda causam indignação na opinião pública com repulsa profunda." (grifei) Parece-me que a decisão em causa, ao decretar a prisão preventiva do ora paciente, considerados os fundamentos nela invocados, teria transgredido os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal construiu em tema de privação cautelar da liberdade individual. Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade. Não obstante o caráter extraordinário de que se reveste, a prisão preventiva pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a formalize tenha fundamentação substancial, com base em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos abstratos - juridicamente definidos em sede legal - autorizadores da decretação dessa modalidade de tutela cautelar penal (RTJ 134/798, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO). É por essa razão que esta Corte, em pronunciamento sobre a matéria (RTJ 64/77), tem acentuado, na linha de autorizado magistério doutrinário (JULIO FABBRINI MIRABETE, "Código de Processo Penal Interpretado", p. 376, 2ª ed., 1994, Atlas; PAULO LÚCIO NOGUEIRA, "Curso Completo de Processo Penal", p. 250, item n. 3, 9ª ed., 1995, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, "Manual de Processo Penal", p. 243/244, 1991, Saraiva), que, uma vez comprovada a materialidade dos fatos delituosos e constatada a existência de meros indícios de autoria (pressupostos da prisão preventiva) - e desde que concretamente ocorrente qualquer das situações referidas no art. 312 do Código de Processo Penal (fundamentos da prisão preventiva) -, torna-se legítima a decretação, pelo Poder Judiciário, dessa especial modalidade de prisão cautelar. Presente esse contexto, cabe verificar se os fundamentos subjacentes à decisão ora questionada ajustam-se, ou não, ao magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal no exame do instituto da prisão preventiva. É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão - qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente da decisão de pronúncia e prisão resultante de sentença penal condenatória recorrível) - não se revela incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência (RTJ 133/280 - RTJ 138/216 - RTJ 142/855 - RTJ 142/878 - RTJ 148/429 - HC 68.726/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.). Impõe-se advertir, no entanto, que a prisão cautelar ("carcer ad custodiam") - que não se confunde com a prisão penal ("carcer ad poenam") - não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar "em benefício da atividade desenvolvida no processo penal" (BASILEU GARCIA, "Comentários ao Código de Processo Penal", vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema Corte tem proclamado: "A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU. - A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

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A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal." (RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente - não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO). É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal: "(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA - IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...)." (HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei) Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la. Nem se diga que a gravidade em abstrato dos crimes bastaria para justificar a privação cautelar da liberdade individual do paciente. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, só por si, para justificar a privação cautelar do "status libertatis" daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu (não é o caso destes autos!) seja legalmente classificado como crime hediondo (RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.): "A gravidade do crime imputado, um dos malsinados 'crimes hediondos' (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória' (CF, art. 5º, LVII)." (RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei) "A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU. - A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada." (RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o paciente deveria ser mantido na prisão, em ordem a garantir a credibilidade da Justiça. Esse entendimento já incidiu, por mais de uma vez, na censura do Supremo Tribunal Federal, que, acertadamente, tem destacado a absoluta inidoneidade dessa particular fundamentação do ato que decreta a prisão preventiva do réu (RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 72.368/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE): "O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri." (RTJ 193/1050, Rel. Min. EROS GRAU - grifei) Por sua vez, a suposição - fundada em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) - de que o réu poderia interferir nas provas, se mantido em liberdade, constitui, quando destituída de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual. A mera afirmação, desacompanhada de indicação de fatos concretos, de que o ora paciente, em liberdade, poderia frustrar, ilicitamente, a regular instrução processual revela-se insuficiente para fundamentar o decreto de prisão cautelar, se essa alegação - como parece ocorrer na espécie dos autos - deixa de ser corroborada por necessária base empírica (que necessariamente deve ser referida na decisão judicial), tal como tem advertido, a propósito desse específico aspecto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 175/715, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.). Sustentou-se, ainda, para justificar a prisão preventiva do ora paciente, que os eventos que lhe foram imputados teriam provocado "grande repercussão e clamor público, fragilizando a atividade jurisdicional e a ordem pública" (Apenso 01, fls. 210 - grifei). Cabe relembrar, neste ponto, que o clamor público não pode erigir-se em fator subordinante da decretação ou da preservação da prisão cautelar de qualquer réu. A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que o estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso. Bem por isso, já se decidiu, nesta Suprema Corte, que "a repercussão do crime ou o clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva, dentre as estritamente delineadas no artigo 312 do Código de Processo Penal (...)" (RTJ 112/1115, 1119, Rel. Min. RAFAEL MAYER - grifei). A prisão cautelar, em nosso sistema jurídico, não deve condicionar-se, no que concerne aos pressupostos de sua decretabilidade, ao clamor emergente das ruas, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. Esse entendimento constitui diretriz prevalecente no magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que a repercussão social do delito e o clamor público por ele gerado não se qualificam como causas legais de justificação da prisão processual do suposto autor da infração penal, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne,

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

exclusivamente, ao tema da fiança criminal (RT 598/417 - RTJ 172/159, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - HC 71.289/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RHC 64.420/RJ, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, v.g.): "O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes." (RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de "habeas corpus", suspender, cautelarmente, a eficácia da decisão que decretou a prisão preventiva do ora paciente, proferida nos autos do Processo nº 2006.61.81.008647-8 (6ª Vara Criminal da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo). Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Excelentíssimo Senhor Ministro-Relator do HC 100.090/SP (Superior Tribunal de Justiça), à Presidência do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (HC nº 2007.03.00.097239-7) e ao Senhor Juiz da 6ª Vara Federal Criminal da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo (Processo nº 2006.61.81.008647-8). Publique-se. Brasília, 19 de agosto de 2008. Ministro CELSO DE MELLO Relator * decisão publicada no DJE de 26.8.2008

INFORMATIVO 515

PRIMEIRA TURMA

Art. 290 do CPM e Princípio da Insignificância

A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290). Buscava-se o restabelecimento da decisão absolutória proferida em primeira instância, na qual aplicados os princípios da insignificância e da proporcionalidade. Considerou-se que, no caso, o fato não seria penalmente irrelevante e que a existência de precedentes do STF no sentido pretendido pelo paciente, inclusive admitindo a incidência do postulado da insignificância e aplicação da Lei 11.343/2006 à justiça militar, não seria bastante a demonstrar como legítima a sua pretensão. Asseverou-se que, na espécie, o paciente, preso em flagrante em estabelecimento castrense, informara que sabia estar cometendo um ilícito penal e que levaria o entorpecente para um colega de farda que lhe pedira para comprar a substância. Tendo isso em conta, refutou-se o

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

alegado constrangimento ilegal, haja vista que a droga apreendida, além de ter sido encomendada por outra pessoa, seria suficiente para o consumo de duas pessoas, o que configuraria, minimamente, a periculosidade social da ação do paciente. HC 94649/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.8.2008. (HC-94649)

SEGUNDA TURMA

Art. 290 do CPM e Princípio da Insignificância A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290). Preliminarmente, reconheceu-se a legitimidade ativa do membro do Ministério Público Militar de primeira instância, para, mesmo em sede originária, impetrar habeas corpus perante o STF. No mérito, enfatizou-se que o princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal e que, para sua incidência, deve ser observada a presença de certos vetores, tais como: a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ademais, acentuou-se que a jurisprudência desta Corte tem admitido a inteira aplicabilidade desse postulado aos delitos militares, mesmo que se cuide de crime de posse de quantidade ínfima de substância entorpecente, para uso próprio, e ainda que se trate de ilícito penal perpetrando no interior de organização militar. Precedentes citados: HC 84307/RO (DJU de 25.5.2005); HC 85725/RO (DJU de 23.2.2007); RHC 89624/RS (DJU de 7.12.2006); HC 87478/PA (DJU de 23.2.2007); HC 922634/PE (DJU de 5.9.2007). HC 94809/RS, rel. Min. Celso de Mello, 12.8.2008. (HC-94809)

INFORMATIVO 514

Falsificação de Carteira de Habilitação Naval e Incompetência da Justiça Militar

Compete à Justiça Federal stricto sensu processar e julgar acusado pela suposta prática do crime de falso relativamente a documento de habilitação naval de natureza civil e não militar. Inicialmente, salientou-se que consubstancia regra a competência da Justiça comum para os processos-crimes, surgindo como exceção a competência penal quer da Justiça Federal stricto sensu, quer da Justiça Federal Militar. Aduziu-se, dessa forma, que os preceitos que encerram exceção merecem interpretação restritiva e que a definição de crime militar a atrair a jurisdição especializada encontra-se contida no art. 9º do Código Penal Militar. Entendeu-se que a situação dos autos não se adequaria à regra linear prevista no inciso I do mencionado art. 9º do CPM ("Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;"), haja vista a existência de disciplina na lei penal comum, bem como a correspondência de tipologia entre o art. 311, do CPM e o art. 297, do CP. Ademais, frisou-se, que não haveria campo para a análise considerados os incisos II e III do mesmo dispositivo. Ressaltou-se, entretanto, que, relativamente à alínea a, do inciso III, do art. 9º, do CPM, a menção a "ordem administrativa militar" não alcançaria o serviço de fiscalização presente no caso. Assim, concluiu-se que, estando em jogo serviço público federal - de fiscalização naval -, incidente o art. 109, IV, da CF ("Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: ... IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços

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ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;"). Por fim, determinou-se a remessa do processo, em tramitação na 2ª Auditoria da Segunda Circunscrição da Justiça Militar, para a primeira instância, considerada a Seção da Justiça Federal do Paraná, declarando insubsistente a peça primeira da ação penal. Precedentes citados: HC 68928/PA (DJU de 19.12.91); CC 7030/SC (DJU de 7.5.93). HC 90451/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 5.8.2008. (HC-90451)

Falsificação de Moeda e Princípio da Insignificância A Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do delito previsto no art. 289, § 1º, do CP, por portar 10 cédulas falsas, cada uma com valor facial de R$ 5,00, pleiteava a aplicação do princípio da insignificância. Considerou-se que o paciente, ao fazer circular as notas falsas, sem comprovar a sua boa-fé, incorrera no crime de falsificação de moeda falsa, cujo bem jurídico tutelado é a fé pública. Desse modo, o tipo penal em questão não tem como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico, objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem intangível, que corresponde à credibilidade do sistema financeiro. HC 93251/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 5.8.2008. (HC-93251)

Reconhecimento da Continuidade Delitiva e Fase de Execução - 1 A Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende o reconhecimento da continuidade delitiva entre os diversos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e roubo praticados pelo paciente. No caso, em sede de execução criminal, a defesa formulara pedido de unificação das penas ao argumento de se tratar de delitos de mesma espécie e semelhantes circunstâncias de tempo, modo e execução das condutas. O tribunal de origem indeferira o pleito por reputar que alguns crimes foram cometidos fora do lapso de 30 dias e que outros pressupostos também estariam ausentes, tais como, diversidade de vítimas e de localidade. Na sessão de 3.6.2008, o Min. Carlos Britto, relator, indeferiu o writ. Enfatizou que o tema da existência ou não de continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não estaria em discussão, uma vez que a pretensão do paciente esbarraria em questão logicamente anterior relativa à falta dos demais requisitos do art. 71, do CP. Assim, entendeu que a análise da impetração exigiria o revolvimento de todo o quadro empírico dos delitos praticados, incabível na via eleita. Por fim, tendo em conta que as condenações estabeleceram a obrigatoriedade do regime integralmente fechado para o cumprimento das penas, concedeu a ordem, de ofício, para viabilizar a progressão no regime, no que foi acompanhado pelos demais Ministros. HC 93536/SP, rel. Min. Carlos Britto, 5.8.2008. (HC-93536)

Reconhecimento da Continuidade Delitiva e Fase de Execução - 2 Em voto-vista, o Min. Marco Aurélio, por considerar impróprio o instrumental acionado pelo paciente, em virtude da existência de decisões a esta altura imutáveis sob o ângulo da simples execução, indeferiu o habeas corpus quanto ao pedido de reconhecimento da continuidade delitiva de todos os crimes de estupro pelos quais fora condenado o paciente e, sucessivamente, dos que merecerem o enquadramento na continuidade delitiva. Asseverou que a interpretação do que contido na LEP, tendo em vista o sistema processual pátrio, não sugeriria a possibilidade de alteração do que decidido nos processos-crime, sob o prisma da execução das sentenças condenatórias. Ademais, aludiu que não se encontra no rol das competências do juiz da execução (LEP, art. 66) a de julgar verdadeira revisão de títulos judiciais. Afirmou, no ponto, que a tanto não equivaleria a referência a

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

soma ou unificação de penas e que seriam diversas as balizas da mera execução de penas e as da revisão de processos findos. No entanto, julgou cabível a concessão, de ofício, do writ para assentar a impropriedade do exame procedido em execução de títulos condenatórios, como se pudessem ser alterados em tal via, abrindo-se margem com isso a que as matérias versadas possam ser apreciadas mediante o instrumental próprio. Após, ante o tema novo, o Min. Carlos Britto, relator, indicou adiamento. HC 93536/SP, rel. Min. Carlos Britto, 5.8.2008. (HC-93536)

Perda dos Dias Remidos e Proporcionalidade - 1 Em face do empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado que perdera a integralidade dos dias remidos ante o cometimento de falta grave, consistente no fato de não haver respondido a conferência no estabelecimento prisional. Na espécie, o paciente alegara que estava dormindo e, por isso, não escutara a chamada. A comissão disciplinar, então, sugerira a aplicação da pena de 15 dias de isolamento em cela disciplinar ou local adequado. Contudo, o juízo de origem, ao homologar o procedimento administrativo disciplinar, determinara a perda dos dias remidos (LEP, art. 127). Contra essa decisão, fora interposto agravo em execução em que a Defensoria Pública estadual sustentara ofensa a princípios constitucionais, tais como o da proporcionalidade e o da individualização da pena. Provido o recurso pelo Tribunal local, o Ministério Público, por sua vez, interpusera recurso especial e o STJ restabelecera a decisão que ordenara a perda dos dias remidos, o que ensejara a presente impetração. A impetração argumentava que: a) os princípios do contraditório e da ampla defesa restariam malferidos, em virtude de o juízo de primeira instância ter apenado o paciente sem a designação de audiência prévia para ouvi-lo; b) a perda dos dias remidos afrontaria, entre outros princípios, o da dignidade da pessoa humana; e c) em razão do princípio da proporcionalidade, cabível a aplicação do limite de 30 dias previsto no art. 58 da LEP. HC 94701/RS, rel. orig. Min. Menezes Direito, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 5.8.2008. (HC-94701)

Perda dos Dias Remidos e Proporcionalidade - 2 Inicialmente, conheceu-se do habeas corpus. Entendeu-se que a Turma poderia analisar a matéria de fundo, uma vez que a pretensão da defesa fora apreciada expressamente pelo tribunal de justiça. No ponto, reputou-se que o problema do debate e decisão prévios perante o STJ não surgira no caso, tendo em conta as peculiaridades da situação dos autos. Afirmou-se que não se trataria de tema que não tivesse sido julgado, mas sim de questão examinada explicitamente pela Corte estadual e que, interposto recurso especial - conhecido e provido -, contra essa decisão, fulminara-se a glosa do tribunal de justiça, formalizada sob o ângulo da falta de proporcionalidade. Deferiu-se a ordem ao fundamento de que a sanção aplicada ao paciente seria desproporcional. Vencidos os Ministros Menezes Direito, relator, e Ricardo Lewandowski que conheciam do writ apenas quanto à suposta violação do princípio do contraditório e da ampla defesa e o indeferiam por considerar que o amplo direito de defesa fora garantido ao paciente, não havendo que se falar em transgressão aos aludidos princípios constitucionais. Ressaltaram que fora dada oportunidade ao paciente para fazer sua defesa no procedimento administrativo disciplinar, inclusive, com a apresentação de manifestação escrita em seu favor pela Defensoria Pública. HC deferido para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. HC 94701/RS, rel. orig. Min. Menezes Direito, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 5.8.2008. (HC-94701)

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Progressão de Regime e Falta Grave - 3 A Turma concluiu julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que reputara justificada a regressão de regime prisional imposto ao paciente por considerar falta grave a evasão de estabelecimento prisional. No caso, a mencionada sanção fora aplicada após a recaptura do paciente que, condenado a pena em regime inicial semi-aberto, obtivera o benefício de saída temporária e não regressara ao estabelecimento penitenciário - v. Informativos 506 e 510. Em votação majoritária, concedeu-se a ordem para cassar o acórdão do STJ e restabelecer o do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que vedara a regressão do regime semi-aberto para o fechado. Enfatizou-se que, na espécie, essa regressão não seria possível porque, quando do cometimento da falta grave, o paciente ainda cumpria pena no regime inicial fixado na sentença condenatória. Assim, não seria coerente admitir que a condenação do paciente se tornasse mais severa, na fase de execução penal, em razão da prática da falta grave. Essa, em tal hipótese, serviria para se determinar a recontagem do prazo necessário à progressão. Ademais, asseverou-se que seria ilógico que o réu pudesse regredir de regime sem ter progredido. O Min. Cezar Peluso, ressaltando a admissibilidade, em tese, de regressão a regime de cumprimento mais gravoso do que o fixado na sentença condenatória, desde que não seja automática e impositiva em hipóteses de prática de falta grave, também concedeu a ordem, mas por fundamento diverso, qual seja a inobservância, pela autoridade coatora, das particularidades do caso concreto. Vencida a Min. Ellen Gracie que indeferia o writ por considerar que, nos termos do art. 33, caput, do CP, se em matéria de condenação e execução da pena de detenção revela-se possível a regressão para o regime fechado, com mais razão nas hipóteses de condenação e execução de pena de reclusão. HC 93761/RS, rel. Min. Eros Grau, 5.8.2008. (HC-93761)

INFORMATIVO 513

Sonegação Fiscal e Esgotamento de Instância Administrativa O Tribunal, por maioria, deu parcial provimento a recurso ordinário em habeas corpus, impetrado em favor de acusada pela suposta prática dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (sonegação fiscal) e no art. 203 do CP ("Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho"), para trancar o inquérito policial contra ela instaurado relativamente à investigação do possível crime de sonegação fiscal, sem prejuízo do seu prosseguimento em relação aos demais fatos. Aplicou-se o entendimento firmado pela Corte no sentido de que o prévio exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade, não havendo se falar, antes dele, em consumação do crime material contra a Ordem Tributária, haja vista que, somente após a decisão final do procedimento administrativo fiscal é que será considerado lançado, definitivamente, o referido crédito. No que se refere ao delito tipificado no art. 203 do CP, entendeu-se que, por estarem os fatos sendo apurados ainda em fase pré-processual, sem que houvesse uma acusação formal contra a paciente, seria prematura a alegação de incompetência da Justiça Federal. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, que, por considerar que a frustração dos direitos trabalhistas estaria ligada à sonegação fiscal, ou seja, seria um iter criminis até mesmo para a sonegação, dava provimento integral ao recurso, reputando necessário se aguardar a liquidação do processo administrativo, a fim de se ter certeza quanto ao crime de sonegação. Precedentes citados: HC 88994/SP (DJU de 19.12.2006); HC 88657 AgR/ES (DJU de 10.8.2006); HC 81611/DF (DJU de 13.5.2005). RHC 90532/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.7.2008. (RHC-90532)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

INFORMATIVO 512

PRIMEIRA TURMA

Regime de Cumprimento de Pena e Falta de Vagas A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para determinar que se observe o

cumprimento da pena tal como previsto no título judicial e, inexistente vaga em estabelecimento próprio, que os pacientes aguardem em regime aberto. Tratava-se, na espécie, de writ em que condenados a pena em regime semi-aberto, por infração ao art. 157, § 2º, I, II e V, do CP, questionavam a imposição de seu recolhimento em regime fechado até que surgissem vagas em local adequado na comarca. Tendo em conta a impossibilidade do imediato cumprimento da sanção em colônia penal agrícola e/ou colônia penal industrial ou em estabelecimento similar por deficiência do Estado, entendeu-se que não se poderia manter alguém preso em regime mais rigoroso do que o imposto na sentença condenatória. Vencida a Min. Cármen Lúcia, relatora, que denegava a ordem por considerar que a instrução deficiente do pedido inviabilizaria a comprovação da ilegalidade suscitada e, em conseqüência, o conhecimento da presente ação.

HC 94526/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 24.6.2008. (HC-94526)

SEGUNDA TURMA

Art. 290 do CPM e Princípio da Insignificância Em face do empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para

reconhecer a atipicidade material da conduta por aplicação do princípio da insignificância a militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290). Inicialmente, salientou-se que a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da incidência do aludido princípio. Enfatizou-se que a Lei 11.343/2006 veda a prisão do usuário, devendo a este ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-lo do vício. Asseverou-se, ainda, que incumbiria ao STF confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da Nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado como princípio fundamental (CF, art. 1º, III). Ademais, afirmou-se que outros ramos do Direito seriam suficientes a sancionar o paciente. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, e Joaquim Barbosa que denegavam a ordem ao fundamento de que, diante dos valores e bens jurídicos tutelados pelo aludido art. 290 do CPM, revelar-se-ia inadmissível a consideração de alteração normativa pelo advento da Lei 11.343/2006. Assentaram que a conduta prevista no referido dispositivo legal ofenderia as instituições militares, a operacionalidade das Forças Armadas, além de violar os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do tipo penal.

HC 90125/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 24.6.2008. (HC-90125)

Incompetência do Juízo e “Ne Bis in Idem” A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STM

que, ao prover recurso criminal interposto pelo Ministério Público Militar da União, reformara decisão que rejeitara denúncia oferecida em desfavor de militar da ativa acusado pela suposta prática de furto contra outro militar na mesma situação.

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

Ocorre que, anteriormente, fora instaurado, no âmbito da justiça estadual e para apuração daquele mesmo delito, processo-crime contra o paciente, que, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, encontra-se suspenso. Não obstante o reconhecimento da incompetência da justiça estadual para processar e julgar o caso, entendeu-se que o paciente se sujeitara ao que o Estado acusador lhe impusera. No ponto, assentou-se que a justiça estadual já aplicara expediente substitutivo da sentença que deve ter, em termos de impossibilidade de novo processo pelos mesmos fatos, a mesma conseqüência jurídica. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que, ao salientar cuidar-se de crime militar (CPM, art. 9º, II, a), indeferia o writ por reputar existente vício insanável que contaminaria de nulidade absoluta o processo ajuizado perante justiça absolutamente incompetente. Ordem concedida para determinar o trancamento do processo instaurado no âmbito da Justiça Militar da União.

HC 91505/PR, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 24.6.2008. (HC-91505)

Tráfico de Drogas e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos - 1

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se questiona a possibilidade, ou não, de incidência do art. 44, do CP, às hipóteses relacionadas aos crimes hediondos e a eles equiparados. No caso, condenadas à pena em regime integralmente fechado por infração ao art. 12, c/c o art. 18, ambos da Lei 6.368/76, pleiteiam a progressão de regime de cumprimento de pena, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. A Min. Ellen Gracie, relatora, deferiu, em parte, o writ, estabelecendo que o regime de cumprimento da pena será o inicialmente fechado, permitindo-se a progressão do regime prisional, desde que atendidos os requisitos do art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 8.072/90, na redação que lhe foi dada pela Lei 11.464/2007, não admitindo, no entanto, a substituição da pena corporal por penas restritivas de direito. Em conseqüência, revogou a liminar anteriormente concedida, devendo o magistrado verificar a presença dos requisitos subjetivos e objetivos para eventual progressão do regime prisional à luz da Lei 11.464/2007.

HC 89976/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 24.6.2008. (HC-89976)

Tráfico de Drogas e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos - 2

A relatora, no tocante à aplicação do mencionado art. 44, do CP, asseverou que a Corte já apreciara a questão, quando do julgamento do HC 85894/RJ (DJU de 28.9.2007), concluindo no sentido do cabimento da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, nos crimes hediondos, tendo em conta o afastamento do óbice à progressão de regime. Entretanto, afirmou que, com o advento da Lei 11.343/2006 (art. 44, caput), a mencionada conversão fora expressamente vedada nas hipóteses de condenação pelos crimes de tráfico ilícito de substância entorpecente e outros delitos assemelhados, e que tal lei apenas explicitara regra que era implícita no sistema jurídico brasileiro. No ponto, considerou não haver incidência retroativa da regra contida no art. 44, caput, da Lei 11.343/2006, à espécie, eis que o sistema jurídico anterior a sua vinda já não admitia a substituição da pena corporal por pena restritiva de direito quanto aos crimes hediondos e a eles equiparados. Dessa forma, assentou a impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, ainda que no período anterior ao advento da Lei 11.343/2006. Relativamente ao tema do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade em relação às pacientes, esclareceu que, com a nova redação, dada pela Lei 11.464/2007, ao § 1º, e a introdução do § 2º, ambos do art. 2º, da Lei 8.072/90, deverão ser cumpridos os requisitos e condições impostas, mesmo quanto às pessoas que praticaram condutas criminosas em época anterior à nova ordem jurídica instaurada sobre o

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

assunto. Do contrário, aduziu que haveria descumprimento do comando constitucional contido no art.5º, XLIII, não cumprindo o papel axiológico e a própria razão de ser da Lei dos Crimes Hediondos, a saber, tratar de modo mais severo os casos referentes aos crimes hediondos e a eles equiparados. Após, a Turma determinou fosse a matéria afetada ao Plenário.

HC 89976/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 24.6.2008. (HC-89976)

Tráfico de Drogas e Progressão de Regime A Turma decidiu remeter ao Plenário julgamento de habeas corpus em que se

questiona a possibilidade, ou não, de progressão do regime de cumprimento de pena corporal imposta no período de vigência da redação originária do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 (“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: ... § 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.”). Trata-se, na espécie, de writ em que condenado à pena em regime integralmente fechado pela prática do crime de tráfico de substância entorpecente requer a progressão do regime prisional. Sustenta a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal, ao argumento de que a Lei 8.072/90 não poderia impedir a aplicação do princípio da individualização da pena.

RHC 91300/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 24.6.2008. (RHC-91300)

INFORMATIVO 511

PRIMEIRA TURMA

Mercadoria Imprópria ao Consumo e Perícia O tipo previsto no inciso IX, do art. 7º, da Lei 8.137/90 (“Art. 7° Constitui

crime contra as relações de consumo: ... IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;”) pressupõe a demonstração inequívoca da impropriedade do produto para o uso. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para absolver os pacientes da condenação por crime contra as relações de consumo (Lei 8.137/90, art. 7º, IX), decorrente da fabricação de produtos para consumo em desconformidade com normas regulamentares e sem registro no Ministério da Saúde. Considerou-se que, no caso, embora se tratasse de crime formal, o elemento do tipo não fora comprovado no processo ante a inexistência de perícia que atestasse a imprestabilidade das mercadorias ao consumo. Ademais, ressaltou-se que a tipificação desse crime estaria vinculada ao art. 18, § 6º, do Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece os produtos impróprios ao consumo (“§ 6° São impróprios ao uso e consumo: I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.”).

HC 90779/PR, rel. Min. Carlos Britto, 17.6.2008. (HC-90779)

Crime contra o Sistema Financeiro e Competência A Turma indeferiu habeas corpus em que alegada a competência da justiça

estadual para processar e julgar os pacientes, denunciados por estelionato e pela suposta prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional (CP, art. 171 e Lei 7.492/86, art. 5º), consistente na operação, em instituição financeira de direito privado, de esquema de pagamento de notas frias. A impetração sustentava que o feito envolveria apenas interesses privados e que os pacientes não ocupavam, à

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

época dos fatos, cargo de direção ou de administração naquela instituição, o que afastaria a incidência da referida Lei 7.492/86. Reputou-se que a regra nela contida (“Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.”) não colidiria com aquela prevista no art. 109, VI, da CF (“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: ... VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;”). Nesse sentido, entendeu-se acertada a decisão do STJ que assentara a competência da justiça federal para o processamento da causa, não obstante o envolvimento de instituição privada. No ponto, enfatizou-se a presença de interesses da União consubstanciados no controle, na higidez e na legalidade do Sistema Financeiro Nacional. Ademais, em reforço à atração da competência da justiça federal para o exame do caso, ressaltou-se que a denúncia noticiaria que a operação do esquema delituoso utilizara-se da falsificação de documento supostamente emitido pelo Banco Central do Brasil e que um dos pacientes detinha, à época dos fatos, poderes e atribuições próprias de gerente de operações.

HC 93733/RJ, rel. Min. Carlos Britto, 17.6.2008. (HC-93733)

INFORMATIVO 510

Plenário

Dias Remidos e Falta Grave O Tribunal, por maioria, aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 9 nestes

termos: “O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”. Inicialmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio no sentido de ser observado, na proposta de súmula vinculante, um procedimento mínimo, abrindo-se um processo administrativo para apreciação do verbete quanto à matéria e ouvindo-se a Comissão de Jurisprudência da Corte. Considerou-se o fato de haver reiterados precedentes da Corte no sentido da súmula vinculante proposta, restando preenchidos todos os pressupostos para a sua formulação (CF, art. 103-A). Vencido, no ponto, o suscitante. Quanto à questão de fundo, o Min. Marco Aurélio também ficou vencido por entender que, no caso, não caberia a edição de um verbete de súmula. Asseverou que não haveria como, diante de uma falta grave verificada, fazer-se retroagir, em si, as conseqüências dessa falta grave, a ponto de se afastar, do cenário jurídico, um pronunciamento judicial já reconhecendo um direito que, portanto, passou a integrar o campo de interesses do presidiário. Precedentes citados: RE 452994/RS (DJU de 29.9.2006); HC 91084/SP (DJU de 11.5.2007); AI 570188/RS (DJU de 3.3.2006); HC 92791/RS (DJE de 7.3.2008); HC 90107/RS (DJU de 27.4.2007); AI 580259/RS (DJU de 26.10.2007); AI 490228/RS (DJU de 14.4.2004).

Art. 181, § 1º, a, da LEP e Princípio da Boa-fé Objetiva Por não vislumbrar constrangimento ilegal no acórdão do STJ que assentara,

nos termos do art. 181, § 1º, a, da Lei de Execução Penal - LEP, a possibilidade de conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade se o condenado estiver em lugar incerto e não sabido, a Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a citação editalícia do paciente para que tomasse conhecimento da decisão que convertera a pena a ele imposta. A impetração sustentava não ser possível adotar somente a interpretação literal do aludido dispositivo legal, devendo ser observados o devido processo legal e a ampla defesa. Reputou-se razoável a

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

presença de elemento de discrímen no tratamento diferenciado disposto no art. 181, § 1º, da LEP (“Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do art. 45 e seus incisos do Código Penal. § 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado: a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital;”), haja vista que o réu que participou de todos os atos processuais e que, ciente da condenação, muda seu domicílio sem prévia comunicação ao juízo competente, viola o princípio da boa-fé objetiva que deve reger todas as relações jurídicas, inclusive entre o agente e o Estado. Salientou-se que, para alguns doutrinadores, a primeira parte da alínea a, do § 1º, do art.181, da LEP, refere-se àquele que, pessoalmente citado e intimado para todos os atos processuais, desaparece na fase da execução da sentença, deixando de comunicar ao juízo acerca de seu atual paradeiro, daí a certidão de se encontrar em lugar incerto e não sabido. Assim, registrou-se que a citada regra não ofenderia o devido processo legal e a ampla defesa, porquanto o acusado que acompanhara todo o processo de conhecimento teria plena ciência de possíveis conseqüências que lhe seriam prejudiciais caso deixasse de cumprir a pena restritiva de direitos que lhe fora aplicada.

HC 92012/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 10.6.2008. (HC-92012)

Regressão de Regime e Falta Grave - 2 A Turma retomou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do

STJ que reputara justificada a regressão de regime prisional imposto ao paciente por considerar falta grave a evasão de estabelecimento prisional. No caso, a mencionada sanção fora aplicada após a recaptura do paciente que, condenado a pena em regime inicial semi-aberto, obtivera o benefício de saída temporária e não regressara ao estabelecimento penitenciário — v. Informativo 506. Em divergência, a Min. Ellen Gracie denegou o writ. Em seu voto-vista, enfatizou que a sentença condenatória, no âmbito penal, transita em julgado com a cláusula rebus sic stantibus. Logo, a mudança da situação de fato no curso da execução, comparativamente ao substrato fático existente no início, impõe ao juiz da execução a adoção de medidas necessárias de modo a adaptar a decisão à nova realidade. Entendeu que, nos termos do art. 33, caput, do CP (“Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.”), se em matéria de condenação e execução da pena de detenção revela-se possível a regressão para o regime fechado, com mais razão nas hipóteses de condenação e execução de pena de reclusão. Dessa forma, a regra do art. 118, I, da LEP (“Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;”), não seria obstáculo à alteração do regime de cumprimento de pena privativa de liberdade para regime mais gravoso do que aquele fixado na sentença condenatória, desde que verificado algum dos pressupostos lá previstos. Ademais, considerou que não haveria como se acolher a argumentação consoante a qual o princípio da razoabilidade não aconselharia a regressão de regime e, por fim, ressaltou que essa matéria não teria sido ventilada no STJ. Após, o Min. Cezar Peluso pediu vista.

HC 93761/RS, rel. Min. Eros Grau, 10.6.2008. (HC-93761)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

INFORMATIVO 509

PRIMEIRA TURMA

Quadrilha e Crimes contra a Ordem Tributária: Autonomia - 4 Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus

impetrado contra ato do STJ que denegara igual medida, em que se pretendia o trancamento de ação penal instaurada contra denunciados pela suposta prática de crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, c/c o art. 12), em concurso formal impróprio e de forma continuada, bem como por infringência do art. 288, do CP (“Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:...”) — v. Informativos 355, 358 e 476. Asseverou-se que, nessa fase de simples recebimento da denúncia, poder-se-ia extrair dessa inicial fartura de detalhes caracterizadores do fumus comissi delicti, autorizador da persecução penal em relação ao delito de quadrilha. Salientou-se que a jurisprudência do STF admite excepcionalmente o trancamento da ação penal por habeas corpus quando ausente qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal, inocorrentes na espécie. Considerou-se improcedente a assertiva de que inexistiria o elemento subjetivo do tipo do art. 288, do CP, tendo em conta que o fato de os pacientes estarem na gerência da empresa não impediria que, nessa condição, viessem a se associar para o fim de cometer crimes. Por fim, com base no entendimento da Corte no sentido de que o crime de quadrilha ou bando, por ser delito autônomo e formal, se consuma no momento em que se concretiza a convergência de vontades e independe da realização ulterior do fim visado, concluiu-se que a suspensão da ação penal pelo crime de sonegação fiscal, decorrente da adesão a programa de recuperação fiscal, não implicaria falta de justa causa para acusação pelo crime de quadrilha. Vencido o Min. Cezar Peluso que deferia parcialmente a ordem para determinar o trancamento da ação penal quanto à acusação de formação de quadrilha ou bando. O Min. Eros Grau retomou os fundamentos do seu voto originário.

HC 84223/RS, rel. Min. Eros Grau, 3.6.2008. (HC-84223)

Estelionato contra a Previdência e Crime Instantâneo

Aplicando o precedente firmado no julgamento do HC 86467/RS (DJU de

22.6.2007) no sentido de que o crime consubstanciado na concessão de aposentadoria a partir de dados falsos é instantâneo, não o transmudando em permanente o fato de terceiro haver sido beneficiado com a fraude de forma projetada no tempo, a Turma deferiu habeas corpus para declarar extinta a punibilidade do paciente. No caso, o paciente fora condenado por infringência do art. 171, § 3º, do CP, em virtude de haver adulterado anotações da carteira de trabalho de co-réu, de modo a permitir que esse recebesse aposentadoria. Tendo em conta que a pena aplicada seria inferior a 4 anos e que já transcorrido o prazo prescricional superior a 8 anos (CP, art. 109, IV), concluiu-se que o reconhecimento da prescrição retroativa se imporia.

HC 94148/SC, rel. Min. Carlos Britto, 3.6.2008. (HC-94148)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

INFORMATIVO 508

Suspensão Condicional do Processo e Cabimento de HC A aceitação do benefício de suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95,

art. 89) não implica renúncia ao interesse de agir para impetração de habeas corpus com o fim de questionar a justa causa da ação penal. Com base nesse entendimento, a Turma, para evitar dupla supressão de instância, não conheceu de recurso ordinário em habeas corpus, mas concedeu a ordem, de ofício, em favor de denunciada pela suposta prática do crime de auto-acusação falsa (CP, art. 341). No caso, o STJ denegara o writ lá impetrado ao fundamento de que com a aceitação da proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público não seria possível o exame da ausência de justa causa por atipicidade da conduta, a menos que retomada a ação penal. HC deferido, de ofício, para, remetendo-se os autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo acórdão fica cassado, determinar que proceda ao exame do mérito da impetração. Precedentes citados: HC 85747/SP (DJU de 14.10.2005) e HC 89179/RS (DJU de 13.4.2007).

RHC 82365/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 27.5.2008. (RHC-82365) Liberdade Provisória e Tráfico de Drogas

A Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a soltura da paciente, presa em flagrante desde novembro de 2006, por suposta infringência dos artigos 33 e 35, ambos da Lei 11.343/2006. A defesa aduzia que a paciente teria direito à liberdade provisória, bem como sustentava a inocorrência dos requisitos para a prisão cautelar e a configuração de excesso de prazo nessa custódia. Afirmou-se que esta Corte tem adotado orientação segundo a qual há proibição legal para a concessão da liberdade provisória em favor dos sujeitos ativos do crime de tráfico ilícito de drogas, o que, por si só, seria fundamento para denegar-se esse benefício. Enfatizou-se que a aludida Lei 11.343/2006 cuida de norma especial em relação àquela contida no art. 310, parágrafo único, do CPP, em consonância com o disposto no art. 5º, XLIII, da CF. Desse modo, a redação conferida ao art. 2º, II, da Lei 8.072/90, pela Lei 11.464/2007, não prepondera sobre o disposto no art. 44 da citada Lei 11.343/2006, eis que esta se refere explicitamente à proibição da concessão de liberdade provisória em se tratando de delito de tráfico ilícito de substância entorpecente. Asseverou-se, ainda, que, de acordo com esse mesmo art. 5º, XLIII, da CF, são inafiançáveis os crimes hediondos e equiparados, sendo que o art. 2º, II, da Lei 8.072/90 apenas atendeu ao comando constitucional. Entendeu-se que, no caso, também deveria ser acrescentada a circunstância de haver indicação da existência de organização criminosa integrada pela paciente, a revelar a presença da necessidade da prisão preventiva como garantia da ordem pública. Considerou-se, também, que a prisão possuiria fundamentação idônea. Por fim, rejeitou-se a alegação de eventual excesso de prazo, uma vez que essa questão não fora argüida no tribunal a quo, o que configuraria supressão de instância. Além disso, existiriam elementos nos autos que evidenciariam a complexidade do processo, com pluralidade de réus, defensores e testemunhas, assim como a notícia de vários incidentes processuais suscitados por alguns defensores.

HC 92495/PE, rel. Min. Ellen Gracie, 27.5.2008. (HC-92495)

Crime Militar - Entorpecente - Posse - Uso Próprio - Quantidade Ínfima - Princípio da Insignificância (Transcrições) HC 94809 MC/RS*

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: “HABEAS CORPUS” IMPETRADO, ORIGINARIAMENTE, PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, POR MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. CRIME MILITAR (CPM, ART. 290). QUANTIDADE ÍNFIMA. INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

- O representante do Ministério Público Militar de primeira instância dispõe de legitimidade ativa para impetrar “habeas corpus”, originariamente, perante o Supremo Tribunal Federal, especialmente para impugnar decisões emanadas do Superior Tribunal Militar. Precedentes. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido a aplicabilidade, aos crimes militares, do princípio da insignificância, mesmo que se trate do crime de posse de substância entorpecente, em quantidade ínfima, para uso próprio, ainda que cometido no interior de Organização Militar. Precedentes.

DECISÃO: Reconheço, preliminarmente, a legitimidade ativa do membro do Ministério Público Militar de primeira instância, para, mesmo em sede originária, impetrar ordem de “habeas corpus” perante o Supremo Tribunal Federal, tal como sucede na espécie em exame (fls. 02).

Impõe-se registrar, neste ponto, considerado o magistério doutrinário (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1.461, item n. 654.2, 7ª ed., 2000, Atlas, v.g.), que a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido a possibilidade de o representante do Ministério Público, embora com atuação nos graus inferiores de jurisdição, ajuizar, em nome do “Parquet”, ação originária de “habeas corpus” perante esta Suprema Corte (HC 84.307/RO, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 85.725/RO, Rel. Min. CELSO DE MELLO) ou junto a qualquer outro Tribunal judiciário:

“‘Habeas corpus’. Impetração, pelo Ministério Público, em favor do réu. Legitimidade ativa ‘ad causam’ em qualquer grau de jurisdição. Inteligência do art. 654 do CPP. (...) O Ministério Público, em qualquer grau de jurisdição, tem legitimidade ativa ‘ad causam’ para impetrar ‘habeas corpus’ em favor do réu, por força do disposto no art. 654 do CPP.” (RT 764/485, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

“Recurso de ‘habeas corpus’. Impetração pelo Ministério Público.

Impetração de ‘habeas corpus’ como qualquer pessoa e como promotor público. Garantia constitucional da liberdade, tem o Ministério Público o direito de impetrá-lo e, conforme as circunstâncias, o dever de fazê-lo, se tem conhecimento de coação ilegal. Recurso de ‘habeas corpus’ conhecido e provido para que o Tribunal de Justiça aprecie o mérito do pedido.” (RT 603/432, Rel. Min. OSCAR CORRÊA - grifei)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal Militar, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 15):

“SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - APF - LOCAL SOB ADMINISTRAÇÃO MILITAR.

Militar preso em flagrante, trazendo consigo substância entorpecente, quando pretendia consumi-la no interior da Unidade.

Materialidade delitiva configurada pelo Laudo de Constatação e Laudo de Exame de Substância Vegetal, este realizado pelo DPF, constatando resultado positivo para ‘cannabis sativa L’, devido à presença de canabinóides, inclusive o Tetraidrocanabinol (THC).

Autoria comprovada pela prova oral e confissão. Jurisprudência pretoriana no sentido de que: ‘A pequena quantidade de

entorpecente apreendida não descaracteriza o crime de posse de substância entorpecente.’

Pleito recursal, visando a reforma da Sentença por motivos humanitários e pequena quantidade da droga apreendida, não pode ser acatado por estar em desacordo com a legislação penal militar e jurisprudência castrense.

Sentença prolatada em plena consonância com o apurado, estando a reprimenda coerente com as condições subjetivas do Apelante.

Negado provimento ao recurso. Decisão majoritária.” (grifei)

A parte ora impetrante postula “(...) a concessão da LIMINAR, e, no

mérito, sua confirmação, reconhecendo faltar justa causa à condenação imposta na Apelação nº 2006.01.050445-1/RS (Doc. 1), tendo em vista inexistir a tipicidade material nas condutas imputadas ao Paciente, com a concessão do presente ‘writ’ (art. 648, I, do CPP)” (fls. 12 - grifei).

Passo a examinar o pedido de medida cautelar formulado por ilustre Promotor da Justiça Militar (fls. 02/12). E, ao fazê-lo, tenho para mim, na linha de decisões por mim proferidas, que se reveste de plausibilidade jurídica a tese sustentada na presente impetração.

Com efeito, esta Suprema Corte tem admitido a aplicabilidade, aos delitos militares, inclusive ao crime de posse de quantidade ínfima de substância entorpecente, para uso próprio, mesmo no interior de Organização Militar, do postulado da insignificância:

“O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

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O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa assinalar, neste ponto, que esse entendimento encontra suporte

em expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 789/439-456; FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

Revela-se significativa a lição de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva) a propósito da matéria em questão:

“Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal

mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo,

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prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Cumpre também acentuar, por relevante, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido, na matéria em questão, a inteira aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes militares (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – HC 92.634/PE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA), mesmo que se cuide de delito de posse de quantidade ínfima de substância entorpecente, para uso próprio, e ainda que se trate de ilícito penal perpetrado no interior de Organização Militar (HC 93.822/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.085/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Entendo importante destacar, neste ponto, fragmento do voto (vencido) do eminente Ministro FLÁVIO BIERRENBACH (que tem o beneplácito da jurisprudência desta Suprema Corte), proferido quando do julgamento, que, emanado do E. Superior Tribunal Militar, motivou a presente impetração (fls. 44/53, 44/47):

“Este é mais um caso de porte de entorpecente no interior de uma organização militar. Tenho sustentado sistematicamente, nesta Corte, a atipicidade da conduta de trazer consigo pequena quantidade de maconha. Sou convencido de que o porte de quantidade insignificante daquela substância específica é conduta incapaz de causar lesão significativa à saúde pública, enquanto bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora.

....................................................... Reputa-se insignificante um fato, ainda que formalmente típico,

quando o seu resultado é desvalorizado, quando a lesão ao bem jurídico tutelado é considerada ínfima. Nessa hipótese, entende a jurisprudência que tal fato ou conduta é materialmente atípico e, portanto, não suscetível de gerar punição estatal.

Disso depreende-se que o chamado ‘delito de bagatela’ está intrinsecamente associado ao nível de lesão ao bem jurídico tutelado. A avaliação da tipicidade da conduta, portanto, exige a individualização do bem jurídico protegido pela norma incriminadora e a avaliação do grau de lesão por ele sofrido.

....................................................... É sob essas premissas que a conduta de portar ou usar substância

entorpecente, em área sob administração militar, deve ser analisada. Tal conduta encontra-se tipificada e definida no art. 290 do Código Penal Militar, com o ‘nomen juris’ de tráfico, posse ou uso de entorpecentes ou substância de efeito similar.

....................................................... À toda evidência, o fato dito criminoso no caso em apreço não

apresenta real ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. O soldado do Exército, Alex Silva de Campos, foi surpreendido com 3,0g (três gramas). Trata-se de quantidade ínfima, risível, incapaz de gerar a menor ameaça que seja à saúde e incolumidade públicas, bem jurídicos tutelados pela norma penal incriminadora.

É nesse sentido a jurisprudência dominante dos tribunais, aplicando a casos semelhantes o princípio da insignificância, por ausência de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico penalmente protegido, quando a quantidade encontrada é incapaz de gerar dependência química ou psicológica.” (grifei)

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior

reexame da questão suscitada nesta sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da

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presente ação de “habeas corpus”, a eficácia da condenação penal imposta, ao ora paciente, nos autos do Processo nº 04/06-7 (3ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar), sustando, em conseqüência, qualquer medida de execução das penas em referência, mantido íntegro, desse modo, o “status libertatis” de Alex Silva de Campos.

Caso o paciente, por algum motivo, tenha sido preso em decorrência de mencionada condenação penal (Processo nº 04/06-7 – 3ª Auditoria da 3ª CJM), deverá ele ser imediatamente posto em liberdade, se por al não estiver preso.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal Militar (Apelação nº 2006.01.050445-1), à 3ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar (Processo nº 04/06-7) e ao ilustre membro do Ministério Público Militar que subscreveu a presente impetração (fls. 02/12).

Publique-se.

Brasília, 30 de maio de 2008. Ministro CELSO DE MELLO Relator

INFORMATIVO 507

Nada

INFORMATIVO 506

SEGUNDA TURMA Regressão de Regime e Falta Grave A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que reputara justificada a regressão de regime prisional imposto ao paciente por considerar falta grave a evasão de estabelecimento prisional. No caso, a mencionada sanção fora aplicada após a recaptura do paciente que, condenado a pena em regime inicial semi-aberto, obtivera o benefício de saída temporária e não regressara ao estabelecimento penitenciário. A impetração sustenta que: a) os problemas graves de saúde do paciente justificariam o fato de ele não haver retornado à prisão; b) o paciente não cometera crime durante o período em que permanecera solto; c) o juiz da execução, apesar de reconhecer a falta grave, não decretara a regressão de regime, restringindo-se a cominar sanção disciplinar de isolamento e de averbação no prontuário do apenado; d) a determinação de regressão para regime mais gravoso do que o fixado na sentença condenatória não seria cabível. O Min. Eros Grau, relator, deferiu o writ para cassar o acórdão do STJ e restabelecer o do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que vedara a regressão do regime semi-aberto para o fechado. Enfatizou que, não obstante o entendimento de ambas as Turmas do STF no sentido de que a prática de falta grave resulta na regressão do regime de cumprimento da pena, na espécie, essa regressão não seria possível porque, quando do cometimento da falta grave, o paciente ainda cumpria pena no regime inicial fixado na sentença condenatória. Assim, não seria coerente admitir que a condenação do paciente se tornasse mais severa, na fase de execução penal, em razão da prática da falta grave. Essa, em tal hipótese, serviria para se determinar a recontagem do prazo necessário à progressão. Ademais, asseverou que seria ilógico que o réu pudesse regredir de regime sem ter progredido. Após o voto do Min. Joaquim Barbosa acompanhando o relator, pediu vista a Min. Ellen Gracie. HC 93761/RS, rel. Min. Eros Grau, 13.5.2007. (HC-93761)

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INFORMATIVO 505 Art. 14 da Lei 10.826/2003 e Tipicidade Material O mero fato de o funcionamento de arma de fogo não ser perfeito não afasta a tipicidade material do crime definido no art. 14 da Lei 10.826/2003. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que condenado por porte ilegal de arma de fogo pleiteava o reconhecimento da atipicidade material de sua conduta, sob a alegação de que não restara comprovada, de forma válida, a potencialidade lesiva da arma apreendida. Aduzia, ainda, que a constitucionalidade do delito de arma desmuniciada encontrar-se-ia em análise nesta Corte. Inicialmente, asseverou-se que o presente writ não trataria do caso do porte de arma sem munição, nem do porte de munição sem arma, dado que o paciente fora denunciado porque trazia consigo revólver municiado com cartuchos intactos. Considerou-se que, na espécie, a perícia não concluíra pela inidoneidade da arma municiada portada pelo paciente. Ressaltou-se que o revólver não apresentava perfeitas condições de funcionamento, mas, conforme destacado na sentença condenatória, possuiria aptidão de produzir disparos, o que seria suficiente para atingir o bem juridicamente tutelado. HC 93816/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.5.2008. (HC-93816)

ECA: Remissão e Medida Sócio-Educativa - 1 A Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reputar inconstitucional a parte final do art. 127 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, afastara medida sócio-educativa aplicada a adolescente (“Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e internação.”). Salientou-se que a remissão é instituto jurídico expressamente previsto no ECA (artigos 126 a 128) e que pode ser identificado como a possibilidade da suspensão ou do encerramento do procedimento judicial iniciado para a apuração de ato infracional, sem incursão no exame da autoria e da materialidade do caso sub judice. Ademais, aduziu-se que Lei 8.069/90 prevê duas espécies de remissão, a saber: a) pré-processual ou ministerial (ECA, art. 126, caput), proposta pelo Ministério Público antes do início do procedimento judicial para averiguação de ato infracional e que tem como conseqüência a exclusão do processo; e b) judicial (ECA, art. 126, parágrafo único), cabível depois de iniciado o procedimento judicial e proposta pela autoridade judiciária, podendo suspender ou extinguir o processo. Na espécie, entendeu-se que a medida sócio-educativa aplicada ao menor dera-se por imposição da autoridade judiciária, que homologara remissão cumulada à medida de advertência cominada por promotora de justiça. Assim, concluiu-se pela ausência de violação de garantia constitucional, porquanto a medida sócio-educativa emanara de órgão judicial competente. RE 248018/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.5.2008. (RE-248018)

ECA: Remissão e Medida Sócio-Educativa - 2 Em seguida, ultrapassada a questão referente à legitimidade para imposição da medida sócio-educativa, asseverou-se que a argüição incidental de inconstitucionalidade da parte final do art. 127 do ECA merecia apreciação. Considerou-se, no ponto, que não haveria afronta ao devido processo legal na cumulação da remissão com a medida de advertência. Enfatizou-se que a incidência dessa medida poderia ser vista, na hipótese, como um modo de o Poder Judiciário chamar a atenção do adolescente, alertando-o para a gravidade de seus atos, sem

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

ter que submetê-lo ao streptus inerente a um procedimento judicial. Ademais, destacou-se que o Pleno desta Corte já assentara que o aludido dispositivo legal não violaria qualquer norma constitucional. RE provido para reformar o acórdão impugnado, afastando-se a declaração de inconstitucionalidade nele contida, e reconhecendo-se a possibilidade de aplicação de medida sócio-educativa, pela autoridade judiciária, a requerimento do Ministério Público, em remissão por este concedida. Precedente citado: RE 229382/SP (DJU de 31.10.2002). RE 248018/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.5.2008. (RE-248018)

INFORMATIVO 504 nada

INFORMATIVO 503

PRIMEIRA TURMA

HC de Ofício: Porte de Arma e Perícia A Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do crime de

porte ilegal de arma de fogo (Lei 9.437/97, art. 10, caput) almejava o restabelecimento de sua absolvição. Na espécie, a sentença condenatória fora reformada pelo tribunal de justiça local que o absolvera por reconhecer a nulidade do exame de “constatação de funcionamento e potencialidade” da arma, realizado por policiais civis e não por peritos. O Ministério Público estadual interpusera, então, recurso especial, provido sob o fundamento de que seria prescindível para a afirmação da caracterização do crime previsto no art. 10 da Lei 9.437/97 a análise pericial que atestasse a potencialidade da arma apreendida. A Min. Cármen Lúcia, relatora, ressaltou que a questão de fundo objeto da impetração não se confundiria com aquela submetida ao Plenário, referente à atipicidade da arma desmuniciada e sem possibilidade de municiamento imediato. Tratar-se-ia de saber se a aptidão da arma para o disparo, independentemente de estar ela municiada ou não, constituiria elemento indispensável para a caracterização do crime de porte de arma. O Min. Menezes Direito aduziu que essa matéria relativa à perícia deveria ser de início apreciada. Se reputada dispensável a perícia, seria cabível a concessão da ordem, de ofício, para que o tribunal local analisasse os outros argumentos da defesa; se necessária, e tendo em conta a nulidade do laudo pericial, seria viável o restabelecimento do acórdão proferido pela Corte de origem. Enfatizou-se, contudo, que o tribunal de justiça restringira-se a absolver o paciente sem apreciar as demais questões suscitadas na sua apelação e que o STJ, ao prover o recurso especial do parquet, não poderia, desde logo, restabelecer a condenação imposta em 1º grau. Dessa forma, denegou-se o pedido formulado, porém, concedeu-se habeas corpus de ofício, para que se prossiga na apreciação da apelação perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O Min. Marco Aurélio explicitou em seu voto que o porte prescinde da averiguação se a arma estaria apropriada ou não ao uso.

HC 89665/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 22.4.2008. (HC-89665)

Detração e Crime Anterior Não é possível creditar-se ao réu, para fins de detração, tempo de

encarceramento anterior à prática do crime que deu origem à condenação atual. Com base nessa jurisprudência, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia abater da pena aplicada ao paciente período em que este estivera anteriormente custodiado. Asseverou-se que, se acolhida a tese da defesa, considerando esse período como “crédito” em relação ao Estado, estar-se-ia concedendo ao paciente um “bill” de indenidade. Precedentes citados: RHC

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61195/SP (DJU de 23.9.83); HC 55614/SP (DJU de 3.3.78); HC 51807/Guanabara (DJU de 23.8.74).

HC 93979/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 22.4.2008. (HC-93979) ECA e Prescrição Penal

Por não vislumbrar constrangimento ilegal, a Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteado o reconhecimento da prescrição da pretensão executória de medida sócio-educativa. Inicialmente, reputou-se cabível a incidência do instituto em questão a tais medidas dispostas na Lei 8.069/90. Asseverou-se que, em princípio, as normas gerais do Código Penal seriam integralmente aplicáveis às hipóteses sujeitas ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, incluindo-se os dispositivos referentes à prescrição, haja vista não existirem incompatibilidades entre as medidas sócio-educativas e as normas que prevêem a extinção da punibilidade pelo transcurso do lapso temporal. Ressaltou-se que o fato de o ECA não ter previsto a prescrição como forma de extinção da pretensão punitiva e executória não seria motivo suficiente para afastá-la. Em seguida, enfatizando que tal diploma não estabelecera quantum mínimo e máximo das medidas sócio-educativas, aduziu-se que aí residiria a dificuldade em se fixar o parâmetro a ser adotado para a aplicação dos prazos prescricionais. No ponto, entendeu-se que a maneira mais adequada de resolver o tema, sem criar tertium genus e sem ofender o princípio da reserva legal, seria a solução adotada, pelo STJ, no acórdão impugnado: considerar a pena máxima cominada ao crime pela norma incriminadora pertinente, combinada com a redução à metade do prazo prescricional, em virtude da menoridade, prevista no art. 115 do CP. Assim, tendo em conta o lapso temporal decorrido, verificou-se que a prescrição não estaria configurada na espécie.

HC 88788/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.4.2008. (HC-88788)

INFORMATIVO 502 nada

INFORMATIVO 501

Furto Qualificado e Hibridismo Penal

A causa de aumento de pena relativa ao concurso de pessoas no crime de roubo (CP, art. 157, § 2º) não pode ser aplicada ao crime de furto quando existe, para este, idêntica previsão legal de aumento de pena (CP, art. 155, § 4º, IV). Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a anulação de todo o processo criminal ou o restabelecimento do acórdão do tribunal de origem, mais benéfico ao paciente, que, ao aplicar à pena de furto simples a majorante prevista para o crime de roubo, reduzira a sanção imposta. Rejeitou-se, ainda, a alegação de ilegalidade no reconhecimento da reincidência, a traduzir bis in idem. Asseverou-se que o recrudescimento da sanção resultaria da escolha do paciente por continuar delinqüindo. Precedentes citados: HC 92626/RS (j. em 25.3.2008); HC 73394/SP (DJU de 21.3.97); HC 74746/SP (DJU de 11.4.97); HC 91688/RS (DJU de 26.10.2007).

HC 93620/RS, rel. Min. Eros Grau, 8.4.2008. (HC-93620)

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INFORMATIVO 500 PRIMEIRA TURMA

Crime Continuado e Reunião de Feitos - 3 A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que advogado, denunciado

por suposta obtenção fraudulenta de benefícios junto ao INSS (CP, artigos 71, § 3º; 299 e 304), pretendia o reconhecimento da continuidade delitiva em relação aos crimes imputados, bem como a reunião de mais de 500 processos em curso contra ele — v. Informativo 495. Em votação majoritária, deferiu-se parcialmente a ordem para determinar que os processos instaurados contra o paciente sejam submetidos ao mesmo juízo prevento. Asseverou-se que, relativamente à reunião dos feitos com base nas conexões subjetiva e probatória, se o juiz natural da causa reputara não ser conveniente a reunião dos processos em uma única ação, não caberia ao STF, em habeas corpus, substituir-se ao órgão julgador para afirmar o contrário. Além disso, enfatizou-se que, desde que submetidos ao mesmo juízo, o magistrado pode utilizar-se da faculdade de não reunir processos conexos, por força do que dispõe a regra contida no art. 80 do CPP (“Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.”). Observou-se, no entanto, que embora a conexão não implique, necessariamente, a reunião dos feitos em um único processo, eles devem ser submetidos à competência do mesmo juízo prevento. De outro lado, quanto à alegada inviabilização do direito de ampla defesa do paciente, entendeu-se que a multiplicidade de ações penais não constituiria, por si só, obstáculo ao exercício dessa garantia, não podendo o vício em questão ser invocado em situações abstratas. Vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que deferiam o writ em maior extensão para fulminar os processos em curso e assentar que apenas um deveria merecer a seqüência cabível. O Min. Carlos Britto reajustou o voto proferido em 19.2.2008.

HC 91895/SP, rel. Min. Menezes Direito, 1º.4.2008. (HC-91895)

Prisão Preventiva e Progressão de Regime A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado pela prática

dos crimes de quadrilha, falsidade ideológica, coação no curso do processo e favorecimento pessoal, preso preventivamente desde meados de 2004, reitera as alegações de excesso de prazo da custódia e ausência de fundamentação na sentença condenatória. A Min. Cármen Lúcia, relatora, indeferiu o writ, no que foi acompanhada pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Inicialmente, aplicou a jurisprudência da Corte no sentido de que, com a superveniência da sentença condenatória, que constitui novo título da prisão, encontra-se superada a questão relativa ao antecedente excesso de prazo. Entendeu que, com o julgamento da apelação interposta pelo paciente, além de prejudicada a matéria concernente à excessiva demora na apreciação daquele recurso, também não haveria mais que se discutir eventual falta de motivação da sentença condenatória, a qual fora substituída pelo acórdão de apelação. A relatora informou, ainda, que na presente impetração não houvera a formulação de pedido específico quanto a possíveis benefícios referentes à execução da pena. Assentou que, não obstante o paciente tivesse sustentado seu direito à progressão de regime e ao livramento condicional, poder-se-ia concluir que o tema fora suscitado somente a título de evidência do alegado excesso de prazo da prisão. No ponto, considerou não caber a concessão da ordem, de ofício, uma vez que as instâncias antecedentes decidiram corretamente ao deixar de analisar o pleito de progressão, enfatizando que, já tendo sido extraída guia de execução provisória da sentença, caberia ao paciente

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

requerer aquele benefício, originariamente, ao juízo das execuções criminais, sob pena de supressão de instância. Por outro lado, aduziu que o exame dos requisitos para a concessão dos benefícios da progressão de regime de cumprimento da pena, ou mesmo livramento condicional, ultrapassaria os limites da via eleita. Após o voto do Min. Marco Aurélio que concedia a ordem por vislumbrar excesso de prazo, pediu vista o Min. Carlos Britto.

HC 93443/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.4.2008. (HC-93443)

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ

que restabelecera a condenação do paciente ao fundamento de que, para a caracterização da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, não seria exigível que a arma de fogo fosse periciada ou apreendida, desde que comprovado, por outros meios, que fora devidamente utilizada para intimidar a vítima. No caso, o paciente ingressara, com arma de fogo na cintura, em estabelecimento comercial e, subjugando funcionária, subtraíra valores. A impetração requer a manutenção da pena imposta pelo tribunal de origem, ao argumento de que seria indispensável a apreensão e a perícia da arma para aferição da mencionada causa de aumento. Sustenta que a potencialidade lesiva desse instrumento não poderia ser atestada por outros elementos de prova contidos nos autos. A Min. Cármen Lúcia, relatora, deferiu o writ para anular o referido acórdão do STJ e restabelecer a condenação do paciente pelo crime de roubo, descrito no art. 157, caput, do CP. Entendeu que o emprego de arma de fogo simulada, ineficiente, descarregada ou arma de brinquedo não poderia constituir causa especial de aumento de pena na prática do roubo, embora pudesse servir de instrumento de intimidação. Asseverou ser incabível dar ao objeto “arma” alcance extensivo, diverso daquele que a caracteriza como instrumento capaz de lesar a integridade física de alguém, sob pena de se atribuir à majorante interpretação diversa para conseqüente aplicação extensiva, proibida no Direito Penal. Assim, enfatizou que, se a arma não for apreendida para fins de perícia ou não for possível atestar a sua potencialidade lesiva por outros meios de prova, como ocorrera na espécie, não teria a acusação como fazer prova da idoneidade da arma. Nessas condições, considerou que a aludida arma deveria ser reputada inidônea à ofensividade exigida pela norma, e, ainda, ineficaz à causação efetiva ou potencial de dano, o que impediria a incidência da causa de aumento disposta no inciso I do § 2º do art. 157 do CP. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski.

HC 92871/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.4.2008. (HC-92871) Crime de Receptação - Cominação Penal - Ofensa ao Princípio da

Proporcionalidade (Transcrições) HC 92525 MC/RJ* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: RECEPTAÇÃO SIMPLES (DOLO DIRETO) E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (DOLO INDIRETO EVENTUAL). COMINAÇÃO DE PENA MAIS LEVE PARA O CRIME MAIS GRAVE (CP, ART. 180, “CAPUT”) E DE PENA MAIS SEVERA PARA O CRIME MENOS GRAVE (CP, ART. 180, § 1º). TRANSGRESSÃO, PELO LEGISLADOR, DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO “IN ABSTRACTO” DA PENA. LIMITAÇÕES MATERIAIS QUE SE IMPÕEM À OBSERVÂNCIA DO ESTADO, QUANDO DA ELABORAÇÃO DAS LEIS. A POSIÇÃO DE ALBERTO SILVA FRANCO, DAMÁSIO E. JESUS E DE CELSO, ROBERTO, ROBERTO JÚNIOR E FÁBIO DELMANTO. A PROPORCIONALIDADE

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

COMO POSTULADO BÁSICO DE CONTENÇÃO DOS EXCESSOS DO PODER PÚBLICO. O “DUE PROCESS OF LAW” EM SUA DIMENSÃO SUBSTANTIVA (CF, ART. 5º, INCISO LIV). DOUTRINA. PRECEDENTES. A QUESTÃO DAS ANTINOMIAS (APARENTES E REAIS). CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO. INTERPRETAÇÃO AB-ROGANTE. EXCEPCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO, SEMPRE QUE POSSÍVEL, PELO PODER JUDICIÁRIO, DA INTERPRETAÇÃO CORRETIVA, AINDA QUE DESTA RESULTE PEQUENA MODIFICAÇÃO NO TEXTO DA LEI. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

INFORMATIVO Nº 499

Lei 11.596/2007: Prescrição e Acórdão Condenatório A Lei 11.596/2007, ao alterar a redação do inciso IV do art. 117 do CP (“Art.

117 - O curso da prescrição interrompe-se: ... IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;”), apenas confirmara pacífico posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o acórdão condenatório reveste-se de eficácia interruptiva da prescrição penal. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a declaração de extinção da punibilidade do paciente que, inicialmente condenado por abuso de autoridade (Lei 4.898/65, art. 4º, a), tivera sua sentença reformada, pelo tribunal de justiça local, para a prática do crime de extorsão, sendo este acórdão anulado pelo STJ no tocante à causa especial de aumento de pena. Inicialmente, aduziu-se ser juridicamente relevante a existência de dois lapsos temporais, a saber: a) entre a data do recebimento da denúncia e a sentença condenatória e b) entre esta última e o acórdão que reformara em definitivo a condenação, já que o acórdão que modifica substancialmente decisão monocrática representa novo julgamento e assume, assim, caráter de marco interruptivo da prescrição. Tendo em conta a pena máxima cominada em abstrato para o delito de extorsão simples ou a sanção concretamente aplicada, constatou-se que, no caso, a prescrição não se materializara. O Min. Marco Aurélio ressaltou em seu voto que a mencionada Lei 11.596/2007 inserira mais um fator de interrupção, pouco importando a existência de sentença condenatória anterior, sendo bastante que o acórdão, ao confirmar essa sentença, também, por isso mesmo, mostre-se condenatório.

HC 92340/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.3.2008. (HC-92340)

Trancamento de Ação Penal e Norma Penal em Branco Constitui ilegalidade reparável pela via do habeas corpus fazer com que alguém

responda pelo exercício ilegal de uma profissão que ainda não foi regulamentada. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu, em parte, habeas corpus para determinar, quanto à acusação de exercício ilegal da profissão de árbitro ou mediador (Lei de Contravenções Penais, art. 47), o trancamento de ação penal instaurada contra acusada também pela suposta prática dos delitos de formação de quadrilha, falsidade ideológica e usurpação de função pública (CP, artigos 288, 299 e 328, parágrafo único, respectivamente). Considerou-se que, ausente regulamentação legal das condições jurídicas necessárias ao desempenho da função de árbitro, ou mediador, não seria possível dar-se por caracterizada, nem mesmo em tese, a conduta descrita no art. 47 da LCP (“Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:”). Enfatizou-se que os requisitos referidos na figura típica devem estar regulamentados por lei, sem os quais restaria inviabilizado, no caso, o manejo da ação penal com base no art. 47 da LCP que, por

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se tratar de norma penal em branco, depende da indicação de lei que estabeleça as condições para o exercício de determinada atividade. Entendeu-se que, quanto aos demais crimes, a denúncia apresentaria os elementos mínimos necessários ao prosseguimento da persecução penal.

HC 92183/PE, rel. Min. Carlos Britto, 18.3.2008. (HC-92183)

Furto Qualificado e Hibridismo Penal A Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática de furto

qualificado pelo concurso de agentes (CP, art. 155, § 4º, III) pleiteava a manutenção da decisão proferida pelo tribunal de origem que, ao aplicar à pena de furto simples a majorante prevista para o crime de roubo (CP, art. 157, § 2º), reduzira a sanção imposta. Inicialmente, salientou-se que a analogia in bonam parte realizada pelo tribunal de justiça estadual — que aumentara a pena-base do furto em um terço e não no dobro, como determina a lei —, ainda que com fundamento nos princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia, não se mostrara de boa técnica. Esclareceu-se que o legislador estabelecera diferença entre a qualificadora existente no furto e a causa de aumento de pena disposta na hipótese de roubo. Asseverou-se que, do ponto de vista técnico, não se poderia afirmar que o legislador aumentara a pena do furto no caso de concurso de agentes, mas que, na verdade, ter-se-ia novo tipo penal, cujo elemento definidor seria o concurso. Ademais, considerou-se errônea a assertiva de que o legislador, na espécie, não teria atentado para a necessária proporcionalidade entre o crime e a pena, pois ao criar novo tipo penal, com a correspondente sanção, certamente levara em conta critérios de valoração, em matéria de política criminal, que não se reduziriam a mera equivalência aritmética. Assim, entendeu-se que, em se tratando de furto qualificado, não haveria exasperação circunstancial a partir de um tipo penal básico, como ocorre no roubo, porém uma figura típica diversa para a qual cominada sanção autônoma, não se podendo concluir, dessa forma, que o aumento da pena em dobro (CP, art. 155, § 4º) violaria aos mencionados princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia.

HC 92626/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25.3.2008. (HC-92626)

Liberdade Provisória: Lei 11.464/2007 e Tráfico de Drogas - 1 A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do

STJ que denegara liberdade provisória a denunciado pela suposta prática do crime de tráfico ilícito de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput) que, preso em flagrante em 10.2.2007, alegava excesso de prazo e falta de óbices à concessão do referido benefício. Preliminarmente, tendo em conta a jurisprudência do STF no sentido de que, com a superveniência da sentença condenatória, que constitui novo título da prisão, encontra-se superada a questão relativa ao antecedente excesso de prazo da custódia, não se conheceu do writ, no ponto. Contudo, entendeu-se que, nas circunstâncias do caso, não restaria prejudicado o exame do pedido de concessão de liberdade provisória, uma vez que a solução quanto ao seu cabimento teria influência direta na discussão relativa à possibilidade de o paciente apelar em liberdade. Assim, salientou-se que, se correta a tese sustentada pela defesa de que deveria ter sido concedida a liberdade provisória desde o início do processo, o paciente, ao tempo da sentença, estaria em liberdade e, portanto, poderia, em princípio, suscitar a aplicação do art. 59 da Lei 11.343/2006 (“Nos crimes previstos

nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.”).

HC 93302/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.3.2008. (HC-93302)

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Liberdade Provisória: Lei 11.464/2007 e Tráfico de Drogas - 2

No mérito, aduziu-se que, para a Constituição, a prisão em flagrante seria espécie de prisão processual, ficando, de regra, reservada à legislação ordinária definir se admite, ou não, a liberdade provisória, podendo tal benesse ser negada de duas formas: a) expressamente ou b) dispondo que o delito é inafiançável. Se admitida, a liberdade provisória pode dar-se com ou sem o pagamento de fiança. Nesse sentido, os incisos LXVI, (“ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com o sem fiança;”), XLII (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”) e XLIII (“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos...”), todos do art. 5º, da CF. No tocante a esse último dispositivo, asseverou-se que esse inciso possuía eficácia limitada até a superveniência da Lei 8.072/90 (art. 2º, II), que proibiu a concessão de fiança e liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados. No ponto, esclareceu-se que, para o deslinde da presente questão, dever-se-ia analisar se a Lei 11.464/2007, ao alterar o referido art. 2º, II, da Lei 8.072/90, excluindo a expressão “e liberdade provisória”, teria possibilitado a concessão desta aos presos em flagrante pela prática de tortura, tráfico de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e delitos definidos como hediondos.

HC 93302/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.3.2008. (HC-93302)

Liberdade Provisória: Lei 11.464/2007 e Tráfico de Drogas - 3 Considerou-se que a inafiançabilidade imposta ao delito imputado ao paciente

bastaria para impedir a concessão de liberdade provisória, sendo irrelevante a alteração efetuada pela Lei 11.464/2007 que, mantendo a vedação de fiança, somente retirara uma redundância contida no texto originário do art. 2º, II, da Lei 8.072/90. Ressaltou-se que esta Corte possui orientação consolidada no sentido de que a proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos e assemelhados decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição à legislação ordinária. Dessa forma, por maiores razões, incabível esse benefício aos presos em flagrante por tráfico de drogas. Ademais, enfatizou-se que a Lei 11.464/2007 não alcançaria os dispositivos legais que cuidam do delito de tráfico de drogas que, ao tempo da sua entrada em vigor, já contava com disciplina específica a respeito (Lei 11.343/2006: “Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.”). Assim, reputou-se que a Lei 11.464/2007 não poderia modificar a disciplina que, quando do seu advento, já constava de lei especial, aplicável à espécie. Por fim, rejeitou-se a proposta de concessão de habeas corpus de ofício para que o paciente progredisse de regime prisional, porquanto ainda pendente de apreciação recurso da acusação que, se provido, majoraria a pena a período superior ao tempo em que custodiado o paciente. Atentou-se para o fato de que este fora preso em flagrante quando vigente a Lei 11.343/2006, que passou a exigir, na hipótese, o cumprimento de, pelo menos, 2/5 da pena para a progressão. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que concedia a ordem, de ofício, para que o juízo de primeiro grau analisasse as condições, visando à progressão de regime de cumprimento da pena.

HC 93302/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.3.2008. (HC-93302)

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Substância Entorpecente - Porte - Crime Militar - Aplicabilidade da Norma Penal mais Benéfica (Transcrições) HC 94085 MC/SP* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. CRIME MILITAR (CPM, ART. 290). SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.343/2006, CUJO ART. 28 – POR NÃO SUBMETER O AGENTE A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE – QUALIFICA-SE COMO NORMA PENAL BENÉFICA. CONTROVÉRSIA EM TORNO DA APLICABILIDADE, OU NÃO, A ESSE DELITO MILITAR (CPM, ART. 290), DO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA “LEX MITIOR” SOBRE REGRAS PENAIS MAIS GRAVOSAS, MESMO QUE INSCRITAS EM DIPLOMA NORMATIVO QUALIFICADO COMO “LEX SPECIALIS”. DOUTRINA. PRECEDENTE DO STF (2ª TURMA). INVOCAÇÃO, AINDA, DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal Militar, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 16):

“APELAÇÃO. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO DA LEI 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE.

- Não há que se falar da não aplicação do ‘caput’ do art. 290 em razão da edição da nova Lei de Tóxicos.

- O princípio da insignificância igualmente não se aplica aos casos de porte de entorpecente em área sujeita à administração militar.

- Recurso improvido. Decisão unânime.” (grifei)

A parte ora impetrante postula a anulação da “(...) condenação, para aplicar-se o disposto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006” (fls. 04).

Passo a examinar o pedido de medida cautelar formulado pela Defensoria Pública da União. E, ao fazê-lo, tenho para mim, na linha de decisão por mim proferida no HC 93.822-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, não obstante julgamentos em sentido contrário emanados da colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 91.759/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO - HC 92.462/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA), que se reveste de plausibilidade jurídica a tese sustentada na presente impetração, que se fundamenta na aplicabilidade, ao crime militar de porte e guarda de substância entorpecente (CPM, art. 290), da disciplina penal mais benéfica consubstanciada na Lei nº 11.343/2006, que se qualifica, sob tal perspectiva, considerado o disposto no art. 28 desse novo diploma legislativo, como verdadeira “lex mitior”.

É importante registrar, neste ponto, que, com a superveniência da Lei nº 11.343/2006 – e ainda que mantida, por esta, a criminalidade do porte de drogas para consumo pessoal (RE 430.105-QO/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) -, tal conduta, agora, não mais sofre a incidência de pena privativa

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de liberdade, expondo-se, ao contrário, a penas meramente restritivas de direitos.

É por essa razão que os autores qualificam como juridicamente mais benigna essa nova legislação penal (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Leis Penais e Processuais Penais Comentadas”, p. 303/310, 2ª ed., 2007, RT; RENATO MARCÃO, “A Nova Lei de Drogas e seus Reflexos na Execução Penal”, “in” Consulex, ano XI, nº 258, p. 58/62; LUIZ FLÁVIO GOMES, “Lei de Drogas Comentada Artigo por Artigo: Lei 11.343/2006, de 23.08.2006”, p. 155, item n. 7, 2ª ed., 2007, RT; e JOSÉ GERALDO DA SILVA, WILSON LAVORENTI e FABIANO GENOFRE, “Leis Penais Especiais Anotadas”, p. 186/200, item n. 4, 9ª ed., 2006, Millennium, v.g.), o que legitima a aplicação da cláusula inscrita no inciso XL do art. 5º da Constituição da República, cuja eficácia tem o condão de inibir a incidência de normas penais mais gravosas, à semelhança do que se registra com o art. 290 do CPM (“lex gravior”).

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a norma penal benéfica – como aquela inscrita no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (notadamente se confrontada com a regra consubstanciada no art. 290 do CPM) – reveste-se de eficácia retroativa, apta a torná-la incidente, enquanto “lex mitior”, a fatos delituosos praticados em momento anterior ao de sua vigência.

Impende reconhecer, por necessário, que a eficácia retroativa da lei penal benéfica possui extração constitucional, traduzindo, sob tal aspecto, inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer suposto autor de infrações penais.

Esse entendimento – decorrente do exame do significado e do alcance normativo da regra consubstanciada no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal - reflete-se no magistério jurisprudencial firmado por esta Suprema Corte (RTJ 140/514, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 151/525, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.) e, também, por outros Tribunais da República (RT 467/313 – RT 605/314 - RT 725/526 - RT 726/518 – RT 726/523 - RT 731/666):

“LEI Nº 9.099/95 - CONSAGRAÇÃO DE MEDIDAS DESPENALIZADORAS - NORMAS BENÉFICAS - RETROATIVIDADE VIRTUAL.

- Os processos técnicos de despenalização abrangem, no plano do direito positivo, tanto as medidas que permitem afastar a própria incidência da sanção penal quanto aquelas que, inspiradas no postulado da mínima intervenção penal, têm por objetivo evitar que a pena seja aplicada, como ocorre na hipótese de conversão da ação pública incondicionada em ação penal dependente de representação do ofendido (Lei nº 9.099/95, arts. 88 e 91).

- A Lei nº 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal.

Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei nº 9.099/95, atribui, de modo

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conseqüente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (arts. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89).

As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe, à ‘lex mitior’, uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata.” (RTJ 162/483-484, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

“O sistema constitucional brasileiro impede que se apliquem leis

penais supervenientes mais gravosas, como aquelas que afastam a incidência de causas extintivas da punibilidade (...), a fatos delituosos cometidos em momento anterior ao da edição da ‘lex gravior’.

A eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica - sob cuja égide foi praticado o fato delituoso - deve prevalecer por efeito do que prescreve o art. 5º, XL, da Constituição, sempre que, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior qualificava-se como estatuto legal mais favorável ao agente. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.” (RTJ 186/252, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vê-se, pois, que a circunstância de ordem temporal decorrente da

sucessão de leis penais no tempo revelar-se-ia apta a conferir aplicabilidade, no caso, às disposições contidas no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (“lex mitior”).

É certo, no entanto, que a incidência, no caso, da cláusula constitucional da norma penal benéfica supõe a resolução de uma antinomia que se registra entre o que prescreve o art. 290 do CPM (“lex specialis”) e o que dispõe o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (“lex generalis”), a reclamar, portanto, como fator de superação desse (aparente) conflito normativo, a aplicação do critério da especialidade.

Tal matéria, contudo, deverá constituir objeto de oportuno exame, quando do julgamento final da causa por esta Suprema Corte, eis que este provimento cautelar tem, como suporte, um mero juízo de delibação.

Assentadas tais premissas, torna-se imperioso salientar que assume expressivo relevo a alegação de que a cláusula da aplicabilidade dos estatutos penais benéficos, impregnada de caráter mandatório, por ostentar natureza eminentemente constitucional (CF, art. 5º, XL), tem precedência sobre quaisquer diplomas legislativos, independentemente de estes se subsumirem à noção mesma de “lex specialis”.

Foi por tal motivo que o eminente Ministro GILMAR MENDES, na condição de Relator do HC 91.356-MC/SP, deferiu o provimento cautelar então postulado, fazendo-o com apoio em seu entendimento de que “o art. 28 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, poderia ser aplicado com relação ao ora paciente” (grifei), não obstante se tratasse, no caso que examinou – e tal como sucede na espécie ora em análise -, de condenação pelo crime militar de porte de substância entorpecente (CPM, art. 290).

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, apreciando essa mesma questão, deferiu ordem de “habeas corpus” em caso rigorosamente

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idêntico ao que se examina na presente sede processual, e no qual proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“‘HABEAS CORPUS’. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três.

2. Condenação por posse e uso de entorpecentes (...). ....................................................... 4. A Lei n. 11.343/2006 - nova Lei de Drogas - veda a prisão do

usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas.

5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício.

6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III).

7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar - Lei n. 11.343/2006 - possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta.

8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar.

9. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe, a uma, porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana.

Ordem concedida.” (HC 92.961/SP, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)

Há a considerar, ainda, para efeito de exercício da jurisdição cautelar, um

outro fundamento que me parece juridicamente relevante.

Refiro-me à aplicabilidade, ao caso, do postulado da insignificância, cuja utilização tem sido admitida, em inúmeros casos, pelo Supremo Tribunal Federal:

“O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada -

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apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa assinalar, neste ponto, que esse entendimento encontra suporte

em expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 789/439-456; FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

Revela-se significativa a lição de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva) a propósito da matéria em questão:

“Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal

mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ

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ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Cumpre acentuar, finalmente, por relevante, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido, na matéria em questão, a inteira aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes militares (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – HC 92.634/PE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA).

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da questão suscitada nesta sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, a eficácia da condenação penal imposta, ao ora paciente, nos autos do Processo nº 18/06-5 (2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar), sustando, em conseqüência, qualquer medida de execução da pena em referência, mantido íntegro o “status libertatis” de Demétrios de Araújo, medida esta que estendo, ainda, ao co-réu Ademir Schultz de Carvalho Filho (fls. 06).

Caso o paciente ou o seu co-réu, por algum motivo, tenham sido presos em decorrência de mencionada condenação penal (Processo nº 18/06-5), deverão eles ser imediatamente postos em liberdade, se por al não estiverem presos.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal Militar (Apelação nº 2007.01.050568-7/SP) e à 2ª Auditoria da 2ª CJM (Processo nº 18/06-5).

2. Solicite-se, à 2ª Auditoria da 2ª CJM (São Paulo/SP), informação sobre a fase em que se acha, presentemente, a execução da condenação penal imposta ao ora paciente e ao seu co-réu.

Publique-se.

Brasília, 28 de março de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

INFORMATIVO Nº 498

Apropriação Indébita Previdenciária e Natureza O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão do

Min. Marco Aurélio, que determinara o arquivamento de inquérito, do qual relator, em que apurada a suposta prática do delito de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A: “Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:”). Salientando que a apropriação indébita previdenciária não consubstancia crime formal, mas omissivo material — no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva —, e tem por objeto jurídico protegido o patrimônio da previdência social, entendeu-se que, pendente recurso administrativo em que

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

discutida a exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de preservar-se situação que degrada o contribuinte.

Inq 2537 AgR/GO, rel. Min. Marco Aurélio, 10.3.2008. (Inq- 2537)

Enquadramento na Denúncia e Responsabilidade Objetiva A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende o

trancamento de ação penal instaurada contra denunciado, com terceiros, pela suposta infração aos artigos 12 e 14, da Lei 6.368/76 e ao art. 180, do CP, todos combinados com o art. 69 do referido código. A impetração sustenta a ilegalidade da custódia preventiva, sob os seguintes fundamentos: a) excesso de prazo; b) inexistência dos requisitos previstos no art. 312 do CPP; e c) falta de justa causa para a ação penal, considerada a atipicidade da conduta. Alega, ainda, que a denúncia não conteria a descrição individualizada dos fatos imputados ao paciente. O Min. Marco Aurélio, relator, ante o pronunciamento do STJ em idêntica medida, declarou o prejuízo parcial da impetração no tocante à prisão preventiva. No mérito, deferiu o writ quanto aos fatos narrados na denúncia e o enquadramento dela constante. Aduziu que, relativamente ao paciente, os fatos diriam respeito à imputação ligada à circunstância de adquirir produto que sabia de procedência ao menos duvidosa, implementando, assim, prática enquadrável no delito de receptação. Asseverou que o Ministério Público estadual, no entanto, a partir da premissa de ter o paciente adquirido produto de acusado de tráfico de drogas, o denunciara também por associação para tal fim e até mesmo por tráfico. Entendeu que o parquet fizera ilação incompatível com o ordenamento jurídico vigente, chegando-se assim à responsabilidade objetiva. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski.

HC 92258/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 11.3.2008. (HC-92258)

Lei de Imprensa e Prescrição Retroativa É possível a incidência do instituto da prescrição retroativa em tema de delitos

de imprensa. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para declarar extinta a punibilidade do paciente por efeito da consumação da prescrição penal. Asseverou-se que, na espécie, já havendo sentença condenatória transitada em julgado para o querelante, a prescrição não deveria ser considerada em abstrato, mas sim calculada pelo dobro da pena aplicada (Lei 5.250/67: “Art . 41. A prescrição da ação penal, nos crimes definidos nesta Lei, ocorrerá 2 anos após a data da publicação ou transmissão incriminada, e a condenação, no dôbro do prazo em que fôr fixada.”).

HC 89684/PB, rel. Min. Celso de Mello, 11.3.2008. (HC-89684)

Culturas Ilegais de Plantas Psicotrópicas e Área a ser Desapropriada A Turma, acolhendo proposta do Min. Eros Grau, submeteu ao Plenário

julgamento de recurso extraordinário, do qual relator, em que se discute se a desapropriação das glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, nos termos do disposto no art. 243, da CF, restringe-se à área efetivamente cultivada ou estende-se a todo o terreno (“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”).

RE 543974/MG, rel. Min. Eros Grau, 11.3.2008. (RE-543974)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

INFORMATIVO Nº 497

PRIMEIRA TURMA

Injúria Preconceituosa e Legitimidade do Ministério Público - 1 A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado em favor de 2

cidadãos norte-americanos que pleiteavam o trancamento de ação penal contra eles instaurada pela suposta prática do ato de preconceito de procedência nacional (Lei 7.716/89, art. 20: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”). No caso, durante vôo internacional, um dos pacientes, com o incentivo de seu colega, também comissário de bordo, teria supostamente ofendido um passageiro brasileiro. Alegava a impetração: a) ilegitimidade do Ministério Público Federal para propor a ação penal, porque os fatos narrados na inicial configurariam, em tese, o crime previsto no art. 140, § 3º, do CP, de iniciativa do ofendido, e não o delito de injúria preconceituosa; e b) falta de justa causa para a ação penal, pois não haveria, nos autos, prova material suficiente para embasar a imputação.

HC 90187/RJ, rel. Min. Menezes Direito, 4.3.2008. (HC-90187)

Injúria Preconceituosa e Legitimidade do Ministério Público - 2 Entendeu-se que, na espécie, a questão relativa à legitimidade ad causam do

MPF se confundiria com a própria necessidade de se instruir a ação penal, haja vista que seria no momento da prolação da sentença que o juiz poderia confirmar o tipo penal indicado na inicial acusatória ou, se reputar conveniente, desclassificar a conduta descrita, nos termos previstos no art. 383 (emendatio libelli) ou no art. 384 (mutatio libelli) do CPP. Dessa forma, concluiu-se que qualquer capitulação jurídica feita sobre um fato na denúncia é sempre provisória até a sentença, tornando-se definitiva apenas no instante decisório final. Logo, não caberia ao STF, em habeas corpus, antecipar-se ao magistrado de primeiro grau e, antes de iniciada a instrução criminal, firmar juízo de valor sobre as provas indiciárias trazidas aos autos para tipificar a conduta criminosa descrita. Rejeitou-se, de igual modo, o argumento de ausência de justa causa para a ação penal, porquanto existiriam elementos concretos suficientes com relação aos pacientes para amparar a denúncia, nos moldes em que fora proposta, e ensejar a continuidade da persecução penal. Ademais, salientou-se a jurisprudência consolidada da Corte no sentido de que o trancamento da ação penal por tal motivo, em sede de habeas corpus, constitui medida excepcional que, em princípio, não tem lugar quando os fatos narrados na denúncia caracterizam crime em tese. Enfatizou-se, por fim, que o contraditório se desenvolveria na ação penal, na qual produzidos os elementos de convicção do julgador e garantidos aos pacientes todos os meios de defesa constitucionalmente previstos. Vencido o Min. Marco Aurélio que, por considerar que a definição sobre tratar-se de ação penal pública ou privada não dependeria de prova posterior, mas da descrição do fato narrado, deferia o writ para assentar que a presente ação necessitaria da iniciativa da vítima (CP, art. 141, § 3º) e que, no tocante ao segundo paciente, não se teria peça hábil a chegar-se a persecução criminal, já que deficiente quanto à exposição do verbo “incitar”.

HC 90187/RJ, rel. Min. Menezes Direito, 4.3.2008. (HC-90187)

Estelionato: Prestações Periódicas e Crime Instantâneo A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para pronunciar a prescrição da

pretensão punitiva do Estado relativamente ao paciente, condenado por estelionato em razão de, na qualidade de advogado, haver induzido em erro sua cliente, obtendo para si crédito a ser por ela recebido de município, através de precatório,

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decorrente de ação indenizatória anteriormente ajuizada. Entendeu-se que a circunstância de a satisfação do crédito se dar por meio de precatório não alteraria a conduta praticada pelo paciente, a qual consubstanciaria crime instantâneo, verificada a vantagem ilícita em prejuízo de terceiro, muito embora, sob o ângulo pecuniário, essa fosse alcançada posteriormente. Entretanto, não obstante haver-se enfatizado que o desdobramento do ato, no tocante à percepção das parcelas, seria simples conseqüência do crime instantâneo, concluiu-se pela aludida prescrição, tendo em conta que o delito fora perpetrado em 1997. Vencido o Min. Menezes Direito que indeferia o writ ao fundamento de tratar-se, no caso, de crime permanente, cuja prescrição se prolongaria no tempo.

HC 88872/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 4.3.2008. (HC-88872)

SEGUNDA TURMA

Porte Ilegal de Munição A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que a Defensoria Pública da

União sustenta que o simples porte de munição sem autorização legal não representaria ofensa ao bem jurídico protegido pela Lei 10.826/2003, qual seja, a paz social. O Min. Joaquim Barbosa, relator, indeferiu o writ, no que foi acompanhado pelo Min. Eros Grau. Ressaltando que a intenção do legislador fora de tornar mais rigorosa a repressão aos delitos relativos às armas de fogo, considerou que o crime de porte de munição seria de perigo abstrato e não feriria as normas constitucionais nem padeceria de vícios de tipicidade. Enfatizou que a aludida norma tem por objetivo a proteção da incolumidade pública, sendo dever do Estado garantir aos cidadãos os direitos fundamentais relativos à segurança pública. Ademais, asseverou que, no caso, o paciente também fora condenado, em concurso material, pela prática do crime de receptação, não sendo o porte de munição um fato isolado. Assim, tendo em conta essas particularidades, concluiu no sentido da tipicidade material da conduta, aduzindo que, para se afirmar o contrário, seria exigível o revolvimento das provas dos autos, incabível na via eleita. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Cezar Peluso.

HC 92533/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 4.3.2008. (HC-92533)

INFORMATIVO Nº 496

Plenário

ADPF e Lei de Imprensa

O Tribunal, por maioria, referendou liminar deferida em argüição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT para o efeito de suspender a vigência da expressão “a espetáculos de diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem”, contida na parte inicial do § 2º do art. 1º; do § 2º do art. 2º; da íntegra dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 65; da expressão “e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa”, constante da parte final do art. 56; dos §§ 3º e 6º do art. 57; dos §§ 1º e 2º do art. 60; da íntegra dos artigos 61, 62, 63 e 64; dos artigos 20, 21, 22 e 23; e dos artigos 51 e 52, todos da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa). Preliminarmente, tendo em conta o princípio da subsidiariedade, o Tribunal, também por maioria, conheceu da ação. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que não a conhecia por

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

reputar inadequada a argüição. No mérito, entendeu-se configurada a plausibilidade jurídica do pedido, haja vista que o diploma normativo impugnado não pareceria serviente do padrão de democracia e de imprensa vigente na Constituição de 1988 (CF, artigos 1º; 5º, IV, V, IX e XXXIII e 220, caput e § 1º). Considerou-se, ademais, presente o perigo na demora da prestação jurisdicional, afirmando-se não ser possível perder oportunidade de evitar que eventual incidência da referida lei, de nítido viés autoritário, colidisse com aqueles valores constitucionais da democracia e da liberdade de imprensa. Vencidos, em parte, os Ministros Menezes Direito, Eros Grau e Celso de Mello, que, desde logo, suspendiam a vigência de toda a Lei 5.250/67, autorizando a aplicação da legislação ordinária de direito civil e de direito penal, e o Min. Marco Aurélio, que negava referendo à liminar. O Tribunal, empregando por analogia o art. 21 da Lei 9.868/99, estabeleceu o prazo de 180 dias, a contar da data da sessão, para retorno do feito para o julgamento de mérito.

ADPF 130 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 27.2.2008. (ADPF-130)

INFORMATIVO Nº 494

Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição - 3 O Tribunal, por votação majoritária, julgou prejudicado habeas corpus

impetrado em favor de condenado pela prática do crime previsto no art. 10 da Lei 9.437/97 (porte ilegal de arma), no qual se pretende a nulidade da sentença, sob alegação de atipicidade da conduta, em razão de a arma portada estar desmuniciada, e declinou de sua competência para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo — v. Informativos 404 e 411. Considerou-se o julgamento do HC 86834/SP (j. em 23.8.2006), no qual o Tribunal, por maioria, firmou entendimento no sentido de que é incompetente para apreciar e julgar pedidos de habeas corpus impetrados contra atos de Turmas ou Colégios Recursais de Juizados Especiais. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, que deferiram o pedido em assentada anterior. Reajustaram seus votos os Ministros Eros Grau e Cezar Peluso.

HC 85240/SP, rel. Min. Carlos Britto, 14.2.2008. (HC-85240)

Porte Ilegal de Arma de Fogo sem Munição com Sinal de Identificação Suprimido - 3

Em conclusão de julgamento, o Tribunal desproveu recurso ordinário em habeas corpus interposto em favor de condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo com numeração de identificação suprimida (Lei 10.826/2003, art. 16, parágrafo único, IV), no qual se pretendia a nulidade da condenação, por atipicidade da conduta, em face da ausência de lesividade da arma desmuniciada apreendida (“Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: ... Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. ... Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: ... IV - portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;”) — v. Informativos 447 e 486. Entendeu-se que os fatos descritos na denúncia amoldar-se-iam ao tipo previsto no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003. Inicialmente, enfatizou-se que, nas condutas descritas no referido inciso, não se exigiria como elementar do tipo a arma ser de uso permitido ou restrito, e que, no

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

caso, a arma seria de uso permitido, tendo sido comprovada a supressão do seu número de série por abrasão. Diante disso, concluiu-se ser impertinente a discussão acerca da inadequação da conduta descrita na denúncia e tipificação pela qual fora o recorrente condenado.

RHC 89889/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 14.2.2008. (RHC-89889)

Porte Ilegal de Arma de Fogo sem Munição com Sinal de Identificação Suprimido - 4

Quanto ao argumento de atipicidade da conduta em face da ausência de lesividade da arma de fogo apreendida por estar ela desmuniciada e não haver, nos autos, comprovação de munição portada pelo recorrente, esclareceu-se que se teria, na espécie, hipótese diversa da analisada quando do julgamento do RHC 81057/SP (DJU de 29.4.2005), já que se tratara, naquela ocasião, do art. 10 da Lei 9.437/97, substituído, no sistema jurídico, pela norma do art. 14 da Lei 10.826/2003. Afirmou-se que o tipo do inciso IV do parágrafo único do art. 16 da Lei 10.826/2003 é um tipo novo, já que, na Lei 9.437/97, punia-se aquele que suprimisse ou alterasse marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato. Assim, a nova figura teria introduzido cuidado penal inédito do tema, tipificando o portar, possuir ou transportar a arma com a supressão ou alteração do número de série ou de outro sinal de sua identificação, independentemente de a arma de fogo ser de uso restrito, proibido ou permitido, tendo por objeto jurídico, além da incolumidade, a segurança pública, ênfase especial dada ao controle pelo Estado das armas de fogo existentes no país, pelo que o relevo ao municiamento ou não da munição da arma que se põe nos tipos previstos no caput dos artigos 14 e 16 da Lei 10.826/2003 não encontraria paralelo no inciso IV do parágrafo único deste último dispositivo.

RHC 89889/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 14.2.2008. (RHC-89889)

Confissão Espontânea e “Reformatio in Pejus” A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STM que,

acolhendo embargos infringentes opostos pelo Ministério Público Militar, majorara a pena aplicada a ex-sargento do Exército condenado pela prática de homicídio qualificado. Inicialmente, reconheceu-se a presença da circunstância atenuante de confissão espontânea do paciente. Entretanto, asseverou-se que sua incidência seria inócua para a anulação do acórdão impugnado, porquanto o tribunal a quo mantivera a pena-base no mínimo legal. No ponto, enfatizou-se que a existência de atenuantes não poderia conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal (Enunciado da Súmula 231 do STJ). Por outro lado, entendeu-se que a decisão não estaria devidamente fundamentada quanto à exclusão, do homicídio qualificado (CPM, art. 205, § 1º), de minorante, haja vista que o STM se limitara a afirmar que não existiriam provas nos autos da injusta provocação da vítima contra o paciente, desconsiderando os elementos disponíveis no processo no sentido de que este era constantemente provocado pela vítima. De igual modo, relativamente ao regime fechado imposto pela sentença condenatória, não tendo o parquet, em apelação, se insurgido, reputou-se preclusa essa matéria para a acusação, motivo pelo qual não poderia o STM ter piorado a situação do paciente, em flagrante ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus. Ordem concedida para afastar o acórdão do STM, proferido nos embargos infringentes, e restabelecer a sentença condenatória, tal como proferida.

HC 90659/SP, rel. Min. Menezes Direito, 12.2.2008. (HC-90659)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

Lei 10.826/2003: Atipicidade Temporária e Posse de Arma de Fogo

A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o reconhecimento da extinção da punibilidade com fundamento na superveniência de norma penal descriminalizante. No caso, o paciente fora condenado pela prática do crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito (Lei 9.437/97, art. 10, § 2º), em decorrência do fato de a polícia, em cumprimento a mandado de busca e apreensão, haver encontrado uma pistola em sua residência. A impetração sustentava que durante a vacatio legis do Estatuto do Desarmamento, que revogou a citada Lei 9.437/97, fora criada situação peculiar relativamente à aplicação da norma penal, haja vista que concedido prazo (Lei 10.826/2003, artigos 30 e 32) aos proprietários e possuidores de armas de fogo, de uso permitido ou restrito, para que regularizassem a situação dessas ou efetivassem a sua entrega à autoridade competente, de modo a caracterizar o instituto da abolitio criminis. Entendeu-se que a vacatio legis especial prevista nos artigos 30 e 32 da Lei 10.826/2003 (“Art. 30. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deverão, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 dias (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos. Art. 32. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas poderão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e, presumindo-se a boa-fé, poderão ser indenizados, nos termos do regulamento desta Lei.”), não obstante tenha tornado atípica a posse ilegal de arma de fogo havida no curso do prazo que assinalou, não subtraiu a ilicitude penal da conduta que já era prevista no art. 10, § 2º, da Lei 9.437/97 e continuou incriminada, com mais rigor, no art. 16 da Lei 10.826/2003. Ausente, assim, estaria o pressuposto fundamental para que se tivesse como caracterizada a abolitio criminis. Ademais, ressaltou-se que o prazo estabelecido nos mencionados dispositivos expressaria o caráter transitório da atipicidade por ele indiretamente criada. No ponto, enfatizou-se que se trataria de norma temporária que não teria força retroativa, não podendo configurar, pois, abolitio criminis em relação aos ilícitos cometidos em data anterior.

HC 90995/SP, rel. Min. Menezes Direito, 12.2.2008. (HC-90995)

INFORMATIVO Nº 493

Crime Societário e Trancamento de Ação Penal - 2 No mérito, indeferiu-se o writ. A impetração pleiteava o trancamento de ação penal instaurada contra acusado, com terceiros, pela suposta prática dos crimes de falsidade ideológica, contrabando, formação de quadrilha (CP, artigos 299, 344 e 288, respectivamente) e de importação de produto nocivo ao meio ambiente (CP, art. 334 e Lei 9.605/98, art. 56). Alegava para tanto: a) inépcia da denúncia, por ausência de individualização da conduta; b) atipicidade da conduta, ante a inexistência de proibição legal, à época dos fatos, de importação de pneus recauchutados; e c) ocorrência de abolitio criminis, decorrente da superveniência de normas que teriam descriminalizado a importação de produto nocivo ao meio ambiente. Considerou-se que, na hipótese, a denúncia demonstrara o delito em sua totalidade e que especificara a conduta supostamente ilícita do paciente. No ponto, asseverou-se que, em se tratando de crimes societários, a denúncia que contém condição efetiva que autorize o denunciado a proferir adequadamente a defesa não configura indicação genérica capaz de ensejar a sua inépcia. Ademais, enfatizou-se que o trancamento de ação penal em habeas corpus impetrado com fundamento na falta de justa causa é medida excepcional que, em princípio, não tem cabimento quando a denúncia ofertada narra suficientemente fatos que constituem crime. Por

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

fim, relativamente ao último argumento, aduziu-se que a via eleita não comporta dilação probatória, exame aprofundado de matéria fática ou nova valoração dos elementos de prova. Alguns precedentes citados: HC 90320/MG (DJU de 25.5.2007); HC 87324/SP (DJU de 18.5.2007); HC 85496/SC (DJU de 8.9.2006); HC 91334/PA (DJU de 17.8.2007); HC 84278/SP (DJU de 22.10.2004). HC 90326/RS, rel. Min. Menezes Direito, 11.12.2007. (HC-90326)

Dosimetria e Suspensão Condicional da Pena - 2

A Turma concluiu julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STM que condenara militar à pena de 6 meses de detenção pela prática do crime de desacato (CPM, art. 299), reformando decisão que, ao aplicar o princípio da insignificância, absolvera-o. No caso, contra a decisão condenatória a defesa impetrara outro HC perante o STF, que fora deferido para determinar a manifestação do STM relativamente ao direito do paciente à suspensão condicional da pena (HC 88281/PA, DJU de 5.6.2006). Realizado novo julgamento, o STM denegara o referido benefício, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade. A impetração requeria a nulidade do referido acórdão, alegando a falta de fundamentação na dosimetria da reprimenda, porquanto não observados o princípio da individualização da pena e o critério trifásico. Pleiteava, também, a concessão da suspensão condicional da pena, ao argumento de se tratar de direito subjetivo do paciente — v. Informativo 492. Em face do empate na votação, deferiu-se o writ para que o juízo da execução fixe as condições da suspensão condicional da pena. Considerou-se que a situação do processo revelaria contradição absoluta, uma vez que, fixada a pena-base no mínimo legal, implicitamente se proclamara que as circunstâncias judiciais seriam favoráveis ao condenado, não podendo o STM, em passo seguinte e de forma incoerente, pronunciar-se sobre dados relativos ao cometimento do crime para afastar o mencionado benefício. Assim, ou estariam presentes circunstâncias judiciais que levariam à fixação da pena-base acima do mínimo previsto para o tipo ou não haveria essas circunstâncias, inexistindo óbice para a suspensão condicional da pena. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, relatora, e Ricardo Lewandowski que denegavam a ordem. O Min. Carlos Britto reajustou seu voto. HC 92322/PA, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 18.12.2007. (HC-92322)

SEGUNDA TURMA Liberdade Provisória: Lei 11.464/2007 e Crime Hediondo - 1

Com o advento da Lei 11.464/2007, que alterou a redação do art. 2º, II, da Lei 8.072/90, tornou-se possível a concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos ou equiparados, nas hipóteses em que ausentes os fundamentos previstos no art. 312 do CPP. Tendo em conta esse entendimento, bem como verificada a falta de motivação idônea para a prisão do paciente, a Turma conheceu, em parte, de habeas corpus e, na parte de que conheceu, deferiu-o para determinar que seja expedido alvará de soltura em favor do paciente, salvo se por outro motivo deva permanecer custodiado. Na espécie, o paciente, preso em flagrante pela suposta prática de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, IV), tivera a segregação mantida pela sentença de pronúncia que, reportando-se aos fundamentos do decreto de prisão preventiva, negara pedido de liberdade provisória com base no art. 2º, II, da Lei 8.072/90 e por reputar presentes os requisitos do art. 312 do CPP, a saber: garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal. HC 92824/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, 18.12.2007. (HC-92824)

NÚCLEO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO

Liberdade Provisória: Lei 11.464/2007 e Crime Hediondo - 2 Inicialmente, asseverou-se que a Lei 11.464/2007 expressamente suprimiu a proibição à liberdade provisória que constava do art. 2º, II, da Lei 8.072/90, tendo permanecido apenas o termo “fiança” (“Art. 2º. Os crimes hediondos ... são insuscetíveis de : ... II - fiança.”). Em seguida, afastado o óbice à concessão do referido benefício de liberdade provisória, considerou-se que a gravidade em abstrato do crime não seria, por si só, justificativa hábil para a decretação da custódia preventiva embasada na ameaça à ordem pública. Ademais, ressaltou-se que a jurisprudência do STF é no sentido de que o perigo de reiteração criminosa e a periculosidade do agente devem ser analisados no caso concreto, podendo caracterizar-se como razões legitimadoras da prisão cautelar. No ponto, aduziu-se que o paciente é primário, possui bons antecedentes e exerce ocupação lícita e que não fora demonstrada a necessidade concreta de sua prisão. Alguns precedentes citados: HC 83865/SP (DJU de 7.12.2007); HC 89183/MS (DJU de 25.8.2006); HC 85268/SP (DJU de 15.4.2005); HC 85868/RJ (DJU de 15.12.2006). HC 92824/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, 18.12.2007. (HC-92824)