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A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vícios do produto no queconcerne à sua edição (impressão e apresentação a fim de possibilitar aoconsumidor bem manuseá-lo e lê-lo). Nem a editora nem o autor assumemqualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens,decorrentes do uso da presente obra.Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitosautorais, é proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou porqualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processosxerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e doeditor.Impresso no Brasil – Printed in Brazil

Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesaCopyright © 2017 byEDITORA FORENSE LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalTravessa do Ouvidor, 11 – Térreo e 6º andar – 20040-040 – Rio de Janeiro –RJTel.: (0XX21) 3543-0770 – Fax: (0XX21) [email protected] | www.grupogen.com.br

O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquerforma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos oua suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 daLei n. 9.610, de 19.02.1998).Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ouutilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade devender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si oupara outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termosdos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e odistribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98).

A 1ª edição desta obra foi publicada com o título Direito Internacional Privado– Curso Elementar.

Capa: Danilo Oliveira

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Produção Digital: Equiretech

Fechamento desta edição: 12.05.2017.

CIP – Brasil. Catalogação na PublicaçãoSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Mazzuoli, Valerio de Oliveira

Curso de direito internacional privado / Valerio de Oliveira Mazzuoli. − 2.ed. − São Paulo: Forense, 2017.

Sequência de: Direito internacional privadoContinua com: Curso de direito internacional privado

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Inclui bibliografiaISBN 978-85-309-7641-5

1. Direito internacional. I. Título.

17-41658 CDU: 341:347.9

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Aos meus estudantes, daqui e d’alhures.À Giselle de Melo Braga Tapai, pelo incentivo.

A Dirceu Galdino Cardin, pelas intercessões.

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Duas Palavras

Em meados de 2014, recebi, com entusiasmo, honroso convite daEditora Forense para escrever este livro. A vontade desta casa editorial (etambém minha) era conhecer uma obra que atendesse às necessidadesfundamentais dos graduandos, pós-graduandos e profissionais do direito nadisciplina Direito Internacional Privado. Aceito o desafio, não obstantecom significativo sacrifício pessoal, pretendi oferecer aos leitores obratotalmente nova – tanto em conteúdo quanto no método – em nossaliteratura jurídica, capaz de atender aos reclamos dos que necessitam derespostas seguras sobre a aplicação do DIPr no Brasil.

Esclareça-se, porém, desde já, ser este um livro de DIPr concebidocomo tal, é dizer, restrito aos temas próprios desta disciplina. Daí,deliberadamente, ter versado a ciência do conflito de leis sem se deter naexplicação de temas ínsitos (de mérito) do Direito Civil, como, v.g.,atinentes ao direito das coisas, das obrigações, ao direito de família e dassucessões, supondo-se que o leitor, nesse momento investigativo, jápercorreu todos os institutos elementares do Direito Civil aplicáveis aoestudo que ora se inicia. Não é, de fato, em compêndio destinado ao DIPr olugar de estudar temas específicos do Direito Civil, assim como tambémnão é nos compêndios de Direito Civil o lugar de investigar os institutos danossa disciplina. A missão do DIPr é, tão somente, informar o direitoaplicável às questões jurídicas pluriconectadas, nada mais. Estuda-se, v.g.,a indicação do direito aplicável à guarda, à visita e à adoção de menores,sem investigar o que significa e como se operacionaliza a guarda, a visitaou a adoção; estuda-se a lei aplicável à falência ou à recuperação judicialtransnacional, sem conceituar e explicar os institutos da falência e darecuperação judicial. De igual forma, neste livro não se objetivou lecionar

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História do Direito (como fazem inúmeros manuais dessa disciplina)àqueles que nos honram com a sua leitura. Não que a história da disciplinanão seja importante, apenas não foi a opção escolhida para levar a caboesta obra. O leitor, se assim o quiser, poderá consultar esse tema emcompêndios para tal especialmente dedicados.*

O que se entrega, portanto, aos estimados leitores, é um livro queinvestiga o DIPr brasileiro em sua ordem do dia, bem assim suasinterconexões com o sistema jurídico internacional (regulado pelo DireitoInternacional Público) e com os instrumentos que dele vêm à luz. Os temas,porém, ligados à nacionalidade e à condição jurídica do estrangeiro,presentes em muitas obras de DIPr, sob a influência equívoca da doutrinafrancesa, não foram versados aqui por terem sido já detalhadamenteestudados em meu Curso de Direito Internacional Público, publicado pelaEditora Revista dos Tribunais/Thomson Reuters (atualmente em 10ªedição). Tais disciplinas constituem – para falar como Oscar Tenório –“apenas pressupostos do direito internacional privado”,** contando comsoluções dadas, muitas vezes, pelo Direito Internacional Público,especialmente por tratados internacionais, o que torna desnecessário (paranão dizer errôneo) estudá-las em obra dedicada ao DIPr. Quanto ànacionalidade, neste livro não se fez mais que a inserir entre os elementosde conexão existentes; por sua vez, nada aqui se estudou sobre a condiçãojurídica do estrangeiro. Convido, portanto, os leitores interessados, avisitarem o meu Curso de Direito Internacional Público, para que aliinvestiguem, em detalhes, esses dois importantes temas.

Tirante, em suma, os temas que não lhe são próprios, o DIPr vem aquiversado com enfoque renovado e metodologia diferenciada, tudo para o fimde compreender o caminho (para além de traçar o próprio caminho) em quese desenvolve a disciplina no Brasil. Também a didática na exposição dostemas e a precisão da linguagem foram preocupações constantes quando daelaboração do texto, haja vista a desordem (tanto de método quantoterminológica) ainda presente em vários manuais da matéria entre nós. Se,por um lado, essa tarefa exigiu considerável esforço, por outro,proporcionou a mim dois enormes prazeres: o de revisitar a doutrinarespectiva (nacional e estrangeira) e o de poder ir além. Faltava, creio, no

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Brasil, obra a investigar o DIPr nacional com os temas que lhe são própriose alheia às meras ilações históricas e questões que sabidamente não lhedizem respeito. Aqui, por fim, o resultado que entrego aos estimadosleitores.

Para encerrar esta introdução, cabe uma reflexão final. Sabe-se que naEuropa o DIPr é vivido e sentido na prática dos tribunais diuturnamente,por se tratar de um continente em que milhares de pessoas mantêm relaçõescivis e empresariais de diversa índole, com conexão internacional. Tal fatopossibilita, indubitavelmente, a criação de farta jurisprudência sobreinúmeras questões da matéria naquele continente. No Brasil, no entanto,assim como nos demais países da América Latina, têm sido raros osleading cases a envolver o DIPr se comparados às ações diuturnamentepropostas com fundamento exclusivamente no Direito interno, o que éfacilmente constatado procedendo-se a rápida pesquisa no foro em geral.Das milhares de ações judiciais decididas todos os dias em nosso país,apenas uma ou outra diz respeito a um caso relativo ao tema, o queimpossibilita, na prática, a formação de sólida jurisprudência sobre oconflito de leis entre nós. O que nos resta? A priori, fica ao jusprivatistainternacional brasileiro a missão de propor, ao menos em nível teórico,soluções para os problemas de DIPr apresentados. É dizer: ainda que nãose tenha material jurisprudencial suficiente para compreender, na prática,cada ponto controverso da disciplina, ao menos no plano acadêmico épossível buscar respostas aos problemas que o assunto apresenta. Estaobra, portanto, tem a exata finalidade de contribuir nesse sentido.

Espero, enfim, que este livro possa ser bem recebido pelos estudantes,professores e profissionais do direito brasileiro, para que nele tenham umreferencial seguro de compreensão dos temas afetos ao nosso DIPr. Emespecial, meus sinceros agradecimentos ao Grupo GEN e à EditoraForense, seus Diretores e Superintendentes, pela confiança depositada nesteProfessor para que levasse a cabo esta obra.

Cuiabá, maio de 2017.

O Autor

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*

**

A propósito, v. MEIJERS, Eduard Maurits. L’histoire des principes fondamentaux dudroit international prive a partir du Moyen Âge spécialement dans l’EuropeOccidentale. Recueil des Cours, vol. 49 (1934-III), p. 543-686; e MEIJERS, EduardMaurits. Études d’histoire du droit international privé (I – Contribution àl’histoire du droit international privé et pénal en France et dans les Pays-Bas auxXIIIe et XIVe siècles; II – Nouvelle contribution à la formation du principe deréalité). Trad. Pierre Clément Timbal & Josette Metman. Paris: Centre National dela Recherche Scientifique, 1967.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I. 9. ed. rev. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1968, p. 14 [o grifo é do original].

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1.1.11.21.3

2.3.

3.13.23.3

4.

1.1.11.2

Sumário

Abreviaturas e Siglas Usadas

PARTE IPARTE GERAL

Capítulo IDIREITO INTERNACIONAL PRIVADO,

DIREITO INTERTEMPORAL E DIREITO UNIFORME

Colocação do problemaAbertura legislativa e função do DIPrInteração legislativa globalDIPr e direitos humanos

DIPr e direito intertemporalDIPr e direito uniforme

Impossibilidade de uniformização totalUniformização regional e globalDiferenças de fundo

Perspectiva

Capítulo IINOÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Conceito de DIPrO “elemento estrangeiro”Conflitos interestaduais

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1.31.41.51.6

2.2.12.2

3.3.13.2

4.5.

5.15.25.3

1.2.

2.12.22.3

3.3.13.23.3

4.

Discricionariedade estatalMissão principal do DIPrA questão da nomenclaturaNecessidade de divergência entre normas estrangeiras autônomase independentes

Objeto e finalidade do DIPrObjeto do DIPrFinalidade do DIPr

Posição do DIPr nas ciências jurídicas (taxinomia)O DIPr é direito interno ou internacional?O DIPr versa matéria afeta ao direito privado ou ao direitopúblico?

Conflitos de leis estrangeiras no espaçoDireito Internacional Privado brasileiro

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDBEstatuto pessoal no DIPr brasileiroEstatuto pessoal no Código Bustamante

Capítulo IIIFONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

IntroduçãoFontes internas

Constituição e leisCostume nacionalDoutrina e jurisprudência interna

Fontes internacionaisTratados internacionaisCostume internacionalJurisprudência internacional

Conflitos entre as fontes

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4.14.2

1.1.11.21.31.4

2.2.12.2

3.4.

4.14.24.34.4

5.

1.1.11.21.3

2.2.1

Conflitos entre fontes de categorias distintasConflitos entre fontes de mesma categoria

Capítulo IVTEORIA GERAL DAS NORMAS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Normas indicativasNormas diretas e indiretasHipótese e disposiçãoLex fori e lex causaeCategorias de normas indicativas

Conflitos das normas de DIPr no espaçoConflito espacial positivoConflito espacial negativo (teoria do reenvio)

Conflitos das normas de DIPr no tempoAplicação substancial das normas de DIPr

Problema das qualificaçõesConflito de qualificaçõesQuestão préviaAdaptação ou aproximação

Remissão a ordenamentos plurilegislativos

Capítulo VELEMENTOS DE CONEXÃO

Elemento e objeto de conexãoDiferenças de fundoProcedimento de localizaçãoConcurso de elementos de conexão

Espécies de elementos de conexãoConexões pessoais

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2.22.32.42.5

3.3.13.2

4.4.14.24.34.44.54.64.7

5.

1.2.3.4.5.

1.1.11.2

Conexões reais (territoriais)Conexões formaisConexões voluntáriasConexões delituais

Qualificação dos elementos de conexãoQualificação pela lex causaeConflito positivo e negativo

Principais elementos de conexãoTerritórioNacionalidadeDomicílioVontade das partesLugar do contratoA lex foriReligião e costumes tribais

Conflitos móveis (sucessão de estatutos)

Capítulo VIDIREITOS ADQUIRIDOS NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

EntendimentoEfeitos dos direitos adquiridosLimites da lex foriElementos para o reconhecimentoDireitos adquiridos no DIPr brasileiro

Capítulo VIIAPLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO PELO JUIZ NACIONAL

Dever de aplicação do direito estrangeiro indicadoA questão da competênciaImposição legal de aplicação do direito estrangeiro

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1.32.

2.12.22.32.42.52.6

2.7

3.3.13.2

4.4.14.24.34.44.54.64.74.8

5.6.

1.

Norma estrangeira como direito (não como fato)Aplicação direta da lei estrangeira

Aplicação ex officioProva do direito estrangeiroLei estrangeira como paradigma para recursos excepcionaisAnálise e interpretação da lei estrangeiraAplicação errônea da lei estrangeira e recursos cabíveisControle de constitucionalidade da lei estrangeira (conforme aConstituição do Estado estrangeiro)Controle de convencionalidade da lei estrangeira (conforme asnormas internacionais em vigor no Estado estrangeiro)

Impossibilidade de conhecimento da lei estrangeiraRejeição da demanda ou aplicação da lex fori?Solução do direito brasileiro

Limites à aplicação do direito estrangeiroDireitos fundamentais e humanosOrdem públicaNormas de aplicação imediata (lois de police)Fraude à leiPrélèvement (favor negotii)ReciprocidadeInstituições desconhecidasNorma mais favorável à pessoa

Homologação de sentenças estrangeirasConclusão

Capítulo VIIIDIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PÓS-MODERNO

Introdução

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2.3.

3.13.23.33.4

4.

1.2.3.

1.2.3.4.5.6.7.8.

8.18.28.38.4

Diálogo com Erik JaymeO novo DIPr e os valores pós-modernos

Pluralismo (diversidade cultural)ComunicaçãoNarraçãoRetorno dos sentimentos

Conclusão

PARTE IIPARTE ESPECIAL

Capítulo IDIREITO CIVIL INTERNACIONAL

Leis aplicáveisOrientação legislativaPlano da Parte Especial

Capítulo IIDOS BENS

IntroduçãoRegra lex rei sitaeQualificação dos bensBens em trânsitoConflitos móveisNavios e aeronavesLei aplicável ao penhorTráfico ilícito de bens culturais

ConceitoLei aplicávelA questão do possuidor de boa-féNormas de aplicação imediata

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1.2.

2.12.22.3

3.3.13.23.33.43.53.63.73.8

4.4.14.2

5.5.15.25.35.4

6.6.16.2

6.3

Capítulo IIIDIREITO DE FAMÍLIA

Normas geraisEsponsais

Qualificação dos esponsaisLei aplicável segundo a LINDBRegra do Código Bustamante

CasamentoCapacidade para casarCasamento realizado no BrasilCasamento realizado no exteriorCasamento consularCasamento por procuraçãoLei aplicável ao regime de bensEfeitos pessoais do casamentoInvalidade do casamento

DivórcioDivórcio consensual consularDivórcio consensual puro e qualificado

Relações parentaisGuarda de filhosDireito de visitaAlimentosSequestro internacional de crianças

Adoção internacional de menoresA questão da nacionalidadeConvenção Interamericana sobre Conflito de Leis em Matéria deAdoção de Menores (1984)Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em

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1.2.

2.12.22.3

3.4.5.6.7.

7.17.2

1.2.3.4.

4.14.24.34.4

5.6.

Matéria de Adoção Internacional (1993)

Capítulo IVDIREITO DAS SUCESSÕES

IntroduçãoRegra geral da LINDB

Princípio da universalidade sucessóriaDesuso (de facto) e insubsistência (de jure) da regraBens imóveis localizados no estrangeiro

Sucessão de bens de estrangeiros situados no PaísCapacidade para sucederAutonomia da vontadeExceção à unidade sucessória em razão de créditos locaisExecução de testamento celebrado no estrangeiro

Lei aplicável à formaLei aplicável à substância

Capítulo VOBRIGAÇÕES E CONTRATOS

IntroduçãoObrigação proveniente de contratoObrigação no exterior destinada à execução no BrasilObrigações por atos ilícitos

Regra lex loci delicti commissiTratados internacionaisFlexibilização pela lex damniObrigações ex lege

Autonomia da vontadeConvenção da ONU sobre contratos de compra e venda internacional demercadorias

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1.2.3.4.5.6.

6.16.26.36.4

7.

Capítulo VIESTATUTO DAS PESSOAS JURÍDICAS

IntroduçãoLei aplicávelNacionalidadeReconhecimento e funcionamentoLimites de operação no BrasilInsolvência transnacional

EntendimentoSistemas territorial e universalRegime jurídico nacionalPropostas de harmonização

Conclusão

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXOS

Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942Projeto de Lei do Senado nº 269, de 2004Convenção de Direito Internacional Privado (1928)Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional

Privado (1979)

OBRAS DO AUTOR

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Abreviaturas e Siglas Usadas

ADI – Ação Direta de InconstitucionalidadeAgRg – Agravo Regimental

AREsp. – Agravo em Recurso Especialart. – artigo

arts. – artigosatual. – atualizada (edição)Cap. – Capítulo

CF – Constituição FederalCf. – Confronte/confrontarCIJ – Corte Internacional de Justiçacit. – já citado(a)

Coord. – coordenador/coordenadoresCPC – Código de Processo CivilDIPr – Direito Internacional PrivadoECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

ed. – edição/editoretc. – et cetera

EUA – Estados Unidos da AméricaHC – Habeas CorpusIDI – Institut de Droit International (Instituto de Direito Internacional)

LICC – Lei de Introdução ao Código CivilLINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Min. – Ministro(a)OEA – Organização dos Estados AmericanosOrg. – organizador/organizadores

p. – página(s)

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Rel. – RelatorREsp. – Recurso Especial

RTJ – Revista Trimestral de Jurisprudênciass. – seguintes

STF – Supremo Tribunal FederalSTJ – Superior Tribunal de Justiça

t. – TomoTrad. – tradução

Uncitral –United Nations Commission for International Trade Law(Comissão das Nações Unidas para o Direito do ComércioInternacional)

Unidroit – International Institute for the Unification of Private Law(Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado)

v. – vide/verv.g. – verbi gratia/por exemplovol. – volume

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Parte I

Parte Geral

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1.

Capítulo I

Direito Internacional Privado,Direito Intertemporale Direito Uniforme

Colocação do problema

As relações humanas, já há muito tempo, têm ultrapassando todas asfronteiras terrestres, espraiando-se pelos quatro cantos do planeta. Tal éreflexo do caráter cosmopolita do homem, que necessita incessantementemanter relações e intercâmbios ao redor do globo, seja no plano social(familiar, cultural, científico, artístico etc.) ou do comércio (de que éexemplo a sedimentação dos usos e costumes comerciais internacionais,que se convencionou chamar lex mercatoria).1 De fato, não passadesapercebido de qualquer observador a constância diária em que serealizam atos ou negócios jurídicos para fora de uma dada ordemdoméstica, especialmente em razão dos avanços dos meios de transporte(com ênfase especial ao transporte aéreo) e das comunicações em geral(v.g., do rádio, da televisão, do telefone e, principalmente, da Internet).2

Atualmente, pode-se mesmo dizer que as fronteiras e os limites de umdado Estado existem somente para si, não para as relações humanas, quediuturnamente experimentam a movimentação de milhares de pessoas aoredor da Terra. Contratos são concluídos, todos os dias, em várias partes domundo, por pessoas de nacionalidades distintas; consumidores de um país,

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1.1

sem ultrapassar qualquer fronteira, adquirem produtos do exterior pelocomércio eletrônico; pessoas viajam diuturnamente a turismo e a negóciopara outros países; enfermos buscam tratamento médico especializado noexterior; estudantes de um país fazem intercâmbio para estudar em outro;casamentos entre estrangeiros são realizados em terceiros Estados;sentenças proferidas num país são homologadas em outros; sucessões debens de estrangeiros situados no país são constantemente abertas;sociedades comerciais estabelecem filiais ou sucursais em outros Estadosetc. Todos esses fatores somados demonstram claramente uma crescente“internacionalização” das relações sociais, especialmente no contexto atualde um mundo cada vez mais “circulante”.3

Dessas relações, porém, estabelecidas para fora de uma dada ordemjurídica – relações interconectadas, portanto, com leis estrangeirasautônomas e independentes –, nascem sempre problemas que têm comodestinatário final o Poder Judiciário. Este é que deverá resolver a quaestiojuris apresentada, dando a cada um o que lhe é devido: suum cuiquetribuere. Para chegar a esse desiderato, porém, deve o juiz do foropercorrer um caminho espinhoso, cheio de desafios e problemas dos maisdiversos (relativos, v.g., à pesquisa do teor e vigência de certa normaestrangeira, à sua devida aplicação ao caso concreto etc.). Esse “caminho”que deve o Judiciário percorrer, quando presente uma questão jurídicainterconectada com leis de distintos países, em nada se assemelha à viaordinariamente empregada para a resolução de uma questão tipicamenteinterna, merecendo, só por isso, a devida atenção dos juristas.

O estudo que ora se inicia tem por finalidade compreender esse“caminho” que há de percorrer o Poder Judiciário – sempre que competentepara tanto, nos termos das regras do Direito Processual Civil4 – pararesolver as questões sub judice interconectadas com leis estrangeirasautônomas e independentes, missão própria da disciplina versada nestelivro.

Abertura legislativa e função do DIPr

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Toda vez que uma relação jurídica se perfaz entre ordens jurídicasdistintas, pode nascer (e, via de regra, nasce) o problema relativo aosconflitos de leis no espaço. Isso se dá pelo fato de terem todos os Estados(em razão de fatores históricos, econômicos, sociais, políticos e culturais)suas próprias legislações domésticas, em tudo dessemelhantes umas dasoutras. Ao passo, porém, que as leis internas dos Estados se mantêmdistintas e autônomas, as pessoas, movidas por vários impulsos, extrapolamfronteiras, despreocupadas com o que está a disciplinar cada qual dessasleis.5 Assim, não há dúvida que é imensa a probabilidade de existir conflitonormativo entre as diversas ordens estatais, quando em jogo uma relaçãojurídica concluída nesse contexto.

Se os Estados, porém, não estivessem dispostos a “abrir” suaslegislações à aceitação da eficácia de uma norma estrangeira em sua ordemjurídica, tais conflitos espaciais de leis estrangeiras não existiriam, eisque, nesses casos, apenas a lei do foro, a lex fori, seria unilateralmenteaplicada (sabendo-se já da insuficiência do critério unilateral para resolvertodas as questões jurídicas interconectadas que a pós-modernidadeapresenta). Se assim procedessem os Estados, as soluções para os casosconcretos sub judice (presentes “elementos de estraneidade” em taisrelações jurídicas) poderiam ser extremamente injustas,6 dada aimpossibilidade de se localizar o real “centro de gravidade” (ou “ponto deatração”) da questão em causa,7 notadamente no momento atual, em que sebusca cada vez mais garantir a diversidade cultural e os direitos daspessoas em geral.8 A propósito, já dizia Beviláqua que “se os Estados emsuas leis procuram realizar o direito, e no caso questionado as suas leis sãoinsuficientes ou inadequadas e é a lei estrangeira que revela o direito, ela éque deve ser aplicada”.9 Daí a razão, em suma, de os Estados aceitarem“abrir” o seu direito interno ao ingresso de normas estrangeiraspotencialmente aplicáveis em sua ordem jurídica.

Ao tempo que os Estados consentiram em abrir suas legislações aoingresso e à eficácia de normas estrangeiras perante o foro doméstico,nasceu, contudo, o problema em estabelecer qual a mais apropriada ordematrativa da relação sub judice, presente um elemento de estraneidade narelação jurídica. Em outras palavras, a multiplicidade de relações jurídicas

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envolvendo ordens estatais diversas – que contam, sabe-se, com umapluralidade imensa de fontes normativas – fez nascer o problema decisivodas opções a serem tomadas para resolver a questão da aplicação de maisde uma lei a um mesmo caso concreto. Daí terem a Ciências Jurídicascriado, para a sua resolução, um conjunto regras capazes de coordenar asrelações estabelecidas entre essas ordens contradizentes no espaço,denominado Direito Internacional Privado.10 Sua missão é escolher, dentreas ordens jurídicas em jogo, a que mais se aproxima da questão sub judice,a que com ela mantém contato mais forte e mais estreito.11

Interação legislativa global

O DIPr – cuja função precípua é determinar em que condições jurídicaspode ser resolvido o problema antinômico entre ordenamentos diversos,para o que busca a conexão mais próxima com a questão sub judice – édisciplina agregadora das legislações dos distintos Estados, vez quepermite aos juízes de todo o mundo conhecer e aplicar (sem qualquernecessidade de “incorporação” ou “transformação”) normas estrangeirasvigorantes em contextos dos mais variados, quer sob a ótica política,social, cultural ou econômica. Sem o DIPr, as legislações internas seriam(como são) incompletas para reger as situações jurídicas interconectadas noespaço, bem assim aos operadores do direito não seria dada a oportunidadecasual de conhecer a normativa (produto da cultura) de diversos países domundo.

Essa característica do DIPr autoriza falar na existência de umaverdadeira “interação legislativa” em nível global, hoje cada vez maiscrescente, cuja consequência marcante é fazer conhecer aos rincões maisdistantes do planeta a cultura jurídica de um povo em dado momentohistórico. Como consequência, quanto mais “circulam” ao redor do mundoessas legislações, também se propagam – como ensina Jacob Dolinger – acompreensão da diversidade, o respeito pelo desconhecido e a tolerânciapara com o estranho, possibilitando maior aproximação entre todos ospovos.12 Como já dizia Beviláqua, o DIPr permite, assim, que o direito se

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despoje “das prevenções mesquinhas que ainda o maculam, para colher, nassuas malhas, os interesses da humanidade”.13

Por outro lado, essa interação normativa tem também permitido aoslegisladores nacionais adaptarem o seu direito interno em razão dauniformização extraconvencional do DIPr. De fato, à medida que se vãocomparando as legislações de todo o mundo, por meio da aplicação denormas estrangeiras em contextos extraestatais, os Estados também passama incorporar, de certa maneira, o conhecimento do conteúdo da normaestranha (com o apoio decisivo da doutrina, é certo) para, pouco a pouco,adaptar o seu sistema jurídico ao da maioria, o que faz nascer, de formasalutar, a uniformização extraconvencional das principais regras de DIPr.Essa é, inclusive, a meta sempre perseguida pelo DIPr: coordenar asdiferentes legislações para o fim de harmonizar, tanto quanto possível, a suaaplicação nos Estados.

Ademais, destaque-se ser o DIPr a única disciplina jurídica que permiteter uma norma interna expressão transfronteira, atribuindo ao direito estatalíndole nitidamente exterior. Em razão das normas do DIPr, a legislação deum dado Estado, que, a priori, é promulgada para ter efeitos eminentementeinternos, tem a potencialidade de ultrapassar as fronteiras nacionais paraver-se aplicada em ordem jurídica em tudo distinta, graças aos elementosde conexão existentes nesse ramo do Direito. Trata-se daquilo que MachadoVillela chamou de “direito interno internacionalmente relevante”,14 e que, aseu turno, Rodrigo Octavio nominou “transbordamento” da eficiência da leipara além das fronteiras naturais do Estado.15

DIPr e direitos humanos

O DIPr, para falar como Haroldo Valladão, é o “anjo da guarda” doscidadãos ao redor do mundo, viajantes, estrangeiros, pessoas de origens edomicílio diversos.16 Esse seu mister já demonstra a nobreza da disciplina,que há de visar, sobretudo, à proteção das pessoas ao redor do mundo, nãoobstante aparentar ser um método frio, até prepotente, de localização danorma jurídica aplicável à relação sub judice. No fundo, porém, a técnica

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que utiliza o DIPr para a localização da norma aplicável deve obediência avalores e princípios maiores, ligados à proteção das partes (seres humanos)no processo, estabelecidos tanto pela Constituição quanto por instrumentosinternacionais de direitos humanos ratificados e em vigor no Estado.17

Tal não significa, contudo, ter o DIPr soluções perfeitas para osproblemas que lhe são postos. Trata-se, evidentemente, de ramo imperfeitodo direito, exatamente por lidar com a aplicação ou o reconhecimento denormas estranhas à lex fori.18 Mesmo assim, ainda que imperfeito, deve oDIPr, atualmente, se esforçar ao máximo em resolver os conflitos de leisestrangeiras no espaço com vistas sempre voltadas à consideração de quehá pessoas por detrás das regras em conflito; há seres humanos que sãodotados de dignidade e direitos e que merecem uma solução justa eharmônica para o seu problema.19

Estão ultrapassadas, portanto, as teorias que viam nas regras deconflitos a solução única para o problema posto, por não levarem em contavalores maiores (hoje bem conhecidos, constitucional e internacionalmente)ligados à dignidade de toda pessoa envolvida na relação jurídica. Daí atendência, nos últimos tempos, para que ao lado das normas de tipoclássico também operem outras mais abertas ou flexíveis, capazes deconceder ao juiz melhores condições para a localização da conexãoadequada.20

Destaque-se que Beviláqua, já em 1909, numa época em que não sefalava propriamente em “direitos humanos” com a conotação que hoje setem, afirmava que esse espírito de humanismo e de universalismo quepermeia as relações privadas internacionais “vivifica o direitointernacional privado” e “não se opõe ao desenvolvimento autônomo dasnacionalidades e dos direitos nacionais”.21

Não é difícil perceber, portanto, o notável valor que têm os direitoshumanos para o DIPr na pós-modernidade, especialmente ao se reconhecerque, mesmo no caso de relações privadas que ultrapassam fronteiras, ovalor da dignidade da pessoa humana há de ser sempre preservado.22 Defato, o valor dos direitos humanos, na pós-modernidade, se espraia portodos os ramos do Direito, não sendo diferente com o DIPr. Na medida em

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que as normas de DIPr da lex fori indicam uma dada ordem jurídica a seraplicada à relação sub judice, subentende-se que essa ordem indicada devaregular a questão principal pautada nos valores constitucionais (direitosfundamentais) e internacionais (direitos humanos) relativos à proteção doscidadãos, sem o que o DIPr contemporâneo não atenderia à sua funçãoprecípua, que é resolver, com harmonia e justiça, o conflito sub judice deleis no espaço com conexão internacional.23 Como destaca FernándezRozas, o DIPr contemporâneo tem superado a sua concepção meramentelocalizadora (formalista) para atingir uma dimensão de caráter material,voltada, sobretudo, à realização da justiça.24

Nesse sentido, têm merecido cada vez mais destaque no DIPr –servindo tanto a título de ordem pública (v. Cap. VII, item 4.2, infra)quanto a título de normas imperativas (v. Cap. VII, item 4.3, infra) – opapel das convenções internacionais de direitos humanos em vigor noEstado, as quais são capazes de balizar a aplicação do método tradicional,tornando-o mais próximo do ideal de justiça no caso concreto,especialmente quando se leva em conta que a principal fonte interna doDIPr – a lei – cede perante o comando dos tratados internacionais em vigor(v. Cap. III, item 3.1, infra).25 De fato, atualmente, como observa ErikJayme, já é possível constatar que as referências aos direitos humanos“figuram cada vez mais no grande número de argumentos utilizados pararesolver os litígios internacionais”.26

Em suma, o DIPr contemporâneo não pode escapar ao respeito dosvalores dos direitos fundamentais (constitucionais) e dos direitos humanos(internacionais), que conferem suporte axiológico e permeiam todo osistema de justiça estatal, ampliando a sua missão tradicional de meralocalização da lei aplicável às questões jurídicas interconectadas, rumo auma técnica mais elaborada (e, sobretudo, mais justa) de solução deconflitos normativos, na qual se respeitam a Constituição e as normasinternacionais de direitos humanos, humanizando a relação jurídica.

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2. DIPr e direito intertemporal

Não há que se confundir o DIPr com o chamado Direito Intertemporal,que visa resolver conflitos de leis no tempo (retroatividade,irretroatividade e ultra-atividade das leis),27 definindo a incidência de leisestáticas sobre uma realidade que persiste em momentos que se sucedem,28

ou ainda regulando a relação de uma nova lei com fatos já encerrados ecom relações jurídicas contínuas, iniciadas antes de sua entrada em vigor.29

No caso do DIPr, ao contrário, a questão é espacial, não temporal, pois oque se visa regular são os fatos em conexão espacial com normasestrangeiras divergentes.

Não há dúvidas de que esses dois métodos – do DIPr e do DireitoIntertemporal – têm em comum o fato de resolverem problemas relativos àaplicação (aos “conflitos”) das normas jurídicas, de serem “direito sobredireitos” ou “normas sobre aplicação de normas”, ao que se pode dizerserem técnicas interligadas de resolução de antinomias. Ademais, comodestaca Ferrer Correia, “ambos têm como objetivo garantir a estabilidade econtinuidade das situações jurídicas interindividuais e, assim, tutelar aconfiança e as expectativas dos interessados”.30 O DIPr, contudo, é maisamplo que o Direito Intertemporal, à medida que resolve conflitosnormativos entre diversos sistemas jurídicos, enquanto aquele temaplicação apenas no que tange às divergências temporais ocasionadas numdado e único sistema normativo.

O que se acabou de dizer, porém, não invalida a existência de conflitosentre as normas de DIPr no tempo. Perceba-se: o DIPr não regula questõesintertemporais, matéria afeta ao Direito Intertemporal, senão apenas osconflitos de leis estrangeiras no espaço; o que não significa, contudo, queentre as próprias normas do DIPr não possam surgir conflitos temporais,como se verá oportunamente (v. Cap. IV, item 3, infra).

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3. DIPr e direito uniforme

Também não há que se confundir o DIPr com o chamado DireitoUniforme. Este último – que é direito, diferentemente do DIPr, que é direitosobre direitos – é formado por tratados internacionais que visam, como oseu próprio nome diz, uniformizar as soluções jurídicas relativamente a umdeterminado tema de direito (cambial, tributário, marítimo, de família etc.).Tal se dá pelo fato de os Estados reconhecerem que a aplicação única eexclusiva de suas leis domésticas de DIPr tem impedido, especialmente noatual contexto, em que os contatos e as transações internacionaismultiplicam-se a cada dia, a desejada uniformização das regras conflituaissobre determinados temas.

Para que a uniformização abrangesse todo o planeta, contudo,necessário seria criar um poder central internacional, capaz de solucionaras controvérsias existentes, independentemente de aceite dos Estados (o queaté o presente momento não existe). Tal o motivo pelo qual o DireitoUniforme – talvez melhor nominado, como pretende Jacob Dolinger,Direito Uniformizado31 – verse apenas certos temas de interesse dosEstados. Estes, ainda, podem ou não ratificar os tratados respectivos, o quedeixa espaço, como se vê, para que os demais conflitos normativos comconexão internacional continuem a ser resolvidos pelas regras do DIPr decada um deles.32

Seja como for, certo é que a ideia de uniformização do DIPr não é nova,tendo já aparecido na sessão de Genebra do Institut de Droit Internationalde 1874, na qual se reconheceu “a evidente necessidade e mesmo, em certasmatérias, a necessidade de tratados nos quais os Estados civilizadosadotem de comum acordo regras obrigatórias e uniformes de direitointernacional privado, pelas quais as autoridades públicas e, especialmente,os tribunais dos Estados contratantes, devem decidir as questões relativasàs pessoas, aos bens, aos atos, às sucessões e aos procedimentos ejulgamentos estrangeiros”.33

Desde então se pretende uniformizar, com as dificuldades que lhe são

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próprias, as regras de DIPr nas relações entre jurisdições diversas. Taluniformização, contudo, aponta dificuldades e desafios que merecem devidaanálise.

Impossibilidade de uniformização total

É verdade que se o Direito Uniforme conseguisse resolver todos osproblemas jurídicos do mundo, uniformizando todas as regras relativas àsquestões de direito internacional privado, faria desaparecer as normasdomésticas sobre conflitos de leis, e, assim, o próprio DIPr, já que nãomais seria necessário indicar a lei aplicável nos casos de conflitos denormas estrangeiras interconectadas.34 Seria também possível que um dadoEstado se recusasse a editar normativa interna de DIPr, por reconhecer queas regras que a sociedade internacional cria em conjunto (por meio detratados internacionais) trazem mais certeza e segurança relativamente àuniformização do direito aplicável em casos de conflitos de leis, quando,então, ter-se-ia um Estado sem qualquer regra doméstica a regular o DIPr,mas obrigado por normas internacionais de direito uniforme (ratificadas eem vigor) disciplinadoras de uma vontade comum. Assim, onde houvesseum Direito Uniforme convencionado não haveria a necessidade, sequer apossibilidade, de continuar operando o DIPr.35

Dada, porém, a dificuldade (para não dizer a total impossibilidadeprática) disso vir a ocorrer em âmbito universal,36 parece evidente que oDIPr continua a subsistir como ramo especializado das Ciências Jurídicas,o que não retira, porém, a importância das normas internacionaisuniformizadoras, hoje em dia cada vez mais em voga.37 A isso se acrescentao fato de que determinadas matérias – especialmente de Direito Civil,como, v.g., direito das coisas, das obrigações, de família e das sucessões –são de uniformização complexa, pois ligadas a aspectos ético-jurídicos emtudo dessemelhantes de cada comunidade estadual, dos quais não sepretende abrir mão em nome da uniformização.38

Assim, em razão da falta de consenso sobre as soluções dos problemasjurídicos plurilocalizados, a prática dos Estados tem continuado a

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estabelecer regras que entende justas ao deslinde das questões de DIPr,nominadas regras de conflitos.39

Uniformização regional e global

Sobre o Direito Uniforme relativo à matéria do direito internacionalprivado merecem destaque, no contexto regional interamericano, as váriasConvenções Interamericanas de Direito Internacional Privado, fruto dasConferências Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs),40

que visam uniformizar temas importantes e controvertidos do DIPr, taiscomo: conflitos de leis em matéria de letras de câmbio, notas promissórias

e faturas (CIDIP-I, Panamá, 1975);normas gerais de DIPr; eficácia extraterritorial das sentenças elaudos arbitrais estrangeiros; prova e informação do direitoestrangeiro; conflito de leis em matéria de sociedades mercantis;conflito de leis em matéria de cheques; domicílio das pessoasfísicas em DIPr; cartas rogatórias (CIDIP-II, Montevidéu, 1979);competência na esfera internacional para eficácia extraterritorialdas sentenças estrangeiras; personalidade e capacidade jurídicas depessoas jurídicas no DIPr; conflito de leis em matéria de adoção demenores (CIDIP-III, La Paz, 1984); e direito aplicável aos contratosinternacionais (CIDIP-V, Cidade do México, 1994).41

Em matéria de responsabilidade civil extracontratual, cabe lembrar, noâmbito do Mercosul, o Protocolo de São Luiz sobre Matéria deResponsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre osEstados-partes do Mercosul, de 25 de junho de 1996 (e a respectiva Errata,de 19 de junho de 1997).42 O Protocolo estabelece o direito aplicável e ajurisdição internacionalmente competente em casos de responsabilidadecivil emergente de acidentes de trânsito ocorridos no território de umEstado-parte, nos quais participem, ou dos quais resultem atingidas,pessoas domiciliadas em outro Estado-parte (v. Parte II, Cap. V, item 4.2,infra).

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No plano global, por seu turno, cabe destacar a atuação de váriosorganismos intergovernamentais, dos quais os mais importantes, para auniformização do DIPr, atualmente, são: a Uncitral (United NationsCommission for International Trade Law); o Unidroit (International Institutefor the Unification of Private Law); e a Conferência da Haia sobre DireitoInternacional Privado (que atua desde 1893). Esta última – cujo objetivo,nos termos do art. 1º do seu Estatuto, é “trabalhar para a unificaçãoprogressiva das regras de direito internacional privado” – tornou-se o maisimportante foro intergovernamental global para a unificação do DIPr.43

Ambas essas organizações têm elaborado considerável gama deconvenções internacionais sobre assuntos específicos em matéria conflitual,com aceitação de grande número de Estados.

Diferenças de fundo

Parece correto dizer que só o DIPr é capaz de regular os conflitos deleis no espaço com conexão internacional, eis que se o assunto for reguladopor normas de Direito Uniforme, não se terá mais o “conflito” de leis,objeto de regulação do DIPr, pois o cumprimento do tratado ratificado –nos termos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 –é uma obrigação dos Estados, que retira qualquer possibilidade de“escolha” da ordem jurídica (nacional ou estrangeira) aplicável ao casoconcreto, para “impor” a solução encontrada no instrumento respectivo. Talnão significa, contudo, que não possam existir normas de DIPr, alheias aoDireito Uniforme, expressamente previstas em tratados internacionais.

Como se percebe, não se confunde o DIPr com o Direito Uniforme,pois, enquanto aquele visa resolver (indiretamente, indicando qual leivalerá em primeiro grau) os conflitos de leis no espaço com conexãointernacional, este último pretende suprimir os conflitos existentes, pormeio da criação de regras (decorrentes de tratados) uniformes entre osEstados; as regras do primeiro são indiretas, pois apenas “indicam” oordenamento jurídico (nacional ou estrangeiro) aplicável ao caso concreto,enquanto que as do segundo são diretas, disciplinando imediatamente a

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questão jurídica sub judice.44

O Direito Uniforme não pertence ao DIPr, não sendo a recíproca,porém, verdadeira. O DIPr é parte, pode-se dizer, do Direito UniformeGeral, uma vez que este último tem por finalidade uniformizar as várias leisdivergentes no mundo e, em última análise, as inúmeras leis internas deDIPr.45 Ademais, o DIPr pode sempre servir como alternativa à tentativa deunificação do direito substancial, pois, como explica Erik Jayme, suaaplicação pode permitir a integração de pessoas em um espaço econômicosem fronteiras, garantindo-se as mesmas condições de liberdade noexercício de suas atividades econômicas.46

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4. Perspectiva

Dada a dificuldade prática (ou verdadeira impossibilidade) deestabelecimento de um Direito Uniforme para a resolução de todas asquestões relativas aos conflitos de normas estrangeiras interconectadas, asolução até agora encontrada tem sido atribuir ao direito interno dosEstados a competência primária para a edição de normas indicativas.

A técnica escolhida e ainda aplicada pelos Estados, enquanto nãosobrevém melhor solução, consiste em estabelecer, por meio do direitointerno, regras de solução de conflitos de leis no espaço com conexãointernacional, que vêm a ser exatamente o foco principal do DIPr. Este,como se percebe, baseia-se na extraterritorialidade das leis (nacionais eestrangeiras) e na possibilidade de sua aplicação em ordens jurídicasdistintas (aplicação da lei nacional na ordem jurídica estrangeira, e danorma estrangeira perante o direito interno). Não se poderia, de fato, pensarna sobrevivência do DIPr se não se estabelecesse, como premissafundamental, a possibilidade de aplicar extraterritorialmente o nosso direitoe, em consequência, também o direito estrangeiro perante nossa ordemjurídica.47

Apesar das novas nuances pelas quais tem passado o DIPr na era atual,a perspectiva que se tem em relação à matéria é no sentido de continuaremas soberanias a estabelecer suas próprias regras de conflitos de leis, junto,é certo, à cada vez maior participação dos Estados em convençõesinternacionais uniformizadoras, as quais, havendo antinomias, prevalecemsobre aquelas.48

Pouca coisa, porém, na ordem internacional, tem feito mudar o estilodos Estados na condução de sua política interna relativa à edição de regrasconflituais, ficando muitas das respostas do DIPr a depender de soluçõesque ainda provêm de um certo individualismo estatal, sobretudo daquelasordens que pouco (ou nada) têm buscado participar de iniciativas deintegração e uniformização da matéria.

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Seja como for, não se pode descartar o trabalho cada vez mais constantedo Direito Internacional Público em uniformizar as normas de DIPr, a fimde trazer mais estabilidade e certeza para as relações, sobretudo privadas,que diuturnamente caem na teia de legislações estrangeiras interconectadas.Não se pode, porém, desconhecer que as normas internacionais relativas àunificação das regras indicativas são (ainda) numericamente muito poucas,assim como têm sido parcas as adesões dos Estados a tais convenções, oque leva a crer que a maioria dos Estados ainda considera o DIPr,verdadeiramente, como ramo do seu direito público interno.49

V. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado. Rio de Janeiro:Jacinto Ribeiro dos Santos, 1925, p. 8-10; STRENGER, Irineu. Direito internacionalprivado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 25-26; e PINHEIRO, Luís de Lima. Direitointernacional privado, vol. I (Introdução e Direito de Conflitos – Parte Geral). 3.ed. refundida. Coimbra: Almedina, 2014, p. 24-27. Sobre a lex mercatoria e suainfluência no direito contemporâneo, v. GOLDMAN, Berthold. Frontières du droit etlex mercatoria. Archives de Philosophie du Droit, nº 9 (Le droit subjectif enquestion). Paris: Sirey, 1964, p. 177-192; GALGANO, Francesco. Lex Mercatoria:storia del diritto commerciale. Bologna: Il Mulino, 1993; STRENGER, Irineu. Direitodo comércio internacional e lex mercatoria. São Paulo: LTr, 1996; MAZZUOLI,Valerio de Oliveira. A nova lex mercatoria como fonte do direito do comérciointernacional: um paralelo entre as concepções de Berthold Goldman e PaulLagarde. In: FIORATI, Jete Jane & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coord.). Novasvertentes do direito do comércio internacional. Barueri: Manole, 2003, p. 185-223; e RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática.10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72-83.Sobre os problemas colocados pela era da Internet relativamente ao DIPr, como,v.g., o lugar para demandar e a lei aplicável à relação jurídica, v. especialmenteSVANTESSON, Dan Jerker B. Private international law and the Internet. Alphen aanden Rijn: Kluwer Law, 2007; e GILLIES, Lorna E. Eletronic commerce andinternational private law: a study of electronic consumer contracts. Hampshire:Ashgate, 2008.Para uma análise dos efeitos desse assim chamado “mundo circulante”, v. BAUMAN,Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio deJaneiro: Zahar, 1999, p. 17-33.

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A propósito, v. os arts. 21 a 25 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).Cf. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado.Salvador: Livraria Magalhães, 1906, p. 12.Cf. DIAZ LABRANO, Roberto Ruiz. Derecho internacional privado: la aplicación delas leyes extranjeras y su efecto frente al derecho. Asunción: Intercontinental,1992, p. 195-196.Sobre o tema, cf. especialmente LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans ledroit international privé contemporain: cours général de droit international privé.Recueil des Cours, vol. 196 (1986), p. 9-238; e DOLINGER, Jacob. Evolution ofprinciples for resolving conflicts in the field of contracts and torts. Recueil desCours, vol. 283 (2000), p. 187-512.Para um exemplo de injustiça na aplicação “fria” da lex fori, que não caberiareproduzir neste momento, v. Cap. VIII, item 3.1, infra.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 71.O termo foi utilizado, pela primeira vez, na obra de STORY, Joseph. Commentarieson the conflict of laws: foreign and domestic. Boston: Hilliard, Gray & Company,1834, p. 9, no seguinte trecho: “This branch of public law may be fitly denominatedprivate international law, since it is chiefly seen and felt in its application to thecommon business of private persons, and rarely rises to the dignity of nationalnegotiations, or national controversies” [grifo nosso]. Na França, a expressão foipioneiramente empregada, nove anos depois, na obra de FOELIX, M. Traité du droitinternational privé ou du conflit des lois de différentes nations en matière dedroit privé. t. 1. Paris: Joubert, 1843. Deve-se, porém, ao jurista alemão FriedrichCarl von Savigny (1779-1861) a fundação do moderno DIPr, a partir da publicaçãodo 8º volume do seu Tratado de Direito Romano, texto reconhecido como o marcona sistematização da disciplina, quando então se compreenderam o seu objeto efinalidade (cf. Traité de droit romain, t. 8. Trad. Charles Guenoux. Paris: FirminDidot Frères, 1851, 532p).V. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I. 8. reimp.Coimbra: Almedina, 2015, p. 12.DOLINGER, Jacob. Direito e amor. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 135-136.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 8.MACHADO VILLELA, Álvaro da Costa. Tratado elementar (teórico e prático) dedireito internacional privado, t. I (Princípios Gerais). Coimbra: Coimbra Editora,1921, p. 38.OCTAVIO, Rodrigo. Direito internacional privado: parte geral. Rio de Janeiro: FreitasBastos, 1942, p. 9.

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VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado: introdução e parte geral. 2. ed.rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1970, p. 4.Sobre a proteção internacional (global e regional) dos direitos humanos, v.MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 8. ed. rev.,atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 881-1021. Cf. ainda, MAZZUOLI, Valeriode Oliveira. Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos: uma análisecomparativa dos sistemas interamericano, europeu e africano. São Paulo: Ed. RT,2011, 183p; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos. SãoPaulo: Método, 2014, p. 49-152. Para um estudo comparado entre os sistemas emodelos de proteção da Europa e da América Latina, v. CARDUCCI, Michele &MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria tridimensional das integraçõessupranacionais: uma análise comparativa dos sistemas e modelos de integração daEuropa e América Latina. Rio de Janeiro: Forense, 2014, especialmente p. 43-132.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I. 9. ed. rev. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1968, p. 10; e ROCHA, Osíris. Curso de direito internacionalprivado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 6 (que o nomina “direito daimperfeição”).Daí a precisa observação de STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p.35: “Objetivando proteger o homem no plano coexistencial, respeitando suacondição de ser sociável e livre, empenha-se o direito internacional privado emconverter-se num corpo de princípios jurídicos que possa reger as manifestações daatividade humana sobre o planeta. (…) Desenvolvendo-se no espaço e no tempo,impera sobre a universal unidade dos agrupamentos humanos e protege todas asmanifestações da personalidade individual, seguindo-a em sua peregrinação atravésdas soberanias para reger em todas as partes e em todos os momentos a atividadecivil do homem, em defesa de suas aspirações, de sua liberdade, de seu bem-estar.Tal é o escopo e essência do direito internacional privado”.V. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 142.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 67.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privépostmoderne (cours général de droit international privé). Recueil des Cours, vol.251 (1995), p. 49-54; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria eprática brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 7-26; MARQUES, ClaudiaLima. Ensaio para uma introdução ao direito internacional privado. In: DIREITO,Carlos Alberto Menezes, CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto & PEREIRA, AntônioCelso Alves (Coord.). Novas perspectivas do direito internacionalcontemporâneo: Estudos em homenagem ao Professor Celso D. de AlbuquerqueMello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 325; e PINHEIRO, Luís de Lima. Direito

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internacional privado, vol. I, cit., p. 331. Para um estudo aprofundado do tema dadignidade da pessoa humana, v. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoahumana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. rev. eatual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.V. também as observações levantadas no Cap. VIII, infra.FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado enel umbral del siglo XXI. Revista Mexicana de Derecho Internacional Privado, nº9 (2000), p. 7-8: “O DIPr só pode ter uma função material, igual à de qualquer outroramo do Direito, consistente em dar uma resposta materialmente justa aos conflitosde interesses suscitados nas relações jurídico-privadas que se diferenciam porapresentar um elemento de internacionalidade”.Sobre as relações do direito interno com os tratados de direitos humanos, v.MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratadosinternacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordemjurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002; e MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. SãoPaulo: Saraiva, 2010.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 54.Sobre o assunto, v. a obra clássica de FRANÇA, Rubens Limongi. Direitointertemporal brasileiro: doutrina da irretroatividade das leis e do direitoadquirido. São Paulo: Editora dos Tribunais, 1968.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos.São Paulo: LTr, 1997, p. 15.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 43.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 46.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 6. ed. ampl. e atual.Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 35.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 28-29; e VILLELA,Anna Maria. A unificação do direito na América Latina: direito uniforme e direitointernacional privado. Revista de Informação Legislativa, ano 21, nº 83, Brasília,jul./set. 1984, p. 5-26. Sobre a aplicação dos tratados uniformizadores pelo juiznacional, v. OVERBECK, Alfred E. von. L’application par le juge interne desconventions de droit international privé. Recueil des Cours, vol. 132 (1971), p. 1-106.O texto seguiu as orientações de Mancini e Asser, tidas “como a introdução aostrabalhos ulteriores do mesmo Instituto e a base geral da obra de uniformizaçãorealizada pelas convenções da Haia” (MACHADO VILLELA, Álvaro da Costa. Tratadoelementar (teórico e prático) de direito internacional privado, t. I, cit., p. 65).

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Daí a observação de Oscar Tenório: “Somente a existência e a permanência dessesconflitos justificam e explicam o direito internacional privado. (…) Necessário queevitemos as confusões entre o direito internacional privado e o direito uniforme,pois aquele tem como fato irremovível a diversidade de legislações, e este,querendo acabar com a diversidade das leis, acabará com o próprio direitointernacional privado” (Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 37 e 44-45).Nesse exato sentido, v. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado.São Paulo: LTr, 2001, p. 61-62: “Ora, o ideal seria mesmo que se unificassem asnormas substanciais de todos os direitos privados do mundo. A esta altura, já nãohaveria a necessidade de se indicar a lei aplicável devido à unificação das própriasnormas do direito privado. Entretanto, tal cenário não deverá se concretizar em umfuturo próximo. O que temos de mais concreto é o trabalho desenvolvido nas áreaseconômicas e comerciais, onde encontram destaque os esforços empreendidos peloUNIDROIT”.V. OCTAVIO, Rodrigo. Direito internacional privado…, cit., p. 157; ROCHA, Osíris.Curso de direito internacional privado, cit., p. 23; CASTRO, Amilcar de. Direitointernacional privado. 5. ed. rev. e atual. por Osíris Rocha. Rio de Janeiro:Forense, 2001, p. 54; e FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 49-50.Como destaca Oscar Tenório: “A variedade das legislações torna muito difícil oestabelecimento de regras uniformes para todos os países. Surgem paliativos, poisos Estados não renunciam a alguns dos seus interesses em benefício da comunhãointernacional. (…) As leis que se aplicam às relações extraterritoriais dos homensnão são as mesmas nas diferentes nações, havendo necessidade da solução dosconflitos que nascem de sua dessemelhança” (Direito internacional privado, vol. I,cit., p. 10). Mais enfaticamente, assim leciona Edgar Carlos de Amorim: “Como oDireito Uniforme deveria ser o direito comum a todos os povos, podemos dizer, atémesmo com certa margem de certeza, que esse direito nunca será uma realidade enão passará de um sonho, de uma utopia. (…) O Direito Uniforme, ou melhordizendo, a uniformização do direito, conforme acabamos de frisar, ainda nãoadquiriu sentido universal. É, portanto, parcial e incompleta” (Direito internacionalprivado. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 10).Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935, p. 383-386; e STRENGER, Irineu.Direito internacional privado, cit., p. 40-41.Cf. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 93; eBATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I.2. ed. rev. e aum. São Paulo: Ed. RT, 1977, p. 57-58.Cf. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 20.

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Para uma visão dos primeiros trabalhos codificadores na América Latina, cf.VILLELA, Anna Maria. A unificação do direito na América Latina…, cit., p. 15-22.Destaque-se que nem todas as CIDIPs uniformizam questões de DIPr propriamenteditas, senão temas intrinsecamente relativos ao Direito Internacional Público. Taissão, v.g., a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional(CIDIP I); a Convenção Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores(CIDIP IV); a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado dePessoas; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violênciacontra a Mulher; e a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional deMenores (CIDIP V).Aprovado (com a respectiva Errata) pelo Decreto Legislativo nº 259, de15.12.2000, ratificado pelo governo brasileiro em 30.01.2001 e promulgado peloDecreto nº 3.856, de 03.07.2001.O Estatuto da Conferência da Haia foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativonº 41, de 14.05.1998, ratificado em 23.02.2001 (passando a vigorar para o Brasilnessa data) e promulgado pelo Decreto nº 3.832, de 01.06.2001. Para a lista detodas as convenções aprovadas pela Conferência, consultar: <www.hcch.net>. Sobreo tema, v. OVERBECK, Alfred E. von. La contribution de la Conférence de La Haye audéveloppement du droit international privé. Recueil des Cours, vol. 233 (1992-II),p. 9-98; RODAS, João Grandino & MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. AConferência da Haia de Direito Internacional Privado: a participação do Brasil.Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007; e FRANZINA, Pietro. Conferênciada Haia de Direito Internacional Privado: algumas tendências recentes. In:BAPTISTA, Luiz Olavo, RAMINA, Larissa & FRIEDRICH, Tatyana Scheila (Coord.).Direito internacional contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2014, p. 511-529.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 45; e VALLADÃO,Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 25.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 28.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 57.Cf. GOLDSCHMIDT, Werner. Derecho internacional privado: basado en la teoríatrialista del mundo jurídico. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1974, p. 4-5; eSTRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 448.V. art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (infra).Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 36 e 58; ROCHA, Osíris. Curso de direito internacional privado, cit., p.28; e JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 43-44.

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Capítulo II

Noções Preliminares ao Estudo do DireitoInternacional Privado

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1. Conceito de DIPr

O DIPr é a disciplina jurídica – baseada num método e numa técnica deaplicação do direito – que visa solucionar os conflitos de leis estrangeirasno espaço, ou seja, os fatos em conexão espacial com leis estrangeirasdivergentes, autônomas e independentes, buscando seja aplicado o melhordireito ao caso concreto. Trata-se do conjunto de princípios e regras dedireito público destinados a reger os fatos que orbitam ao redor de leisestrangeiras contrárias, bem assim os efeitos jurídicos que uma normainterna pode ter para além do domínio do Estado em que foi editada, queras relações jurídicas subjacentes sejam de direito privado ou público.1

Como se vê, o DIPr é a expressão exterior do direito interno estatal (civil,comercial, administrativo, tributário, trabalhista etc.).

A solução do DIPr para os conflitos de leis no espaço com conexãointernacional – como precisamente explica Agustinho Fernandes Dias daSilva – “está em considerar as leis conflitantes no mesmo plano de validadee pesar as conexões existentes entre elas e o caso concreto, a fim dedeterminar qual a lei que deve prevalecer, excluindo a outra, para regular arelação jurídica em apreço”. Trata-se, segundo ele, de “uma soluçãodemocrática, que respeita a autonomia legislativa dos grupos humanos,organizados em base estatal, religiosa, provincial, municipal etc.”.2

Por meio do DIPr, contudo, não se resolve propriamente a questãojurídica sub judice, eis que as suas normas são apenas indicativas ouindiretas, ou seja, apenas indicam qual ordem jurídica substancial(nacional ou estrangeira) deverá ser aplicada no caso concreto para o fimde resolver a questão principal. Assim, as normas do DIPr não irão dizer,v.g., se o contrato é válido ou inválido, se a pessoa é capaz ou incapaz, se oindivíduo tem ou não direito à herança, senão apenas indicarão a ordemjurídica responsável por resolver tais questões. Em outros termos, por nãoser possível submeter a relação jurídica a dois ordenamentos estataisdistintos, o DIPr “escolhe” qual deles resolverá a questão principal subjudice. Daí se entender ser o DIPr um direito sobre direitos (jus supra

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jura),3 pois acima das normas jurídicas materiais destinadas à resoluçãodos conflitos de interesses encontram-se as regras sobre o campo deaplicação dessas normas, ou seja, o próprio DIPr.4

Normas diretas não são, propriamente, de DIPr. Há, é certo, normasdiretas na LINDB, como a do art. 7º, § 5º, que dispõe que “[o] estrangeirocasado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência deseu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização,se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens,respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competenteregistro”. Trata-se, simplesmente, de norma direta presente no bojo (édizer, no âmbito) de uma lei atinente ao DIPr, sem, contudo, se tratar denorma estrita dessa natureza. Tout court, se a norma é direta, não pertenceao DIPr.

Como se percebe, o DIPr tem natureza semelhante ao direito processual,no sentido de não resolver propriamente a questão sub judice, servindoapenas de instrumento para que se chegue ao conhecimento da normamaterial (nacional ou estrangeira) aplicável ao caso concreto. Exatamentepor esse motivo é que se trata de ramo do direito público, tal qual o direitoprocessual, não obstante lidar com questões atinentes a particulares.5

O “elemento estrangeiro”

Para que o DIPr possa operar num processo judicial deve aparecer narelação jurídica um determinado “elemento estrangeiro” (ou “elemento deestraneidade”) conectando a questão sub judice a mais de uma ordemjurídica. Assim, sem que haja no caso concreto (a) divergência delegislações estrangeiras autônomas e independentes (v. item 1.6, infra) e(b) elementos de estraneidade que conectem a questão sub judice à ordemjurídica de mais de um Estado, não há falar na aplicação das normas doDIPr. De fato, não se fazendo presente a conexão espacial com leisestrangeiras contrárias, o problema colocado não pertence ao DIPr, poisnão ultrapassa as fronteiras de um dado Estado. Deve, em suma, o ato ou ofato jurídico estar em contato com dois ou mais meios sociais onde vigoram

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normas jurídicas autônomas e independentes, cada qual regulando à suamaneira o mesmo tema, para que possa operar o DIPr.6

Por exemplo, se dois brasileiros se casam no Brasil e aqui adquirembens e, posteriormente, pretendem desfazer a sociedade conjugal, nada deestranho há na situação, ou seja, nenhum “elemento estrangeiro” seapresenta, caso em que as normas de DIPr sequer serão suscitadas pararesolver a questão, aplicando-se, para tanto, exclusivamente as leisnacionais.

Se, por outro lado, uma brasileira se casa com um italiano na França,vindo lá a residir e a adquirir bens e, passados alguns anos, ambostransferem-se para o Brasil, aqui fixando domicílio, desejando depois, aquitambém, desfazer a sociedade conjugal, um problema de DIPr passa a sefazer presente, eis que a relação jurídica encontra-se interconectada comvários “elementos estrangeiros” (nacionalidade dos nubentes; casamentorealizado no exterior; aquisição de bens no exterior; primeiro domicílioconjugal no exterior etc.). Nesse caso, como se percebe, a relação jurídicaultrapassa as fronteiras do Estado e só pode ser resolvida com o auxílio dasregras do DIPr.

Em suma, apenas quando presente na relação jurídica determinado“elemento estrangeiro”, conectando a questão sub judice a mais de umordenamento jurídico, é que terão lugar, no processo judicial, as regras doDIPr.

Conflitos interestaduais

Destaque-se que os conflitos de leis interestaduais no espaço – v.g.,entre leis do Estado de São Paulo e de Mato Grosso, ou do Paraná e deSanta Catarina – não contêm qualquer elemento estrangeiro a justificar aaplicação das regras do DIPr, pois não são anormais os fatos suscetíveis deserem apreciados por jurisdições diversas de um mesmo país. Ainda que setenha, nesse caso, que aplicar princípios semelhantes ao do DIPr para aresolução da questão jurídica, não é propriamente o DIPr que está operando

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na relação, inexistente o elemento de estraneidade necessário à suautilização.

Ainda que no México, v.g., exista um Código Civil para cada Provínciae nos Estados Unidos os Estados-federados tenham autonomia para legislarsobre vários ramos do Direito, tal como na Suíça relativamente à autonomialegislativa dos Cantões, mesmo assim, como se vê, os conflitos normativosporventura existentes não ultrapassam as fronteiras exteriores do respectivoEstado, razão pela qual tudo há de ser resolvido pela aplicação interna doDireito interno, nada mais.7 Daí a conclusão de Niboyet de que os conflitosem matéria internacional “são aqueles que surgem entre as leis de paísesplenamente soberanos; por exemplo: os conflitos entre leis espanholas eleis francesas”.8

À vista dos conflitos interestaduais que podem vir a ocorrer em ordensjurídicas com diversas unidades territoriais, muitos tratados já trazem aexpressa determinação (por meio de “cláusula federal”) de que asremissões feitas pela norma de DIPr de um Estado às leis de outro hão deser compreendidas como respeitantes à cada unidade territorial (estadual,provincial, cantonal etc.) individualmente considerada. Nesse sentido, v.g.,o art. 19, § 1º, da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às ObrigaçõesContratuais, de 1980: “Sempre que um Estado englobe várias unidadesterritoriais, tendo cada uma as suas regras próprias em matéria deobrigações contratuais, cada unidade territorial é considerada como umpaís, para fins de determinação da lei aplicável por força da presenteconvenção”. Assim também o art. 47 (e seus dez incisos) da Convenção daHaia relativo à Competência, à Lei aplicável, ao Reconhecimento, àExecução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e deMedidas de Proteção das Crianças, de 1996: “Em relação a um Estado emque dois ou mais sistemas jurídicos ou conjuntos de regras legais no que sereferem à matéria tratada nesta Convenção aplique em unidades territoriaisdiferentes: (1) qualquer referência à residência habitual naquele Estadodeve ser interpretada como se referindo a residência habitual em umaunidade territorial; (2) qualquer referência à presença da criança nesseEstado deve ser interpretada como se referindo à presença em umaunidade territorial; (3) qualquer referência à localização do patrimônio da

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criança nesse Estado deve ser interpretada como se referindo a localizaçãodo patrimônio da criança em uma unidade territorial”, e assim por diante.

Ademais, quando se trata de conflitos interestaduais (interprovinciais,interlocais ou interpessoais), não se pode, a priori, invocar a ordempública como limite à aplicação da lei de outra unidade federada ouprovíncia; mesmo nos Estados Unidos, cujos conflitos interestaduaisaparecem com maior frequência, a ordem pública, como fator deinaplicação da lei de outro Estado federado, opera com vigor menor que emface das leis estrangeiras.9 Para além disso, não há nos conflitosinterestaduais necessidade (em verdade, possibilidade) de homologaçãodas sentenças de uma unidade federada ou província na ordem jurídica daoutra; as sentenças prolatadas num Estado federado ou província sãoexequíveis de pleno direito em todas as demais repartições territoriais doEstado, sem necessidade de qualquer validação.10

Quando há conflitos interestaduais em tais Estados ditosplurilegislativos, não será, portanto, o DIPr chamado a resolver qualquerproblema antinômico, pois o que em verdade se trata é de resolverproblemas de competência entre entes (territoriais ou pessoais) internos,para o que o próprio sistema jurídico local há de encontrar solução. Será,v.g., o direito brasileiro o responsável por disciplinar eventuais conflitoslegislativos interestatais, não qualquer norma de DIPr prevista na LINDB.

Em suma, a resolução dos conflitos interestaduais (interprovinciais,interlocais ou interpessoais, entre si) não compõe o rol de competências doDIPr, que terá lugar apenas quando presente um determinado elementoestrangeiro na relação jurídica.

Porém, nada obsta que a regra de DIPr da lex fori remeta a solução daquestão sub judice a ordenamento jurídico plurilegislativo, e que, nesseordenamento, se tenha que investigar qual lei (de que parte do território, oupertencente a que categoria de pessoas) é competente para resolvermaterialmente a contenda. Aqui, como se nota, a questão não é idêntica àanterior, pois já não se trata de conflitos entre normas internas(interprovinciais, interlocais ou interpessoais) de um Estado isoladamenteconsiderado. Trata-se, agora, de conflitos de DIPr propriamente ditos, com

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a indicação da lex causae (ordem jurídica plurilegislativa) pela regra deDIPr da lex fori a título de ordem jurídica competente para resolver a lide.Quando isso ocorrer, há critérios próprios de investigação da lei aplicávelque oportunamente serão dados a conhecer (v. Cap. IV, item 5, infra).

Discricionariedade estatal

As regras de DIPr de um Estado são por ele próprio determinadas,salvo se houver tratado em vigor prevendo solução diferente (ainda aqui,porém, o tratado é ratificado pelo Estado segundo a sua própria vontade).Cada Estado, portanto, disciplina a matéria como lhe aprouver, dependendoa validade interna das leis estrangeiras do seu livre arbítrio.11 Assim, comodecorrência da discricionariedade estatal nas escolhas relativas à normaaplicável, é possível que entenda o Estado não ser conveniente a aplicaçãoda lex fori relativamente a determinado assunto, que deveria ser regidoexclusivamente pela norma estrangeira, ainda que com certas limitações.Veja-se, v.g., o que dispõe o art. 13 da LINDB: A prova dos fatos ocorridosem país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aosmeios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que alei brasileira desconheça.

As opões sobre a norma aplicável a uma relação jurídica sub judicecom conexão internacional decorrem das tradições (costumes) e da vontadepolítica do Estado, segundo os seus interesses particulares,12 muitos dosquais preveem certa superação das limitações impostas pela exclusivaaplicação da lex fori, a fim de garantir a estabilidade do sistema jurídico.13

Se o Brasil, v.g., aceita aplicar em sua ordem jurídica uma legislaçãoalemã, isso se dá não em razão de ser o direito alemão limitador do direitointerno, senão em decorrência de verdadeiro e próprio exercício desoberania que o Estado brasileiro empenha na edição de sua legislação deDIPr. Pensar de modo contrário seria, não há dúvida, absolutamenteincoerente, especialmente no caso de a lex causae indicada recusarcompetência para a resolução do problema, reenviando para a lex fori oupara terceiro Estado o deslinde da questão; o Brasil, que não aceita o

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reenvio, aplicará a lex causae indicada mesmo que esta se dê porincompetente, o que demonstra, tout court, que a aplicação do direitoestrangeiro pelo juiz nacional decorre de exercício pleno da soberania dalex fori, sem o que o DIPr nacional, ressalvada a aplicação dos tratados, defato não existiria.14

Inexistem, porém, regras determinadas a conduzir os Estados numdeterminado rumo ou caminho na elaboração de suas normas de DIPr,variando as divergências entre cada qual à luz de tantos quantos forem ossistemas jurídicos existentes. Em todos eles os Estados, a depender docritério eleito e do elemento de estraneidade presente na relação jurídica,por vezes, abrem mão da aplicação da própria lei interna a fim de prestigiara aplicação de certa lei estrangeira, mais conectada, segundo o legisladordoméstico, à questão sub judice.15 Essa relação de causalidade, contudo,não demanda qualquer reciprocidade, pois é indiferente a um Estado seoutros aplicam ou não as suas leis; os Estados – diz Balladore Pallieri –não se orgulham em ver suas leis aplicadas por outros, e tampouco seofendem se não as aplicam.16

Certo é que não há como estancar a atividade do Estado no desideratode escolha (segundo os seus costumes e tradições) da regência dedeterminado assunto pela lex fori ou pela lex causae, estando tudo adepender de sua exclusiva discricionariedade. Também a ratificação detratados de Direito Uniforme não escapa à discricionariedade do Estado,que é livre para se engajar ou não em determinado instrumentointernacional, segundo a sua vontade.17

Missão principal do DIPr

O DIPr esgota a sua missão principal uma vez encontrada a normasubstancial (nacional ou estrangeira) indicada a resolver a questão concretasub judice. Para chegar a esse desiderato, porém, deve o juiz do foroqualificar o instituto jurídico em causa (enquadrando-o nunca categoriajurídica existente, v.g., de direito de família, das obrigações, das sucessõesetc.) e enfrentar eventual questão preliminar, localizando, depois, o

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elemento de conexão que levará à norma competente para resolver aquestão principal.

Como se nota, o DIPr é método judicial-auxiliar para a determinaçãoda lei aplicável ao caso concreto de que o juiz (destinatário de suasnormas) deve se valer para decidir corretamente a questão.18 Compõe-se,portanto, de regras meramente instrumentais, limitadas a indicar oordenamento responsável por deslindar o litígio em questão.

Por outro lado, não é missão do DIPr regular temas afetos ao direitopúblico material, como, v.g., os relativos à nacionalidade e à condiçãojurídica do estrangeiro. Tais assuntos devem ser devidamente versados noscompêndios de Direito Internacional Público, que é o seu âmbito próprio deinvestigação.19 Não entendemos (como faz a doutrina francesa tradicional)que esses assuntos compõem o universo do DIPr, senão apenas a indicaçãoda norma competente (nacional ou estrangeira) para resolver a questãoprincipal sub judice.

Exceção, no entanto, é feita no que tange à teoria dos direitosadquiridos, a qual, não obstante distinta do conflito de leis propriamentedito, tem integrado o estudo do DIPr há vários anos (v. Cap. VI, infra).

A questão da nomenclatura

Destaque-se que apesar de nominado “Direito Internacional Privado”,esse ramo do Direito, em primeiro lugar, não se limita a resolver conflitospropriamente “internacionais”, eis que as normas em conflito apresentadassão normas nacionais de dois ou mais Estados; esse direito é“internacional” apenas porque resolve conflitos de normas (nacionais) noespaço com conexão internacional (ou seja, resolve conflitos“internacionais” de leis internas). Ademais, o termo “internacional” podesugerir que existam, no âmbito do DIPr, relações entre Estados soberanos, oque não é verdade, uma vez que o DIPr versa quase que exclusivamenteinteresses de pessoas privadas, sejam físicas (particulares) ou jurídicas(empresas).20 Daí alguns autores preferirem o recurso ao adjetivo

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“transnacional”, que evitaria a ambiguidade da palavra “internacional”, porconotar, mais corretamente, as situações que apenas transcendem a esferasocial de um determinado Estado, entrando em contato com outras ordensjurídicas.21

Para Pontes de Miranda, por sua vez, “tal direito não é inter-nacional,no sentido de entre Estados, mas extra-nacional, ou por ser a aplicação dalei nacional fora do território (terra, espaço aéreo e águas nacionais), oupor ser a aplicação da lei estrangeira dentro do território”, reconhecendo,porém, que, “[e]m todo o caso, devido à tradição e à sonância simpática daexpressão usada, tem esta conseguido resistir às tentativas de outrosnomes”.22

O que realmente importa, contudo, é compreender que o assim chamado“Direito Internacional Privado” nada mais é – para falar como WernerGoldschmidt – que o “[d]ireito da extraterritorialidade do Direito Privadoestrangeiro”.23

Em segundo lugar, o assim chamado “Direito Internacional Privado”também não versa, atualmente, apenas questões de índole estritamente“privada”, regulando correntemente temas que escapam a essa alçada (v.g.,assuntos criminais, fiscais, econômicos, tributários, administrativos,processuais etc.).24 O qualificativo “privado” diria, assim, respeito àspessoas por detrás da relação jurídica, não à matéria de fundo presentenessa mesma relação.25 Por tais motivos é que muitos preferem a expressãoempregada nos países anglo-saxões: conflitos de leis.26 Assim, seria o DIPrmelhor nominado Direito dos Conflitos de Leis no Espaço.27 Observe-se,porém, que mesmo esta expressão é criticável, pois não há propriamente“conflito” entre as leis estrangeiras no espaço, senão apenas concorrência(concurso) de leis estrangeiras distintas sobre uma mesma questão jurídica(v. item 2.1, infra).

Seja como for, o certo é que a expressão Direito Internacional Privadoé ainda a mais utilizada em várias partes do mundo, especialmente naEuropa Continental e na América Latina. Aqui, portanto, também aseguiremos, pois “uma denominação, ainda que imprecisa ou falsa, pode,uma vez geralmente admitida, perfeitamente preencher o fim a que se

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1.6

destina, tornando não somente desnecessária, como ainda perigosa a suasubstituição, máxime quando longe está de haver acordo sobre a expressãoconveniente”.28

Necessidade de divergência entre normasestrangeiras autônomas e independentes

Para que o problema relativo ao DIPr se coloque, já se fez entender,deve haver divergência entre normas estrangeiras autônomas eindependentes. Se houver paralelismo (conformidade) entre as respectivasnormas estranhas o problema do DIPr não se põe, quando então a questãohá de ser entendida como puramente nacional.29 Mesmo assim, para que ojuiz do foro chegue à conclusão de que as normas nacional e estrangeira sãoparalelas, ou seja, disciplinam de forma idêntica o assunto em pauta, devebuscar, pelas regras do DIPr da lex fori, o conteúdo da norma estrangeiraindicada, utilizando-se, com rigor, do método comparativo. Tal significaque mesmo no caso de existir paralelismo (conformidade) entre as normasem causa, é obrigação do juiz bem conhecer (e aplicar) as regras do DIPrda lex fori, especialmente porque a semelhança entre as diversaslegislações poder ser somente aparente. Seria de todo cômodo ao juizentender, numa análise rasa do conteúdo da norma estrangeira indicada,haver identificação (similitude) total entre as normas em causa, a fim deaplicar a lei que melhor conhece (a lei doméstica). Daí a cautela e o rigorque deve existir na comparação das normas (nacional e estrangeira) emjogo, para fins de entender uma questão (havendo identificação completaentre as normas) como puramente nacional.

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2.

2.1

Objeto e finalidade do DIPr

A doutrina em geral se controverte sobre o que vêm a ser o objeto e afinalidade do DIPr, não havendo uniformidade, sobretudo, quanto à suadelimitação.30 De fato, tomando como exemplo o objeto do DIPr, enquanto adoutrina alemã entende ser este unicamente a resolução dos conflitos de leisno espaço, a doutrina anglo-saxã também acrescenta o concurso dejurisdições e, a francesa, ainda os temas da nacionalidade e da condiçãojurídica do estrangeiro.

Quanto à teoria dos direitos adquiridos, nosso entendimento é o de nãocompor propriamente o objeto do DIPr, tampouco ser um dos fins a que amatéria se destina, o que não significa, em absoluto, que um direitolegalmente adquirido no estrangeiro não surta quaisquer efeitos no plano doDIPr, pelo que, já se disse, também tem integrado o seu estudo, devendo,portanto, ser devidamente estudada (v. Cap. VI, infra). Essa discussão,contudo, escapa à investigação sobre o objeto e a finalidade do DIPr.

Em nossa visão, o objeto e a finalidade do DIPr encontram-seatualmente bem delineados, não sendo necessário embrenhar-se emdiscussões estéreis e de cunho apenas histórico para compreendê-los.31

Todo o mais será apenas pressuposto ou complemento da disciplina,incapaz de compor o seu real objeto e finalidade. Vejamos:

Objeto do DIPr

O DIPr tem por objeto a resolução de todos os conflitos de leis noespaço (sejam leis privadas ou públicas) quando presente uma conexãointernacional, isto é, uma relação que coloca em confronto duas ou maisnormas jurídicas estrangeiras (civis, penais, fiscais, tributárias,administrativas, trabalhistas, empresariais, processuais etc.) autônomas edivergentes.32 Seu objeto cinge-se, assim, a tais conflitos espaciais deleis.33 Trata-se, portanto, do método ou técnica que visa encontrar a ordem

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jurídica adequada à apreciação de fatos internacionalmenteinterconectados, ou seja, em conexão com duas ou mais ordens jurídicas,quer relativos ao foro ou ocorridos no estrangeiro.34 Sua razão de ser estáem encontrar soluções justas entre a diversidade de leis existentes quandopresente um elemento de estraneidade.35

Razão assiste a Amilcar de Castro, para quem o “objeto único dodireito internacional privado é, pois, esta função auxiliar que desempenhano forum: como o fato anormal pode ser apreciado à moda nacional ou àmoda estrangeira, indicar in abstractu o direito aconselhável; ou, poroutras palavras: como a ordem jurídica indígena não é especialmentedestinada à apreciação de fatos anormais, pela regra de direitointernacional privado manda observar-se o direito comum, ou direitoespecial, organizado por imitação de uso jurídico estranho, visando-sesempre à solução justa e útil aos interessados”.36 Correta também a opiniãode Irineu Strenger, para quem, “verdadeiramente, o objeto do direitointernacional privado é o conflito de leis no espaço, excluindo-se todos osdemais objetos que as várias doutrinas costumam acrescentar ao primeiro etambém todo e qualquer objeto concernente seja à uniformidade legislativa,à nacionalidade, à condição jurídica do estrangeiro, bem como a discussãode que o reconhecimento dos direitos adquiridos é o problema das leis noespaço encarado sob outro ponto de vista”.37

A aplicação do DIPr, no âmbito desse objeto, contudo, dirá semprerespeito a uma relação (fato) da vida real, não simplesmente àdeterminação do direito aplicável a certas relações jurídicas. Comodestaca Martin Wolff, o DIPr, como qualquer regulação jurídica, se põediante a fatos da vida, tais como uma estipulação, uma lesão corporal, àcircunstância de se chegar a uma determinada idade etc.38 Havendo taisfatos interconectados a ordens jurídicas distintas, entrarão em jogo asregras do DIPr para dizer qual dessas ordens será a adequada para apreciá-lo e, consequentemente, solucionar a questão sub judice. É evidente, então,nesse sentido, que também devem os compêndios de DIPr estudar aaplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, uma vez que alocalização do direito aplicável demanda, conditio sine qua non, a sua boaaplicação pelo Judiciário pátrio (v. Cap. VII, infra).

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Repita-se que atualmente não faz sentido dizer que o DIPr resolveapenas conflitos de leis privadas no espaço, eis que a grande gama denormas estrangeiras hoje conflitantes pertence ao direito público.39 Assim,o DIPr é a disciplina que auxiliará o juiz da causa a saber qual normajurídica (a indigenum ou a extraneum) deve ser efetivamente aplicada nocaso sub judice tendente à solução justa e útil, independentemente danatureza (privada ou pública) da norma em questão.

Destaque-se que, quando se fala em “conflitos” de leis no espaço, narealidade o que se pretende dizer é que duas normas distintas (uma nacionale outra estrangeira) estão a disciplinar diferentemente uma mesma questãojurídica, em nada significando haver propriamente “colisão” ou “choque”entre ambas. Não há conflito verdadeiramente, senão uma aparência deconflito, eis que cada ordenamento legisla exclusivamente para si, nãohavendo aplicação simultânea de normas (nacionais e estrangeiras) naordem jurídica local; há, em verdade, uma concorrência (concurso) de leisestrangeiras distintas sobre uma mesma questão jurídica.40 Daí Niboyet terpreferido nominar o problema, mais propriamente, de “império das leis noespaço”.41 Contudo, o certo é que a expressão “conflitos de leis no espaço”tem sido utilizada indistintamente pela doutrina em todo o mundo, razãopela qual também aqui a mantivemos.

Por derradeiro, como já se disse, frise-se não integrarem o objeto doDIPr os temas da nacionalidade e da condição jurídica do estrangeiro, osquais, para falar como Oscar Tenório, constituem “apenas pressupostos dodireito internacional privado”,42 sem ser, porém, parte integrante dele.43 Defato, independe ser alguém nacional de um Estado ou estrangeiro dentro deum Estado para que operem as normas do DIPr; pode ter relevância para odeslinde do caso concreto a condição de nacional ou de estrangeiro dapessoa, mas tal condição não compõe o objeto mesmo do DIPr, que operaindependentemente dela. Ademais, o DIPr não regula (nem poderia) ascondições de nacional e de estrangeiro, matérias afetas ao Direito públicointerno e ao Direito Internacional Público. O mesmo se dá com os“conflitos de jurisdição”, colocados por muitos na órbita do objeto doDIPr, e que, para nós, é imanente aos conflitos de leis no espaço.44 Daí aobservação de Batalha de que “[a]ssim como a doutrina do Direito

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2.2

processual é autônoma e inconfundível com a doutrina do Direito privado,assim também os conflitos que se manifestam quanto às competênciasjurisdicionais ou à forma do processo são diversos e inconfundíveis comaqueles que o Direito internacional privado disciplina”.45 Em consequência,ficariam também excluídos do objeto do DIPr assuntos como a execução desentenças estrangeiras e a competência geral, temas que apenascomplementam o estudo do DIPr.46

No que toca a este último ponto, porém, cabe uma observação, similar àque já se fez relativamente à teoria dos direitos adquiridos (v. supra). Acompetência internacional do judiciário brasileiro (limites da jurisdiçãonacional) e a execução de sentenças estrangeiras no Brasil, apesar de nãointegrarem o objeto do DIPr, são temas que estão a merecer estudo noscompêndios dessa disciplina. A razão é lógica. Não obstante comporem onúcleo dos institutos processuais lato sensu, têm ambos estrita conexãocom o tema da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, pelo que,só por isso, merecem ser investigadas também no âmbito do DIPr.

Finalidade do DIPr

O DIPr tem por finalidade, em princípio, indicar ao juiz nacional anorma substancial (nacional ou estrangeira) a ser aplicada ao casoconcreto, porém, sem resolver a questão jurídica posta perante a Justiça doforo. Quando se vai a um aeroporto ou a uma estação ferroviária vê-se umpainel que indica os voos ou os trens que partem ao destino desejado; aindicação é o que realiza, em suma, o DIPr, e o destino é a lei (nacional ouestrangeira) que resolverá a questão sub judice com conexão internacional.Por tal motivo é que as normas do DIPr são chamadas de indicativas ouindiretas (v. Cap. IV, item 1, infra). Assim, a norma do DIPr não dirá se acriança residente no exterior tem ou não direito a alimentos, se a obrigaçãocontraída em país estrangeiro segue ou não válida, quais bens localizadosem Estado terceiro ficarão para cada herdeiro etc. A norma do DIPr apenasindicará a norma substancial (nacional ou estrangeira) competente pararesolver todos esses problemas.

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Destaque-se que a indicação da norma competente e a possibilidade deaplicação do direito estrangeiro perante a ordem jurídica do foro – sem quecontra essa aplicação argumentos de índole prepotente, como o dasoberania exclusiva da lex fori, tenham repercussão – vem demonstrar anobreza da dimensão atual do DIPr, que se preocupa mais com a aplicaçãodo direito que maior contato ou ligação tem com a questão sub judice, quepropriamente em encontrar soluções fundamentadas exclusivamente naordem doméstica. Como leciona Jacob Dolinger, a compreensão “de que emdeterminadas circunstâncias faz-se mister aplicar lei emanada de outrasoberania, porque assim se poderá fazer melhor justiça, e o reconhecimentode que em nada ofendemos nossa soberania, nosso sistema jurídico, pelaaplicação de norma legal de outro sistema, esta tolerância, esta largueza devisão jurídica, dos objetivos da lei – em sentido lato – refletem a grandezade nossa disciplina, a importância de sua mensagem filosófica”.47

Uma finalidade contemporânea do DIPr, porém, vai mais além que amera indicação da norma nacional ou estrangeira aplicável a um caso subjudice, visando, sobretudo, proteger a pessoa humana. Daí a intrínsecarelação do DIPr com as normas (nacionais e internacionais) de proteçãodos direitos fundamentais e humanos (v. Cap. I, item 1.3, supra). Ainda queo DIPr continue a ter por objeto a resolução dos conflitos de normasestrangeiras no espaço, o certo é que a sua finalidade contemporânea seencontra ampliada, a fim de também proteger a pessoa humana, dando-lheuma resposta justa e harmônica no que tange à questão concreta sub judice.Tal se deve ao fato de ter o indivíduo, a seu favor, uma enorme gama detratados internacionais protetivos, tanto no plano global como em contextosregionais.48 Essa finalidade contemporânea do DIPr flexibiliza a rigidez dométodo clássico conflitual, para o fim de encontrar soluções sempre maisjustas e em prol dos direitos das pessoas (v. Cap. VIII, item 3, infra). E,havendo colisão dos valores protegidos pelos tratados de direitos humanosou pelas normas de Direito Uniforme com a solução obtida pela aplicaçãoda norma conflitual da lex fori, aqueles deverão prevalecer sobre esta.49 Taldemonstra nitidamente que a finalidade do DIPr na pós-modernidade retirao seu fundamento de validade não das regras conflituais da lex fori, senãodas normas do Direito Internacional Público.

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Destaque-se, por fim, que quando se fala em “leis estrangeiras”, ou“normas estrangeiras” ou “direito estrangeiro”, se está querendo dizer –para os efeitos deste livro – a mesma coisa: tudo quanto consta da coleçãode normas e regras estrangeiras, quer sejam normas constitucionais, leis(em suas diferentes espécies), decretos, regulamentos, costume internoetc. Assim, as expressões “leis estrangeira”, “normas estrangeiras” e“direito estrangeiro” devem ser entendidas em sentido amplo, abrangendotodas essas espécies de normas jurídicas que se acaba de citar. Não seincluem, porém, na expressão, as próprias normas de DIPr estrangeiras,conforme estabelece o art. 16 da LINDB: “Quando, nos termos dos artigosprecedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista adisposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outralei”. Nos países que adotam, como direito aplicável, para além do direitosubstantivo ou material, também as normas de DIPr estrangeira, nasce oproblema do reenvio (v. Cap. IV, item 2.2, infra).

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3.

3.1

Posição do DIPr nas ciências jurídicas(taxinomia)

Questão controvertida e sempre debatida na doutrina diz respeito àexata posição do DIPr nas ciências jurídicas. Discute-se se o DIPr temnatureza interna ou internacional, e se o seu conteúdo versa matéria afeta aodireito privado ou ao direito público.50 Necessário, portanto, proceder àclassificação (taxinomia) do DIPr para o fim de responder a taisindagações, compreendendo exatamente em que âmbito ele se encontra nouniverso jurídico.

O DIPr é direito interno ou internacional?

Pergunta correntemente realizada diz respeito a ser o DIPr direitointerno ou direito internacional. Já se disse que apesar de nominado“Direito Internacional Privado”, esse ramo do Direito não resolveconflitos propriamente “internacionais”, eis que as normas em conflitoapresentadas são normas nacionais de dois ou mais Estados. Tal nãosignifica que a sua regência não possa dar-se por normas de índoleinternacional, das quais é exemplo a Convenção de Direito InternacionalPrivado, conhecida como “Código Bustamante”, adotada pela SextaConferência Internacional Americana, reunida em Havana, e assinada em 20de fevereiro de 1928.51

Não obstante a maioria dos autores entender ser o DIPr um ramoespecializado do direito interno (do direito público interno) destinado areger os conflitos de leis no espaço com conexão internacional, com baseno fato de que seriam as normas domésticas dos Estados as responsáveispor solucionar tais conflitos normativos,52 estamos, porém, de acordo comHaroldo Valladão, que entende não ter significado indagar se o DIPr éinternacional ou interno, eis que regido por normas internacionais einternas, e, em caso de conflito, as primeiras prevalecendo sobre as

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segundas.53

De fato, hoje em dia, o direito internacional e o direito interno têmestabelecido profícuo diálogo para a resolução de problemas que envolvemos diversos ramos das Ciências Jurídicas, não sendo diferente com o DIPr,para o qual convergem várias normas (internas ou internacionais) tendentesà resolução de seus problemas. De fato, na época atual, é notório que agrande maioria dos Estados comporta, em sua coleção normativa, regrastanto internacionais como internas de resolução de conflitos. No Brasil,desde a década de 1920, tem-se verificado essa interpenetração entre asfontes internacionais e internas para a regência do DIPr, notadamente apartir do momento em que o país, então único a adotar a nacionalidadecomo regra de conexão para a determinação da lei aplicável ao estatutopessoal, ratificou o Código Bustamante, que estabelecia para tal o critériodo domicílio, levando à posterior alteração da legislação brasileira sobre otema, que passou a adotar também esse último critério.54

Eduardo Espinola, em 1925, já classificava as normas do DIPr em trêscategorias: a) princípios ou regras de direito internacional público,decorrentes de usos e costumes internacionais e de tratados; b) regras dedireito interno internacionalmente relevantes, por serem formuladas emobediência a um dever que incumbia ao Estado; e c) regras de direitointerno internacionalmente irrelevantes, porque o legislador não asformulou no cumprimento de uma obrigação imposta ao Estado. As daprimeira categoria – dizia ele – se aplicam aos Estados como sujeitos dedireito obrigados por sua vontade coletiva; as das outras duas sedesenvolvem na esfera interna do Estado; e as últimas têm por conteúdopróprio indicar às autoridades e tribunais do Estado as regras pelas quaispoderão eles saber se determinada relação deve reger-se, no fundo ou naforma, pelo direito nacional ou pelo direito estrangeiro.55 Perceba-se aí,então, a demonstração correta de que as normas do DIPr provêm tanto doDireito interno quanto do Direito Internacional Público, indistintamente,ainda que, é certo, as primeiras sejam “em número incomparavelmentesuperior”.56

É evidente – seria até mesmo dispensável dizer – que as normas

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3.2

internacionais de DIPr, para terem valor interno, devem ser devidamenteincorporadas ao ordenamento jurídico nacional pelo procedimento previstopela Constituição, como, v.g., no caso do Brasil, pela aprovação do PoderLegislativo e ratificação do Presidente da República (CF, arts. 49, I, e 84,VIII). Isso não significa, contudo, que os tratados ratificados e em vigor noEstado sejam “transformados” em direito interno; eles continuam a sertratados, com a sua roupagem própria de normas internacionais, aplicadas,entretanto, por ordem do próprio Estado, ao plano interno. Nos termos doart. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, taiscompromissos internacionais prevalecem sobre toda a legislação domésticado Estado,57 não sendo diferente, portanto, com as normas internacionais deDIPr, que, em caso de conflito com as normas internas, deverão igualmenteprevalecer.

Interessante notar que mesmo os autores que defendem ser o DIPr umdireito interno, concordam em ser os tratados internacionais fonte dessadisciplina jurídica. Ainda que se parta da premissa que o tratado ratificadointegra a ordem jurídica nacional, podendo, portanto, fundamentá-la,restaria, porém, a questão de explicar como o costume internacional (quenão se “internaliza” como os tratados) vale também fonte formal de umdireito “interno” como o DIPr.

O DIPr versa matéria afeta ao direito privado ouao direito público?

Ainda segundo Valladão, não faz sentido indagar se o DIPr versamatéria afeta ao direito privado ou ao direito público, eis que em todos osramos das ciências jurídicas encontram-se normas de uma ou outra espécie;as imperativas em quantidade superior nos antigos setores do direitopúblico, as supletivas em maior número nos clássicos ramos de direitoprivado, havendo, pois, um DIPr de natureza pública, de normas cogentes, eum DIPr de caráter privado, de normas supletivas, omissivas, dependentesde autonomia individual.58 Também Niboyet compartilha do entendimentode que todos os conflitos de DIPr têm por objeto tanto direitos de caráter

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privado como público, não se limitando às relações estritamente privadas,compreendendo, assim, também os conflitos de normas administrativas,penais, fiscais etc.59

De fato, apesar da nomenclatura, o certo é que não se há mais deindagar em qual âmbito (privado, público ou ambos) opera ocontemporâneo DIPr. Suas soluções, não há dúvidas, atingem todas ascategorias de normas jurídicas, independentemente de sua caracterizaçãoem privadas ou públicas, bastando, para tanto, existir o elemento deestraneidade na relação jurídica sub judice.

Em suma, o DIPr não se enquadra rigidamente em nenhuma dascategorias acima referidas; não é totalmente interno ou internacional,privado ou público. À questão sobre em que posição se encontra o DIPr nasCiências Jurídicas, se é interno ou internacional, privado ou público, amelhor resposta, com base na lição de Haroldo Valladão, é no sentido deser o DIPr regido por normas internas (v.g., o art. 165 da Constituição de1946, art. 150, § 33, da Constituição de 1967, art. 5º, XXXI, daConstituição de 1988; os textos da LINDB) e internacionais (v.g., o CódigoBustamante de 1928); de natureza pública (v.g., o art. 7º, caput, da LINDB)e de caráter privado (v.g., o art. 13, caput, da Introdução ao Código Civilde 1916).60 Trata-se de direito híbrido e sui generis por natureza.

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4. Conflitos de leis estrangeiras no espaço

Como já se disse, a multiplicação das relações humanas ao redor doplaneta, decorrente das facilidades dos transportes e das comunicações, emespecial, atualmente, do transporte aéreo, bem assim das comunicações emmeio digital e do comércio eletrônico, tem feito com que pessoas deorigens, nacionalidades e culturas em tudo distintas constantementerealizem atos ou negócios jurídicos para os quais há duas ou mais ordensjurídicas potencialmente aplicáveis, fazendo surgir o problema dosconflitos de leis estrangeiras no espaço. É certo que os conflitos normativostambém podem surgir dentro de uma mesma ordem jurídica, como, v.g.,entre duas leis de regiões ou províncias de um mesmo Estado. Talproblema, contudo, foge ao objeto de estudo do DIPr, que se destina aresolver os conflitos de leis estrangeiras no espaço (v. item 1.2, supra).

Os deslocamentos humanos pelo mundo, as viagens, os intercâmbios, asmigrações e o comércio têm sido fatores constantes desses conflitos de leisautônomas e independentes de Estados distintos, para cuja resoluçãoatribuiu-se competência ao DIPr.61 Tais leis em conflito, também já se falou,não são apenas, atualmente, aquelas de direito privado, senão também as dedireito público, tais as normas fiscais, tributárias, administrativas eprocessuais.

O juiz nacional, portanto, diante de um caso concreto com conexãointernacional, necessita saber qual norma – se a nacional ou a estrangeira– deve ser aplicada ao caso concreto sub judice. Como a uniformização detoda a legislação do mundo, de todos os países, seja talvez impossível dese concretizar na prática, restou para o DIPr disciplinar as relaçõesnormativas no espaço com conexão internacional, permitindo ao julgadoraplicar corretamente a norma competente para a resolução da questãoprincipal.

Uma vez conhecida, pelas regras do DIPr, qual das normas há de seraplicada ao caso sub judice, se a nacional ou a estrangeira, será em umadestas que o tema de mérito encontrará solução. Em outras palavras, o DIPr

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não busca resolver a questão jurídica principal posta em discussão noPoder Judiciário, se não apenas indicar a norma substancial (nacional ouestrangeira) em que a solução para o problema concreto se encontra. Daí asnormas do DIPr serem indicativas ou indiretas, eis que apenas “localizam”espacialmente qual das normas, se a nacional ou a estrangeira, há de seraplicada no caso concreto para resolver a questão jurídica posta perante ojuiz (v. Cap. IV, item 1, infra).

Como explica Haroldo Valladão, o DIPr leva em conta “as várias leisque incidiram na relação interespacial e, coordenando-as, harmonizando-as,procura escolher, com justiça e equidade, qual delas deverá regular, no todoou em parte, os fatos, atos e efeitos, iniciados, em curso, findos, ou apraticar, na circulação humana através dos vários grupos jurídicos domundo”.62 Assim, sua missão consiste em localizar perante qual norma(nacional ou estrangeira) a questão sub judice encontra o seu verdadeiro“centro de gravidade” ou “ponto de atração”, para, somente assim, resolvercom harmonia e justiça o caso concreto.63

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5.

5.1

Direito Internacional Privado brasileiro

Não sendo o DIPr direito verdadeiramente “internacional”, eis que oconflito de normas existente dá-se entre normas nacionais de dois ou maisEstados, incumbe a cada ordenamento interno regular, à sua maneira, comotais conflitos hão de ser resolvidos. Assim, cada jurisdição estrangeiraorganiza como lhe aprouver o seu próprio sistema de DIPr, para auxiliar ojuiz nacional a resolver os conflitos de leis no espaço com conexãointernacional. Dessa maneira, os Estados estrangeiros, da mesma forma queestabelecem suas regras destinadas a reger os fatos exclusivamenteinternos, também soberanamente estabelecem aquelas responsáveis pordeslindar as questões internacionalmente interconectadas que se apresentamperante a sua jurisdição.64 Para tanto, os Estados podem criar leis, aceitarcostumes ou ratificar tratados de DIPr, os quais passarão a compor o acervode normas aplicáveis no Estado.

Não é diferente com o nosso país, que tem as suas próprias regras deDIPr, estabelecidas por normas internas (escritas ou costumeiras) oudecorrentes de tratados internacionais ratificados e em vigor no Estado.

Todo esse conjunto de regras em vigor no Brasil, voltadas à resoluçãodos conflitos de leis no espaço com conexão internacional, forma o que senomina Direito Internacional Privado Brasileiro.

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro– LINDB

A maioria das normas (não todas) do DIPr brasileiro encontra-se na Leide Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº4.657, de 4 de setembro de 1942, com redação dada pela Lei nº 12.376, de30 de dezembro de 2010). A LINDB tem aplicação, como o próprio nomeindica, a todas as normas do direito brasileiro, orientação seguida mesmo àégide da denominação anterior (LICC – Lei de Introdução do Código

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Civil).65 É nela que se encontra o núcleo básico do sistema brasileiro deaplicação das leis estrangeiras (arts. 7º a 19).

Por meio das normas elencadas na LINDB será possível a aplicação dodireito estrangeiro (quando esse for o indicado) perante a Justiça brasileira.Tal excepciona a regra de que apenas as leis nacionais devem ser aplicadasno Brasil, pois, como se vê, poderá uma norma estrangeira ser aquiigualmente aplicada e surtir todos os seus efeitos, salvo se violar asoberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes.66 Nos países,porém, que adotam a territorialidade estrita, o problema do DIPr não surge(esse não é o caso do Brasil, como se viu). De fato, se um determinado paísnão autoriza, por qualquer modo, a aplicação de uma lei estrangeira peranteo seu foro, os problemas de DIPr não aparecerão, e, surgindo um conflito,será a lex fori a única responsável para a sua resolução.67

A LINDB tem sofrido a crítica de não resolver todos os problemas deDIPr que os tempos atuais propõem, o que requer do jurista a pesquisa cadavez mais constante de suas fontes convencionais, costumeiras ejurisprudenciais (as quais também integram, por assim dizer, o DIPrbrasileiro). De fato, trata-se de legislação generalista e incompleta, muitoaquém do que seria o ideal a regular o DIPr no Brasil. Também se temobservado que a LINDB não acompanhou a evolução legislativa de outrospaíses em matéria de DIPr, bem como as tendências de renovação damatéria impulsionadas, no plano exterior, por trabalhos como os daConferência da Haia sobre Direito Internacional Privado, da Uncitral, doUnidroit, da Comissão Jurídica Interamericana e da OEA.68

Destaque-se que para o fim de substituir a atual LINDB foi elaborado oProjeto de Lei nº 269 do Senado,69 apresentado em setembro 2004 peloSenador Pedro Simon,70 mas arquivado em janeiro de 2011.71 O Projetovisava criar uma mais moderna legislação sobre DIPr no país, sob o título“Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas”, conciliando as normas deDIPr brasileiras às conquistas da jurisprudência e da doutrinacontemporâneas, bem assim das convenções internacionaisuniformizadoras, tal como se verifica da justificativa apresentada pelacomissão de redação: “Relativamente às regras do direito internacional

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privado contidas na LICC [LINDB], o projeto somente as altera quandonecessário para atender às conquistas da jurisprudência e da doutrina, bemcomo para conciliar o direito internacional privado brasileiro com o direitointernacional privado uniformizado, criado por tratados e convenções”.72

Ainda que não tenha vingado, remissões comparativas serão feitas a esseProjeto no decorrer deste livro, dada sua importância teórica para acompreensão do contemporâneo DIPr.

Estatuto pessoal no DIPr brasileiro

Denomina-se estatuto pessoal o conjunto de relações inerentes aoestado da pessoa e sua capacidade, é dizer, relativos à sua individualidadejurídica (estado da pessoa) e à aptidão para exercer direitos e contrairobrigações (capacidade).73 Segundo Dolinger, o estado da pessoa abrangetodos os acontecimentos juridicamente relevantes que marcam a vida deuma pessoa, começando pelo nascimento e aquisição da personalidade,questões atinentes à filiação, ao nome, ao relacionamento com os pais, aopátrio poder, ao casamento, aos deveres conjugais, à separação, aodivórcio e à morte; a capacidade, por sua vez, é atributo ligado à aptidãoda pessoa individual para exercer direitos, particularmente os direitosprivados, e para contrair obrigações.74 É o estatuto pessoal, em suma, oconjunto de elementos que caracterizam a realidade extrínseca de umindivíduo.

O estatuto pessoal, na legislação dos diversos países, tem se baseadoou na lei de nacionalidade da pessoa (critério político) ou na de seudomicílio (critério político-geográfico).75 Alguns poucos países (v.g.,Chile, Equador e El Salvador) adotam também um sistema híbrido, peloqual aplicam a lei da nacionalidade aos seus nacionais e a do domicílio aosestrangeiros ali residentes. Seja como for, o certo é que tal escolha variaconforme as opções político-legislativas tomadas por cada Estado. Assim,enquanto os principais países europeus (v.g., Alemanha, Áustria, Bélgica,França e Itália) têm optado pelo critério da nacionalidade comodeterminador do estatuto pessoal, os países da common law (v.g., Austrália,

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Canadá, Estados Unidos e Inglaterra) e vários países latinos (v.g.,Argentina, Brasil e Venezuela) têm adotado para tal o critério dodomicílio.76

Como explica Ballarino, países que adotam a nacionalidade comoelemento de determinação do estatuto pessoal são normalmente países deemigração, motivo pelo qual pretendem conservar um liame com os seuscidadãos transferidos ao exterior, enquanto os que adotam o critério dodomicílio são normalmente países de imigração, que se propõem, por isso,a favorecer a integração dos imigrantes ao espírito nacional.77

No DIPr brasileiro atual é o critério do domicílio que determina a leide regência do estatuto pessoal, tendo sido abandonado o critério danacionalidade antes utilizado, notadamente por ser este último “prejudicialao próprio interessado, pois que, ante o desconhecimento de sua lei pelasautoridades judiciais do país onde vive, acabará sendo atendido pelostribunais de forma mais lenta, em um processo mais custoso, sendo-lheestendida menos justiça do que se a causa fosse julgada pela lei do localonde vive”.78

Pontes de Miranda, ferrenho defensor do critério nacional, dizia nãocompreender como “alguns Estados, cujo interesse seria (aos que pensam)impor a sua lei ao estrangeiro domiciliado, cheguem, por ajustaçãosimétrica, a submeter os seus cidadãos, no estrangeiro, ao direito dodomicílio”, porque “[c]riam um problema de ajustação onde não cabia criá-lo”.79 Para nós, a defesa intransigente da aplicação da lei nacional não sesustenta, especialmente na atualidade; e dizer que o critério domiciliar sesujeita a fraudes, dada a mudança proposital de domicílio, também não éargumento válido, uma vez que também a nacionalidade pode alterar, nãoobstante mais dificultosamente.

O domicílio, não há dúvidas, é a sede jurídica das pessoas, o local emque elas fixam e centralizam as suas relações sociais, bem como ondedeterminam os seus principais interesses, sendo, por isso, coerente que a leia ele relativa presida as relações que envolvam o estado e a capacidadedas pessoas. Ainda, é fato notório que a maioria das pessoas temnormalmente um locus de paragem, de centralização de atividades, que

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independe do fato de terem ou não nacionalidade, podendo ser, inclusive,apátridas, razão pela qual, também sob esse aspecto, preferiu-se o critériodo domicílio ao da nacionalidade no que tange à determinação do estatutopessoal. Por fim, um argumento de valor prático: são pouquíssimas aslegislações que atribuem a um cônjuge a nacionalidade do outro, pelo queficariam sempre submetidos a leis nacionais distintas, caso em que apenas ocritério domiciliar uniformizaria a questão da lei aplicável ao estado e àcapacidade de ambos.80

A norma brasileira atual sobre a lei aplicável ao estatuto pessoal vemexpressa no art. 7º, caput, da LINDB, nos seguintes termos:

A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regrassobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade eos direitos de família.

Também o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, havia seguidoessa linha no seu art. 8º. Diferente da LINDB, porém, o Projeto esclarecia,no art. 8º, in fine, que “ante a inexistência de domicílio ou naimpossibilidade de sua localização, aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei daresidência habitual e a lei da residência atual”. Assim, ficava claro que oscritérios da residência habitual e da residência atual podiam sersubsidiariamente utilizados para reger o estatuto pessoal na falta dedomicílio ou na impossibilidade de sua localização. O parágrafo único domesmo art. 8º, por sua vez, disciplinava o estatuto pessoal das crianças,adolescentes e incapazes, dispondo que o estatuto pessoal destes seráregido “pela lei do domicílio de seus pais ou responsáveis”, acrescentandoque “tendo os pais ou responsáveis domicílios diversos, regerá a lei queresulte no melhor interesse da criança, do adolescente ou do incapaz”.Consagrava-se, nessa parte final, como se nota, o princípio já estabelecidoa partir da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de1989,81 e aceito pela generalidade da doutrina contemporânea, relativo ao“melhor interesse da criança” (best interests of the child).82

Em razão do arquivamento do referido Projeto de Lei, em janeiro de2011, perdeu-se a oportunidade, no Brasil, de ampliar o conteúdo restrito

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do art. 7º, caput, da LINDB, para o fim de adotar os critérios da residênciahabitual e da residência atual como subsidiários ao critério do domicílio,assim como de disciplinar o estatuto pessoal das crianças, adolescentes eincapazes.

Seja como for, o que aqui deve ser frisado é que nos termos da normabrasileira em vigor será a lei do domicílio da pessoa que determinará asregras sobre o começo e fim da personalidade, o nome, a capacidade e osdireitos de família. Assim, v.g., se um casamento tiver de ser realizado noBrasil, mas a noiva (independentemente de sua nacionalidade) fordomiciliada na Argentina, serão as normas argentinas que determinarão acapacidade da mulher para casar.83 Caso o Estado estrangeiro tenha normasinterterritoriais, como, v.g., os Estados Unidos da América, em que cadaEstado federado dispõe de sua própria legislação sobre determinadostemas, deverá o juiz do foro detectar de que departamento territorial se tratapara aplicar a lei daquela localidade (v.g., o direito de Nova York para anoiva domiciliada em Nova York etc.).84

Estatuto pessoal no Código Bustamante

O Código Bustamante não uniformizou (como deveria) o que se há deentender por “lei pessoal”, expressão utilizada diversas vezes no texto parainúmeras situações a envolver o estado e a capacidade das pessoas. Deixoupara cada um dos Estados-partes definir, segundo o seu direito interno, qualcritério (da nacionalidade, do domicílio, da residência habitual, entreoutros utilizados) há de ser aplicado na determinação do estatuto pessoal.Assim a redação do art. 7º do Código de Havana: Cada Estado contratanteaplicará como leis pessoais as do domicílio, as da nacionalidade ou as quetenha adotado ou adote no futuro a sua legislação interna.

Portanto, para o Código Bustamante a expressão “lei pessoal” há de sercompreendida à luz do que cada Estado-parte determina para a regência doseu estatuto pessoal. Assim, no caso brasileiro, todas as referências doCódigo à “lei pessoal” devem ser lidas sob a ótica do critério domiciliar(LINDB, art. 7º).85 Por exemplo, quando o Código Bustamante, no art. 27,

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dispõe que “[a] capacidade das pessoas individuais rege-se pela sua leipessoal, salvo as restrições fixadas para seu exercício, por este Código oupelo direito local”, há de se entender que, relativamente ao Brasil, acapacidade das pessoas será regida pela lei do domicílio.

Perceba-se, nesse ponto, o equívoco de Adaucto Fernandes, que, depoisde transcrever o art. 27 do Código de Havana, anota que “[s]e a capacidadedas pessoas individuais é regida, em face do Código que adotamos, pelasua lei pessoal, segue-se que esse é o sistema da lei nacional”.86 O autor,como se nota, leu o art. 27 do Código Bustamante isoladamente, sem antestomar ciência da determinação do art. 7º do mesmo Código, que, repita-se,faculta aos Estados aplicar “como leis pessoais as do domicílio, as danacionalidade ou as que tenha adotado ou adote no futuro a sua legislaçãointerna”.

Uma observação derradeira: quando se diz que a expressão “leipessoal” no Código Bustamante deve ser lida à luz do critério domiciliar,por ser este o critério estabelecido pela LINDB para a regência dasrelações pessoais, não se está a afirmar inexistir qualquer exceção nodireito brasileiro. Uma exceção, ao menos, detectamos em nossoordenamento jurídico: aquela relativa à “lei pessoal do de cujus”,estabelecida no art. 5º, XXXI, da Constituição de 1988 para o fim debeneficiar o cônjuge ou os filhos brasileiros nos casos de sucessão de bensde estrangeiros situados no País. Em tais casos, a “lei pessoal” referidapelo texto constitucional poderá ser tanto a do domicílio como a danacionalidade do de cujus, indistintamente, à luz do que for mais benéficoao cônjuge supérstite ou aos filhos brasileiros, como se verá oportunamente(v. Parte II, Cap. IV, item 3, infra).

Cf. FOELIX, M. Traité du droit international privé ou du conflit des lois dedifférentes nations en matière de droit privé, t. 1, cit., p. 1-3; SAVIGNY, FriedrichCarl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 5-8; FIORE, Pasquale. Dirittointernazionale privato. Firenze: Le Monnier, 1869, p. 1-7; PILLET, A. Principes dedroit international privé. Paris: Pedone, 1903, p. 24-27; PONTES DE MIRANDA,

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Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacional privado, t. I. Rio deJaneiro: José Olympio, 1935, p. 20-24; TENÓRIO, Oscar. Direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 11; VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…,cit., p. 4; e STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 71. Negandoautonomia jurídica ao DIPr, v. SOUTO, Cláudio. Introdução crítica ao direitointernacional privado. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,2000, p. 103, nota 33, para quem “o que pertence a cada um dos ramos do Direitosão os resultados do ‘Direito Internacional Privado’, que, por isso mesmo, não éainda qualquer ‘Direito’, mas, fundamentalmente, uma indagação da Teoria GeralCientífica do Direito” [grifos do original].SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Introdução ao direito internacional privado.Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1975, p. 16.Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 25-26;PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 10; JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado,cit., p. 51; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 31; DINIZ,Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 13. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 20; e TELLES JUNIOR, Goffredo. Iniciação naciência do direito. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 239. EntendeJacob Dolinger que “a melhor proposta é a de Arminjon que sugeriu ‘DireitoIntersistemático’, pois abrange todos os tipos de situações conflitantes: conflitosinterespaciais, tanto os internacionais como os internos, e conflitos interpessoais,inclusive os problemas de natureza jurisdicional, eis que cobre todas as situaçõesem que se defrontam dois sistemas jurídicos com referência a uma relação dedireito” (Direito internacional privado…, cit., p. 8).V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 25.V. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado. Trad. AndrésRodríguez Ramón. Madrid: Editorial Reus, 1928, p. 30-32. Nesse exato sentido, v.OCTAVIO, Rodrigo. Direito internacional privado…, cit., p. 192: “O DireitoInternacional Privado tem, pois, por objeto matéria puramente atinente àaplicabilidade das leis, à natureza, à extensão de seus efeitos (…). E toda essamatéria pertence, sem a menor contestação, ao domínio do direito público”.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado. Trad. José Rovira y Ermengol.Barcelona: Labor, 1936, p. 11-12; GOLDSCHMIDT, Werner. Derecho internacionalprivado…, cit., p. 5; COACCIOLI, Antonio. Manuale di diritto internazionaleprivato e processuale, vol. 1 (Parte Generale). Milano: Giuffrè, 2011, p. 2; eVALLADÃO, Haroldo. Definição, objeto e denominação do direito internacionalprivado. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direitointernacional privado: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.

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151-153 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).Cf. FIORE, Pasquale. Diritto internazionale privato, cit., p. 6-7; ANDRADE, AgenorPereira de. Manual de direito internacional privado. São Paulo: SugestõesLiterárias, 1975, p. 13; CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p.36-45; COLLIER, J. G. Conflict of laws. 3. ed. Cambridge: Cambridge UniversityPress, 2001, p. 3; RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit.,p. 10; e MARQUES, Claudia Lima. Ensaio para uma introdução ao direitointernacional privado, cit., p. 331. Em sentido contrário, v. BALLADORE PALLIERI,Giorgio. Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 65 (“E poichè questarilevanza è data nelle stesse forme e riteniamo, con gli stessi effeti di quelli propridel diritto internazionale privato, si comprende l’aplicazzione di quest’ultimodirettamente anche nei rapporti fra Stati membri degli Stati Uniti d’America.”);STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 55 (“…nenhum argumentoprofundo pode levar à convicção de que conflitos de leis de direito privado interno einternacional se diferenciam. Então, ambos pertencem ao direito internacionalprivado”); e BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. 2. ed. rev. eatual. São Paulo: Atlas, 2011, p. 11 (“Os problemas de direito internacional privadosão originados da ‘diversidade territorial dos sistemas jurídicos’. Onde quer queexista essa diversidade, os casos contendo elemento estrangeiro podem serverificados, independentemente das possíveis organizações federativas dos Estados.Assim, haverá questões envolvendo ‘conflito de leis no espaço’ ou de direitointernacional privado entre ordenamentos estatais, estaduais, cantonais, provinciaise locais”).NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 18.V. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 48,nota 52.V. FERRER CORREIA, A. Idem, p. 48.Cf. PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito internacional privado e aplicação deseus princípios com referência às leis particulares do Brasil. Rio de Janeiro:Typographia de J. Villeneuve, 1863, p. 17-18; MACHADO VILLELA, Álvaro da Costa.Tratado elementar (teórico e prático) de direito internacional privado, t. I, cit., p.26-27; MARIDAKIS, Georges S. Introduction au droit international privé. Recueil desCours, vol. 105 (1962), p. 383-384; e BALLARINO, Tito (et al.). Dirittointernazionale privato italiano. 8. ed. Milano: Cedam, 2016, p. 3.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français. 2. ed. Paris: Sirey,1949, p. 336; e BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, SílviaMarina L. Batalha de. O direito internacional privado na Organização dosEstados Americanos, cit., p. 38.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 58-59.

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V. BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Diritto internazionale privato italiano. Milano:Giuffrè, 1974, p. 4-5.Cf. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 4.BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 5.Sobre a discricionariedade na ratificação de tratados, v. MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Direito dos tratados. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,2014, p. 151-153.V. ROCHA, Osíris. Curso de direito internacional privado, cit., p. 7-8.Para o estudo detalhado de ambos os temas, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.Curso de direito internacional público, cit., p. 721-821.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 7.V. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 38.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 25.GOLDSCHMIDT, Werner. Derecho internacional privado…, cit., p. 22.Cf. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado: problemas selectos. Caracas: Fundación Fernando Parra-Aranguren, 1991,p. 44-46; DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 3 e 7; e BASSO,Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 19. Para severas críticasaos que consideram o DIPr como apenas regulador das relações privadas, v. aindaCASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 87-89.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 7.Cf. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 9.Nesse sentido, v. ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de direito dos conflitosinterespaciais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 14: “Usamos indistintamente asexpressões direito internacional privado e direito dos conflitos interespaciais,não obstante esta última se nos afigure a mais ajustada à disciplina jurídica queobjetiva fixar a norma aplicativa a uma relação jurídica quando entrar em divergênciasistemas jurídicos coetâneos de dois ou mais Estados, razão pela qual intitulamos opresente trabalho de direito dos conflitos interespaciais”. Ainda para críticas àexpressão “direito internacional privado”, v. CASTRO, Amilcar de. Direitointernacional privado, cit., p. 100-103.ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 19, citandoKahn.Assim, VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 21: “Se a leiestranha, autônoma, for acorde, no assunto, com a lei própria do observador, doforo, a questão de DIPr não se levanta, o problema é puramente nacional, estadual,regional etc.”.

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Cf. FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Sobre el contenido del derecho internacionalprivado. Revista Española de Derecho Internacional, vol. XXXVIII (1986), p. 69-108.Para um inventário da posição da doutrina brasileira relativa ao tema, v. MARQUES,Claudia Lima. Ensaio para uma introdução ao direito internacional privado, cit., p.339-343.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 13-14; eVALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 42.V. PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito internacional privado e aplicação deseus princípios com referência às leis particulares do Brasil, cit., p. 12;MACHADO VILLELA, Álvaro da Costa. Tratado elementar (teórico e prático) dedireito internacional privado, t. I, cit., p. 48-50; ESPINOLA, Eduardo. Elementos dedireito internacional privado, cit., p. 7 e 23; WOLFF, Martin. Derechointernacional privado, cit., p. 12-14; ROCHA, Osíris. Curso de direitointernacional privado, cit., p. 22-23; PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso generalde derecho internacional privado…, cit., p. 25-28; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz.Notas à ciência do direito internacional privado. In: BAPTISTA, Luiz Olavo &MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria eprática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 354 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV); e SOUTO, Cláudio. Introdução crítica aodireito internacional privado, cit., p. 107, nota 34 (“Sadia é, antes, a orientaçãoalemã, que limita o ‘Direito Internacional Privado’ ao ‘conflito de leis’”). Assimtambém, BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L.Batalha de. O direito internacional privado na Organização dos EstadosAmericanos, cit., p. 16, acrescentando, porém, o conflito de jurisdições:“Entretanto, rigorosamente o Direito Internacional Privado cinge-se ao tema doconflito de leis de Direito privado, das leis processuais, tributárias, penais, bemcomo ao conflito de jurisdições (…)”.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 1; CASTRO,Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 49-50; e FOCARELLI, Carlo.Lezioni di diritto internazionale privato. Perugia: Morlacchi, 2006, p. 2. Sobre acaracterística de método ou técnica do DIPr, assim leciona Maristela Basso:“Parece que modernamente o direito internacional privado tenha alcançado o statusde técnica. (…) As normas jusprivatistas internacionais conduzem o jurista àtécnica de determinação da aplicação da lei nacional ou estrangeira aos casos comelementos estrangeiros, a partir de um método (ou técnica) especial destinado asatisfazer um conceito de justiça própria e concreta” (Curso de direitointernacional privado, cit., p. 13-14).Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 39.

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CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 75.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 51.WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 12-13.V. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 9; e TENÓRIO,Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 13, assim: “A própriadenominação da disciplina assinala os seus limites. Entretanto, os novos rumos dodireito e as questões a respeito da divisão do direito em público e privado,repercutem no exame do objeto do direito internacional privado, a ponto de perdertal direito sua pureza privatística. As leis penais, o direito administrativo, alegislação do trabalho, o direito judiciário civil, as leis fiscais e do ensino, ramos dafrondosa árvore do direito público, comportam conflitos entre leis e paísesdiferentes e, assim, reclamam soluções adequadas que se inspiram na teoria dodireito internacional privado”.Cf. MACHADO VILLELA, Álvaro da Costa. Tratado elementar (teórico e prático) dedireito internacional privado, t. I, cit., p. 6; NIBOYET, J.-P. Principios de derechointernacional privado, cit., p. 198-199; LEVONTIN, Avigdor. Choice of law andconflict of laws. Leiden: Sijthoff, 1976, p. 2; PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Cursogeneral de derecho internacional privado…, cit., p. 46-47; DOLINGER, Jacob.Direito internacional privado…, cit., p. 5; BASSO, Maristela. Curso de direitointernacional privado, cit., p. 16-18; PINHEIRO, Luís de Lima. Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 42; e DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso dedireito internacional privado. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,2014, p. 2-3.NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 199.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 14. Também nosentido de não pertencerem a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro aoobjeto do DIPr, v. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direitointernacional privado, t. I, cit., p. 34-37; WOLFF, Martin. Derecho internacionalprivado, cit., p. 17-18; CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p.59-66; BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L.Batalha de. O direito internacional privado na Organização dos EstadosAmericanos, cit., p. 16; RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacionalprivado…, cit., p. 27 e 34; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…,cit., p. 30; PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p.169-170; e STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 43-45. Esseúltimo internacionalista, a propósito, assim leciona: “Parece-nos que a razão estácom Amilcar de Castro, quando acentua que ‘a nacionalidade e o domicílio sãorelevantes circunstâncias de conexão tomadas em consideração pelo direitointernacional privado, mas decididamente não fazem parte do objeto desta

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disciplina, que não regula nem a aquisição, nem a perda, nem a mudança de uma ououtra’. (…) A condição jurídica do estrangeiro entra nas cogitações do direitointernacional privado, mas não constitui seu objeto. A condição jurídica doestrangeiro visa à solução de um problema, e o direito internacional privado, deoutro” (Op. cit., p. 43-44). Em sentido contrário, alocando a nacionalidade e acondição jurídica do estrangeiro no âmbito do objeto do DIPr, v. NIBOYET, J.-P.Cours de droit international privé français, cit., p. 11; FERNANDES, Adaucto. Cursode direito internacional privado. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana,1971, p. 9; e TIBURCIO, Carmen. Private international law in Brazil: a brief overview.Panorama of Brazilian Law, vol. 1, nº 1, 2013, p. 14.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 83.Nesse exato sentido, v. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado,cit., p. 6: “A esse objeto, ou seja, conflitos de leis no espaço, Bartin, famosointernacionalista francês, acrescentou o conflito de jurisdição. Contudo, essa suatese não logrou o menor êxito, posto que as controvérsias sobre jurisdição já fazemparte dos mesmos conflitos, pois uma coisa envolve outra”. V. ainda, a precisa liçãode Amilcar de Castro: “Vários autores, inadvertidamente, atribuem ao direitointernacional privado a função de resolver conflitos de jurisdição, totalmentedeslembrados de que, na hora atual, não podem haver conflitos de jurisdição naordem internacional. É certo que, a respeito de competência geral, o direitoprocessual internacional de um Estado pode dispor de um modo, enquanto o deoutro disponha em sentido contrário, mas nem essas divergências importamconflito de jurisdição, nem é função do direito internacional privado remediar osinconvenientes delas resultantes” (Direito internacional privado, cit., p. 57).BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I,cit., p. 87. Sobre o conflito de jurisdições, v. JATAHY, Vera Maria Barreira. Doconflito de jurisdições: a competência internacional da justiça brasileira. Rio deJaneiro: Forense, 2003.Nesse exato sentido, v. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p.50.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 269.A propósito, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacionalpúblico, cit., p. 881-1021; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitoshumanos, cit., p. 49-152.V. assim, ANDRADE, Agenor Pereira de. Manual de direito internacional privado,cit., p. 21; e ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 40.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 12-37; e VALLADÃO, Haroldo. Posição do direito internacional privado

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frente às divisões: internacional-interno e público-privado (primado da ordemjurídica superior). In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.).Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais,2012, p. 133-146 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).Ratificada pelo Brasil em 03.08.1929, e promulgada pelo Decreto nº 18.871, de13.08.1929.Assim, v. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 81 (“…e se oefeito internacional da apreciação depende do direito do forum, e não dos direitosdas jurisdições estranhas, mais uma vez fica evidente que o direito internacionalprivado é parte integrante da ordem jurídica nacional”); ARAÚJO, Luís Ivani deAmorim. Curso de direito dos conflitos interespaciais, cit., p. 8 (“…conjunto deregras de direito interno que objetiva solucionar os conflitos de leis ordinárias deEstados diversos…”); ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p.29 (“Não é internacional, nem privado, pois é ramo do direito público interno”);STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 98 (“Já demonstramos que,no estado atual da ciência jurídica, o direito internacional privado é direito interno,é direito nacional de cada país”); MARQUES, Claudia Lima. Ensaio para umaintrodução ao direito internacional privado, cit., p. 319 (“…ramo especializado dodireito interno, existente hoje no ordenamento jurídico dos países do mundo…”); eDEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado, cit., p. 2(“…visualizamos o Direito Internacional Privado como o conjunto de normas dedireito público interno que busca, por meio dos elementos de conexão, encontrar odireito aplicável…”).VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 57. No mesmosentido está a lição de Oscar Tenório, que, com cautela, diz: “O direito internacionalprivado é, em grande parte, ramo do direito interno” [grifo nosso]; assim,reconhece haver normas internas e internacionais a reger a disciplina (cf. Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 19-20).Cf. FIORATI, Jete Jane. Inovações no direito internacional privado brasileiropresentes no Projeto de Lei de Aplicação das Normas Jurídicas. In: BAPTISTA, LuizOlavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado:teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 244 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 15-16.ESPINOLA, Eduardo. Idem, p. 14.V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados, cit., p. 219-227.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 58. Nesse sentido, v.também SOUTO, Cláudio. Introdução crítica ao direito internacional privado, cit.,p. 116-119; e ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Curso de direito dos conflitos

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interespaciais, cit., p. 13, assim: “Os choques de leis de que trata o direitointernacional privado, a despeito de desacordos doutrinários, abarcam todas asrelações jurídicas – públicas e privadas –, dado que todas alcançam os indivíduosque residem e exercitam suas atividades fora de seus respectivos Estados…”.NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 61.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 59.Cf. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 1-9.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 24. Cf. ainda,WASSMUNDT, Fritz. Divergências de leis e sua harmonização: solução proposta aalguns problemas jurídicos presos ao direito internacional privado. In: BAPTISTA,Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado:teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 63-85 (ColeçãoDoutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).Cf. LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans le droit international privécontemporain…, cit., p. 9-238; e DOLINGER, Jacob. Evolution of principles forresolving conflicts in the field of contracts and torts, cit., p. 187-512.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 78.A alteração da nomenclatura Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) para Lei deIntrodução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) foi criticada por algunsjuristas brasileiros, sob o argumento de que já era público e notório que a antigaLICC tinha abrangência para além do Código Civil, é dizer, para todas as normas dodireito brasileiro. Assim a crítica de Dolinger: “O Congresso, ao sancionar esta lei,nada mais fez do que reiterar o que era óbvio, evidente, notório, reconhecido,aplicado e respeitado. (…) Poderia alguém suspeitar que estes fundamentos básicosde nosso sistema jurídico, estabelecidos pelo legislador de 1942, se referissem tãosomente ao Código Civil? Que não se aplicassem igualmente às leis comerciais,administrativas, tributárias, penais e processuais? A doutrina e a jurisprudênciabrasileiras sempre aplicaram as normas temporais do Decreto-lei de 1942 comoprincípios imanentes a todo o sistema jurídico nacional. (…) De maneira que oconteúdo da lei de 1942 demonstra clara e insofismavelmente sua abrangência atodos os setores do direito brasileiro, a todas as “normas de direito brasileiro”. (…)Aprovar em 2010 uma lei para modificar a ementa da lei de 1942, para reiterar oque sempre foi aceito como pacífico, é um desperdício legislativo, uma medida semsignificado, uma legislação sem sentido, um desrespeito a como esta lei foiinvariavelmente estudada e interpretada pelos mestres e aplicada pelos tribunais emdécadas” (DOLINGER, Jacob. Uma lei ridícula. Jornal O Globo, de 26.01.2011,Caderno Opinião, p. 7). A crítica, para nós, é sem sentido. Se já era notório que aLICC operava para todas as normas do direito brasileiro, a alteração da suanomenclatura para LINDB em nada modifica o seu propósito, tampouco o seu

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espírito; ao contrário, o reafirma.A propósito, cf. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direitointernacional privado, cit., p. 77-84.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 51.Para tais críticas, v. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit.,p. 45-46.De autoria dos professores João Grandino Rodas, Jacob Dolinger, Rubens LimongiFrança e Inocêncio Mártires Coelho.Diário do Senado Federal, de 17.09.2004, p. 29.717-29.761.Nos termos do art. 332 do Regimento Interno do Senado Federal.O texto integral do Projeto (e sua justificativa) encontra-se anexado ao final destevolume.Cf. FOELIX, M. Traité du droit international privé ou du conflit des lois dedifférentes nations en matière de droit privé, t. 1, cit., p. 29-30; PIMENTA BUENO,José Antônio. Direito internacional privado e aplicação de seus princípios comreferência às leis particulares do Brasil, cit., p. 13-14; e BEVILÁQUA, Clovis.Princípios elementares de direito internacional privado, cit., p. 15-18.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 293-294.V. PILLET, A. Principes de droit international privé, cit., p. 301-332; RODAS, JoãoGrandino. Choice of law rules and the major principles of Brazilian privateinternational law. In: DOLINGER, Jacob & ROSENN, Keith S. (Ed.). A Panorama ofBrazilian Law. Coral Gables: University of Miami, 1992, p. 310-313; STRENGER,Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 476-477; DINIZ, Maria Helena. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 213; e VALLADÃO,Haroldo. Lei nacional e lei do domicílio. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI,Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 123-132 (Coleção Doutrinas essenciais:direito internacional, vol. IV).Sobre o critério do domicílio nos países da common law, v. STORY, Joseph.Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 39-49. Para as razões que têmlevado os Estados a optar por um ou outro critério, v. BEVILÁQUA, Clovis.Princípios elementares de direito internacional privado, cit., p. 134-149;ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 380-389;WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 72-73; e DOLINGER, Jacob.Direito internacional privado…, cit., p. 296-298. No plano convencional, oTratado de Direito Civil Internacional de Montevidéu (1889) determina que “[a]capacidade das pessoas rege-se pelas leis de seu domicílio” (art. 1º). A França, porseu turno, que em seu direito anterior adotava o critério domiciliar, passou

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posteriormente a adotar a nacionalidade para a regência do estatuto pessoal: cf.NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 429-430.BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 84-85.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 299. Em sentidocontrário, defendendo o critério da nacionalidade, v. LINS, Edmundo. Limites doimpério da lei no espaço. Revista da Faculdade Livre de Direito do Estado deMinas Geraes, nº 9, Ouro Preto, ago. 1914, p. 364-365 (sob o argumento, para nósequivocado, de que “tanto a pessoa não prefere o lugar do domicílio, que nãoabandonou sua nacionalidade”); e PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 159 (para quem só oprincípio da nacionalidade “serve à harmonia entre a função social do indivíduo,parte de um povo, e a liberdade de se mover no mundo; só ele corresponde àsexigências práticas da vida”).PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 211. Na defesa do critério da nacionalidade, v. também PIMENTA

BUENO, José Antônio. Direito internacional privado e aplicação de seusprincípios com referência às leis particulares do Brasil, cit., p. 28.Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 386.Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14.09.1980, ratificada em24.09.1980, e promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21.11.1990, tendo entradoem vigor internacional em 02.09.1990 (e, para o Brasil, em 23.10.1009, na formado seu art. 49, § 2º).V. art. 3º, § 1º, da Convenção, verbis: “Todas as ações relativas às crianças, levadas aefeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais,autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar,primordialmente, o interesse maior da criança”.V. TIBURCIO, Carmen. Private international law in Brazil…, cit., p. 22.Cf. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 103.Nesse sentido, v. STF, RE 12.969/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Afrânio Costa(convocado), j. 12.05.1953, DJ 10.12.1953. Na doutrina, cf. VALLADÃO, Haroldo.Direito internacional privado…, cit., p. 198-199; e DOLINGER, Jacob. Direitointernacional privado…, cit., p. 314.FERNANDES, Adaucto. Curso de direito internacional privado, cit., p. 349.

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1.

Capítulo III

Fontes do DireitoInternacional Privado

Introdução

As fontes de um determinado ramo jurídico podem ser materiais ouformais. Aquelas são fontes de produção (elaboração) de certa normajurídica, decorrendo, v.g., de necessidades sociais, econômicas, políticas,morais, culturais ou religiosas; as segundas são os métodos ou processos decriação de uma norma jurídica, ou seja, as diversas técnicas que permitemconsiderar uma norma como pertencente ao universo jurídico. As fontesmateriais, como se percebe, são mais remotas (mediatas), enquanto asformais são mais próximas (imediatas).

O estudo das fontes materiais do direito não pertence, como se sabe, àsciências jurídicas, senão à sociologia e, em última análise, ao legislador.1

Por isso, interessa a este livro tão somente o estudo das fontes formais doDIPr, em especial do DIPr brasileiro, as quais não se distinguem, em geral,daquelas conhecidas nos diversos outros ramos do direito (civil, penal,empresarial, administrativo, trabalhista, processual etc.).

Podem as fontes do DIPr ser internas (nacionais, brasileiras) ouinternacionais, variando, em maior ou menor medida, relativamente aoassunto de que se trata; tanto as fontes internas como as internacionaispodem, por sua vez, ser escritas (leis, tratados etc.) ou não escritas (comoos costumes). Alguns temas de DIPr são mais incisivamente versados por

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fontes internas (leis, decretos, regulamentos, costumes internos etc.); outros,mais por fontes internacionais (tratados, costumes internacionais etc.);alguns deles são versados, indistintamente, tanto por fontes internas comointernacionais.

Como se nota, o sistema das fontes contemporâneas do DIPr é umsistema misto, eis que os Estados têm suas leis internas, seus regulamentose seus costumes domésticos, mas também são partes em grande número detratados internacionais, tanto multilaterais como bilaterais, relativos àmatéria (para além de se subordinarem aos costumes internacionais sobreDIPr).2 Há, em suma, uma pluralidade de fontes normativas capazes de darrespostas às questões jurídicas interconectadas hoje existentes, o quedemonstra ser o DIPr contemporâneo um direito verdadeiramente plúrimo(ou plurifontes) em termos de fundamentação, não se encontrando regido,rigidamente, quer por uma ou por outra categoria de fontes, senão por todaselas simultaneamente. Os benefícios advindos dessa constatação são nítidospara as partes em uma questão de DIPr sub judice, notadamente em razãodas múltiplas alternativas e possibilidades que passa a ter o PoderJudiciário para resolver as questões jurídicas apresentadas.3

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2.

2.1

Fontes internas

São fontes internas do DIPr aquelas provindas de uma dada ordemestatal. Tais fontes, historicamente, têm sido as mais importantes dessadisciplina na maioria dos países, suplantando as de índole internacional.Tanto a Constituição, como as leis e os costumes nacionais estabelecem,cada qual ao seu modo, regras aplicáveis aos conflitos de leis no espaçocom conexão internacional, merecendo devida análise.

Destaque-se que mesmo nos países europeus, que contam com umapluralidade maior de fontes do DIPr, como, v.g., os tratados institutivos e,principalmente, o direito derivado emanado dos órgãos da União Europeia,as normas internas ainda figuram como de importância fundamental para aciência do conflito de leis.4

Pelo fato de as normas internas regularem, com maior ênfase, osconflitos de leis no espaço com conexão internacional, é que a generalidadeda doutrina atribui ao DIPr a característica de ramo do direito públicointerno do Estado.5

Constituição e leis

As normas escritas de Direito interno – especialmente a Constituição eas leis – são as fontes mais importantes do DIPr em vários países,predominando sobre os costumes (internos e internacionais) e sobre ostratados. Entre a Constituição e as leis, porém, o certo é que tem cabido aestas últimas a tarefa prioritária de regular a maioria dos conflitosinterespaciais existentes, notadamente nos países de tradição romano-germânica.

No Brasil, como em diversos outros países, a quase totalidade dasnormas conflituais de DIPr também se faz presente nas leis; o textoconstitucional brasileiro, por sua vez, dispõe de pouquíssimas regras sobreconflitos interespaciais. Apesar, porém, da escassez das normas de DIPr na

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Constituição Federal, pode ser citada a regra prevista no art. 5º, XXXI,que, acolhendo o prélèvement,6 dispôs que “a sucessão de bens deestrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefíciodo cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja maisfavorável a lei pessoal do de cujus”.

A lei é, sem dúvida, a fonte mais constante do DIPr em todos os países.É por meio dela – da lex fori – que prioritariamente se estabelecem asregras conflituais a serem seguidas pelo juiz do foro quando presente umconflito de leis no espaço com conexão internacional. A ConstituiçãoFederal americana, no Artigo IV, Seção 1, dispõe expressamente que “todaa fé e crédito devem ser dados, em cada Estado, aos atos, arquivos e peçasjudiciárias públicas de todos os outros Estados”, complementando que “oCongresso pode, por leis gerais, prescrever a maneira pela qual tais atos,arquivos e peças devem ser estabelecidos, assim como os seus efeitosdecorrentes”. Ainda que a disposição tenha relevo para os conflitosinterestaduais no âmbito da federação estadunidense, o que dali sempre seextraiu é a importância das leis como fonte do DIPr naquele país, mesmoque, na prática, a maioria dos conflitos interespaciais norte-americanosencontre solução na Federal Common Law.

Ainda que existam tratados internacionais a regular os conflitos de leisno espaço, bem assim costumes (internos e internacionais) a tratar damesma matéria, o certo é que as leis internas continuam disciplinando commaior abrangência essa temática em vários países. De fato, é facilmenteperceptível que as normas internacionais e costumeiras que regulam o DIPrsão em número bastante reduzido, quando comparadas com as leis internasque tratam do mesmo assunto. Daí a importância que têm as normas internaspara o DIPr, especialmente a Constituição e as leis.

A fonte interna mais importante para o DIPr brasileiro atual é a Lei deIntrodução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº4.657, de 4 de setembro de 1942, com redação dada pela Lei nº 12.376, de30 de dezembro de 2010), que disciplina o assunto nos arts. 7º a 19. ALINDB, porém, como já se disse, tem sido criticada por não teracompanhado a evolução do DIPr no mundo contemporâneo, razão pela

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qual deixa de regular inúmeras questões que a atualidade coloca.7 Há,porém, inúmeras outras normas de DIPr esparsas na legislação brasileira.Assim, v.g., no Código de Processo Civil encontram-se normas relativas àcompetência internacional, à prova do direito estrangeiro e à homologaçãode sentenças estrangeiras.

Destaque-se, porém, que as leis que disciplinam o DIPr nacional e asnormas por elas indicadas para resolver a lide, por serem leis, estãosubordinadas, como não poderia deixar de ser, às regras e princípios daConstituição Federal e de seu bloco de constitucionalidade em geral (bemassim dos tratados internacionais em vigor no Estado – v. item 3.1, infra ).8

As leis de DIPr (e as por elas indicadas) são leis ordinárias comoquaisquer outras, devendo respeito ao Texto Maior, sob pena de nãorecepção (se anteriores à Constituição) ou de inconstitucionalidade (seposteriores à Constituição). Objeta-se, contudo, que as leis estrangeirasindicadas pela norma de DIPr da lex fori não estariam aptas a sofrer examede constitucionalidade no Brasil, por provirem de sistema jurídico distintodo nosso. Tal raciocínio, no entanto, é equivocado, pois quando um juizaplica uma lei estrangeira num caso de DIPr é porque tal lei foi indicadapela norma nacional competente, a partir de quando passa a integrar, aindaque reflexamente e para determinado caso concreto, a coleção de leisnacionais. O controle de constitucionalidade, portanto, se exerce sobre asleis nacionais de DIPr e também sobre aquelas por elas indicadas; ambas(as leis nacionais de DIPr e as por elas indicadas) não se movimentam emespaço exterior à órbita constitucional, em terreno alheio às regras eprincípios constitucionais, mas integram a ordem jurídica da qual aConstituição é norma soberanamente superior. Por esse motivo, os direitosfundamentais previstos no texto constitucional hão de impedir a aplicaçãodas normas de DIPr ou das normas estrangeiras indicadas contrárias aosseus mandamentos.9 Daí prevalecer o texto constitucional brasileiro (bemcomo os tratados de direitos humanos incorporados) sobre eventual normaestrangeira indicada que preveja, v.g., desigualdade entre homens emulheres, entre filhos havidos na constância do casamento e os não havidosnele, ou discriminação em razão de raça, sexo, língua, religião etc. Frise-se, a propósito, que nos termos do art. 4º do Código Bustamante “[o]s

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preceitos constitucionais são de ordem pública internacional”, a reforçar oimpedimento de aplicação do direito estrangeiro contrário às normas deíndole constitucional. Em suma, deve o juiz do foro estar atento para se aindicação feita pela lex fori não está a violar normas constitucionais,especialmente as de direitos fundamentais, caso em que deverá rechaçar aaplicação da norma indicada em desacordo com o comandoconstitucional.10

Exemplo concreto do que se acabou de dizer ocorreu na Alemanha,decidido pelo Tribunal Constitucional daquele país em 1971.11 Tratava-sede um espanhol, solteiro, que pretendera casar-se na Alemanha com umacidadã alemã, divorciada. Pela norma de conflito alemã a capacidade paracasar haveria de reger-se pela lei nacional de cada um, caso em que sefazia necessário comprovar, no momento da habilitação do matrimônio, acapacidade de cada qual nos termos da lei do país de origem. O cidadãoespanhol não logrou o certificado, tendo em vista que uma das partes (aalemã) era impedida de se casar na Espanha, por não ser ali autorizado odivórcio. Após negado o casamento pelas instâncias judiciárias alemãs,recorreu o casal ao Tribunal Constitucional, alegando violação de umanorma constitucional alemã, qual seja, a relativa à liberdade de casamento.Em sua decisão, o Tribunal Constitucional reconheceu a violação daConstituição (bem assim, diga-se, da Convenção Europeia de DireitosHumanos de 1950) e autorizou o casamento, esclarecendo que a aplicaçãodo direito estrangeiro designado pela regra de conflito alemã sujeitava-se,também, aos imperativos da Constituição. Houve, como se vê, interferênciadireta do texto constitucional, especialmente dos direitosconstitucionalmente assegurados, no momento da aplicação da regraconflitual de DIPr alemão, consagrando-se, naquele caso, o efeitohorizontal dos direitos fundamentais (Drittwirkung).12 Em virtude dessajurisprudência, o Parlamento Federal alemão alterou a Lei de Introdução aoCódigo Civil em 1986.

É evidente que a supremacia constitucional (e internacional) que seacabou de referir terá lugar apenas quando mais benéfica à proteçãoapresentada. Para chegar a essa constatação e compreender corretamente ofenômeno, deve o juiz do foro, sobretudo, aplicar “diálogo das fontes” para

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a solução adequada da questão sub judice, como se verá adiante (v. item4.1, infra).

Costume nacional

Também não se descarta o costume nacional como fonte interna doDIPr, utilizado, em sistemas como o nosso, especialmente quando o juiz doforo não encontra norma escrita a resolver a questão entre normasinterconectadas. De fato, em muitos países, além das normas escritas, hátambém costumes nacionais a reger as relações jurídicas de DIPr. Oselementos de conexão lex rei sitae, mobilia sequuntur personam e locusregit actum são, v.g., de caráter costumeiro em vários países.13 No Brasil,em razão do disposto no art. 4º da LINDB, os costumes apenas serãoutilizados em caso de omissão legislativa: “Quando a lei for omissa, o juizdecidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípiosgerais de direito”.

Nos países que fazem parte da common law há regras de DIPr queprovêm dos precedentes jurisprudenciais, que também formam certo tipo decostume.14 Também na França, que, não obstante ter grande codificaçãocivil, dispõe de pouquíssimas e incompletas regras de DIPr, estas têm sidoditadas constantemente pela Corte de Cassação, formando um sólidocostume interno relativo à matéria.15

Uma disposição como a do art. 17 da LINDB, que retira a eficáciainterna das leis, atos e sentenças de outro país que violem, v.g., a ordempública brasileira, há de ser compreendida também à luz do que oscostumes nacionais entendem por “ordem pública”. Quanto à referência queo mesmo art. 17 da LINDB faz aos “bons costumes”, sequer paira dúvidasda importância de conhecer os costumes locais para fins de aplicação dequaisquer leis, atos ou sentenças de outros Estados. Ainda que essaconcepção de costume (como fonte geral do Direito interno) seja um poucodiferente daquela em que o costume nacional é fonte direta do DIPr, o certoé que se trata de compreensões interligadas, em que uma praticamentedepende da outra (especialmente no que tange às normas de DIPr provindas

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do Direito interno, não de tratados ou costumes internacionais etc.). Strictosensu, porém, o que se está aqui a demonstrar é que o costume nacionaltambém é fonte formal do DIPr, capaz de estabelecer, v.g., um elemento deconexão válido para a interconexão entre duas legislações estrangeiras,como o citado princípio locus regit actum.

Outro exemplo concreto de elemento de conexão costumeiro no DIPr é aautonomia da vontade, por meio da qual faculta-se às partes derrogar(expressa ou tacitamente) as normas de conflito e definir, elas próprias, odireito aplicável em certos casos, quando não houver violação à soberaniaou à ordem pública do país. No Brasil, cuja legislação não prevê paratodos os casos a autonomia da vontade como elemento de conexão posto,fica ela autorizada, por se tratar de costume nacional sedimentado (v. Cap.V, item 4.4, infra ).

O juiz nacional deve pesquisar o costume nacional estrangeiro e aplicá-lo quando esse for indicado pela norma de DIPr da lex fori. Deve omagistrado nacional “pesquisar esse costume em cada caso, ouvindotestemunhas, colhendo indícios, fazendo exame comparativo entre os usosinternos e externos e o grau de aceitação no âmbito internacional”.16 Apósinvestigar a vigência e validade do costume nacional estrangeiro, deverá ojuiz nacional aplicá-lo internamente, tal como aplica qualquer normaescrita, nacional ou estrangeira.

Não parece existir no Brasil, diferentemente do que ocorre em outrospaíses, sobretudo nos europeus, nítidos costumes nacionais relativos aoDIPr.

Doutrina e jurisprudência interna

Destaque-se o papel preponderante da doutrina e da jurisprudênciainterna no auxílio e determinação do direito aplicável quando presentedeterminado conflito de leis no espaço com conexão internacional. Tantouma como outra, porém, não são fontes propriamente ditas do DIPr emnosso sistema jurídico.17 É dizer, da doutrina e da jurisprudência dos

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tribunais pátrios não nascem normas conflituais, senão apenas certo auxíliopara que o juiz encontre a correta ordem jurídica aplicável ao casoconcreto. Tal não lhes retira, contudo, o inegável papel que têm para aresolução de vários conflitos de leis no espaço atualmente existentes. NaEuropa, v.g., onde há milhares de relações jurídicas entre pessoas dediversos países e sobre todos os campos do direito, a jurisprudência sedesenvolveu de tal maneira que foi capaz (sobretudo na França) deestabelecer princípios norteadores das atividades dos juízes relativamenteà aplicação das normas de DIPr. Daí a afirmação de Niboyet de que, nocontexto francês, a jurisprudência “tem necessariamente um papel maior nodireito internacional privado que em relação a outros ramos do direito”.18

Em outros sistemas jurídicos, como o dos países da common law, étambém altamente relevante o papel da jurisprudência interna, pois essa éque determina, de maneira quase absoluta, as regras nacionais aplicáveisaos conflitos de leis estrangeiras interconectadas. Aqui, diferentemente donosso sistema, em que predominam as normas escritas sobre os conflitos deleis, parece coerente afirmar ser a jurisprudência verdadeira fonte formaldo DIPr.19 Tal não significa, porém, que o papel da jurisprudência internados países da civil law reste ou continue diminuído. No Brasil,especificamente, porém, não se pode dizer existir verdadeira“jurisprudência” de DIPr, pois as soluções judiciárias (especialmente dostribunais superiores, como o STJ e o STF) em matéria de conflitos de leisestrangeiras no espaço têm sido raras, não obstante o expressivo aumentodas ondas migratórias em nosso país e da intensificação das relaçõescomerciais internacionais.20 De fato, salvo os casos de homologação desentenças estrangeiras e de concessão de exequatur a cartas rogatórias,nunca houve, entre nós, progresso expressivo na órbita jurisprudencial aenvolver o DIPr, bastando, para tanto, passar os olhos na jurisprudência dascortes superiores brasileiras desde o Império.

Relativamente aos países da civil law, o argumento de que ajurisprudência seria fonte interna do DIPr pelo fato de se manifestar sobretodas as questões submetidas à sua apreciação não convence, pois ostribunais locais decidem também todas as questões de Direito interno(civil, penal, processual, constitucional, administrativo, comercial,

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trabalhista, tributário etc.) que lhes são submetidas, o que não transforma oseu decisum (ainda que reiterado e uniforme) em fonte do Direito internono que tange a todos os conhecidos ramos do Direito. Ora, se ajurisprudência existe é porque, para a sua formação, as decisões judiciáriasque para tal contribuíram basearam-se em direitos já antes conhecidos; emdireitos que já existiam ao tempo de sua formação e que se sagraramfundamentais para que um entendimento uniforme sobre eles se fixasse. Nãohá, portanto, jurisprudência fundada no vazio, no vácuo, no nada, que nãolevou em conta, para a sua formação, certos direitos anteriormente emvigor. Se a jurisprudência é a uniformização das decisões judiciárias apósmanifestações reiteradas sobre um determinado tema, é porque,evidentemente, um dado direito (não o vazio) já existia e vigorava ao tempoda implementação da uniformização jurisprudencial.21

Também a doutrina não é propriamente fonte do DIPr, uma vez que asproposições teóricas não têm o poder de criar direitos ou impingirobrigações. De fato, nem direitos nem obrigações nascem dos livros, senãoa sua interpretação e compreensão, assim como as propostas deimplementação de direito novo.22 Isso não retira da doutrina, contudo, o seurespeito e importância, notadamente porque no âmbito do DIPr as leisnacionais (como também os tratados) não resolvem a contento inúmeros dosproblemas apresentados. De fato, o DIPr é matéria ainda carente deaprimoramento, de contornos bem definidos e de precedentes sólidos, o queleva a doutrina a esforços incomuns no encontro das soluções devidas,chegando, até mesmo, a ser “criativa” em muitos casos. Nesse sentido, têmgrande valor doutrinário para o DIPr os textos e documentos provindos dasentidades científicas internacionais, a exemplo do Institut de DroitInternational, da International Law Association, da Conferência da Haia deDireito Internacional Privado, do Unidroit, da Câmara de ComércioInternacional, do Comitê Jurídico Interamericano e da ConferênciaEspecializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado.23

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3.

3.1

Fontes internacionais

São fontes internacionais do DIPr aquelas provindas diretamente daordem internacional, tais os tratados e os costumes internacionais; trata-sedas fontes, como se nota, comuns a dois ou mais Estados.24 Atualmente, taisfontes avultam de importância nessa disciplina, por regularem aspectosespecíficos do DIPr, às vezes não disciplinados pelas fontes de índoleinterna. Outras vezes, porém, não obstante existir fontes internas adisciplinar certo problema de DIPr, os tratados ou os costumesinternacionais complementam a legislação doméstica dos Estados,auxiliando o juiz na resolução do conflito sub judice. Nesse papel,portanto, também merecem destaque as fontes internacionais do DIPr,especialmente pelo fato de, atualmente, se buscar (já se disse e se vaicomplementar à frente) cada vez mais um “diálogo das fontes” na resoluçãodos conflitos internormativos (v. item 4.1, infra ).25

Tratados internacionais

Ante a impossibilidade de existência de um Direito Uniforme para todoo planeta, os Estados têm procurado regular os conflitos de leis estrangeirasno espaço pela conclusão de tratados internacionais específicos. De fato,tais instrumentos têm experimentado enorme proliferação nos últimostempos, versando temas e assuntos dos mais variados relativos ao DIPr.Sejam bilaterais ou multilaterais, o certo é que os tratados constituem afonte internacional mais importante do contemporâneo DIPr.26

A afirmação que se acaba de fazer é curiosa, especialmente pelo fato deatestar que a fonte internacional mais importante do DIPr provém do DireitoInternacional Público, o que demonstra a primazia deste, enquantodisciplina jurídica, sobre a ciência do conflito de leis. Nesse sentido está alição de Luís de Lima Pinheiro, para quem “o Direito Internacional Privadotem o seu fundamento último no Direito Internacional Público,

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especialmente no que toca ao Direito de Conflitos”.27 Essa também é aopinião de Pontes de Miranda, ao sustentar que a primazia exercida peloDireito Internacional Público sobre o Direito interno – por delimitar acompetência dos Estados em matéria legislativa – se estende às normas deDIPr, que igualmente são normas internas.28 De fato, sendo o DIPr regido, apriori, pelo Direito interno do Estado, iguala-se a qualquer outra normainterna,29 que se subordina ao Direito Internacional Público em vigor nopaís, nos termos do art. 27, primeira parte, da Convenção de Viena sobre oDireito dos Tratados de 1969: “Uma parte não pode invocar disposições deseu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Daí aconstatação de que cada Estado “pode ditar a extensão espacial das normasdo Direito interno de outros Estados, salvo existindo tratados ouconvenções internacionais”.30

Seria impossível listar aqui todos os tratados de relevo para o DIPrbrasileiro. Assim sendo, basta agora saber – devendo o juiz do foro, senecessário, realizar a investigação respectiva – que vários instrumentosinternacionais estabelecem as conexões necessárias à determinação da leiaplicável nas situações por eles reguladas. Havendo, então, tratadointernacional a regular determinada conexão (v.g., o domicílio, anacionalidade ou o lugar da realização do ato), deverá o seu comando serlevado em conta em detrimento de quaisquer disposições internas emsentido contrário.

É evidente que, para vigorarem no plano interno, devem os tratados serratificados pelo governo (após referendo do Congresso Nacional) e jáestar em vigor no plano internacional, quando, então, poderão impor novasregras de DIPr aos Estados-partes, revogando as leis internas que lhe foremcontrárias. A autorização parlamentar dá carta branca ao Presidente daRepública para ratificar tratados, porém não o obriga a tanto; édiscricionária a ratificação de tratados em nosso sistema jurídico, podendoou não ocorrer a partir da aprovação (referendum) do CongressoNacional.31 Uma vez ratificados, se já em vigor externo, passam os tratadosa operar no Brasil, ampliando a coleção das normas com vigência interna.Todo o processo de celebração de tratados vem previsto pela ConstituiçãoFederal de 1988 (arts. 84, VIII, e 49, I) e pela Convenção de Viena sobre o

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Direito dos Tratados de 1969. Frise-se, contudo, que segundo ajurisprudência atual do STF a hierarquia dos tratados comuns (como é ocaso dos que versam regras de DIPr) é a mesma das leis ordinárias.32 Nãoobstante, à luz da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados esseentendimento ressente-se de equívoco, pelo fato de não serinternacionalmente lícito que um Estado invoque disposição de seu Direitointerno (a rigor, qualquer disposição de todo o Direito interno) parajustificar o inadimplemento de um tratado, o que demonstra haver, sim,primazia do Direito Internacional Público sobre o direito interno estatal.33

Uma fonte convencional importante para o DIPr brasileiro, embora dealcance limitado, é a Convenção de Direito Internacional Privado (CódigoBustamante) de 20 de fevereiro de 1928,34 elaborada pelo jurista cubanoAntonio Sánchez de Bustamante y Sirvén. Trata-se de um instrumento com437 artigos, que versa praticamente todas as questões de DIPr e de direitoprocessual civil internacional, sendo, por isso, considerado a codificaçãoconvencional mais completa existente sobre o DIPr. Sua aplicação prática,porém, tem encontrado certa dificuldade entre nós, ainda mais quando seconstata que muitas de suas disposições caíram em verdadeiro desuso, nãoobstante a qualidade de tratado de que se revestem. Pontes de Miranda,nesse sentido, afirmava com hostilidade ser o Código de Havana “merotratado, de quase nenhuma aplicação”.35 Evidentemente que com a primeiraassertiva não se pode concordar; primeiro, por ser o instrumentocodificação exaustiva de DIPr, não “mero tratado”, e, segundo, porquesendo tratado prevalece sobre a LINDB naquilo em que houverdivergência. Isso é o que nos ensina, aliás, a Convenção de Viena sobre oDireito dos Tratados de 1969 (art. 27). Na prática, porém, é verdade quetem operado certo desuso da Convenção de Havana. Outro problema a elaatinente é que a sua aplicação restringe-se tão somente às relações queenvolvem nacionais ou domiciliados em seus pouquíssimos quinze Estados-partes, não às ligadas a nacionais ou domiciliados em terceiros Estados(v.g., na América do Norte ou em toda a Europa).36 Para as questões deDIPr, v.g., entre Brasil e Chile, Brasil e Equador ou entre Brasil eHonduras, as disposições da Convenção se aplicam; não, porém, àsrelativas a Brasil e Estados Unidos ou a Brasil e qualquer país europeu,

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como claramente determina o art. 2º da introdução ao Código de Havana,para o qual as disposições do Código “não serão aplicáveis senão entre asRepúblicas contratantes e entre os demais Estados que a ele aderirem”.37

Alguns autores, contudo, como Jürgen Samtleben, entendem, sem razão, tero Código Bustamante aplicação universal, é dizer, valor jurídico tambémpara as relações atinentes a Estados-partes com não partes.38 No Brasil,igualmente, o STF, de forma errônea, já aplicou o mesmo Código emdiversos casos envolvendo países europeus (especialmente em matéria deextradição e de homologação de sentenças estrangeiras). Em um dessescasos, a Corte decidiu que “[e]mbora Portugal não haja ratificado esseCódigo, ele foi aprovado por lei no Brasil e assim o critério por ele fixado,quanto ao conceito de lei de ordem pública e nacional…”.39 O próprioCódigo, repita-se, é claro ao afirmar que apenas entre os seus Estados-partes terá valor jurídico vinculante. Seja como for, como lembra Dolinger,nada obsta que se invoque o Código a título de doutrina, isto é, como meioauxiliar à atividade prática do juiz para questões envolvendo nacionais oudomiciliados em Estados que não o ratificaram.40 Por esse motivo, oCódigo Bustamante vem constantemente citado no decorrer deste livro.

Ainda no que tange ao Brasil, merece destaque a ConvençãoInteramericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, de1979, em vigor entre nós desde 27 de dezembro de 1995.41 Tal Convençãoestabelece, no art. 1º, que “a determinação da norma jurídica aplicável parareger situações vinculadas com o direito estrangeiro ficará sujeita aodisposto nesta Convenção e nas demais convenções internacionaisassinadas, ou que venham a ser assinadas no futuro, em caráter bilateral oumultilateral, pelos Estados Partes”, complementando que apenas “na faltade norma internacional, os Estados Partes aplicarão as regras de conflito doseu direito interno”.

Existem, atualmente, inúmeras convenções que versam temas estritos ouconexos de DIPr, merecendo destaque as convenções internacionais deDireito Uniforme (v. Cap. I, item 3, supra). Tais convenções, a exemplodas normas internas de DIPr, estabelecem regras de conexão aplicáveis aosconflitos de leis no espaço com conexão internacional que regulamentam.Na Europa, têm destaque as convenções da Haia sobre diversos tipos de

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conflitos normativos, quer no âmbito do Direito Civil como no do DireitoComercial.

Até mesmo os tratados não ratificados têm importância para o DIPr,especialmente os que cristalizam costumes internacionais.42 Nesses casos,os tratados (ainda não ratificados e, portanto, ainda não em vigor noEstado) passam a ter valor como costume e, assim, podem (devem) seraplicados pelo juiz no caso concreto. Tudo estará a depender, porém, dovalor que a prática dos Estados e a jurisprudência dos tribunaisinternacionais atribuem a tais tratados não ratificados, devendo o juiznacional ficar atento quanto à aplicação desses acordos em outros Estados,para que, assim, esteja assegurado de que a sua aplicação ao caso subjudice guarda plena autorização jurídica.

Reitere-se, por fim, que todas as fontes convencionais (tratados) deDIPr prevalecem sobre as leis nacionais sobre conflitos de leis, à luz doque dispõe o já citado art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dosTratados, pois, como é sabido e consabido, uma “lei posterior ao tratadonão o revoga, ao passo que um tratado pode alterar lei anterior, no campodas relações estabelecidas entre os Estados signatários”.43

Costume internacional

Embora de rara aplicação se comparado aos tratados, também ocostume internacional se constitui em fonte formal do DIPr.

Segundo o conhecido art. 38, § 1º, b, do Estatuto da CIJ, entende-se porcostume internacional a “prova de uma prática geral aceita como sendo odireito”. Daí se percebe haver dois elementos para a formação do costumeinternacional: a prática generalizada de atos por parte dos Estados(elemento material ou objetivo) e sua aceitação como norma jurídica(elemento psicológico ou subjetivo).44 Assim, à medida que uma práticarelativa a certo conflito de leis passa a ser aceita pela sociedadeinternacional a título de norma jurídica, tem-se, então, formado um costumeinternacional sobre esse conflito normativo, caso em que os Estados

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3.3

deverão normalmente observá-lo no plano do seu Direito interno,especialmente na ausência de outras fontes escritas (tais as leis e ostratados internacionais em vigor).

A aplicação de um costume internacional pelo Estado há de ser direta,isto é, sem necessidade de “transformação” ou “incorporação”. Tal como naórbita externa, o costume internacional é também diretamente aplicável noplano interno, não demandando qualquer ato estatal para que produzaefeitos. Destaque-se que no Brasil essa aplicação direta dos costumes éexpressamente consagrada no art. 4º da LINDB, segundo o qual, “quando alei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, oscostumes e os princípios gerais de direito”.

Alguns dos costumes internacionais aplicados no DIPr foram reduzidosa termo, para maior visibilidade e clareza, sobretudo pela Câmara deComércio Internacional (sediada em Paris). É exemplo dessa regulação apublicação denominada Incoterms (International CommercialTerms/Termos Internacionais de Comércio).45 Esses “termos” comerciaisinternacionais colocam em prática o costume internacional relativo aocomércio internacional e são observados pelos atores que lidam nesse ramode atividade.46

Diferentemente, porém, do que ocorre no plano do Direito InternacionalPúblico, em que os costumes internacionais têm papel preponderante,regulando, ainda hoje, vários aspectos importantes da vida internacionaldos Estados, percebe-se que no campo atinente ao DIPr tais costumes nãotêm logrado a mesma expressão jurídica, o que se deve, em parte, àsdificuldades de sua formação no que toca às soluções dos conflitosnormativos típicos do DIPr.47 Daí a constatação de ser o costumeinternacional “uma forma de coercibilidade ainda em constituição e nãodesenvolvida o bastante para obrigar efetivamente os Estados particulares,em cada um dos quais prepondera a autoconsciência afetiva dasoberania”.48

Jurisprudência internacional

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Apesar de raros os casos de DIPr resolvidos por tribunaisinternacionais, não se descarta o papel da jurisprudência internacional noauxílio e determinação do direito aplicável em casos de conflitos de leis. Éevidente, porém, ser incomparável o papel da jurisprudência internarelativamente à jurisprudência internacional. Além de mais nítida para ojuiz do foro, a jurisprudência doméstica resolve problemas sempre maisconstantes no plano interno que a jurisprudência internacional. Seja comofor, repita-se mais, o papel da jurisprudência internacional enquantodeterminante do direito aplicável a uma relação de DIPr ainda se mantém,não obstante para um número reduzido de questões.

O escasso número de casos de DIPr julgados por tribunaisinternacionais deve-se ao fato de serem geralmente afetos a particulares,que não podem ingressar – senão por meio de proteção diplomática porparte de um Estado – diretamente em uma corte internacional para vindicardireitos seus, sendo certo que os Estados, também muito raramente, lançammão da proteção diplomática para vindicar, em nome próprio, perante umtribunal internacional, direitos de particulares lesados por outros Estados.49

Os tribunais internacionais, não há dúvidas, podem aplicar o direitointerno dos Estados litigantes para decidir, internacionalmente, uma questãode DIPr, firmando, com isso, jurisprudência internacional sobre o tema.Diferentemente, porém, do juiz interno, que deve aplicar ex officio a normaindicada pela regra de DIPr, não têm os tribunais internacionais obrigaçãode proceder de ofício. Obrigar um tribunal internacional a proceder exofficio na aplicação da lei estrangeira é demasiado exigente para umajurisdição que, diversamente do Poder Judiciário interno, resolveprecipuamente questões interestatais (à exceção, evidentemente, das cortesregionais de direitos humanos, cujos temas de DIPr, a priori, não lhe sãoafetos).

Tanto a anterior Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI),criada ao tempo da Liga das Nações, como a atual Corte Internacional deJustiça (CIJ), instituída a partir da criação das Nações Unidas, julgarampouquíssimos temas de DIPr até hoje.50 Destaque-se, nesse sentido, océlebre caso Boll, entre Suécia e Holanda, julgado pela CIJ em 1958, em

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que a Corte foi instada a decidir sobre qual lei seria aplicável (se a leisueca ou a holandesa) no caso da guarda de uma criança holandesaresidente na Suécia, de acordo com a Convenção da Haia de 1902 sobreposse e guarda de menores, quando então entendeu ser aplicável a lei suecaem razão, inter alia, da norma de ordem pública da melhor proteção dacriança (residente na Suécia) e da conformidade com a Lei Sueca de 1924sobre proteção de crianças menores.51

Nada de similar é possível dizer no que toca aos tribunais arbitrais,especialmente em matéria de direito comercial internacional, os quais “têmproduzido considerável jurisprudência que tem se constituído emimportante fonte de direito internacional privado, tanto em sua manifestaçãode soluções conflituais, como, e principalmente, de soluções de carátersubstancial, conhecida como lex mercatoria – uma lei não escrita, decaráter uniforme, internacionalmente aceita, para reger as relaçõescomerciais transnacionais”.52

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4.

4.1

Conflitos entre as fontes

A existência de uma pluralidade de fontes do DIPr (leis, tratados,costumes etc.) leva à necessidade de se encontrar meios para resolver osconflitos que podem surgir entre essas fontes. Tais conflitos podem ter lugarno que tange às fontes de categorias distintas e àquelas de mesmacategoria.

Conflitos entre fontes de categorias distintas

Em vários países tem-se utilizado do critério hierárquico para aresolução das antinomias entre as fontes do DIPr de categorias distintas(v.g., entre um tratado internacional e uma lei interna). Nesse sentido, não éincomum alguns ordenamentos internos preverem a prevalência dos tratadossobre a legislação interna em matéria de DIPr. Assim é, v.g., na Alemanha,em que da Lei de Introdução ao Código Civil (art. 3º) determinaexpressamente que as disposições dos atos jurídicos da União Europeia edos tratados internacionais diretamente aplicáveis na Alemanha derrogam oseu Direito interno em matéria de DIPr, em seus respectivos âmbitos deaplicação.

Essa solução, contudo, segundo Erik Jayme, não é aconselhável para oDIPr na pós-modernidade. Segundo Jayme, em vez de simplesmente excluirdo sistema certa norma jurídica pela aplicação do critério hierárquico,deve-se buscar a convivência entre essas mesmas fontes por meio de um“diálogo” (diálogo das fontes). Assim, na visão de Erik Jayme, a soluçãopara os conflitos normativos que emergem no DIPr pós-moderno há de serencontrada pela harmonização (coordenação) entre suas fontesheterogêneas, as quais não se excluem mutuamente (normas de direitoshumanos, textos constitucionais, tratados internacionais, sistemas nacionaisetc.), mas, ao contrário, “falam” umas com as outras. Eis sua lição: Desdeque evocamos a comunicação em direito internacional privado, o fenômeno

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4.2

mais importante é o fato que a solução dos conflitos de leis emerge comoresultado de um diálogo entre as fontes mais heterogêneas. Os direitoshumanos, as Constituições, as convenções internacionais, os sistemasnacionais: todas essas fontes não se excluem mutuamente; elas ‘falam’ umacom a outra. Os juízes devem coordenar essas fontes escutando o que elasdizem.53

Essa “conversa” entre fontes de categorias distintas (Constituição,tratados, leis, regulamentos etc.) é que permite encontrar, no DIPr pós-moderno, a verdadeira ratio de ambas as normas em prol da proteção dapessoa humana, em geral, e dos menos favorecidos, em especial.54

Conflitos entre fontes de mesma categoria

No conflito entre fontes de mesma categoria (v.g., entre dois tratadosinternacionais) a solução contemporânea aponta, relativamente às normasde DIPr, para a aplicação da norma mais favorável à pessoa.

Perceba-se que a hipótese agora colocada, no que tange às normasconvencionais, não versa obrigatoriamente o caso do conflito entre tratadossucessivos sobre a mesma matéria, cujo método de resolução encontrasuporte no art. 30 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.55

Aqui se coloca a questão do conflito que pode existir entre duas normas damesma categoria (v.g., tratados) que orbitam em círculos eventualmentedistintos, ambas potencialmente aplicáveis a um mesmo caso concreto deDIPr.

Erik Jayme exemplifica com o caso do reconhecimento de uma decisãoem matéria de pensão alimentícia, para o qual tanto a Convenção da Haiade 1973 como a Convenção de Bruxelas de 1968 poderiam ser aplicadas;como cada qual, porém, possui cláusula de exclusão de outras normaspotencialmente aplicáveis, não se saberia qual delas, efetivamente, haveriade ser aplicada. Assim, os tribunais alemães aplicaram o princípio segundoo qual prevalece a norma mais favorável às pessoas em causa.56

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Cf. MACHADO VILLELA, Álvaro da Costa. Tratado elementar (teórico e prático) dedireito internacional privado, t. I, cit., p. 16.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 60.Nesse sentido, v. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p.32: “Isso nos leva a sustentar que o universo das fontes do direito internacionalprivado é caracterizado por pluralismo e complexidade e, por essa razão, nãofaltarão aos tribunais subsídios suficientes para o julgamento dos casos comelementos estrangeiros”.Cf. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 240.Para críticas, v. o que se disse no Cap. II, item 3.1, supra.Juridicamente, a expressão francesa conota a lei que há de ser aplicada em favor dointeresse do nacional; tem o mesmo significado que o princípio da lei maisfavorável ou favor negotii (v. Cap. VII, item 4.5, infra).V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 45-46.A propósito, cf. GANNAGÉ, Léna. La hiérarchie des normes et les méthodes dudroit International privé: étude de droit International privé de la famille. Paris:LGDJ, 2001, p. 5; e MUNAGORRI, Rafael Encinas de. Droit international privé ethiérarchie des normes. Revue de Théorie Constitutionnelle et de Philosophie duDroit, vol. 21 (2013), p. 71-89.A propósito, v. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 228: “São,sobretudo, os princípios gerais de base de um sistema jurídico que se apresentamcomo obstáculo à aplicação da lei estrangeira. Entre esses princípios figuram osdireitos fundamentais do indivíduo, enunciados pela Constituição”.Havendo colidência da lei indicada com tratado de direitos humanos em vigor noBrasil, deve também o juiz nacional exercer o controle de convencionalidade danorma em questão.Sobre o caso e sua repercussão, v. MOURA RAMOS, Rui Manuel Gens de. Direitointernacional privado e Constituição: introdução a uma análise de suas relações.Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 204-213; e ARAUJO, Nadia de. Direitointernacional privado…, cit., p. 113-115.V. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 114; e FRIEDRICH,Tatyana Scheila. A proteção dos direitos humanos nas relações privadasinternacionais. In: RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Tatyana Scheila (Coord.). Direitoshumanos: evolução, complexidades e paradoxos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 175-178.Sobre o efeito horizontal dos direitos fundamentais, v. especialmente SILVA, VirgílioAfonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas

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relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 21; e TENÓRIO, Oscar.Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 89. Sobre o princípio locus regitactum, v. especialmente SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8,cit., p. 344-362.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 59.Sobre o costume no DIPr francês, v. NIBOYET, J.-P. Cours de droit internationalprivé français, cit., p. 25-26.AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 21.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 93-94; e FERRAZ

JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação.4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2003, p. 245-246. Aceitando a jurisprudênciacomo fonte do direito em geral, v. MONTORO, André Franco. Introdução à ciênciado direito. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 404-406;e, atribuindo à jurisprudência o caráter específico de fonte do DIPr, v. STRENGER,Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 116-119; e DEL’OLMO, Florisbal deSouza. Curso de direito internacional privado, cit., p. 33.NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 26. Assimtambém ARMINJON, Pierre. L’objet et la méthode du droit international privé.Recueil des Cours, vol. 21 (1928), p. 497, para quem: “(…) em virtude dainsuficiência, da obscuridade, da inconsistência das regras de conflito e de suaslacunas, os tribunais dispõem, em direito internacional privado, de um poderextremamente amplo”. Ainda sobre a influência da jurisprudência no DIPr francês,v. AUDIT, Bernard & d’AVOUT, Louis. Droit international privé. 7. ed. refondue.Paris: Economica, 2013, p. 18-20.Cf. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 25.Criticamente, cf. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p.91-92.Sobre essa problemática, v. SOUZA, Gelson Amaro de. Processo e jurisprudênciano estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1989.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 27; e REALE,Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. SãoPaulo: Saraiva, 1994, p. 11-12.Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 35-36;OCTAVIO, Rodrigo. Direito internacional privado…, cit., p. 210-266; e DOLINGER,Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 66-67.V. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 47.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.

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Não é neste livro, porém, o lugar de estudar a teoria dos atos internacionais e todasas questões que ela suscita, o que já foi realizado com detalhes em obra específica:v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados. 2. ed. rev., atual. e ampl. Riode Janeiro: Forense, 2014, 638p.PINHEIRO, Luís de Lima. Relações entre o direito internacional público e o direitointernacional privado. In: RIBEIRO, Manuel de Almeida, COUTINHO, Francisco Pereira& CABRITA, Isabel (Coord.). Enciclopédia de direito internacional. Coimbra:Almedina, 2011, p. 492. Daí por que não se pode concordar com a opinião de FerrerCorreia, para quem “[a]s convenções internacionais só como fonte mediata de DIPpodem ser consideradas” [grifo do original] (Lições de direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 29).Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935, p. 392-395.Nesse exato sentido, v. a lição de ARAUJO, Nadia de. Direito internacionalprivado…, cit., p. 28-29: “A diferença do DIPr em relação ao direito interno, é, tãosomente, a existência de um elemento de estraneidade na relação, quando há um elocom o direito material de um Estado estrangeiro, além daquele no qual a questãoestá sendo julgada”.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 47.Assim também na Argentina, como se colhe em GOLDSCHMIDT, Werner. Derechointernacional privado…, cit., p. 50-51.V. STF, RE 466.343/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 03.12.2008, DJe12.12.2008.V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados, cit., p. 219-227. Apropósito, v. também BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direitointernacional privado, t. I, cit., p. 56 (“… o direito interno, seja ele mero Direitoprivado ou propriamente Direito internacional privado, se acha sempre abaixo doDireito das gentes, cujas determinações não pode, ou pelo menos não deve,violentar”); e FOCARELLI, Carlo. Lezioni di diritto internazionale privato, cit., p. 9(“Pertanto una convenzione internazionale debitamente resa esecutiva cheeventualmente disciplinasse una materia di diritto internazionale privato prevalesulle norme legislative nazionali, comprese quelle contenute nella legge diriforma”).Promulgada no Brasil pelo Decreto nº 18.871, de 13.08.1929 (com reservas aosarts. 52 e 54). Além do Brasil, o Código Bustamante foi ratificado apenas porBolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti,Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, El Salvador e Venezuela.

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PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 131.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 126; e DOLINGER,Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 76.O texto é da versão original em espanhol, que se refere à aplicação do Código“[entre] as Repúblicas contratantes e [entre] os demais Estados que a eleaderirem…” (a palavra determinante “entre” falta na tradução oficial brasileira).SAMTLEBEN, Jürgen. Derecho internacional privado en América Latina: teoría ypráctica del Código Bustamante. Buenos Aires: Depalma, 1983, p. 156.STF, RE 14.658/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Gallotti, j. 03.07.1950. Em váriosoutros casos referentes a Estados não partes o Código também foi citado peloSupremo: cf. Ext. 1.407/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15.12.2015;Ext. 1.384/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15.12.2015; e Emb. Dec. naExt. 1293/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 10.09.2013.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 77-78.A Convenção foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 36, de 04.04.1995,ratificada em 27.11.1995 (com entrada em vigor em 27.12.1995, nos termos do seuart. 14) e promulgada pelo Decreto nº 1.979, de 09.08.1996.Sobre o tema, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados, cit., p. 252-254.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 95. Nesse exatosentido, v. ANDRADE, Agenor Pereira de. Manual de direito internacional privado,cit., p. 21.Para detalhes, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Algumas questões jurídicas sobre aformação e aplicação do costume internacional. Revista dos Tribunais, ano 101,vol. 921, São Paulo, jul./2012, p. 259-278; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Cursode direito internacional público, cit., p. 128-141.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L.Batalha de. O direito internacional privado na Organização dos EstadosAmericanos, cit., p. 35-36.V. FIORATI, Jete Jane & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Novas vertentes dodireito do comércio internacional. Barueri: Manole, 2003.V., a propósito, NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p.51, que leciona: “On peut dire que, sauf de rares exceptions sur quelquer points, lamatière des conflits (…) n’a pas de source dans la coutume internationale”. Nomesmo sentido, v. GOLDSCHMIDT, Werner. Derecho internacional privado…, cit.,p. 33-34.SOUTO, Cláudio. Introdução crítica ao direito internacional privado, cit., p. 186.

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V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 88.Cf. VAN LOON, Hans. El derecho internacional privado ante la Corte Internacional deJusticia: mirando hacia atrás y mirando hacia adelante. Anuario Español deDerecho Internacional Privado, t. XIII (2013), p. 35-51.V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 88-89; eBALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 14.DOLINGER, Jacob. Idem, p. 88-89. Sobre a nova lex mercatória, v. MAZZUOLI, Valeriode Oliveira. A nova lex mercatoria como fonte do direito do comérciointernacional…, cit., p. 185-223.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.Para um estudo da aplicação do “diálogo das fontes” nas relações entre o direitointernacional dos direitos humanos e o direito interno, v. MAZZUOLI, Valerio deOliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno, cit.,especialmente p. 129-177.Sobre o art. 30 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, v. MAZZUOLI,Valerio de Oliveira. Direito dos tratados, cit., p. 281-292.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 83.

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Capítulo IV

Teoria Geral das Normas do Direito InternacionalPrivado

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Normas indicativas

As normas de DIPr têm uma característica própria que a diferencia dasdemais normas jurídicas: são sempre indicativas ou indiretas.1 Talsignifica que as normas de DIPr não resolvem a questão de fundopropriamente dita, senão apenas indicam qual ordenamento (se o nacionalou o estrangeiro) deverá ser aplicado para a resolução do caso concreto.Esse ordenamento escolhido (nacional ou estrangeiro) é que resolverá aquestão de fundo (mérito) conectada com leis divergentes e autônomasposta sob o exame do Poder Judiciário.2 Assim, as normas de DIPr nãoatribuem direitos ou deveres às pessoas, senão apenas designam a ordemjurídica competente em que tais direitos e deveres estão regulados.Ademais, como destaca Amilcar de Castro, sendo o DIPr “direito desobreposição, ou superdireito, não chega a examinar o conteúdo das ordensjurídicas vigentes nos agrupamentos em conexão, ou referência, com o fato,conteúdo esse de que não depende a essência de sua função”.3 Isso significaque não cabe ao DIPr levar em consideração o conteúdo da norma(nacional ou estrangeira) indicada e, menos ainda, as consequênciasadvindas de sua aplicação.4 As normas de DIPr buscam, tão somente,encontrar o “centro de gravidade” (o “ponto de atração”) da relaçãojurídica sub judice com conexão internacional, isto é, a ordem jurídica quemais se aproxima (por isso os anglo-saxões falam em most significantrelationship) do problema em questão, capaz também de resolvê-lo commaior justiça.5

Normas diretas e indiretas

Quando se lê uma norma como a do art. 5º do Código Civil brasileiro,que dispõe que “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando apessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”, logo sepercebe tratar-se de norma do tipo direta, que soluciona de plano a questão

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jurídica. Quando cessa a menoridade para a prática de todos os atos davida civil? Aos dezoito anos completos. O dispositivo, vê-se, responde àindagação diretamente, trazendo, em si mesmo, a consequência para ahipótese aventada. Diferentemente são as normas indicativas ou indiretas doDIPr, que não respondem à indagação colocada, senão apenas indicam qualnorma (se nacional ou a estrangeira) a responderá. Tome-se, como exemplo,o art. 7º da LINDB, que não diz quais são as regras relativas ao início outérmino da personalidade, ao nome, à capacidade e aos direitos de família,apenas indicando que será “a lei do país em que domiciliada a pessoa” aresponsável por determiná-las.

A lei (nacional ou estrangeira) que a norma indicativa do DIPr mandaaplicar ao caso concreto pode ser, v.g., a lei do lugar da celebração do ato,a do lugar do domicílio ou residência da pessoa, a de sua nacionalidade, ada situação dos bens etc. Cada uma dessas leis regerá situaçõesespecificadas pelas normas de DIPr da lex fori: para uma questão decapacidade da pessoa, a lei aplicável será a do lugar de seu domicílio,residência ou nacionalidade6; para uma questão relativa a bens, será a dolocal em que estejam situados (lex rei sitae) etc.7

Hipótese e disposição

Como se vê, a norma indicativa ou indireta a apresenta sempre umahipótese e uma disposição. Tome-se, como exemplo, o art. 10, caput, daLINDB, segundo o qual “a sucessão por morte ou por ausência obedece àlei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquerque seja a natureza e a situação dos bens”. Nesse caso, o fato da morte ouausência é a hipótese normativa, eis que dele poderão decorrer inúmerasconsequências jurídicas, pois o de cujus terá deixado herdeiros, bens,dívidas etc. A disposição da norma, por sua vez, indica que tais fatos(morte ou ausência) serão regulados pela lei do domicílio do falecido, quepoderá ser uma lei nacional ou estrangeira.8

Diferentemente, porém, do direito comum, que visa solucionar(materialmente) a questão jurídica concreta, no DIPr a norma respectiva

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apenas indica a ordem jurídica adequada à sua resolução. Ademais,enquanto no direito comum há uma hipótese e uma consequência jurídicacom o efeito de obrigar, proibir ou permitir algo, como é, v.g., a pena(consequência) para o cometimento de um crime (hipótese), no DIPr há umahipótese (morte, ausência, obrigação, casamento etc.) e uma disposição,que não obriga, proíbe ou permite algo, senão apenas faz subordinar o fatogeral por ela previsto (morte, ausência, obrigação, casamento etc.) a umcerto ordenamento jurídico.9

Nas normas indicativas de DIPr, à hipótese corresponde o seu objeto deconexão, que identifica um instituto jurídico ou determinada matériaregulada pelo Direito, e à disposição corresponde o seu elemento deconexão, que indica qual ordem jurídica será competente para resolver(materialmente) a questão jurídica concreta (v. Cap. V, infra).

Lex fori e lex causae

Denomina-se a lei nacional de lex fori; e a estrangeira de lex causae(ou lei estranha). Será a lex fori, em princípio, salvo a existência de regrasde Direito Uniforme, que estabelecerá a indicação da norma (nacional ouestrangeira) a ser aplicada em um dado caso concreto sub judice comconexão internacional, sem violar a soberania de qualquer Estado, masapenas se desincumbindo da missão que lhe compete, nos termos do seuDireito interno, de definir qual das ordens resolverá (materialmente) aquestão. Quando indicada (e, portanto, escolhida) a norma estrangeira pararesolver o caso concreto, tal norma deve ser aplicada em toda a suaintegralidade e como direito mesmo, com as respectivas normas devigência, interpretação, aplicação espacial e temporal, sofrendo apenas aslimitações impostas pelas regras de DIPr da lex fori ou decorrentes dolimite geral da ordem pública por elas estabelecido.10

Categorias de normas indicativas

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As normas indicativas comportam três categorias distintas – ou sãobilaterais completas (perfeitas), ou bilaterais incompletas (imperfeitas)ou unilaterais – que podem ser assim entendidas: a) bilaterais completasou perfeitas – são aquelas que não discriminam qual lei, se a nacional ou aestrangeira, deverá reger a situação jurídica. Tome-se, como exemplo, o art.7º, caput, da LINDB, que assim dispõe: “A lei do país em que domiciliadaa pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, onome, a capacidade e os direitos de família”. Perceba-se que a norma serefere à lei do país em que domiciliada a pessoa, que pode ser a leinacional ou a estrangeira, a depender do caso concreto, sendo, por isso,bilateral completa ou perfeita. Trata-se do modelo normalmente seguidopelas diversas legislações, até hoje adotado como regra; b) bilateraisincompletas ou imperfeitas – são aquelas que determinam a aplicação tantodo direito nacional como do estrangeiro, indistintamente, mas limitam o seuobjeto a certos casos relacionados com o país do foro. Por exemplo, oprimeiro Código Civil de Portugal (Código Seabra de 1867) disciplinava,no art. 1.107, que “se o casamento for contraído em país estrangeiro entreportuguês e estrangeira, ou entre estrangeiro e portuguesa, e nadadeclararem nem estipularem os contraentes relativamente a seus bens,entender-se-á que casaram conforme o direito comum do país do cônjugevarão”. Nesse caso, como se vê, a relação com o direito do país do foro eraa nacionalidade portuguesa de um dos cônjuges, o que tornava a norma emquestão em bilateral incompleta ou imperfeita; c) unilaterais – são as queestabelecem a aplicação exclusiva da lei nacional, sempre, porém, queentre a situação em causa e a ordem jurídica interna exista uma conexão dedeterminado tipo. Trata-se de normas que estabelecem o seguinte esquema,assim colocado por Ferrer Correia: “as questões jurídicas da categoria xserão resolvidas pelo direito local, desde que entre a situação a regular eeste ordenamento exista uma conexão do tipo y”.11 Tome-se, como exemplo,o art. 7º, § 1º, da LINDB: “Realizando-se o casamento no Brasil, seráaplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e àsformalidades da celebração”. No mesmo sentido está o art. 9º, § 1º, daLINDB: “Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil edependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as

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peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.E, ainda, o art. 10, § 1º, da LINDB: “A sucessão de bens de estrangeiros,situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjugeou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhesseja mais favorável a lei pessoal do de cujus”. Quando em jogo normasunilaterais de DIPr, deve o intérprete aceitar que, nos ordenamentosjurídicos dos demais países, também será o direito nacional o competentepara reger as mesmas situações, tais como, nos exemplos citados, omatrimônio realizado, a obrigação que ali se executa, a sucessão de bens deestrangeiros ali situados etc.

Evidentemente que a melhor maneira de indicar a lei aplicável (e de termais certeza na sua aplicação) é por meio de norma bilateral completa ouperfeita, pois tal “previne a omissão da lei, indica a lei que possui umvínculo mais estreito com a relação jurídica e ainda se aproxima doobjetivo fundamental do DIPr”.12 Essa é, a propósito, a tendência do DIPrbrasileiro. Efetivamente, como destaca Jacob Dolinger, a norma bilateralcompleta “está mais voltada para o fato jurídico e o exame de suasparticularidades e nuances, observação esta que induz a procurar a lei maisapropriada para a solução, o que leva a maior objetividade e maiorcapacidade de universalizar”.13

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2. Conflitos das normas de DIPr no espaço

À medida que cada Estado tem suas próprias normas de DIPr, surge oproblema – também comum às demais espécies de normas jurídicas – desua aplicação no espaço. Em outros termos, as normas indicativas ouindiretas de DIPr nacionais e estrangeiras podem, entre si, entrar emconflito (positivo ou negativo) no espaço, quando então se diz tratar de umconflito de segundo grau.14 Assim, tais conflitos – a exemplo dos existentesrelativamente à legislação civil, penal, tributária, administrativa,empresarial e processual – são também conflitos de normas no espaço,porém, de normas indicativas ou indiretas de DIPr, ao que se nominaconflito de segundo grau.15

Frise-se, desde já, que havendo divergência entre a lei nacional (lexfori) e a lei estrangeira (estranha) de DIPr deverá o juiz aplicar a quemelhor resolva, com justiça, o caso concreto. Segundo Haroldo Valladão,deve-se rechaçar a opinião radical (das escolas aprioristas, logicistas echauvinistas) de que o juiz do foro deveria aplicar sempre eexclusivamente a sua lei de DIPr, que seria de rigorosa ordem públicainternacional, de caráter absoluto e universalista, ignorando, para todos osefeitos, a lei de DIPr estrangeira, pois esse totalitarismo da lex fori vai deencontro à vocação universal do DIPr de considerar e respeitar a leiestrangeira, harmonizando e balanceando, com justiça e equidade, as leisem conflito do foro e de outro sistema jurídico.16

Nesse exato sentido está o art. 9º da Convenção Interamericana sobreNormas Gerais de Direito Internacional Privado, de 1979, segundo o qual“as diversas leis que podem ser competentes para regular os diferentesaspectos de uma mesma relação jurídica serão aplicadas de maneiraharmônica, procurando-se realizar os fins colimados por cada uma dasreferidas legislações”, complementando que “as dificuldades que foremcausadas por sua aplicação simultânea serão resolvidas levando-se emconta as exigências impostas pela equidade no caso concreto”.

A um mesmo resultado se chega aplicando o que Erik Jayme chamou de

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2.1

“diálogo das fontes”, pelo que, em vez de simplesmente excluir do sistemacerta norma jurídica, deve-se buscar a convivência entre essas mesmasnormas por meio de um diálogo. Como já se falou, segundo Jayme, asolução para os conflitos normativos que emergem no direito pós-modernohá de ser encontrada na harmonização (coordenação) entre fontesheterogêneas que não se excluem mutuamente (normas de direitos humanos,textos constitucionais, tratados internacionais, sistemas nacionais etc.), mas,ao contrário, “falam” umas com as outras.17 Essa “conversa” entre fontesdiversas é que permite encontrar a verdadeira ratio de ambas as normas emprol da proteção da pessoa humana (em geral) e dos menos favorecidos (emespecial).18

Nem sempre, porém, as legislações de DIPr aceitam (ainda) talconstrução, arraigando-se em critérios metodológicos muitas vezes rígidos,como ainda ocorre no Brasil, v.g., no caso da proibição do reenvio (v. item2.2, infra). Seja como for, ao menos no plano doutrinário já é possívelentender que a harmonia das soluções sempre há de prevalecer à rigidez,por ser aquela exatamente a missão que está a perseguir o contemporâneoDIPr.

Os conflitos no espaço das normas de DIPr (ou conflitos de sistemas deDIPr) podem ser de duas ordens: positivos e negativos. Cada qualapresenta soluções próprias, a merecer aqui análise detida.

Conflito espacial positivo

Há o conflito espacial positivo de normas do DIPr quando cada um dosordenamentos em causa indica a sua própria norma para reger a questãojurídica com conexão internacional. Tal seria o caso, v.g., que ocorrequando um juiz brasileiro tem que decidir questão relativa à capacidade,aos direitos de família e à sucessão de um português domiciliado no Brasil.Nessa hipótese, a norma brasileira (LINDB, art. 7º, caput) determina que“a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre ocomeço e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos defamília”, enquanto que o direito português (Código Civil de 1966, art. 25)

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estabelece que o “estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, asrelações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoaldos respectivos sujeitos…”.19 Ou seja, a lei brasileira optou pela lei dodomicílio, enquanto a portuguesa preferiu a da nacionalidade da pessoa.

Entre nós, Eduardo Espinola era da opinião de que havendo conflitoespacial positivo de normas do DIPr, deveria a lex fori ser exclusivamenteaplicada. Segundo o seu entendimento, “[e]stabelecido o conflito nestestermos, a solução que se impõe é que em todos os casos de competência deleis internas de um Estado em virtude de determinação de suas própriasregras de direito internacional privado, somente essas leis serão aplicadas,pouco importando que de acordo com a norma de aplicação vigente emoutro Estado interessado na relação jurídica se afirme a competência dasleis deste último”.20 Em Portugal, Ferrer Correia seguia o mesmoentendimento, ao lecionar que “toda a solução do conflito positivo desistemas diferente da que se traduz no prevalecimento da lex fori aparecerá,ab initio, como inviável”, pelo que “a circunstância de outra lei haver quese julgue competente para regular a espécie jurídica em causa, ou que sejacomo tal reputada por um terceiro sistema, terá de ser havida comoirrelevante: em qualquer caso, haverá que fazer aplicação da lei que paratanto for designada por uma norma do ordenamento jurídico do foro”,concluindo, então, que “[q]ualquer exceção a este princípio só a lex foripoderá derivar”.21

Para nós, diferentemente, a resolução da questão pelo juiz do foro,quando não há norma interna ou tratado internacional a desvendar oproblema, está na harmonização das duas legislações em conflito, eis que asolução simplista em aplicar exclusivamente a lex fori pode não ser justa,especialmente no momento atual, em que o DIPr há de servir como garantiada aplicação do melhor direito (pro homine) aos seres humanos no casoconcreto.22 Essa também é a opinião de Agustinho Fernandes Dias da Silva,ao lecionar que para a resolução do conflito espacial positivo “faz-semister verificar qual o sistema jurídico que tem poder efetivo sobre arelação jurídica em questão, isto é, qual a lei que está em condições de,realmente, se fazer valer com relação ao caso”, concluindo que “[s]e estafor a lei estranha, convém que o juiz renuncie à aplicação da sua lei,

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2.2

igualmente competente, para aplicar aquela realmente eficaz”.23 Tal apenasnão há de ocorrer, repita-se, quando a própria norma interna ou um tratadointernacional resolve a questão, para evitar, sobretudo, a fraude à lei, aexemplo da norma prevista no art. 7º, § 6º, da LINDB, segundo a qual o“divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forembrasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data dasentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igualprazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas ascondições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país”.

Assim, havendo conflito espacial positivo de normas de DIPr, a soluçãoatualmente mais consentânea está na harmonização coerente das normas emconflito para atender à justiça do caso concreto, sem que se imponhamsoluções rígidas, como, v.g., seria a aplicação exclusiva da lex fori ou arenúncia desta em benefício da lei estrangeira. Tudo, nesse campo, deveestar coordenado à luz do critério pro homine de solução de antinomias.

Conflito espacial negativo (teoria do reenvio)

Há o conflito espacial negativo de normas do DIPr quando cada um dosordenamentos em causa exclui a aplicação de suas normas internas para aresolução da questão jurídica com conexão internacional, fazendo incumbira outro sistema jurídico esse mister.24 É o que ocorria, v.g., nos casosrelativos a direitos de família ou de sucessão de brasileiros domiciliadosna Itália, eis que a norma brasileira (LINDB, arts. 7º e 10º) manda aplicar alei do domicílio da pessoa, enquanto a norma italiana (Código Civil de1942, art. 23) ordenava a aplicação da lei de sua nacionalidade.25 Eis aí,tipicamente, o exemplo de conflito espacial negativo de normas do DIPr:enquanto a lei brasileira mandava aplicar a lei italiana, esta devolvia à leibrasileira a competência para resolver a questão.

Havendo conflito negativo de normas do DIPr, qual das leis deverá serefetivamente aplicada? O juiz do foro, no exemplo acima, aplicaria a leiitaliana indicada pela norma brasileira de DIPr, ou a sua própria lei (ouainda, eventualmente, uma norma de terceiro Estado) “devolvida” pela

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norma italiana indicada?Em quase todos os países resolveu-se a questão pela chamada teoria do

reenvio, pela qual fica o juiz do foro vinculado à referência que a lexcausae (lei declarada competente) faça à própria lex fori (retorno;devolução para trás; ou reenvio de primeiro grau) ou à outra lei paradiante (devolução à lei estrangeira; reenvio de segundo grau).26 Há,assim, duas hipóteses possíveis de reenvio: aquela em que a lex causaedevolve a questão à lex fori (reenvio de primeiro grau) e a em que remete asolução a terceira lei (reenvio de segundo grau). No primeiro caso,devolve-se à lei do foro o direito de ser aplicada, e, no segundo, passa-se àfrente, para a lei de terceiro Estado, a regência da questão. Tomando-secomo exemplo o caso de um brasileiro e de um francês domiciliados naItália, a solução seria o juiz brasileiro aplicar a lei brasileira ao brasileirodomiciliado na Itália (retorno) e a lei francesa ao francês domiciliado naItália (devolução à lei estrangeira).27

O caso célebre que originou o debate sobre o reenvio foi o caso Forgo,julgado pela Corte de Cassação francesa em 1882.28 Forgo era cidadãobávaro e vivia há vários anos na França, país onde faleceu intestado edeixando expressiva fortuna mobiliária. Certos parentes colaterais de suamãe habilitaram-se na sucessão, pelo que herdariam segundo a lei daBaviera, mas não conforme a lei francesa, para a qual somente irmãos eirmãs em caso de filiação natural herdariam. Como Forgo não haviaparentes desse grau, a Administration des Domaines francesa reclamoupara o seu Tesouro a herança vacante. Decidiu-se, inicialmente, ser a lei dodomicílio originário do de cujus a competente para resolver a contenda, édizer, a lei da Baviera, por nunca ter sido Forgo “legalmente” domiciliadona França (não havia adquirido o decreto de admissão exigido pelalegislação francesa para tanto, pelo que era apenas de facto alidomiciliado). Questionou-se, então, se o ordenamento jurídico bávaroindicado pela regra de DIPr francesa não deveria ser aplicado em suacompletude, globalmente, ou seja, inclusive com a indicação que fazia àaplicação de outras leis, pois em matéria de sucessão mobiliária aquelaordem jurídica entendia competente a lei do domicílio de facto ou daresidência habitual do autor da herança, que, no caso, volvia à própria lei

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francesa. Percebeu-se, então, que havia devolução ou retorno da ordemjurídica bávara para o direito francês, de incontestável interesse para oTesouro francês. A Corte de Cassação, nesse sentido, entendeu que adevolução operada pela lei bávara obrigava à aplicação da própria lexfori, pelo que a herança dos colaterais foi negada e os bens, ao final,transferidos para o Estado francês. Daí em diante, em suma, passou adoutrina a dar especial atenção ao tema.29

Um argumento de valor prático em favor do reenvio de primeiro grau(retorno) reside no fato de que, por meio dele, o que se irá aplicar será alex fori, com a qual o juiz interno tem maior familiaridade, ficandoafastados os perigos em se aplicar uma lei estrangeira que mal se conhece,mesmo que o juiz nacional domine vários idiomas e disponha de todos osmeios para investigar o teor e a vigência da norma estrangeira.30 Por suavez, no que tange ao reenvio de segundo grau, existe a crítica de não ser aindicação (para uma terceira lei) favorável ao apego à lei nacional.31

Como se nota, o entendimento do tema passa por saber se, quando anorma de DIPr da lex fori indica determinado direito estrangeiro, deve esse“direito estrangeiro” ser tido apenas como direito substancial (material) ouse nele também se incluem as suas normas de DIPr. Se se entender que doconceito de “direito estrangeiro” também fazem parte as suas normas deDIPr, o reenvio será admitido; por outro lado, se se entender que noconceito de “direito estrangeiro” não se incluem as normas conflituais dalex causae, o reenvio não será possível. Para que o reenvio seja aceito,portanto, deve o “direito estrangeiro” ser compreendido em sua totalidade,isto é, globalmente, de forma a abranger tanto o seu direito material quantoas normas de DIPr respectivas (doutrina da Gesamtverweisung).32

O legislador brasileiro atual, inspirado no art. 30 das disposiçõespreliminares ao Código Civil italiano de 1942,33 e contrariando a anteriordoutrina e jurisprudência consolidadas, entendeu que no conceito de“direito estrangeiro” não se incluem as normas conflituais da lex causae,senão apenas suas normas de direito material, pelo que expressamenteproibiu o reenvio entre nós. É o que ficou disciplinado no art. 16 daLINDB, assim redigido: Quando, nos termos dos artigos precedentes, se

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houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta,sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

Assim, não obstante todos os esforços doutrinários e jurisprudenciaisno sentido de se admitir o reenvio no DIPr brasileiro, o certo é que a normade DIPr brasileira em vigor não o autorizou. Pela regra, ficaram igualmenteproibidos os reenvios de primeiro e segundo graus, sem qualquer exceção.34

Essa orientação do direito brasileiro deve ser seguida, inclusive, nostermos do art. 1º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais deDireito Internacional Privado, de 1979, segundo o qual, na falta de normainternacional, “os Estados Partes aplicarão as regras de conflito do seudireito interno”. Entendeu-se, em suma, no Brasil, que o direito estrangeirodeve comportar as limitações previstas pela lex fori, de que é exemplo aproibição dos reenvios de primeiro e segundo graus.

Desse modo, para o direito brasileiro atual o juiz apenas pode aplicar anorma material (substancial) estrangeira indicada pela norma de DIPr dalex fori, estando proibido de aplicar qualquer remissão feita por esta aoutra lei. É dizer, não há no sistema de DIPr brasileiro possibilidade de seaplicar a norma de DIPr estrangeira (ou seja, a norma conflitualestrangeira) indicada pela lex fori, senão apenas a norma alienígenamaterial, pois expressamente proibido o reenvio (de qualquer grau) entrenós. Assim, as normas sobre conflitos de leis presentes na ordem jurídicada lex causae serão descartadas da aplicação pelo juiz brasileiro, quedeve, ante a impossibilidade total do reenvio, localizar somente a normasubstancial estrangeira capaz de solucionar o problema sub judice.

Para Batalha, dois argumentos fundamentais justificam,doutrinariamente, a orientação adotada pelo direito brasileiro: o primeiroconsiste em que, na atualidade, o DIPr é direito interno e o juiz só podeseguir a ordem de seu legislador, vale dizer, só pode decidir segundo ospreceitos de seu próprio DIPr; o segundo, por sua vez, consiste naconsideração de que, adotado em suas consequências o princípio doreenvio, chegar-se-ia num perpetuum mobile, ou numa sala de espelhos, ou,ainda, estar-se-ia jogando tênis internacional. Daí a sua conclusão, naesteira de Roberto Ago, de que “[p]osta essa premissa, parece lógico

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deduzir que a norma de direito internacional privado, quando quer inserirno ordenamento nacional uma norma estrangeira para a disciplina de umfato ou de uma relação da vida humana, não pode referir-se senão a umanorma substancial e precisamente àquela norma substancial que, noordenamento jurídico ao qual se fez referência, contempla a particularcategoria de relações à qual pertence a de que se trata”.35

A crítica, porém, que se faz a esse segundo argumento é no sentido deque impor competência a um Estado que não almeja tal competência – tantoé que devolve ou passa adiante a competência atribuída – é o mesmo quetornar a lex fori superior à lex causae, em franca violação ao princípio daigualdade soberana dos Estados. Ferrer Correia, no entanto, a rebate, aoafirmar que “o problema a que o DIPr se propõe resolver não é umproblema de respeito e coordenação de soberanias, mas sim o de definirpara os diferentes tipos de situações do comércio jurídico internacional(melhor: para os diferentes tipos de questões de direito) – em função deinteresses que primária e fundamentalmente dizem respeito aos sujeitosdessas situações e não aos Estados considerados como tais – a lei que maisconvenha a cada um (a lei da mais forte conexão com os fatos)”. Logo,conclui ele, “[n]em há ofensa de soberania no fato da não aplicação de umalei que se repute aplicável, nem (a fortiori) no fato da aplicação de uma leique se tenha por incompetente”.36

Destaque-se, por fim, que o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004,havia pretendido reintroduzir o reenvio (de primeiro e segundo graus) nodireito brasileiro, nos seguintes termos: Art. 16. Reenvio – Se a leiestrangeira, indicada pelas regras de conexão da presente Lei, determinar aaplicação da lei brasileira, esta será aplicada.

§ 1º Se, porém, determinar a aplicação da lei de outro país, estaúltima prevalecerá caso também estabeleça sua competência.

§ 2º Se a lei do terceiro país não estabelecer sua competência,aplicar-se-á a lei estrangeira inicialmente indicada pelas regrasde conexão da presente Lei.

Merece ser lida, a propósito, a justificativa da comissão redatora do

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Projeto de Lei nº 269, acerca do tema: “Até 1942, nossos tribunaisaceitavam o reenvio que o direito internacional privado de outro paísfizesse à nossa lei. Assim, quando o direito internacional privado brasileiromandasse aplicar lei de outro país e o direito internacional privado desseoutro país remetesse a aplicação às leis brasileiras, aceitava-se talindicação. A proibição do reenvio por parte do art. 16 da LICC [LINDB]não foi, em geral, bem recebida pelos jusprivatistas brasileiros. Tanto adoutrina (Haroldo Valladão), como a jurisprudência (Luiz Galotti)manifestaram severa crítica ao legislador. A doutrina nacional advoga,inclusive, a aceitação do reenvio feito pela lei indicada por nosso direitointernacional privado à lei de um terceiro país – reenvio de segundo grau. Amelhor ilustração do reenvio de segundo grau é dada pela hipótese deFerrer Correia. Pessoa de nacionalidade portuguesa, domiciliada naEspanha, é julgada no Brasil. Segundo o direito internacional privadobrasileiro, deve ela ser julgada pela lei de seu domicílio – Espanha. Odireito internacional privado espanhol indica a aplicação da lei danacionalidade da pessoa – Portugal – com o que a lei conflitual portuguesaconcorda. Dessa maneira, Portugal e Espanha querem aplicar a leiportuguesa, ao passo que o Brasil deseja a aplicação da lei espanhola. Nãofaz sentido que a vontade da lei do país do domicílio e do país danacionalidade da pessoa sejam rejeitadas pela vontade da lex fori (Liçõesde Direito Internacional Privado, Coimbra, Universidade, 1963, pp. 577-8). Daí propugnar-se pela aceitação do reenvio, inclusive de segundo grau,como estabelecido no projeto”.

O Projeto de Lei nº 269, porém, foi arquivado em janeiro de 2011,acabando com a esperança da doutrina em ver novamente operando noBrasil os reenvios de primeiro e segundo graus. Assim, continua mantida,entre nós, a proibição completa de qualquer modalidade de reenvio, nostermos do que dispõe o art. 16 da LINDB.

Ainda que como princípio geral de DIPr seja o reenvio criticável, ocerto é que, como explica Ferrer Correia, seria ele capaz de levar àharmonia das decisões se utilizado como técnica, é dizer, como“procedimento complementar de regulamentação da matéria própria desteramo de direito, como remate da disciplina instituída pelas regras de

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conflitos, como modo de correção dos resultados do jogo normal dessasregras”.37 A solução radical da LINDB, contudo, não entendeu assim; nãopercebeu, em suma, a importância que teria o reenvio para a harmonizaçãodas decisões internacionais. Curioso é que a própria legislação italiana –na qual se abeberou a LINDB para impedir o reenvio entre nós – passou areadmitir o instituto a partir de 1995 na sua Lei de Reforma (Lei nº 218, de31.05.1995).38 O direito brasileiro, assim, quanto ao tema, parece ter ficadoà margem dos significativos avanços do DIPr comparado.

Tout court, o conflito espacial negativo das normas de DIPr revolve-se,no direito brasileiro atual, em favor da lex fori.

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3. Conflitos das normas de DIPr no tempo

Já se viu (v. Cap. I, item 2, supra) que o DIPr não se confunde com oDireito Intertemporal, pois visa resolver conflitos de leis no espaço comconexão internacional, ao passo que este último soluciona conflitos de leisno tempo. Tal não significa, contudo, que entre as próprias normas de DIPrde um dado Estado não possam surgir conflitos intertemporais.39 Trata-sedo que se convencionou chamar de Direito Intertemporal Internacional,destinado a resolver os conflitos das normas de DIPr no tempo.

O problema aparece quando uma norma interna de DIPr altera aregulação conflitual de uma situação jurídica interconectada, anteriormentedisciplinada por outra norma interna de DIPr.40 Tal ocorre com maiorexpressividade quando é editada nova lei de DIPr em completa substituiçãoà normativa anterior. Foi o caso, no Brasil, da edição da Lei de Introduçãoao Código Civil em 1942, em substituição à anterior Introdução ao CódigoCivil de 1916. Exemplo de conflito intertemporal aparecia, v.g., no art. 8ºda Introdução de 1916 em confronto com o art. 7º da posterior LICC:enquanto em 1916 era a lei da nacionalidade que determinava as regras doestatuto pessoal, a partir de 1942 passou a ser a lei do domicílio aresponsável por regular definitivamente a questão (v. Cap. II, item 5.2,supra).

À medida que aumentam as disparidades entre a norma nova e a antiga,podem surgir problemas de difícil resolução, a demandar criteriosaintervenção do julgador, mais ainda nas situações jurídicas apenasparcialmente resolvidas pela lei antiga e pela lei nova. Não interessa,porém, ao direito brasileiro, os conflitos no tempo das normas de DIPrestrangeiras, senão apenas os conflitos no tempo das normas de DIPrnacionais, uma vez que, como já se viu, a LINDB veda expressamente oreenvio (art. 16), é dizer, impede ao juiz nacional que aplique o direitoconflitual da lex causae (obrigando-o a aplicar, tão somente, as normassubstanciais estrangeiras). Interessa, porém, ao direito pátrio, a sucessãode leis (materiais) na ordem jurídica aplicável, é dizer, quando se altera, no

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tempo, o conteúdo substancial da norma estrangeira aplicável. O assunto,contudo, refoge a este tópico. Diga-se, tout court, porém, que a questão seresolve – salvo, evidentemente, afronta à ordem pública do foro – pelasregras da lex causae aplicáveis às antinomias de leis materiais no tempo,pois só assim o juiz nacional veria resolvido o problema como se juizestrangeiro fosse.41

Qual norma nacional de DIPr se aplica havendo conflito no tempo? Emmatéria de direito adquirido, de ato jurídico perfeito ou de coisa julgada, aregra é que se aplique a legislação anterior sobre a matéria em apreço, emdetrimento da norma mais recente, tal como prevê o art. 5º, XXXVI, daConstituição Federal, segundo o qual “a lei não prejudicará o direitoadquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Assim, havendomodificação nas normas do DIPr brasileiro, devem ser respeitados o direitoadquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, nos termos dalegislação aplicável ao tempo em que o direito, o ato jurídico ou a coisajulgada se constituíram, salvo se se tratar de afronta à ordem pública ou aosbons costumes (LINDB, art. 17).42 A norma constitucional referida,evidentemente, há de ser indistintamente aplicada a quaisquer normasinternas, sejam elas materiais ou formais, infraconstitucionais ouconstitucionais, ou, ainda, do próprio DIPr (v. Cap. VI, item 5, infra).43

Veja-se, a propósito, o exemplo trazido por Luís de Lima Pinheiro, ailustrar a questão.44 Dois alemães, tio e sobrinha, ao tempo domiciliados noBrasil, celebraram em Portugal o seu casamento, em 1940. A norma deconflito brasileira então em vigor (Introdução ao Código Civil de 1916)mandava regular a questão da capacidade matrimonial pela lei nacionaldos nubentes; a lei alemã, por sua vez, diferentemente da lei brasileira, nãoconhecia o impedimento de parentesco colateral em terceiro grau, pelo queo casamento haveria de ser considerado válido. Em 1942, a nova leibrasileira de DIPr (Lei de Introdução ao Código Civil) pôs em vigor anorma de conflitos segundo a qual a capacidade matrimonial deve serapreciada pela lei do domicílio (art. 7º). Numa discussão judicial, em1943, sobre a validade do casamento, deveria o juiz brasileiro entendê-loválido (aplicando a lei antiga, de 1916) ou inválido (aplicando a nova lei,de 1942)? Para nós, a própria LICC (lei nova) resolveu a questão, ao

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disciplinar que “[a] Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados oato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada” (art. 6º),entendendo-se por ato jurídico perfeito “o já consumado segundo a leivigente ao tempo em que se efetuou” (art. 6º, § 1º). Trata-se, para a LICC,também de um autocomando normativo, que exclui a própria incidência daLei de Introdução por razões de segurança jurídica, para o fim deresguardar a validade dos atos constituídos de acordo com a lei anterior.Seja como for, atualmente, como se disse, a questão guarda nívelconstitucional no Brasil, nos termos do art. 5º, XXXVI, da ConstituiçãoFederal de 1988, pelo que não caberiam dúvidas, no presente exemplo,sobre a validade no país do casamento dos colaterais alemães (tio esobrinha) realizado em Portugal.

Problema maior, entretanto, surge quando não há norma específica(como a norma constitucional citada) a resolver a questão conflitual, casoem que caberá às regras do Direito Intertemporal comum solucioná-la. Oque indicam tais regras? Segundo Batalha, “[a] maioria dos escritores(Habicht, Zitelmann, Diena, Roubier, Batifoll, Yanguas Messía, ChristianGavalda, Niederer, Miaja de la Muela, Aguilar, Lazcano) sustenta que oconflito entre as regras sucessivas de Direito internacional privado deveser encarado como um conflito entre regras sucessivas de Direito interno,por motivos de analogia evidentes, uma vez que a irretroatividade das leisse impõe tanto num domínio quanto no outro; assim, as novas regras deconflitos devem aplicar-se apenas no caso em que se aplicaria, em Direitointerno, a lei nova; ao contrário, todos os casos, que, segundo o Direitointerno, recairiam sob a aplicação da lei antiga, seriam tratados segundo asantigas regras de conflito”. E arremata: “Roubier, que segue esta últimacorrente de ideias, pondera que as situações jurídicas de Direitointernacional privado são absolutamente idênticas, sob o ponto de vista quenos interessa, às situações jurídicas do Direito interno, porque a presençaou ausência de um elemento estrangeiro em uma situação jurídica, em queconsiste a sua diferença, não interessa ao Direito intertemporal, em que seanalisam as situações jurídicas unicamente segundo o seu desenvolvimentono tempo”.45 Repita-se, porém, que essa solução somente se aplica quandonão há norma específica no foro a solucionar o problema, pois se houver

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norma como a regra constitucional brasileira, o Direito Intertemporalcomum estrangeiro cede perante o controle de constitucionalidade, pelo que(no caso do direito brasileiro atual) a norma anterior é que será aplicada,em respeito aos direitos adquiridos e aos atos já constituídos.

Em suma, por serem as normas de DIPr normas de índole interna, oconflito entre normas sucessivas de DIPr há de se resolver, na falta dedisposição específica, segundo as regras comuns de Direito Intertemporalem vigor no Estado. Foi o que também decidiu o Institut de DroitInternational na sua sessão de Dijon, de 1981, da qual foi Rapporteur o Sr.Ronald Graveson, para o qual: “O efeito no tempo da modificação de umaregra de direito internacional privado é determinado pelo sistema ao qualessa regra pertence”.46 Tal solução, repita-se, baseia-se no fato depertencerem as regras sobre conflitos de leis no tempo ao ordenamentojurídico (ordem interna) de cada Estado, devendo, portanto, esse mesmoordenamento resolver eventuais questões intertemporais que apareçam.47

Havendo conflito no tempo de normas de DIPr de ordem pública, estesempre se resolve em favor da norma mais recente, é dizer, da existente aotempo do processo (do exequatur ou da apreciação dos efeitos jurídicospelo juiz), salvo regra intertemporal expressa.48 De fato, não se opõemdireitos adquiridos às normas de ordem pública (de DIPr ou não) maisrecentes, pelo que estas sempre prevalecerão sobre aqueles. No plano dodireito substancial, cite-se como exemplo o direito adquirido a terescravos, que não subsiste à norma de ordem pública que rechaçaveementemente esse tipo de violação de direitos humanos.

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4.

4.1

Aplicação substancial das normas de DIPr

Verificados o caráter indicativo ou indireto das normas de DIPr (item 1,supra), seus conflitos no espaço (item 2, supra) e no tempo (item 3, supra),cabe agora estudar a sua aplicação substancial. Para se chegar, porém, aessa aplicação, deve o juiz seguir uma metodologia que se inicia com aqualificação da relação jurídica, seguindo-se à determinação do elementode conexão, chegando, finalmente, à determinação da lei aplicável e suaefetiva aplicação ao caso concreto.

Quando, v.g., uma norma de DIPr da lex fori, como a insculpida no art.7º, caput, da LINDB, estabelece que “a lei do país em que domiciliada apessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, onome, a capacidade e os direitos de família”, cabe, primeiramente, aindagação do que se considera “personalidade”, “nome”, “capacidade” e“direitos de família” na lei do país em que domiciliada a pessoa (v.g., naFrança, na Alemanha, na Holanda, na Itália, nos Estados Unidos, no Chile,no Uruguai etc.).

Em razão da formulação e redação genérica das normas do DIPrpresentes nas legislações estatais, as quais não definem o conteúdo daquiloque estão a prever, nasce o problema de saber se a questão que suscita oconflito de leis no espaço se enquadra ou não em determinado grupo oucategoria jurídica; nasce a necessidade de saber, v.g., se a doação causamortis constitui tema do “direito das obrigações” ou do “direitosucessório”, se o casamento entre pessoas do mesmo sexo pertence àsrelações de “direito de família” ou “societárias” etc. Para tanto, faz-senecessário, em primeiro lugar, investigar qual o exato enquadramentojurídico da questão posta sub judice, ao que se nomina problema dasqualificações.49

Problema das qualificações

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Qualificar significa, em DIPr, determinar a natureza de um fato ouinstituto para o fim de enquadrá-lo em uma categoria jurídica existente.50

Trata-se do exercício que há de fazer o juiz para compreender em queâmbito jurídico terá enquadramento o fato ou instituto trazido à questão subjudice (se se trata, v.g., de um caso de direito pessoal, de direito dascoisas, de direito das obrigações, de direito de família, de direito dassucessões etc.).

A qualificação existe pelo fato de várias questões jurídicasapresentarem intensa controvérsia sobre o seu enquadramento científico nalegislação dos diversos países; como cada qual cataloga (classifica,qualifica) um mesmo instituto à sua própria maneira, segundo a sua tradiçãoe a sua cultura jurídica, torna-se necessário verificar, nas questões de DIPr,qual a natureza jurídica do instituto em causa antes da aplicação doelemento de conexão indicado. Seria, de fato, de todo desnecessário estudaro problema das qualificações se em todas as legislações do mundo asquestões jurídicas guardassem idêntico enquadramento, isto é, a mesmaclassificação. Ocorre que tal uniformidade jamais ocorre, pois todos osEstados, no exercício de sua soberania, classificam os institutos jurídicos àsua livre escolha. Assim, v.g., enquanto numa dada ordem jurídica a“doação causa mortis” poderá ser matéria de “obrigação”, noutra,eventualmente, poderá enquadrar-se no tema “sucessão”; enquanto num paísa instituição “casamento” poderá (como no Brasil) ser matéria de “direitode família”, em outro poderá ser tema afeto ao “direito obrigacional”. Ojuiz, evidentemente, depende desse conhecimento – saber se se está diantede tema obrigacional ou sucessório – para localizar a regra de conexãoaplicável ao caso concreto. Da mesma forma, em um país a divisão de bensno divórcio poderá enquadrar-se no direito de família, enquanto, em outro,estará afeta ao direito das sucessões. Portanto, somente “caracterizando”(“definindo”) o fato ou instituto jurídico em causa, poderá o juiz localizar ocompetente elemento de conexão e dar ao caso concreto solução adequada.

A qualificação é, em suma, o processo técnico-jurídico pelo qual sebusca enquadrar os fatos ou institutos jurídicos discutidos no processorelativamente às classificações existentes na lei ou no costume,encontrando-se a solução mais adequada para os diversos conflitos que se

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apresentam entre as pessoas.51 Como se vê, a qualificação, para efeito deaplicação substancial das normas de DIPr, tem lugar no que tange ao objetode conexão (v.g., o contrato, o casamento, a doação, a herança etc.) danorma indicativa ou indireta, não no que toca ao elemento de conexão,52 queserá investigado depois de qualificado o instituto em apreço.53

A aplicação efetiva do elemento de conexão indicado pela normaindicativa implica o exercício anterior de qualificar o instituto jurídico emcausa, para saber qual o seu exato enquadramento jurídico, tendo em vista adivergência de categorizações presente nos ordenamentos dos diversospaíses. Assim, repita-se, antes de localizar a sede jurídica da questão subjudice e de determinar e aplicar a norma de DIPr ao caso concreto, deve ojuiz do foro qualificar o instituto jurídico em causa, para saber o seu exatoenquadramento jurídico (saber se se cuida, v.g., de um caso de direitopessoal, de direito das coisas, de direito das obrigações, de direito defamília, de direito das sucessões etc.). O primeiro passo, portanto, a serrealizado pelo juiz do foro é (a) qualificar (classificar) o instituto jurídicoem causa, para somente depois (b) localizar a sede da questão colocada(encontrando-se o elemento de conexão competente) e, finalmente, (c)determinar e aplicar a norma competente para a resolução do problema.Tomando-se como exemplo o art. 9º da LINDB (verbis: “Para qualificar ereger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”),tem-se que a classificação é a constituição da obrigação, sua localização éo país em que a mesma se constituiu e o direito determinado é o dessepaís.54 Em outro exemplo, se ao qualificar a questão sub judice verificou ojuiz tratar-se de um caso de direito das sucessões, pois relativo a saber sedeterminada pessoa tem capacidade para herdar e em que ordem herda, oelemento de conexão competente (último domicílio do falecido) seráencontrado no art. 10, caput, da LINDB, segundo o qual “a sucessão pormorte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado odefunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dosbens”.55 Nesse exemplo, qualificada a questão sub judice (caso de direitodas sucessões) e descoberto o competente elemento de conexão (últimodomicílio do de cujus), resta ao juiz efetivamente aplicar a lei indicadapela norma de DIPr e resolver a questão principal.

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A qualificação, por envolver a descoberta da natureza (classificação)do fato ou instituto jurídico objeto da questão sub judice, deve ser realizada– como propugnou Haroldo Valladão – em etapas, levando em conta tanto alex fori (qualificação provisória) como a lex causae (qualificaçãodefinitiva),56 como se verá à frente. Agora, importa apenas saber que aqualificação visa compreender a natureza da questão em debate (se dedireito pessoal, de direito de família, de direito das sucessões, de direitodas obrigações etc.). Tomem-se, a propósito, os seguintes exemplostrazidos por Irineu Strenger: a doação causa mortis é matéria de obrigaçãoou sucessão? Arrendamento é direito pessoal ou real? Outorga uxória emfiança é problema de capacidade ou corresponde aos efeitos dasobrigações? O Estado recolhe a herança jacente a título de herdeiro ou porocupação? A prescrição é instituto de direito formal ou material?57

O processo de qualificação – que leva ao conhecimento do elemento deconexão – toma em consideração, como explica Jacob Dolinger, um de trêsdiferentes aspectos: o sujeito, o objeto ou o ato jurídico, tudo dependendoda categorização que se tiver estabelecido inicialmente. Aqui, tem-se umaclassificação tripartite assim estabelecida: a) quando a decisão for relativaa saber por qual direito será regido o estatuto pessoal e a capacidade dosujeito, a localização da sede da relação jurídica se fará em função do seutitular (o sujeito do direito); b) no tratamento do estatuto real, há de selocalizar a sede jurídica pela situação do bem (móvel ou imóvel); e c) noque tange à localização dos atos jurídicos, sua sede se define ou pelo localda constituição da obrigação, ou pelo local da sua execução.58

Exemplo clássico sobre o problema da qualificação é o semprelembrado caso da viúva maltesa, relativo a um casamento de um casalmaltês, ocorrido na ilha mediterrânea de Malta, sem pacto antenupcial. Nocaso, após o casamento o casal transferiu-se para a Argélia, em 1889, tendoali o esposo feito grande fortuna. Falecido o marido, a viúva vindicouperante o juiz francês, segundo a lei maltesa, o usufruto das propriedadesdeixadas pelo de cujus em território argelino (então administrado pelaFrança). O recurso à lei maltesa deu-se pelo fato de que o direito francês,em vigor na Argélia, não dava à viúva qualquer possibilidade de ficar comos bens do de cujus. Assim, viu-se o juiz francês diante do seguinte

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problema: se enquadrasse a questão no direito sucessório à viúva nadacaberia, pois, segundo a lei francesa, em matéria de sucessão deveria serobedecida a lex sitae (e a legislação francesa negava qualquer direitosucessório à viúva); se, porém, enquadrasse o problema no direitomatrimonial, a norma francesa de conflito levaria à aplicação da leimaltesa, permitindo-se à viúva participar dos bens do marido (arts. 17 e 18do Código de Malta). O tribunal, ao final, qualificou o caso como de direitomatrimonial e não direito sucessório, decidindo, assim, em favor daviúva.59

A qualificação dos fatos ou institutos jurídicos submetidos ao processodeve realizar-se, em primeiro plano, pelos conceitos do DIPr ou do direitosubstancial da lex fori (qualificação provisória).60 Será, portanto, a lei dojuízo a responsável por determinar, antes de tudo, inexistindo divergênciacom a lex causae, a natureza jurídica de tais fatos ou institutos jurídicos. Defato, se para localizar a norma de DIPr aplicável à situação concreta énecessário, antes, qualificar o tema (fato ou instituto) debatido no processo,parece óbvio que não há de caber senão à lex fori determinar o seu devidoenquadramento jurídico. Assim, v.g., se a lex fori determina o que seentende por “personalidade”, “ato jurídico”, “nome”, “capacidade” ou“direitos de família”, será conforme a sua concepção que deverão sercompreendidas tais categorias. Tal é assim pelo fato de que, nesta faseprocessual, inexiste ainda direito definido como aplicável pela norma deDIPr; seria, portanto, de todo impossível determinar a norma de DIPraplicável sem a qualificação provisória levada a efeito pela lex fori.61 Se,contudo, a lei indicada como competente (v.g., a lei do domicílio da pessoaou do de cujus) divergir sobre a interpretação daquela categoria de normas,adotando qualificação diversa da encontrada na lex fori, será segundo a suaqualificação que deverá tal categoria de normas ser interpretada, nostermos dos seus conceitos e classificações (qualificação definitiva).62 Há,aqui, o que se nomina conflito de qualificações (v. item 4.2, infra).Vejamos um exemplo. Antes de 1977, não havia o divórcio na legislaçãobrasileira, senão apenas o desquite; o direito francês, contudo, já oaceitava. Assim, um casamento de franceses na vigência da Introdução aoCódigo Civil de 1916 (que estabelecia a nacionalidade da pessoa para a

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regência do estatuto pessoal) não poderia ser submetido à norma brasileirade DIPr relativa à capacidade e ao casamento, pelo fato de não haverprevisão no Brasil sobre a dissolubilidade do vínculo matrimonial? Sim,poderia. Nesse caso, por haver divergência entre o conceito restritivo decasamento da lex fori e o conceito mais amplo da lex causae, é evidenteque a qualificação deveria realizar-se nos termos desta última, por issomesmo chamada definitiva. Tal somente não será assim, ou seja, apenas nãose qualificará o instituto em questão pelas etapas inicial (qualificaçãoprovisória) e posterior (qualificação definitiva) quando: a) a lex foriexpressamente estabelecer a qualificação pela lex causae, como faz aLINDB relativamente aos bens e às obrigações (arts. 8º, caput, e 9º, caput– v. infra)63; ou b) houver tratado internacional em vigor no Estadoprevendo regras para a qualificação (eis que, nesse caso, trata-se derespeitar norma convencional que prevalece a todas as regras internas deDIPr).64 Um terceiro caso (mais raro de ocorrer, contudo) tem lugar quandoa lex fori expressamente determina a prevalência exclusiva da suaqualificação, como fez o Código Civil egípcio de 1948, ao dispor que“[e]m caso de conflito entre diversas leis num determinado julgamento, alei egípcia será competente para qualificar a categoria a que pertence arelação jurídica, a fim de indicar a lei aplicável”; nesse caso,evidentemente, também não há que se cogitar da qualificação em etapas,uma vez que o juiz interno se vincula ao que determina a sua lei de DIPr.Por sua vez, nos sistemas de integração supranacional, como, v.g., o daUnião Europeia, tem-se ainda outro critério para a qualificação doconteúdo das normas conflituais advindas de atos jurídicos da União, qualseja, o atinente ao que disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça daUnião Europeia.65

Seja como for, o certo é que enquanto inexistente uma qualificação-tipoou qualificação universal dos fatos ou institutos jurídicos submetidos aoprocesso, a natureza jurídica de tais fatos ou institutos há de serdeterminada por etapas, iniciando pela lex fori e terminando pela lexcausae, quando os conceitos desta divergirem dos daquela, salvo os casosexcepcionais acima referidos. Em última análise, portanto, a qualificaçãode fundo será dada, em caso de dissonância com os preceitos da lex fori,

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pela lei indicada pela norma de DIPr para resolver a lide, pois é nessa quese encontram as características intrínsecas do instituto potencialmenteaplicável ao caso concreto. A interpretação, pelo juiz da causa, da normaindicada para solucionar a questão, quando distinto o seu conceito do da lexfori, é medida impositiva que brinda a melhor justiça, pois aproxima oponto de conexão material da questão sub judice com aquilo que o próprioordenamento do juiz do foro entendeu por competente para o deslinde docaso. Em verdade, como se nota, é a vontade da própria lex fori que se estáa respeitar.

Institutos como o domicílio, a residência e bens comportamdivergências de entendimentos em diversas legislações do mundo.Tomando-se como exemplo o instituto do domicílio da pessoa natural,percebe-se que enquanto no direito brasileiro trata-se do “lugar onde elaestabelece a sua residência com ânimo definitivo” (Código Civil, art. 70),no direito italiano é aquele em que a pessoa “estabelece a sede principaldos seus negócios e interesses” (Código Civil, art. 43). Por sua vez, nodireito francês, domicílio é o lugar em que a pessoa “tem o seuestabelecimento principal” (Código Civil, art. 102). Como se nota, apenasqualificando o instituto do “domicílio”, ou seja, apagando as incertezasconceituais que sobre ele incidem, é que se poderá saber se a aplicação dalei indicada estará correta; somente assim será possível dizer se certapessoa está realmente “domiciliada” no exterior etc.

O mesmo ocorre com o instituto da prescrição, que em alguns paísespertence ao direito processual, sujeito, portanto, à lex fori, enquanto emoutros integra o direito material, sujeitando-se, assim, à lex causae, quedisciplina a relação jurídica.66 Somente analisando caso a caso os institutosque se pretendem qualificar é que será possível responder à indagaçãosobre o seu exato enquadramento jurídico e, consequentemente, à suacorreta aplicação no caso concreto sub judice.

A solução apontada pela LINDB para a qualificação dos bens é, comojá se falou, no sentido aplicar a lei do país em que estiverem situados (art.8º, caput); e para a qualificação das obrigações, a lei do país em que seconstituírem (art. 9º, caput).67 Ou seja, nesses casos específicos a norma

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brasileira adotou expressamente a qualificação pela lex causae, quando,então, o juiz nacional será obrigado a assim proceder. Se, porém, a lei dopaís em que os bens estejam situados ou em que as obrigações seconstituíram remeter a sua qualificação à lei diversa, ainda que revolva àlex fori não poderá o juiz brasileiro amparar-se nessa norma (norma deretorno) para qualificar os bens ou obrigações referidos, pois o art. 16 daLINDB proíbe expressamente, como já se viu, o reenvio. Segundo HaroldoValladão, a lei brasileira da DIPr se contradisse ao condenar, no art. 16, oprincípio da devolução, “ao declarar que a lei competente não seriaaplicada quando remetesse a outra lei, o que importou em não a aplicarintegralmente, em mutilá-la, deformá-la, uma vez que a remissão por elaestabelecida é sua parte constitutiva, inseparável”.68 Seja como for, o certoé que a LINDB, na intenção de evitar incertezas, pretendeu qualificar,expressamente, os fatos e as relações atinentes aos bens (art. 8º) e àsobrigações (art. 9º). Contudo, como assevera Oscar Tenório, em tais casos“ficou o campo legal das qualificações muito restrito, porque, na doutrina ena jurisprudência, muito antes que aflorassem os debates a respeito, os benstêm participado do princípio fundamental da territorialidade; e asobrigações, do lugar de sua constituição”.69

Em todos os demais casos que não envolvam bens ou obrigações, aqualificação deve ser realizada, como se disse, por etapas, iniciando-sepela lex fori (qualificação provisória) e terminando, se necessário, pela lexcausae (qualificação definitiva). Ou seja, em todos os outros casos nãoexpressamente previstos na LINDB, a qualificação terá sempre início pelalex fori. Prova disso é o fato de o legislador brasileiro ter excepcionadoapenas dois casos em que a qualificação deve realizar-se exclusivamentepela lex causae.

O Código Bustamante, em regra mais hermética, previu que aqualificação dos institutos jurídicos deve ser realizada apenas nos termosda lex fori, salvo as exceções expressamente previstas (como, v.g., asrelativas também a bens e obrigações, nos termos dos arts. 112, 113 e 164).Essa regra vem colocada no art. 6º do Código, segundo o qual: Em todos oscasos não previstos por este Código, cada um dos Estados contratantesaplicará a sua própria definição às instituições ou relações jurídicas que

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tiverem de corresponder aos grupos de leis mencionadas no art. 3º.O grupo de leis referido pelo citado art. 3º é o seguinte: a) as que se

aplicam às pessoas em virtude do seu domicílio e da sua nacionalidade(grupo de ordem pública interna); b) as que obrigam por igual a todos osque residem no território, sejam ou não nacionais (grupo de ordem públicainternacional); e c) as que se aplicam somente mediante a expressão, ainterpretação ou a presunção da vontade das partes ou de alguma delas(grupo de ordem privada). Fora esses casos, a contrario sensu, deverá ojuiz nacional aplicar a definição atinente a determinada instituição ourelação jurídica segundo o entendimento da lex causae. Sendo o CódigoBustamante um tratado internacional, suas disposições obrigamconvencionalmente os Estados-partes por prevalecerem sobre as normas deDIPr do direito interno.

A qualificação realizada pela lex fori, contudo, pode apresentarproblemas, especialmente quando o direito nacional desconhece o institutojurídico que se pretende qualificar ou em relação ao qual não háregulamentação interna. O direito islâmico, nesse particular, tem suscitadoproblemas desse gênero no mundo ocidental.70 Também o direito inglêscontém institutos desconhecidos do direito brasileiro, de que é exemplo otrust. Em casos como tais, ou seja, quando se está diante de uma“instituição desconhecida” do Direito interno, surge o problema de sabercomo qualificá-lo. Deve, aqui, haver dupla qualificação: a primeira,prejudicial, realizada pela fex fori, para saber se o instituto é realmentedesconhecido do direito nacional; e a segunda (qualificação propriamentedita) para aferir se a instituição desconhecida pode ou não ser qualificadaentre as instituições nacionais análogas.71 Nesse sentido é a previsão do art.3º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DireitoInternacional Privado, de 1979: “Quando a lei de um Estado Parte previrinstituições ou procedimentos essenciais para a sua aplicação adequada eque não sejam previstos na legislação de outro Estado Parte, este poderánegar-se a aplicar a referida lei, desde que não tenha instituições ouprocedimentos análogos”. Não sendo possível qualificar a instituiçãodesconhecida entre as instituições nacionais congêneres, caberá, então, àsnormas da lex causae qualificá-la.

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4.2 Conflito de qualificações

Quando duas legislações estrangeiras espacialmente conflitantes, ante ainexistência de tratado internacional uniformizador, atribuem a um mesmoinstituto jurídico concepções em tudo divergentes, cada qual qualificando-oà sua maneira, nasce o problema do conflito de qualificações.72 A situação,aqui, é distinta daquela em que o direito do foro desconhece o direitoestrangeiro em questão, caso em que não se estará diante de um conflito dequalificações, senão de uma lacuna a ser preenchida.73 O conflito dequalificações é mais um dos problemas que podem surgir para o juiz antesde aplicar a regra de conexão para conhecer o direito (material) aplicávelao caso concreto.

Tome-se o exemplo trazido por Erik Jayme. Imagine-se que um casal deitalianos se instale na Alemanha e lá redijam um testamento conjuntivo oude mão comum, pelo qual o cônjuge sobrevivente será herdeiro do outro.Morrendo o marido, a viúva faz cumprir o testamento. Segundo a leiitaliana, esse testamento é totalmente nulo, diferentemente da Alemanha,país em que vale o princípio segundo o qual um testamento feitoconjuntamente pelos esposos, num mesmo ato e prevendo disposiçõesrecíprocas, tem total valor. Coloca-se, assim, a questão atinente à leiaplicável ao ato. Se se tratar de uma questão de forma, a lei alemã seráaplicada como a lei do lugar em que o testamento foi redigido, e ele seráválido. Se, porém, a proibição do testamento conjuntivo for uma questão defundo, aplica-se a lei da nacionalidade do de cujus, e o testamento seránulo.74 Assim, à medida que uma lei trata a questão como formal e a outracomo material, surge o problema do conflito de qualificações. No casocitado, a jurisprudência alemã entendeu ser a proibição do testamentoconjuntivo uma questão de fundo prevista pelo ordenamento italiano,levando em conta o fato de que o direito italiano visa garantir a liberdadedo testador, para que redija o seu testamento sem qualquer interferência deoutra pessoa. Declarou-se, portanto, nulo o referido testamento.75

O tema do conflito de qualificações é relevante na medida em que cadaordenamento jurídico pode atribuir a um dado instituto qualificação jurídica

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distinta, dificultando ao juiz encontrar a solução adequada ao casoconcreto. É certo que há algum esforço dos Estados na harmonização dassoluções dos conflitos de leis, v.g., no que toca aos bens (em todos ospaíses, a lei destinada a regê-los é a da situação da coisa) ou à forma dosatos em geral (que comumente segue a lei do local de sua celebração).76 Oproblema, contudo, é que a classificação dos objetos de conexãorespectivos (bens, atos jurídicos etc.) não guarda similitude nas diversaslegislações; há certa uniformidade nas soluções dos conflitos normativos,mas disparidade no que tange à qualificação dos diversos institutos.77

Para a resolução do problema, Ferrer Correia propõe que se defina umarelação de hierarquia entre as qualificações conflitantes, isto é, entre osinstitutos ou categorias de normas por elas referidas, para se chegar, aofinal, ao sacrifício de uma das regras de conflito e à consequente nãoaplicação do sistema jurídico por ela indicado. Para o autor, o critério quehá de servir para que se opte, no caso concreto, por uma das duasqualificações, “será fundamentalmente o dos fins a que as várias normas deconflitos vão apontadas – o dos interesses que elas intentam servir”, sendo,segundo ele, “do peso relativo desses interesses que deverá ressaltar asolução do problema”.78 Supondo ser a questão concreta levantada emPortugal, o exemplo trazido por Ferrer Correia é o de dois alemães (A e B)que se prometem mutuamente em casamento, quando, tempos depois, onacional B – que naquela ocasião se encontrava em França – revoga a suapromessa sem justa causa. Que direitos, pergunta o autor, a outra partepoderá fazer valer? Na Alemanha, os esponsais pertencem ao domínio dodireito de família, enquanto, na França, integram a categoria dos atosilícitos. De fato, o Code Civil francês (art. 1.382) consagra, em termosgerais, o princípio do neminem laedere (“a ninguém ofender”), e, portanto,não contém regulamentação especial em matéria de contrato esponsalício,pelo que a ruptura da promessa de casamento só seria relevante se encaradado ponto de vista da responsabilidade civil por fato ilícito extracontratual,caso em que a conexão decisiva (segundo o DIPr português em vigor) seriaa do lugar em que ocorreu a atividade danosa (França). Na hipótese, FerrerCorreia entende que deve prevalecer o direito alemão, por ser lex specialisrelativamente ao direito genérico francês, transportando para o plano do

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DIPr a máxima lex specialis derogat legi generale.79 De resto, ainda para oautor, o mesmo tipo de raciocínio (e de solução) seria aplicado na hipóteseinversa: esponsais celebrados entre franceses e ruptura da promessaverificada na Alemanha (vácuo jurídico); nesse caso, seria o direito alemãoque, segundo ele, teria primazia, por ser tal direito (dado o caráter de jusspeciale que reveste os seus preceitos) o que presumivelmente melhor seajustaria à situação.80

Como se percebe, Ferrer Correia não leva em conta (como deveria ser)o que dispõe, em primeiro plano, a lex fori sobre a qualificação do institutoem causa, raciocinando simultaneamente à luz das duas legislaçõespotencialmente aplicáveis e segundo o que, a depender da generalidade ouespecialidade de cada qual, mais pesaria na balança dos interesses queambas pretendem regular. Sua solução, no afã de aproximar-se do vínculomais estreito e, consequentemente, mais justo à luz do caso concreto, refletenão mais que operação contra legem, notadamente porque – ele próprioestá a admitir – “nesta matéria a conexão decisiva, segundo o DIPrportuguês, é o lugar onde decorreu a atividade causadora do prejuízo”.81

Para nós, já se viu, a solução correta para a questão está em qualificarpor etapas os fatos ou institutos jurídicos discutidos no processo, iniciandopela lex fori (qualificação provisória) e findando pelos conceitos da lexcausae (qualificação definitiva).82 Havendo conflito de qualificações,segundo pensamos, será de acordo com a lex causae que deverá o fato ouinstituto jurídico ser qualificado em último plano. Exceção é feita,evidentemente, quando a lex fori impõe regra diversa para tanto, seja paraatribuir à lex causae competência qualificadora imediata (caso em que aqualificação inicial pela lex fori torna-se obsoleta), seja para determinar aprimazia absoluta de si mesma, como fez, v.g., o Código Civil egípcio de1948, ao dispor que “[e]mcaso de conflito entre diversas leis num determinado julgamento, a leiegípcia será competente para qualificar a categoria a que pertence a relaçãojurídica, a fim de indicar a lei aplicável”.

Fosse o exemplo trazido por Ferrer Correia – dos alemães que seprometem mutuamente em casamento e, depois, um deles (encontrando-se

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em França) revoga a sua promessa sem justa causa – levantado no Brasil eà luz da solução que entendemos por correta, e imaginando-se não existirtratado internacional a reger a matéria,83 seria o direito francês o aplicado,não o direito alemão, uma vez que o art. 9º da LINDB dispõe que asobrigações (inclusive extracontratuais, como as ex delicto) serão regidas equalificadas pela “lei do país em que se constituírem” (v. Cap. V, item 2.5,infra ). Portanto, a conexão aplicável ao caso proviria da regra lex locidelicti commissi. Assim, tendo o rompimento da promessa de casamento(ato ilícito) ocorrido na França, seria o direito francês o aplicado segundoa sua qualificação, por ter sido naquele país constituída a obrigação exdelicto (não obstante a obrigação precedente, esponsalícia, ter-seconstituído na Alemanha).

O conflito de qualificações não tem merecido resposta satisfatória nasdiversas legislações. No Brasil, já se disse, a LINDB não resolveu mais doque parcialmente o problema, e, ainda assim, apenas relativamente aos bense às obrigações, disciplinando, nos seus arts. 8º e 9º, respectivamente, que“para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados”, e que “para qualificar ereger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”.Nesses casos, frise-se, a LINDB optou por resolver a questão à luz dolocus da situação dos bens ou da constituição das obrigações, que poderáser tanto a lex fori quanto a lex causae. De fato, enquanto no direito do foroum determinado bem pode ser imóvel, nos termos da lei em que se situapoderá ser móvel, o mesmo sucedendo com uma dada obrigação, queperante a lex fori pode ser de dar, enquanto, pela lex causae, poderá ser defazer. Em tais hipóteses (e apenas para elas, segundo a LINDB), será a leida situação da coisa ou da constituição da obrigação a competente para arespectiva qualificação.

Havendo, porém, tratado internacional uniformizador ratificado peloEstado, deve a interpretação interna (nacional ou estrangeira) atribuída adeterminado instituto jurídico ceder perante a que lhe dá a normainternacional em vigor. Em casos tais, a primazia do Direito InternacionalPúblico se impõe, devendo sua qualificação (do tratado, jamais a doDireito interno) operar no caso concreto antes de localizado o elemento de

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4.3

conexão respectivo.

Questão prévia

Outro problema relativo à aplicação substancial das normas de DIPr dizrespeito à chamada questão prévia ou prejudicial (ou ainda incidental).Trata-se do caso em que o juiz do foro depende, para a solução da questãojurídica principal, do deslinde de outra questão jurídica, que lhe épreliminar. Quando tal o correr, se estará diante do problema da chamadaquestão prévia.84 Frise-se, porém, desde já, que se considera como questãoprévia apenas a relativa à questão substancial principal, não a atinente a umtema processual. Por exemplo, a validade do casamento é uma questãoprévia à decisão sobre o divórcio; a validade de uma adoção é uma questãoprévia à decisão da sucessão por filho adotado.85

Inicialmente, destaque-se que a denominação “questão prévia” temmerecido a crítica de não refletir com nitidez o momento cronológico emque tem lugar. De fato, a questão aqui referida não é “prévia” relativamenteà qualificação, pois sua análise se realiza depois ter sido o fato ou institutoqualificado, podendo, também, ter lugar concomitantemente à qualificação.Sempre, porém, indicará a necessidade de decidir algo anteriormente aodeslinde da questão jurídica principal. Daí o mais acertado é nominá-laquestão incidental ou incidente, pois sua colocação é cronologicamenteposterior na investigação, embora logicamente anterior à solução final.86

Como se vê, nada de diferente existe, em termos formais, entre essa questão“prévia” do DIPr daquela “incidental” do direito processual civil, decididapelo juiz anteriormente ao mérito da causa, sendo a única diferença a deque as questões incidentais do direito processual civil, diferentemente dasquestões prévias do DIPr, subordinam-se exclusivamente às regras da lexfori.87

Três são as condições necessárias para que a questão prévia, no DIPr,seja corretamente constituída, quais sejam: a) ser a lei aplicável uma leiestrangeira; b) ser a questão em causa distinta da questão principal; e c)serem necessariamente distintos os resultados obtidos pela aplicação do

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DIPr do país da lei aplicável à questão principal e do país do foro.88 Nãohá, portanto, que se falar em questão prévia quando a questão principaltiver de ser decidida pela aplicação da lex fori, pois, nesse caso, não surgequalquer dúvida sobre qual norma jurídica substantiva (nacional ouestrangeira) deva ser aplicada para a resolução da questão prévia.

Exemplo interessante de questão prévia corretamente decidida pode sercolhido na jurisprudência do STJ, que, no julgamento do Recurso Especialnº 61.434/SP, de 17 de junho de 1997, ao analisar o disposto no art. 10,caput89 e seu § 2º,90 da LINDB, deixou claro que capacidade para sucedernão se confunde com qualidade de herdeiro, essa última tendo a ver com aordem da vocação hereditária, que consiste no fato de pertencer, a pessoaque se apresenta como herdeira, a uma das categorias que, de um modogeral, são chamadas pela lei à sucessão, e que, por isso, haveria de seraferida pela mesma lei competente para reger a sucessão do morto, que, noBrasil, “obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto” (LINDB,art. 10, caput). O tribunal, então, observou que uma vez resolvida a questãoprejudicial de que determinada pessoa, segundo a lei do domicílio que tinhao de cujus, é herdeira, caberia, posteriormente, examinar se a pessoaindicada é ou não capaz para receber a herança, solução fornecida pela leido domicílio do herdeiro (LINDB, art. 10, § 2º). Como se nota, a questãoprévia então debatida consistia em saber se a pessoa detinha a qualidade deherdeira segundo a lei do domicílio do de cujus, e a principal se era ou nãocapaz de receber a herança, nos termos da lei do domicílio do herdeiro.Naquele caso concreto, a recorrente era filha adotiva do de cujus, que eraestrangeiro domiciliado em São Paulo quando de seu falecimento.Aplicando a lei do domicílio do de cujus (lei brasileira), o tribunalentendeu que a recorrente era herdeira, eis que no Brasil a adoção tambémenvolve a sucessão hereditária. Eis a questão prévia resolvida. Atocontínuo, o tribunal decidiu a questão principal, relativa à capacidade parareceber a herança, tendo entendido não ter havido no processo nenhumareferência à indignidade ou deserdação, ou a qualquer outro instituto queretirasse a capacidade da recorrente para suceder. O recurso foi, ao final,conhecido e provido para reconhecer à recorrente a qualidade de herdeiranecessária do de cujus, como sua filha adotiva, determinando, então, lhe

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fosse destinado o percentual de cinquenta por cento dos bens da herança,por conta da legítima, acrescido do legado deixado por testamento.91

A lei substancial que deve resolver a questão prévia é a lex fori ou alex causae? Nada há na legislação brasileira em vigor (o mesmo se dá nodireito comparado) que revolva expressamente a questão. Dispõe, porém, oart. 8º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DireitoInternacional Privado, de 1979, que “as questões prévias, preliminares ouincidentes que surjam em decorrência de uma questão principal não devemnecessariamente ser resolvidas de acordo com a lei que regula estaúltima”. Tal significa que a questão prévia, nos termos dessa normaconvencional, poderá ser resolvida nos termos de lei diversa da que regulaa questão principal, podendo ser a lex fori ou a lex causae, indistintamente,a depender da harmonia necessária à resolução do caso sub judice. Deu-se,aqui, total liberdade ao juiz para decidir a questão prévia de acordo com oDIPr do foro ou segundo o DIPr do ordenamento jurídico indicado pararesolver a questão principal. Assim, segundo o art. 8º da Convenção, nem alex fori nem a lex causae hão de ser rigidamente escolhidas pelo juiz pararesolver a questão prévia, mas, sim, uma ou outra lei, a depender da melhorsolução (da mais justa decisão) a ser encontrada no caso concreto. Talsignifica, em outras palavras, que a decisão da questão prévia é autônomaem relação à decisão da questão principal, que depende do comandonormativo indicado pela regra de DIPr da lex fori; no caso da questãoprévia, não fica o juiz preso à aplicação da mesma lei que regula a questãoprincipal, podendo aplicar livremente a lex fori ou a lex causae, tudo adepender do que for mais harmônico para o deslinde do caso concreto.

Muitos autores, porém, entendem que o mais correto seria decidir aquestão prévia de acordo com o direito competente para reger a questãoprincipal, sob o argumento de que seria totalmente anormal decidir aquestão principal por um dado ordenamento jurídico e a questão que lhe éprévia (e necessária à validade da relação jurídica principal) por ordemjurídica distinta da que disciplina o meritum causae.92 Outros, por sua vez,como Batalha, defendem a aplicação exclusiva da lex fori para a regênciada questão prévia: “Não vemos como aplicar a norma de DireitoInternacional Privado estrangeiro, uma vez firmado o princípio de que o

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juiz só pode obedecer às normas conflituais de seu próprio ordenamentojurídico. A denominada questão incidente ou preliminar, embora entrosadacom outra questão principal, deve merecer tratamento autônomo. Paradecidi-la, como para decidir a questão principal, o juiz fica adstrito àsnormas de Direito Internacional Privado de seu próprio país”.93 Nãoobstante, porém, tais posições doutrinárias, o certo é que o art. 8º daConvenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito InternacionalPrivado deixou ao juiz a faculdade de escolher entre a lex fori e a lexcausae para a resolução da questão.

Para nós, na esteira de Ferrer Correia, se do estudo do sistemaaplicável à questão de fundo for possível encontrar regra de conflitosespecial relativa à questão prévia, tal regra deverá ser aplicada; se tal nãofor possível, pode ocorrer de a resolução da questão pela lex causae serpostulada pela justiça material desse sistema, pelas razões que inspiram aprópria norma material a ser aplicada ao caso concreto, quando, então, adecisão sobre a questão prévia apresentar-se-á como problema ligado àinterpretação e aplicação dos preceitos materiais chamados a resolver aquestão principal (nesse caso, como se nota, não está mais em jogo aquestão do “conflito” ou da “escolha” da lei aplicável, senão acompreensão da questão prévia à luz dos preceitos materiais responsáveispela decisão da questão de fundo).94 Mas é só na medida indicada – explicaFerrer Correia – que o problema se pode definir como problema deinterpretação da norma ou normas materiais a que se confiou a decisão daquestão de fundo, pois se tais normas se mostrarem indiferentes ao modocomo venha a ser resolvido o problema da lei aplicável à questão prévia,volve o tema a ser necessariamente de direito de conflitos.95 Em tais casos,novamente aparece a indefinição de sua determinação, pelo que, à luz docitado art. 8º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DireitoInternacional Privado, caberá ao juiz a escolha da ordem (lex fori ou lexcausae) que melhor resolva a questão no caso concreto.

Adaptação ou aproximação

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Em princípio, tem-se que a lei indicada pela norma de DIPr da lex foripara resolver a questão sub judice é certa e determinada. Há casos, porém,em que tal indicação leva à potencial aplicação de várias leis ou, atémesmo, de nenhuma delas. Tome-se, primeiramente, como exemplo, o art.9º da LINDB, segundo o qual “para qualificar e reger as obrigações,aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Imagine-se, agora, que opaís em que contraída a obrigação não tenha lei a respeito daquelamodalidade obrigacional, ou, se a tem, apresenta extrema vagueza deconteúdo. O que fazer o juiz em casos tais? A solução encontrada reside nautilização do critério da adaptação ou aproximação,96 ajustando acaracterística da relação jurídica ao caso concreto sub judice,considerados, evidentemente, os interesses do DIPr.97

Pelo método da adaptação ou aproximação adéqua-se a norma indicada(ou a falta dela) à situação jurídica concreta, com a finalidade de buscar aaplicação do melhor direito ao caso concreto, dando, assim, resposta aocidadão que busca na Justiça a solução para um problema seu. Por exemplo,quando o direito brasileiro não conhecia o divórcio e o direito japonês sóconhecia essa forma de dissolução da sociedade conjugal, concedia-se aosnipo-brasileiros o desquite, raciocinando-se no sentido de que se o direitojaponês autoriza o divórcio, plus, com maior razão deveria admitir odesquite, minus.98

Destaque-se que a técnica da adaptação ou aproximação diz respeito àprópria norma indicativa ou indireta de DIPr da lex fori, ou seja, àqueladeterminante de um direito aplicável (no caso em questão, o direitoestrangeiro) a uma relação jurídica com conexão internacional,diferentemente dos institutos da transposição e da substituição, quepermanecem diretamente vinculados à aplicação da norma materialestrangeira indicada pela norma interna de DIPr.99 Utiliza-se a transposiçãoquando a norma material (substantiva) estrangeira for desconhecida doDireito interno (v. Cap. VII, item 4.7, infra ) e necessite ser “transposta”para as normas substantivas adequadas do direito nacional.100 Asubstituição, por sua vez, terá lugar quando for necessário coordenar odireito substantivo nacional (aplicável segundo as normas de DIPr da lexfori) a um ato praticado para além do foro, de acordo com o direito

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estrangeiro, quando então buscará o juiz “substituir” o ato praticado alhurespor outro equivalente no Direito interno.101

O juiz do foro pode adaptar ou aproximar o caso sub judice utilizando acomparação com institutos nacionais análogos, bem assim pela aplicaçãodas regras de colmatação de lacunas jurídicas, especialmente na hipótesede a norma indicada prever o instituto jurídico em causa, porém,regulamentá-lo com vagueza ou imprecisão, isto é, para aquém de comoregido pela lex fori.

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5. Remissão a ordenamentos plurilegislativos

Do que se estudou até aqui, imaginava-se que as referências das normasde DIPr da lex fori às diversas legislações estrangeiras davam-serelativamente a Estados com ordenamentos jurídicos unitários ou simples,isto é, aqueles que – não obstante federados, confederados etc. – têm umsistema interno único de fontes de produção de normas.

Ao lado desses Estados, porém, há aqueles cujos ordenamentosjurídicos são complexos, também chamados plurilegislativos. Trata-se deEstados em que, num mesmo território, coexistem diversos sistemasjurídicos, cada qual com fonte de produção autônoma e independente, sejano que tange a determinado espaço geográfico, seja no que toca a certogrupo de pessoas. Ora, não há dúvida que as leis desses Estados podem,entre si, entrar em conflito (interterritorial ou interpessoal) e, com isso,dificultar o encontro da correta norma a que a regra de DIPr da lex foripretendeu indicar. Quando isso ocorrer – quer dizer, quando houverconflitos legislativos interterritoriais (leis diferentes para cada territóriodentro do mesmo Estado) ou interpessoais (leis diversas para distintascategorias de pessoas dentro do mesmo Estado) dentro do Estado – estar-se-á diante de problema mais complexo que aqueles até agora verificados.A questão será saber que norma interna (de que território ou parcela doterritório, ou destinada a qual grupo de pessoas) deverá o juiz do foroaplicar à resolução da contenda que perante ele se apresenta.

Nos Estados Unidos, v.g., há leis específicas em cada Estado federadosobre certos temas. Assim, caso a regra de DIPr da lex fori remeta asolução do assunto para a lex loci, deverá o juiz do foro detectar de quedepartamento territorial americano se trata para aplicar a lei daquelalocalidade à questão sub judice (v.g., o direito de Nova York, do Arizona,do Texas etc.).

O assunto, como é de se inferir, tem relevo não só para os Estados queadotam o critério da nacionalidade como determinador do estatuto pessoal,senão também para os que, como nós, adotam para tal o critério domiciliar.

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Em ambos os casos, não há dúvida, faz-se necessário compreender asregras definidoras sobre que normas (dos diferentes sistemas legislativosinternos, tanto territoriais, como pessoais) hão de ser efetivamenteaplicadas à resolução da questão sub judice.

Em Portugal, o Código Civil de 1966 pretendeu resolver o problema noart. 20, que estabelece:

Quando, em razão da nacionalidade de certa pessoa, for competentea lei de um Estado em que coexistam diferentes sistemaslegislativos locais, é o direito interno desse Estado que fixa emcada caso o sistema aplicável.Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao direitointernacional privado do mesmo Estado; e, se este não bastar,considera-se como lei pessoal do interessado a lei da sua residênciahabitual.Se a legislação competente constituir uma ordem jurídicaterritorialmente unitária, mas nela vigorarem diversos sistemas denormas para diferentes categorias de pessoas, observar-se-á sempreo estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de sistemas.

Assim, nos termos do direito português em vigor, será, primeiramente, àluz do direito interno do Estado da lex causae que se deve fixar, em cadacaso, o sistema legislativo aplicável. Faltante naquele Estado normas dedireito interlocal a resolver a questão, deve-se recorrer às regras centraisde DIPr; caso não existam ou não bastem à resolução do problema, a leiaplicável será, subsidiariamente, a da residência habitual do indivíduo. Porúltimo, se houver no respectivo Estado diversos sistemas de normas paradiferentes categorias de pessoas, é dizer, caso haja conflitos legislativosinterpessoais (v.g., coexistência de normas religiosas de gruposconfessionais distintos), o juiz do foro há de observar o estabelecidonaquela legislação quanto ao conflito de sistemas.102

Na Itália, por sua vez, a Lei de Reforma de 1995 também estabeleceu oprincípio geral segundo o qual, “[s]e no ordenamento do Estado invocadopelas disposições da presente lei coexistem mais sistemas normativos de

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cunho territorial ou pessoal, a lei aplicável é determinada segundo oscritérios utilizados por aquele ordenamento” (art. 18, § 1º). No entanto,diferentemente da legislação portuguesa, o direito italiano atual determinou,como regra subsidiária, a da conexão mais estreita, ao estabelecer que, seos critérios da lex causae “não puderem ser individualizados, aplica-se osistema normativo com o qual o caso da espécie apresentar a conexão maisestreita” (art. 18, § 2º).103

No que tange, no plano europeu, às obrigações contratuais, a Convençãode Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, de 1980, deixouexpresso, no art. 19, § 1º, que “[s]empre que um Estado compreender váriasunidades territoriais, tendo cada uma as suas regras próprias em matéria deobrigações contratuais, cada unidade territorial deve ser consideradacomo um país, para fins de determinação da lei aplicável por força dapresente Convenção”.104

No caso do Brasil, nem tanto no que tange aos conflitos legislativosinterterritoriais – vez que o estatuto pessoal, entre nós, dá-se em razão dodomicílio, o que resolve, a priori, a localização da lei territorial aplicável–, senão especialmente no que toca aos conflitos interpessoais, o assunto émerecedor de certa análise. Quando em um mesmo Estado houverdiferenciação legislativa para distintos grupos de pessoas, será segundo ocritério desse Estado que deverá o juiz do foro resolver a questão. Taisconflitos ocorrem, v.g., em certos países muçulmanos cujas legislaçõesdistinguem os grupos ou camadas de pessoas em razão de suaconfessionalidade ou etnia (estabelecendo, ao lado do direito islâmico,sistemas jurídicos próprios às comunidades cristã e judaica aliresidentes).105 Ocorria, também, quando da dominação da Argélia pelaFrança, com os indígenas muçulmanos argelinos, que, não obstante súditosfranceses, subordinavam-se aos costumes muçulmanos da época, não aoestatuto real francês.106

Se, v.g., no sistema de DIPr da lex fori a lei aplicável à relação jurídicafor a lex loci actus, será fácil saber onde (em que lugar, em que região) onegócio foi celebrado e qual a lei territorial aplicável, se se tratar desistema plurilegislativo interterritorial; em se tratando, porém, de sistema

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plurilegislativo interpessoal, a situação muda, pois é necessário saber qualdireito material (a depender da categoria de pessoas em causa) seráaplicado à questão controversa. Nesse último caso, os países que adotam odomicílio para a determinação do estatuto pessoal (v.g., Brasil) sofrerãodificuldades na localização da lei aplicável, só aferível desvendando a quegrupo de pessoas (com sua respectiva legislação) pertence o sujeito doprocesso. Tout court, só as normas do direito interpessoal do Estadorespectivo poderão dizer, afinal, qual o direito material aplicável àquelarelação jurídica. Para Ferrer Correia, quando a regra jurídica do forodesigna a lei nacional, o sistema da lex causae naturalmente conduzirá à leida confissão ou do grupo étnico a que pertence o interessado; quando, noentanto, a mesma regra designa a lei do domicílio ou da residência, osistema interpessoal reenviará provavelmente à lex fori, e este reenviodeverá ser aceito.107 O Brasil, que não aceita o reenvio formal, poderia,nesse caso excepcional, e por medida de justiça, aceitá-lo como únicaforma de resolver a questão sub judice.

Se o ordenamento plurilegislativo de base pessoal não dispuser decritérios para determinar o sistema pessoal aplicável à relação jurídica, asolução será aplicar o sistema com o qual a questão sub judice tenhaconexão mais estreita.108

O uso pioneiro da expressão “norma indireta” é reivindicado por GOLDSCHMIDT,Werner. Derecho internacional privado…, cit., p. 73, nestes termos:“Introduzimos a expressão ‘norma indireta’ na literatura em 1935 (La norma decolisión como base de la sistemática del DIPr., Madrid, 1935, p. 14), a qual tevetal sorte que ganhou carta de cidadania; normalmente até se esquecer a sua origemna história da ciência do DIPr”.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 217; BALLADORE

PALLIERI, Giorgio. Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 75-76; ANDRADE,Agenor Pereira de. Manual de direito internacional privado, cit., p. 49; BATALHA,Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalha de. Odireito internacional privado na Organização dos Estados Americanos, cit., p.44-46; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 334-337;RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 128-130; DINIZ,

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Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p.33-34; BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 161;PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 47-48; eBALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 71.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 38.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 41.Cf. LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans le droit international privécontemporain…, cit., p. 9-238; e DOLINGER, Jacob. Evolution of principles forresolving conflicts in the field of contracts and torts, cit., p. 187-512. Destaque-seque a vontade também é elemento de conexão reconhecido no DIPr, o que retira,em parte, a ideia de localização do “centro de gravidade” da relação jurídica, poisquando se tem o elemento volitivo na determinação da lei aplicável hásubjetividade na relação (cf. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 52). Tal não invalida, contudo, dizer que as normasindicativas de DIPr (não as partes na manifestação de sua vontade) têm por escopoencontrar o centro de gravidade da relação jurídica, a fim de resolver a questão subjudice com maior justiça.Cf. STORY, Joseph. Commentaries on the conflict of laws…, cit., p. 50-51; eSAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 133.Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 168.V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 335.Cf. STRENGER, Irineu. Idem, p. 336; e AUDIT, Bernard & d’AVOUT, Louis. Droitinternational privé, cit., p. 145-146.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 224.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 169-170.JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 138.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 56.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 351-352;VALLADÃO, Haroldo. Conflitos no espaço de normas de direito internacionalprivado: renúncia e devolução. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio deOliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT,2012, p. 183-205 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV); eFERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 245-264.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 227; e DINIZ,Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p.33-34.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 227. Nesse exatosentido, v. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina

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L. Batalha de. O direito internacional privado na Organização dos EstadosAmericanos, cit., p. 106-107: “O concurso de leis aplicáveis a uma mesma relaçãojurídica deve ser ordenado de forma harmônica, procurando-se, tanto quantopossível, alcançar o objetivo visado pelas diversas leis. Não sendo isso possível,deverá o juiz ou tribunal criar uma solução de equidade, praeter legem. (…) Em vezde um ignorabimus a respeito do fundamento normativo e de um non liquet quetornaria o caso pendente sem solução, deve o juiz ou o tribunal recorrer à equidadecomo Justiça do caso particular, ou seja, o critério de solução específica, alheio aospreceitos gerais da lei, ou das leis em conflito”.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos edireito interno, cit., p. 129-177.Para o Código Civil português, a “lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo”(art. 31, 1).ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 358-359.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 363. Oautor parece aceitar, contudo, certa exceção em razão da ideia de maiorproximidade da lei declarada competente com os fatos, admitindo, v.g., que “acompetência atribuída a uma lei (a lei pessoal dos sujeitos da relação jurídica) vásubordinada à condição de outra lei (a lex rei sitae) se não julgar, ela própria,aplicável” (Idem, p. 364). Na defesa da aplicação exclusiva da lex fori na ausência detratado uniformizador, v. ainda NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacionalprivado, cit., p. 308-313; e BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direitointernacional privado, t. I, cit., p. 161, nota nº 1.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 231-233; eJAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 83.SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Introdução ao direito internacional privado,cit., p. 64.Sobre o tema, cf. BEVILAQUA, Clovis. Princípios elementares de direitointernacional privado, cit., p. 95-107; ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direitointernacional privado, cit., p. 357-373; NIBOYET, J.-P. Principios de derechointernacional privado, cit., p. 317-343; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 173-186; WOLFF, Martin.Derecho internacional privado, cit., p. 119-130; DIAZ LABRANO, Roberto Ruiz.Derecho internacional privado…, cit., p. 229-250; RODAS, João Grandino. Choiceof law rules and the major principles of Brazilian private international law, cit.,p. 334-339; e PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p.532-560.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 233.

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V. VALLADÃO, Haroldo. Idem, ibidem; DOLINGER, Jacob. Direito internacionalprivado…, cit., p. 331; e FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 266.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, p. 233. Para váriosoutros exemplos, cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 119-122.V. ANCEL, Bertrand & LEQUETTE, Yves. Les grands arrêts de la jurisprudencefrançaise de droit international privé. 5. ed. Paris: Dalloz, 2006, p. 60-69.V. FRANCESCAKIS, Phocion. La théorie du renvoi et les conflits de systèmes endroit international privé. Paris: Sirey, 1958, p. 226.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 126; TENÓRIO, Oscar.Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 350; e JAYME, Erik. Identité culturelleet intégration…, cit., p. 96.Cf. SOUTO, Cláudio. Introdução crítica ao direito internacional privado, cit., p.168.V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 178-179; e BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado dedireito internacional privado, t. I, cit., p. 162.Verbis: “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar uma leiestrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquerremissão por ela feita a outra lei”. O mesmo princípio havia sido delineado peloInstitut de Droit International em sua sessão de Neuchâtel de 1900, de que foramRapporteurs os Srs. Giulio Cesare Buzzati e Jules Armand Lainé, nestes termos:“Quand la loi d’un État règle un conflit de lois en matière de droit privé, il estdésirable qu’elle désigne la disposition même qui doit être appliquée à chaqueespèce et non la disposition étrangère sur le conflit dont il s’agit”. No mesmosentido há algumas normas estrangeiras subsequentes, como, v.g., o art. 32 doCódigo Civil grego (1940) e o art. 27 do Código Civil egípcio (1948). A Itália,contudo, alterou a sua legislação em 1995 permitindo novamente o reenvio (v.infra).Para críticas, v. SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Introdução ao direitointernacional privado, cit., p. 66; e DEL’OLMO, Florisbal de Souza & ARAÚJO, LuísIvani de Amorim. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro comentada. 2. ed.rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 164-166. Outros autores, por sua vez,como Amilcar de Castro, aplaudiram a disposição: “É absurdo que a disposição dedireito internacional privado, direito público de uma jurisdição autônoma, tenha seusentido à mercê de todos os legisladores estrangeiros, menos sob o controle dogoverno dessa jurisdição. (…) Em boa hora foi promulgada esta norma, que étradução fiel do art. 30 das disposições preliminares do Código Civil Italiano de

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1942, e só merece aplausos” (Direito internacional privado, cit., p. 248). Nomesmo sentido, também Maristela Basso entende que “a proibição do reenviocoaduna-se com uma preocupação técnica de evitar que o juiz nacional, ao aplicar alei estrangeira, busque outras normas que não aquelas de direito material indicadaspelas normas de conflito de leis no espaço. (…) Com isso, a regra proibitiva doreenvio vem coerentemente mostrar que a aplicação do direito estrangeiro deve seralcançada por critérios de preferência e justiça” (Curso de direito internacionalprivado, cit., p. 245).BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I,cit., p. 174.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 277.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 299.Verbis: “Art. 13. Rinvio. 1. Quando negli articoli successivi è richiamata la leggestraniera, si tiene conto del rinvio operato dal diritto internazionale privato stranieroalla legge di un altro Stato: a) se il diritto di tale Stato accetta il rinvio; b) se sitratta di rinvio alla legge italiana. 2. L’applicazione del comma 1 è tuttavia esclusa:a) nei casi in cui le disposizioni della presente legge rendono applicabile la leggestraniera sulla base della scelta effettuata in tal senso dalle parti interessate; b)riguardo alle disposizioni concernenti la forma degli atti; c) in relazione alledisposizioni del Capo XI del presente Titolo. 3. Nei casi di cui agli articoli 33, 34 e35 si tiene conto del rinvio soltanto se esso conduce all’applicazione di una leggeche consente lo stabilimento della filiazione. 4. Quando la presente legge dichiarain ogni caso applicabile una convenzione internazionale si segue sempre, in materiadi rinvio, la soluzione adottata dalla convenzione”. Sobre o tema no direito italiano,v. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 90-96.Sobre o tema, cf. especialmente SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droitromain, t. 8, cit., p. 363-528; e PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratadode direito internacional privado, t. I, cit., p. 317-340.Cf. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 467.Cf. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 192-193.V. SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Introdução ao direito internacionalprivado, cit., p. 67-68; e BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO,Sílvia Marina L. Batalha de. O direito internacional privado na Organização dosEstados Americanos, cit., p. 58.A regra em questão já se encontrava presente no direito brasileiro desde a edição daLICC, em 1942 (e mantida pela atual LINDB).PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 469. Assimtambém, BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Diritto internazionale privato italiano,

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cit., p. 67.BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I,cit., p. 143-144.IDI, Le problème intertemporel en droit international privé, Dijon-1981.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 57; e BATALHA,Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 149-150.V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 336.Estamos com Oscar Tenório, para quem não se deve falar, a rigor, em “teoria” ou“doutrina” da qualificação, senão apenas em “problema das qualificações” (cf. seuDireito internacional privado, vol. I, cit., p. 314). No mesmo sentido, v. DINIZ,Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p.31-32.Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 350-351; ARMINJON, Pierre. L’objet et la méthode du droit international privé, cit., p.442; WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 88-90; NIBOYET, J.-P.Cours de droit international privé français, cit., p. 453; BALLADORE PALLIERI,Giorgio. Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 76-86; AUDIT, Bernard &d’AVOUT, Louis. Droit international privé, cit., p. 235-236; e BALLARINO, Tito (etal.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 96-97. O problema dasqualificações foi proposto, pioneiramente, por Etienne Bartin em 1897,especialmente na análise da jurisprudência francesa relativa ao caso da “viúvamaltesa” (v. infra).V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 361-361, que utiliza aseguinte fórmula: “conceituar + classificar = qualificar”.Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 136.Para a qualificação dos elementos de conexão, v. Cap. V, item 3, infra.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 290.Cf. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 162.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 261.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 374-375.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 290.Sobre o caso, v. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 378.Sobre a qualificação realizada pela lex fori, v. NIBOYET, J.-P. Cours de droitinternational privé français, cit., p. 454-460.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 191-192.

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Essa é precisamente a orientação de VALLADÃO, Haroldo. Direito internacionalprivado…, cit., p. 261; sobre a sua precisão, cf. SILVA, Agustinho Fernandes Dias da.Introdução ao direito internacional privado, cit., p. 70-71. Ainda sobre o tema, cf.CALIXTO, Negi. Interpretação do direito internacional privado. Revista deInformação Legislativa, ano 21, nº 83, Brasília, jul./set. 1984, p. 87-104; e DIAZ

LABRANO, Roberto Ruiz. Derecho internacional privado…, cit., p. 213-223. Aideia da qualificação pela lex causae é tributada a DESPAGNET, Frantz. Des conflitsde lois relatifs à la qualification des rapports juridiques. Paris: Marchal &Billard, 1898, seguido na Alemanha por WOLFF, Martin. Derecho internacionalprivado, cit., p. 95, que leciona: “A segunda tese [de Despagnet] é a acertada. Énecessário partir do princípio de que uma ordenação de Direito InternacionalPrivado concebe todo preceito jurídico estrangeiro e toda instituição jurídica nelebaseada da mesma maneira que o próprio Direito estrangeiro concebe aquelespreceitos e instituições, porque carece de uma qualificação jurídica própria para ascriações do Direito estrangeiro e deve submeter-se, portanto, à qualificação que oDireito estrangeiro faça de suas próprias normas. É a única maneira de evitar aaplicação do Direito estrangeiro de modo que repugne ao espírito desse Direito”.Para críticas à qualificação em etapas, v. DOLINGER, Jacob. Direito internacionalprivado…, cit., p. 369-373. O Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, por suavez, adotava a qualificação exclusiva pela lex fori: “A qualificação destinada àdeterminação da lei aplicável será feita de acordo com a lei brasileira”. Pensamos,contudo, que a qualificação mais precisa é aquela realizada, quando necessário, poretapas (qualificação provisória e definitiva), tal como defendida por HaroldoValladão.O Código Bustamante, também no que tange aos bens e às obrigações, foge à regrada qualificação pela lex fori e estabelece que a qualificação deve realizar-se pela lexcausae (arts. 112, 113 e 164).Vários tratados internacionais trazem em seu bojo normas qualificadoras. Comoexemplo, pode ser citado o Tratado de Direito Comercial Terrestre de Montevidéu,de 1940, que define “domicílio comercial” nos seguintes termos: “Domicíliocomercial é o lugar onde o comerciante ou a sociedade comercial têm o seuprincipal local de negócios” (art. 3º).V. COACCIOLI, Antonio. Manuale di diritto internazionale privato e processuale.vol. 1, cit., p. 95. Cf. também, SAULLE, Maria Rita. Diritto comunitario e dirittointernazionale privato. Napoli: Giannini, 1983. Sobre as novas tendências do DIPrno âmbito da União Europeia, v. MICHAELS, Ralf. The new European choice-of-lawrevolution. Tulane Law Review, vol. 82, nº 5, may 2008, p. 1607-1644.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,

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cit., p. 66.Cf. RODAS, João Grandino. Choice of law rules and the major principles of Brazilianprivate international law, cit., p. 315-331.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 261.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 309.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 114.V. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 343-344; eBATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I,cit., p. 199 (citando lição de Léopold de Vos).V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 257-258; e AUDIT,Bernard & d’AVOUT, Louis. Droit international privé, cit., p. 243-249. Najurisprudência, v. sentença da Corte de Cassação francesa de 22.06.1955 (AffaireCaraslanis c. Dame Caraslanis), in ANCEL, Bertrand & LEQUETTE, Yves. Les grandsarrêts de la jurisprudence française de droit international privé, cit., p. 245-256.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 109.JAYME, Erik. Idem, p. 109-110.V. OLG Francfort-sur-le-Main, 17 mai. 1985, IPRax, 1986, p. 111 e ss.; e JAYME,Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 110. Erik Jayme, contudo, critica adecisão e entende que deveria ter sido aplicada a filosofia trazida pela Convenção daHaia de 5 de outubro de 1961, no sentido de favorecer a validade do testamento.Assim, diz ele, “em caso de dúvida, a qualificação como questão de forma é quedeveria prevalecer. Tal seria uma solução material, e, eu me permito dizer, pós-moderna” (Idem, ibidem).Cf. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 351.Cf. NIBOYET, J.-P. Idem, ibidem.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 226.FERRER CORREIA, A. Idem, p. 226-227.FERRER CORREIA, A. Idem, p. 227.FERRER CORREIA, A. Idem, ibidem.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 261.O Código Bustamante tem regra expressa a respeito, ordenando seja a promessa decasamento não executada regida “pela lei pessoal comum das partes e, na sua falta,pelo direito local” (art. 39).Cf. MARIDAKIS, Georges S. Introduction au droit international privé, cit., p. 63-64;TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 316-317; ANDRADE,Agenor Pereira de. Manual de direito internacional privado, cit., p. 57-59;BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I,cit., p. 201-203; JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 99-101;

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DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 437-444; DEL’OLMO,Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado, cit., p. 41; PINHEIRO,Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 608-619; e FERRER

CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 320-355.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 195-196.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L.Batalha de. O direito internacional privado na Organização dos EstadosAmericanos, cit., p. 101.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L.Batalha de. Idem, p. 103.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 196.Verbis: “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que eradomiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situaçãodos bens”.Verbis: “A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade parasuceder”.STJ, REsp 61.434/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 17.06.1997, DJ08.09.1997.Para detalhes sobre uma ou outra posição, cf. MARIDAKIS, Georges S. Introductionau droit international privé, cit., p. 437-447.BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I,cit., p. 203. Sobre a aplicação da lex fori à questão prévia, porém sob o argumentode poder ser mais benéfica que a lex causae, v. BALLARINO, Tito (et al.). Dirittointernazionale privato italiano, cit., p. 100.V. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 350-352.FERRER CORREIA, A. Idem, p. 353.Cf. SANTOS, António Marques dos. Breves considerações sobre a adaptação emdireito internacional privado. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade deDireito, 1988.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 197-198.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 286.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 189-190.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Idem, p. 190.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Idem, p. 191.Para detalhes do sistema português, v. PINHEIRO, Luís de Lima. Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 521-529; e FERRER CORREIA, A. Lições dedireito internacional privado, vol. I, cit., p. 399-404.

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Assim também a Lei de Introdução ao Código Civil alemão, no art. 4, § 3º, in fine:“Fehlt eine solche Regelung, so ist die Teilrechtsordnung anzuwenden, mit welcherder Sachverhalt am engsten verbunden ist”.V. também Regulamento Roma I (art. 22, § 1º) e Regulamento Roma II (art. 25, §1º), este com referência às obrigações extracontratuais.Cf. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 49.Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 43.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 404.V. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 527.

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Capítulo V

Elementos de Conexão

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1.

1.1

Elemento e objeto de conexão

As normas de DIPr têm uma estrutura característica composta sempre deduas partes bem nítidas: uma contendo o elemento de conexão da norma eoutra prevendo o(s) objeto(s) de conexão.1 Veja-se, a propósito, o exemplodo art. 8º da LINDB, que dispõe: “Para qualificar os bens [objeto deconexão] e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei dopaís em que estiverem situados [elemento de conexão]”. Os “bens”constituem o objeto de conexão da norma indicativa; e “a lei do país emque estiverem situados”, o seu elemento de conexão. Tome-se, também, oexemplo do art. 9º da LINDB, que prevê: “Para qualificar e reger asobrigações [objeto de conexão], aplicar-se-á a lei do país em que seconstituírem [elemento de conexão]”. As “obrigações” são o objeto deconexão da norma; e “a lei do país em que se constituírem”, o seu elementode conexão.

Diferenças de fundo

Os objetos de conexão, como se nota, versam a matéria regulada pelanorma indicativa (v.g., bens; casamento; sucessão; obrigações etc.) eabordam sempre questões jurídicas vinculadas a fatos ou elementos defatores sociais com conexão internacional (v.g., capacidade jurídica; formade um testamento; nome de uma pessoa física; direitos reais referentes abens imóveis; pretensões jurídicas, como as decorrentes de um ato ilícitopraticado ou de um acidente de carro etc.).2 Por sua vez, os elementos deconexão (de ligação, de contato, de vínculo3) das normas indicativas são osque ligam, contatam ou vinculam internacionalmente a questão de DIPr,tornando possível saber qual lei (se a nacional ou a estrangeira) deverá serefetivamente aplicada ao caso concreto a fim de resolver a questãoprincipal; são os elos (“pontes”) existentes entre as normas de um país e asde outro, capazes de fazer descobrir qual ordem jurídica resolverá a

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questão (material) sub judice. Em suma, os elementos de conexão são“elementos de localização” do direito aplicável, isto é, aqueles que alegislação interna de cada Estado toma em consideração e entende comorelevantes para a indicação do direito substancial aplicável.4 Suadeterminação, assim, é dada pelas normas de DIPr de cada país,dependendo o seu estabelecimento das tradições (costumes) e da políticalegislativa de cada qual.5 Tais tradições e a política legislativa é que irãodeterminar qual o maior ou menor grau de “proximidade” que teria certoordenamento jurídico no que tange à solução da questão sub judice.6

Frise-se, porém, que os elementos de conexão apenas terão lugarquando se tratar de uma relação vinculada a mais de uma ordem jurídica,pois estando o fato ligado a um só ordenamento não haverá razão paraoperar o DIPr.

Procedimento de localização

O método pelo qual o juiz verifica se é possível enquadrar o ato ou fatojurídico com conexão internacional no objeto de conexão previsto pelanorma de DIPr da lex fori é a qualificação (v. Cap. IV, item 4.1, supra).7

Qualificada, porém, a relação jurídica, isto é, classificada a questão dentreo rol de institutos jurídicos existentes, caberá, então, ao juiz determinar oelemento de conexão da norma indicativa, ou seja, localizar a sede jurídicada relação qualificada. Será o elemento de conexão da norma indicativaque possibilitará ao juiz assegurar-se de que esta ou aquela lei (nacional ouestrangeira) deverá ser aplicada ao caso concreto. Somente após todo esseexercício jurídico – depois de qualificado o instituto em causa e encontradoo objeto de conexão – é que, finalmente, poderá o magistrado determinar alei aplicável e, a partir daí, realmente aplicá-la à questão decidenda(questão principal).

Para chegar a esse desiderato avulta de importância o estudo doselementos de conexão das normas indicativas ou indiretas, os quaisexercem papel central no DIPr, especialmente por haver disparidade entreos elementos escolhidos pelas diversas legislações, o que efetivamente

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demonstra que o objeto do DIPr é, tout court, o conflito de leis no espaçocom conexão internacional.8

Frise-se, porém, que a verificação dos elementos de conexão deveandar lado a lado com o princípio da maior proximidade, sem o que aordem jurídica indicada poderá não ser a efetivamente “atrativa” da melhor(mais coerente, mais justa) conexão. É evidente – e nisso a doutrina emgeral parece concordar – que a ordem jurídica mais próxima da relaçãojurídica será também aquela que melhores condições terá de resolver aquestão sub judice, pelo que a investigação dos elementos de conexãodeverá operar em conjunto com tal princípio. Essa é a tendência que se vêestampada em várias convenções modernas de Direito Uniforme,9 comotambém em algumas legislações atuais de DIPr, como, v.g., a Lei de DireitoInternacional Privado da Suíça, de 18 de dezembro de 1987, que determina,no art. 15, § 1º, que “[o] direito designado pela presente lei não seráexcepcionalmente aplicado se, à luz do conjunto de circunstâncias, formanifesto que a causa guarda ligação muito tênue com esta lei e conexãomuito mais próxima com outra lei”.10

Concurso de elementos de conexão

Não raro acontece de a norma de DIPr da lex fori prever mais de umelemento de conexão potencialmente aplicável, quando então surge aquestão do concurso de elementos de conexão.

O concurso dos elementos conectivos, como explica Batalha, pode sersucessivo ou cumulativo. Será sucessivo quando a norma interna de DIPrindicar um elemento de conexão principal e outros subsidiários aplicáveisem sua ausência, tal como faz o art. 7º, § 8º, da LINDB, segundo o qual“[q]uando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada nolugar de sua residência ou naquele em que se encontre”; aqui, como senota, o elemento de conexão principal é o domicílio, e os subsidiários são aresidência e o lugar em que se encontra a pessoa. Por sua vez, haverá oconcurso cumulativo quando puderem os elementos de conexão funcionar,em cada caso, simultaneamente, a exemplo do que prevê o art. 26 das

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disposições preliminares ao Código Civil italiano: “A forma dos atos entrevivos e dos atos de última vontade é regulada pela lei do lugar em que oato for realizado ou daquela que regula a substância do ato, ou ainda pelalei nacional do disponente ou dos contraentes, se for comum”; neste caso,perceba-se, podem os três elementos de conexão elencados sersimultaneamente aplicados pelo juiz (lugar da realização do ato, da lei queregula a substância do ato, ou da nacionalidade do disponente ou doscontraentes).11

No caso do concurso cumulativo, entende a doutrina que a solução paraa espécie está na aplicação do princípio favor negotii, pelo qual há de seraplicada a norma mais favorável à validade formal do ato (v. Cap. VII, item4.5, infra) .12

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2.

2.1

Espécies de elementos de conexão

A escolha dos elementos de conexão de uma norma indicativa de DIPrvaria de Estado para Estado, não havendo uma regra uniforme para aeleição, nas diversas legislações estrangeiras, de que elemento deverá seraplicado para cada situação jurídica. Assim, depende das tradições(costumes) e da política legislativa de cada qual a escolha dos elementosde conexão das normas indicativas do DIPr nacional, sendo alguns delesmais correntemente utilizados nas legislações em geral (como, v.g., anacionalidade e o domicílio).

As conexões – responsáveis por determinar a competência de uma ououtra ordem jurídica – podem ser pessoais, reais, formais, voluntárias oudelituais, variando a sua maior ou menor utilização, como se disse, segundoas tradições (costumes) e a política legislativa de cada Estado. Entre taisconexões, evidentemente, pode haver subsidiariedade, a depender do quepreveem as normas escritas ou costumes do DIPr, como, v.g., a utilização daresidência habitual na falta de localização do domicílio etc.

Conexões pessoais

São pessoais as conexões relativas à pessoa, tais a nacionalidade, odomicílio, a residência, a origem e a religião. Trata-se de elementosapenas possíveis havendo uma pessoa no centro da conexão (v.g., alguémque nasce, que falece, que é domiciliado ou residente em determinado lugar,que professa certa religião etc.). De todas as conexões pessoais, anacionalidade e o domicílio são as que resolvem a maioria das questõesatuais do DIPr. O domicílio tem sido o elemento de conexão mais utilizado,sobretudo nos países da América Latina (dentre eles o Brasil); a residência,por sua vez, aparece como elemento subsidiário, quando não se consegueidentificar o domicílio da pessoa.

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2.2

2.3

Conexões reais (territoriais)

São reais (territoriais) as conexões normalmente ligadas às coisas, tala lex rei sitae (ou lex situs). Relacionam-se à propriedade, aos bensmóveis e imóveis. A lex rei sitae, v.g., é a conexão quase universalmenteadotada no que tange aos bens imóveis.13 Nesse sentido, assim dispõe o art.8º da LINDB: “Para qualificar os bens e regular as relações a elesconcernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados”. Nessecaso, em nada importa o domicílio ou a nacionalidade do proprietário,sendo competente o foro em que situado o bem (seja móvel ou imóvel).Para os bens móveis, há, contudo, exceção da lex rei sitae para quandoestiverem em trânsito, aplicando-se o princípio mobilia sequunturpersonam, segundo o qual os móveis seguem a pessoa (LINDB, art. 8º, §1º).14 O Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, por sua vez, dispôs queos bens móveis devem ser regidos “pela lei do país com o qual tenhamvínculos mais estreitos” (art. 11, parágrafo único).

Conexões formais

São formais as conexões relativas aos atos jurídicos em geral, tais olugar de sua celebração (lex loci celebrationis), o lugar de sua execução(lex loci executionis) e o lugar de sua constituição (lex lociconstitutionis). Trata-se dos elementos de conexão que vinculam um atojurídico a determinado sistema normativo: locus regit actum. Como dizBeviláqua, o adágio locus regit actum representa “a consagração daeficácia internacional das leis referentes à forma dos atos, de todos eles,autênticos ou privados, solenes ou sem forma predeterminada”.15 Emquaisquer desses casos, será a lei do local – da celebração, execução ouconstituição – que regerá o ato jurídico.

O lugar da celebração vem previsto, v.g., no art. 7º, § 1º, da LINDB,segundo o qual “realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a leibrasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades dacelebração”. Nessa hipótese, como se nota, o local da realização do ato

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2.4

2.5

jurídico (casamento celebrado no Brasil) atrai a aplicação do sistemanormativo nacional (aplicação da lei brasileira) quanto aos impedimentosdirimentes e às formalidades da celebração do matrimônio. O mesmo se dácom o lugar da execução da obrigação, tal como previsto, v.g., no art. 9º, §1º, da LINDB: “Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil edependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas aspeculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.Por fim, o lugar da constituição da obrigação aparece nítido no art. 9º,caput, da LINDB, segundo o qual “para qualificar e reger as obrigações,aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Aqui, também, será olocal (país da constituição da obrigação) que atrairá a lei competente paraa sua qualificação e regência.

Conexões voluntárias

São voluntárias as conexões que levam em conta a vontade das partes;que resolvem o conflito pela aplicação da lei livremente escolhida (lexvoluntatis). No Brasil, a dúvida está em saber se a autonomia da vontadedas partes encontra autorização no nosso direito interno. Como se verá àfrente, conquanto não expressamente prevista na legislação brasileira paratodos os casos, a autonomia da vontade das partes é elemento de conexãocostumeiro, de há muito reconhecido entre nós; é elemento conectivo válidoe autorizado pela nossa ordem jurídica (v. item 4.4, infra).

Conexões delituais

Por fim, são delituais as conexões relativas às obrigaçõesextracontratuais (ex delicto) advindas da responsabilidade pela reparaçãode danos.16 Trata-se, como se nota, das conexões ligadas à teoria daresponsabilidade por danos, responsáveis por reger a obrigação deindenizar.

As conexões delituais mais comuns são a do local do delito (lex loci

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delicti commissi) e a do local do resultado ou prejuízo (lex damni). Cadaqual – pela proximidade para com o ato ou com o dano – indica a leiaplicável para reger a obrigação de indenizar nos casos deresponsabilidade extracontratual, ou seja, quando alguém tenha sidoatingido por conduta delitiva de outra parte numa relação jurídica comconexão internacional.

No Brasil, a regra é que as obrigações ex delicto são regidas equalificadas pela lei do local em que se constituírem (LINDB, art. 9º). OCódigo Bustamante, da mesma forma, adotou para as obrigações quederivem de atos ou omissões, em que intervenha culpa ou negligência nãopunida pela lei, a regra do “direito do lugar em que tiver ocorrido anegligência ou culpa que as origine” (art. 168).

Exemplo de obrigação extracontratual é o damnum injuria datum,normalmente advindo de danos causados por fogo ou por invasão, para oqual se entende ser aplicável a lex loci delicti commissi para reger aobrigação de indenizar. Quando, porém, uma fábrica situada numa fronteiraentre dois países explode, por negligência ou imprudência, destruindopropriedades situadas para além do Estado onde se situa, utiliza-se comoelemento de conexão o lugar do resultado ou dano (lex damni).17

Caso não se consiga determinar com precisão o país da prática doilícito, a doutrina tem entendido deva o juiz decidir de ofício segundo anorma mais favorável à vítima. Wolff exemplifica com o caso de umcriminoso que cloroformiza alguém num trem que está a atravessar váriospaíses, e, numa de suas paradas, atira o corpo da vítima para fora do vagão;em tal caso, segundo ele, poderá a vítima invocar livremente quaisquerordens jurídicas pelas quais passou o trem, devendo, porém, o juiz decidirex officio de acordo com a legislação mais favorável à demandaapresentada.18

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3.

3.1

Qualificação dos elementos de conexão

Os elementos de conexão são institutos jurídicos (v.g., território,nacionalidade, domicílio etc.) e, como tais, comportam diversosenquadramentos nas várias legislações estrangeiras. Assim, eles também, aexemplo de qualquer instituto jurídico conhecido, necessitam serqualificados (classificados) para que sejam bem aplicados. A questão estáem saber a qual das ordens jurídicas em causa cabe qualificar os elementosde conexão.

Qualificação pela lex causae

A qualificação dos elementos de conexão há de ser realizada segundo osistema jurídico (nacional ou estrangeiro) indicado pela norma interna deDIPr. Assim, uma vez indicado o direito estrangeiro, deverá a qualificaçãodo elemento respectivo (v.g., nacionalidade, domicílio etc.) realizar-sesegundo esse direito; será a lex causae, neste caso, a responsável porfornecer a qualificação do elemento conectivo, não a lex fori.19

Como se nota, a qualificação dos elementos de conexão é diversa daqualificação dos objetos de conexão, cuja classificação há de realizar-sepor etapas, iniciando pela lex fori e findando pela lex causae, caso ascaracterizações desta e daquela comportem divergências no que tange aoenquadramento jurídico do tema, como já se estudou (v. Cap. IV, item 4.1,supra).

A lex fori, segundo Haroldo Valladão, só tem condições de qualificar,v.g., a nacionalidade ou o domicílio ou o lugar contratual, respectivamente,do ou no foro. Destarte, segundo ele, “para saber se uma pessoa tem anacionalidade brasileira, ou está domiciliada no Brasil, ou se o contrato serealizou no Brasil, consulta-se a lei brasileira, e, correlativamente, a leiestrangeira se se tratar apenas de nacionalidade, domicílio, contrato –estrangeiro”.20

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3.2

Será, portanto, a lex causae a responsável por qualificar os elementosde conexão, pois só assim haverá maior precisão no entendimento doelemento em causa. Prova disso, tout court, consiste na qualificação danacionalidade, pois não se pode dizer, v.g., que alguém é francês se aprópria França não confere à pessoa a condição de nacional seu.21 Damesma forma, para saber se uma pessoa tem a nacionalidade brasileira,necessário investigar quais as regras existentes no Brasil sobre“nacionalidade”, e assim por diante.

Conflito positivo e negativo

Aqui, também, poderá haver conflito positivo ou negativo relativo àqualificação de um dado elemento de conexão. Haverá o conflito positivoquando, v.g., a pessoa for considerada nacional ou domiciliada em mais deum Estado; e o conflito negativo quando, v.g., ambos os Estadosconsiderarem sem nacionalidade ou sem domicílio determinado indivíduo.Como qualificar o elemento de conexão nesses casos? Para Valladão, aquestão se resolve aplicando outro elemento de conexão, subsidiário,também ligado ao negócio, v.g., para a nacionalidade o domicílio, e paraeste a residência etc., salvo, habitualmente, a qualificação do foro, se a leideste se achar em causa.22

Ao contrário da orientação geral, não existe, ainda segundo Valladão,qualquer círculo vicioso em o intérprete da norma de DIPr considerarpreliminarmente as diversas leis invocadas, interessadas, para qualificar oelemento de conexão, e verificar a que se aplica, solucionando, se seapresentar, o respectivo conflito positivo ou negativo com aquelasdiretrizes.23

Não se descarta, por fim, que tratados internacionais estabeleçam umconceito geral sobre os elementos de conexão conhecidos, comonacionalidade, domicílio etc.

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4.

4.1

Principais elementos de conexão

São relativamente poucos os elementos de conexão existentes, nãoobstante haver certa complexidade na exata compreensão de cada um deles.É, outrossim, importante a verificação desses elementos para que tantoquem demanda como quem julga possa corretamente qualificá-los, segundoos preceitos já estudados.

Como já se disse, a eleição dos elementos de conexão das normasindicativas ou indiretas depende das tradições (costumes) e da políticalegislativa de cada Estado, havendo várias espécies de conexões possíveis,variantes de um país a outro. O direito comparado, no entanto, temdemonstrado que alguns elementos de conexão são comuns nas diversaslegislações estrangeiras. Cabe, assim, examinar quais os principaiselementos de conexão existentes, especialmente à luz de sua previsão noDIPr brasileiro.

Antes, porém, deve-se consignar que o DIPr contemporâneo tempugnado pela adoção dos elementos de conexão que maior proximidadeguardam com a questão jurídica concreta, não aqueles advindos de merocapricho do legislador. Nesse sentido, a melhor doutrina tem entendido quea missão atual do DIPr não é apenas estabelecer friamente (ediscricionariamente) as conexões que entende necessárias ao deslinde daquestão jurídica, senão localizar perante qual norma a questão sub judiceencontra o seu verdadeiro “centro de gravidade” ou “ponto de atração”,sem o que não haveria harmonia e justiça na solução do conflito.24 Essa, emsuma, a tendência contemporânea do DIPr, a que o legislador e o aplicadordo direito devem dispensar atenção.

Território

O território é o principal elemento de conexão das normas indicativasou indiretas de DIPr.25 É sobre ele, v.g., que se localiza determinado

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imóvel, que certo ato jurídico é praticado, que ocorre determinado fato, emque se encontram certas pessoas, que se fixa a nacionalidade originária jussoli etc.

Como explica Haroldo Valladão, o território do Estado pode ser (a) umelemento próprio (autônomo) da norma indicativa, quando indica, v.g., a lexsitus, a lei competente para regular os bens ou a lex rei sitae; ou (b) umcomponente básico de outros elementos de conexão, como, v.g., danacionalidade jus soli, do domicílio, do lugar da realização ou da execuçãodo ato ou do contrato.26

Destaque-se que o conceito de território que interessa ao direitointernacional em geral não é absolutamente geográfico. Cuida-se, aqui, doseu conceito jurídico, que compreende: a) o solo ocupado pela massademográfica de indivíduos que compõem o Estado, com seus limitesreconhecidos; b) o subsolo e as regiões separadas do solo; c) os rios, lagose mares interiores; d) os golfos, as baias e os portos; e) a faixa de marterritorial (de 12 milhas marítimas) e a plataforma submarina (para osEstados que têm litoral) e; f) também o espaço aéreo correspondente aosolo e ao mar territorial.27

Assim, quando diz a LINDB, no art. 7º, § 1º, que “realizando-se ocasamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aosimpedimentos dirimentes e às formalidades da celebração”, não pode haverdúvida de que “no Brasil” significa mais que o território (geográfico)brasileiro, senão também conotando todos os lugares em que a RepúblicaFederativa do Brasil exerce a sua soberania, a exemplo das embaixadas econsulados brasileiros, bem assim dos nossos navios e aeronaves militares.

O critério territorial tem sido historicamente eleito no Brasil como onosso principal elemento de conexão, com superação do critério danacionalidade.28 Tal pode ser comprovado pela leitura da atual LINDB, queseguiu o espírito das normas anteriores. De fato, como se percebe da leiturada LINDB, no que tange (a) à personalidade, à capacidade e aos direitos defamília incide a lei domiciliar, e, em caso de diversidade de domicílios, alei do primeiro domicílio conjugal (art. 7º e parágrafos); (b) aos bens edireitos reais, incide a lex rei situs ou lei da situação dos bens, com

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4.2

exceção dos bens móveis em trânsito, que seguirão a lei do país em que fordomiciliado o proprietário (art. 8º e § 1º); (c) às obrigações, incide a lei dopaís em que se constituírem, salvo quanto à forma essencial das obrigaçõesexequíveis no Brasil (art. 9º e § 1º); (d) à sucessão por morte ou porausência, incide a lei do domicílio do defunto ou desaparecido, qualquerque seja a natureza ou a situação dos bens (art. 10); (e) às pessoasjurídicas, incide a lei do Estado em que se constituírem (art. 11); e (f) àcompetência do foro, incide a lei do país em que o réu seja domiciliado, emque a obrigação deva ser cumprida, ou em que o imóvel esteja situado (art.12 e § 1º).29

O domicílio é o elemento territorial que, segundo a legislação brasileiraem vigor, rege o estatuto pessoal, razão pela qual merecerá tratamentoespecífico (v. item 4.3, infra).

Nacionalidade

O elemento de conexão nacionalidade30 (lex patriae) guarda granderelevância para o DIPr em geral, seja para resolver conflitos de leis noespaço relativos ao gozo, ao exercício ou ao reconhecimento de direitos.31

Trata-se de elemento de conexão bastante utilizado nas legislações de DIPrde vários países da Europa. No Brasil, como se disse, a atual LINDB(seguindo a tendência histórica da legislação brasileira relativa ao tema)superou o elemento de conexão nacionalidade, para adotar prioritariamenteo critério territorial. E isso tem uma explicação lógica, pois quando oestatuto pessoal se rege pela nacionalidade os conflitos jurídicos tendem ase multiplicar, especialmente pela maior frequência das mudanças denacionalidade e de sua pluralidade no seio das famílias, ao passo quequando o estatuto pessoal é regido pela lei territorial os conflitos em queseja necessário aplicar a lei de outro Estado diminuemconsideravelmente.32

Cabe à lex causae, isto é, à lei de cuja nacionalidade se trata, qualificaro elemento de conexão relativo à nacionalidade, inclusive a interpretaçãodos termos pela lei respectiva utilizados, devendo, ainda, resolver as

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4.3

eventuais questões prévias,33 desde que “esteja de acordo com asconvenções internacionais, o costume internacional e os princípios dedireito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade”, tal comodetermina o art. 1º da Convenção da Haia de 1930 sobre conflitos de leisem matéria de nacionalidade.34

Quando houver o indivíduo mais de uma nacionalidade, o entendimentocorrente é no sentido de tomar como referência aquela com a qual elemantém a relação mais próxima e estreita de significância (most significantrelationship). Tome-se, como exemplo, um cidadão brasileiro que tambémdetém nacionalidade italiana, porém, é domiciliado no Brasil, trabalha noBrasil, mantém sua família no Brasil e quase não sai do país. Nesse caso, éevidente que é com o Brasil que tal indivíduo mantém relações maisestreitas, não com a Itália, país do qual, apesar de também ser nacional, nãofrequenta constantemente, não tem domicílio ou residência, não exercequalquer atividade profissional etc.

Domicílio

A legislação brasileira atual, no que tange às pessoas físicas, atribuitotal ênfase ao elemento de conexão domicílio em vez do elementonacionalidade, o que se comprova facilmente lendo os arts. 7º e seguintesda LINDB. No que toca às pessoas jurídicas, também o elemento territorialé a regra, dispondo o art. 11, caput, que a elas se aplica a lei do Estado emque se constituírem.

A opção do legislador brasileiro pelo elemento de conexão domicílio –explica Edgar Carlos de Amorim – deu-se em decorrência da SegundaGuerra mundial e do fato de vários navios brasileiros terem sidotorpedeados em nossas costas, levando à necessidade de assegurar a váriossúditos dos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) domiciliados noBrasil, e cujos comércios foram alvo de constantes quebra-quebras, que nãotivessem seus direitos violados pela aplicação das leis de suanacionalidade, em detrimento da legislação do domicílio (legislaçãobrasileira).35

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Daí em diante, o critério territorial – que guarda o ponto de contatomais corrente de uma pessoa com uma dada ordem jurídica – tem sidohistoricamente eleito no Brasil como o nosso principal elemento deconexão, superando o da nacionalidade. A isso também se acrescenta o fatode ser o Brasil um país de imigração, interessado em “sujeitar o estrangeiroaqui domiciliado à sua lei, integrando-o à vida nacional, independentementede sua subordinação política”.36

Dentre as espécies do critério territorial, o domicílio foi o elementoeleito para as questões envolvendo, v.g., o começo e fim da personalidade,o nome, a capacidade, os direitos de família, a invalidade do matrimônio eseu regime de bens, legal ou convencional. É importante, assim, acompreensão desse elemento de conexão no DIPr brasileiro, notadamenteem relação ao estatuto pessoal.

O domicílio tem sido entendido como o ponto de contato mais correntee seguro de uma pessoa com uma dada ordem jurídica, capaz de demonstrara vontade de fixação do indivíduo em determinado lugar, seja para neledefinitivamente residir, centralizar seus negócios ou ter o seuestabelecimento principal. Trata-se do locus no qual gravitam as principaisatividades da pessoa, por ela determinado para a consecução daquilo queprimariamente deseja, e que a vincula à ordem jurídica em que se encontra,independentemente de sua nacionalidade.

O elemento de conexão domicílio, contudo, é bastante controverso noDIPr, eis que as legislações de diversos Estados normatizam o seu conteúdocom enorme disparidade.37 De fato, enquanto no direito brasileiro, v.g., odomicílio da pessoa natural “é o lugar onde ela estabelece a sua residênciacom ânimo definitivo” (Código Civil, art. 70), no direito italiano é aqueleem que a pessoa “estabelece a sede principal dos seus negócios einteresses” (Código Civil, art. 43); e no direito francês é o lugar em que apessoa “tem o seu estabelecimento principal” (Código Civil, art. 102).

Por isso, tal leva à necessidade em se estudar o domicílio segundo oque sobre ele entende a lei invocada, isto é, a lex causae, como já se falou(v. item 3.1, supra). Assim a opinião de Haroldo Valladão, para quem cabe“a qualificação internacional do domicílio à lei interessada, à lei

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invocada, à ‘lex causae’, sendo, pois, competente para determiná-lo a leido sistema jurídico territorial (Estado, Estado-membro etc.), de cujodomicílio se trata, sendo o domicílio brasileiro fixado pela lei brasileira eo domicílio fora do Brasil pela lei estrangeira de sua constituição”.38

Nesse sentido, portanto, é que devem ser compreendidos osdispositivos da LINDB que dizem, v.g., que “a lei do país em quedomiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim dapersonalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família” (art. 7º,caput), que “tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos deinvalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal” (art. 7º, §3º), que “o regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país emque tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeirodomicílio conjugal” (art. 7º, § 4º), que “aplicar-se-á a lei do país em quefor domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ouse destinarem a transporte para outros lugares” (art. 8º, § 1º), que “o penhorregula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse seencontre a coisa apenhada” (art. 8º, § 2º), que “a sucessão por morte ou porausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou odesaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens” (art. 10,caput), que “a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula acapacidade para suceder” (art. 10, § 2º) etc.

Quando houver pluralidade de domicílios, a preferência é estabelecidapelo domicílio nacional da pessoa, e, posteriormente, pelo seu domicíliolegal. Quando a pessoa não tiver domicílio (ou seja, quando for adômide),aplica-se, subsidiariamente, a residência ou ainda o lugar em que seencontra a pessoa como elementos de conexão, tal como dispõe o art. 7º, §8º, da LINDB: “Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-ádomiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre”.39

Tendo a pessoa diversas residências, em vários países ao mesmo tempo,aplica-se a lei da última residência estabelecida.40 No que tange, porém, àparte final do citado art. 7º, § 8º, da LINDB, que diz considerar domiciliadaa pessoa no lugar “em que se encontre”, nasce o problema relativo àpossibilidade de fraude por parte daqueles que migram de um lugar a outrocom a exclusiva finalidade de manipular esse elemento de conexão, caso

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4.4

em que poderá o juiz, segundo Maristela Basso, optar pela aplicação doprincípio do “domicílio originário”, que diz respeito àquele primeirodomicílio que teve a pessoa logo após seu nascimento com vida, com baseno critério jus sanguinis, transmitindo-se de pai para filho e que poderiaser, ao menos teoricamente, conservado por toda a vida.41

Por fim, destaque-se que no âmbito de várias convenções internacionais(v.g., Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares,de 1973; e Convenção da Haia relativa à Competência, à Lei Aplicável, aoReconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria deResponsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, de 1996) ede diversos regulamentos europeus (v.g., Regulamento Roma III, sobre a leiaplicável em matéria de divórcio e separação judicial, de 2010), o critérioda residência habitual tem sido preferido ao do domicílio como elementode conexão territorial, por ser de mais fácil aplicação e menos divergenteem relação àquele.42

Vontade das partes

A vontade das partes – decorrente do conhecido princípio daautonomia da vontade – é um importante elemento de conexão no DIPr,43

reconhecido desde as origens do DIPr positivo e mantido até os dias dehoje, tanto em leis internas como em tratados internacionais, bem assim emdiversas resoluções das Nações Unidas, como, v.g., a Resolução de Bâle(1991) do Institut de Droit International sobre “A autonomia da vontadedas partes nos contratos internacionais entre pessoas privadas”, da qual foiRapporteur o Prof. Erik Jayme.44 Por meio dela, permite-se às partesderrogar (expressa ou tacitamente) as normas de conflito e definir, elaspróprias, o direito aplicável em certos casos, como, v.g., nos relativos aoregime de bens do casamento, aos efeitos das obrigações, à sucessãotestamentária, à competência do juízo etc.45 Seu fundamento encontraguarida na liberdade que os indivíduos têm de agir como lhes aprouver emquestões ligadas à sua pessoa ou ao comércio, não se desconhecendo,porém, haver autores que, indo mais longe, fundamentam a autonomia da

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vontade também nos direitos humanos.46

A verificação de eventual violação à ordem pública (ou aos bonscostumes, ou aos tratados incorporados, ou à intenção das partes de fraudara lei) somente se dá em momento posterior, não havendo porque seranalisada previamente, isto é, quando da realização do ato, do negóciojurídico ou do contrato; apenas posteriormente, na execução da avença, éque se vai aferir se a escolha da lei aplicável viola ou não os princípiossensíveis do foro, protegidos pelo manto da ordem pública lato sensu.47

Assim, é incorreto dizer que as partes não poderão valer-se da autonomiada vontade quando a conexão indicada afrontar a soberania do país, suaordem pública ou as normas previstas em tratados internacionais dos quaiso Estado é parte. A autonomia da vontade é autônoma à potencial violaçãoda ordem pública lato sensu, a qual só será aferida, repita-se, em momentoposterior (não quando da escolha da lei aplicável). Ainda que seja louvávelque se recomende – diz Dolinger – a compatibilização de um contrato comas leis potencialmente aplicáveis no momento da contratação, verdade éque o não atendimento desse cuidado não invalida por qualquer maneira,nem poderia, a cláusula voluntária estabelecida pelas partes, que continua“válida e eficaz até esbarrar com a ordem pública do forum executionis, naoportunidade de execução judicial, o que poderá ou não se materializar”.48

Assim, a primeira questão a esclarecer (seguindo a melhor doutrina) é ade que a autorização que as partes têm para escolher a lei aplicável àavença não tem ligação, a priori, com o corte de efeitos que a ordempública lato sensu poderá eventualmente impor, senão apenas a posteriori,quando da execução do contrato ou do cumprimento da respectivaobrigação.

Certo, portanto, é que a vontade das partes é elemento conectivo válidono direito brasileiro, como, v.g., já indicava Clovis Beviláqua – tiranteapenas o trecho inicial relativo aos “naturais limites” em que se há dealocar a voluntas – ao dizer que “[c]olocada nos seus naturais limites eagindo de acordo com a lei, a vontade é a fonte geradora das obrigaçõesconvencionais e unilaterais, consequentemente lhe deve ser permitido, nasrelações internacionais, escolher a lei a que subordina as obrigações

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livremente contraídas”.49

A aceitação da autonomia da vontade (lex voluntatis) enquantoelemento de conexão válido, de índole subjetiva, coloca em segundo planoa vontade objetiva do legislador, que somente terá lugar subsidiariamente,na ausência de escolha do direito aplicável pelas partes.50

A autonomia da vontade é bastante nítida, v.g., na conclusão decontratos, em que as partes, livremente, escolhem a lei de um determinadoEstado para reger os termos do documento assinado, bem assim o forocompetente para a resolução das controvérsias a ele relativas.51 SegundoHee Moon Jo, os motivos pelos quais essa autonomia é aceita no planocontratual são vários, sendo os principais os seguintes: a) a existência deprevisão (expressa ou tácita) pelas legislações domésticas; b) a dificuldadede tipificar os elementos de conexão nas obrigações contratuais, em razãodos inúmeros tipos de contratos internacionais existentes; c) aimpossibilidade de generalização desses contratos relativamente a umdeterminado objeto de conexão, mesmo porque também não há um elementode conexão que seja superior aos outros, dentre os vários existentes, taiscomo o local de celebração, o de execução, a lei nacional, a lei dodomicílio etc.; e d) a diminuição da resistência das partes à sua submissãoforçada a alguma esfera judiciária determinada, exatamente em razão doacordo que realizam no que tange à escolha da lei aplicável.52

Essa liberdade em matéria de autonomia da vontade das partes, aliás,sempre foi a regra no direito brasileiro, que jamais desautorizou o seu usoem matéria contratual.53 Daí a lição de Irineu Strenger de que “a verdadeinegável é que a teoria da autonomia da vontade nasceu a propósito doscontratos e até o momento atual esse é o âmbito onde se aloja”.54

Originariamente, a autonomia da vontade em matéria de obrigações foiprevista no Brasil pelo art. 13, caput, da Introdução ao Código Civil de1916 (verbis: “Regulará, salvo estipulação em contrário, quanto àsubstância e aos efeitos das obrigações, a lei do lugar, onde foremcontraídas”). Na Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942 (atualLINDB), houve, porém, total silêncio do legislador nacional quanto aotema, o que plantou a dúvida na doutrina em saber se ainda persiste, no

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direito brasileiro atual, a autonomia da vontade das partes enquantoelemento de conexão válido em matéria de obrigações em geral.55 De fato, oart. 9º da LINDB (“Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a leido país em que se constituírem”) não se referiu expressamente à autonomiada vontade, como fazia o art. 13, caput, da Introdução ao Código Civil de1916. Boa parte da doutrina, contudo, entende que a “autonomia da vontadecomo princípio deve ser sustentada não só como elemento da liberdade emgeral, mas como suporte também da liberdade jurídica, que é esse poderinsuprimível do homem de criar por um ato de vontade uma situaçãojurídica, desde que esse ato tenha objeto lícito”.56 Nesse sentido, entende-seque o art. 9º da LINDB não exclui a autonomia da vontade se a lei do paísem que contraída a obrigação a admitir.

Para nós, da mesma forma, a autonomia da vontade subsiste no direitobrasileiro atual especialmente por quatro motivos: a) primeiro, porque otexto constitucional de 1988 estabelece que “ninguém será obrigado a fazerou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II); b)segundo, porque não havendo lei a proibir expressamente a autonomia davontade entre nós, o seu não reconhecimento e a sua não aceitação violariao citado art. 5º, II, da Constituição Federal; c) terceiro, pelo fato de suasubsistência basear-se num costume aceito em vários países (não sendodiferente com o Brasil) e, inclusive, pelo Institut de Droit Internationaldas Nações Unidas; e d) por fim, por ser reconhecida em diversasconvenções internacionais.57 Frise-se, ademais, que a Lei de Arbitragembrasileira (Lei nº 9.307/96) admitiu expressamente que “poderão as partesescolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas naarbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordempública” (art. 2º, § 1º), o que autoriza as partes, a priori, a escolher odireito aplicável quando juridicamente vinculadas a uma convenção dearbitragem.58

Apenas a título de exemplo, veja-se o que dispõe o art. 7º daConvenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos ContratosInternacionais: O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. Oacordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso deinexistência de acordo expresso, depreender-se de forma evidente da

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conduta das partes e das cláusulas contratuais, consideradas em seuconjunto. Essa escolha poderá referir-se à totalidade do contrato ou a umaparte do mesmo.

A eleição de determinado foro pelas partes não implicanecessariamente a escolha do direito aplicável.

No que tange ao tema da eleição de foro, frise-se ter o Código deProcesso Civil de 2015 privilegiado expressamente a autonomia da vontadedas partes ao dispor que compete à autoridade judiciária brasileiraprocessar e julgar as ações “em que as partes, expressa ou tacitamente, sesubmeterem à jurisdição nacional” (art. 22, III), bem assim ao determinarque “não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e ojulgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivoestrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação” (art.25). Destaque-se, contudo, como também deixa entrever a segunda parte doart. 7º da Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos ContratosInternacionais, que a eleição do foro pelas partes não implicanecessariamente a escolha do direito aplicável. De fato, uma coisa é aeleição do foro e outra é a escolha da lei aplicável à resolução do mérito;escolhido, v.g., o foro brasileiro para julgar a causa, a segunda etapa seráverificar qual a lei aplicável à questão de fundo, que poderá ser a lex foriou a lex causae, indistintamente (a depender do elemento de conexão danorma de DIPr da lex fori ou, em se tratando de contrato, de eventual novaescolha das partes). Daí a precisa conclusão de Franceschini de que “nãoadmitindo o Direito brasileiro que uma cláusula de foro de eleiçãoimplique automática ou indiciária aplicabilidade da lex fori para reger umdeterminado contrato, os tribunais estrangeiros não devem inferir que pelaeleição dos tribunais brasileiros (ou de arbitragem no Brasil) para dirimirquestões oriundas de um acordo tiveram as partes a intenção de eleger a leibrasileira como lei aplicável à avença”.59

Frise-se, ainda, que se as partes têm autonomia para determinar odireito aplicável ao caso concreto, inclusive o foro perante o qual se irádesenrolar a ação, têm igualmente o direito de decidir sobre a qualificaçãodo objeto de conexão respectivo, excepcionando eventual imposição

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contrária da lex fori (v.g., a lei da situação da coisa ou do lugar daconstituição da obrigação).60

Em suma, pode-se dizer que tanto o direito brasileiro não proíbe aautonomia da vontade das partes quanto a ordem internacionalexpressamente a admite, o que induz à conclusão única de estar admitidaessa autonomia entre nós. A regra, portanto, nesse campo, é que a autonomiada vontade está autorizada (pois não expressamente proibida) no direitobrasileiro como elemento conectivo válido e eficaz.

A manifestação de vontade – que pode ser expressa ou tácita, aqualquer tempo alterável, respeitados os direitos de terceiros – é hábil paraescolher, como lei competente, a lex fori ou a lei estranha. Esta última,contudo, não necessita ser obrigatoriamente uma norma estatal, ou seja,proveniente de um ente pertencente à sociedade internacional, podendo sera lei de determinada região, província, cantão, cidade ou, até mesmo,pertencente a certa religião.61

Ainda no que tange ao elemento de conexão (não ao objeto de conexão– v. supra) decorrente da vontade unilateral, a regra é a de que a suaqualificação deve dar-se nos termos da lei invocada ou interessada, ou seja,da lex causae. Em outros termos, a lei escolhida pela vontade (lexvoluntatis) é que será a responsável por qualificar essa mesma vontade.62

Destaque-se, por derradeiro, que o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de2004, seguia expressamente a orientação aqui desenvolvida, ao dispor, noart. 12, caput, que “as obrigações contratuais são regidas pela lei escolhidapelas partes”, podendo tal escolha ser “expressa ou tácita, sendo alterávela qualquer tempo, respeitados os direitos de terceiros”. A redação dodispositivo levava em conta a aceitação já consagrada da autonomia davontade por diversos tratados internacionais de DIPr, especialmente oestipulado no art. 7º da Convenção Interamericana sobre Direito Aplicávelaos Contratos Internacionais.63 Veja-se, a propósito, a justificativa dacomissão de redação: “No mundo contemporâneo, a liberdade das partespara fixar a lei aplicável está consagrada nas mais importantes convençõesde direito internacional privado – Convenção de Roma sobre Lei Aplicávelàs Obrigações Contratuais, de 1980 (art. 3º), Convenção da Haia sobre a

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Lei Aplicável à Compra e Venda de Mercadoria, de 1986 (art. 7º), eConvenção Interamericana sobre Direito Aplicável às ObrigaçõesContratuais, México, 1994 (art. 7º), esta assinada pelo Brasil. MarioGiuliano e Paul Lagarde, falando sobre o art. 3º da Convenção de Roma,assinalam que a norma consoante a qual o contrato é regido segundo a leiescolhida pelas partes constitui ‘uma reafirmação da regra consagradaatualmente no direito internacional privado de todos os Estados membrosda Comunidade, bem assim da maioria dos direitos dos outros países’(Journal Officiel des Communautés Européennes, 31.10.80, C 282, p. 15).Resolução do Institut de Droit International (Basiléia, 1991) acolheu aautonomia da vontade das partes em contratos internacionais firmados entrepessoas privadas (Revue Critique de Droit International Privé, 1992, p.198). O projeto seguiu basicamente a ideia contida na Convenção doMéxico de 1994, assinada pelo Brasil, cujo art. 7º dispõe: ‘O contratorege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobre estaescolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência de acordo expresso,depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das cláusulascontratuais, consideradas em seu conjunto. Essa escolha poderá referir-se àtotalidade do contrato, ou a uma parte do mesmo. A eleição de determinadoforo pelas partes não implica necessariamente a escolha do direitoaplicável’”.

Lugar do contrato

O lugar em que se celebra o contrato é um elemento de conexãotradicional no DIPr, além de um dos mais antigos. Nem todas aslegislações, porém, o adotam para aferir em que lugar se constitui aobrigação contratual.

No Brasil, a LINDB, v.g., não seguiu o lugar da celebração do contratocomo elemento de conexão a ele relativo, mas, sim, o lugar de residênciado proponente, tal como estabelecido no art. 9º, § 2º, assim redigido: “Aobrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em queresidir o proponente”. Tal mereceu aguda crítica da doutrina, em especial

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de Haroldo Valladão, para quem seria absurda a ideia de reputar, v.g.,concluído na Argentina um contrato celebrado no Rio de Janeiro, apenasporque proposto por cidadão argentino, lá residente, que no Brasil estavaapenas acidentalmente, de passagem, por alguns dias… Ademais, aindasegundo Valladão, outra crítica a ser levada em consideração é que se apessoa não tiver residência alguma a norma brasileira deixa insolúvel aquestão.64 Agustinho Fernandes Dias da Silva, igualmente, critica adisposição da LINDB por entender ser contrária aos interesses brasileiros,“pois, nos casos em questão, os proponentes geralmente residem noestrangeiro, em países mais desenvolvidos”.65

Os problemas advindos do art. 9º, § 2º, da LINDB, porém, minimizam-se quando se pode lançar mão da autonomia da vontade (nem sempre,contudo, tal será possível) para estabelecer onde se reputará constituída aobrigação resultante do contrato.

A lex fori

A lex fori é um elemento de conexão tradicional (e talvez um dos maisantigos) no DIPr. Conota a lei do foro ou a lei do juiz perante o qual sãoapreciadas as questões jurídicas e seus incidentes.66 Sua vantagem está nofato de o juiz do foro melhor conhecer as normas internas de seu Estado queeventualmente uma determinada norma estrangeira, cuja pesquisa do teor evigência demandaria muito mais trabalho e tempo. É, de fato, muito maisprático aplicar a lei que se conhece que aquela desconhecida, provenientede outro sistema normativo, muitas vezes de difícil localização ecompreensão.

Cada Estado possui suas próprias normas de DIPr, as quais deve o juizdo foro aplicar em primeiro plano. Seu estabelecimento, como já se falou,depende das tradições (costumes) e da política legislativa de cada país,motivo pelo qual são variantes de um país a outro. Com o passar do tempo,contudo, várias situações passaram a afastar o primado da lex fori,atribuindo à lex causae a solução da matéria.

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4.7 Religião e costumes tribais

Em alguns países existem ainda outros elementos de conexãoconhecidos, tais a religião (v.g., no Irã) e os costumes tribais (v.g., emalguns países da África). No Irã, v.g., os direitos e as obrigações daspessoas estão ligados à religião de cada qual, o que pode gerar certadificuldade para que o juiz nacional aplique a norma iraniana indicada pelaregra de DIPr da lex fori. Em Israel e nos países árabes, v.g., o direitomatrimonial é de competência das respectivas religiões.

Segundo Jacob Dolinger, quando “a regra de conexão do DIPrbrasileiro indicar a aplicação da lei de um destes países para questões deestatuto e capacidade, aplicar-se-á a lei religiosa que o regime jurídicoestrangeiro determine, assim como se homologarão as sentençasestrangeiras oriundas dos seus tribunais eclesiásticos”.67 O mesmoraciocínio se aplica quando a regra de DIPr da lex fori indicar ordenamentoregido por costumes tribais, caso em que deverá o juiz do foro investigartais costumes para o fim de aplicá-los internamente na resolução da questãosub judice.

Caso interessante trazido por Dolinger (relativo ao direito de família)diz respeito à decisão do STF que julgou hipótese de casamento realizadona Síria em 1902, em que se verificou divergência sobre o regime de bensvigorante à época naquele país.68 Ao passo que uma parte pretendeu quetodo casamento realizado na Síria teria de obedecer ao rito muçulmano (e,portanto, seria regido pela separação de bens), a outra entendia devesse seraplicada a lei religiosa em matéria de direito de família (pelo que o regimeseria o da comunhão de bens). O STF manteve o acórdão do Tribunal deJustiça do (então) Estado da Guanabara que reconheceu, na hipótese, que oscônjuges pertenciam ao rito melkita dos católicos orientais, aceitandocomo prova da lei religiosa estrangeira o documento passado peloMonsenhor Pro Vigário Geral Melkita do Rio de Janeiro, com o seguinteteor: Em aditamento ao certificado feito em 18.03.53 por Mons. EliasCouester, Vigário Geral dos Católicos Melkitas no Brasil, hoje BispoAuxiliar do Rio de Janeiro, no tocante ao casamento realizado na Síria, na

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cidade de Maloula, em 05.02.1902, de Rattar Salomão Cury e Afife Chaer,declaro, para os devidos fins que na Síria os casamentos realizados pelorito Melkita dos Católicos Orientais têm todos os efeitos de casamento civile o único regime vigorante é o da comunhão de bens.

Aplicou-se, ali, portanto, corretamente a lei religiosa estrangeiradesignada pela regra de DIPr da lex fori, delegação esta, segundo Dolinger,“nunca rejeitada com base na vedação ao reenvio, mesmo depois de 1942,por se tratar de uma incorporação ao direito da nacionalidade dadisposição de direito religioso das diversas fés acreditadas no país emquestão”.69

Em suma, todos os sistemas jurídicos que mantêm certos institutos sob aordenação de uma religião (ou costume tribal etc.) criam elementos deconexão potencialmente aplicáveis às relações privadas com conexãointernacional, devendo a resolução das questões surgidas serem tambémresolvidas pelo DIPr.

Registre-se, por fim, que o Institut de Droit International, na suasessão de Cracóvia de 2005, de que foi Rapporteur o Sr. Paul Lagarde,sugeriu expressamente aos Estados que “evitem a utilização da religiãocomo elemento de conexão para determinar o direito aplicável ao estatutopessoal dos estrangeiros”, devendo, para tanto, “possibilitar a essaspessoas uma faculdade de opção entre a sua lei nacional e a lei do seudomicílio caso o Estado nacional seja diferente do Estado em que se situa odomicílio”.70

Também em matéria de divórcio entende-se que a conexão de relaçõesjurídicas à religião das pessoas é incompatível com a liberdade deconsciência assegurada aos cidadãos, dada a impossibilidade de conciliar aliberdade individual de manter a fé em segredo ou de mudá-la com aconexão do status da pessoa à sua religião.71 Dolinger, citando GaudemetTallon, observa que a conexão do fator religioso ainda mais se agrava“quando ele pretende determinar as relações pecuniárias entre os cônjuges,bem como as questões sucessórias, como no Líbano, onde o direito civil eos direitos eclesiásticos reivindicam sua competência sobre certasmatérias, como por exemplo os efeitos patrimoniais do divórcio”.72

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5. Conflitos móveis (sucessão de estatutos)

Estudados os elementos de conexão do DIPr, cabe agora investigarcomo a alteração do seu núcleo fático poderá influenciar na corretadesignação da lei aplicável pelo juiz.

O tema que aqui se vai estudar diz respeito à alteração no tempo decertas circunstâncias componentes dos elementos de conexão em razão davontade das partes, o que faz surgir o fenômeno conhecido por conflitomóvel (ou sucessão de estatutos).73 Assim, a mudança do domicílio ou danacionalidade (alteração do estatuto pessoal) ou do lugar de certa coisamóvel (alteração do estatuto real) durante o julgamento da lide poderáconectar, no tempo, a questão de DIPr a vários ordenamentos jurídicosdistintos, plantando-se a dúvida em saber qual norma deverá ser aplicadapelo juiz na resolução do caso concreto, se a antiga ou a nova.

O problema, aqui, como se vê, não é da sucessão no tempo das normasde conflito, senão da sucessão no tempo do sistema jurídico destinado areger a questão concreta sub judice, em razão da alteração (voluntária) deum elemento componente do elemento de conexão. É dizer, a norma de DIPrda lex fori (que determina, v.g., a regência do estatuto pessoal em razão dodomicílio) permanece a mesma, sem qualquer alteração, deslocando-se notempo apenas a situação fática (mudança do domicílio de um país paraoutro, mudança de nacionalidade etc.) que integra o conteúdo da regraconflitual. Em outros termos: a regra conflitual de DIPr permanece intacta,inalterável, variando apenas o seu núcleo fático, em razão da vontade daspartes. Assim, se durante o curso do processo alguém domiciliado naFrança passa a domiciliar-se nos Estados Unidos, a questão colocada serádeterminar qual legislação, se a anterior (francesa) ou a posterior (norte-americana) determinará, v.g., a capacidade da pessoa para casar, paracontratar, e assim por diante. Da mesma forma, se alguém com 19 anos deidade, nacional de um Estado que admite a maioridade apenas aos 21 anos,naturaliza-se em Estado que a admite aos 18 anos, põe-se a questão desaber se a lei antiga (pela qual a pessoa é menor) ou a nova (pela qual ela é

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maior) deverá reger, v.g., eventual responsabilidade pela prática de atoilícito (sendo, também, a recíproca verdadeira). A mesma questão se põe noque tange ao estatuto real, em que um bem (móvel) adquirido num país étransportado a outro, alterando, como consequência, a legislaçãoestrangeira aplicável à sua qualificação e regência (v. Parte II, Cap. II, item5, infra). Em todos esses casos a dúvida é, repita-se, saber se a lei antigaou a lei nova deverá ser aplicada para a resolução do caso concreto.

No que tange ao estatuto pessoal, a questão foi decidida na Alemanhaem favor do direito anterior. Assim, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei deIntrodução ao Código Civil alemão, “[u]ma vez adquirida a capacidadejurídica ou a capacidade para contratar, a mesma não será afetada ourestringida pela aquisição ou perda da nacionalidade alemã”. Seguiu omesmo caminho, no que tange à maioridade, o Código Civil português,tendo o art. 29 determinado que “[a] mudança da lei pessoal não prejudicaa maioridade adquirida segundo a lei pessoal anterior”. O Código Civilperuano, por sua vez, após dizer, no art. 2.070, que “[o] estado e acapacidade da pessoa natural regem-se pela lei do seu domicílio”,determina, no mesmo dispositivo, que “[a] mudança de domicílio não alterao estado nem restringe a capacidade adquirida em virtude da lei dodomicílio anterior”. Assim, quando se trata de determinar o estado ou acapacidade das pessoas, a tendência legislativa é no sentido de fazerprevalecer a lei antiga (do domicílio ou da nacionalidade, a depender docritério utilizado), e não a nova. Portanto, os atos praticados serão válidosou inválidos a depender se era a pessoa capaz ou incapaz nos termos do seuestatuto anterior.74

Nos casos relativos a elementos de conexão variáveis – evidentementeque os elementos fixos, a exemplo dos bens imóveis, não necessitam dedeterminação do momento temporal em que devam ser considerados – é dese esperar que a lex fori diga expressamente, como fizeram as legislaçõesestrangeiras citadas, o tempo em que o fato fundante do elemento deconexão há de ser aplicado.75 Tais elementos variáveis são aqueles quepodem se “movimentar” em razão da vontade das partes, como as mudançasde domicílio e de nacionalidade (alteração do estatuto pessoal) ou do lugarda localização de um bem (alteração do estatuto real). Naquelas

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legislações, como se nota, o tempo escolhido tem sido sempre o anterior(do momento da aquisição da capacidade, do atingimento da maioridade, dodomicílio originário etc.). Na falta de determinação expressa, nada impedeque o juiz entenda ser a lei posterior a mais próxima da relação jurídica,além de a mais benéfica para ambas as partes.

No que toca ao estatuto real, isto é, pertinente aos bens, FrançoisRigaux entende que “é a segurança do comércio imobiliário no interior doúltimo Estado em que se encontra o imóvel, que justifica que a lei desseEstado exclua todas as outras leis que permitam aplicar um direitoconcorrente”.76 Já no que tange ao estatuto pessoal, o mesmo autor lecionaser “o caráter voluntário de adesão a uma nova comunidade nacional (quese dá pelo efeito da mudança da nacionalidade ou do domicílio) quejustifica a aplicação imediata da lei dessa comunidade à constituição dasnovas relações pessoais (casamento, divórcio) e à determinação dos efeitosligados a uma situação já adquirida conforme a lei antiga”.77

No Brasil, a situação é especialmente delicada em razão da falta deprevisão geral sobre o tema na LINDB, o que não exclui existirem tratadosinternacionais de DIPr em vigor no Estado a apresentar respostasespecíficas para determinados casos. A LINDB limita-se a dizer, para oscasos de matrimônio, que “[t]endo os nubentes domicílio diverso, regerá oscasos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal”(art. 6º, § 3º), e que “[o] regime de bens, legal ou convencional, obedece àlei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, ado primeiro domicílio conjugal” (art. 6º, § 4º). Mesmo assim, esse pareceser um tema ainda nebuloso no DIPr atual, o que reforça ser o DIPr matériaimperfeita, inacabada e incapaz de criar modelos de soluções gerais. Defato, compulsando a mínima doutrina que versou o tema no Brasil, nota-sede imediato a dificuldade (e, talvez, o receio) em apontar soluções decontornos bem definidos.78 Tudo, portanto, nesse campo, não tem passadodo plano da especulação.

Para nós, havendo sucessão de estatuto (pessoal ou real) durante ocurso do processo, e não estando o tema regulado por norma específica,somente poderá o juiz aplicar a lei da nova situação jurídica (do novo

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domicílio, da nova nacionalidade, do novo local onde se encontra a coisaetc.) caso não sejam violados direitos legalmente adquiridos ou nãopresencie qualquer situação de fraude à lei. No que tange à proteção dosdireitos adquiridos, recorde-se tratar de garantia constitucional no Brasil(v. Cap. VI, item 5, infra). E, no que toca à vontade das partes, é evidentenão poderem, a seu alvedrio e a seu talante, alterar fraudulentamente oelemento conectivo para o fim de prejudicar direitos de outrem (v. Cap. VII,item 4.4, infra). Esses são limites que restringem a possibilidade deaplicação da lei nova em detrimento da lei da época da constituição do fato.

Assim, v.g., se um casal contrai matrimônio em país onde o divórcio éproibido e, posteriormente, se naturaliza em país que o admite, será a novalei pessoal a responsável por reger eventual pretensão dissolutória dovínculo conjugal, caso inexistam violação a direitos adquiridos ou fraude àlei. Diverso, contudo, é o caso de alguém maior que se naturaliza em paísno qual passa a ser menor, para o fim de escapar à responsabilidadeimputada, v.g., pela prática de ato ilícito. Aqui, como se percebe, houvefraude por parte do agente, o que obriga o juiz a aplicar a lei anterior à luzda qual a maioridade se constituiu.

V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 266-387; eRECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 132.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 132.A mesma conotação lhes é atribuída na nomenclatura de diversos países: na Itália,criteri di collegamento; na França, points de rattachement; na Espanha,circunstancias de conexión/factores de conexión; no Reino Unido,localizer/connecting factors.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 69; BATALHA, Wilson deSouza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 128;STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 337; FOCARELLI, Carlo.Lezioni di diritto internazionale privato, cit., p. 46; DIAZ LABRANO, Roberto Ruiz.Derecho internacional privado…, cit., p. 209-210; PINHEIRO, Luís de Lima.Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 446; FERRER CORREIA, A. Lições dedireito internacional privado, vol. I, cit., p. 179; e BALLARINO, Tito (et al.). Dirittointernazionale privato italiano, cit., p. 72.

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Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 336; eBATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 38.Cf. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 72.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 132.Cf. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 24-28.Como exemplo, cite-se a Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aosContratos Internacionais, de 1994, que estabelece, no art. 9º, que “[n]ão tendo aspartes escolhido o direito aplicável, ou se a escolha do mesmo resultar ineficaz, ocontrato reger-se-á pelo direito do Estado com o qual mantenha os vínculos maisestreitos”.Assim também o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, em vários dispositivos(art. 9, § 5º; art. 11, parágrafo único; art. 12, §§ 1º e 2º; art. 13).BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I,cit., p. 129-130.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Idem, p. 130; e DINIZ, Maria Helena. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 268.Cf. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado,cit., p. 167-168; e WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 264-265.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 342-343.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 178.Cf. BEITZKE, G. Les obligations délictuelles en droit international privé. Recueil desCours, vol. 115 (1965-II), p. 63-145.V. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 254.WOLFF, Martin. Idem, ibidem.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 75, assim: “Uma vez, porém, localizado o Direito estrangeiro aplicável porforça da norma de Direito internacional privado, as qualificações, no âmbito desseDireito estrangeiro, somente por ele poderão ser fornecidas”.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 269.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 130, que, apesar de aceitar a qualificação pela lex fori, excepciona o temada nacionalidade.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 269.

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VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 270.Cf. LAGARDE, Paul. Le principe de proximité dans le droit international privécontemporain…, cit., p. 9-238; e DOLINGER, Jacob. Evolution of principles forresolving conflicts in the field of contracts and torts, cit., p. 187-512. Assim, naUnião Europeia, o art. 4º, 4, do Regulamento Roma I, em matéria de obrigaçõescontratuais: “Caso a lei aplicável não possa ser determinada nem em aplicação do nº1 nem do nº 2, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresenta umaconexão mais estreita”.Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 20-22.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 275.Para detalhes sobre o conceito de “território” no direito internacional, v. MAZZUOLI,Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, cit., p. 476-479.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 41.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. Idem, p. 41-42.Para um estudo aprofundado da nacionalidade no direito internacional, v. MAZZUOLI,Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, cit., p. 721-770.V. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 18-20; eVALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 285.V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 477.V. arts. 9º, 12º e 14º do Código Bustamante: “Art. 9º. Cada Estado contratanteaplicará o seu próprio direito à determinação da nacionalidade de origem de todapessoa individual ou jurídica e à sua aquisição, perda ou reaquisição posterior,realizadas dentro ou fora do seu território, quando uma das nacionalidades sujeitas àcontrovérsia seja a do dito Estado. Os demais casos serão regidos pelas disposiçõesque se acham estabelecidas nos restantes artigos deste capitulo”; “Art. 12. Asquestões sobre aquisição individual de uma nova nacionalidade serão resolvidas deacordo com a lei da nacionalidade que se suponha adquirida”; “Art. 14. À perda denacionalidade deve aplicar-se a lei da nacionalidade perdida”.A Convenção da Haia de 1930 foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 21.798, de06.09.1932.AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 27.DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada,cit., p. 215.Sobre as origens do conceito de domicílio no direito romano, v. SAVIGNY, FriedrichCarl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 46-107. Sobre as diferentes

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concepções de domicílio no direito comparado, v. JAYME, Erik. Identité culturelleet intégration…, cit., p. 204-210.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 339. No mesmosentido, v. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p.518, para quem a qualificação lex causae “mostra-se mais favorável à harmoniainternacional de soluções”, especialmente “em matéria de estatuto pessoal, em quea estabilidade é particularmente importante”. Em sentido contrário, mas admitindoexceções, v. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 429: “Aqualificação do domicílio deve ser dada, em princípio, pela lex fori. Como a Lei deIntrodução do Código Civil [hoje, LINDB] se limita a falar na ‘lei do país em que fordomiciliada a pessoa’, cabe à doutrina escolher um critério qualificador. Dentre oscritérios existentes (lei nacional, lei territorial, autonomia da vontade, lei doforo…), o da lex fori é o mais seguido, embora comporte ressalvas. (…) A lex foriafasta quaisquer conceitos de domicílio fornecidos pelo direito estrangeiro. Afasta,também, a possibilidade do duplo domicílio decorrente de conceitos diferentesdados por leis de duas ou mais soberanias”. Também em sentido contrário, v.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 206: “Comocircunstância de conexão, a noção de domicílio e as condições de sua aquisição eperda, no país ou no estrangeiro, devem ser dadas pelo ius fori”.O Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, também acrescentava a“impossibilidade de localização” do domicílio, caso em que, uma vez configurada,haveriam de utilizar-se, sucessivamente, a “lei da residência habitual” e a “lei daresidência atual” (art. 8º, caput).Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 159.BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 179.V. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 512-513.Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 110-113; PILLET,A. Principes de droit international privé, cit., p. 430-467; WOLFF, Martin.Derecho internacional privado, cit., p. 211-229; GIALDINO, Agostino Curti. Lavolonté des parties en droit international privé. Recueil des Cours, vol. 137 (1972),p. 743-914; CARDOSO, Fernando. A autonomia da vontade no direito internacionalprivado: a autonomia e o contrato de agência ou de representação comercial.Lisboa: Portugalmundo, 1989; JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit.,p. 54-55; e SANTOS, António Marques dos. Algumas considerações sobre aautonomia da vontade no direito internacional privado em Portugal e Brasil. In:MOURA RAMOS, Rui Manuel de et al. (Org.). Estudos em homenagem à ProfessoraDoutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. I. Coimbra: Almedina, 2002, p. 379-429.V. Annuaire de l’Institut de Droit International, vol. 64, t. II (1992), p. 382 e ss.

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V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 363-364; eSAMTLEBEN, Jürgen. Teixeira de Freitas e a autonomia das partes no direitointernacional privado latino-americano. Revista de Informação Legislativa, ano 22,nº 85, Brasília, jan./mar. 1985, p. 257-276.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 148. Ainda sobre o papelda autonomia da vontade no DIPr contemporâneo, v. JAYME, Erik. Le droitinternational privé du nouveau millénaire: la protection de la personne humaine faceà la globalization. Recueil des Cours, vol. 282 (2000), p. 37-38; e JO, Hee Moon.Moderno direito internacional privado, cit., p. 448-452.Assim, DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado(Direito civil internacional, vol. II). Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 466, queentende, com total razão, que “[u]ma cláusula atentatória à ordem pública nomomento da feitura do contrato, pode deixar de sê-lo no momento de sua execuçãoe, contrariamente, uma cláusula inofensiva à época do compromisso, poderá tornar-se rejeitável posteriormente, quando do cumprimento do compromisso contratual”,pelo que, “[n]o momento em que as partes contratam e submetem seu pacto a umalei estrangeira, o princípio da ordem pública não tem como, nem porque serexaminado. (…) Portanto, a ordem pública do país onde o contrato é firmado, nadata em que é firmado, é irrelevante”.DOLINGER, Jacob. Idem, p. 469.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 263.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 149.Para detalhes, v. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p.590-600; e RODAS, João Grandino. Elementos de conexão do direito internacionalprivado brasileiro relativamente às obrigações contratuais. In: RODAS, JoãoGrandino (Coord.). Contratos internacionais. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002, p. 43-61.JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 449.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 370.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 345. V. ainda, FIORATI, JeteJane. Inovações no direito internacional privado brasileiro presentes no Projeto deLei de Aplicação das Normas Jurídicas, cit., p. 257-259.Para um inventário das diversas opiniões doutrinárias sobre o tema, v. RODAS, JoãoGrandino. Direito internacional privado brasileiro. São Paulo: Editora dosTribunais, 1993, p. 39-53.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 615.Sobre esse último aspecto, v. as seguintes convenções: Convenção sobre a Lei

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Aplicável às Vendas de Caráter Internacional de Objetos Móveis Corpóreos, Haia,1955 (art. 2º); Convenção Europeia sobre Arbitragem Comercial Internacional,Genebra, 1961 (art. 7º); Lei Uniforme sobre a Venda Internacional de ObjetosMóveis Corpóreos, Haia, 1964 (arts. 3º e 4º); Convenção sobre Resolução deDisputas Envolvendo Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados,Washington, 1966 (art. 42); Convenção Interamericana sobre Arbitragem ComercialInternacional, Panamá, 1975 (art. 3º); Convenção relativa à Lei Aplicável aosContratos de Intermediários e à Representação, Haia, 1978 (art. 5º); Convenção daComunidade Econômica Europeia sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais,Roma, 1980 (art. 3º); Convenção Sobre Contratos de Venda Internacional deMercadorias – Uncitral, Viena, 1980 (art. 6º); Convenção sobre a Lei Aplicável aosContratos de Venda Internacional de Mercadorias, Haia, 1986 (art. 7º); e ConvençãoInteramericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais, México, 1994(art. 7º).V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 156.FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. A lei e o foro de eleição em tema de contratosinternacionais. In: RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 68.Cf. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 363.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 373.V. VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 372.V. citação supra.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 379.SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Introdução ao direito internacional privado,cit., p. 98.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 385.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 325.STF, RE 63.055, RTJ 46/410, p. 416.DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado (Direito civilinternacional, vol. I, t. 1 – Casamento e divórcio no direito internacional privado).Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 196-197.IDI, 9e Commission – “Différences culturelles et ordre public en droit internationalprivé de la famille” (2005).V. DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 324-325.DOLINGER, Jacob. Idem, p. 325.Cf. RIGAUX, François. Le conflit mobile en droit international privé. Recueil desCours, vol. 117 (1966-I), p. 346.

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Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 585.Cf. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 73.RIGAUX, François. Idem, p. 368. Nesse exato sentido, v. FERRER CORREIA, A. Liçõesde direito internacional privado, vol. I, cit., p. 197, que leciona: “Nestes termos,se dado objeto é em certo momento transportado de A para B, importa submetê-loao mesmo regime a que se encontram sujeitas as coisas de igual categoriaexistentes neste segundo país. Assim o requer a necessária certeza das transaçõesque sobre ele venham a realizar-se – assim o reclamam os interesses gerais docomércio jurídico que em B se desenvolve. Há, portanto, que preferir a lei dasituação atual da coisa”.RIGAUX, François. Le conflit mobile en droit international privé, cit., p. 369.Também nesse sentido, v. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 196-197.Sobre o tema, mas sem qualquer resposta satisfatória, cf. VALLADÃO, Haroldo.Direito internacional privado…, cit., p. 271-272; BATALHA, Wilson de SouzaCampos. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 153-159; DOLINGER,Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 310-312; e RECHSTEINER, BeatWalter. Direito internacional privado…, cit., p. 192-195.

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Capítulo VI

Direitos Adquiridos no Direito Internacional Privado

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1. Entendimento

Atualmente já não cabem dúvidas de que as situações legalmenteconstituídas à luz do direito estrangeiro poderão, a priori, ser invocadas eproduzir efeitos em outro país.1 A regra, aqui, portanto, é a de que umdireito legalmente adquirido no estrangeiro há de ser reconhecido pelaordem interna, tal como se constituiu nos termos da legislação estrangeira,salvo se importar ofensa à soberania nacional, à ordem pública ou aos bonscostumes.2

Referida teoria remonta ao século XVII com os autores estatutáriosholandeses, mais precisamente no último dos três axiomas de Ulrich Huber,baseado na territorialidade e fundado na cortesia entre os Estados, tendodepois alcançado o mundo anglo-norte-americano com Dicey, na Inglaterra,e com o Restatement de Beale, nos Estados Unidos, sob a rubrica dosvested rights.3

Para a devida compreensão da matéria deve-se, de início, relembrar aclássica lição de Pillet, segundo a qual não se confunde a teoria dosdireitos adquiridos com o conflito de leis propriamente dito, pois, enquantoeste supõe haver “dúvida sobre a lei competente e, por conseguinte, sobre aregularidade do direito posto à apreciação dos juízes”, aquela, desde já,conhece a norma à luz da qual referido direito se constituiu, operando adúvida apenas no que concerne ao reconhecido desse direito perante aordem jurídica estranha.4 Ou, para falar como Niboyet, o estudo dosdireitos adquiridos (também chamado “problema da importação dosdireitos”) não averigua qual lei criará ou extinguirá um direito, senãoapenas busca saber “o efeito que esse direito produzirá em um país distintodaquele onde foi criado, o que é coisa muito diferente”.5 De fato, para quedois estrangeiros demonstrem no Brasil a sua qualidade de casados, não sefaz necessária, a priori, a existência de qualquer conflito internormativo, oque, por si só, bem demonstra a distinção da teoria dos direitos adquiridosrelativamente à ciência do conflito de leis.

São incontáveis as situações capazes de ilustrar a teoria dos direitos

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adquiridos. Assim, v.g., um casal que se casa na França e vem residir noBrasil, será aqui tratado com o mesmo status das pessoas casadas, eis queessa condição já adquiriram no estrangeiro antes da vinda ao Brasil, nãocabendo aos tribunais brasileiros indagar sobre a invalidade dessematrimônio realizado alhures; também o padre que se casou validamente emseu país e vem residir com sua esposa em país que não admite o casamentode clérigos católicos terá reconhecido, neste último, o status de casadopara todos os efeitos legais; um turista que vai ao exterior com seus benspessoais (v.g., um relógio de pulso, uma máquina fotográfica, um telefonecelular etc.) não terá a sua propriedade contestada ao ultrapassar afronteira; uma pessoa que ingressa em outro Estado não perde, v.g., a suaqualidade de filho, de esposo ou de pai de família que tenha regularmenteadquirido no exterior.6 Da mesma forma, o casamento de brasileiros emsegundas núpcias realizado no exterior, por se tratar de direito legalmenteadquirido alhures, será aceito no Brasil independentemente da préviahomologação da sentença estrangeira de divórcio pelo Superior Tribunal deJustiça, se teve o casal residência ou domicílio no país estrangeiro à épocado divórcio e do segundo casamento.7

Como destaca Niboyet, o “princípio do respeito internacional dosdireitos adquiridos é absolutamente necessário para que as leis produzamno espaço todo o seu efeito útil; nenhum comércio internacional seriapossível, nem qualquer relação de direito privado poderia existir nasociedade se os direitos adquiridos em um país não fossem respeitados nosdemais”.8

É o respeito recíproco pela soberania dos Estados, segundo JacobDolinger, que os leva a respeitar a validade conferida a um ato praticadoem outra jurisdição, o que não implica renúncia a qualquer parcela de suasoberania, pois não se pode pretender que ato realizado e já consolidado noexterior se sujeite à lei do foro.9 Atente-se, porém, ainda segundo Dolinger,que se a aquisição do direito no estrangeiro tiver obedecido à regra deconexão estabelecida pelo DIPr do Estado de reconhecimento, não haveránecessidade de se recorrer ao princípio dos direitos adquiridos, pois asregras de conexão do Estado de reconhecimento levariam à mesmaconclusão.10 De fato, apenas se vai cogitar de reconhecer efeitos a direitos

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adquiridos no exterior quando as regras de conexão do DIPr da lex fori nãoestiverem em questão, bem assim quando em relação a elas houverdivergência, pois, em caso de concordância, não teria sentido cogitar dedireitos adquiridos no estrangeiro. Estar-se-ia, nesse caso, diante deautorização expressa do DIPr da lex fori para que se reconheçam efeitosaos atos ou fatos realizados no estrangeiro, dada a concordância com oselementos de conexão do Estado de reconhecimento. Exemplo desse tipo deautorização expressa encontra-se no Código Civil da Holanda de 2011, aodispor que “sempre que um fato produzir determinados efeitos jurídicossegundo a lei aplicável de acordo com o Direito Internacional Privado deum Estado estrangeiro envolvido, um tribunal holandês pode, mesmoquando a lei desse Estado estrangeiro não for aplicável segundo o DireitoInternacional Privado holandês, atribuir os mesmos efeitos jurídicos a essefato, na medida em que a não atribuição desses efeitos constitua umainaceitável violação da confiança justificada das partes ou da segurançajurídica” (art. 10:9). No que tange ao reconhecimento de matrimônioscelebrados no exterior, o mesmo Código estabelece: “Um casamentocelebrado fora da Holanda e que seja válido segundo a lei do Estado ondeocorreu ou tenha se tornado válido posteriormente de acordo com alegislação desse Estado, é reconhecido na Holanda como um casamentoválido” (art. 10:31, 1). Nesses casos, por ter a aquisição do direito noestrangeiro obedecido à regra de conexão do DIPr do Estado dereconhecimento, não se cogita de qualquer recurso ao princípio dos direitosadquiridos.

Ferrer Correia, por sua vez, entende não ser o respeito à soberania dosEstados estrangeiros o fundamento dos direitos adquiridos, pois, segundoele, todo o ato de aplicação de preceitos jurídicos – quer se trate de direitonacional, quer de direito estrangeiro – estaria a depender unicamente (esempre) da soberania do Estado territorial, pelo que a “decisão dereconhecer o direito invocado só pode fundar-se aí, manifestamente, numpreceito do ordenamento local – preceito que proclame a competência dalei estrangeira em causa –, e não num qualquer princípio de reconhecimentodos direitos validamente adquiridos em país estrangeiro”.11 Para o autor, éespecialmente a ideia de inadmissibilidade de denegação da justiça que

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estaria a fundamentar, no Estado do foro, o reconhecimento das situaçõesjurídicas estrangeiras de conexão única, pois, relativamente às mesmas,haveria “uma lacuna no sistema jurídico do foro – já que as regras deconflitos existentes se dirigem apenas à hipótese das relaçõesplurilocalizadas –, lacuna essa que se faz mister preencher com uma normaque determine a aplicação nesses casos da lei estrangeira da qual a relaçãosub judice exclusivamente dependa”.12 E conclui: “Decorre do exposto queé de uma regra específica ínsita no sistema de DIPr, regra cujo precisoconteúdo é o que deixamos apontado e a cuja formulação se chega atravésdo processo normal de preenchimento de lacunas – não de uma supostaregra básica ou de um suposto princípio universal de direito radicado nanatureza das coisas – de que deriva o reconhecimento, no Estado do foro,das situações jurídicas criadas no estrangeiro de conformidade com asnormas do único ordenamento estatal de que elas dependem ou com o qualse acham em conexão”.13 Como se nota, em suma, o entendimento de FerrerCorreia propugna que em todo o sistema de DIPr há duas espécies depreceitos atributivos de competência: as normas de conflitos, de um lado, e,de outro, a norma que prescreve, relativamente ao caso das situaçõespuramente internas (embora estrangeiras), a aplicação da lei a que asmesmas situações se encontrem vinculadas.14

Seja como for, o certo é que devem os direitos legalmente constituídosno estrangeiro ser reconhecidos para fora de sua ordem jurídica, sob penade inviabilização da convivência humana no plano internacional. De fato,como diz Pontes de Miranda, “[s]e, a cada fronteira, o conjunto de direitosde cada indivíduo tivesse de sofrer revisão, peneiramento, reexame,podendo ser deles, ou em parte deles, despojado, o intercâmbio, a própriainterpenetração das populações, fato normal da vida dos povos civilizados,seria impossível”.15 Por essa razão é que todo Estado deve, a priori,assegurar sobre o seu território o respeito e a observância dos direitoslegalmente adquiridos no exterior.16

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2. Efeitos dos direitos adquiridos

Os direitos legalmente adquiridos no exterior devem produzir, nosdemais países, os mesmos efeitos apresentados no país de origem. Assim,se duas pessoas se casam no exterior (cumprindo todas as formalidadespara o matrimônio estabelecidas pelo direito local) e decidem residir emoutro país, deverão, neste último, ter assegurados todos os direitosdecorrentes da condição de casados.17 Reconhece-se, portanto, no Estadodo foro, os mesmos efeitos que o direito guarda no país em que seconstituiu, sem mais nem menos.

Destaque-se, contudo, que aqui se está a falar em direito adquirido noexterior, não em obrigação adquirida alhures. A confusão, portanto, há deser evitada. Se dois cônjuges, v.g., mudam de nacionalidade, porém, oEstado da nacionalidade originária proíbe o divórcio, ao passo que oEstado da nova nacionalidade o admite, não poderia o casal divorciar-sesegundo a legislação deste último, caso ali se aplique a lei nacional para aregência do estado e da capacidade das pessoas? Nesta hipótese, entendiaNiboyet (para nós, sem razão) que o divórcio não poderia ser outorgado,pelo fato de existir “um direito adquirido à indissolubilidade domatrimônio em virtude da lei anterior”, lamentando a atitude dajurisprudência francesa que decidia diversamente.18 Para nós, o raciocínio éequivocado, pois é impróprio falar em “direito” a não se divorciar, maisainda em “direito adquirido” a se manter casado. Segundo pensamos, nãohá que se cogitar de exportação de efeitos quando o conteúdo da normaanterior é obrigacional, senão apenas quando se tratar de verdadeirodireito adquirido no exterior. Assim, não haveria qualquer motivo paradenegar um direito novo à determinada pessoa por conta de norma anteriorobrigacional, de cunho negativo e impeditiva da realização de condutalegalmente permissiva à luz da norma de DIPr da lex fori.

Quando se disse, porém, que não há que se “importar” efeitos quando oconteúdo da norma pretérita for obrigacional, não se está querendo afirmarque os direitos adquiridos no exterior não gerem quaisquer obrigações no

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plano interno, como, v.g., no caso do matrimônio realizado alhures, a de oscônjuges não contraírem novo matrimônio na vigência do casamentoanterior. Tal obrigação matrimonial, porém, não foi autonomamenteimportada para o país da lex fori, porque naturalmente já acompanhava odireito adquirido no exterior, sendo, portanto, consequência imanente deste.Diferente é o caso de se pretender que uma obrigação (autônoma,independente) existente anteriormente nos termos da lex causae sejaeternamente aplicada à pessoa quando esta já não mais guarda qualquervínculo conectivo com a norma anterior, como na hipótese acima referida,dos cônjuges que mudaram de nacionalidade (sem propósitos fraudulentos,evidentemente) e se divorciaram nos termos da lei da nacionalidade nova.

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3. Limites da lex fori

A norma de DIPr da lex fori pode estabelecer limites aoreconhecimento dos direitos adquiridos no estrangeiro, como, v.g., quandohouver violação da soberania, da ordem pública e dos bons costumes.Assim, o direito adquirido a manter determinada pessoa em situação deescravidão ou o direito adquirido à poligamia não poderão terreconhecimento no Brasil, por violarem frontalmente a nossa ordempública.19 Dessa forma, não se admitirá, v.g., a um cidadão árabe que aquiaporte já casado, que contraia novas núpcias no Brasil, sob a alegação deque beneficiário desse direito adquirido segundo o seu estatuto pessoal.

Exemplo interessante de direito adquirido no exterior, que durantealgum tempo causou dúvidas sobre sua potencial ofensa à soberanianacional, à ordem pública e aos bons costumes, é o relativo ao chamadojogo de azar. Este, como se sabe, é proibido no Brasil e admitido emvários países do mundo. Ser, porém, o jogo de azar proibido no Brasil nãoimpede que um brasileiro possa aqui cobrar dívida contraída, v.g., emcassino estrangeiro, exatamente por ter sido o direito (ao crédito)legalmente constituído em país onde o jogo é legalizado. Nesse exatosentido tem decidindo o STJ, ao aduzir que “não ofende a soberanianacional, a ordem pública e os bons costumes a cobrança de dívida de jogocontraída em país onde a prática é legal”.20

Como se nota, a relação entre o princípio da ordem pública e do direitoadquirido é menos rigorosa que no caso da aplicação direta da normaestrangeira.21 De fato, a ordem pública, como limite à aplicação direta danorma estrangeira (como se estudará no Cap. VII, item 4.2, infra) é maisgravosa que no caso do reconhecimento dos direitos adquiridos no exterior,os quais podem ser aceitos, em certas circunstâncias e sob determinadascondições, perante a jurisdição do Estado do foro, ainda que violadores daordem pública local, por terem sido validamente constituídos segundo asregras da lex causae. Assim, uma união poligâmica legalmente constituídaem país cujo estatuto pessoal a admite, não poderá ser oficializada, v.g., no

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Brasil, que não a aceita em razão da violação da ordem pública nacional, oque não significa que os tribunais pátrios deixarão de conceder pensãoalimentícia aos filhos menores ou, ainda, de reconhecer direitos sucessóriosdecorrentes dessa união.22

A ordem pública como limite ao reconhecimento dos direitosadquiridos no exterior vem também prevista no art. 7º da ConvençãoInteramericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, de1979, que dispõe: As situações jurídicas validamente constituídas em umEstado-Parte, de acordo com todas as leis com as quais tenham conexão nomomento de sua constituição, serão reconhecidas nos demais Estados-Partes, desde que não sejam contrárias aos princípios da sua ordempública.23

Perceba-se que a Convenção Interamericana refere-se às “situaçõesjurídicas” validamente constituídas em um Estado-Parte, conceito que émais amplo que o de direito adquirido e o de relação jurídica.24 Esteúltimo, v.g., conota a relação entre, no mínimo, duas pessoas, ao passo queo de “situação jurídica” independe dessa ligação, podendo haver situaçõesjurídicas que são puramente individuais (v.g., as situações de maioridade,menoridade etc.).25 Assim, se um indivíduo “atinge a maioridade e a plenacapacidade de acordo com a lex domicilii, não deixa de ser maior e nãodeixa de ser capaz pelo fato de haver transferido o domicílio para país quetenha diversos pressupostos de maioridade e capacidade. O status, asituação de maior e capaz, não constitui, no conceito próprio, direitoadquirido, mas configura situação jurídica concreta que, uma vezcaracterizada, passa a integrar a personalidade, escapando à influência denovas leis no tempo e no espaço”.26 Tal demonstra, em suma, que assituações jurídicas validamente constituídas num Estado estrangeiro, nãopodem deixar de ser reconhecidas pelo Estado do foro, salvo se contráriasà ordem pública nacional. Essa regra mais ampla, contudo, somente temaplicação para os Estados que ratificaram a Convenção Interamericanasobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado.

Uma crítica, contudo, que se faz ao art. 7º da Convenção Interamericanade 1979, diz respeito à exigência de que as situações jurídicas tenham sido

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constituídas conforme “todas as leis com as quais tenham conexão nomomento de sua constituição”, o que, segundo Dolinger, “estabelece umacondição paradoxal, pois geralmente as situações jurídicas se criam deacordo com uma determinada lei ordenada pelas regras conflituais dajurisdição onde ocorrem”, razão pela qual “exigir que uma situação seconsolide de acordo com todas as leis com as quais tenha conexão é admitiruma impossibilidade da hipótese de conflito entre as mesmas”.27 Por outrolado, os autores que defendem a disposição lecionam no sentido de que “talfórmula de compromisso permitiria resolver os casos nos quais uma dasleis é favorável à criação da situação jurídica e as outras se neguem areconhecê-la”, razão pela qual a Convenção “não consagrou a doutrina dosdireitos adquiridos segundo ‘o’ ordenamento jurídico competente, senão deacordo com ‘todas’ as leis competentes; solução esta particularmentesatisfatória para os casos ‘nacionais’ que posteriormente são convertidosem ‘internacionais’”.28 Parra-Aranguren, contudo, lembra a amplainterpretação realizada por Paul Heinrich Neuhaus, para quem não se deveexigir que a criação da situação jurídica se ajuste ao mandamento da leiinterna de todos os Estados conectados com o suposto de fato, sendosuficiente sua conformidade com a legislação declarada aplicável pelasrespectivas normas de conflito; o exemplo para tanto seria o do matrimônioválido de acordo com a lei do domicílio e da legislação declaradaaplicável pela lei da nacionalidade dos cônjuges ao tempo da celebração,entendendo que, nesse caso, a validade do casamento deveria ser mantidaainda que o casal transferisse o domicílio conjugal para um terceiro Estadoe que o matrimônio não satisfaça os requisitos exigidos pela lei danacionalidade dos cônjuges ao tempo da celebração.29

Por fim, outro limite sempre lembrado ao reconhecimento dos direitosadquiridos no estrangeiro diz respeito às “instituições desconhecidas” (v.Cap. VII, item 4.7, infra). Desconhecida é a instituição inexistente nalegislação do Estado do foro, aquela que não guarda qualquercorrespondência com as leis em vigor no país. Como exemplifica Niboyet,para “poder invocar um direito na Espanha, é necessário que tal direito sejareconhecido nesse país aos espanhóis; em outros termos, que a instituiçãojurídica mesma, destinada a lhe servir de base, exista tanto na Espanha

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como no estrangeiro”.30 Parece claro, nesse caso, que não haverá como odireito adquirido no estrangeiro galgar reconhecimento no Estado do foro,por inexistir neste último o direito em causa (e, eventualmente, sequerinstituição análoga).31

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4. Elementos para o reconhecimento

Apesar das divergências que recaem sobre o tema, especialmentedecorrentes da dificuldade de compatibilizá-lo com o princípio da “ordempública”, pode-se dizer que para que se reconheça um direito adquirido noestrangeiro deve: a) o direito em questão ser verdadeiro direito, não meraexpectativa; e b) ter sido validamente adquirido no exterior, isto é, nascidode acordo com a lei competente para presidir a sua formação (ainda quecontrário às regras de conexão do DIPr da lex fori).32 O direito obtidomediante fraude não passa incólume, como se nota, a esse segundoelemento, por faltar-lhe validade jurídica, sem a qual perde a condição de“adquirido”.

Portanto, para além de verdadeiro direito, ou seja, de direitoconcretamente existente, há de ter sido a sua formação validamenteconcretizada segundo a lei estrangeira de regência, sem o que não poderáser reconhecido no plano interno de outra potência estrangeira.Efetivamente, um fato só se considera completo nos termos da ordemjurídica em que se constituiu, aquela que determina a maneira pela qual odireito terá condições idôneas de surtir todos os seus efeitos, não segundoqualquer previsão de outra ordem jurídica.

Tratando-se, portanto, de verdadeiro direito (não de mera expectativa) etendo este sido validamente concretizado nos termos da ordem jurídica quelhe dá roupagem, não poderá o juiz do foro, salvo quebra dos princípios dasoberania ou da ordem pública, deixar de reconhecer eficácia interna a umdireito legalmente constituído no exterior.

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5. Direitos adquiridos no DIPr brasileiro

Na história do DIPr brasileiro, a primeira referência ao tema dosdireitos adquiridos apareceu no Projeto de Código Civil de ClovisBeviláqua, cujo art. 17 de sua Introdução assim estabelecia: Sãoreconhecidos no Brasil os direitos adquiridos no estrangeiro, em virtude deum ato praticado no estrangeiro, segundo a lei estrangeira, contanto que oseu exercício não importe ofensa à soberania nacional brasileira, à ordempública e aos bons costumes.

Beviláqua, ao tempo da redação desse dispositivo, acompanhava deperto a doutrina de Pillet, como nitidamente se verifica da leitura dos seusPrincípios elementares de direito internacional privado.33 O art. 17proposto, porém, não se incorporou por completo à Introdução do CódigoCivil de 1916, tendo a sua redação final (também seguida pela LICC de1942) estabelecido apenas que “[a]s leis, atos, sentenças de outro país, bemcomo as disposições e convenções particulares, não terão eficácia, quandoofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.34 Delá para cá, o certo é que nunca houve no direito brasileiro norma expressasobre o reconhecimento dos direitos adquirido no exterior, ressalvado oprocedimento de homologação de sentenças estrangeiras.35

No entanto, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no art. 5º,XXXVI, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídicoperfeito e a coisa julgada”. Apesar de não ter feito referência expressa aosdireitos adquiridos no estrangeiro, parece evidente que a normaconstitucional os atinge (Ubi lex non distinguir, nec nos distingueredebemus). Assim, a lei referida pelo art. 5º, XXXVI, é toda lei, inclusive ade DIPr da lex fori e a por ela indicada (nacional ou estrangeira) pararesolver a questão jurídica interconectada. Tratando-se de normaconstitucional, sua prevalência se dá relativamente a todas as regrasnacionais de DIPr.

Frise-se, ademais, que o art. 5º, XXXVI, da Constituição, é norma deordem pública internacional, a teor do art. 4º do Código Bustamante, que

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determina que “[o]s preceitos constitucionais são de ordem públicainternacional”.36 Sendo assim, o respeito aos direitos legalmente adquiridosno estrangeiro se impõe no Brasil, por determinação expressa daConstituição, guardadas, evidentemente, as limitações decorrentes dopróprio texto constitucional (v.g., dos direitos fundamentais) ou dos tratadosinternacionais de direitos humanos em vigor no Estado. Nesses casos, aexemplo do relativo ao direito adquirido de manter escravos em territórionacional, os princípios maiores da justiça – fundados na proteçãoconstitucional e internacional dos direitos fundamentais e dos direitoshumanos – informarão ao juiz a necessidade de se rechaçar o direitoadquirido no estrangeiro (ainda que legalmente constituído) em razão daordem pública local.

Em suma, salvo as hipóteses de afronta aos princípios constitucionais einternacionais referidos, a previsão constitucional de respeito aos direitosadquiridos (inclusive no estrangeiro) tem valor imperativo a demandarreconhecimento interno das situações legalmente constituídas no exterior.

A questão foi bem colocada por PILLET, A. Principes de droit international privé,cit., p. 496, nestes termos: “Comment se formule cette question, nous le savonsdéjà. Un droit étant supposé acquis régulièrement dans un pays, c’est-à-direconformément à la loi en vigueur dans ce pays, on se demande si l’on peut invoquerl’existence de ce droit et lui faire produire ses effets dans un autre pays. (…) Telssont les termes exacts de cette nouvelle question”. v. ainda, PILLET, A. La théoriegénérale des droits acquis. Recueil des Cours, vol. 8 (1925), p. 489-538.Cf. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado,cit., p. 341-343; WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 28-30;MOURA RAMOS, Rui Manuel Gens de. Dos direitos adquiridos em direitointernacional privado. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade deCoimbra, vol. 50 (1974), p. 175-217; TENÓRIO, Oscar. Direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 377-378; VALLADÃO, Haroldo. Direito internacionalprivado…, cit., p. 484-491; e BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. Direitosadquiridos no direito internacional privado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,1996, 118p.Cf. MARIDAKIS, Georges S. Introduction au droit international privé, cit., p. 391-

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392; PEREIRA, José Edgard Amorim. Dos direitos adquiridos em direitointernacional privado. Belo Horizonte: Imprensa da Universidade de Minas Gerais,1965, p. 37-39; e PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derechointernacional privado…, cit., p. 187-204.PILLET, A. Principes de droit international privé, cit., p. 497. Para críticas, v.ARMINJON, Pierre. La notion des droits acquis en droit international privé. Recueildes Cours, vol. 44 (1933-II), p. 5-105; e, entre nós, PONTES DE MIRANDA, FranciscoCavalcanti. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 261-265; ePEREIRA, José Edgard Amorim. Dos direitos adquiridos em direito internacionalprivado, cit., p. 69-81.NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 258.Cf. PILLET, A. La théorie générale des droits acquis, cit., p. 489-492; BEVILÁQUA,Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit., p. 342-343;e DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 451-453.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 198; eDEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado, cit., p. 5.NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 261.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 453. Beat WalterRechsteiner, por sua vez, entende que os “direitos adquiridos no estrangeiro estãoprotegidos pelo direito internacional privado, basicamente, por duas razões, a saber:pelo interesse da continuidade e pela garantia da certeza de direito (sécurité dedroit)” (Direito internacional privado…, cit., p. 196).DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 458. Nesse exatosentido, v. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 188-189, que leciona: “La doctrina de los derechos adquiridos nopuede desempeñar un papel importante cuando los problemas son resueltosexclusivamente a través de normas bilaterales de Derecho Internacional Privado,porque si este método es seguido en forma estricta, un derecho subjetivo sólopuede considerarse debidamente adquirido cuando ha sido creado por elordenamiento jurídico competente por mandato de la norma de conflicto. Por tanto,hablar de derechos adquiridos en semejante caso sería un simple truísmo, porque elderecho no tiene existencia por sí y sólo nace como consecuencia delfuncionamiento de la regla de conflicto del forum”.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 366.FERRER CORREIA, A. Idem, p. 369.FERRER CORREIA, A. Idem, ibidem.FERRER CORREIA, A. Idem, p. 370.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacional

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privado, t. I, cit., p. 257.PILLET, A. Principes de droit international privé, cit., p. 515: “Cette loi peut seformuler ainsi: tout État doit, en règle générale, assurer sur son territoire le respectel l’observation des droits acquis à l’étranger. Cette loi peut être qualifiée l’un desfondements du droit international privé”.V. PILLET, A. Principes de droit international privé, cit., p. 496-497; BEVILÁQUA,Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit., p. 341-343;e NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 286.NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 264.V. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 379.STJ, Ag. 751.600, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 27.08.2009, DJe01.09.2009.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 463.V. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado,cit., p. 94; e DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 466.Outras normas internacionais têm redação semelhante, a exemplo da prevista no art.8º do Código Bustamante: “Os direitos adquiridos segundo as regras deste Códigotêm plena eficácia extraterritorial nos Estados contratantes, salvo se se opuser aalgum dos seus efeitos ou consequências uma regra de ordem públicainternacional”. Jacob Dolinger, porém, critica essa disposição por entendê-lasupérflua e contrária ao princípio filosófico imanente na teoria dos direitosadquiridos: supérflua, pois se os direitos se adquiriram segundo as regras “desteCódigo”, seria desnecessário o recurso aos direitos adquiridos para que tenhameficácia extraterritorial; e contrário à filosofia dos direitos adquiridos, pois estacomanda o respeito a direitos adquiridos por outras regras que não as do foro e,consequentemente, também não necessariamente de acordo com as regras “desteCódigo” (Direito internacional privado…, cit., p. 461).Cf. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 201-202; e DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…,cit., p. 463.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 59.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. Idem, p. 60.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 463.PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacional privado…,cit., p. 202.

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PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Idem, p. 203.NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 294.Cf. PILLET, A. Principes de droit international privé, cit., p. 516.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 385-386; eAMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 49-50.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 342: “Em primeiro lugar, como doutrina Pillet, nos conflitos de leis o direito estáem seu período de formação ou no momento de sua aquisição. Tratando-se dedireitos adquiridos, o que temos de examinar são os seus efeitos, porque aexistência da relação de direito já está definitivamente estabelecida”.A LICC de 1942 seguiu esse dispositivo, com pequena variação: “As leis, atos esentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terãoeficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e osbons costumes”. Anos mais tarde, o art. 19 do Projeto de Lei nº 269 do SenadoFederal, de 2004, pretendeu novamente reinserir a teoria dos direitos adquiridos noDIPr brasileiro, ao estabelecer expressamente que: “Os direitos adquiridos naconformidade de sistema jurídico estrangeiro serão reconhecidos no Brasil com asressalvas decorrentes dos artigos 17 [qualificação], 18 [fraude à lei] e 20 [ordempública]”. O Projeto, contudo, foi arquivado em janeiro de 2011.Cf. BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. Direitos adquiridos no direitointernacional privado, cit., p. 91.Mais técnico, porém, seria falar em ordem pública interna de relevânciainternacional, como pretendeu Emilio Betti (cf. BATALHA, Wilson de SouzaCampos. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 269).

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1.

Capítulo VII

Aplicação do Direito Estrangeiropelo Juiz Nacional

Dever de aplicação do direito estrangeiroindicado

Não há dúvidas sobre o dever que tem o juiz, num dado caso subjudice, em aplicar a coleção de leis nacionais, as quais tem ele a obrigaçãode conhecer (jura novit curia). No que tange, porém, à aplicação do direitoestrangeiro, podem algumas dúvidas surgir, merecendo o devidoesclarecimento.

Adiante-se, desde já, que o juiz nacional deve aplicar o direitoestrangeiro, não em razão desse próprio direito, mas em virtude dedeterminação expressa da lex fori, quando aquele for o direito indicadopela norma interna de DIPr.1 Tal obrigação, como explica Oscar Tenório,resulta da própria natureza do DIPr, que consagra, entre os seus princípiosfundamentais, a regra de que a lei estrangeira competente se reputa igual àlei indígena.2 Por isso, resulta possível afirmar que a lei estrangeira,quando aplicada na ordem jurídica brasileira, passa a também compor acoleção de leis nacionais lato sensu, ainda que de modo temporário e emrazão de destinação específica (é dizer, ad hoc). Importante, contudo, éfrisar mais uma vez que a lei estrangeira não se aplica no Brasil porautoridade própria, senão em respeito a comando nacional expresso queautoriza a sua utilização no foro.

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Não há, assim, ao contrário do que se poderia pensar, afronta àsoberania nacional na aplicação do direito estrangeiro, uma vez que adeterminação para que se o aplique em nossa ordem jurídica provém de leibrasileira devidamente aprovada pelo Parlamento e sancionada peloGoverno.

A questão da competência

Antes, porém, de se iniciar o estudo da aplicação do direito estrangeiropelo juiz nacional, cabe lembrar que a Justiça brasileira deve, antes dequalquer análise do teor e da aplicação da norma estrangeira, sercompetente para resolver a demanda.3 Em outros termos, antes de aplicar anorma material indicada pela regra de DIPr da lex fori, deve o juiz nacionalter competência para o julgamento da ação proposta,4 segundo as regras decompetência internacional previstas na nossa legislação processual civil.5

Disso se conclui que a competência internacional do juiz doméstico é umpressuposto de aplicabilidade do DIPr no Estado, sem o que se torna inútilinvestigar a regra de conflito e localizar o direito aplicável.6 Tout court,primeiro se determina a competência do Judiciário pátrio, e, depois, severifica qual lei (nacional ou estrangeira) será aplicada à resolução daquestão à luz das regras nacionais de DIPr.

No Código de Processo Civil de 2015, tais regras vêm expressas nosarts. 21 a 25, que estabelecem os limites da jurisdição nacional. Em taisdispositivos, o Código pretendeu resolver questões controversas de hámuito debatidas no Direito brasileiro, privilegiando o mais amplo acesso àjustiça.

Os arts. 21 e 22 enumeram as hipóteses de competência concorrente(relativa, cumulativa) da Justiça brasileira, aquelas que admitem possa aquestão ser também julgada pela Justiça estrangeira; e o art. 23 enumera ashipóteses de competência exclusiva (absoluta, não cumulativa) doJudiciário pátrio, que excluem a possibilidade de atribuição de efeitos aqualquer decisão de tribunal estrangeiro sobre a mesma lide. Todas essasdisposições são normas unilaterais que preveem a competência da nossa

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1.1.1

Justiça sobre determinado assunto, sem se importar se a justiça estrangeiraserá também competente (atributo da soberania) para a sua análise, nostermos de suas regras processuais. Se for, mas se se tratar de competênciaexclusiva da Justiça brasileira, não terá chance de operar efeitos no Brasilqualquer decisão ali proferida.

Frise-se, de plano, que os fatos ocorridos no estrangeiro nãoenquadráveis nas hipóteses dos arts. 21 a 25 do CPC/2015, impedem aautoridade judiciária brasileira de conhecer da ação, por ausência absolutade jurisdição.

Competência concorrenteO art. 21 do CPC/2015 apresenta, em linhas gerais, regras já

conhecidas tanto da LICC de 1942 (art. 12) quanto do CPC/1973 (art. 88)no estabelecimento da competência internacional do Poder Judiciáriobrasileiro, assim dispondo: Art. 21. Compete à autoridade judiciáriabrasileira processar e julgar as ações em que:

I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiverdomiciliado no Brasil;

II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-sedomiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiveragência, filial ou sucursal.

Em ambas essas hipóteses pode o autor escolher perante qual foro seráajuizada a ação, se o estrangeiro ou o nacional, pois, como se disse, acompetência da autoridade judiciária brasileira é, aqui, concorrente.7 Apossibilidade de escolha do foro perante o qual se pretende ver julgadaação é o que se denomina forum shopping.8 Trata-se de direito potestativodo autor, fundado na autonomia da vontade e baseado na expectativa de queo foro eleito é o que melhor atende os seus interesses (o que é

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absolutamente legítimo quando exercido de boa-fé, é dizer, sem abuso dedireito ou fraude à lei). Facilidade probatória, dispensa de honoráriossucumbenciais e majoração dos valores indenizatórios são alguns dosfatores que levam as partes a escolher essa ou aquela Justiça para aresolução da lide. Para nós, a possibilidade de escolha da jurisdição maisapropriada à propositura da ação é medida, antes de tudo, aconselhável àspartes.9 A questão que se coloca, contudo, é se poderia o juizinternacionalmente competente declinar da prestação jurisdicional porentender ser mais conveniente para o deslinde da causa a Justiçaestrangeira, quando verificar, v.g., ter o autor agido com abuso de direito oucom má-fé em prejuízo da defesa do réu. A esse expediente dá-se o nome deforum non conveniens, seguindo a tradição dos países anglo-saxões.10 Entrenós, a doutrina tem entendido que, por estarem as regras de competênciainternacional delimitadas em lei, ou seja, no Código de Processo Civil, nãocabe qualquer margem de discricionariedade ao juiz relativamente ao seucumprimento, especialmente porque uma tal postura conflitaria com oprincípio constitucional do acesso à justiça, segundo o qual “a lei nãoexcluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF,art. 5º, XXXV).11

As demais hipóteses de competência concorrente do CPC/2015 vêmexpressas no art. 22, que estabelece:

Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileiraprocessar e julgar as ações:

I – de alimentos, quando:

a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil;

b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse oupropriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção debenefícios econômicos; II – decorrentes de relações de consumo,quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;

III – em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem àjurisdição nacional;

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Merece destaque o inciso III do art. 22, que atribui à autoridadejudiciária brasileira competência para processar e julgar as ações “em queas partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional”.Aqui, como se percebe, o Código abre as portas da Justiça brasileira àdiscussão de todos os litígios em que as partes pretendam, expressa outacitamente, encontrar solução no Judiciário pátrio, ainda que as questõesdebatidas não guardem qualquer contato com a nossa ordem jurídica. Aautoridade judiciária brasileira, nesses casos, não poderá, por expressadeterminação legal, declarar-se incompetente para o exame da matéria,especialmente à luz da ratio do dispositivo em causa, que é a detransformar o país em novo foro internacional de solução de controvérsias.Certa ou errada a solução, o fato é que se está diante de norma imperativaao juiz, que não poderá declinar da apreciação da lide pela aplicação doforum non conveniens; aqui, perceba-se, foram “as partes” que escolheram,conjuntamente, submeter-se à jurisdição nacional, não uma em detrimentoou em prejuízo da outra, pelo que não há falar em fraude na escolha danossa jurisdição.

Escolher a jurisdição nacional para o deslinde da causa não induz,entretanto, a aplicação obrigatória da lei brasileira para a resolução domérito. Trata-se de questões absolutamente distintas, não obstante, naprática, o próprio Poder Judiciário se confundir a respeito. Verdade é que aeleição do foro nada tem que ver com a escolha da lei aplicável àresolução da lide.12 Assim, escolhido o foro brasileiro para o deslinde docaso concreto, resta ainda ao juiz nacional localizar a lei aplicável(nacional ou estrangeira) para a resolução do mérito, seguindo as conexõesestabelecidas pelas regras nacionais de DIPr.

Faltou, contudo, às normas processuais brasileiras relativas àcompetência concorrente, dispositivo como o art. 62, c, do Código deProcesso Civil português,13 que assegura a competência internacional dajustiça portuguesa “[q]uando o direito invocado não possa tornar-se efetivosenão por meio de ação proposta em território português ou se verifiquepara o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro,desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja umelemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

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1.1.2 Competência exclusivaO art. 23 do CPC/2015 prevê as hipóteses de competência exclusiva

(absoluta, não cumulativa) da autoridade judiciária brasileira, aquelas queexcluem a possibilidade de atribuição de efeitos a qualquer decisão detribunal estrangeiro sobre a mesma lide, nestes termos: Art. 23. Compete àautoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmaçãode testamento particular e ao inventário e à partilha de benssituados no Brasil, ainda que o autor da herança seja denacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do territórionacional; III – em divórcio, separação judicial ou dissolução deunião estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil,ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenhadomicílio fora do território nacional.

Em todos esses casos, proíbe-se que surtam efeitos no Brasil quaisquerdecisões de tribunais estrangeiros sobre a questão sub judice, nãopropriamente que tais tribunais decidam sobre os temas ali referidos; seriadisparate pretender a legislação brasileira que outra soberania (que tambémconta com legislação processual própria) ficasse impedida de agir comolhe aprouvesse em matéria jurisdicional. O que se tem, portanto, de fato,nas hipóteses de competência exclusiva previstas no art. 23 do CPC/2015, éatribuição de efeitos exclusivos às decisões do Judiciário pátrio, ainda queexistam decisões de tribunais estrangeiros sobre o conflito de interesse emquestão; havendo decisões de tribunais estrangeiros sobre a mesma lide,tais decisões serão válidas conforme o direito local, mas inaplicáveis noBrasil, por não serem passíveis de homologação pelo STJ.14

A priori, poderia pensar-se que, em razão do princípio da igualdadesoberana dos Estados, dever-se-ia interpretar o art. 23 do CPC/2015também a contrario sensu, pelo que as ações relativas a imóveis situadosfora do Brasil, a confirmação de testamento particular e o inventário e apartilha de bens situados em outros países fugiriam, igualmente, da alçada

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da Justiça brasileira. Por esse raciocínio, não caberia à autoridadejudiciária brasileira conhecer, v.g., de qualquer ação relativa a imóvelsituado na Itália ou na França. A questão, porém, não é tão simples comopode parecer à primeira vista, notadamente porque a bilateralização do art.23 do CPC/2015 (também da regra do art. 12, § 1º, da LINDB) criahipótese de competência absoluta a Estado estrangeiro que, eventualmente,não a reconhece como tal. De fato, não cabe ao legislador nacional dizer sepode ou não o Judiciário estrangeiro julgar determinada demanda, devendolimitar-se a estabelecer (como fez o legislador brasileiro) o que compete eo que não compete com exclusividade ao Judiciário nacional. A regra doart. 23, I, do CPC/2015, segundo a qual “[c]ompete à autoridade judiciáriabrasileira, com exclusão de qualquer outra, conhecer de ações relativas aimóveis situados no Brasil”, não resulta, conforme já decidiu o STF, “naconsequência de só à autoridade judiciária de outro país caber oconhecimento de ação relativa a imóvel nele situado”, pois “[p]ode ser que,ali, a regra de direito internacional privado seja outra, incoincidente com ada lei brasileira, e em certos casos se preveja que, mesmo ali situado oimóvel, a competência judiciária para determinada ação a ele relativa sejade outro país”.15 Tal está a demonstrar que pode a Justiça brasileira decidirsobre imóvel sito em Estado estrangeiro, desde que, porém, presentealguma das hipóteses de exercício da jurisdição nacional (v.g., quando o réufor domiciliado no Brasil ou quando o fundamento seja fato ocorrido ou atopraticado no Brasil) e que a decisão aqui proferida possa ser devidamentereconhecida no estrangeiro, especialmente se a demanda fundar-se emdireito pessoal.16 Para a compreensão do tema, Carmen Tiburcioexemplifica com o caso em que A doa a B, sua amante, um apartamentosituado na França, e a esposa, ao descobrir a doação, propõe no Brasil(onde todos são domiciliados) ação anulatória. O direito francês admite quese discuta, no domicílio do réu, é dizer, no Brasil, questão relativa a imóvelsituado na França (no direito francês somente ações reais relativas aimóveis situados na França são da competência exclusiva da Justiçafrancesa). No exemplo, as duas condições referidas estão presentes: o réu édomiciliado no Brasil e a decisão aqui proferida pode ser plenamentereconhecida no estrangeiro.17 Em suma, nessas hipóteses, passa a competir

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1.1.3

também à autoridade judiciária brasileira a decisão sobre imóveis situadosfora do Brasil, devendo o juiz, antes da declaração de incompetência,verificar o teor do direito estrangeiro para aferir se eventual sentençaproferida será ou não reconhecida naquela soberania; apenas na hipótesenegativa é que poderá declinar da competência, não em razão dabilateralização da norma brasileira, mas sob o fundamento de que sua adecisão será inefetiva.18

Por fim, dispõe o art. 24, caput, do CPC/2015, que a “ação propostaperante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que aautoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe sãoconexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionaise acordos bilaterais em vigor no Brasil”, complementando seu parágrafoúnico que “[a] pendência de causa perante a jurisdição brasileira nãoimpede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida paraproduzir efeitos no Brasil”.19 Havendo tratados a determinar regra diversasobre competência, é evidente que suas disposições terão prevalência àsleis internas (CPC, LINDB e demais normas domésticas).

Afastamento da competênciaO art. 25, caput, do CPC/2015, prevê uma hipótese em que não

competirá à autoridade judiciária brasileira o processamento e julgamentoda ação, qual seja: quando houver cláusula de eleição de foro exclusivoestrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.Nesse caso, mesmo tendo a Justiça brasileira competência (concorrente)para o julgamento da causa, há de ser afastada em razão da autonomia davontade das partes.

Por sua vez, nos termos do § 1º desse dispositivo, “[n]ão se aplica odisposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusivaprevistas neste Capítulo”, complementando o § 2º que “[a]plica-se àhipótese do caput o art. 63, §§ 1º a 4º [regras sobre eleição de foro]”. Talreforça o entendimento de que a vontade das partes não é apta a derrogar ashipóteses de competência exclusiva previstas pela lei adjetiva.

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1.2

Também não se aplicará o art. 25 do CPC/2015 quando em causanormas de aplicação imediata, como são as de proteção do consumidor,pelos motivos que veremos oportunamente (v. item 4.3, infra).

Imposição legal de aplicação do direitoestrangeiro

Superado o estudo da competência internacional da Justiça brasileira, esupondo-se ter o juiz interno competência para a análise do pleito conformeas regras processuais já estudadas, questiona-se se é ou não dever domagistrado aplicar a lei estrangeira indicada pela norma de DIPr da lexfori.

Não há dúvida de que, quando o direito estrangeiro é o indicado pelanorma interna de DIPr, deve o juiz nacional aplicá-lo e, para tanto, há depesquisar e conhecer o seu conteúdo. O Código de Processo Civil é normaimperativa que exige do juiz uma postura ideal na aplicação da normaestrangeira indicada, não podendo ficar a critério do magistrado aplicá-laou não. A vinculação do juiz à lei estrangeira indicada dá-se não porsimples “tolerância”, “reciprocidade” ou como “fato” invocado noprocesso, mas em razão de a lei estranha criar e extinguir direitossubjetivos das pessoas, inclusive intrínsecos, como os direitos dapersonalidade.20

Esse princípio é aceito de modo generalizado pela grande maioria dosEstados, seja por meio de leis ou em razão da incorporação de tratados. OsEstados, de facto, não se furtam em aceitar a aplicação interna de leisestrangeiras quando tais são chamadas a resolver determinada questãojurídica. Tal provém, antes de qualquer norma escrita, de costumeinternacional sedimentado, que de há muito reconhece a necessidade de seatribuir, no foro, valor jurídico às normas estrangeiras conflitualmentedesignadas, e, como decorrência, a premência de os Estados terem bemfixados os princípios norteadores da ciência do conflito de leis.21

É evidente, porém, que como a indicação da norma estrangeira fica ao

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1.3

sabor do acaso, não sendo, a priori, identificável senão a partir do casoconcreto, o juiz do foro pode ter sérias dificuldades na aplicação de taldireito, especialmente quando aquele soa como exótico à luz das normasnacionais. A única vantagem para o juiz, nesse campo, é o fato de que nãoaparecem diuturnamente questões de DIPr em causas sub judice, senãoapenas esporadicamente. Basta verificar no foro em geral quantas questõesde DIPr são julgadas pelo Poder Judiciário pátrio diuturnamente; talpossibilita dar uma atenção a mais ao problema quando, eventualmente, eleaparece. Por outro lado, não é menos certo que o juiz nacional tem,atualmente, vários meios postos à sua disposição (especialmente na era dacomunicação, da Internet etc.) para conhecer o direito estrangeiroindicado.

Seja como for, o que se pretende deixar claro é que é obrigação do juizaplicar a norma estrangeira indicada pela norma de DIPr da lex fori, nãopodendo dela o magistrado se escusar.

Norma estrangeira como direito (não como fato)

Uma vez conhecida a norma estrangeira indicada, deve o juiz nacionalagir como ordinariamente procede relativamente à aplicação de quaisquerleis domésticas, eis que não há qualquer diferença entre a norma nacional ea estrangeira relativamente à sua condição de lei.22 Em outros termos, deveo juiz nacional aplicar o direito estrangeiro como direito mesmo, não comosimples fato.23 Fosse o direito estrangeiro um fato, dependeria sempre dealegação das partes, não ensejando sua violação recurso aos tribunaissuperiores; tratando-se de direito, há de ser diretamente aplicado (exofficio) pelo juiz, independentemente de manifestação das partes, cabendo,outrossim, recurso para as instâncias superiores em caso de violação ounegativa de vigência de seu conteúdo.24 Nesse exato sentido, aliás, está aredação do art. 2º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais deDireito Internacional Privado, de 1979, segundo a qual “os juízes e asautoridades dos Estados Partes ficarão obrigados a aplicar o direitoestrangeiro tal como o fariam os juízes do Estado cujo direito seja

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aplicável, sem prejuízo de que as partes possam alegar e provar aexistência e o conteúdo da lei estrangeira invocada”.25 Ora, se o princípio aser aplicado é o jura novit curia, e se a norma indicativa do DIPr da lexfori remete a solução da questão sub judice ao direito estrangeiro, nadamais claro do que a obrigação do juiz em aplicar a norma estranha com asua roupagem de lei propriamente dita. Assim, a lei estrangeira indicadapela norma interna de DIPr há de ser aplicada pelo juiz do foro com amesma roupagem e com o mesmo valor que lhe atribui o sistema jurídicoem que foi editada. Esse direito invocado é, evidentemente, o direitosubstancial (não conflitual) declarado competente em função do elementode conexão da norma de DIPr da lex fori, não o conjunto do Direitoestrangeiro competente (direito substancial + direito conflitual).26

Poder-se-ia argumentar que a lei do foro é decisiva quanto ao destinodo direito estrangeiro, pelo que a aplicação da lei estranha na ordemjurídica interna não se daria da mesma maneira pela qual ocorreria se aaplicação fosse feita pelo próprio juiz ou tribunal estrangeiro.27 Oraciocínio, porém, ressente-se de equívoco. Se, eventualmente, a lex foricorta efeitos ao direito estrangeiro indicado, v.g., pelo recurso à ordempública, às lois de police ou à fraude à lei, assim o faz em razão deprincípios maiores que impedem a execução da norma estranha na ordemjurídica interna, não lhe retirando, em absoluto, o caráter de leipropriamente dita, que, se aplicada fosse, haveria de ser tal e qual o juizestrangeiro o faria (v. item 2.4, infra).

Em suma, o que se pode concluir é que o direito estrangeiro está em péde igualdade com o direito interno, valendo no plano doméstico comodireito mesmo, não como simples fato. Deve, por isso, como lecionaBeviláqua, “ser aplicado à relação de direito sempre que ela tiver nascidosob os seus auspícios e se mantiver por força dele, salvo os casos de ofensaà ordem pública do Estado ou aos bons costumes”.28

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2.

2.1

Aplicação direta da lei estrangeira

Já se falou que o juiz nacional deve aplicar a norma estrangeiraindicada pela regra de DIPr da lex fori. Também já se disse que tal “normaestrangeira” há de ser compreendida em sentido amplo, abrangendo todasas espécies de normas jurídicas presentes na coleção legislativa estrangeira(Constituição, leis, decretos, regulamentos, costume interno etc.). Cabe,então, estudar quais as questões jurídicas suscitadas por essa aplicaçãodireta, bem assim as consequências dela advindas.

Aplicação ex officio

Sendo o direito estrangeiro verdadeiro direito, não simples fato, aconsequência é que sua aplicação deve ser realizada diretamente, exofficio, independentemente de requerimento das partes: jura novit curia.29

Sendo essa aplicação direta função do juiz, o seu não exercício poderáimplicar, inclusive, responsabilidade funcional do julgador.30 Talprocedimento, como se nota, é extremamente benéfico para as partes, quenão terão qualquer ônus em provar o direito estrangeiro indicado pelanorma de DIPr da lex fori. De fato, tendo por obrigação aplicar ex officio anorma estrangeira indicada pela lei do foro, o juiz, de modo algum, poderáimpor a qualquer das partes o ônus de provar o teor e a vigência da normaem questão, salvo quando por elas alegado.31 Não havendo violação dasoberania brasileira e da nossa ordem pública, fraude à lei ou qualquerimpossibilidade técnica, a aplicação direta (ex officio) da normaestrangeira indicada se impõe, não podendo o juiz deixar de aplicá-la sob aalegação de non liquet.32

A posição da jurisprudência brasileira é pacífica a respeito daobrigatoriedade de aplicação ex officio do direito estrangeiro, sem quepossa o juiz impor às partes o ônus de prová-lo, salvo quando por elasalegado. A esse respeito, pode ser citada, a título de exemplo, decisão do

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STJ de 18 de maio de 2000, que assim estabeleceu: Sendo caso deaplicação de direito estrangeiro, consoante as normas do DireitoInternacional Privado, caberá ao Juiz fazê-lo, ainda de ofício. Não sepoderá, entretanto, carregar à parte o ônus de trazer a prova de seu teor evigência, salvo quando por ela invocado.33

O Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, da mesma forma, seguiaidêntica orientação, ao dispor, no art. 15, primeira parte, que “a leiestrangeira indicada pelo Direito Internacional Privado brasileiro seráaplicada de ofício”. A comissão de redação justificou o dispositivo nosseguintes termos: “O art. 15, ao tratar da aplicação do Direito Estrangeiro,leva em consideração que ‘a doutrina pátria aceita pacificamente que asregras de conexão indicadoras de aplicação de leis estrangeiras constituemdireito positivo brasileiro a que o julgador está adstrito’. Como diz OscarTenório (ob. cit., vol. I, p. 145): ‘o juiz tem o dever de aplicar o direitoestrangeiro em virtude de determinação da lex fori. No sistema anglo-americano, o direito estrangeiro é considerado como fato e não como lei.Consoante jurisprudência majoritária da Corte de Cassação francesa, o juiztem a opção de aplicar ou não a lei estrangeira, quando as partes não ainvocam. Como afirma Valladão, diverso é o sistema brasileiro: ‘a leiestrangeira é lei, é direito e não fato, estando superada a antiga posiçãodiscriminatória, de sua inferioridade à lex fori, de que somente esta seriadireito, seria lei. É o princípio da equiparação dos direitos, da igualdadeentre o direito estrangeiro e o nacional…’ (ob. cit., vol. I, p. 465). Nosistema interamericano, seguindo o art. 408 do Código Bustamante, aConvenção sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado,Montevidéu, 1979, em seu art. 1º, estabeleceu a obrigatoriedade daaplicação da norma estrangeira determinada pela regra de conexão dodireito conflitual. O projeto estabelece a mesma norma ao determinar aaplicação ex officio da lei estrangeira indicada pelas regras do DireitoInternacional Privado”.

A norma de DIPr da lex fori, que indica a lei estrangeira a ser aplicadano caso concreto, é imperativa em face do juiz,34 que não pode escusar-seem aplicá-la, sob pena de denegação de justiça. Não fosse assim, haveriatotal incerteza de se seria a norma indicada pela lex fori efetivamente

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aplicada pelo Poder Judiciário como ela própria ordena,35 o que trarianítidos prejuízos às partes em razão da denegação de um direito seu. Ainaplicação ex officio da norma estrangeira indicada pela regra interna deconflito implica ofensa (negativa de vigência) à própria norma conflitual,que é norma de cumprimento obrigatório. Como se viu, a norma estrangeiraindicada pela regra de DIPr da lex fori é, em nosso país, direitopropriamente dito, não simples fato, o que demanda, em suma, a suaaplicação ex officio pelo magistrado do foro.36

O direito estrangeiro a ser aplicado pelo juiz nacional é o material,substancial, podendo ser de direito privado ou público. Nada há, v.g., deimpedir a aplicação de norma material (substancial) estrangeira de direitoconstitucional ou administrativo. Exclui-se, portanto, a aplicação dasnormas processuais estrangeiras e, inclusive, as do DIPr estrangeiro, que,se levadas em consideração, poderiam indicar regra de outro país aresolver a questão (relembre-se de que o Direito brasileiro proibiuexpressamente o reenvio no art. 16 da LINDB). Por sua vez, o argumento deque a lei estrangeira a ser aplicada deve ser a de índole privada, não temmais qualquer razão de ser nos dias atuais, em que se presencia uma cadavez maior “publicização” da vida privada, especialmente no Brasil, desde apromulgação da Constituição Federal de 1988. Hoje, portanto, épacificamente aceita a tese de que “o foro não deve se preocupar com acaracterística da lei aplicável, mas sim deve cuidar para que a lei escolhidacontribua para os objetivos do DIPr e para a realização da justiçainternacional no caso concreto”.37

A aplicação ex officio também se dá, evidentemente, no que tange aocostume interno estrangeiro, que, como se falou, está compreendido naexpressão “lei estrangeira” lato sensu. Ou seja, o juiz do foro deve aplicaro costume interno estrangeiro da mesma forma que aplica o costume internonacional, tal como previsto pelo art. 4º da LINDB: “Quando a lei foromissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e osprincípios gerais de direito”. Tais costumes são aqueles constituídos noBrasil, evidentemente. Tal não significa, contudo, que não deva o juiznacional aplicar o costume interno estrangeiro se houver regra de igual teorna legislação estrangeira indicada pelo DIPr da lex fori.38 Também a

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jurisprudência dos tribunais estrangeiros há de ser aplicada pelo juiz forocomo se jurisprudência pátria fosse, sem distinção.

A lei estrangeira (lato sensu) a ser diretamente aplicada pelo juiz doforo é, evidentemente, a “lei” (lei stricto sensu, costume internacional ouinterno, jurisprudência internacional ou interna, tratado internacionalincorporado na ordem jurídica estrangeira etc.) em vigor no Estado, jamaisa revogada. Tanto a lei stricto sensu como o costume (internacional ouinterno) e a jurisprudência (internacional ou interna) em vigor no Estadoestrangeiro (nesses dois últimos casos fala-se em desuso) e os tratadosinternacionais ali em vigor têm de estar operando normalmente para quepossam ser diretamente aplicados. Tendo a lei ou as normas internacionaissido revogadas (não mais abrangendo a situação jurídica sub judice), ou ocostume e a jurisprudência caído em desuso, não poderá o juiz nacionalaplicá-los, dada a impossibilidade de se chegar à solução justa e harmônicadesejada pela norma de DIPr da lex fori. Em suma, o juiz do foro há deaplicar a “lei” estrangeira em vigor no Estado estrangeiro, aícompreendidos os costumes e jurisprudência operantes no Estadoestrangeiro (internacionais ou internos) e os tratados internacionais alidevidamente incorporados. O conceito de “lei” é, aqui, como se vê,amplíssimo.

Para conhecer e aplicar ex officio o direito estrangeiro, poderá o juiz seutilizar de todos os meios de prova postos à sua disposição.39 Não havendoalegação do direito estrangeiro pelas partes, deverá o juiz, motu proprio,investigar a norma estranha em questão, seu teor e vigência.40 Poderá,também, apoiar-se na ajuda de experts, de juristas renomados ouespecializados e também das partes (v. infra). Os meios tecnológicos hojeexistentes (Internet etc.) têm facilitado em muito o conhecimento, pelo juiz,do conteúdo e vigência do direito estrangeiro. Frustrados esses meios, oCódigo Bustamante admite, ainda, que se prove o direito estrangeiro“mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados emexercício no país de cuja legislação se trate” (art. 409). Apenas não seadmitem as provas que repousam na vontade das partes, como as simplespresunções e a prova testemunhal, pois sabe-se já que o direito estrangeironão é simples fato perante o direito local, senão direito mesmo.41

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2.2

Não há dúvida de que a imposição de aplicação da norma estrangeiraex officio pelo juiz gera ao magistrado ônus incomum no processo,especialmente por demandar aguçada investigação do teor e da vigência danorma estrangeira aplicável, bem assim habilidade em idiomas diversos.Esse, porém, é encargo que o magistrado não pode se escusar de cumprirpor qualquer pretexto, sob pena, inclusive, de responsabilidade funcional.Tal é assim em todos os países do mundo que adotam o mesmo sistema deDIPr.

Destaque-se, porém, que pelo fato de ser o Brasil um país que inadmiteos reenvios de primeiro e segundo graus, dando prevalência àsqualificações da lex fori, a aplicação do direito estrangeiro pelo juiznacional talvez não se dê exatamente como levada a cabo pelo juiz da lexcausae, vinculado às suas próprias normas conflituais e sobrequalificação.42

Por fim, frise-se não poderem as partes renunciar ao império da leiestrangeira indicada pela norma de DIPr e aplicada ex officio pelo juiz,porque tal lei se incorpora ao Direito interno com a mesma força das leisnacionais, não por vontade própria, como se disse, mas em virtude dedeterminação da própria lex fori.43 Tal significa que o juiz nacional deveaplicar ex officio o direito estrangeiro, ainda que contra a vontade daspartes.44

Prova do direito estrangeiro

No que tange à aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional há,porém, uma exceção ao princípio jura novit curia: quando o direitoestrangeiro for invocado pelas partes no processo, poderá o juiz a elasdeterminar que provem o teor e a vigência da norma alegada. Ainda aqui,ou seja, mesmo no caso de o direito estrangeiro ter sido alegado pelaspartes, repousa como faculdade (não como obrigatoriedade) do juiz adeterminação da prova do seu teor e vigência. De fato, conhecendo o juiz anorma estrangeira invocada, não haveria motivos para que fossedeterminada às partes a sua prova.45

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Não há dúvidas de que o juiz conhece melhor o seu direito (direitointerno; direito nacional) e que há certa dificuldade de investigar direitoestranho, ainda quando domine vários idiomas e tenha às mãos legislação,jurisprudência e bibliografia estrangeiras; é sempre mais difícil, senão maisduvidoso, para o magistrado, o conhecimento profundo de ordem jurídicaque não a sua, com a qual lida diuturnamente e acompanha as alteraçõeslegislativas. Tal, como se nota, pode levar o juiz à sensação de nunca haverdado sentença justa, perfeita, estritamente conforme a legislação estrangeirade que se trata,46 especialmente em razão da falta “de um conhecimentorazoável do espírito, dos princípios gerais, do próprio temperamento dodireito estrangeiro em questão, que impediria sua adequada aplicação aindaque o próprio texto de lei pertinente seja conhecido diretamente ou atravésda mais fiel tradução”.47 Em razão disso, ainda que a aplicação do direitoestrangeiro deva ser realizada pelo juiz tal como se dá com o direitonacional, não fica magistrado impedido de determinar às partes que provemo teor e a vigência do direito estrangeiro, quando por elas invocado noprocesso. É exatamente o que dispõe, no Brasil, o art. 376 do CPC: “Aparte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinárioprovar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar”.48 Trata-se,como se disse, de uma faculdade do juiz autorizada pela lei, que objetivaauxiliá-lo na descoberta do teor e da vigência do direito estrangeiroinvocado, não de uma obrigatoriedade em assim proceder, eis queconhecendo o direito estrangeiro alegado poderá aplicá-lo ex officio, semque seja determinada às partes a prova do seu teor e vigência.

Destaque-se que a aplicação ex officio do direito estrangeiro apareceuno direito brasileiro a partir da segunda década do século XX, quando osCódigos estaduais de processo civil (v.g., o Código de Processo Civil doEstado de São Paulo, art. 274) modificaram a tendência legislativa anterior,proveniente das antigas Ordenações portuguesas, pela qual a aplicação dodireito estrangeiro dependia da prova da parte que o alegasse. A unificaçãoprocessual brasileira (a partir do Código de Processo Civil de 1939, quesubstituiu os vários Códigos estaduais) firmou, depois, definitivamente, atendência aparecida com Códigos estaduais, igualando a lei estrangeira àsleis de outros Estados da Federação, tanto que o art. 212 dispunha que

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“aquele que alegar direito estadual, municipal, singular ou estrangeiro,deverá provar-lhe o teor e a vigência, salvo se o juiz dispensar a prova”.Em 1942, seguiu-se a Lei de Introdução ao Código Civil – LICC, para aqual, desconhecendo a lei estrangeira, poderia o juiz exigir de quem ainvoca prova do seu texto e da sua vigência (art. 14).49 Finalmente, tanto oCódigo de Processo Civil de 1973 (art. 337) quanto o atual (art. 376)prescreveram que as partes apenas deverão provar o teor e a vigência dodireito estrangeiro “se assim o juiz determinar”. Portanto, no nosso sistemaprocessual civil vigente, repita-se mais uma vez, as partes não têm aobrigação primária de provar o teor e a vigência do direito estrangeiroalegado, sendo uma faculdade do juiz a determinação dessa prova.

Perceba-se que o art. 376 do CPC faculta ao juiz que determine àspartes que provem “o teor e a vigência” da norma estrangeira invocada, nãoque as partes transcrevam, pura e simplesmente, perante o juízo, o texto frioda norma estranha, nem sempre, aliás, fielmente traduzido para o nossoidioma, ainda que por tradutor juramentado.50 Requer-se das partes, quandoassim determinado pelo juiz, que provem o teor da norma alegada, ou seja,o seu conteúdo, bem assim a sua vigência, isto é, a sua potencialidade degerar efeitos concretos naquela dada ordem jurídica.

Aplica-se, aqui, perfeitamente, o que dispõe o art. 369 do CPC: “Aspartes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como osmoralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, paraprovar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influireficazmente na convicção do juiz”. Perceba-se que o CPC admite,inclusive, meios probatórios nele “não especificados”, o que tem especialrelevo para o DIPr. Ainda que não se trate de provar a verdade de fatos,como pretende o art. 369 do CPC, senão o teor e a vigência de direitoestrangeiro, é evidente que a regra, sem dúvida, pode ser aplicada poranalogia.51

Há dúvida, porém, sobre o que fazer o juiz se a prova oferecida pelaparte, nos termos do art. 376 do CPC, não for cabal. Nesse caso, comodestaca Oscar Tenório, o juiz, por não ser uma figura indiferente noprocesso, deverá “promover de ofício a investigação da lei estrangeira

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invocada”.52 Também Beviláqua, da mesma forma, entende que faltando aprova da lei estrangeira “devem os tribunais suprir a insuficiência daspartes”.53 Outros autores, contudo, entendem que se “as partes não puderemfornecer elementos de convicção sobre a existência, o sentido e a vigênciada lei estrangeira, o juiz deverá julgar a ação contra a parte que invocou alei e não conseguiu fornecer-lhe a prova”, não sendo lícito, nesse caso,“presumir que o Direito estrangeiro seja idêntico ao Direito do foro”.54

Para nós, melhor razão assiste à primeira posição, segundo a qual, mesmohavendo falha na determinação e prova do direito estrangeiro, deve o juizpromover ex officio a investigação, interpretação e aplicação da leiestrangeira invocada. Em outros termos, “apesar de a parte assumir o ônusda prova por determinação do juiz, tal ônus se refere exclusivamente àobrigação desta em colaborar para com as atividades judiciárias, nãocabendo falar aqui em perda da ação pela não prova do direito alegado”,eis que “para a doutrina da lei estrangeira como lei, o juiz será sempre oúltimo responsável pela prova da lei estrangeira”.55

Como há de ser provado o direito estrangeiro, quando assimdeterminado às partes pelo juiz? Não há no Código de Processo Civilbrasileiro, sequer na LINDB, qualquer norma a esse respeito. Há, porém,no Código Bustamante, alguns meios de prova possíveis. Assim, segundo oCódigo Bustamante, poderá ser provado o teor e vigência do direitoestrangeiro “mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogadosem exercício no país de cuja legislação se trate” (art. 409). Na falta deprova, ou se, por qualquer motivo, o juiz ou o tribunal julgá-la insuficiente,“um ou outro poderá solicitar de ofício pela via diplomática, antes dedecidir, que o Estado, de cuja legislação se trate, forneça um relatóriosobre o texto, vigência e sentido do direito aplicável” (art. 410),obrigando-se cada Estado contratante “a ministrar aos outros, no mais breveprazo possível, a informação a que o artigo anterior se refere e que deveráproceder de seu mais alto tribunal, ou de qualquer de suas câmaras ouseções, ou da Procuradoria-Geral ou da Secretaria ou Ministério daJustiça” (art. 411). Para além disso, será também possível juntar aos autoscópia de compêndio doutrinário ou de repertório de jurisprudênciaatualizados sobre o tema em causa, autenticados (v.g., por agentes

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consulares no país) e traduzidos por tradutor público juramentado.56

Lembre-se, ainda, de que o Brasil é parte na Convenção Interamericanasobre Prova e Informação Acerca do Direito Estrangeiro (CIDIP II,Montevidéu, 1979).57 Segundo essa Convenção, são meios idôneos para acomprovação do direito estrangeiro: a) a prova documental, consistente emcopias autenticadas de textos legais com indicação de sua vigência, ouprecedentes judiciais; b) a prova pericial, consistente em pareceres deadvogados ou de técnicos na matéria (método conhecido como affidavit nospaíses da common law); e c) as informações do Estado requerido sobre otexto, vigência, sentido e alcance legal do seu direito acerca de aspectosdeterminados (art. 3º). Sobre esse último meio de prova, consistente eminformações prestadas pelo Estado requerido, diz a Convenção poderemtodos os juízes dos seus Estados-partes solicitá-las (art. 4º). Dassolicitações referidas pela Convenção deverá sempre constar: a) aautoridade da qual provém e a natureza do assunto; b) a indicação precisados elementos de prova que são solicitados; e c) a determinação de cadaum dos pontos a que se referir a consulta, com indicação do seu sentido edo seu alcance, acompanhada de uma exposição dos fatos pertinentes parasua devida compreensão (art. 5º). Tais solicitações poderão ser dirigidasdiretamente pelas autoridades jurisdicionais ou por intermédio daautoridade central do Estado requerente à correspondente autoridadecentral do Estado requerido, sem necessidade de legalização (art. 7º).

No que diz respeito à prova pericial, referida pelo art. 3º, b, daConvenção Interamericana de 1979, perceba-se que fica autorizada asolicitação de “pareceres de advogados ou de técnicos na matéria”, nãoexigindo a Convenção que tais profissionais atuem no país de cujalegislação se trate (como exige o art. 409 do Código Bustamante). No casoda Convenção de 1979, tais advogados ou técnicos podem ser, até mesmo,brasileiros notoriamente conhecedores do direito estrangeiro em causa.58

Ademais, a alusão da Convenção aos “técnicos” (experts) teve porfinalidade permitir que juristas radicados no exterior, que ali não exercempropriamente a “advocacia”, por falta de revalidação do diploma ou deinscrição no respectivo órgão profissional, também atuem como peritos emquestões de DIPr.59

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Nos países anglo-saxões, lembra Jacob Dolinger, outros meios de provasão também admitidos, como a apresentação de profissionais diretamenteao tribunal, para deporem a respeito da legislação de seu país, sendo assuas informações colhidas da mesma forma como as dos profissionais damedicina, da psiquiatria, de balística etc.60 Nos países pertencentes aosistema romano-germânico, a exemplo do Brasil, porém, tem-se que nem aconfissão, nem a prova testemunhal, são meios adequados para acomprovação do direito estrangeiro.61

Atualmente, o auxílio da Internet tem sido fundamental para oconhecimento do direito estrangeiro e sua prova, facilitando sobremaneira aatividade das partes e do juiz. Um juiz estrangeiro, v.g., que necessiteconhecer o teor e a vigência do direito brasileiro, para aplicá-lo em seupaís, seguramente encontrará no link sobre legislação brasileira do site doPlanalto (www.planalto.gov.br) e de jurisprudência dos sites dos tribunaissuperiores (www.stf.jus.br e www.stj.jus.br) a resposta que persegue.Especialmente às partes o auxílio da Internet tem sido providencial, eisque antigamente chegava a ser praticamente inacessível aos menosfavorecidos a comprovação do direito estrangeiro, especialmente quando sefazia necessário contratar um advogado no exterior para tanto, o que, muitasvezes, desencorajava os interessados em continuar num processo demoradoe dispendioso.

Frise-se que mesmo no caso de as partes não alegarem o direitoestrangeiro, mas sendo este o indicado pela norma de DIPr da lex fori, nãopoderá o juiz ignorá-lo e aplicar tão somente o direito interno, pois éobrigação do julgador aplicar ex officio a norma estranha quando indicadapela regra interna de DIPr.62 Na falta de alegação, o juiz não está autorizadopelo art. 376 a exigir a colaboração da parte; não poderá contar – comoleciona Barbosa Moreira – senão com os seus próprios recursos e comaqueles que os litigantes se disponham, espontaneamente, a lheproporcionar.63 Tal é assim até mesmo pelo motivo de que a não alegaçãodas partes da lei estrangeira pode ter por efeito fraudar essa lei,eventualmente a elas mais gravosa do que a lei nacional.64 Mesmo, porém,havendo alegação do direito estrangeiro pelas partes, poderá o juiznacional, como se disse, abrir mão da comprovação do seu teor e vigência,

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caso conheça (ou pretenda, de per si, conhecer) o direito estrangeiro emquestão. Perceba-se que o art. 376 do CPC diz que “a parte que alegardireito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á oteor e a vigência, se assim o juiz determinar”. Dessa feita, podeperfeitamente o magistrado dispensar a prova do teor e da vigência da leiestrangeira, ainda que alegada pelas partes, caso pretenda investigá-la porsi próprio. De fato, o art. 376 do CPC “parece supor que o juiz, se nãoconhece, tem meios para conhecer, de iniciativa própria, o direitoestrangeiro, de modo que as partes não serão chamadas a comprová-losenão quando o juiz, por encontrar dificuldades especiais em sua pesquisa,o exigir”.65

Para a prova do direito estrangeiro, inclusive do costume internoestrangeiro, merece destaque o papel da doutrina estrangeira, emboraquando se trate de costume interno tal prova seja mais difícil de realizar,exigindo um trabalho preliminar de qualificação.66 Transcreva-senovamente o art. 376 do CPC: “A parte que alegar direito municipal,estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência,se assim o juiz determinar”. Assim, pode o juiz conhecer o costumeestrangeiro alegado, e já aplicá-lo, ou pretender investigar sozinho o seuteor e vigência, ou, ainda, não o conhecer e não pretender investigá-lo deper si, caso em que determinará às partes a sua prova. Pelo fato, porém, deas instituições (sobretudo costumeiras) estrangeiras poderem serabsolutamente diversas das nacionais, lançar mão da doutrina estrangeiraespecializada é medida que se impõe. Como esclarece Oscar Tenório,“ainda que as partes forneçam a prova do direito estrangeiro, a pesquisa domagistrado deve ser feita”.67

Dificuldades maiores podem surgir quando o costume internoestrangeiro em vigor houver revogado norma escrita anterior (quando sediz que a norma escrita respectiva caiu em desuso). No Brasil, v.g., ocostume interno do “cheque pós-datado”, largamente utilizado até os diasatuais, revogou (fez cair em desuso) a Lei de Cheques68 naquilo que entendeser o cheque um título de crédito para pagamento à vista (art. 32). Referidanorma, que continua perambulando nos compêndios legislativos publicados,caiu nitidamente em desuso em razão do costume interno posterior, relativo

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ao citado cheque pós-datado. Exemplos como esse podem ocorrer no quetange à lei estrangeira indicada pela norma de DIPr da lex fori, levando ojuiz, e também as partes, a grandes dificuldades na compreensão daquiloque está posto numa determinada lei, mas que se encontra revogado pornorma costumeira posterior, a partir de então vigente e válida no paísrespectivo. Devem, portanto, o juiz e as partes ter especial atenção quandoda pesquisa da lei estrangeira indicada, que pode não ter sido revogada poroutra lei interna, senão por costume posterior, caso em que será este últimoa norma estrangeira a ser efetivamente aplicada ao caso sub judice.

Lei estrangeira como paradigma para recursosexcepcionais

Destaque-se que sendo o direito estrangeiro verdadeiro direito, nãosimples fato, que deve ser internamente aplicado como se direito nacionalfosse, pode perfeitamente servir como fundamento à interposição dosrecursos excepcionais previstos na Constituição Federal, a exemplo doRecurso Especial (ao STJ) e do Recurso Extraordinário (ao STF).69

No direito comparado, a situação é idêntica, lembrando Wolff que,“como a aplicação do Direito estrangeiro não é apreciação de fatos, senãoaplicação de direito, a jurisprudência de vários países (Áustria, Itália) temdecidido que o mais alto tribunal do país, que não pode proceder a umarevisão das questões de fato, poderá ser invocado quando se sustente queum tribunal inferior tenha interpretado equivocadamente uma normaestrangeira”.70

No Brasil, a Constituição de 1988 estabelece que compete ao SupremoTribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhejulgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ouúltima instância, quando a decisão recorrida “declarar ainconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (art. 102, III, b); diztambém competir ao Superior Tribunal de Justiça julgar, mediante recursoespecial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais

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Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal eTerritórios quando a decisão recorrida “contrariar tratado ou lei federal, ounegar-lhes vigência” (art. 105, III, a). Da expressão “lei federal” utilizadapela Constituição também fazem parte as leis estrangeiras indicadas pelanorma de DIPr da lex fori, as quais hão de ser aplicadas como verdadeirodireito perante a ordem jurídica nacional.71

Nesse sentido, a 2ª Turma do STF, no julgamento do RecursoExtraordinário 93.131/MG (Banco do Brasil S/A e outros vs. AntônioChampalimaud) relatado pelo Min. Moreira Alves, decidiu, em 17 dedezembro de 1981, que a lei estrangeira, aplicada por força da norma deDIPr brasileira, “se equipara à legislação federal brasileira, para efeito deadmissibilidade de Recurso Extraordinário”. O STF entendeu, naquelaoportunidade, que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negara vigênciaaos arts. 592, 593 e 837 do Código Civil português, motivo pelo qualconheceu e proveu o referido Recurso Extraordinário.72

O mesmo raciocínio vale para a interposição do Recurso Especialperante o Superior Tribunal de Justiça, quando a decisão recorrida“contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência” (art. 105, III, a).A “lei federal” referida pela Constituição é, além da lei nacional, também aestrangeira indicada pela norma de DIPr da lex fori, segundo orientação jápacificada no STJ.73 Inclusive, também não se descarta a interposição doRecurso Especial com fundamento no art. 105, III, c, da Constituição,quando a decisão do tribunal local que aplicou o direito estrangeiro o fezem divergência à aplicação do mesmo direito estrangeiro realizada poroutros tribunais pátrios. Tendo em vista, porém, a escassez de decisões dostribunais nacionais a envolver questões de DIPr no Brasil, parece que essaúltima hipótese será raríssima de ocorrer na prática. Uma pesquisa no foroem geral demonstrará, talvez, a inexistência de exemplos concretos deinterposição de Recursos Especiais fundados no art. 105, III, c, em que setenha alegado divergência de interpretação do tribunal local relativa àaplicação de determinado direito estrangeiro feita outros tribunaisnacionais.

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2.4 Análise e interpretação da lei estrangeira

Tudo o que for relativo a lei estrangeira, tais suas regras de vigência(espacial, pessoal e temporal) e de revogação, deve ser analisado deacordo com as suas próprias normas, não com as da lex fori. Também,tudo o que disser respeito à interpretação da lei estrangeira há de seraferido segundo os critérios determinados pelo sistema jurídico a quepertence, não segundo as orientações interpretativas do forum.74 Ajurisprudência e, inclusive, a doutrina ali pacificadas deverão ser levadasem conta para fins de interpretação. Como afirma Severo da Costa, ainterpretação da norma estrangeira “deve ser feita no estado de espíritodessa legislação, pois os termos, os conceitos e os institutos jurídicos têm osentido e conteúdo que ali lhe são dados”.75 Tal é assim para que não sedesvirtue a própria natureza do DIPr, tornando-o um direito internolimitado em seus próprios muros; se o DIPr visa fazer aplicar internamenteo direito estrangeiro indicado, será segundo este último que devem seranalisadas a interpretadas todas as questões a ele relativas. A Lei deReforma italiana, de 1995, foi expressa a respeito: “A lei estrangeira éaplicada segundo os próprios critérios de interpretação e de aplicação notempo” (art. 15). No Brasil, a mesma orientação foi seguida pelo Projeto deLei nº 269 do Senado, de 2004, que previa, no art. 15, in fine, que aaplicação, prova e interpretação da lei estrangeira “far-se-ão emconformidade com o direito estrangeiro”.76

A referência ao direito estrangeiro feita pela regra de DIPr da lex forienvolve, portanto, não só a localização da norma estranha, senão também aanálise e interpretação de toda a ambiência em que ela se enquadra naordem jurídica estrangeira; envolve a remissão a todas as fontes deprodução jurídica (tratados, costumes, princípios etc.) presentes naqueleordenamento, sem o que não se dará ao preceito localizado o seu real eefetivo alcance.77 Como arremata Pontes de Miranda, a lei estrangeiraaplicada pelo juiz é “lei que se deve interpretar pelos processosinterpretativos do direito a que pertence, lei que perde a vigência conformeos preceitos do seu sistema jurídico, lei que atua, intertemporalmente,segundo o direito transitório do Estado que a ditou”.78

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Assim, o juiz do foro, ao analisar e interpretar a lei estrangeiraindicada, deverá fazê-lo como se juiz estrangeiro fosse; deverá aplicar asnormas estranhas de acordo com o sistema jurídico a que pertencem, nostermos da metodologia ali dominante, inclusive conforme a jurisprudência,a doutrina e, até mesmo, eventuais costumes locais, para que não hajadiscordância da sua decisão com o sistema jurídico da lex causae.79 Jádizia Pontes de Miranda, a propósito, que “o foco ejetor da lei é tambémcompetente para dizer como deve ser entendida”, pelo que “[n]ão só osmétodos de interpretação, como os de suprimento de lacunas, têm depertencer ao mesmo órgão que fez a regra, ou o conjunto de regrasjurídicas”.80 Nesse exato sentido, aliás, é que as normas de DIPr dediversos países têm disciplinado o tema, podendo ser citado, v.g., o art. 23,§ 1º, do Código Civil de Portugal, que assim dispõe: “A lei estrangeira éinterpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regrasinterpretativas nele fixadas”. Ainda, porém, que não expressamente previstona legislação de DIPr de vários países, o princípio segundo o qual a análisee interpretação da lei estrangeira deve ocorrer de acordo com as suaspróprias normas é um princípio geral desse ramo das Ciências Jurídicas.Trata-se de um princípio geral pelo fato de ser o único meio para os juízesde distintos Estados, ao aplicarem determinada norma estrangeira, delograrem a mesma solução para o caso concreto, garantindo-se, assim, auniformidade internacional das soluções.81

O que se acabou de dizer significa, como explica Jacob Dolinger, que ojuiz nacional “deverá atentar para a lei estrangeira na sua totalidade,seguindo todas as suas remissões, incluídas suas regras de direitointertemporal, normas relativas à hierarquia das leis, seu direitoconvencional, seu direito estadual, municipal, cantonal, zonal, seu direitoreligioso, suas leis constitucionais, ordinárias, decretos etc.”.82 Seria comose o juiz nacional, ao aplicar uma norma estrangeira, estivesse aplicando(materialmente) a referida norma como se juiz do Estado estrangeiro fosse,seguindo os princípios e regras por ela elencados, suas normas deinterpretação, sua posição hierárquica naquele ordenamento, a interpretaçãoque dela faz a jurisprudência e a doutrina alienígenas etc. Assim, v.g.,quando em questão a aplicação do direito anglo-americano, deve o juiz

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nacional aceitar a obrigatoriedade dos precedentes judiciais respectivos,mesmo que no Estado do foro a jurisprudência não vincule formalmente ojuiz.83 Também quando a norma de DIPr da lex fori indicar ordenamentojurídico plurilegislativo (em que há conflitos legislativos interterritoriais,interpessoais etc.), ter-se-á a mesma solução: serão os preceitos alipresentes de solução de controvérsias que deverão ser aplicados pelo juizdo foro para a resolução dos conflitos.84

Frise-se, novamente, que a lei estrangeira a ser analisada e interpretadapelo juiz do foro é a substancial, material (civil, comercial etc.), não aadjetiva ou processual ou as do DIPr estrangeiro. As normas de processoaplicadas seguirão sempre a lex fori,85 tal como dispõe o art. 4º daConvenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito InternacionalPrivado, de 1979: “Todos os recursos previstos na lei processual do lugardo processo [ou seja, do foro] serão igualmente admitidos para os casos deaplicação da lei de qualquer dos outros Estados Partes que seja aplicável”.A expressão “recursos”, constante do art. 4º da Convenção Interamericana,destaque-se, não tem a conotação de recursos para novo julgamento ou parainstâncias superiores, estando ali empregada em sentido amplo, conotandotodas as “medidas de caráter processual, contestações, réplicas,impugnações, recursos propriamente ditos e medidas adequadas noprocesso de execução”.86 Também o Institut de Droit International, desdea sua sessão de Zurich de 1877, tem entendido que as questões processuaisdevem ser regidas pela lei do lugar em que o processo é instruído.87

Claríssimo, igualmente, o art. 27 das disposições preliminares ao CódigoCivil italiano: “La competenza e la forma del processo sono regolate dallalegge del luogo in cui il processo si svolge”. Em suma, como lecionaBatalha, “[p]rocesso é forma conducente à prestação jurisdicional porórgão do Estado e órgão estatal só pode atuar de acordo com as normas dopróprio Estado”.88

Deve o juiz interpretar, evidentemente, o direito estrangeiro vigente,não o revogado. Há, contudo, situações excepcionais em que o direito estárevogado, porém é “vigente”, quando a relação jurídica se constituiuanteriormente à revogação da lei e continua a produzir efeitos para o futuro(efeito ultra-ativo da lei revogada); em tais casos, deve o juiz aplicar o

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direito anterior (revogado) ainda vigente para regulação da situaçãojurídica àquele tempo constituída.89 A dificuldade maior, porém, está nainterpretação do direito proveniente dos países cujas regras jurídicasbaseiam-se em costumes e em precedentes judiciais (v.g., os países dacommon law). Relativamente à interpretação do direito desses países, deveo juiz levar em consideração tanto a jurisprudência como as suas regras deinterpretação (descritas, v.g., no Restatement of the Law of Conflict ofLaws), para que só assim tenha maior certeza de que está interpretando odireito estrangeiro tal qual é interpretado em seu país de origem.90

Perceba-se que a questão da análise e interpretação da lei estrangeiratorna complexa a solução final a ser dada no caso sub judice, pois além deconhecer o direito estrangeiro indicado pela norma de DIPr da lex fori,deve ainda o juiz interpretá-la de acordo com o sistema ao qual pertence, oque o obriga a também conhecer eventual jurisprudência que sobre a normaindicada recai. Nesse sentido, a Corte Permanente de Justiça Internacional,em 1929, num dos raros casos em que um tribunal internacional examinouum problema de DIPr,91 entendeu que o juiz nacional deve interpretar a leiestrangeira indicada de acordo também com a jurisprudência que sobre elase formou no Estado de origem.92

Pode acontecer, inclusive, de o direito nacional ter em sua coleção deleis norma idêntica ao direito estrangeiro aplicável, mas com interpretaçãojurisprudencial diferente da que lhe dá a jurisprudência estrangeira, o queobriga o juiz nacional a bem conhecer a jurisprudência alheia para queaplique a norma estrangeira em causa tal qual interpretada pelos tribunaisde origem, ainda que essa interpretação seja contrária àquela sedimentadano plano interno relativamente à norma idêntica existente. Na Bélgica, comolembra Jacob Dolinger, a Corte de Cassação decidiu que ao aplicar a leifrancesa deve aceitar a interpretação que lhe é dada pela jurisprudênciadaquele país, mesmo em se tratando da aplicação de um dispositivo comumao Código Civil da França e ao Código Civil da Bélgica, que tem sidointerpretado diversamente pelos tribunais dos dois países.93

Nos termos do art. 5º da LINDB, na aplicação da lei “o juiz atentará aosfins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Da mesma

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forma, no exercício de aplicação de uma lei estrangeira deverá o juizatentar para os fins aos quais ela foi editada e que inspiraram o legisladorestrangeiro à sua elaboração, a menos que detecte violação da ordempública, da moral e dos bons costumes locais.94

No Brasil, em última análise, incumbe ao STF dar a palavra final sobrea aplicação e interpretação do direito estrangeiro indicado pela normabrasileira de DIPr, dizendo, v.g., se o tribunal ou o juiz inferior aplicou ouinterpretou corretamente a norma estrangeira, ou se a aplicou ou interpretouem desacordo, v.g., com a jurisprudência sobre ela formada no país deorigem. Trata-se, como se vê, de função complexa a ser desempenhada naprática, pois além da dificuldade de se conhecer a norma estrangeira(efetivamente) indicada pela norma de DIPr da lex fori, ainda se fazpresente a questão da investigação da eventual jurisprudência estrangeiraformada ao redor dessa norma.

Aplicação errônea da lei estrangeira e recursoscabíveis

O juiz, como todo ser humano, é passível de erros. Pode, portanto,erroneamente, deixar de aplicar o direito estrangeiro indicado pela normade DIPr da lex fori, aplicar direito estrangeiro outro que não overdadeiramente indicado ou, ainda, aplicar o direito estrangeiro indicado,porém de modo indevido ou mal interpretado. Em todos esses casos, cabe aindagação sobre quais recursos podem as partes manejar, a fim de revertera decisão judicial equivocada.95

O Código Bustamante, a esse respeito, apregoa que “em todo Estadocontratante onde existir o recurso de cassação, ou instituiçãocorrespondente, poderá ele interpor-se, por infração, interpretação errôneaou aplicação indevida de uma lei de outro Estado contratante, nas mesmascondições e casos em que o possa quanto ao direito nacional” (art. 412). Orecurso de cassação, referido pelo Código Bustamante, corresponde, nodireito brasileiro, à apelação cível prevista no Código de Processo Civil.96

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Não somente, porém, o recurso de apelação, senão todos os recursosprevistos na legislação processual civil brasileira são cabíveis, eis que oato do juiz que aplica erroneamente o direito estrangeiro (ou aplica direitooutro que não o verdadeiramente indicado) não difere, à luz do processocivil brasileiro, daqueles proferidos em quaisquer causas judiciais.Processualmente, portanto, um equívoco judicial relativo a uma causa deDIPr ou a uma questão típica de direito interno não guarda qualquerdessemelhança.97

No Brasil, dadas todas as garantias dos cidadãos previstas naConstituição Federal, bem assim no Código de Processo Civil, não háqualquer dúvida que podem (devem) as partes recorrer para a instânciasuperior, a fim de reverter a decisão judicial que equivocadamente (a)deixou de aplicar o direito estrangeiro indicado pela norma de DIPr da lexfori, (b) aplicou norma estrangeira outra que não a verdadeiramenteindicada, ou (c) aplicou o direito estrangeiro indicado de modo incorretoou mal interpretado.

Mantido o equívoco na aplicação da norma estranha pela instânciasuperior, passam a ser cabíveis todos os recursos excepcionais previstospela Constituição Federal, notadamente o Recurso Especial, para o STJ, e oRecurso Extraordinário, para o STF, como já se verificou (v. item 2.3,supra).

Controle de constitucionalidade da lei estrangeira(conforme a Constituição do Estado estrangeiro)

Não há dúvida poder (dever) o juiz do foro controlar aconstitucionalidade da lei estrangeira tendo como paradigma a suaConstituição. De fato, tanto a norma de DIPr da lex fori quanto a leiestrangeira por ela indicada são passíveis de controle deconstitucionalidade, à luz da Constituição do Estado do foro. Sobre esseponto não há qualquer divergência (v. Cap. III, item 2.1, supra).

A questão que agora se coloca é diversa, pois diz respeito à

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possibilidade de o juiz do foro controlar a constitucionalidade da leiestrangeira segundo a Constituição do Estado estrangeiro. Se tal lei já foideclarada inconstitucional (inválida) no Estado estrangeiro, nenhumproblema terá o juiz, pois, aplicando a lei estrangeira como se juizestrangeiro fosse, reconhecerá in foro domestico a mesmainconstitucionalidade (invalidade) da lei já declarada alhures; assimtambém se a lei estrangeira tiver sido já declarada constitucional (válida)perante a ordem jurídica a que pertence, caso em que deverá o juiz nacionalaplicá-la nos termos em que é aplicada naquele ordenamento jurídico, nãopodendo entendê-la inaceitável (salvo por motivos que cortem efeitos à suaaplicação, como, v.g., a ordem pública).98 Se, porém, a análise sobre aconstitucionalidade da lei não foi ainda realizada no Estado estrangeiro,estando, v.g., pendente de decisão perante os seus tribunais, ou, mais ainda,se não foi proposta a ação de inconstitucionalidade respectiva, questiona-sepoder o juiz do foro realizar dito controle de constitucionalidade per se,para o fim de solucionar a questão sub judice.99

Ora, se o juiz do foro, já se disse, deve agir como se juiz estrangeirofosse, aplicando as normas estranhas de acordo com o sistema jurídico aque pertencem, inclusive de acordo com a jurisprudência, a doutrina e, atémesmo, eventuais costumes locais, não há razão para impedir-lhe derealizar o controle de constitucionalidade da lei em causa segundo o quedispõe a Constituição (e a jurisprudência constitucional respectiva) doEstado estrangeiro, se nesse Estado há controle de constitucionalidadedifuso exercível pelos órgãos do Poder Judiciário.100 Mesmo que não hajamanifestação da jurisprudência estrangeira acerca da interpretação danorma em causa, poderá o juiz nacional controlar a sua constitucionalidadetal como a controlaria o juiz estrangeiro diante do silêncio de seus tribunaissuperiores.101 Em suma, como diz Pontes de Miranda, “[o] exameespecificamente judicial, o judicial control, é sempre possível ao juiz deum Estado, como extraterritorialidade do direito público estrangeiro, noslimites que tal direito mesmo fixa e só ele pode fixar”.102

Apenas quando no Estado estrangeiro não tiverem os órgãos do PoderJudiciário competência para controlar a constitucionalidade das leis (como,v.g., ocorre na França e na Suíça, em que os tribunais não controlam a

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constitucionalidade das leis ordinárias) é que o juiz do foro, igualmente,não poderá levar a cabo o controle da constitucionalidade da lei estrangeirasegundo a Constituição do Estado a que a lei pertence.103 Também,evidentemente, em relação aos países que reservam o controle deconstitucionalidade somente aos tribunais superiores haverá igualimpedimento dos juízes ordinários do foro em controlar aconstitucionalidade das leis estrangeiras segundo a sua Constituição, umavez não poderem os próprios juízes inferiores desses países proceder nessamodalidade de controle.104

O juiz brasileiro, em especial, por ter competência para realizar ocontrole de constitucionalidade das leis nacionais, também está legitimadoa controlar a constitucionalidade da lei estrangeira, tanto à luz daConstituição do Estado a que pertence a lei (primeiro exame decompatibilidade, realizado quando da determinação do direito aplicável)quanto da Constituição brasileira (segundo exame de compatibilidade,verificável quando a norma estrangeira indicada tenha passado incólume aocrivo de sua constitucionalidade). Repita-se, porém, para que o juiz do foropossa controlar a constitucionalidade de norma alienígena há de ter o PoderJudiciário estrangeiro competência para o controle de constitucionalidadedas leis; caso contrário, não poderá o juiz doméstico, mesmo sendocompetente para o controle de constitucionalidade segundo o seuordenamento interno, controlar a constitucionalidade da lei estrangeira nostermos do direito estrangeiro.

A competência do Judiciário brasileiro para controlar aconstitucionalidade de norma estrangeira nos termos da Constituiçãoestrangeira foi expressamente reconhecida pelo Plenário do STF nojulgamento da Extradição nº 541-3/DF, de 7 de novembro de 1992. Naquelaocasião, decidiu o STF (o tema constou da Ementa do acórdão) que tem aSuprema Corte competência para declarar a inconstitucionalidade(invalidade) de promessa de reciprocidade do Estado italiano à luz daConstituição da Itália, nestes termos: Inquestionáveis o teor e a vigência dopreceito constitucional italiano (art. 26, l), que só admite a extradição denacionais, por força de convenção internacional, compete exclusivamenteao Supremo Tribunal Federal, juiz da extradição passiva, no Brasil, julgar

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da invalidade, perante a ordem jurídica do Estado requerente, dapromessa de reciprocidade em que baseado o pedido, a fim de negar-lhe aeficácia extradicional pretendida (…) [grifo nosso].105

O trabalho do juiz do foro no controle da constitucionalidade da leiestrangeira conforme a Constituição estrangeira é, evidentemente, muitomais árduo do que quando controla a constitucionalidade da lei (nacionalou estrangeira) à luz do texto constitucional de seu próprio Estado, quemelhor conhece e aplica com maior frequência. No controle deconstitucionalidade da lei estrangeira conforme a Constituição estrangeiradeve o juiz nacional, portanto, agir com cuidado redobrado; há de conhecer,sobretudo, a jurisprudência constitucional respectiva, que pode, v.g., terdado interpretação diversa à lei daquela que daria o juiz. Tome-se, comoexemplo, na Constituição brasileira, o direito à “união estável”, entendidapelo texto constitucional como a união “entre o homem e a mulher comoentidade familiar…”. Fosse, porém, o juiz estrangeiro a aplicar tal norma,deveria conhecer a jurisprudência pacificada na nossa Suprema Corte queinterpretou o instituto em questão como a união familiar entre duas pessoas,independentemente de ser um homem e uma mulher, dois homens ou duasmulheres.106

Eis aí, então, a dificuldade de o juiz do foro controlar aconstitucionalidade da lei estrangeira segundo a Constituição estrangeira,uma vez que a falta de conhecimento de todo o complexo jurídicoestrangeiro (normas escritas, costumes, jurisprudência constitucional etc.)poderá ocasionar prejuízos seríssimos à parte, denegando-lhe, assim, adevida justiça. Acrescente-se a isso a observação de Parra-Aranguren, paraquem, nesses casos, deve o juiz “atuar com grande prudência, porque emmuitas ocasiões o pronunciamento pode ter implicações de caráter políticoe o tribunal de outro Estado não é o fora mais adequado para uma avaliaçãorazoável de todas as circunstâncias”.107

Declarada, em suma, pelo juiz do foro, a inconstitucionalidade da leiestrangeira por incompatibilidade material com a Constituição do Estadoestrangeiro, outra opção não resta senão aplicar exclusivamente a lex foripara a solução do caso concreto.

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2.7

O que se acabou de dizer não significa, porém, que declarada aconstitucionalidade da norma estrangeira nos termos da ordem jurídicaalienígena deve o juiz do foro obrigatoriamente proceder à sua aplicação.Há ainda, como se verá, o crivo da ordem pública pelo qual tem de passara norma estrangeira para que seja internamente aplicada, sem o que,igualmente, volve-se à utilização exclusiva da lex fori para a solução dalide (v. item 4.2, infra).

Controle de convencionalidade da lei estrangeira(conforme as normas internacionais em vigor noEstado estrangeiro)

Também não há dúvida quanto a poder (dever) o juiz do foro controlar aconvencionalidade das leis estrangeiras tendo como paradigmas as normasinternacionais em vigor no seu Estado, sobretudo as de direitos humanos,que têm primazia hierárquica sobre todas as normas menos benéficas doDireito interno.108

Da mesma forma que pode o juiz do foro controlar a constitucionalidadeda lei estrangeira tendo como paradigma a própria Constituição estrangeira,poderá controlar a convencionalidade da lei estrangeira tendo comoparadigmas os tratados internacionais (especialmente os de direitoshumanos) em vigor no Estado estrangeiro, os quais, na grande maioria dospaíses, guardam nível hierárquico superior ao das leis.109 Assim, à medidaque tais tratados compõem a coleção das normas de determinado Estadocom status diferenciado, servem evidentemente de método de controle desua legislação interna, pelo que, nas relações de DIPr desse Estado comoutros, passam a ter idêntica importância para a boa aplicação do direitoestrangeiro indicado. Uma lei holandesa, v.g., indicada pela normabrasileira de DIPr como competente a regular determinada questão jurídicapoderá ser, na Holanda, inconvencional à luz de certa disposição daConvenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, ao que deverá o juizbrasileiro atentar-se.110

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Se o juiz nacional deve aplicar a lei estrangeira como se juizestrangeiro fosse, é evidente que poderá (deverá) controlar a suaconstitucionalidade (nos termos da Constituição estrangeira) e a suaconvencionalidade (à luz dos instrumentos internacionais em vigor noEstado estrangeiro). É dizer: todo o mosaico normativo (coleção denormas) em vigor no Estado estrangeiro há de servir de paradigma ao juizdo foro quando da aplicação da lei estrangeira indicada pela regra de DIPrda lex fori, inclusive, como já se disse, suas normas de índole costumeira.

Na “era dos direitos humanos” não faltam razões, portanto, para que ojuiz do foro controle a constitucionalidade e também a convencionalidadedas leis estrangeiras, como se juiz estrangeiro fosse. No caso do controlede convencionalidade das leis estrangeiras, contudo, observe-se o papelainda mais complexo do juiz do foro em conhecer, além dos tratados emvigor no Estado, também a jurisprudência internacional a eles relativa (v.g.,a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, “intérpreteúltima” da Convenção Europeia de Direitos Humanos).

Não passando a lei estrangeira incólume também ao controle deconvencionalidade, deverá o juiz do foro aplicar, assim como no caso docontrole de constitucionalidade, exclusivamente a lex fori na resolução daquestão sub judice.

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3.

3.1

Impossibilidade de conhecimento da leiestrangeira

Não há dúvida de que, em alguns casos, o juiz nacional ver-se-áimpossibilitado de conhecer a lei estrangeira indicada pela norma internade DIPr. Mesmo determinando às partes a prova do teor e da vigência danorma estrangeira indicada, tal como autoriza o art. 376 do CPC, pareceevidente que o juiz, também nesse caso, poderá desconhecer por completo odireito estrangeiro indicado quando as partes não lograrem, por quaisquermeios, conseguir tal prova. Imagine-se, por exemplo, o caso de um juizbrasileiro que não logre conhecer, por forma alguma, o conteúdo do direitode pequeno país dos Bálcãs ou da Ásia. Surge, nesse caso, a questão desaber quais as consequências da impossibilidade de conhecimento da leiestrangeira aplicável.

Rejeição da demanda ou aplicação da lex fori?

Segundo Erik Jayme, nos sistemas que obrigam o juiz a proceder exofficio a pesquisa do conteúdo da lei estrangeira, a impossibilidade deconhecê-la abre uma lacuna que deve ser colmatada por uma lei quesubstitua a lei estrangeira aplicável; caso seja ordenada à parte ademonstração da prova do teor e da vigência da lei estrangeira e não seconsiga lograr êxito, a consequência seria a rejeição da demanda pelojuiz.111 Jayme reconhece, porém, que uma solução brutal como essararamente é aplicada pelos juízes, que têm preferido aplicar a lei do forocom “vocação universal” ou “subsidiária”, como ocorre, v.g., na França; naItália, por sua vez, parte-se do princípio de que a ordem jurídica deve sercompleta (“princípio da completude do ordenamento jurídico”).112 NaAlemanha, tal como na França, vários julgados da Suprema Corte(Bundesgerichtshof) decidiram que na impossibilidade de conhecer o teorda norma estrangeira, deve o Judiciário aplicar a sua própria lei; na lei de

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3.2

DIPr da Suíça, por sua vez, está disciplinado que “a lei helvética seráaplicada se for impossível averiguar o conteúdo do direito estrangeiro”.113

Solução do direito brasileiro

Para nós, não conhecendo o juiz nacional (após esgotados todos osmeios) o conteúdo da norma estrangeira, poderá decidir aplicando (a) ouuma norma estrangeira comparada que se aproxima da situação sub judice,(b) ou uma norma do foro de vocação universal ou subsidiária. Se aindaassim não houver solução à vista, seria ainda possível ao juiz brasileiroaplicar a norma prevista no art. 4º da LINDB, segundo a qual “quando a leifor omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes eos princípios gerais de direito”. Ainda que não se trate propriamente de leiomissa, senão de falta de conhecimento do seu teor, pensamos, mesmoassim, ser possível ao juiz, decidir, em última análise, com os elementos deque dispõe segundo o nosso Direito interno, certificando-se ser essa umasolução justa e harmônica para o caso concreto. Mantém-se, assim, oespírito da norma conflitual, que é fazer chegar à melhor solução no casoconcreto. Em suma, quando ficar o juiz realmente impossibilitado deconhecer a norma estrangeira em causa, poderá deslindar a questão pelaaplicação das soluções apontadas pela lex fori, como, v.g., aplicando o art.4º da LINDB, dispositivo que o auxilia a colmatar a lacuna aberta pela faltade conhecimento da norma estrangeira em questão.114

Tudo o que não pode o magistrado fazer é deixar de decidir a questãojurídica sub judice sob o argumento da impossibilidade de conhecimento dalei estrangeira, mesmo porque, como se acabou de ver, a legislaçãobrasileira (lex fori) prevê alternativas capazes de guiar o magistrado rumaa uma solução harmônica; o pronunciamento judicial de non liquet não secoaduna, ademais, com o objetivo primordial do DIPr, que é promover ajustiça e a harmonia das decisões. Para falar como Rodrigo Octavio, nãopodem os juízes “cruzar os braços e, sob o pretexto de que a lei éinsuficiente e a tradição falha, deixar tais problemas sem solução legal”.115

Tal conotaria nítida denegação de justiça, inadmissível em qualquer caso.116

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Tanto a aplicação analógica de lei estrangeira similar ao caso concreto,quanto a aplicação da norma do foro de vocação universal ou subsidiária,porém, requerem do juiz alto nível de especialização e de conhecimento,notadamente no que tange ao direito comparado e seus institutos.117

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4.

4.1

Limites à aplicação do direito estrangeiro

A aplicação, direta ou indireta, do direito estrangeiro poderá serafastada pelo julgador se presentes alguns dos motivos excepcionaisestabelecidos pela lex fori. Tais motivos (limites) são aqueles que rompemcom a ordem jurídica estranha, autorizando o juiz do foro a aplicar apenas etão somente a legislação local. Trata-se de motivos ligados à salvaguardados interesses fundamentais do Estado do foro e de seus cidadãos.118

Enquanto os elementos de conexão são aqueles que ligam as normas de umpaís com as de outro, o que se vai estudar doravante são os fatos queinterrompem essa ligação, desautorizando a aplicação do direitoestrangeiro no foro doméstico.

Limites à aplicação do direito estrangeiro existem em praticamentetodas as legislações do mundo, pois se entende que o juiz do foro não podeaplicar às cegas uma norma estrangeira apenas porque indicada pela regrade DIPr da lex fori, sem realizar uma análise de sua potencial afronta aosprincípios norteadores do sistema jurídico interno, e, também, semperquirir em qual contexto tal norma foi editada, bem assim no que o seucomando poderia violar interesses fundamentais do Estado.

Há uma hipótese, porém, em que o juiz do foro poderá deixar de aplicaro seu próprio direito interno, buscando no direito estrangeiro a soluçãopara a questão sub judice: quando o direito indicado pela regra de DIPr dalex fori, em razão da alteração fraudulenta do elemento de conexão, forjustamente o direito nacional. Trata-se do caso de fraude à lei, que seestudará adiante (v. item 4.4, infra).

Ressalvada essa hipótese, cabe, agora, verificar quais são esses limitesà aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional.

Direitos fundamentais e humanos

Os direitos fundamentais (internos) e humanos (internacionais) são

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atualmente os limites mais importantes à aplicação do direito estrangeiropelo juiz nacional. Assim, tudo o que se há de fazer no plano domésticorelativamente ao DIPr (proferir uma sentença, aplicar uma norma decolisão, qualificar um instituto jurídico etc.) deve respeitar os direitosfundamentais (consagrados na Constituição) e os direitos humanos(previstos nos tratados internacionais respectivos de que o Estado é parte)das pessoas envolvidas na questão sub judice.

Deve o juiz conhecer todos os direitos fundamentais consagrados naConstituição, bem assim os decorrentes de tratados internacionais em que oEstado é parte, para que solucione com justiça e harmonia o caso concreto.Ademais, ambos esses direitos (fundamentais e humanos) têm primaziahierárquica na ordem jurídica doméstica, impedindo a validade (e aconsequente eficácia) das normas nacionais e estrangeiras com elesincompatíveis.119

A partir do surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945, eda aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948,deu-se ensejo à produção de inúmeros tratados internacionais destinados aproteger os direitos básicos das pessoas (standard mínimo) em nívelglobal. Não tardou muito tempo, porém, para começarem a aparecertratados versando direitos humanos específicos, como os das pessoas comdeficiência, das mulheres, crianças, idosos, refugiados, populaçõesindígenas e comunidades tradicionais. Todos esses instrumentos, uma vezratificados pelo Estado, passam a servir de limites à aplicação do direitoestrangeiro com eles incompatível.

Todos os sistemas de direitos humanos (global e regionais) de que oEstado é parte são coexistentes e complementares um dos outros, uma vezque direitos idênticos têm encontrado proteção em vários desses sistemasconcomitantemente. Cabe, assim, ao juiz, escutar o “diálogo das fontes” ecoordená-las, aplicando ao caso sub judice a norma que melhor ampara oindivíduo sujeito de direitos, em detrimento da norma estrangeira que oprotege menos.120

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4.2 Ordem pública

A ordem pública é um dos mais conhecidos limites à aplicação da leiestrangeira, constando da legislação de DIPr de quase todos os países.Opera rechaçando a aplicação de leis, costumes ou instituiçõesestrangeiras, bem assim de quaisquer declarações de vontade que violem osdireitos fundamentais, a moral, a justiça ou as instituições democráticas doforo, apesar da indicação de sua competência pelas regras de conexão doDIPr.121 Tal é assim para que não se dê carta branca a todas as legislaçõesdo mundo potencialmente aplicáveis à jurisdição do foro, evitando-se, comisso, que os Estados deem passos no escuro relativamente à aplicaçãodessas normas, o que geraria efeitos manifestamente intoleráveis aospreceitos ético-jurídicos da ordem doméstica.122 Assim, uma norma ousentença estrangeira que reconheça, v.g., a escravidão, a morte civil ou apoligamia não pode ser aplicada em nossa ordem jurídica, violadora que édos direitos fundamentais consagrados na Constituição (bem assim dostratados de direitos humanos de que o Brasil é parte) ou das normas penaislocais.123 Por esses três exemplos citados, porém, já se percebe que aexceção de ordem pública há de ter lugar apenas excepcionalmente, noscasos em que realmente haja afronta à soberania, aos direitos fundamentais,à moral, à justiça ou às instituições democráticas do foro.124

Destaque-se o papel cada vez mais crescente dos tratados de direitoshumanos (v.g., no nosso entorno geográfico, a Convenção Americana sobreDireitos Humanos de 1969) para a concretização do conceito de ordempública. De fato, à medida que tais tratados são internalizados na nossaordem jurídica, tudo quanto dispõem sobre a proteção dos direitos humanoshá de servir, também, como limite à aplicação de leis, costumes einstituições de outro Estado que os afronte.

Também o costume internacional (relativo ou não a direitos humanos)representa um limite à aplicação de leis, costumes e instituições de umEstado estrangeiro. De fato, o costume internacional é fonte formal doDireito Internacional Público, segundo a norma contida no art. 38, § 1º, b,do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, sendo certo que vincula os

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Estados-membros da sociedade internacional à sua aplicação, razão pelaqual é também capaz de limitar as leis, costumes e instituições de umEstado estrangeiro que o contradigam. Nesse ponto, cabe destacar a grandeimportância das normas internacionais de jus cogens (também provenientesdo costume internacional) como limites à aplicação interna de leis,costumes ou instituições de Estado estrangeiro. Trata-se daquelas normasimperativas de direito internacional geral que não aceitam qualquerderrogação, senão apenas por outras normas de jus cogens da mesmanatureza.125 Assim sendo, à evidência, mais do que qualquer outra norma,devem as normas de jus cogens ser observadas pelo juiz do foro quando daaplicação de leis, costumes ou instituições de Estado estrangeiro que ascontradigam.

Repita-se, porém, que o traço marcante da exceção de ordem pública éa excepcionalidade, a significar que a sua utilização terá somente lugar noscasos em que houver real afronta (sem virtualidade, portanto) à soberania,aos direitos fundamentais, à moral, à justiça ou às instituições democráticasdo foro. O certo, porém, é que tal excepcionalidade está cada vez maisampliada no mundo contemporâneo, não faltando, por isso, os que hátempos já previam “a diminuição crescente das aplicações da ordempública, por tenderem os povos a maior simetria de costumes e demoral”.126

No DIPr, a exceção de ordem pública baseia-se nas razões de Estado,segundo as quais faz-se necessário proteger os interesses soberanos doEstado do foro, seus direitos e garantias fundamentais, bem assim suaordem política, social, moral ou econômica, quando em jogo a aplicação dedeterminada norma estrangeira.127 Assim, quando houver confronto entre anorma estrangeira indicada pela regra de DIPr da lex fori e os interesses doEstado relativos à soberania, direitos e garantias fundamentais, ordempolítica, social, moral ou econômica, rechaça-se a aplicação da normaestranha em benefício da utilização exclusiva das normas domésticas (outambém, como se disse, das normas do Direito Internacional Público,convencionais ou costumeiras, em vigor no plano interno). A fórmula dePontes de Miranda é precisa: “Sois competente para dizer qual a lei quedeve reger; mas esse efeito, que pretendeis, não se pode produzir no

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ambiente da vida jurídica do meu círculo social”.128 Tout court, as normasque compõem a ordem jurídica estatal (leis internas ou normasinternacionais, convencionais ou costumeiras, em vigor) terão, em taiscasos, aplicação exclusiva em detrimento da norma estrangeira indicadapela regra de DIPr da lex fori.

A exceção de ordem pública é sempre aplicada à luz do direito do foro,da lex fori, jamais da ordem jurídica estrangeira. Seu caráter é, assim,eminentemente nacional, no sentido de que o juiz deve aplicar o seuordenamento (é dizer, a sua ordem pública) como obstáculo à aplicação dalei estrangeira indicada pela norma nacional de DIPr.129 Não há, portanto,de perquirir o juiz se a lei indicada viola a ordem pública do ordenamentojurídico a que pertence, senão, apenas, se contraria os interesses soberanosdo Estado do foro. Seu caráter é, portanto, repita-se, nacional, nãoestrangeiro.

Frise-se, porém, que a exceção de ordem pública não discrimina odireito estrangeiro enquanto tal, para o qual o resultado determinado pelanorma é, a priori, lícito e moral, permitindo apenas que o Poder Judiciáriolocal o desaplique (não lhe dê efeitos) por violação da ordem pública, ouseja, por não ter logrado compatibilidade com os princípios fundamentaisvigentes no Estado do foro. A questão, aqui, é, como se vê, de(in)aplicação de uma norma estrangeira em descompasso com a ordempública local, jamais de discriminação do Estado estrangeiro; trata-sesomente de não atribuição de efeitos às leis estrangeiras, que, entretanto,continuam subsistindo (e, portanto, válidas) segundo a ordem jurídica queas emancipou. Daí Pontes de Miranda falar em “corte” de efeitos da leicompetente no âmbito do Estado onde se querem tais efeitos, por não setratar “de patologia do direito, mas de diferença de grau, demasiado viva,entre o direito que entra e a ambiência jurídica do Estado onde ele entra”.130

A atividade do juiz para aferir eventual violação à ordem pública operaem duas etapas: primeiro, aprecia o fato, aplicando a norma de DIPr da lexfori para encontrar o direito aplicável; depois, qualifica o direito indicadoe verifica se a sua aplicação é capaz de ofender a soberania, os direitos egarantias fundamentais, a ordem política, social ou econômica, bem assim a

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moral, a justiça ou as instituições democráticas do Estado do foro. Nessescasos, rechaça-se o direito estrangeiro, que seria aplicável, para aplicar-seexclusivamente as normas em vigor no Estado do foro (a lex fori ou asnormas do Direito das Gentes incorporadas). Destaque-se que o juiz devebuscar, fundamentalmente, na Constituição Federal e nos tratados dedireitos humanos dos quais o Estado é parte os princípios fundamentaiscapazes de rechaçar a aplicação do direito estrangeiro perante a ordemjurídica interna, exercendo os controles de constitucionalidade e deconvencionalidade da norma. A decisão judicial de afastar o direitoestrangeiro indicado pela norma de DIPr da lex fori deve, evidentemente,ser fundamentada.

No Brasil, a ordem pública, como limite à aplicação da lei estrangeira,foi consagrada no art. 17 da LINDB, que assim dispõe: As leis, atos esentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, nãoterão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordempública e os bons costumes.131

Bastaria, porém, ter o art. 17 da LINDB feito menção apenas à “ordempública”, que já abrange a soberania nacional e os bons costumes. A“ordem pública” é o gênero do qual a “soberania nacional” e os “bonscostumes” são espécies.132 Andou bem, assim, o art. 5º da ConvençãoInteramericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, de1979, que não se refere a outra matéria que não a “ordem pública”. Veja-se:A lei declarada aplicável por uma convenção de Direito InternacionalPrivado poderá não ser aplicada no território do Estado Parte que aconsiderar manifestamente contraria aos princípios da sua ordem pública.133

Seja como for, o certo é que a ordem pública (que abrange a soberanianacional e os bons costumes) é um limite expresso à aplicação das leis, atose sentenças de outro país, reconhecido tanto por leis internas quanto portratados internacionais. Frise-se, porém, mais uma vez, que somente nãoserão aplicados no Brasil as leis, atos e sentenças de outro país queofendam a nossa soberania, ordem política, social, econômica etc. Se a lei,ato ou sentença estrangeira eventualmente ofender o próprio direitoestrangeiro, mas impedir a realização de garantia consagrada em nossa

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ordem jurídica, é dizer, se for inválido (v.g., inconstitucional) segundo a lexcausae, mas não segundo o nosso direito, e, mais ainda, impedir arealização de direito aqui garantido, poderá perfeitamente ser aplicado pelojuiz nacional; tem-se, nesse caso, uma exceção ao princípio segundo o qualo juiz do foro deve aplicar o direito estrangeiro como se juiz estrangeirofosse, uma vez que a garantia da proteção dos direitos fundamentais da lexfori se sobrepõe à norma estranha ofensiva exclusivamente à lex causae.Assim, v.g., não se deixará de reconhecer, no Brasil, o direito a alimentosaos filhos de uma relação incestuosa realizada no estrangeiro, ainda quesegundo a lex causae tais filhos não disponham de quaisquer direitos.134

Daí se dizer, repita-se mais uma vez, que a exceção de ordem pública temcaráter eminentemente nacional, não estrangeiro. Exceção somente haveráser houver tratado internacional disciplinando de modo contrário o tema,eis que, nesse caso, a norma convencional estaria a estabelecer um conceitode ordem pública (internacional) a ser observado incontinenti pelo juiz doforo.

Baseado no conceito de ordem pública, o STF, por vezes, negouhomologação a sentenças exaradas de países muçulmanos que admitiam ochamado “repúdio” (talak), instituto pelo qual o marido repudia a mulherquando entende ter nela encontrado “algo torpe”.135 Em tais casos, quando oPoder Judiciário nacional rechaça a aplicação da norma estrangeira porcontrariedade à ordem pública, a solução é resolver a questão sub judiceaplicando as normas substanciais da lex fori. Contudo, observe-se que “ojuiz deve prestar muita atenção para não exagerar na aplicação da ordempública e do direito nacional, devendo ter sempre em vista os objetivos doDIPr, mesmo porque o direito nacional que substitui o direito estrangeirosomente encontra sua exata aplicação no ponto onde este foi recusado”.136

Em outras palavras, o juiz nacional deve agir com total parcimôniarelativamente à aplicação da exceção de ordem pública, devendo sopesarcoerentemente os valores envolvidos e utilizar a exceção apenas quando alei estrangeira indicada for manifestamente incompatível com as basesfundamentais do Estado.

A recusa em aplicar-se o direito estrangeiro indicado e sua substituiçãopela lex fori poderá, a depender do caso, ter efeito negativo (impeditivo)

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ou positivo (permissivo).137 Terá efeito negativo quando a lei local impediro que a lei estrangeira autoriza (v.g., a poligamia, a escravidão, o talak auma mulher separada, a obrigação de casar em decorrência de contratoesponsalício etc.); não se admite, nesses casos, aplicar a lei estrangeirapermissiva ante o obstáculo colocado pela norma interna. Terá efeitopositivo quando a lei do foro permitir o que a norma estrangeira proíbe(v.g., o divórcio, o casamento de pessoas do mesmo sexo, o direito aalimentos para filhos tidos fora do casamento etc.); a ordem pública interna,em tais hipóteses, além de rechaçar a aplicação da lei estrangeira, operapara exigir que se conceda o direito ou a faculdade proibidos oudesconhecidos pela lex causae.138 Como se nota, quando a lei do foroproíbe algo que a norma estrangeira permite, não há mais que um efeitonegativo na desaplicação da lei estrangeira, ao passo que, quando a lei doforo permite algo que a lei estrangeira desautoriza, há duplo efeito a operarconcomitantemente: primeiro, um efeito negativo em sua não aplicação, e,depois, um efeito positivo na concessão do direito ou faculdade proibidosou desconhecidos pela lex causae.139

Destaque-se que o conceito de ordem pública pode ser (e efetivamentetem sido) modificado com o passar do tempo, variando de acordo com asmudanças (especialmente jurisprudenciais) ocorridas num dadoordenamento jurídico.140 Daí se entender ser o conceito de ordem públicaum conceito instável, não absoluto, pois se modifica em razão de eventuaisnovos valores que certa ordem jurídica passa a consagrar; depende,ademais, das relações entre dois sistemas jurídicos e de certas variáveisque se alteram (ou se podem alterar) com o passar do tempo.141 Essacaracterística, explica Ferrer Correia, se depreende “da própria noção deordem pública: se por ela se trata de defender valores precípuos do direitonacional, não se compreenderia que o juiz fosse autorizado a pôr em xequea justiça do DIPr em nome de concepções já abandonadas e peremptas;como, ao contrário, se compreenderia mal que não estivesse em sua mãofazê-lo se a situação sub judice, inócua ao tempo da sua constituição, seencontra agora, à data do reconhecimento, em manifesta contradição comprincípios essenciais do ordenamento do foro”.142 Em suma, a ordempública é instituto jurídico de conceito relativo, é dizer, que se modifica ao

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4.3

longo do tempo, mudando de feição com a alteração dos valoresimpregnados em cada sociedade em dado momento histórico. Nessesentido, já lecionava Beviláqua que a feição agressiva que outrora senotava à ordem pública “desapareceu para dar espaço a sentimentos maisbrandos e ideias mais razoáveis”.143 De fato, aquilo que no passado poderiaofender a ordem pública nacional – v.g., a dissolubilidade do matrimônioou, ainda mais grave à época, o casamento de pessoas do mesmo sexo –deixa de causar ofensa ao direito interno a partir do advento de uma novaConstituição ou do reconhecimento da questão em causa pela SupremaCorte do Estado.144 Em tais casos, cumpre indagar qual conceito de ordempública deve ser aplicado pelo juiz, se o anterior (ao tempo dos fatos) ou oatual (ao tempo do processo). Pelos exemplos citados parece evidente quea noção de ordem pública a ser considerada é a vigorante ao tempo doprocesso, não a existente ao tempo dos fatos, pois logicamente “não seriapossível afastar a competência de lei estrangeira com fundamento em umanoção de ordem pública que não mais existe no foro ao tempo do litígio”.145

Por fim, desnecessário dizer que a falta de contornos bem definidossobre o conceito de ordem pública não leva senão à conclusão de que suautilização no processo deve cercar-se de toda a prudência por parte dojulgador,146 sem que reacione desproporcionalmente contra a aplicação dalei estranha cuja discordância com a ordem jurídica do foro não sejasuficientemente grande.147

Normas de aplicação imediata (lois de police)

Não há que se confundir a exceção de ordem pública, que se acabou deestudar, com as chamadas normas de aplicação imediata (ouimperativas),148 também conhecidas pela expressão francesa lois depolice.149 Apesar de tênue a distinção, entende-se que a exceção de ordempública opera depois de ter o juiz nacional encontrado a norma estrangeiraindicada pelo DIPr da lex fori, quando então rechaça a aplicação da leiestranha “descoberta” pelo método conflitual, ao passo que as normas deaplicação imediata operam antes de qualquer indagação sobre qual norma

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será aplicada ao caso concreto, se a nacional ou a estrangeira, caso em queo juiz do foro sequer utiliza o método conflitual estabelecido pela regra deDIPr nacional.150 Nesse último caso, o juiz do foro aplica, de plano, ouseja, imediatamente, a norma imperativa prevista em seu ordenamentojurídico,151 em razão da constatação de que os interesses em jogo são degrande relevância para o deslinde do caso concreto.

No Brasil, a disposição que se reporta às normas de aplicação imediata(normas imperativas/lois de police) encontra-se no art. 166, VI, do CódigoCivil de 2002, inserido no capítulo relativo à invalidade do negóciojurídico, que diz ser “nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivofraudar lei imperativa”.152 Tal disposição concretiza, entre nós, a aceitaçãodas normas de aplicação imediata como limites à validade dos negóciosjurídicos, inclusive em sede de conflitos de leis no espaço com conexãointernacional. O Código, porém, não definiu o que vêm a ser tais leisimperativas, deixando para a doutrina e para a jurisprudência esse mister.

Para nós, as normas de aplicação imediata são aquelas que visampreservar direitos tidos como essenciais a uma comunidade de pessoas noâmbito de um determinado Estado, a exemplo dos ligados às relações detrabalho e consumo.153 Trata-se de normas que comportam questões degrande relevância nacional, tidas como extremamente importantes àgarantia dos direitos dos cidadãos e do próprio Estado. Por esse exatomotivo, são automaticamente (imediatamente) aplicáveis; obrigam – parafalar como o art. 3º, § 1º, do Código Civil francês – “todos os que habitamo território”.154 Daí ser a superioridade em relação às demais normascomponentes da coleção de leis nacionais a sua marca fundamental.155 Semque haja tais características, não será possível dizer estar diante deverdadeira norma de aplicação imediata, caso em que a busca pela normaindicada pela regra de DIPr da lex fori se impõe.

Como se percebe, as normas imperativas são, por natureza, sempreunilaterais, vez que impõem a aplicação de uma única norma emdetrimento de eventual lei estrangeira aplicável. A opção pelounilateralismo, nesse caso, vem demonstrar nitidamente a superioridade dointeresse estatal ligado a um determinado assunto, tido como essencial à

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sua população em geral, capaz de afastar a aplicação de quaisquer ordenspotencialmente aplicáveis. Frise-se que essa concepção foi aceita pelaCorte Internacional de Justiça desde 1958, quando do julgamentoenvolvendo os Países Baixos contra a Suécia, com fundamento nasviolações impostas pela Convenção da Haia de 1902 relativamente à tutelade menores.156

Em suma, fazendo-se presente na relação sub judice uma questãojurídica de DIPr, interconectada, portanto, com mais de uma ordem estatal,aplicam-se as normas imperativas para afastar a busca da norma indicadapelo elemento de conexão, impedindo, assim, qualquer possibilidade deaplicação do direito estrangeiro para a resolução do caso concreto. Nessahipótese, como já se disse, sequer indaga o juiz sobre qual norma seráaplicada à questão sub judice, se a nacional ou a estrangeira, eis que anorma de aplicação imediata afasta (antes de tudo) a busca pela leiaplicável.157

Não apenas, porém, o afastamento da busca pela lei aplicável é efeitoque decorre das normas imperativas, delas também advindo outrasconsequências jurídicas importantes, tais o impedimento de homologaçãode sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur a cartas rogatóriasque as contrariam, bem assim a negação à autonomia da vontade das partesna livre escolha do foro ou da lei aplicável à relação jurídica.158

No que tange à eleição de foro em contratos atinentes a relações deconsumo, relembre-se ter o CPC/2015 expressamente determinado competirà autoridade judiciária brasileira o processo e julgamento das açõesrespectivas quando tiver o consumidor domicílio ou residência no Brasil(art. 22, II). Tal foi assim estabelecido, não há dúvidas, em razão do caráterimperativo das normas de proteção do consumidor no país, tanto porguardarem assento constitucional, como por refletirem o dever do Estado nasua implementação (CF, art. 5º, XXXII). Portanto, o caráter de loi de policeda proteção ao consumidor excepciona a norma do art. 25 do CPC/2015,segundo a qual “[n]ão compete à autoridade judiciária brasileira oprocessamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleiçãode foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na

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contestação”.Qual a índole das normas de aplicação imediata? Tais normas podem

ser: a) internas, a exemplo de todas as normas de direitos fundamentaisexpressas na Constituição; ou b) internacionais, constantes especialmentedos tratados de direitos humanos (mas não só deles) ratificados e em vigorno Estado. Tanto uma quanto outra categoria prevalecem, em razão de suasuperioridade hierárquica, às normas conflituais presentes no Direitointerno (constantes, v.g., na LINDB). Ambas formam um complexo mosaicoprotetivo, assegurador de interesses caros (essenciais) à comunidade decidadãos do Estado do foro, que bloqueia qualquer iniciativa de busca daordem jurídica indicada pela regra interna de DIPr. No que tangeespecificamente aos tratados de direitos humanos, cabe lembrar que taisinstrumentos versam, em larga escala, também de direitos privados. Àmedida que tais tratados se incorporam à ordem nacional, seus preceitosprotetivos passam a atuar – a título de superdireito – como tambémlimitadores das normas estrangeiras que os contradigam.159

Não se descarta, também, a existência de normas imperativas (internasou internacionais) decorrentes do costume. Tanto o costume interno quantoo costume internacional são aptos a inserir na ordem doméstica normas deaplicação imediata, quando reconhecidas pelo Estado em questão. Assim,não somente as normas escritas (internas ou internacionais) têm aptidãopara estabelecer normas imperativas no âmbito de um determinado Estado,podendo tais normas provir do costume. Efetivamente, como explicaTatyana Friedrich, pouco importa a fonte ou a designação formal quedeterminado ordenamento jurídico vincula à norma imperativa,interessando, sim, o seu valor perante todo o restante do ordenamentojurídico.160

Exemplos de normas imperativas são encontrados nas legislaçõestrabalhista (que favorece o trabalhador e limita os poderes do empregador),consumerista (pelo reconhecimento do caráter vulnerável do consumidorface à relação mercantilista com o fornecedor) e relativa a bens culturais(fundamentais ao avanço civilizatório e cultural de um determinado povo,bem assim determinantes para a consolidação da identidade nacional).161

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4.4

No Brasil, como se disse, a previsão que autoriza o juiz a aplicar asnormas imperativas consta do art. 166, VI, do Código Civil de 2002,segundo o qual “[é] nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivofraudar lei imperativa”. Mesmo, porém, nos Estados cujas legislaçõessilenciam a respeito do tema, o entendimento corrente é no sentido depoderem os juízes, per se, atribuir a certas normas internas a qualidade deimperativas, aplicando-as independentemente dos elementos estrangeirosdo suposto fato e não obstante a regra de DIPr da lex fori ter indicado comocompetente para a resolução da questão outra ordem jurídica.162

Em conclusão, quando em jogo na questão sub judice de DIPr certanorma de aplicação imediata, sequer irá o juiz investigar qual a lei indicadapela regra conflitual doméstica, se a nacional ou a estrangeira, devendoaplicar automaticamente a norma imperativa em questão, em razão dosinteresses maiores que comporta.

Frise-se, contudo, que esse procedimento há de ter lugar senãoexcepcionalmente, quando efetivamente houver norma imperativa apreservar valores importantes (essenciais) à comunidade dos cidadãos doEstado e ao próprio Estado, a fim de se evitar a utilização indiscriminadadesse expediente, que poderia, inclusive, fragmentar a própria existência doDIPr. Seria fácil ao juiz do foro entender todas as normas internas como de“aplicação imediata” para se furtar à pesquisa e investigação do direitoaplicável quando presente uma questão típica de DIPr.163 Assim, repita-se, aaplicação das normas imperativas deve ser realizada com cautela, e apenasquando tiver o julgador completa certeza de que se trata de norma cujosvalores que comporta são notoriamente essenciais à comunidade doscidadãos do Estado do foro.

Fraude à lei

Outro limite à aplicação da lei estrangeira pelo juiz nacional é aexceção de fraude à lei, que ocorre quando a pessoa pratica atos tendentesa escapar (dolosamente) da aplicação de uma norma imperativa ouproibitiva que lhe prejudica, por meio da alteração fraudulenta do elemento

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de conexão competente.164 Assim, a pessoa, ao se furtar deliberadamente doimpério de uma legislação gravosa aos seus interesses, para submeter-se àregra de outro sistema jurídico mais benevolente, pratica uma fraude àaplicação do bom direito, a qual não pode ser tolerada.165

O expediente consiste em a pessoa alterar dolosamente o elemento deconexão, criando artificiosa vinculação a direito que não seria ocompetente para reger a sua situação, porém, lhe é mais benéfico que odireito imperativo verdadeiramente indicado (v.g., alterandodeliberadamente o seu domicílio para escapar ao império de determinadodireito, em prejuízo do direito de outrem).166 Com essa atitude, o agenteardilosamente desloca o centro de gravidade da relação jurídica paradireito outro, que não o legalmente competente para o deslinde do casoconcreto, fraudando a lei verdadeiramente aplicável, causando prejuízos aoEstado (v.g., não pagando tributos) ou a terceiros (v.g., não saldando umadívida). Trata-se, em suma, dos casos em que se tem um elemento deconexão “arranjado”, isto é, fraudulento.

Sobre o tema, assim disciplina o art. 6º da Convenção Interamericanasobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, de 1979: Não seaplicará como direito estrangeiro o direito de um Estado Parte quandoartificiosamente se tenham burlado os princípios fundamentais da lei deoutro Estado Parte.

Ficará a juízo das autoridades competentes do Estado receptordeterminar a intenção fraudulenta das partes interessadas.

Nesse exato sentido também estava o art. 18 do Projeto de Lei nº 269do Senado, de 2004, segundo o qual “não será aplicada a lei de um paíscuja conexão resultar de vínculo fraudulentamente estabelecido”.167

Em suma, a fraude à lei torna inoponível a conexão fraudulentamenteestabelecida, levando o juiz a aplicar exatamente a conexão que sepretendeu burlar (v. infra).168

Perceba-se que a exceção em causa, para além de servir como limite àaplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, pode também limitar aaplicação do próprio direito nacional do juiz do foro, quando a alteração

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fraudulenta do elemento de conexão levar justamente à indicação do seudireito interno. Nesse caso, o juiz doméstico será levado a aplicar outrodireito (o direito estrangeiro, verdadeiramente competente para a resoluçãoda questão sub judice) em vez do seu próprio direito nacional, indicadopela regra de DIPr mediante deslocamento fraudulento do centro degravidade da relação jurídica.

O fundamento da exceção de fraude à lei é o princípio geral de direitosegundo o qual o direito não tolera atos ilícitos ou imorais. Perceba-se,porém, que o ilícito de que se trata não consiste no fato de a pessoa“escolher” uma lei que a beneficia, o que pode ser entendido até mesmocomo um gesto natural dos seres humanos, mas sim na intenção de fraudarnorma imperativa que deveria cumprir, levada a efeito pela alteraçãodolosa do elemento de conexão que indicaria a lei corretamente aplicável.Também, na fraude à lei, como explica Irineu Strenger, não é o conteúdo dalei escolhida que é considerado inconveniente, podendo ser perfeitamenteaceito pelo juiz nacional; é apenas desprezada, nesse caso, a aplicação dodireito em causa, pelo fato de estar ele servindo como capa para a obtençãode fins ilícitos, vedados pela lei nacional, ainda que esta não os considerecondenáveis intrinsecamente.169

A exceção de fraude à lei, como leciona Haroldo Valladão, é um modoindireto de violação da lei que desde há muito perdura nos ramos doDireito, especialmente no direito público (v.g., nacionalidade e serviçomilitar), fiscal, eleitoral, civil (v.g., família, bens móveis, contratos,sucessões), trabalhista etc.170 Aduz ainda Valladão que a fraude à lei tempapel destacado no DIPr, “pois a fuga da lei indesejável, a sua substituiçãopor outra mais conveniente, é facilitada em face da reconhecidavoluntariedade na escolha do elemento de conexão, da nacionalidade, dodomicílio, da residência habitual, do lugar da situação da coisa móvel, doato ou do contrato etc.”.171

São frequentes, v.g., os casos de mudança de nacionalidade com o fitode fazer escapar a pessoa às exigências impostas por leis imperativas doEstado (v.g., sobre o cumprimento de serviço militar obrigatório). Daímuitos juristas entenderem ser tal hipótese um caso de fraude à lei.172 O

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exemplo clássico é o da Princesa de Beauffremont, que era casada e tinhanacionalidade francesa, ao tempo em que o direito francês (anterior a 1884)inadmitia o divórcio, quando então naturalizou-se alemã para obter ditodivórcio e se casar novamente com o Príncipe Bibesco, de nacionalidaderomena, tendo a jurisprudência francesa considerado sem efeito o divórcioe o novo casamento em decorrência da fraude.173 Para nós, contudo, amudança de nacionalidade, por si só, não pode ser atualmente entendidacomo fraude à lei, especialmente pelo fato de que o direito de mudar denacionalidade (independentemente de justificação da pessoa) é um direitohumano consagrado em vários instrumentos internacionais,174 os quais, noBrasil, têm (no mínimo) status supralegal, segundo o entendimento doSTF.175

Jacob Dolinger exemplifica casos de fraude à lei quando a pessoa mudade nacionalidade para, v.g., escapar do rigor de sua lei pessoal que proíbeo divórcio, a investigação de paternidade e a deserdação de filhos,concluindo que, nesses casos, estará a pessoa abusando do direito de mudarde nacionalidade.176 Parece, porém, que nos dois primeiros casos a pessoamanipula o elemento de conexão para buscar a realização de um direitomaior que entende ter, como o de novamente se casar e o de recorrer àinvestigação de paternidade. Se um desses direitos for reconhecido portratados internacionais de direitos humanos, a “fraude” à lei haveria deceder perante as garantias elencadas nos instrumentos internacionais deproteção de que o Estado é parte, pois a lei interna (eventualmentefraudada) estaria em desacordo com aquilo que o próprio Estado do foro secomprometeu a cumprir no plano internacional, caso em que será tida comoinconvencional (e, portanto, inválida).177 Como, então, falar em fraudequando normas internacionais de direitos humanos garantem aos indivíduoscertos direitos ou condições? São evidentemente distintos os casos demudança de nacionalidade para escapar a uma obrigação (v.g., do serviçomilitar) daqueles em que deseja a pessoa perseguir um direito maior oumais amplo (v.g., de se casar, se divorciar etc.). Ademais, se os Estadosestabelecem determinados elementos de conexão, entre eles anacionalidade, e, ao mesmo tempo, aceitam que um cidadão se naturalizeem outro país, devem, por coerência, arcar com as consequências de

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eventual modificação do elemento conectivo quando o fim desejado pelapessoa é perseguir direitos mais amplos que os reconhecidos pela lex fori,pois é da natureza humana galgar sempre mais benefícios que os até entãoreconhecidos.178 Assim, parece certo que os casos de mudança denacionalidade devem ser analisados com total parcimônia pelos juízes,visto que nem sempre podem ser tidos como fraudulentos à luz das garantiashoje postas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, ainda que osejam nos termos de leis internas (as quais têm que se adaptar a todas asnormas internacionais de direitos humanos ratificadas e em vigor no Estado,sob pena de inconvencionalidade/invalidade). Daí alguns autores, comoLuís de Lima Pinheiro, entenderem não haver fraude no caso de mudança denacionalidade se o naturalizado integrar-se seriamente à sua novacomunidade nacional, quando então o elemento “fraude” desapareceria.179

Outros, por sua vez, como Daniel de Folleville, são mais radicais eentendem que “a fraus legis não pode, em caso algum e sob nenhumpretexto, ser alegada em razão de uma naturalização adquirida por umfrancês em país estrangeiro”.180

O assunto também é complexo em matéria de mudança de religião nospaíses em que o estatuto pessoal é regido por lei religiosa, pois conquantotal mudança seja um direito humano internacionalmente reconhecido,181 oseu abuso há de ser condenado, não se admitindo, assim, que um cristão quese converte, v.g., para o islamismo, deixe de saldar os alimentos a que foracondenado pagar à sua esposa, eis que sua mudança de religião teria visadoapenas fazê-lo escapar dessa obrigação.182

Também nos casos de forum shopping o assunto deve ser versado comtotal parcimônia, pois a eleição do foro pelas partes pode ser um direitoassegurado até mesmo por instrumentos internacionais, não se podendodizer, nesses casos, existir fraude pelo fato de se escolher locus decisóriomais benéfico aos interesses em causa. É evidente, contudo, que a situaçãomudaria se o forum shopping fosse utilizado para prejudicar terceiros, bemassim o Estado, como, v.g., para deixar de recolher tributos, legalizardinheiro produto de crime, entre tantas outras hipóteses.

Oscar Tenório exemplifica, dentre outros, um caso de fraude à lei

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relativo à substância dos contratos, pois em alguns países há cláusulas quesão proibidas nos contratos, ao passo que em outros são permissivas; como,em regra, o contrato se rege pela lei do lugar de sua conclusão, as partesprocuram países onde certas cláusulas são válidas, a fim de se libertaremdo rigor imposto pela lei que, normalmente, haveria de ser respeitada.183

Em casos de mudança de domicílio, algumas legislações têmestabelecido certo prazo para que a sua alteração produza efeitos e,consequentemente, não configure fraude. Assim faz o art. 23 da Lei deDireito Internacional Privado da Venezuela, de 1998, que, depois dedeterminar que “[o] divórcio e a separação de corpos regem-se pelo direitodo domicílio do cônjuge que intenta a demanda”, esclarece que “[a]mudança de domicílio do cônjuge demandante só produz efeitos após umano de ter ingressado no território de um Estado com o propósito de nelefixar residência habitual”.

Quando, afinal, se configura a fraude à lei no DIPr brasileiro atual?Apesar de não haver regra expressa na LINDB sobre a questão, está emvigor entre nós, porém, o já citado art. 6º da Convenção Interamericanasobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, que, em sua segundaparte, prevê que “[f]icará a juízo das autoridades competentes do Estadoreceptor determinar a intenção fraudulenta das partes interessadas”. Quaisos critérios para tanto? Para nós, a fraude à lei apenas se concretiza quandohouver a conjugação de dois elementos: a) o uso exitoso de um direitoprimário que não seria o normalmente aplicável, em razão de uma conexãofraudulenta manejada pelo agente (elemento objetivo ou corpus); e b) avontade intencional (dolosa) de lesar interesse particular ou interessesocial relevante (elemento subjetivo ou animus).184 Em outros termos, paraa caracterização da fraude à lei seria necessária (a) a prática de um atoconcreto (e, sobretudo, exitoso) capaz de fraudar a lei competente e (b) avontade direcionada a lesionar interesse alheio, sem a qual não há falar-seem verdadeira fraude. O dolo, portanto, é sempre necessário paracaracterizar a fraude à lei, pois não há fraude por negligência.185 Assim,somente se poderá falar “na existência de fraude à lei ocorrendo as duashipóteses: por primeiro, o agente procura arranjar uma conexão que secoloque em situação mais vantajosa, com a aplicação de outra lei que seria

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a aplicável; depois, é preciso que a malícia usada cause uma lesão a uminteresse particular ou social”.186 Não haverá fraude se a mudançaintencional do elemento de conexão se der em razão do exercício de umdireito, como, v.g., adquirir nova nacionalidade para obter a separação ou odivórcio.187

Destaque-se que, na prática, tem sido bastante difícil a prova da fraudeà lei, uma vez que requer a certeza sobre a intenção dolosa do indivíduo,sem a qual não há o elemento subjetivo caracterizador da fraude. Daí acrítica de boa parte da doutrina relativamente ao instituto em questão, aoargumento de que, além de insegurança, gera enorme dificuldade em saber-se quando efetivamente a lei foi fraudada.188 Assim, pode-se dizer que adificuldade na aplicação da teoria da fraude à lei decorre do fato deenvolver “a análise da intenção do pretenso fraudador, que para certosautores representa uma intromissão do Judiciário no campo da consciênciahumana, o que lhe é defeso fazer”.189 Ademais, representa também, emmuitos casos, intromissão injustificada na autonomia da vontade daspessoas, especialmente quando normas mais benéficas (v.g., de direitoshumanos) autorizam que se altere o elemento de conexão para a garantia deum direito seu (como é o caso da mudança de nacionalidade para a garantiade direitos inexistentes perante a ordem nacional anterior). Não seconseguindo, portanto, provar a fraude real à lei, parece certo que avinculação ao direito mais benéfico, que, a priori, não seria o competentepara reger a situação em causa, torna-se completa e juridicamente eficaz.190

A fraude à lei existe, de fato, não há dúvidas, quando se intenciona,dolosamente, manipular o elemento de conexão para obter vantagemindevida nos termos da legislação fraudulentamente indicada. Esse fato,porém, não encobre outro: o de que muitos dos exemplos já citados defraude não seriam, hoje em dia, aceitos como tal, especialmente à luz dosistema internacional de proteção dos direitos humanos (e de todas asgarantias dele decorrentes). Daí a necessidade de verificação criteriosa,por parte do julgador, dos elementos citados de caracterização da fraude,sem o que a legislação indicada (se não ofender a ordem pública nacionalou não tiver seus efeitos cortados por outros motivos) deverá ser aplicada,garantindo à pessoa os benefícios daí decorrentes.

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Por último, cabe indagar quais os efeitos da fraude à lei. Que efeitosteriam, v.g., uma mudança fraudulenta de domicílio com o fito debeneficiar-se o agente da aplicação de uma lei mais benéfica? Nessahipótese, como explica Jacob Dolinger, os efeitos do ato praticado em outrajurisdição serão apenas inoponíveis no Estado do foro, pois não tem este opoder de anular ato ou negócio jurídico concluído em outra jurisdição; afraude terá repercussão apenas no que tange à ineficácia local dos atospraticados sob o império da lei do novo estatuto pessoal com base nodomicílio adquirido.191 O direito português, v.g., é claro ao afirmar que“[n]a aplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações defato ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar aaplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente” (art. 21do Código Civil); como se percebe, não se contesta, na lei portuguesa, avalidade das situações (de fato ou de direito) criadas alhures com intuitofraudulento, dirigindo-se a sanção da fraude à lei apenas à “aplicação dasnormas de conflitos”.192 Isso quer dizer que as situações constituídas noexterior decorrentes de fraude à lei apenas não surtirão efeitos (serãoinoponíveis) no Estado do foro, em nada significando que no Estado sobcuja jurisdição a situação se concretizou esta não tenha validade jurídica.193

Portanto, como destaca Luiz Olavo Baptista, tem-se que “os efeitos dafraude à lei não são bilaterais, mas vinculam-se ao sistema jurídico dojuiz”.194 Esse magistrado, porém, no caso concreto, poderá ponderar osinteresses em conflito e não desconsiderar totalmente a atribuição de efeitosda situação constituída no exterior na ordem doméstica.195

Prélèvement (favor negotii)

O princípio do melhor interesse ao negócio – também conhecido comoprélèvement (na expressão francesa) ou do favor negotii (no latim) – surgiupara beneficiar o interesse nacional em detrimento do interesse estrangeiro.Sua origem está ligada à jurisprudência francesa, que visava proteger osinteresses do país na realização de negócios com estrangeiros; dava-seprevalência à lei francesa sempre que um estrangeiro, menor segundo a sua

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lei de origem, fosse maior segundo as leis francesas, e, pelo fato damenoridade originária, pretendesse dolosamente prejudicar terceiros nasrelações de comércio.196 Daí a nomenclatura também utilizada, provenientedo latim, favor negotii, que conota a norma mais favorável à validade donegócio jurídico em benefício exclusivo da lex fori.

Atualmente, ambas as expressões (prélèvement e favor negotii) seequivalem. A rigor, porém, o prélèvement seria aplicado tanto para odireito civil como para o direito comercial/empresarial, e o favor negotiiapenas para o direito comercial/empresarial.197

O caso célebre, sempre lembrado, foi do cidadão mexicano Lizardi,que, aos 23 anos, emitiu uma nota promissória para pagamento de joiascompradas de um comerciante parisiense, o qual aceitou a referida nota.Recusando-se, posteriormente, a saldar a nota promissória, Lizardi foiexecutado perante a Justiça francesa, quando então alegou que, segundo alei mexicana, somente aos 25 anos de idade atingiria a maioridade e acapacidade para os atos da vida civil. A Corte de Cassação francesa, em1861, aplicando o princípio do prélèvement ou favor negotii, reconheceuque se deveria ignorar a norma mexicana, porque não seria aceitável que oscidadãos franceses conhecessem todas as leis do mundo, e assimconsiderou válida a transação comercial realizada, em benefício do negóciojurídico e dos interesses do comerciante francês.198

No Brasil, o Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908, que define aletra de câmbio e a nota promissória e regula as operações cambiais,adotou o favor negotii em seu art. 42, parágrafo único, ao aduzir que“[t]endo capacidade pela lei brasileira, o estrangeiro fica obrigado peladeclaração, que firmar, sem embargo de sua incapacidade, pela lei doEstado a que pertencer”. De lembrar-se que o Brasil, à época, adotava ocritério da nacionalidade como definidor do estatuto pessoal. Atualmente, apartir da adoção do critério domiciliar no Brasil, a interpretação dodispositivo passa a ser no sentido de reputar-se responsávelcambiariamente a pessoa segundo a lei brasileira, ainda que nos termos dalex domicilii seja considerada incapaz.199

O princípio do favor negotii não se confunde, porém, com o da norma

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mais favorável à pessoa, pois enquanto aquele procura beneficiar onegócio jurídico, este visa à satisfação do ser humano (v. item 4.8, infra).

Reciprocidade

A exceção de reciprocidade é também um limite à aplicação do direitoestrangeiro pelo juiz nacional, porém, raramente utilizada nos dias atuais.Ocorre quando o juiz nacional deixa de aplicar o direito estrangeiroindicado quando percebe que aquela ordem jurídica também rechaçaria, nasmesmas circunstâncias, a aplicação de leis nacionais.

Como se nota, a teoria da reciprocidade tem, no plano das relações deDIPr, fundamento na absoluta territorialidade das leis, pelo que “atolerância do efeito territorial da lei estrangeira fica subordinada ao fato deadmitir o Estado, de cuja lei se cogita, que se aplique em seu território a leidos outros Estados ou, pelo menos, do Estado que tolera aquele efeito”.200

Contudo, diferentemente de outrora, o que atualmente se presencia écerta indiferença das ordens jurídicas com o papel da reciprocidade nopapel de fonte limitadora da aplicação de normas estrangeiras no Estado.De fato, as legislações atuais não têm impedido a aplicação, pelo juiznacional, da lei estrangeira pelo só fato de aquela impedir a aplicação dalei doméstica em condições idênticas.

No direito brasileiro atual não há uma cláusula geral que impeça o juiznacional de aplicar o direito estrangeiro não recíproco, à exceção do casoespecífico dos direitos dos portugueses com residência permanente no país(v. infra) e de existir tratado internacional que regule diferentemente otema, como, v.g., nos casos de extradição.

Algumas normas imperiais, contudo, previam expressamente areciprocidade, a exemplo do Decreto nº 855, de 8 de novembro de 1851,que regulamentava as isenções e atribuições dos agentes consularesestrangeiros no Império e o modo pelo qual podiam intervir na arrecadaçãoe administração das heranças dos súditos de seus respectivos Estados, àcondição de reciprocidade. Pelo Decreto, ordenava o Imperador a

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execução “[d]o Regulamento que com este baixa, regulando as isenções eatribuições dos Agentes Consulares estrangeiros no Império, e o modo porque se hão de haver na arrecadação e administração das heranças desúditos de suas Nações, dado a caso de reciprocidade…”. Também oDecreto imperial nº 6.982, de 27 de julho de 1878, que regulava a execuçãodas sentenças, cíveis ou comerciais, de tribunais estrangeiros, aludia àreciprocidade no art. 1º, § 1º, ao estabelecer como um dos requisitos para aexecução das sentenças estrangeiras no Brasil, “[q]ue a nação, a quepertencem os Juízes ou Tribunais que as proferiram, admita o princípio dareciprocidade”.

Outra forma pela qual a exceção de reciprocidade aparece diz respeitoao gozo de direitos, pelos estrangeiros, em território nacional. Nessesentido, a lex fori pode prever que não se atribuirão aos estrangeiros nopaís direitos que os nossos nacionais não teriam naquele Estado. Strengerexemplifica com o direito mexicano, que não admite a propriedade de bensimóveis por parte de estrangeiros. Assim, se um mexicano pretendesseadquirir bem imóvel no Brasil, seria o caso de negar-lhe tal direito à luz dareciprocidade, eis que um brasileiro não poderia ser proprietário de bemimóvel no México.201

A reciprocidade, em matéria de gozo de direitos por estrangeiros, vemprevista no art. 16 das disposições preliminares ao Código Civil italiano de1942, segundo o qual “o estrangeiro pode gozar dos direitos civisatribuídos ao cidadão sob condição de reciprocidade, salvo as disposiçõescontidas em leis especiais”.202 No mesmo sentido, a Constituição brasileirade 1988 estabelece, no art. 12, § 1º, que “aos portugueses com residênciapermanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serãoatribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nestaConstituição”.

A face negativa da reciprocidade é a retorsão, que tem lugar quando umEstado se recusa a aplicar a lei estrangeira porque o Estado, a que pertencea lei, não aplica as leis do primeiro.203 Aqui, como se vê, não se trata dedeixar de aplicar a lei estrangeira pelo fato de aquela impedir, em idênticascircunstâncias, a aplicação da lei doméstica, mas de inaplicar a lei

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estrangeira em razão do rechaço – sem motivo justificável que importe emreciprocidade – da lei nacional pelo Estado estrangeiro. Trata-se demedida, atualmente, injustificável, especialmente por não levar em contaque, no centro da relação jurídica, há sempre uma pessoa que necessita,para galgar seu direito, da aplicação da lei que se pretende retaliar.

Instituições desconhecidas

Há casos em que a instituição jurídica prevista pela lei estrangeira étotalmente desconhecida do direito pátrio, quando, então, o seureconhecimento pelo juiz nacional pode apresentar limites. Muitos institutosprevistos no direito islâmico são, v.g., totalmente desconhecidos dalegislação brasileira (bem assim de vários países do mundo); também odireito inglês contém institutos não encontráveis no direito brasileiro, deque é exemplo o trust. Nesses casos, o juiz nacional pode ficarimpossibilitado de aplicar, na ordem interna, a instituição estrangeira talqual conhecida perante a lex causae, tendo em vista a inexistência doinstituto em questão no direito do foro. Há casos, porém, em que serápossível ao juiz nacional atribuir efeitos internos à instituição estrangeiradesconhecida, se houver no direito interno instituição jurídica análoga emcondições de ser aplicada.

Já se falou (v. Cap. IV, item 4.1, supra) que deve haver duplaqualificação quando se está diante de instituto jurídico desconhecido: aprimeira (prejudicial), realizada pela lex fori (visando saber se o instituto érealmente desconhecido do direito nacional); e a segunda (qualificaçãopropriamente dita), para aferir se a instituição desconhecida pode ou nãoser qualificada entre as instituições nacionais análogas.204

Tal demonstra que o simples desconhecimento de certa instituiçãoestrangeira pela ordem doméstica não é óbice a que o juiz do foro aconheça e dela tire consequências jurídicas, caso não haja, evidentemente,violação da soberania ou da ordem pública do Estado do foro.205 Odivórcio, v.g., era instituto desconhecido do direito brasileiro até apromulgação da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, e, ainda assim, o

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STF homologava sentenças estrangeiras de divórcio, equiparando-as àssentenças de desquite (esse era o instituto de dissolução da sociedadeconjugal até então conhecido no Brasil) para fins de divisão patrimonial.Entendia-se que se o direito estrangeiro admite o divórcio, plus, razão nãohaveria para inadmitir o desquite, minus.206 O STF também já homologou,em 1933, decreto de divórcio proferido pelo Rei da Dinamarca,entendendo-o como “sentença” emanada de “tribunal” estrangeiro para finsde homologação, eis que o Rei, nesse caso, estava a praticar atosequiparados aos de um órgão judicante quando decretava o divórcio.207 Talsignifica, repita-se, que o desconhecimento do instituto estrangeiro pelodireito pátrio não impede o juiz do foro de conhecê-lo e dele extrair efeitosjurídicos.

É evidente, porém, que nem sempre é fácil de resolver, na prática, todosos problemas apresentados. Veja-se, a propósito, o exemplo de Strenger:“Certos ordenamentos jurídicos, por exemplo, preveem a hipoteca sobrecoisa móvel. Ainda que se admitisse em tese não ferir a ordem pública aexistência de uma hipoteca sobre bem móvel no Brasil, haveria aimpossibilidadede sua inscrição, porque não há previsão para este tipo de registro. Nestecaso, a solução melhor seria afastar totalmente a aplicação dessa legislaçãoestrangeira”.208 Tal demonstra que ainda que o instituto estrangeiro não firaa ordem pública nacional, imperativos de índole legislativa podem impedirque se conheça da questão sub judice, especialmente se não restarautorizada a subsunção a instituições ou a procedimentos análogos. Cadacaso concreto, contudo, deve ser analisado de per si pelo juiz.

Cite-se, mais uma vez, a respeito do tema da instituição desconhecida, odisposto no art. 3º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais deDireito Internacional Privado, de 1979: Quando a lei de um Estado Parteprevir instituições ou procedimentos essenciais para a sua aplicaçãoadequada e que não sejam previstos na legislação de outro Estado Parte,este poderá negar-se a aplicar a referida lei, desde que não tenhainstituições ou procedimentos análogos.

Tais procedimentos análogos referidos pela norma citada são aqueles

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encontráveis pelos métodos da adaptação ou aproximação, já estudados (v.Cap. IV, item 4.4, supra). Daí o motivo pelo qual muitos autores entenderemque a lacuna no tratamento do tema nas normas de direito internacionalpositivo – à exceção do citado art. 3º da Convenção Interamericana sobreNormas Gerais de Direito Internacional Privado – é decorrência do fato deestar ele integrado à questão da ordem pública e da qualificação.209 De fato,há íntimas ligações do tema da instituição desconhecida com os da ordempública e da qualificação; pode-se perfeitamente utilizar da técnica daqualificação para adaptar ou aproximar a instituição desconhecida à ordemjurídica do foro, para que nela seja aplicada.

Sendo, contudo, verdadeiramente impossível ao juiz do foro adaptar ouaproximar a questão jurídica por meio de instituições ou procedimentosanálogos, a única alternativa viável será a negativa de aplicação da leiestrangeira indicada.

Norma mais favorável à pessoa

As normas contemporâneas de DIPr têm privilegiado cada vez mais osinteresses dos seres humanos (princípio pro homine) na aplicação dasregras de conflito, antes frio e caprichoso jogo de leis, hoje sistema voltadoà proteção da pessoa (v. Cap. VIII, item 3, infra). Daí a sua diferença com oprincípio favor negotii já analisado (v. item 4.5, supra). Assim, quandoatualmente se fala em norma mais favorável, está-se a levar em conta queexiste, no centro da relação jurídica, um sujeito de direitos a merecerdevida atenção do Estado, inclusive no sentido de serem as regras deconexão pertinentes coerentemente aplicadas; somente depois, então, se vaiperquirir da validade e eventual negócio jurídico e de sua salvaguarda. Há,aqui, como se nota, um problema de sopesamento a cargo do julgador, aenvolver interesses pessoais e negociais distintos no bojo de uma questãojurídica interconectada.

O princípio da norma mais favorável à pessoa pode vir expressamenteestabelecido em norma de DIPr da lex fori, tal como fez a Constituiçãobrasileira de 1988, no art. 5º, XXXI, ao dispor que “a sucessão de bens de

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estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefíciodo cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja maisfavorável a lei pessoal do de cujus”. A mesma regra foi repetida pelo art.10, § 1º, da LINDB.210 Em tais casos, como se percebe, o princípio é via demão dupla, pois beneficia a aplicação de qualquer lei (a nacional ou aestrangeira) mais favorável à pessoa.211

Em suma, o princípio da norma mais favorável é elemento de conexãooriginal no DIPr, voltado à melhor proteção da pessoa em todos os âmbitos.Seu melhor fundamento é, sem dúvida, a dignidade da pessoa humana, queserve como força de atração para a aplicação da norma (nacional ouestrangeira) que mais beneficia o sujeito de direitos em determinado casoconcreto.212

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5. Homologação de sentenças estrangeiras

Haveria completa incoerência se a ordem jurídica domésticaautorizasse a aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional e nãopermitisse que as sentenças proferidas alhures lograssem quaisquer efeitosno Estado do foro. Se determinada relação jurídica já foi objeto de decisãoem país estrangeiro e se, no Estado do foro, tal relação se repete, nãohaveria qualquer razão (até mesmo por questão de economia processual)para deixar de reconhecer eficácia interna ao que ali se decidiu, guardados,evidentemente, os requisitos de admissibilidade estabelecidos pela lexfori.213 É dizer, se é certo que nenhum Estado distribui justiça para fora desua jurisdição, não é menos verdade que – como afirma Amilcar de Castro– “nada impede, e tudo aconselha, que no forum se atribua validade a atosjudiciais emanados de países estrangeiros, assim como se atribui valor aatos praticados pelos particulares”.214 De fato, a completude do sistema deDIPr restaria prejudicada se apenas as normas estrangeiras pudessem seraplicadas no foro, não as sentenças prolatadas além-fronteiras. Daí omotivo pelo qual tanto a Constituição (art. 105, I, i), quanto a LINDB (art.15) e o Código de Processo Civil (arts. 960 a 965) autorizam ahomologação de sentenças proferidas no estrangeiro para que surtam osdevidos efeitos no Brasil.

As razões para que se reconheçam efeitos no foro às sentençasproferidas por tribunais estrangeiros são práticas. A primeira decorre dagarantia de preservação dos direitos adquiridos no exterior, e, a segunda,da asseguração às partes de que incertezas não serão reinstaladas à custa doque já deliberado alhures, em homenagem à harmonia e uniformidade dosistema geral de DIPr.215

Entre nós, salvo disposição especial prevista em tratado, ahomologação de decisão estrangeira há de ser requerida ao SuperiorTribunal de Justiça por ação de homologação de decisão estrangeira (CPC,art. 960). Trata-se da aplicação do sistema de delibazione do direitoitaliano pós-1942 (hoje alterado pela Lei de Reforma de 1995, que

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reintroduziu na Itália o sistema de eficácia automática das sentençasestrangeiras, guardadas certas condições).216 Somente após a homologaçãopelo STJ – a qual poderá, inclusive, ser parcial – é que terá a sentençaestrangeira eficácia no Brasil (CPC, art. 961, caput e § 2º). Havendotratado entre o Brasil e o Estado de onde proveio a sentença, não há dúvidaque a convenção entre as partes prevalecerá às leis nacionais, podendo,v.g., dispensar a homologação nacional e prever a aplicação direta dassentenças respectivas em ambos os territórios.

Homologar significa tornar a sentença estrangeira semelhante (em seusefeitos) às sentenças aqui proferidas, utilizando-se como parâmetro asdecisões do Judiciário pátrio. Trata-se, portanto, de ato formal querecepciona a sentença alienígena na ordem jurídica nacional, apoiado,contudo, em mero juízo delibatório, pelo qual não se analisa in forodomestico senão o preenchimento dos requisitos formais previstos tanto noCPC (art. 963) como na LINDB (art. 15).217 Significa que o STJ não entrano mérito da decisão estrangeira, apenas verificando se os requisitosformais de admissibilidade estão preenchidos (assim também na Alemanha,França, Itália e Portugal). A homologação, ademais, não cria eficáciainterna às sentenças estrangeiras, senão autoriza que tenham efeitosestendidos ao território do Estado onde se pretende que operem (ao que senomina importação de eficácia). Em outros termos, “[r]econhecer umasentença estrangeira é atribuir-lhe no Estado do foro (Estado requerido,Estado ad quem) os efeitos que lhe competem segundo a lei do Estado ondefoi proferida (Estado de origem, Estado a quo), ou pelo menos algunsdesses efeitos”.218 As decisões interlocutórias (v.g., citações, produção deprovas, oitiva de testemunhas, exceções processuais etc.) não são, por suavez, homologáveis; serão objeto, contudo, de carta rogatória, cujaconcessão do exequatur também compete ao STJ (CF, art. 105, I, i).

Para fins de homologação, “sentença estrangeira” é todo ato jurídicodecisório emanado de autoridade estrangeira com efeitos de sentençainterna, ainda que não se trate, propriamente, do tradicional ato do juiz que“põe fim à fase cognitiva de procedimento comum, bem como extingue aexecução” (CPC, art. 203, § 1º). No contexto homologatório, quando se falaem “sentença estrangeira” se pretende indicar todo ato proveniente do

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estrangeiro que, à luz do nosso direito interno, tem as mesmascaracterísticas e surte os mesmos efeitos das sentenças nacionais, em nadaimportando se, nos termos da ordem jurídica de origem, não se tratatecnicamente de sentença ou não proveio de autoridade propriamentejudiciária.219 Há, nesse sentido, exemplos dos mais variados, que vãodesde o decreto de divórcio do Rei da Dinamarca (já citado), até decisõesproferidas por autoridades administrativas norueguesas e dinamarquesas;por tribunal rabínico israelense; pela Câmara dos Lordes na Inglaterra; epor prefeito de cidade do Japão.220 Assim, não obstante tais atos não seremeventualmente “sentenças” em seus países de origem, o certo é que o STJ ospoderá homologar se, pela lei brasileira, tiverem natureza de sentença.221

Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisãoestrangeira: a) ser proferida por autoridade competente; b) ser precedida decitação regular, ainda que verificada a revelia; c) ser eficaz no país em quefoi proferida; d) não ofender a coisa julgada brasileira; e) estaracompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense previstaem tratado; e f) não conter manifesta ofensa à ordem pública222 (CPC, art.963, I a VI). Ainda segundo o CPC/2015, não se homologará a decisãoestrangeira na hipótese de competência exclusiva da autoridade judiciáriabrasileira (art. 964).

Em regra, só se homologam no Brasil sentenças cíveis, não se podendohomologar sentenças penais para fins propriamente criminais. O que sepermite é que seja homologada sentença penal para que surta efeitos civis,como autoriza o art. 790 do Código de Processo Penal, pelo qual “[o]interessado na execução de sentença penal estrangeira, para a reparação dodano, restituição e outros efeitos civis, poderá requerer ao SupremoTribunal Federal [hoje, Superior Tribunal de Justiça] a sua homologação,observando-se o que a respeito prescreve o Código de Processo Civil”.

Destaque-se que o CPC/2015 autorizou expressamente a dispensa doprocedimento homologatório quando assim previr lei ou tratado (art. 961,in fine) e, também, no que tange às sentenças estrangeiras de divórcioconsensual (art. 961, § 5º). Salvo esses casos, todas as demais sentençasestrangeiras devem ser homologadas pelo STJ para que surtam efeitos no

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Brasil. Relativamente, porém, às sentenças estrangeiras de divórcioconsensual, destaque-se o entendimento do STJ de que a dispensahomologatória somente terá lugar quando se tratar de divórcios consensuaispuros, é dizer, quando na sentença respectiva não se discutirem outrasquestões para além da mera dissolução do vínculo conjugal. Assim, quandona sentença estrangeira de divórcio consensual forem discutidos assuntostais como guarda de filhos, alimentos ou partilha de bens, a homologaçãoperante o STJ far-se-á necessária (aqui se está diante do que o STJqualifica como sentença de divórcio consensual qualificada).223 Em taiscasos, portanto, será premente analisar se o divórcio consensual realizadono exterior é puro (caso em que se dispensa homologação) ou é qualificado(quando a homologação passa a ser de rigor). Sendo qualificado, nãopoderá a sentença respectiva ser, ipsis tantum, averbada no Registro Civildas Pessoas Naturais antes de devidamente homologada pelo STJ,diferentemente de quando se tratar de divórcio consensual puro.

Por fim, registre-se que a execução da decisão estrangeira homologadafaz-se por carta de sentença no juízo federal competente, a requerimento daparte, conforme as normas estabelecidas para o cumprimento de decisãonacional (CPC, art. 965; Regimento Interno do STJ, art. 216-N).

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6. Conclusão

Ao longo deste Capítulo foi possível perceber quanta dificuldade hápara o juiz na aplicação do direito estrangeiro, a começar pela sua pesquisae exata compreensão, cercadas, quase sempre, de grandes desafios.Dificuldades linguísticas, de interpretação e de conhecimento doverdadeiro significado de uma norma estranha são apenas alguns pontos quedemonstram os problemas que pode ter o juiz, na prática, para a aplicaçãoescorreita da norma estrangeira indicada pela regra de DIPr da lex fori.Tais dificuldades, no entanto, não podem servir de argumento para que nãose aplique (bem aplique) o direito estrangeiro indicado.

Ainda que não alegada pelas partes, como já se verificou, é obrigaçãodo juiz aplicar ex officio a norma estrangeira indicada, não em razão destaprópria, mas em observância a uma norma interna de ordem pública (anorma de DIPr da lex fori) que exige sejam atribuídos, no foro, efeitosconcretos à norma estranha indicada, como direito mesmo, não comosimples fato, quando então a ordem estrangeira passa a compor (integrar) odireito nacional na resolução do problema jurídico interconectado que subjudice se apresenta.

Enquanto o Direito Uniforme não logra a missão (talvez impossível) deuniformizar as regras conflituais relativas a todos os ramos do Direito, ocerto é que o preparo dos juízes nacionais em matéria de direitointernacional (privado ou público) se impõe. Cada vez mais deve omagistrado especializar-se em matéria de DIPr, sobretudo no atual momentohistórico, em que se vive intensa internacionalização das relações humanas.

Não há de ser admitida, pelo argumento que se pretenda, a rejeição deuma demanda por não ter o juiz logrado encontrar (inclusive com o auxíliodas partes) o direito estrangeiro aplicável, até mesmo porque, já se viu, odireito brasileiro prevê alternativas capazes de levar o magistrado – nocaso extremo de terem sido esgotadas todas as alternativas possíveis para oconhecimento do teor e da vigência da norma estrangeira – a uma soluçãofinal que seja, no mínimo, coerente.

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Cf. OCTAVIO, Rodrigo. Direito internacional privado…, cit., p. 137-138; eESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 303.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 145.Sobre o assunto no Brasil, cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado dedireito internacional privado, t. II. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Revista dosTribunais, 1977, p. 353-392; MESQUITA, Jose Ignácio Botelho de. Da competênciainternacional e dos princípios que a informam. Revista de Processo, vol. 13, nº 50,São Paulo, abr./jun. 1988, p. 51-71; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Problemasrelativos a litígios internacionais. Temas de Direito Processual, 5ª série. São Paulo:Saraiva, 1994, p. 140-145; STRENGER, Irineu. Direito processual internacional. SãoPaulo: LTr, 2003, p. 53-68; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…,cit., p. 203-221; RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p.243-265; e TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdição brasileira:competência internacional e imunidade de jurisdição. Salvador: JusPodivm, 2016, p.38-135.A “competência” referida, a rigor, relaciona-se à jurisdição internacional do Brasil,que é questão tecnicamente distinta. De fato, enquanto o CPC/1973 utilizava otermo “competência internacional”, o CPC/2015 refere-se, mais propriamente, aos“limites da jurisdição nacional”, não obstante a expressão “limites” (tambémcriticável) dar a falsa ideia de não haver jurisdição para além das hipóteses aliprevistas. A prática corrente, contudo, continua a falar em “competênciainternacional” e em “jurisdição internacional”, indistintamente. A propósito, v.TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdição brasileira…, cit., p. 21-24(que também cede à prática no uso das expressões).Sobre a competência internacional da Justiça do Trabalho, v. art. 651 da CLT (queversa hipótese de competência absoluta).Cf. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 171.Correto, portanto, o STF ao entender que “[s]e as partes, uma domiciliada noUruguai, outra domiciliada no Brasil, contrataram que suas divergências pertinentesao contrato a que se vincularam seriam solvidas no foro da comarca de São Paulo,Brasil, esse é o foro competente, e não o do Uruguai” (AgR na Carta Rogatória nº3.166 da República Oriental do Uruguai, Tribunal Pleno, Rel. Min. Antônio Neder, j.18.06.1980, DJ 15.08.1980).Não haverá essa possibilidade nas hipóteses de competência exclusiva da autoridadejudiciária brasileira.Assim também, TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdição brasileira…,

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cit., p. 145, que leciona: “Esta possibilidade de os autores escolherem a jurisdiçãomais apropriada para a propositura da sua demanda não é coibida, e é até mesmorecomendável que assim procedam”.Sobre o tema, v. BORN, Gary B. International civil litigation in United Statescourts. 3. ed. The Hague: Kluwer Law International, 1996, p. 358-366; e BRAND,Ronald A. & JABLONSKI, Scott R. Forum non conveniens: history, global practice,and future under the Hague Convention on Choice of Court Agreements. Oxford:Oxford University Press, 2007, 358p.Nesse exato sentido, v. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…,cit., p. 247-248; e MARTINS, Ives Gandra da Silva. Jurisdição internacional.Ajuizamento de ação no Brasil por força da aplicação da teoria do forum nonconveniens por parte da Justiça americana. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI,Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 1.207 (Coleção Doutrinas essenciais:direito internacional, vol. IV). A 3ª Turma do STJ, inclusive, entendeu inexistir nasregras processuais brasileiras tanto o forum non conveniens quanto o forumshopping: “Essa postura implicaria a aplicação dos princípios do ‘forum shopping’e ‘forum non conveniens’ que, apesar de sua coerente formulação em paísesestrangeiros, não encontra respaldo nas regras processuais brasileiras” (STJ, MC15.398-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.04.2009, DJe 23.04.2009). Ainda sobreo tema, mas sem conclusão pessoal aparente, cf. TIBURCIO, Carmen. Extensão elimites da jurisdição brasileira…, cit., p. 193-205 e 208-212, respectivamente.Com acerto, v. STJ, Resp. 325.587/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa,j. 06.09.2007, DJ 24.09.2007, ao afirmar que o art. 7º da LINDB – que tem porobjetivo determinar a norma de regência aplicada, se a nacional ou a alienígena – é“inservível, pois, para definir a competência, ou não, da Justiça brasileira”. Nadoutrina, v. FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. A lei e o foro de eleição em temade contratos internacionais, cit., p. 67-68; DINAMARCO, Cândido Rangel.Instituições de direito processual civil, vol. I. 6. ed. rev. e atual. São Paulo:Malheiros, 2009, p. 359; e TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdiçãobrasileira…, cit., p. 176-177.Lei nº 41, de 26.06.2013, com as alterações da Lei nº 122, de 01.09.2015.Cf. TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdição brasileira…, cit., p. 79.STF, RE 90.961/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Décio Miranda, j. 29.05.1979, DJ03.07.1979.Assim, a conclusão de TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdiçãobrasileira…, cit., p. 87. Cf. ainda, ARAUJO, Nadia de. Direito internacionalprivado…, cit., p. 219.TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdição brasileira…, cit., p. 86.

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V. TIBURCIO, Carmen. Idem, p. 89.A homologação de sentenças estrangeiras compete ao Superior Tribunal de Justiça,conforme o art. 105, I, i, da Constituição.V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 239.Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 251.Essa é a posição uniforme dos países latino-americanos, como demonstrado porBERGMAN, Eduardo Tellechea. Aplicación e información del derecho extranjero enel ámbito interamericano, regional y en el Uruguay. Revista de la Secretaría delTribunal Permanente de Revisión, ano 2, nº 3, 2014, p. 35-40. Sobre a posiçãoespecialmente dos países europeus, v. DOLINGER, Jacob. Application, proof andinterpretation of foreign law: a comparative study in private international law.Arizona Journal of International and Comparative Law, vol. 12 (1995), p. 225-276.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 139-140; GOLDSCHMIDT,Werner. Derecho internacional privado…, cit., p. 123; SILVA, Agustinho FernandesDias da. Introdução ao direito internacional privado, cit., p. 124; e FERRER

CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 427.A propósito, v. a lição de VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…,cit., p. 471: “Na fase moderna do DIPr, com a promulgação de textos internacionaise internos, de natureza obrigatória para o juiz, impondo-lhe a aplicação da leiestrangeira, não tinha mais sentido considerá-la simples fato, dependente do quererdas partes: seria esvaziar, completamente, as normas de DIPr. Se estas prescrevem,p. ex., que a capacidade se determina pela lei do domicílio e este é no estrangeiro,exigem que o juiz aplique a respectiva lei estrangeira; considerá-la não uma lei, masum fato, que o juiz deve ignorar, sujeito apenas à vontade dos interessados, é violarflagrantemente a letra e o espírito do texto de DIPr. É a completa negação daeficiência das normas imperativas de DIPr. Não é possível transformar uma leiimperativa em permissiva pelo comodismo da parte ou do juiz em cumpri-la oufazê-la cumprir. Aliás, o problema é análogo quando o juiz tem de aplicar uma lei deum sistema irmão, de um Estado-membro, de uma província ou região, ou uma leiparticular (canônica, rabínica, desportiva etc.). E atualmente o mundo é um só, nãohá terras nem leis desconhecidas, havendo grandes, numerosas e eficazes fontes deinformações para que o Tribunal conheça outros direitos além do seu próprio. (…)”[grifos do original].Nesse sentido, v. também a Regra 44.1 (emendada em 1º.03.2011) introduzida noprocesso civil americano, que trata o direito estrangeiro como questão jurídica, nãocomo simples fato: “In determining foreign law, the court may consider any relevantmaterial or source, including testimony, whether or not submitted by a party oradmissible under the Rules of Evidence. The court’s determination must be treated

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as a ruling on a question of law”.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 63.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 229.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 59.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 474-475; SILVA,Agustinho Fernandes Dias da. Introdução ao direito internacional privado, cit., p.123-124; e BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 239-243. Essa também a orientação do direito italiano atual(art. 14 da Lei nº 218, de 31.05.1995, que reformou o sistema italiano de DIPr). Apropósito, cf. VILLATA, Stefano Alberto. Diritto straniero e processo: premessastorica ad uno studio della “prova” del diritto straniero. Roma: Aracne, 2012, p. 11.Assim, JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 172.V. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Garantia constitucional do direito à jurisdição –competência internacional da justiça brasileira – prova do direito estrangeiro.Revista Forense, vol. 343, Rio de Janeiro, jul./ago./set. 1998, p. 281.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 61; AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 40; eRECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 235.STJ, REsp. 254.544/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 18.05.2000, DJ14.08.2000.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 169.Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 235.Assim, v.g., o art. 60 da Lei de Direito Internacional Privado da Venezuela: “Odireito estrangeiro será aplicado de ofício. As partes poderão trazer informaçõesrelativas ao direito estrangeiro aplicável e os tribunais e autoridades poderão tomarprovidências tendentes ao melhor conhecimento do mesmo”.JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 181.Nesse exato sentido, a lição de Oscar Tenório: “O costume e os usos fazem parte,no Brasil, do direito. Tem o costume, conforme o art. 4º da Lei de Introdução[LINDB], o papel de suprir as lacunas da lei. E nesta função supletiva o costume setransforma em direito. Mas a regra é de direito interno, para o juiz brasileiro, emface do costume constituído no Brasil. Sê-lo-á de direito internacional privado?Sim, se houver concordância com regra de igual teor do sistema estrangeiro. Ao

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aplicar o direito estrangeiro, o juiz brasileiro poderá aplicar o costume admitidopela ordem jurídica estrangeira” (Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 153).V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 123-124.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 61.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 264; STRENGER,Irineu. Direito processual internacional, cit., p. 39; e AMORIM, Edgar Carlos de.Direito internacional privado, cit., p. 41.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 62.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 146.Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 373.Cf. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 40; eRECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 235-236.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 262-263.CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro. In: BAPTISTA, LuizOlavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado:teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 872 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).Assim também o art. 14 da LINDB: “Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juizexigir de quem a invoca prova do texto e da vigência”. O Projeto de Lei nº 269 doSenado, de 2004, por sua vez, trazia a seguinte redação, no seu art. 15, parágrafoúnico: “O juiz poderá determinar à parte interessada que colabore na comprovaçãodo texto, da vigência e do sentido da lei estrangeira aplicável”.Para esse histórico legislativo, v. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova dodireito estrangeiro, cit., p. 873-876.V. BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional. In:BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direitointernacional privado: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.1353 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV).V. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Garantia constitucional do direito à jurisdição –competência internacional da justiça brasileira – prova do direito estrangeiro, cit., p.283.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 148. Cf. ainda, JO, HeeMoon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 174; e DEL’OLMO, Florisbal

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de Souza & ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Lei de Introdução ao Código CivilBrasileiro comentada, cit., p. 147-151.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 74.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 62.JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 174.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 85. Destaque-se que não necessitam ser registrados no Registro de Títulos eDocumentos, para surtir efeitos em relação a terceiros, quaisquer “documentos deprocedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produziremefeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios edos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal” (Lei de RegistrosPúblicos – Lei nº 6.015/73, art. 129, item 6º). v. também a Súmula 259 do STF (de13.12.1963, confirmada pela Corte após a entrada em vigor da Lei de RegistrosPúblicos): “Para produzir efeito em juízo não é necessária a inscrição, no registropúblico, de documentos de procedência estrangeira, autenticados por via consular”.Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 46, de 10.04.1995, ratificada em 27.11.1995(passando a vigorar no Brasil em 26.12.1995, na forma do seu art. 15) e promulgadapelo Decreto nº 1.925, de 10.06.1996.V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 255.V. BERGMAN, Eduardo Tellechea. Aplicación e información del derecho extranjeroen el ámbito interamericano, regional y en el Uruguay, cit., p. 48.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 279.Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro, cit., p. 880.Assim também Beviláqua, para quem os meios de prova do direito estrangeiro “sãoos de direito comum, excetuados naturalmente o juramento que, aliás, éincompatível com a atualidade de nosso direito e as presunções” [grifo nosso](Princípios elementares de direito internacional privado, cit., p. 69).Assim, PILLET, A. Principes de droit international privé, cit., p. 83: “Toutes lesfois qu’une définition de droit international privé faite soit par un traité, soit par laloi intérieure, soit par une coutume bien étáblie, conclut à l’application de la loiétrangère, le juge devra faire lui-même cette application, même dans le cas où lesparties ne la réclameraient pas. Obligé d’appliquer le droit consenti par l’État il est,à plus forte raison, obligé d’appliquer le droit qui s’impose à l’État”. No mesmosentido, v. SEVERO DA COSTA, Luiz Antônio. Da aplicação do direito estrangeiropelo juiz nacional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968, p. 25; e BASSO, Maristela.

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Curso de direito internacional privado, cit., p. 249-250.BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Garantia constitucional do direito à jurisdição –competência internacional da justiça brasileira – prova do direito estrangeiro, cit., p.281. Na jurisprudência, v. STJ, REsp. 254.544/MG, 3ª Turma, Rel. Min. EduardoRibeiro, j. 18.05.2000, DJ 14.08.2000, assim: “Sendo caso de aplicação de direitoestrangeiro, consoante as normas do Direito Internacional Privado, caberá ao Juizfazê-lo, ainda de ofício. Não se poderá, entretanto, carregar à parte o ônus de trazera prova de seu teor e vigência, salvo quando por ela invocado”.Nesse exato sentido, a lição de Oscar Tenório: “O juiz do foro aplica, ex officio, odireito estrangeiro. Haverá denegação de justiça se ele se recusar a aplicá-lo sobpretexto de que o ignora, ou de que suas disposições escapam ao seu entendimento.Desde que a lex fori determina que a lei estrangeira é a competente, o juiz tem odever de aplicá-la. Não poderá desprezá-la para acolher o direito interno. Se aspartes não invocam no pleito a lei estrangeira, nem por isto o magistrado se nãodeve esquivar à sua aplicação. (…) A lei alienígena é obrigatória graças àsdisposições da lei do foro. Deixar de aplicar aquela é renunciar à aplicação desta. Osilêncio dos litigantes, por outro lado, pode ter como objetivo fraudar a leicompetente, às vezes mais rigorosa. A renúncia tácita ou expressa preponderariasobre a vontade do legislador, da qual o juiz é intérprete” (Direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 147).CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Prova do direito estrangeiro, cit., p. 885.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 150.TENÓRIO, Oscar. Idem, p. 156.Lei nº 7.357, de 02.09.1985.Para o direito brasileiro anterior, cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacionalprivado…, cit., p. 475; e BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direitointernacional privado, t. I, cit., p. 238.WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 141.V. NUNES, Castro. Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense,1943, p. 321. A propósito, v. a lição de Oscar Tenório: “No domínio dainterpretação divergente não há dúvida que se enquadra no recurso extraordinário alei federal. Mas fica a controvérsia: é lei federal a norma estrangeira indicada? Ajurisprudência comparada responde pela negativa, porque não cabe à justiçaterritorial o papel de uniformizar os arestos dos tribunais estrangeiros. Há umequívoco neste argumento. Não se trata de uniformizar jurisprudência estrangeira,mas de uniformizar a jurisprudência territorial ou local na aplicação da leiestrangeira competente” (Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 163).STF, RE 93.131/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 17.12.1981, DJ23.04.1982 (com a ressalva, apenas, de que o Relator, Min. Moreira Alves, entendeu

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ser o direito estrangeiro simples fato perante a ordem jurídica doméstica, o que nãoestá correto, tendo em vista ser o direito estrangeiro direito mesmo perante a nossaordem interna, devendo, como tal, ser interpretado e aplicado pelo PoderJudiciário).STJ, Ag.Reg. no AI 23.715-6/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 12.09.1992,DJ 23.11.1992.V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 359 e 367; PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general dederecho internacional privado…, cit., p. 100-101; VALLADÃO, Haroldo. Direitointernacional privado…, cit., p. 480-481; BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação dodireito estrangeiro pelo juiz nacional, cit., p. 1353; BASSO, Maristela. Curso dedireito internacional privado, cit., p. 283; PINHEIRO, Luís de Lima. Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 647-648; MAYER, Pierre & HEUZÉ, Vincent.Droit international privé. 11. ed. Paris: LGDJ, 2014, p. 147-150; e BALLARINO,Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 101.SEVERO DA COSTA, Luiz Antônio. Da aplicação do direito estrangeiro pelo juiznacional, cit., p. 35.Segundo a justificativa da comissão de redação: “A segunda parte do dispositivoconsagra a orientação de que o direito estrangeiro deve ser aplicado, provado einterpretado como no país de origem, coincidindo com o disposto no CódigoBustamante, arts. 409 a 411”.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 231.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 359.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 138-139; PARRA-

ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacional privado…, cit., p.96-98; RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 237;BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 283; e FERRER

CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 434-435.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 11.V. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 96.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 277.V. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 99.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,

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t. I, cit., p. 234.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 208; DOLINGER,Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 327; e STRENGER, Irineu. Direitoprocessual internacional, cit., p. 26-28.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 104.IDI, Capacité de l’étranger d’ester en justice: formes de la procédure, Zurich-1877 (art. 2º, primeira parte): “Les formes ordinatoires de l’instruction et de laprocédure seront régies par la loi du lieu où le procès est instruit. Serontconsidérées comme telles, les prescriptions relatives aux formes de l’assignation(sauf ce qui est proposé ci-dessous, 2e al.), aux délais de comparution, à la natureetà la forme de la procuration ad litem, au mode de recueillir les preuves, à larédaction et au prononcé du jugement, à la passation en force de chose jugée, auxdélais et aux formalités de l’appel et autres voies de recours, à la péremption del’instance”.BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t.II, cit., p. 398.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 137.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 175.CPJI, Affaire Concernant le Paiement de Divers Emprunts Serbes émis enFrance, Série A, nº 20/21, Arrêt nº 14, p. 46 e ss.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 459-460.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 284.Cf. DOLINGER, Jacob. Idem, p. 285.Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 367-371.Para o direito italiano, v. Sentença nº 8.360, de 21.04.2005, da Corte de Cassação,admitindo o recurso de cassação por violação da lei estrangeira competente: “Aisensi dell’articolo 3 della Convenzione di Roma del 1980, il contratto é regolatodalla legge scelta dalle parti. Qualora il rapporto controverso sia regolato da leggestraniera, é ammissibile in Italia il ricorso per Cassazione per violazione di dettalegge, la cui interpretazione, al pari della legge nazionale, appartiene allacompetenza istituzionale della Corte di cassazione”.Assim, BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacionalprivado, cit., p. 70, que leciona: “Desta proposição ressalta uma consequência e éque a inobservância da lei estrangeira, ou a sua má interpretação, deve dar motivopara a promoção dos recursos que o direito faculta à parte prejudicada, quando há

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inobservância ou má interpretação do direito pátrio. (…) Ou o princípio de direitointernacional privado se ache expressamente consagrado em um texto de lei pátriaou apenas seja dele uma dedução lógica ou faça parte das normas geralmenteaceitas, o juiz deve-lhe obediência, e os particulares podem usar dos remédioslegais para alcançar o reconhecimento do seu direito”.Cf. ANDRADE, Agenor Pereira de. Manual de direito internacional privado, cit., p.124.Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 366-367; DE NOVA, Rodolfo. Legge straniera e controllo dicostituzionalità. Il Foro Padano, vol. IV, 1955, p. 1-12; MORELLI, Gaetano.Controllo della costituzionalità di norme straniere. Scritti di diritto internazionalein onore di Tomaso Perassi, vol. II. Milano: Giuffrè, 1957, p. 171-183; VALLADÃO,Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 480; BATALHA, Wilson de SouzaCampos. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 232-233; PARRA-

ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacional privado…, cit., p.100; e FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p.61-62.V. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 102. Emsentido diverso, cf. SEVERO DA COSTA, Luiz Antônio. Da aplicação do direitoestrangeiro pelo juiz nacional, cit., p. 40; e TIBURCIO, Carmen. Controle deconstitucionalidade das leis pelo árbitro: notas de direito internacional privado earbitragem. Revista de Direito Administrativo, vol. 266, maio/ago. 2014, p. 179(referindo-se, porém, não ao juiz, mas ao árbitro).V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 233; e FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol.I, cit., p. 435.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 366.V. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição:fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 37-38; MIRANDA, Jorge. Manual de direitoconstitucional, t. VI (Inconstitucionalidade e garantia da Constituição). 4. ed. rev. eatual. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 216; e PINHEIRO, Luís de Lima. Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 643-644.Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 366; BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direitointernacional privado, t. I, cit., p. 233; e BALLARINO, Tito (et al.). Dirittointernazionale privato italiano, cit., p. 102.

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STF, Ext. 541-3/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, Rel. p. acórdão Min.Sepúlveda Pertence, j. 07.11.1992, DJ 18.12.1992.STF, ADIn 4.277/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011, DJe14.10.2011.PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacional privado…,cit., p. 100.Para o estudo do controle de convencionalidade das leis no Brasil, v. MAZZUOLI,Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4. ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.No Brasil, v. decisão do STF no RE 466.343-1/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. CezarPeluso, j. 03.12.2008, DJe 12.12.2008.A Constituição da Holanda, a esse respeito, dispõe que “[a]s disposições legais emvigor no Reino deixarão de se aplicar quando colidirem com disposições de tratadosobrigatórias para todas as pessoas ou com decisões de organizações internacionais”(art. 94).JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 125.JAYME, Erik. Idem, p. 125.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 281.O STJ, nesse sentido, assim já decidiu: “Sendo caso de aplicação de direitoestrangeiro, consoante as normas do Direito Internacional Privado, caberá ao Juizfazê-lo, ainda de ofício. (…) Não sendo viável produzir-se essa prova, como nãopode o litígio ficar sem solução, o Juiz aplicará o direito nacional” (REsp.254.544/MG, 3º T. Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 18.05.2000, DJ 14.08.2000).OCTAVIO, Rodrigo. Direito internacional privado…, cit., p. 16. A propósito, v.crítica semelhante de Werner Goldschmidt sobre a aplicação judicial do DIPr naArgentina (Derecho internacional privado…, cit., p. 20-21).V. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 428.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 179.V. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p. 35-41; eVALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 492.V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos edireito interno, cit., p. 178-222.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259. Nesse exatosentido, v. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 20 e 25: “Odesenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais, cuja universalizaçãoencontrou eco nos planos interno e internacional, interfere na metodologia do DIPr,que não pode ficar alheia à sua disseminação. É preciso adequar a sua utilização aoparadigma dos direitos humanos. A ordem pública tem papel fundamental para

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equilibrar a aplicação do método conflitual, especialmente se for dado ao aplicadorda lei parâmetros para fazê-lo, o que só é possível se for utilizada a perspectivaretórico-argumentativa, estribada no desejo de encontrar a solução justa, a partir dalógica do razoável, e não mais apenas através das razões de Estado. (…) O DIPr – aoutilizar o método conflitual para determinar a lei aplicável a uma situaçãoplurilocalizada – precisa legitimar suas escolhas, seus preceitos e suas soluçõescom o respeito aos direitos humanos. A inexauribilidade dos direitos humanoscomo vetor de conduta tem aparecido cada vez mais no dia a dia dos hard cases deDIPr”.Sobre o tema, cf. SAVIGNY, Friedrich Carl von. Traité de droit romain, t. 8, cit., p.38-40; NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 484-505;BUCHER, Andreas. L’ordre public et le but social des lois en droit international privé.Recueil des Cours, vol. 239 (1993), p. 9-116; e JAYME, Erik. Identité culturelle etintégration…, cit., p. 223-245. No Brasil, v. PONTES DE MIRANDA, FranciscoCavalcanti. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 271-292;ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira. Justitia, vol.32, nº 71, São Paulo, out./dez. 1970, p. 225-227; BATALHA, Wilson de SouzaCampos. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 257-281; DOLINGER,Jacob. A evolução da ordem pública no direito internacional privado. Tese deCátedra em Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: [s.n.], 1979; DOLINGER,Jacob. Ordem pública mundial: ordem pública verdadeiramente internacional nodireito internacional privado. Revista de Informação Legislativa, ano 23, nº 90,Brasília, abr./jun. 1986, p. 205-232; CASTRO, Amilcar de. Direito internacionalprivado, cit., p. 273-292; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit.,p. 95-100; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 415-425;RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 171-176;BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 287-300;BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, cit., p.1357-1359; AUDIT, Bernard & d’AVOUT, Louis. Droit international privé, cit., p.328-341; e TIBURCIO, Carmen & BARROSO, Luís Roberto. Recognition of foreignjudgments in Brazil: notes on Brazilian substantive and procedural public policy.Panorama of Brazilian Law, vol. 2, nº 2, 2014, p. 36-41.Cf. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 406-407.No Brasil, v.g., cujo direito matrimonial é culturalmente monogâmico, a bigamia écrime tipificado no art. 235 do Código Penal, não o sendo, porém, em vários outrospaíses (especialmente da África).Sobre o caráter excepcional da ordem pública, cf. BATALHA, Wilson de SouzaCampos. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 270-272.

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V. arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Paraum estudo das normas de jus cogens na Convenção de Viena de 1969, v. MAZZUOLI,Valerio de Oliveira. Direito dos tratados, cit., p. 312-325.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 284-285.Nesse sentido, v. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direitointernacional privado, cit., p. 79, ao lembrar a célebre decisão da Corte de Venezaque definiu as normas de ordem pública como “as que concernem diretamente àproteção da organização do Estado, considerado sob o ponto de vista político,econômico e moral”.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 279.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 273.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 386. No mesmo sentido, v. FERRER CORREIA, A. Lições dedireito internacional privado, vol. I, cit., p. 418, ao falar em não reconhecimento eem impossibilidade (não em nulidade) de realização do ato para que se requer atutela jurídica.Assim também o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004: “As leis, atos públicose privados, bem como as sentenças de outro país, não terão eficácia no Brasil seforem contrários à ordem pública brasileira” (art. 20). Eis a justificativa dacomissão de redação: “O art. 20 do projeto impede que as leis, atos públicos eprivados, bem como as sentenças de outro país, tenham eficácia no Brasil, se foremcontrários à ordem pública brasileira, visto que o mais importante princípio dodireito internacional privado, tanto nas fontes internas, como nos diplomasinternacionais, é a ordem pública: regra de controle que impede a aplicação de leis,atos e sentenças estrangeiras, se ferirem a sensibilidade jurídica ou moral ou aindaos interesses econômicos do País. Qualquer lei que deva ser aplicada, qualquersentença que deva ser homologada, qualquer ato jurídico que deva ser reconhecido,deixarão de sê-lo se repugnarem os princípios fundamentais do direito, da moral eda economia do foro”.Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 341;ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira, cit., p. 227; eBATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I,cit., p. 264-265.Várias outras normas internacionais têm disposição semelhante, permitindo que nãosejam aplicadas as leis estrangeiras que violem a ordem pública doméstica. Tome-se, como exemplo, o art. 6º da Convenção da Haia de 1955 sobre os Conflitos entre

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a Lei Nacional e a Lei do Domicílio, que dispõe: “Em cada um dos Estadoscontratantes a aplicação da lei determinada pela presente Convenção pode serevitada por um motivo de ordem pública”.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 504.V. STF, Sentença Estrangeira nº 1.914/Líbano, Tribunal Pleno, Rel. Min.Themístocles Cavalvanti, j. 13.12.1967, DJ 15.03.1968. Sobre o tema, v. CALIXTO,Negi. O “repúdio” das mulheres pelo marido no direito muçulmano, visto peloSupremo Tribunal Federal. Revista de Informação Legislativa, ano 20, nº 77,Brasília, jan./mar. 1983, p. 279-296; DOLINGER, Jacob. A família no direitointernacional privado, t. 1, cit., p. 253-254 e 318-324; e VALLADÃO, Haroldo.Reconhecimento de divórcio decretado pela justiça muçulmana com base norepúdio. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direitointernacional privado: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.549-554 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV). Lembre-seque após a Emenda Constitucional 45/2004, a competência para homologarsentenças estrangeiras passou a ser do STJ (CF, art. 105, I, i).JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 193.Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 344-345; NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 413-414;DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 402; e FERRER CORREIA,A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 417-418.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 402.V. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 414.Cf. ANDRADE, Agenor Pereira de. Manual de direito internacional privado, cit., p.131; DOLINGER, Jacob. Ordem pública mundial…, cit., p. 208; e BALLARINO, Tito (etal.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 110.Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 275.FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 411.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 80. Assim também a lição de Rodrigo Octavio: “(…) a ordem pública nãocorresponde a um conceito absoluto e idêntico no tempo e no espaço, mas a umanoção móvel de país a país e ainda no mesmo país de tempos a tempos. Isso explicaas transformações que se têm operado no modo prático de se considerar as relaçõesde ordem pública, sentimento que se vai abrandando de modo sensível à proporçãoque internamente, dentro de certos países, se modifica o sentimento em relação adeterminados institutos jurídicos” (Direito internacional privado…, cit., p. 148).Sobre a união homoafetiva na jurisprudência do STF, v. MAZZUOLI, Valerio de

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Oliveira. Curso de direitos humanos, cit., p. 264-265.BATALHA, Wilson de Souza Campos & RODRIGUES NETTO, Sílvia Marina L. Batalhade. O direito internacional privado na Organização dos Estados Americanos,cit., p. 93. Assim também DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit.,p. 390: “A instabilidade do que possa ofender a ordem pública obriga o aplicador dalei a atentar para o estado da situação à época em que vai julgar a questão, semconsiderar a mentalidade prevalente à época da ocorrência do fato ou ato jurídico.Assim, só se negará aplicação de uma lei estrangeira se esta for ofensiva à ordempública do foro à época em que se vai decidir a questão, sem indagar qual teria sidoa reação da ordem pública do foro à época em que se deu o ato jurídico ou aocorrência sub judice”. Na jurisprudência, v. sentença da Corte de Cassaçãofrancesa de 23.11.1976 (Affaire Marret c. Office de la Jeunesse de Starnberg), inANCEL, Bertrand & LEQUETTE, Yves. Les grands arrêts de la jurisprudencefrançaise de droit international privé, cit., p. 533-538.Cf. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 131.Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 388-389.Sobre o tema, v. o estudo aprofundado de SANTOS, António Marques dos. As normasde aplicação imediata no direito internacional privado: esboço de uma teoriageral. Coimbra: Almedina, 1991 (2 vols.). Cf. ainda, EEK, Hilding. Peremptorynorms and private international law. Recueil des Cours, vol. 139 (1973-II), p. 9-73;PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacional privado…,cit., p. 161-186; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 95-100; FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacionalprivado: lois de police. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 25-141; AUDIT, Bernard& D’AVOUT, Louis. Droit international privé, cit., p. 161-171; e SYMEONIDES,Symeon C. Codifying choice of law around the world: an international comparativeanalysis. Oxford: Oxford University Press, 2014, p. 299-311.Para o desenvolvimento pioneiro do tema, v. os estudos de FRANCESCAKIS, Phocion.Quelques précisions sur les “lois d’application immédiate” et leurs rapports avec lesrègles de conflits de lois. Revue Critique de Droit International Privé, vol. 55(1966), p. 1-18; Lois d’application immédiate et règles de conflit. Rivista di DirittoInternazionale Privato e Processuale, vol. 3 (1967), p. 691-698; e Loisd’application immédiate et droit du travail. Revue Critique de Droit InternationalPrivé, vol. 63 (1974), p. 273-296. Foram os estudos de Francescakis queincorporaram ao DIPr, definitivamente, as normas de aplicação imediata,demonstrando a sua importância para as questões que envolvem a teoria do conflitode leis.

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Nesse sentido, v. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derechointernacional privado …, cit., p. 120; KASSIS, Antoine. Le nouveau droiteuropéen des contrats internationaux. Paris: LGDJ, 1993, p. 180-181; BUCHER,Andreas. L’ordre public et le but social des lois en droit international privé, cit., p.39; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 98; FRIEDRICH,Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacional privado…, cit., p.25 e 87; AUDIT, Bernard & d’AVOUT, Louis. Droit international privé, cit., p. 163; eBALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 78.Essa também a lição de BUCHER, Andreas. L’ordre public et le but social des lois endroit international privé, cit., p. 39: “Elles s’appliquent directement etimpérativement à certaines situations internationals, sans qu’il y ait lieu de seréférer à une regle bilatérale de conflit, susceptible de designer une loi étrangère”.Nada a respeito das normas imperativas se encontra na LINDB.Sobre esse último aspecto, v. o estudo de MARQUES, Claudia Lima & JACQUES,Daniela Corrêa. Normas de aplicação imediata como um método para o direitointernacional privado de proteção do consumidor no Brasil. In: MIRANDA, Jorge,PINHEIRO, Luís de Lima & VICENTE, Dário Moura (Coord.). Estudos em memória doProfessor Doutor António Marques dos Santos, vol. I. Coimbra: Almedina, 2005,p. 95-133.Verbis: “Art. 3º, § 1º. Les lois de police et de sûreté obligent tous ceux qui habitentle territoire”. Trata-se, como se nota, de regra unilateral francesa, mas que ajurisprudência daquele país vem interpretando como norma mista, assim entendida:“Les lois de police et de sûreté en vigueur dans un pays quelconque obligent tousceux qui se trouvent sur un territoire déterminé”. Para detalhes, v. NIBOYET, J.-P.Cours de droit international privé français, cit., p. 378. Na Suíça, a Lei Federal deDireito Internacional Privado, de 18.12.1987, estabeleceu, no art. 18, que “ficamreservadas as disposições imperativas do direito suíço que, em razão de seu objetivoparticular, são aplicáveis independentemente do direito designado pela presente lei”.Na Itália, a Lei nº 218, de 31.05.1995, que reformou o sistema italiano de DIPr, damesma forma, dispôs que o sistema interno de DIPr não será aplicado quandopresentes “normas italianas que, em consideração ao seu objeto e ao seu escopo,devem ser aplicadas independentemente da competência da lei estrangeira” (art. 17).Sobre essa norma, v. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privatoitaliano, cit., p. 78-79.Assim, v. FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacionalprivado…, cit., p. 26 e 47, que leciona: “Nesse sentido, para que uma norma possaser alçada à categoria de norma imperativa, ela deve ter sido acolhida pelo país acujo ordenamento jurídico pertence e ter dele recebido uma valoração superior àsdemais normas, sobrepondo-se a elas. (…) A certeza nesse assunto está no fato de

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que o conteúdo da norma estará inevitavelmente vinculado à política estatal queopta, de forma vinculada ou discricionária, por atribuir superioridade aregulamentações de determinados assuntos em detrimento de outras”.Cf. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 172-175.V. KASSIS, Antoine. Le nouveau droit européen des contrats internationaux, cit.,p. 181; e BUCHER, Andreas. L’ordre public et le but social des lois en droitinternational privé, cit., p. 39.V. FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacionalprivado…, cit., p. 29.V. EEK, Hilding. Peremptory norms and private international law, cit., p. 48, nota 19.FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacionalprivado…, cit., p. 27.Para detalhes, v. FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Idem, p. 62-70.V. PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 177.V. FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacionalprivado…, cit., p. 238, que leciona: “Para evitar a natural tendência de se utilizar ocaminho mais fácil e aplicar sempre a norma local, alegando ser imperativa, a estadeve-se recorrer em casos excepcionais, ou seja, quando realmente se tratar de umassunto que foi merecedor de regulamentação peremptória do Estado”.V. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 82-88; NIBOYET, J.-P.Cours de droit international privé français, cit., p. 512-519; PONTES DE MIRANDA,Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 293-314; PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 137-159; ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição danorma estrangeira, cit., p. 227-228; CASTRO, Amilcar de. Direito internacionalprivado, cit., p. 210-215; DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit.,p. 421-436; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 425-428;BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, cit., p.1.359-1.361; e AUDIT, Bernard & d’AVOUT, Louis. Droit international privé, cit., p.266-278.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 364. Há exceções,evidentemente, em que mesmo havendo intenção deliberada de alteração doelemento de conexão, não se cogitará de fraude à lei, a exemplo dos casos demudança de estatuto para a garantia de direito (v.g., de se casar, se divorciar etc.)não existente no regime anterior (v. infra).Muitas legislações internas dispõem expressamente sobre a exceção de fraude à lei,

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tal como fez o art. 21 do Código Civil português de 1966, nestes termos: “Naaplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações de fato ou de direitocriadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutrascircunstâncias, seria competente”. No Brasil, o Projeto de Lei nº 4.905/95,estabeleceu que “não será aplicada a lei de um país cuja conexão resultar de vínculofraudulentamente estabelecido” (art. 17).Destaque-se, a propósito, que não há na LINDB norma expressa sobre a exceção defraude à lei. No Brasil, contudo, está em vigor a citada Convenção Interamericanasobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, de 1979, que versaexpressamente o tema no referido art. 6º.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 85.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 426.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 509.VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 480-481.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 371.Para detalhes, v. GABBA, Carlo Francesco. Le second mariage de la Princesse deBeauffremont et le droit international. Paris: [s.n.], 1877. Ainda sobre o caso, cf.NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 513; ARANHA,Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira, cit., p. 228; BATALHA,Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p.247-248; PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 138-140; e PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 562.Tome-se, como exemplo, o art. 20, § 3º, da Convenção Americana sobre DireitosHumanos de 1969: “A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade,nem do direito de mudá-la”.STF, RE 466.343/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 03.12.2008, DJe12.12.2008.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 423.Sobre o controle de convencionalidade das leis, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Ocontrole jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. rev. e atual. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2013. Para um estudo comparado do controle deconvencionalidade na América Latina, v. MARINONI, Luiz Guilherme & MAZZUOLI,Valerio de Oliveira (Coord.). Controle de convencionalidade: um panorama latino-americano (Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai). Brasília: GazetaJurídica, 2013.Cf. BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Diritto internazionale privato italiano, cit., p.94; e PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacional

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privado…, cit., p. 146-147.PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 565.FOLLEVILLE, Daniel de. Traité théorique et pratique de la naturalisation: études dedroit international privé. Paris: A. Marescq, 1880, p. 291: “Quant à nous, notreopinion n’est ni équivoque ni ambigue. Nous penson fermement que la fraus legisne peut, en aucun cas et sous aucun prétexte, ètre alléguée à l’encontre d’unenaturalisation acquise, par un Français, en pays étranger”.A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, assim estabelece no seuart. XVIII: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência ereligião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e aliberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo cultoe pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.O exemplo é de BATIFFOL & LAGARDE (referindo-se à decisão de tribunal sírio)citado por DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 427.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 375.Cf. NIBOYET, J.-P. Cours de droit international privé français, cit., p. 515-518;ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira, cit., p. 229;PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacional privado…,cit., p. 141-142; CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 214;STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 426; AMORIM, Edgar Carlosde. Direito internacional privado, cit., p. 58; PINHEIRO, Luís de Lima. Direitointernacional privado, vol. I, cit., p. 564-567; e MAYER, Pierre & HEUZÉ, Vincent.Droit international privé, cit., p. 193-194.V. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 566.ARANHA, Adalberto José de Camargo. Rejeição da norma estrangeira, cit., p. 229.Cf. BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Diritto internazionale privato italiano, cit., p.94; e PARRA-ARANGUREN, Gonzalo. Curso general de derecho internacionalprivado…, cit., p. 146-147.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 248 (colhendo as opiniões de Niederer, Anzilotti, Pacchioni e Quadri).DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 429.V. Acórdão do Tribunal de Relação do Porto (Portugal) – “Revisão de sentençaestrangeira”, Processo nº 5948/08-3, Rel. Des. Carlos Portela, j. 07.05.2009,assim: “Por outro lado, não há indícios de que a competência do Tribunal queproferiu a sentença revidenda tenha sido provocada em fraude à lei. (…) Em suma epelo conjunto de razões acabadas de expor, não se vislumbram obstáculos à revisãoe confirmação, que aqui foram requeridas”.DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 426.

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Cf. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 568.Assim também a lição de Niboyet: “Quelle est la nature exacte de la sanction? C’estune inopposabilité. Le résultat illicite escompté, même obtenu, a été inopposableen France” (Cours de droit international privé français, cit., p. 518).BAPTISTA, Luiz Olavo. Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, cit., p.1361.Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado…, cit., p. 177.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 252-253.Cf. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 61.V. ANCEL, Bertrand & LEQUETTE, Yves. Les grands arrêts de la jurisprudencefrançaise de droit international privé, cit., p. 39-46.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 254.ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 290.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 428-429.Caso típico, na Itália, diz respeito à aquisição de bens imóveis situados no país. v.BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 104-105.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. I, cit., p. 255.V. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 343-344.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 431.V. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 286.V. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, vol.V (arts. 476 a 565). 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 71-72.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 431.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 446.Redação dada pela Lei nº 9.047/95. Para uma visão anterior da regra, v. VALLADÃO,Haroldo. O princípio da lei mais favorável no DIP. Revista da Faculdade de Direitoda Universidade de São Paulo, vol. 76 (1981), p. 58-59.Para detalhes, v. Parte II, Cap. IV, item 3, infra.Cf. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 83.Cf. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 453-454.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 551.V. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 460-461.

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V. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 113-122.Para o procedimento ante o STJ, v. Regimento Interno do tribunal (arts. 216-A a216-N).FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 454.Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil,vol. V, cit., p. 71-72; e FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado,vol. I, cit., p. 455-456.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 490-491;BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V,cit., p. 64; DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p.248-253; ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 273-274; eFERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 456-460.V. art. 216-A, § 1º, do Regimento Interno do STJ: “Serão homologados osprovimentos não judiciais que, pela lei brasileira, tiverem natureza de sentença”.V. art. 216-F do Regimento Interno do STJ: “Não será homologada a decisãoestrangeira que ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou aordem pública”. Esse o motivo, v.g., pelo qual não se vai homologar sentença dedivórcio do direito muçulmano com repúdio (talak) imposto à mulher (v. STF,Sentença Estrangeira nº 1.914/Líbano, Tribunal Pleno, Rel. Min. ThemístoclesCavalvanti, j. 13.12.1967, DJ 15.03.1968).V. STJ, SE 15.079/ES, Decisão Monocrática, Rel. Min. Francisco Falcão, j.05.04.2016: “O presente caso versa sobre sentença estrangeira relativa a divórcioconsensual qualificado, que, além da dissolução do matrimônio, compreendedisposição sobre guarda de filhos menores. Tendo em vista o início de vigência donovo Código de Processo Civil no dia 18.3.2016, de acordo com o qual esse tipo desentença estrangeira continua exigindo homologação do Superior Tribunal deJustiça, cite-se a parte requerida, por carta de ordem, no endereço indicado nainicial”. No mesmo sentido, v. STJ, SE 15.204/DE, Decisão Monocrática, Rel. Min.Francisco Falcão, j. 21.03.2016; e STJ, SE 15.181/DE, Decisão Monocrática, Rel.Min. Francisco Falcão, j. 05.04.2016.

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1.

Capítulo VIII

Direito Internacional PrivadoPós-Moderno

Introdução

É chegado o momento de investigar as novas tendências do DIPr,responsáveis por direcionar as medidas legislativas e as decisõesjudiciárias em matéria de conflitos de leis doravante.

De fato, o DIPr atual vem passando por transformações jamais sentidas,que estão a demandar detida análise e compreensão. A principal delas liga-se à influência que os valores pós-modernos1 têm exercido sobre asciências jurídicas em geral,2 e sobre o DIPr, em especial.3

Somente a compreensão desse novo DIPr – ou DIPr pós-moderno – ede seus valores fundamentais será capaz de conduzir as decisões judiciáriasà desejada justiça material (retórico-argumentativa, não mais lógico-sistemática ou formalista) fundada no valor da pessoa enquanto sujeito dedireitos.4

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2. Diálogo com Erik Jayme

Já se disse (v. Cap. I, item 1.3, supra) que uma das principaiscaracterísticas do DIPr na pós-modernidade é a recepção dos valores dosdireitos fundamentais (constitucionais) e dos direitos humanos (decorrentesde tratados internacionais) na técnica habitual de solução dos conflitos deleis estrangeiras no espaço, cujo principal impacto se faz sentir naampliação da missão tradicional da disciplina rumo à maior “humanização”do método conflitual.

Não apenas, porém, a influência das normas sobre direitos fundamentaise direitos humanos constitui a marca única da pós-modernidade a recairsobre o DIPr, senão também sobre ele operando outros fatores, como bempercebido por Erik Jayme no seu Curso da Haia de 1995.

Nas linhas abaixo pretendeu-se verificar quais esses fatores (valores)contemporâneos a influenciar o DIPr no momento atual, sobretudo o DIPrbrasileiro. Em outras palavras, buscou-se compreender os valoreselencados pelo mestre de Heidelberg com o fim de aplicá-los ao nossoDIPr.

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3.

3.1

O novo DIPr e os valores pós-modernos

Para falar como Erik Jayme, o DIPr, atualmente, não obstante preservara sua estrutura tradicional, relativa à resolução dos conflitos de leis noespaço, está, ao mesmo tempo, aberto à realização de novos e importantesvalores.5 Tal significa que o DIPr não deixou de ser a tradicional “ciênciados conflitos de leis”, cuja prioridade é resolver conflitos de leis no espaçocom conexão internacional, senão que atualmente tem recebido a influênciade novos valores, tornando-o mais apto para resolver os problemas típicosda pós-modernidade.

De fato, o DIPr tradicional (savignyano) era, como explica FernándezRozas, mero “direito de conexão”, excessivamente formalista e caprichoso,com regras de conexão predeterminadas, que começaram a sentir certaflexibilização a partir do direito norte-americano (e posteriormenteeuropeu); na doutrina, da mesma forma, foi-se pretendendo cada vez maissuperar a função localizadora da norma conflitual à luz de novos topoi(linhas de raciocínio; argumentos) centrados na superação do formalismo eda retórica que inspiraram o modelo tradicional.6 Do método frio delocalização do direito aplicável, passou-se à busca de um resultadomaterialmente justo, quer pela escolha do elemento de conexão adequado,quer pelo controle e modelagem da solução material do caso.7 Essa novaorientação metodológica “está comprometida com uma jurisprudência deinteresses e valores, em favor de decisões que, ao solucionar o conflito deleis, não ignorem as consequências do caminho encontrado”.8

Esses novos valores, que também representam os traços da culturacontemporânea, são, segundo Erik Jayme, essencialmente quatro: opluralismo, a comunicação, a narração e o retorno dos sentimentos.9

Cada qual há de ser compreendido à luz de sua influência no DIPr atual.

Pluralismo (diversidade cultural)

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O primeiro grande traço da cultura pós-moderna, segundo Erik Jayme, éo pluralismo, representado, entre outros, pelo “direito à diferença”.10 Defato, tanto na Europa como em outros continentes se tem notado, comfrequência cada vez maior, a aparição de normas internacionais destinadasà garantia da diversidade cultural. Essa diversidade não contradiz o idealmaior da proteção dos direitos humanos de igualdade entre as pessoas, semdistinção de sexo, raça, língua ou religião, senão apenas acentua que assituações diferentes devem ser também tratadas diferentemente.11

Se é certo que os “diferentes” obtiveram consideráveis vitórias desde ofinal da Segunda Guerra, não é menos verdadeiro que os seus problemasainda persistem, principalmente quando se sabe que os conflitos surgidosentre essas “diferenças” ainda têm sido resolvidos de modo a não asrespeitar (ou, melhor diríamos, de modo a não compreender que a“diferença” exige métodos também “desiguais” de solução de conflitos). Aomenos os sistemas (global e regionais) de proteção dos direitos humanostêm feito a sua parte, podendo-se mesmo dizer que se a igualdadeinternacionalmente postulada – sobretudo pelas convenções da ONU –ainda não é real, ao menos ela “existe de jure em quase todos os países”.12

A diversidade cultural, cuja visualização tem se mostrado mais nítida apartir da revolução nas comunicações, tem causado grande impacto nodireito em geral e no direito internacional em especial, que têm buscadocerta adaptação a tais “diferenças” e procurado “resolver” (sem muitametodologia, é certo, ainda que com boa vontade) os conflitos que entreelas estão a surgir. É nítida, portanto, a conexão entre cultura e direito,dado que “os aspectos culturais influem decisivamente na validade eeficácia das normas jurídicas”, além de reforçarem ou diminuírem “o graude comprometimento em face dos três complexos de normas que constituemo direito internacional: as regras constitucionais ou princípios normativosfundamentais da política mundial; as regras de coexistência e as regras decooperação”.13 Nesse sentido, v.g., a Declaração e Programa de Ação deViena (1993) determina que os Estados levem em consideração, para aproteção dos direitos humanos, as “particularidades nacionais e regionais”,assim como “diversos contextos históricos, culturais e religiosos” (item 5).De qualquer sorte, parece certo que o Direito Internacional (notadamente o

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Direito Internacional dos Direitos Humanos) não tem restado inerte face aessas transformações. A meta do direito contemporâneo, contudo, é avançarno tema (esse também o papel da doutrina) e transformar a proteção de jurepresente nas normas internacionais de direitos humanos também emproteção de facto, para, somente assim, efetivamente garantir o direito aopluralismo e à diferença.

Essa constatação, perceba-se, tem notória importância no que tange aoestatuto pessoal em DIPr. De fato, como observado por Erik Jayme, a ideiade identidade cultural atribui ao princípio da nacionalidade melhor aptidãopara ligar culturalmente uma pessoa a dada ordem jurídica que um vínculomeramente local. Assim, se todas as partes no processo “possuírem amesma nacionalidade, a aplicação da sua lei nacional parece maisapropriada para salvaguardar a sua identidade cultural”.14

Em outras situações, a lei nacional que protege a identidade cultural nãoé levada em consideração, mas, nem por isso, deve ser afastada. A soluçãomais justa, que garante a identidade cultural nesses casos, seria aplicar ateoria das “duas fases” (Zweistufentheorie). Jayme exemplifica a aplicaçãodessa teoria com um caso julgado pelo tribunal de Hidelberg, que, segundoele, constituiu “uma decisão exemplar”.15 Tratava-se de ação relativa àvalidade de um casamento de um homem alemão casado nos Camarões comuma mulher cameronense. À época do casamento, contudo, o homem aindamantinha vínculo conjugal com uma cidadã do Quênia, posteriormentedissolvido por tribunal alemão. Após a morte do marido, e já instalada naAlemanha, a viúva cameronense pretendeu receber sua pensão por morte. OMinistério Público ingressou no tribunal com um pedido de nulidade docasamento invocando o instituto da bigamia como causa da nulidade. Otribunal rejeitou a demanda. Não obstante a lei aplicável ser a alemã, queproíbe a poligamia, o tribunal baseou sua decisão na existência de umabuso de direito, levando em conta que a viúva cameronense provinha deuma cultura diferente da alemã, que a fazia crer na validade do matrimônio.Ademais, o tribunal também considerou os fatos de que a viúva sequerfalava alemão e vivia num restrito círculo cultural, o que adescontextualizava da ordem cultural alemã. Eis, então, a teoria das “duasfases”. O tribunal submeteu a validade do casamento de um alemão com

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uma cameronense às leis nacionais alemãs (primeira fase da solução doconflito de leis) para, depois, decidir a questão à luz da lei cameronense(segunda fase da solução conflitual). Aplicou-se uma lei internacameronense que, em princípio, seria proibida sob a ótica estritamentenacional alemã, porém levando em consideração elementos culturais deestraneidade, o que possibilitou um resultado final sobretudo justo.

Se a ação tivesse de ser julgada no Brasil, a um mesmo resultado sechegaria aplicando o princípio da boa-fé objetiva, previsto, inter alia, peloart. 113 do Código Civil de 2002: “Os negócios jurídicos devem serinterpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.16

Perceba-se que além da boa-fé (que a cidadã cameronense, no exemplodado, efetivamente tinha, pois se casou acreditando na validade domatrimônio) o Código Civil brasileiro exige que o negócio jurídico sejainterpretado segundo os usos do lugar de sua celebração (no caso, os usos,inclusive matrimoniais, da República dos Camarões). Na hipótese, seria detodo injusto desprestigiar a boa-fé – baseada também no princípio daconfiança entre as partes – da cidadã cameronense, que se casou em seupaís segundo as suas leis e costumes, para aplicar exclusivamente a lei deoutro Estado, que lhe retirava direitos expectados. Transportada, portanto, aquestão para o DIPr brasileiro, percebe-se nitidamente que o Código Civilde 2002 também garante o direito à identidade cultural das partes noprocesso, à medida que impõe, para os negócios jurídicos em geral, aobservância dos usos do lugar de sua celebração, com notória importânciapara a solução dos conflitos de DIPr. Essa constatação representa nítida“abertura” do sistema jurídico pátrio à aceitação da identidade culturalcomo fator de sopesamento (e de conexão) da norma interna sobre conflitode leis, reconhecendo – para fazer alusão a Coulanges, no seu A cidadeantiga – que os estrangeiros não comungam dos mesmos deuses que osnacionais.17

Em suma, o respeito à identidade cultural passa a ter cada vez maislugar (e reconhecimento) no âmbito da ciência do conflito de leis, sendoperfeitamente capaz de moldar as regras conflituais tradicionais em razãoda garantia desse valor maior. Para tanto, como diz Fernández Rozas, asregras do DIPr precisam obedecer ao sistema de regra/exceção, tomando os

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direitos humanos como paradigma argumentativo e retórico (em abandonoao critério tradicional lógico-sistemático ou formalista) para a resoluçãodos conflitos normativos atuais.18

Comunicação

Outro fenômeno que se constata com nitidez na era atual, capaz deinfluenciar o DIPr do nosso tempo, é a comunicação intercultural. Não setrata, segundo Erik Jayme, apenas da rapidez dos meios de comunicação emgeral (como o rádio, a televisão, a Internet etc.), senão também da própriavontade das pessoas em se contatar umas com as outras “se integrando numasociedade mundial sem fronteiras”.19

Tal comunicação impactua no DIPr em diversos contextos: facilita acolaboração entre juízes de diferentes países; coordena a comunicação daspartes no do processo (na Alemanha, v.g. um esposo pode solicitar aotribunal que ordene ao outro que o comunique sobre a extensão do seupatrimônio); e permite, sobretudo, o “diálogo das fontes” (Constituição,leis, tratados etc.) como método mais consentâneo à solução dos conflitosde leis atuais.20

Narração

O terceiro elemento da cultura pós-moderna, também segundo ErikJayme, é a narração. No universo jurídico, a narração se faz nítida a partirda emergência das chamadas “normas narrativas”, que não obrigam aspartes, mas descrevem valores que devem ser levados em conta quando daresolução, pelo Poder Judiciário, do conflito normativo sub judice.21

Destaque-se que em 1983 o Institut de Droit International, sob arelatoria de Michel Virally, dedicou expressiva parte de sua sessão deCambridge à análise da distinção entre “textos internacionais de caráterjurídico nas relações mútuas entre seus autores” e “textos internacionaisdesprovidos desse caráter”. Os membros do Institut constataram que os

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Estados frequentemente adotam textos dos mais variados e sob diversasdenominações, os quais, pela vontade expressa ou tácita das partes, sãodesprovidos de caráter propriamente jurídico. Naquela ocasião também seconstatou que, ainda que a vontade dos Estados não esteja clara quanto àcriação de efeitos jurídicos por parte desses textos, fica muito difícildeterminar o caráter jurídico ou não dos mesmos, por apresentarem todosuma certa zona cinzenta entre o universo do direito e do não direito.22 Talconstatação implica a existência de normas (arranjos, ajustes, declarações,diretrizes, programas de ação etc.) não obrigatórias segundo o DireitoInternacional Público, bem assim de diretivas que deixam aos seusdestinatários certa margem de apreciação no que toca ao seucumprimento.23

Um dos fatores da proliferação de tais arranjos, segundo Virally,certamente encontra raízes na flutuação da atual conjuntura econômicainternacional, que demanda flexibilidade na aplicação de seus acordos, e noprogresso técnico galopante, cujos efeitos se fazem sentir de forma imediatanas relações internacionais.24 Além do mais, as transformações dasociedade internacional nos últimos tempos foram tantas que se tornoudifícil saber apropriadamente a natureza e o caráter jurídico desses váriosnovos instrumentos que aparecem diuturnamente, especialmente os acimacitados, relativos à conjuntura econômica internacional e também a algunsdiretamente ligados à proteção internacional dos direitos humanos e domeio ambiente.25

A necessidade de adaptação da ordem internacional a essas novastemáticas emergentes no Direito Internacional em geral, ligada àflexibilidade que a regulação e a acomodação dos interesses ali presentesdemandam, faz com que surjam inúmeras dúvidas em relação ao caráterjurídico desses textos, emergidos da prática da diplomacia multilateral noséculo XX.26 Muitos desses arranjos pertencem à categoria das chamadasnormas de soft law, que não contêm sanções propriamente jurídicas para ocaso de seu descumprimento, podendo impor, porém, sanções de índolemoral aos Estados que as violem.27

Outra categoria de normas emergida desse fenômeno é a que Erik Jayme

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nomina de “narrativas”.28 Ainda que também não criem obrigaçõesestritamente jurídicas, tais normas comportam certos valores que podem(devem) ser levados em consideração pelos juízes quando pertinentes àresolução de determinado conflito de leis. Trata-se de normas, como se vê,que não resolvem propriamente a questão de DIPr sub judice, mas auxiliamo julgador na tarefa decisória, possibilitando que encontre o “centro degravidade” da relação jurídica.

As normas narrativas, apesar de semelhantes, não se confundem,contudo, com as conhecidas normas de soft law, típicas do DireitoInternacional Público. As normas narrativas têm lugar no plano do DIPrcom um plus relativamente às normas de soft law: descrevem valores e têmpoder de persuasão. São normas que auxiliam nas soluções dos conflitosinterespaciais, também influenciando os Estados quanto à ação a ser tomadaem eventual codificação legislativa (podendo-se constituir emrecomendações, leis-modelos, códigos de conduta ou, até mesmo, emtratados não ratificados).

Os juízes, em suma, diante de um caso sub judice de conflitointerespacial têm ao seu dispor as chamadas “normas narrativas” comoauxílio para a determinação do direito aplicável. Tais normas, apenar denão imporem obrigações diretas, têm a potencialidade de conduzir oentendimento do julgador rumo a uma decisão final sempre mais coerente.

Retorno dos sentimentos

Por fim, a quarta característica da cultura pós-moderna, capaz deinfluenciar a aplicação do DIPr no momento atual, é, segundo Erik Jayme, oretorno dos sentimentos, de que é exemplo a proteção da identidadecultural, já referida.29

No Brasil, v.g., discute-se se tem assento constitucional o chamado“direito à felicidade”.30 Pode-se indagar, nesse sentido, se o mesmo nãoconotaria certa forma de retorno dos sentimentos.

No âmbito do STF, foi pioneiro no uso da expressão “direito à busca da

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felicidade” o Min. Carlos Velloso, no ano de 2005.31 Foi, contudo, poucomais tarde, com as manifestações do Min. Celso de Mello, especialmenteno voto relativo às uniões homoafetivas, que a Suprema Corte passou afirmar definitivamente o princípio entre nós. Eis um trecho do voto do Min.Celso de Mello: Nesse contexto, o postulado constitucional da busca dafelicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia oprincípio da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevono processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais,qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator deneutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possacomprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquiasindividuais.32

Destaque-se que a ideia do direito à felicidade, tal como expressa najurisprudência do STF, provém da Declaração de Independência dosEstados Unidos, de 4 de julho de 1776, que, logo em sua abertura, assimdispõe: Consideramos essas verdades como evidentes por si mesmas, quetodos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitosinalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a busca dafelicidade.

Indaga-se, assim, se o “direito à felicidade” – independentemente dasdiscussões que sobre o tema se colocam – poderia ser também uma formade retorno dos sentimentos, para falar como Erik Jayme.33 Trata-se decomplexa questão a ser (doravante) discutida. De fato, se o direito àfelicidade, em última análise, decorre da dignidade da pessoa humana,seria possível questionar se não teria aptidão para também balizar asdecisões judiciárias em matéria de DIPr.

Para nós, seguindo a tendência atual do DIPr de superação cada vezmais crescente da mera função localizadora das normas de conflito, épossível fazer operar o direito à felicidade como parâmetro retórico-argumentativo à aplicação dos (predefinidos e herméticos) elementos deconexão existentes, o que vem consagrar, de uma só vez, a abertura do DIPraos valores contemporâneos e seu ingresso na pós-modernidade jurídica.

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4.

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Conclusão

O DIPr pós-moderno, foi possível perceber, pauta-se em valoresuniversalmente reconhecidos (tais a diversidade cultural, a comunicação, anarração e o retorno dos sentimentos) para impregnar nas regras conflituaisdos diversos Estados verdadeira axiologia de proteção. Tais valoresrepresentam a baliza atual para a aplicação das regras conflituais de DIPr,as quais, não obstante ainda operarem tal como originalmente concebidas,têm experimentado enorme oxigenação retórico-argumentativa, afastando-secada vez mais o sistema lógico-sistemático (formalista) ainda presente nojogo conflitual.34

A função do juiz nesse novo complexo metodológico é, como se nota, deimportância fundamental. Requer sensibilidade, para lidar com sereshumanos de origens e costumes em nada semelhantes, e astúcia, paracompreender a missão do DIPr no mundo globalizado e não se deixarenganar pelas armadilhas das regras conflituais.

O juiz formalista, insensível, que não se preocupa com o resultado dadecisão, senão apenas friamente aplica as regras conflituais positivas, nãotem lugar (qualquer lugar) nesse novo cenário, eis que não responde aosanseios de justiça que a pós-modernidade requer.

À luz desses valores pós-modernos é que se deve, então, compreender aParte Especial do DIPr brasileiro, que agora se estudará.

Sobre a influência desses valores na mudança de estatuto do saber, v. LYOTARD,Jean-François. A condição pós-moderna. 10. ed. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Riode Janeiro: José Olympio, 2008, p. 3-9.Para uma análise da influência da pós-modernidade no direito em geral, v. GHERSI,Carlos Alberto. La posmodernidad jurídica: una discusión abierta. Buenos Aires:Gowa, 1999; e BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade (e reflexõesfrankfurtianas). 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária,2009.

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Sobre a influência da pós-modernidade no DIPr em particular, v. especialmenteJAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 246-264 (em quem iremosnos fundamentar).V. FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privadoen el umbral del siglo XXI, cit., p. 7-10.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 246.FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privado enel umbral del siglo XXI, cit., p. 7. Assim também é a tendência do direito argentinoatual, como demonstra DREYZIN DE KLOR, Adriana. A propósito de los principios ylas fuentes de las normas de derecho internacional privado en el Código Civil yComercial. Revista de la Facultad, vol. VI, nº 1, Córdoba, 2015, p. 3-4.V. PINHEIRO, Luís de Lima. Direito internacional privado, vol. I, cit., p. 326(citando Neuhaus); DÍAZ LABRANO, Roberto Ruiz. Derecho internacionalprivado…, cit., p. 202; e FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacionalprivado, vol. I, cit., p. 133-134.ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 14.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 246-247. Aceitando tambémesses valores como traços da cultura pós-moderna, v. CASELLA, Paulo Borba.Fundamentos do direito internacional pós-moderno. São Paulo: Quartier Latin,2008, p. 70-72.Sobre essa expressão, cf. DUPUY, René-Jean. La clôture du système international:la cité terrestre (Grand Prix de Philosophie de l’Académie Française). Paris: PUF,1989, p. 115.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 251.LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos na pós-modernidade. SãoPaulo: Perspectiva, 2005, p. 12.AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Entre ordem e desordem: o direito internacional emface da multiplicidade de culturas. Revista de Direito Constitucional eInternacional, ano 8, nº 31, São Paulo, abr./jun. 2000, p. 31.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 253.JAYME, Erik. Idem, p. 254. O caso foi julgado em 15.01.1985 e confirmado peloTribunal Superior Regional de Karlsruhe em 12.07.1985 (v. IPRax, 1986, p. 165-166).V. também os arts. 187 e 422 do mesmo Código, respectivamente: “Tambémcomete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamenteos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bonscostumes”; “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão docontrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Destaque-se

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que o STJ, em diversos julgamentos, tem aplicado o princípio da boa-fé objetiva,especialmente no que tange às relações de consumo. Dentre tantos outros, cf. REsp.1.411.431/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 04.11.2014, DJe10.11.2014; AgRg no AREsp. 171.661/SP, 3ª Turma, Rel Min. Ricardo Villas BôasCueva, j. 18.11.2014, DJe 28.11.2014; AgRg no AREsp. 590.529/PB, 4ª Turma,Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 20.11.2014, DJe 26.11.2014; e AgRg no AREsp.416.164/PE, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 02.12.2014, DJe10.12.2014. Para um estudo pioneiro do tema, v. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-féno direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Ed. RT,2000.Cf. COULANGES, Fustel de. La cité antique: étude sur le culte, le droit, lesinstitutions de la Grèce et de Rome. 2. ed. Paris: L. Hachette, 1866, p. 246-251.Cf. FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacionalprivado en el umbral del siglo XXI, cit., p. 10. Assim também ARAUJO, Nadia de.Direito internacional privado…, cit., p. 15, para quem as regras do DIPr “precisamobedecer ao sistema de regra/exceção, tendo os direitos humanos como baliza dassoluções encontradas pelo método conflitual, agora não mais vista a lei encontradacomo a única solução possível para um problema plurilocalizado”.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 257.V. JAYME, Erik. Idem, p. 257-259.JAYME, Erik. Idem, p. 259. Para detalhes, v. ainda JAYME, Erik. Narrative Normen imInternationalen Privat und Verfahrensrecht, Tübingen: Eberhard-Karls-Universität, 1993.Cf. Annuaire de l’Institut de Droit International, vol. 60, t. I (1984), p. 166-374;vol. 60, t. II (1984), p. 116-153 e p. 284-291. v. ainda, DUPUY, Pierre-Marie. Softlaw and the international law of the environment. Michigan Journal ofInternational Law, vol. 12 (Winter 1991), p. 420-435.V. THIERRY, Hubert. L’évolution du droit international: cours général de droitinternational public. Recueil des Cours, vol. 222 (1990-III), p. 70-71; e SHELTON,Dinah Shelton. Normative hierarchy in international law. American Journal ofInternational Law, vol. 100, nº 2 (April 2006), p. 319. No que toca à proteção dosdireitos humanos, a doutrina da margem de apreciação tem merecido críticas pordar espaço a um relativismo que afronta a universalidade dos direitos humanos.Sobre o tema, v. DELMAS-MARTY, Mireille. Le relatif et l’universel: les forcesimaginantes du droit. Paris: Seuil, 2004, p. 64-74.Cf. Annuaire de l’Institut de Droit International, vol. 60, t. I, cit., p. 191.Cf. DUPUY, Pierre-Marie. Soft law and the international law of the environment, cit.,p. 420-422.V. BILDER, Richard B. Beyond compliance: helping nations to cooperate. In:

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SHELTON, Dinah (Ed.). Commitment and compliance: the role of non-binding normsin the international legal system. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 71-72.Sobre as normas de soft law, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitointernacional público, cit., p. 176-180.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.V. JAYME, Erik. Idem, p. 261.A Constituição Federal de 1988 se refere, em vários momentos, à garantia do bem-estar das pessoas, no que se poderia entender ser a felicidade integrante do seunúcleo conceitual. Desde o seu Preâmbulo, diz o texto constitucional que o EstadoDemocrático destina-se a garantir, inter alia, o “bem-estar”; no art. 23, parágrafoúnico, diz que “leis complementares fixarão normas para a cooperação entre aUnião e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbriodo desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”; no art. 186, IV, diz que aexploração da propriedade rural deve favorecer “o bem-estar dos proprietários edos trabalhadores”; no art. 193 entende que a ordem social há de ter “como base oprimado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”; no art. 219incentiva o mercado interno “de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural esocioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País”; noart. 230 exige da família, da sociedade e do Estado que amparem “as pessoas idosas,assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estare garantindo-lhes o direito à vida”; por fim, no art. 231, § 1º, diz serem “terrastradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráterpermanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis àpreservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias àsua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.STF, RE 328.232/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 07.04.2005, DJ20.04.2005. Também o Min. Marco Aurélio, no julgamento da Sentença Estrangeiranº 6.467, dos Estados Unidos da América, j. 22.05.2000 (DJ 30.05.2000), referiu-se “à constante busca da felicidade”. Na doutrina, v. TOMAZ, Carlos Alberto Simõesde. Direito à felicidade. Belo Horizonte: Folium, 2010; e LEAL, Saul Tourinho.Direito à felicidade: história, teoria, positivação e jurisdição. São Paulo: PontifíciaUniversidade Católica, 2013.STF, ADI 4.277/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011, DJ14.10.2011; voto do Min. Celso de Mello, p. 37.JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 261-262.V. FERNÁNDEZ ROZAS, José Carlos. Orientaciones del derecho internacional privadoen el umbral del siglo XXI, cit., p. 7-8; e ARAUJO, Nadia de. Direito internacionalprivado…, cit., p. 14-15.

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Parte II

Parte Especial

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Capítulo I

Direito Civil Internacional

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1. Leis aplicáveis

Estudada a Parte Geral do DIPr, cumpre agora investigar as leisaplicáveis aos principais institutos do Direito Civil Internacional – é dizer,aos bens, ao direito de família, ao direito das sucessões, às obrigações econtratos e às pessoas jurídicas – quando plantada no Brasil certa demandaa envolver quaisquer deles.

Os conhecimentos adquiridos no estudo da Parte Geral do DIPr fizeramcompreender como se operacionalizam as normas de conflito e o modo peloqual deve o juiz do foro aplicá-las nas questões sub judice, especialmentese estrangeira a lei indicada pela regra de DIPr da lex fori.

Agora, caberá à nossa investigação determinar a lei aplicável asituações jurídicas específicas interconectadas aos referidos institutos doDireito Civil Internacional, com suas nuances e peculiaridades.

Se já se sabe aplicar a regra conflitual e a norma por ela indicada,bastará à completude da investigação determinar quais leis terão lugarquando em causa temas concretos das matérias referidas ante o juiz do foro.

Esse, portanto, o estudo da Parte Especial do DIPr brasileiro que agorase inicia, para o fim de esclarecer como se interpretam as normas daLINDB a ele atinentes.

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2. Orientação legislativa

A LINDB superou a nossa antiga orientação, provinda da escolaeuropeia do vínculo nacional, para adotar o critério domiciliar na regênciado estatuto pessoal; para o estatuto real, manteve a tradicional orientaçãoda lex rei sitae, com exceção dos bens móveis em trânsito. Fez permanecer,porém, a nacionalidade a título excepcional, como critério determinante (eúnico) aos casamentos consulares, tanto de brasileiros no exterior quanto deestrangeiros no Brasil, como se verá.

Essa é a nossa orientação legislativa na matéria, que há de guiar oinvestigador em toda a Parte Especial do DIPr. Evidentemente que se há deter cuidado redobrado na interpretação da doutrina e jurisprudênciabrasileiras anteriores a 1942, quando em vigor o critério nacional deaferição do estatuto pessoal. As orientações, portanto, favoráveis ao quehoje se tem por certo em sede de determinação da lei aplicável aosinstitutos do Direito Civil Internacional hão de ser, pelo leitor, interpretadasà luz da regra (atualmente vigente) do domicílio ou, em última análise, daresidência habitual da pessoa.

Não obstante as prescrições da LINDB sobre o direito aplicável a taisinstitutos, certo é que há, na doutrina, um celeiro de opiniões quase sempredíspares e, muitas vezes, desconexas. Não se desconhece que a LINDBpassou ao largo da resolução de inúmeros problemas que as relaçõeshumanas hoje apresentam, tendo já havido, por isso, vários projetos dereforma (nenhum deles, porém, levado a cabo até o momento peloParlamento). Não se poderá, contudo, fugir à orientação legislativaexpressa no direito brasileiro (quando existente) para propor orientaçõescontra legem, se destituídas de suporte normativo sólido.

O que em suma se está a afirmar é que a orientação legislativabrasileira na matéria será seguida no estudo desta Parte Especial do DIPr,como não poderia deixar de ser, porém com dose de dialogismo e à luz doprincípio da maior proximidade, quando assim necessário. Não se pode,enfim, descurar que há normatização jurídica em nosso direito interno a

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solucionar as questões básicas do DIPr brasileiro, devendo eventualexcepcionalidade encontrar suporte também nas regras de direito, ainda queextraterritoriais.

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3. Plano da Parte Especial

A Parte Especial que será investigada agora – é dizer, os conflitos deleis civis in concreto – não seguirá a ordem temática estabelecida pelaLINDB, não obstante suas regras conflituais terem sido completamenteestudadas. Em vez de se investigar o direito de família (art. 7º), os bens(art. 8º), as obrigações (art. 9º), o direito das sucessões (art. 10) e oestatuto das pessoas jurídicas (art. 11) nessa exata ordem, optou-se poriniciar o percurso analisando os bens (Cap. II), posteriormente o direito defamília (Cap. III) e das sucessões (Cap. IV), passando pelas obrigações econtratos (Cap. V) e findando com o estatuto das pessoas jurídicas (Cap.VI). Esta, para nós, a correta ordem do caminho a seguir, não a da LINDB,menos exata e precisa do que deveria ser.

Reitere-se, aqui, a observação que já se fez no prólogo deste livro, deque não se fará estudo histórico dos institutos investigados, pois, àevidência, interessa mais ao profissional do direito (advogado, juiz oumembro do Ministério Público) conhecer a lei efetivamente aplicável, enão propriamente a origem do tema que se está a tratar. Não que a históriada disciplina não tenha qualquer valor, entenda-se bem, apenas não foi aopção que se escolheu para levar a cabo esta obra.

Por fim, destaque-se que muitas das soluções propostas – à falta denorma expressa na LINDB ou em tratados internacionais dos quais o Brasilseja parte – agregam doutrina à jurisprudência, bem assim ao direitocomparado, constantemente à luz do diálogo das fontes e do princípio damaior proximidade, responsáveis por reger grande parte das relações pós-modernas de DIPr.

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Capítulo II

Dos Bens

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1. Introdução

A aquisição e a disponibilidade de bens em diversos países e sobdistintas legislações suscitam inúmeras questões de DIPr a cargo do juiznacional. Se é móvel ou imóvel, público ou privado, fungível ou infungível,em comércio ou fora do comércio o bem, tudo está a depender daqualificação que se lhe aplica, regulada pela lei indicada na norma internade DIPr. Também a sua regência há de ser determinada, para o que deve ojuiz do foro, igualmente, buscar a competente legislação aplicável.

No DIPr brasileiro, a regra unitária sobre a qualificação e regência dosbens (móveis e imóveis) guarda apenas duas exceções relativamente aosbens móveis em trânsito (v. item 4, infra). Fora disso, a lei aplicável àqualificação e regência dos bens será una, e qualquer dificuldade dedeterminação não passará de saber qual o locus em que se encontra o bem:se em um país, um estado, uma província ou um território (no caso dosordenamentos plurilegislativos).

A lei a qualificar e a regular as relações concernentes aos bens, frise-sedesde já, é a lex rei sitae, universalmente reconhecida, desde o tempo dosestatutários, pelas diversas legislações de DIPr. Ela, portanto, é que seráestudada aqui, bem assim as exceções que a norma brasileira de DIPr vemelencar.

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2. Regra lex rei sitae

A LINDB dispõe, no art. 8º, caput, que “[p]ara qualificar os bens eregular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em queestiverem situados”. Trata-se de regra clássica de DIPr, influenciada porSavigny e adotada uniformemente pelas legislações de todos os países: lexrei sitae.1 Por ela, não importa o domicílio ou a nacionalidade doproprietário do bem, senão apenas o local (país, estado, província outerritório) em que o bem está situado. Será, portanto, a lei da situação dobem a competente para qualificá-lo e regular as relações a eleconcernentes. Tais relações dizem respeito, v.g., a que direitos reais sobreas coisas podem ser criados, se sobre elas se transmite, extingue oumodifica certo direito, qual o conteúdo de um direito real, como este deveser protegido e quais efeitos é capaz de produzir.2 Verdade é que tudo o queenvolve os bens e sua posse ou propriedade (v.g., ações possessórias,usucapião etc.) tem a regência determinada pela lex rei sitae.3 Acapacidade, porém, para dispor dos bens (comprar, vender, doar etc.) édeterminada pela lei domiciliar da pessoa, nos termos do art. 7º, caput, daLINDB.

A regra prevista no art. 8º, caput, da LINDB é unitária, é dizer, valeigualmente para os bens móveis (em situação permanente) e imóveisindividualmente considerados, uti singuli, sem qualquer distinção (salvo asexceções do § 1º relativas aos bens móveis em trânsito, como se verá).4

Idêntica é a disposição do Código Bustamante a esse respeito, para o qual“[o]s bens, seja qual for a sua classe, ficam submetidos à lei do lugar (art.105). Trata-se do sistema presente na legislação da totalidade dos países,pelo qual a regência dos bens (móveis ou imóveis) há de ser única pela lexrei sitae, à exceção dos bens móveis em situação não permanente.5 Aconsequência desse método de escolha legislativa (salvo, como já referido,as exceções relativas aos bens móveis em trânsito) está em o Estado aplicara sua lei aos bens que estejam em seu território, ao tempo que abre mão daqualificação e regência daqueles assentes em outras circunscrições.

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Os bens imóveis são fixos por natureza, e os móveis tornam-sepermanentes (fixados) por convenção do proprietário (v.g., o mobiliário deuma residência, uma biblioteca, as obras de arte em museus etc.). Quantoaos bens incorpóreos, como, v.g., os direitos reais e as ações que osasseguram, os direitos autorais e os direitos de propriedade intelectual, háde se localizar, primeiramente, o seu situs; este será, não há dúvida, aqueleda situação da coisa, no que tange aos direitos reais e às ações que osasseguram, ou o lugar do registro, no que toca aos direitos autorais e aosdireitos de propriedade intelectual (patentes, marcas, invenções, desenhosindustriais etc.).6 Alguns autores, como Valladão, consideram os bensincorpóreos, créditos, títulos nominativos, inclusive à ordem, ações eobrigações situados no lugar onde devem ser liquidados ou transferidos, àexceção dos títulos ao portador, tidos por situados no lugar de sua situaçãomaterial ao tempo da respectiva negociação.7 Encontrado o situs do bemincorpóreo, a lei aplicável à sua qualificação e regência, salvo disposiçãocontrária prevista em tratado,8 será a desse lugar (v.g., aplica-se a leibrasileira para reger os direitos autorais de obra publicada no Brasil; e alei holandesa para a proteção de direitos autorais de obra publicada naHolanda etc.). A lei do situs, salvo, repita-se, exceção prevista em tratado,é a mais próxima à proteção do bem incorpóreo, devendo, por isso, seraplicada em detrimento tanto da lei do local em que plantada a demandaquanto da nacionalidade do autor da obra. De atentar-se, porém, aimportante detalhe: o situs não conota, aqui, exclusivamente, a situação dacoisa (como se dá no caso dos direitos reais) no momento em que plantadaa demanda, senão também outras localidades a depender do bemincorpóreo de que se trata, como, v.g., o local de registro quanto aosdireitos autorais e aos direitos de propriedade intelectual. Trata-se, comose vê, de lex rei “sitae”: lei da “situação” do bem, assim entendido o situspara fins de aplicação da lei competente.

Frise-se que a lex rei sitae guarda unanimidade nas legislações de DIPrdos Estados, tanto por ser expressão do princípio da soberania quanto,também, por ser a regra que maior proximidade tem com as diversascategorias de bens, especialmente os imóveis (e dos móveis reputados tais).Assim, se se pretende saber, v.g., como se adquire um imóvel na França ou

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na Itália, quer em relação à forma como em relação ao conteúdo, apenas odireito francês ou o italiano poderá responder, e mais nenhum outro, porqueali se situa o bem sobre o qual o interesse recai.9 Nada importa, nessescasos, onde se domicilia ou qual seja a nacionalidade do seu proprietário.

Ademais, a escolha da lex rei sitae para a qualificação e regência dosbens tem nítido fundamento na garantia da ordem social e no interessepúblico, dada especialmente sua ligação a fatores econômicos, políticos, detransação, de confiança e de estabilidade do negócio, tratando-se, portanto,de lei territorial.10 De fato, como destaca Amilcar de Castro, “o interesseparticular não teria nenhum lucro e sofreria a coletividade interna se a regranão fosse adotada; é o que dizem os tratadistas, acrescentando que a maiorincerteza reinaria quanto à propriedade se pela observância de um sódireito não fosse regulada”.11 Assim também a opinião de Tito Ballarino,para quem “[a] aplicação da lei do lugar da situação da coisa (lex rei sitae)à matéria dos direitos reais garante segurança às relações jurídicas,sobretudo do ponto de vista de terceiros”.12

Esclareça-se novamente que o art. 8º, caput, da LINDB, refere-sesomente aos bens singularmente considerados, isto é, uti singuli, nãoàqueles componentes de um todo maior, coletivo, universal, é dizer, utiuniversitas.13 Individualizado o bem, contudo, vários serão os direitospotencialmente contemplados, como “o da situação para o ius in re; o dolugar da constituição do contrato para o ius ad rem; o do domicílio para acapacidade das partes; o do lugar do ato para a forma respectiva; o dodomicílio de de cujus para a sucessão; o do domicílio conjugal para oregime matrimonial; e o do lugar do principal estabelecimento para afalência”.14

Exceção, portanto, à aplicação da lex rei sitae aparece quando não setratar de bens (móveis ou imóveis) individualmente considerados. Se taisbens forem componentes de uma universalidade, como, v.g., do espólio, damassa falida ou do patrimônio conjugal, sua lei de regência será aquela aque deve obediência o todo, o conjunto maior das coisas, a universalidadea que os bens individuais pertencem, em suma, ao instituto jurídico de quefazem parte.15 Assim é que a sucessão por morte ou por ausência obedece à

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lei em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja anatureza e a situação dos bens (LINDB, art. 10, caput); e o patrimônioconjugal rege-se pela lei reguladora da sociedade conjugal, que também édomiciliar (LINDB, art. 7º, caput) etc.

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3. Qualificação dos bens

Os bens, qualquer que seja a sua categoria, devem ser qualificados pelalei do local em que estiverem situados (LINDB, art. 8º, caput).16 Tal éassim para que se evite o chamado conflito de qualificações, jáoportunamente estudado (v. Parte I, Cap. IV, item 4.2, supra). Ainda que aLINDB não tenha resolvido por completo o problema, ao menos no quetange aos bens e às obrigações determinou sejam qualificados pela lex reisitae.

Segundo Irineu Strenger, o motivo de a qualificação das coisasdepender exclusivamente da lei territorial se dá “porque na realidade olegislador, assim dispondo, não se preocupa em saber se elas pertencem atal ou qual pessoa, a um cidadão nacional ou estrangeiro, mas,considerando essas coisas como objetos do direito, determina-lhes aqualidade das condições jurídicas de que são dotadas”.17

De fato, estando os bens situados em determinado país ou território,nada mais coerente que atribuir à lei desse lugar (local da situação) acompetência para a sua qualificação, independentemente de onde sedomicilia ou de qual seja a nacionalidade do proprietário. A proximidadedo bem é, assim, com o locus em que se situa, não com quaisquer fatoresrelativos ao proprietário (domicílio ou nacionalidade). Daí dizer,corretamente, que “[a] competência da lex rei sitae é técnica, uma vez que asede das relações jurídicas está no local da situação da coisa como limiteimposto pela ordem pública”.18

Assim, a qualificação de um bem como móvel ou imóvel, público ouparticular, fungível ou infungível, consumível ou inconsumível, divisívelou indivisível, singular ou coletivo, principal ou acessório, em comércioou fora do comércio está a depender do que discipline a lei do local de suasituação (que poderá ser tanto a lex fori quanto a lex causae).19 Exceçãoserá feita, evidentemente, quando houver tratado a qualificarexpressamente determinado bem; se assim for, a qualificação internacionalterá prevalência sobre a lex rei sitae.

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4. Bens em trânsito

Regra geral, os bens móveis são qualificados e regidos pela lei do localem que estiverem situados (lex rei sitae). É o que disciplina o art. 8º,caput, da LINDB,que, como se viu, é regra unitária e tem valor para quaisquer tipos de bens(móveis ou imóveis). Contudo, a regra do art. 8º, caput, da LINDB, ficaexcepcionada no caso dos bens móveis sem localização permanente, isto é,em trânsito. A exceção vem presente no § 1º do mesmo dispositivo,segundo o qual “[a]plicar-se-á a lei do país em que for domiciliado oproprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem atransporte para outros lugares”. Nesses casos, abre-se mão da regra lex reisitae em razão, excepcionalmente, do princípio mobilia sequunturpersonam (a mobília segue o proprietário) se tais bens não encontraremfixação de certa duração em determinado locus.

Bens em trânsito são os que se deslocam junto ao proprietário (“…bens móveis que ele trouxer…”) ou que tenham por destinação outraslocalidades (“… se destinarem a transporte para outros lugares…”). Sobrea primeira hipótese, exemplifique-se com a bagagem que o viajante levaconsigo para onde vai, atravessando vários países em um ou poucos dias;sobre a segunda, exemplifique-se com o carregamento de um navio, de umtrem ou de uma aeronave em que as cargas (bens móveis) transportadasatravessam várias fronteiras até o destino final.20 Neste segundo caso, frise-se que a expressão “bens móveis que se destinarem a transporte para outroslugares” deve dar sempre a ideia de movimento, não podendo compreender– segundo Amilcar de Castro – “senão coisas que, por virtude de transaçãocomercial, já estejam, ou enquanto estejam, em viagem, ou pelo menos játenham o destino de ser transportadas”.21 Certo é que em ambos os casosaplicar-se-á como regra de conexão o domicílio do proprietário,independentemente de onde se encontre o bem.

A lógica dessa regra, presente desde o tempo dos autores estatutários,decorre do fato de ser difícil determinar a lei aplicável em situação de

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trânsito mobiliário, dada a incerteza da localização do bem no momento deeventual litígio, pois são fugazes as passagens de um bem móvel de um paíspara outro. Daí, então, a escolha do estatuto pessoal do proprietário para aqualificação e regência desses bens, diante tanto da instabilidade de sualocalização22 quanto por ser o domicílio do proprietário o mais próximo desua titularidade.23 Sendo incerto, porém, o domicílio do proprietário,aplica-se, subsidiariamente, o local de sua residência habitual ou o localem que ele se encontre (LINDB, art. 7º, § 8º).

O critério escolhido pela LINDB – lei do domicílio do proprietário dosbens em trânsito – é melhor que o adotado, v.g., pela legislação italiana emvigor, que manda aplicar aos direitos reais sobre os bens em trânsito a leido lugar de sua destinação.24

Não sendo, porém, os bens móveis levados pelo proprietário oudestinados a transporte para outros lugares, isto é, se estiverem fixados emlocal certo, sem movimentação, volve-se à aplicação da regra geral lex reisitae. Tome-se como exemplo o piano da sala de concertos, fixadopermanentemente no mesmo palco, até mesmo por convenção (estatuto)local, sem destinação, portanto, a transporte para outros lugares, nãoobstante as constantes alterações das empresas administradoras(proprietárias). Sem precisar ir longe, são fixos e com certa duração omobiliário doméstico, os quadros e adornos da casa, a biblioteca e tantosoutros bens assim estabelecidos. Se alguém com residência em Cuiabámantém dentro de casa certa obra de arte, mas passa a domiciliar-se noexterior, certo é que a peça de arte em causa será regida pela lex situs (édizer, pela lei brasileira, em razão de se manter fixa na residência),enquanto todos os demais bens móveis levados pelo proprietário (v.g., orelógio de pulso ou as joias pessoais) serão regidos pela lei do novodomicílio. Há, portanto, um único proprietário, porém sujeito a leisdistintas de regência: para os móveis permanentes, a lex situs, e, para osmóveis em trânsito, a lei domiciliar.

Destaque-se, por fim, que o Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004,estabeleceu para os bens móveis a regra única segundo a qual devem serregidos “pela lei do país com o qual tenham vínculos mais estreitos” (art.

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11, parágrafo único).25

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5. Conflitos móveis

Qual a lei competente para qualificar um bem móvel que, na pendênciade ação real a seu respeito, mude de qualificação em razão dodeslocamento de um país a outro? É dizer, o que fazer em caso de alteraçãodo estatuto real? A resposta vinha expressa no art. 10, parágrafo único, daantiga Introdução ao Código Civil de 1916, que assim estabelecia: Osmóveis, cuja situação se mudar na pendência de ação real a seu respeito,continuam sujeitos à lei da situação, que tinham no começo da lide.

Contra esse entendimento, Maria Helena Diniz leciona, tout court, que“[s]e houver mudança de situação de um bem móvel, a lei da nova situação(lex rei sitae) aplicar-se-á, respeitando-se os direitos adquiridos”.26 IrineuStrenger, por sua vez, entende que “a transposição de princípios recebidosem matéria de conflitos de leis no tempo conduz a não aplicar a lei antigasenão pelos modos de aquisição dos direitos sobre o bem e os efeitoscorrespondentes, ao passo que o conteúdo dos direitos e seus efeitosvindouros serão imediatamente submetidos à lei da situação atual”.27 Essa éexatamente a opinião de Tito Ballarino, que leciona: Para o conteúdo e osefeitos do direito real se reconhece competência exclusiva à lei do lugar danova situação da coisa, enquanto que para a disciplina da situaçãoaquisitiva (isto é, do conjunto de atos e fatos necessários para a aquisiçãodo direito real) a solução preferível consiste na aplicação da lei do lugarem que as coisas se encontram no momento em que se aperfeiçoa a situaçãoaquisitiva do direito real. Na prática, tal impõe a aplicação sucessiva dasleis que vêm em consideração. A questão relativa ao aperfeiçoamento dasituação aquisitiva deve ser examinada, num primeiro momento, à luz da leido situs originário. Apenas no caso de não se lograr êxito, a valoração dosatos e fatos jurídicos já realizados será remetida à lei do novo situs.28

Por sua vez, o Institut de Droit International, na sua sessão de Madride 1911, de que foi Rapporteur o Sr. Giulio Diena, recomendou que “[n]ocaso de mudança de um móvel para outro país, os direitos reaisvalidamente adquiridos, segundo as regras estabelecidas, enquanto o móvel

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se encontrava num território determinado, devem ser respeitados, quandoele se encontre em território diferente”, complementando que “[a] lei danova situação poderá, contudo, exigir, por considerações de tutela social ede ordem pública, o cumprimento das condições prescritas para que possao direito real produzir efeitos em relação a terceiros” (art. 5º, in fine).

Para nós, de igual forma, havendo sucessão de estatuto real durante alide, e não estando o tema regulado por norma específica, poderá o juizaplicar a lei da nova situação jurídica (do novo local em que se encontra acoisa) caso não sejam violados direitos legalmente adquiridos ou não hajaqualquer situação de fraude à lei (v. Parte I, Cap. V, item 5, supra). A leinova também pode (faculdade) ser aplicada caso seja a mais próxima darelação jurídica ou sobrevenha como resultado do diálogo das fontes.

Contudo, nada há de impedir que, na falta de critérios a justificar aaplicação da lei nova, possa o juiz seguir o disposto no art. 10, parágrafoúnico, da antiga Introdução ao Código Civil e sujeitar o bem móvel emapreço à lei da situação havida no início da lide. Não só o respeito aosdireitos adquiridos, senão também a fraude à lei há de ser verificada pelojuiz quando da aplicação de uma ou outra lei.

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6. Navios e aeronaves

Os navios e aeronaves são normalmente compreendidos como bensimóveis, dado especialmente o seu valor e a dificuldade de se estabelecerqualquer conexão prática, por razões evidentes. De fato, seriaminsuficientes para a regência das relações a eles concernentes tanto a lex reisitae (em razão de se movimentarem constantemente, pelo que umamultiplicidade de leis estaria sempre em causa) quanto a lei do domicíliodo proprietário (devido à não permanência desses bens no locus deparagem de seu detentor). É dizer, não pode a lei aplicável aos navios eaeronaves variar tão fugazmente de um momento a outro, o que levaria aincertezas e a dificuldades de toda ordem.

Assim, é princípio corrente que os navios e as aeronaves devamsubmeter-se a uma mesma lei, ou seja, a uma ordem jurídica una queresponda pela regência de suas contendas.29 Em razão dessas dificuldades éque a doutrina (à unanimidade) estabeleceu a aplicação da lei do país deregistro ou matrícula do navio ou da aeronave (princípio do pavilhão ou dabandeira, respectivamente) como competente para regência de sua situaçãojurídica.30

Ressalve-se, contudo, a existência de tratado específico a estabelecercritério diverso sobre a lei aplicável aos navios e aeronaves. Havendotratado específico sobre o tema, há de prevalecer sobre as disposiçõesinternas (inclusive costumeiras) em sentido contrário.

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7. Lei aplicável ao penhor

Segundo o Código Civil, “[c]onstitui-se o penhor pela transferênciaefetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem orepresente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel,suscetível de alienação” (art. 1431). Há exceções, contudo, em que o bemdado em garantia não sai da esfera dominial do proprietário, como, v.g., nopenhor rural (agrícola e pecuário), no industrial, no mercantil, no dedireitos e títulos de crédito e no de veículos, por efeito de cláusulaconstituti (CC, arts. 1.438 a 1.466). A razão de ser assim é evidente, pois atransferência da coisa empenhada ao credor pignoratício obstaria o devedorde auferir lucro em seu ramo de atividade e, consequentemente, saldar coma obrigação principal.

Presente o elemento estrangeiro (domicílio distinto do devedor, credorou possuidor) na relação pignoratícia, indaga-se qual lei há de ser aplicadaà regência do penhor. A LINDB resolveu a questão determinando sercompetente a “lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse seencontre a coisa apenhada” (art. 8º, § 2º). Excepcionou-se, aqui, como sevê, a regra lex rei sitae (regra geral) para o fim de privilegiar a conexãodomiciliar do possuidor da coisa apenhada no momento da constituição dagarantia real.

Haroldo Valladão reputou a regra “absurda”, pois decorrente de “umaverdadeira desnaturação em cascata da ideia savignyana, chegando àamplitude desse § 2º, significando que uma coisa móvel, dada em penhor,pode estar situada permanentemente no Brasil, mas será regida pela leiestrangeira do domicílio da pessoa que tenha a posse da mesma coisa,habitualmente – o que é mais grave – do domicílio do credor pignoratício”.Em sua crítica à regra, Valladão exemplifica: Assim uma pessoadomiciliada na França, que está no Brasil, de passagem ou aqui residindo,p. ex., um turista, um bolsista, etc., se receber em penhor no Brasil umrelógio ou outra coisa móvel, aqui situada, tal coisa será regida pela leifrancesa (!). Tinha tal regra de desaparecer, como desapareceu, no Antepr.

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L. Geral.31

Para nós, contudo, a intenção da regra foi garantir a segurança donegócio jurídico perante terceiros, dados os casos em que desnecessária atradição da coisa para a constituição do penhor. Haroldo Valladão, parececlaro, não entreviu – o seu próprio exemplo está a confirmar – que a coisaapenhada pode não sofrer traditio, ficando nas mãos do próprioproprietário, como se dá, v.g., no penhor rural (agrícola e pecuário), noindustrial, no mercantil, no de direitos e títulos de crédito e no de veículos.Exatamente por isso, fictio juris, a LINDB mandou aplicar ao instituto(independentemente da localização do bem) a lei do domicílio do possuidorda coisa (credor ou devedor) quando da constituição do ônus real.32

Portanto, havendo tradição efetiva da coisa, regerá o penhor a lei dodomicílio do credor pignoratício ao tempo da constituição da garantia; senão houver, a lei de regência será a do domicílio do devedor(independentemente de onde se domicilie o credor) por efeito de cláusulaconstituti, pela qual a coisa apenhada permanece na posse do devedor emnome e por conta do credor.33

A guarda da coisa, como se nota, não é sempre determinante para aaplicação de determinada lei à regência do penhor; sua posse é quedetermina a lei (nacional ou estrangeira) a ser aplicável. Assim, odomicílio de quem possuir a coisa apenhada no momento da constituiçãoda garantia é que determina a lei aplicável ao penhor, independentementeda tradição efetiva do bem. Independe para a determinação da lei aplicáveleventual mudança de lugar da coisa na pendência da lide, pois acompetência legislativa já foi determinada a priori.34

Frise-se, porém, que a obrigação principal (v.g., mútuo) – da qual openhor é garantia real e acessória – será regida e qualificada pela lei dolugar em que se constituir, seguindo a regra geral sobre as obrigaçõesprevista no art. 9º da LINDB: “Para qualificar e reger as obrigações,aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem” (v. Cap. V, infra). Assim,parece certo que a lei-regente da obrigação principal e a relativa à situaçãodo bem penhorado hão de reconhecer, em primeiro plano, tal modalidade degarantia real para que a relação pignoratícia possa validamente se

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concretizar, pouco importando, na análise dessa questão prévia, o quedispõe a lei domiciliar do possuidor da coisa.35

Por derradeiro, destaque-se que no Código Bustamante há regradiversa, que manda aplicar ao penhor a lei territorial, isto é, a lex rei sitae.Pela norma convencional, são territoriais “os preceitos que determinam osrequisitos essenciais do contrato de penhor, e eles devem vigorar quando oobjeto penhorado se transfira a outro lugar onde as regras sejam diferentesdas exigidas ao celebrar-se o contrato” (art. 215). O art. 216 complementaque “[s]ão igualmente territoriais as prescrições em virtude das quais openhor deva ficar em poder do credor ou de um terceiro, as que exijam,para valer contra terceiros, que conste, por instrumento público, a datacerta e as que fixem o processo para a sua alienação”. Na aplicação,portanto, do Código Bustamante às relações do Brasil com as demaisquatorze repúblicas americanas que dele são partes, haverá prevalência dasdisposições convencionais sobre o que determina a LINDB. Não seaplicará, em tais casos, a lei do domicílio que tiver a pessoa em cuja possese encontre a coisa apenhada, senão apenas a lex rei sitae, tal comodetermina a Convenção de Havana.36

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8.

8.1

Tráfico ilícito de bens culturais

O tráfico de bens culturais (v.g., obras de arte, peças históricas,manuscritos raros etc.) tem se tornado preocupação constante do DIPr nosúltimos tempos, notadamente em face de sua cada vez mais crescenteimportação ou exportação ilícitas. Perquire-se, basicamente, qual a leiaplicável ao retorno dos bens ilegalmente transferidos (por furto, rouboetc.) de seu locus originário, notadamente à falta de convençãointernacional uniformizadora.

A questão, aqui, como se vê, vai além da relativa à lei aplicável ameros objetos transferidos ilicitamente de um país a outro, que poderáresolver-se nos termos da lei do local em que o atual possuidor osadquiriu.37 Tais bens podem ser quaisquer bens, públicos ou privados, massem conexão com a cultura de determinado Estado ou com a identidade daspessoas que neles se representam. Os bens que versaremos aqui, portanto,têm plus, pois componentes do patrimônio cultural de determinado Estado,e que, só por isso, estão a merecer proteção também diferenciada por partedo contemporâneo DIPr.

Importa, primeiramente, conceituar “bens culturais” para, depois,investigar a norma mais apropriada aplicável ao caso de seu tráfico ilícito.Merecerão ainda análise as questões do possuidor de boa-fé e das normasde aplicação imediata.

Conceito

A definição de “bens culturais” vem expressa no art. 1º da Convençãosobre as Medidas a serem Adotadas para Proibir e Impedir a Importação,Exportação e Transposição e Transferência de Propriedade Ilícitas dosBens Culturais, de 1970,38 que assim dispõe: Para os fins da presenteConvenção, a expressão “bens culturais” significa quaisquer bens que, pormotivos religiosos ou profanos, tenham sido expressamente designados por

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cada Estado como de importância para a arqueologia, a pré-história, ahistória, a literatura, a arte ou a ciência, e que pertençam às seguintescategorias: a) as coleções e exemplares raros de zoologia, botânica,mineralogia e anatomia, e objeto de interesse paleontológico; b) os bensrelacionados com a história, inclusive a história da ciência e da tecnologia,com a história militar e social, com a vida dos grandes estadistas,pensadores, cientistas e artistas nacionais e com os acontecimentos deimportância nacional; c) o produto de escavações arqueológicas (tanto asautorizadas quanto as clandestinas) ou de descobertas arqueológicas; d)elementos procedentes do desmembramento de monumentos artísticos ouhistóricos e de lugares de interesse arqueológico; e) antiguidade de mais decem anos, tais como inscrições, moedas e selos gravados; f) objetos deinteresse etnológico;

g) os bens de interesse artístico, tais como:

i) quadros, pinturas e desenhos feitos inteiramente a mãosobre qualquer suporte e em qualquer material (comexclusão dos desenhos industriais e dos artigosmanufaturados decorados a mão); ii) produções originais dearte estatuária e de escultura em qualquer material; iii)gravuras, estampas e litografias originais;

iv) conjuntos e montagens artísticas em qualquer material;

h) manuscritos raros e incunábulos, livros, documentos epublicações antigos de interesse especial (histórico,artístico, científico, literário etc.), isolados ou em coleções;i) selos postais, fiscais ou análogos, isoladas ou emcoleções; j) arquivos, inclusive os fonográficos, fotográficose cinematográficos; k) peças de mobília de mais de cem anose instrumentos musicais antigos.

Todas essas espécies de bens culturais podem ser – e não raramentesão, atualmente, com métodos cada vez mais sofisticados – ilicitamentetransferidos de seu local de origem para outros países, nascendo a questãode DIPr sobre a lei aplicável ao seu retorno ao locus originário. Tal retorno

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8.2

é meta fundamental da Convenção da Unesco de 1970, que obriga osEstados-partes a “tomar as medidas apropriadas, mediante solicitação doEstado-Parte de origem, para recuperar e restituir quaisquer bens culturaisroubados e importados após a entrada em vigor da presente Convençãopara ambos os Estados interessados…” (art. 7º, b, ii).

Lei aplicável

No DIPr brasileiro, a questão do retorno ao local de origem dos bensculturais ilicitamente transferidos se resolveria, a priori, pela aplicação dalex situs, nos termos do art. 8º, caput, da LINDB, segundo o qual “[p]araqualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á alei do país em que estiverem situados”. Assim, tendo sido o bem culturalilicitamente transferido para o Brasil, de aplicar-se a lei brasileira para aqualificação e regência das relações a ele atinentes.

Atualmente, porém, já se pretende aplicar a lei do local de origem dobem (lex origins) para o caso de bens culturais pertencentes ao patrimôniode determinado Estado, por terem significação especial à identidadecultural das pessoas componentes da Nação.39 Ficaria, nestes casos,excepcionada a lex situs para o fim de prestigiar a conexão mais estreitado bem com o locus de situação originária. Nesse sentido está, v.g., aRecomendação de Nova Delhi (da Unesco) de 1956, que prevê diretrizespara as pesquisas arqueológicas com o fim de garantir a conservação demonumentos e obras do passado, prevendo, inter alia, colaboraçãointernacional para a repressão de pesquisas arqueológicas clandestinas erepatriação dos objetos arqueológicos ao país de origem, tanto no caso depesquisas clandestinas como no de pesquisas autorizadas, mas comtransferência de objetos ao exterior sem a devida autorização do Estado.Ao mesmo entendimento chegou o Institut de Droit International, na suasessão de Bâle de 1991, de que foi Rapporteur o Sr. Antonio de ArrudaFerrer-Correia, ao determinar que “[a] transferência da propriedade dosobjetos de arte pertencentes ao patrimônio cultural do país de origem dobem submete-se à lei desse país” (art. 2º).

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Entre as opções da lex situs e da lex origins, porém, não se temcogitado da aplicação da norma mais favorável à guarda e à proteção dobem, como deveria ser. Assim, num primeiro momento, caberia ao juiz doforo verificar, dentre as opções citadas, qual a norma mais benéfica àguarda e à proteção do bem, para o fim de aplicá-la ao caso concreto.Ocorre, porém, que os bens em causa podem restar guardados e protegidosem Estado terceiro, v.g., em museus oficiais proprietários de obras de arte.Nesses casos, nota-se, há outra lei (terceira lei) potencialmente aplicável,qual seja, a lei do país de guarda e proteção do bem, que pode nãocoincidir com a lex origins ou com a lex situs. Daí o nosso entendimento deque se leve em consideração, para efeito de aplicação da norma maisfavorável ao bem cultural, também a lei do país de sua guarda e proteção.

Se é certo que na maioria das vezes a lex origins é a mais próxima dolocus cultural do bem, não é menos verdade que há casos em que nem a lexsitus, nem a lex origins se aproxima da identidade cultural das pessoasligadas ao bem, notadamente quando este pertence à humanidade ou quando,em razão do seu lugar de guarda e proteção, for ali (naquele lugar)conhecido do público em geral. A doutrina sobre patrimônio culturalbrasileiro tem se posicionado nesse sentido, defendendo que amovimentação internacional dos bens culturais presentes no territóriobrasileiro deve depender da vontade dos detentores do bem e do Estado,que zela pela diversidade cultural e pelo acesso e fruição dos bens culturaispelos residentes no país.40

Pense-se, v.g., no roubo da Santa Maria da Igreja Matriz, um objeto dearte sacra italiana do século XVIII, e sua comercialização para os EstadosUnidos. A Santa que fora roubada era integrante da coleção da IgrejaMatriz de São Cristóvão, em Sergipe, uma cidade brasileira declaradapatrimônio mundial pela Unesco e que tem no turismo religioso importantefonte de renda. Nesse caso, parece certo que a lei brasileira (lei do lugarde guarda e proteção do bem) será mais favorável à coisa – inclusive àidentidade cultural daqueles que se veem nela representados – que a lexorigins (lei italiana) ou a lex situs (lei norte-americana). Daí, em suma, tero juiz do foro que sopesar qual seria, dentre as opções possíveis, a normamais benéfica à guarda e à proteção do bem, que pode ser terceira lei

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8.3

distinta da lex origins ou da lex situs. Essa, tout court, a solução maisadequada à resolução da questão do tráfico ilícito de bens culturais.

A questão do possuidor de boa-fé

Há dúvida no que tange ao possuidor de boa-fé, que não encontraproteção específica em diversas legislações. Nos termos, porém, daConvenção Unidroit sobre Bens Culturais Furtados ou IlicitamenteExportados, de 1995, de que o Brasil é parte,41 o “possuidor de um bemcultural furtado, que deve restituí-lo, tem direito ao pagamento, no momentode sua restituição, de uma indenização equitativa, desde que não tenhasabido, ou devido razoavelmente saber, que o bem era furtado, e que possaprovar ter procedido às diligências cabíveis no momento da aquisição”(art. 4º, 1). Portanto, segundo a Convenção, o possuidor de boa-fé deverestituir o bem, tendo, porém, direito ao pagamento de indenizaçãoequitativa se comprovar desconhecer a sua origem ilícita. Nesse caso, dadaa especialidade da norma convencional, haverá substituição da regra do art.8º da LINDB no que tange à lei aplicável à propriedade móvel.42

Também a Convenção sobre as Medidas a serem Adotadas para Proibire Impedir a Importação, Exportação e Transposição e Transferência dePropriedade Ilícitas dos Bens Culturais, de 1970, posiciona-se no mesmosentido, ao obrigar o Estado solicitante que “pague justa compensação aqualquer comprador de boa-fé ou a qualquer pessoa que detenha apropriedade legal daqueles bens” (art. 7º, b, ii).

Relativamente ao possuidor de boa-fé, merece destaque o julgamento docaso Winkworth vs. Cristine, Manson & Woods Ltd. and Another, sobre acoleção japonesa de netsuke roubada e vendida para um colecionador daInglaterra e posteriormente transferida para a Itália, tendo o compradoritaliano volvido a coleção à Londres para leiloá-la na Christie’s.Reconhecido o produto do roubo, houve demanda judicial contra aChristie’s e o colecionador italiano, pelo que coube ao juiz inglês decidirse aplicaria a lei italiana (que garantia a posse do adquirente de boa-fé) oua lei inglesa (favorável ao proprietário originário). A decisão entendeu pela

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8.4

aplicação da lei do local da coisa no momento da venda, isto é, a leiitaliana, que garantia ao comprador “a propriedade pela posse, desde quede boa-fé no momento da entrega…” (Codice Civile, art. 1.153).43

Normas de aplicação imediata

As normas de aplicação imediata (lois de police) eventualmenteexistentes na legislação do Estado são de utilização prioritária pelo juiz doforo, pelo que sequer há investigação da norma potencialmente indicadapela regra de DIPr da lex fori. As leis protetivas dos bens culturais sãoexemplo fértil dessa categoria de normas, ao lado das normas trabalhistas econsumeristas, como já se viu (v. Parte I, Cap. VII, item 4.3, supra).44

Os exemplos no direito brasileiro são vários, a iniciar pelo art. 14 doDecreto-lei nº 25/37, prevê que o bem tombado “não poderá sair do país,senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim deintercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional”. O mesmo Decreto-lei tambémpune a tentativa de exportação sem autorização do Conselho Consultivo,determinando que “[a] pessoa que tentar a exportação de coisa tombada,além de incidir na multa a que se referem os parágrafos anteriores,incorrerá nas penas cominadas no Código Penal para o crime decontrabando” (art. 15, § 3º). A normativa não inclui, contudo, no patrimôniohistórico e artístico nacional as obras de origem estrangeira: 1) quepertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas nopaís; 2) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresasestrangeiras, que façam carreira no país; 3) que se incluam entre os bensreferidos no art. 10 da Introdução do Código Civil,45 e que continuamsujeitas à lei pessoal do proprietário; 4) que pertençam a casas de comérciode objetos históricos ou artísticos; 5) que sejam trazidas para exposiçõescomemorativas, educativas ou comerciais; e 6) que sejam importadas porempresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivosestabelecimentos (art. 3º).

O art. 1º da Lei nº 3.924/61, por sua vez, prevê que “[o]s monumentos

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arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes noterritório nacional e todos os elementos que neles se encontram ficam sob aguarda e proteção do Poder Público…”. A Lei nº 4.845/65, a seu turno,proíbe a saída para o exterior “de quaisquer obras de artes e ofíciostradicionais, produzidas no Brasil até o fim do período monárquico,abrangendo não só pinturas, desenhos, esculturas, gravuras e elementos dearquitetura, como também obra de talha, imaginária, ourivesaria, mobiliárioe outras modalidades (art. 1º). De igual forma, a Lei nº 5.471/68,regulamentada pelo Decreto nº 65.347/69, proíbe a exportação debibliotecas e acervos documentais de autores ou editores brasileiros ousobre o Brasil, editados entre os séculos XVI a XIX (art. 1º).

A Constituição Federal de 1988, de sua parte, diz competir igualmente àUnião, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “proteger osdocumentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural,os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos”,bem assim “impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obrasde arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural” (art. 23, IIIe IV).

Normas brasileiras posteriores (pós-1988) também proíbem o envio decoleções ao exterior sem autorização do órgão público competente. É ocaso do art. 13 da Lei nº 8.159/91 (Lei dos Arquivos), do inc. II do art. 3ºda Lei nº 8.394/91 (que dispõe sobre a preservação, organização eproteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República)e do art. 40, incs. IV e V, do Decreto nº 8.124/13, que prevê o direito depreferência do Estado para aquisição de coleções particulares, proibindosua saída definitiva ao exterior (venda) sem observância do direito depreferência ao Instituto Brasileiro de Museus (nos termos do art. 63 da Leinº 11.904/09).

Todo esse mosaico normativo opera imediatamente na ordem jurídicabrasileira, sequer suscitando qual seria eventual lei (estrangeira) aplicável.Não se perquire, assim, o que dispõe a lei da situação da coisa (v.g., a leido país em que a obra de arte roubada se encontra) em razão da aplicaçãoimediata das normas brasileiras em causa.

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V. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 484;TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II. 9. ed. rev. e atual. Rio deJaneiro: Freitas Bastos, 1970, p. 158-159; BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Dirittointernazionale privato italiano, cit., p. 239-240; ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA

FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, vol. 2 (atual. porSilva Pacheco). Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 329-332; AUDIT, Bernard &d’AVOUT, Louis. Droit international privé, cit., p. 739-740; e MAYER, Pierre &HEUZÉ, Vincent. Droit international privé, cit., p. 475-478. Cf. ainda, sentença daCorte de Cassação francesa de 14.03.1837 (Affaire Stewart c. Marteau), in ANCEL,Bertrand & LEQUETTE, Yves. Les grands arrêts de la jurisprudence française dedroit international privé, cit., p. 22-29.Cf. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 488-489; eWOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 270-282.V. ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 350-359.Assim também em nosso direito anterior, como se pode verificar em ESPINOLA,Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 594.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II (Parte Especial:conflitos de leis civis). Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1973, p. 157-158.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. II, cit., p. 194-195.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 165-166 (comreferência ao seu Anteprojeto de Lei Geral, art. 47, parágrafo único).A Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de09.09.1886, revista em Paris em 24.07.1977 (promulgada no Brasil pelo Decretonº 75.699, de 06.05.1975), determina, v.g., no art. 5º (2), que “afora as estipulaçõesda presente Convenção, a extensão da proteção e os meios processuais garantidosao autor para salvaguardar os seus direitos regulam-se exclusivamente pelalegislação do País onde a proteção é reclamada”.V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 123.Cf. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado,cit., p. 168; JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 479; eDINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada,cit., p. 293. Osiris Rocha, a seu turno, opta pela fundamentação política, nestestermos: “Assim, o critério legal de aplicação aos imóveis da lei do lugar de sua

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situação (lex rei sitae), universalmente observada, desde os tempos estatutários, éfacilmente explicada pela Ciência Política: nenhum país admitirá qualquer dúvida apropósito da competência legislativa e do poder diretivo sobre a propriedade real,em razão de sua visceral inserção no território, um dos elementos fundamentais doEstado” (Curso de direito internacional privado, cit., p. 135).CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 429.BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 251.Os bens que são parte de uma universalidade são regulados não pelo direito dascoisas, senão pelo direito das obrigações, pelo direito empresarial ou pelo direitodas sucessões.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 425.V. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 169-170;ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 341; e DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução aoCódigo Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 290-291. Essa última autora, contudo,observa: “Todavia, sob determinados aspectos, os bens uti universitas tambémpoderão disciplinar-se pela lex rei sitae, como, p. ex., a desapropriação de imóvelde tutelado ou da massa falida” (Idem, p. 291).O art. 10, caput, da antiga Introdução ao Código Civil de 1916 era omisso quanto àqualificação. Dizia: “Os bens, móveis, ou imóveis, estão sob a lei do lugar ondesituados; ficando, porém, sob a lei pessoal do proprietário os móveis de seu usopessoal, ou os que ele consiga tiver sempre, bem como os destinados a transportepara outros lugares”. Nada sobre qualificação se encontra na regra, como se nota.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 593-594. Sem fundamento,portanto, a opinião de Osiris Rocha, ao concordar com “a crítica de que odispositivo mande fazer qualificação por direito estrangeiro” (Curso de direitointernacional privado, cit., p. 137).DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada,cit., p. 290. A competência técnica da lex rei sitae foi afirmada, nesse exato sentido,por autores como Diena e Niboyet, “porque a sede das relações jurídicas estáincontestavelmente no lugar onde as coisas se encontram” (ESPINOLA, Eduardo.Elementos de direito internacional privado, cit., p. 597).Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 121-122; WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit.,p. 262-264; VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 160;BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t.II, cit., p. 193-194; ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 337-339; e JO, Hee Moon.Moderno direito internacional privado, cit., p. 480.

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Cf. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado,cit., p. 169; ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p.608; TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 166; e CASTRO,Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 428.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 428.V. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 293.V. BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 193.Lei de 31 de maio de 1995, art. 52.Essa também era, desde muito tempo, a opinião de Martin Wolff, para quem “[o]mais acertado, tratando-se de coisas que carecem de uma situação fixa (sejaconhecido ou desconhecido o lugar em que eventualmente se encontre), seriadeterminar o centro de gravidade da relação jurídica, não de um modo geral, senãoem atenção às circunstâncias do caso concreto” [grifo do original] (Derechointernacional privado, cit., p. 267).DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada,cit., p. 291. Assim também, ANDRADE, Agenor Pereira de. Manual de direitointernacional privado, cit., p. 192; e ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO,Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 348.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 592.BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 256-257.Cf. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 502.V. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 612;NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 502-509;TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 299; VALLADÃO,Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 164-165; BALLADORE

PALLIERI, Giorgio. Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 242; BATALHA,Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. II, cit., p.212; ROCHA, Osiris. Curso de direito internacional privado, cit., p. 136; ESPINOLA,Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código CivilBrasileiro, vol. 2, cit., p. 349-350; CASTRO, Amilcar de. Direito internacionalprivado, cit., p. 429-430; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p.591; DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 291; e BASSO, Maristela. Curso de direito internacionalprivado, cit., p. 194.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 161-162.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 430; e DINIZ, MariaHelena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 294.

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V. DEL’OLMO, Florisbal de Souza & ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro comentada, cit., p. 118.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 168.V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 485.Nesse exato sentido, v. ANDRADE, Agenor Pereira de. Manual de direitointernacional privado, cit., p. 198; ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo.A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 377-378; e DINIZ,Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p.295.V. ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 347, citando a lição de Pillet.Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 71, de 28.11.1972, em vigor interno desde06.05.1973, e promulgada pelo Decreto nº 72.312/73, de 31.05.1973.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 195-198.A propósito, cf. SOARES, Inês Virgínia Prado. Direito ao (do) patrimônio culturalbrasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009; e MIRANDA, Marcos Paulo de Souza.Tutela do patrimônio cultural brasileiro: doutrina, jurisprudência, legislação. BeloHorizonte: Del Rey, 2006.Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 4, de 21.01.1995, com adesão do Brasil em23.03.1999 e promulgada pelo Decreto nº 3.166, de 14.09.1999.Cf. LIXINSKI, Lucas. Direito internacional da arte e do patrimônio cultural:estratégias de exclusão e inclusão. In: MAMEDE, Gladston, FRANCA FILHO, MarcílioToscano & RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz (Org.). Direito da arte. São Paulo: Atlas,2015, p. 226.Winkworth vs. Christie Manson and Woods Ltd. and Another, [1980] 1 ER (Ch)496, [1980] 1 All ER 1121.Cf. FRIEDRICH, Tatyana Scheila. Normas imperativas de direito internacionalprivado…, cit., p. 62-70.O dispositivo (relativo aos bens móveis em trânsito) corresponde, hoje, ao art. 8º, §1º, da LINDB (v. item 4, supra).

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Capítulo III

Direito de Família

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1. Normas gerais

No DIPr brasileiro, as regras sobre direito de família são determinadaspela lei domiciliar da pessoa (LINDB, art. 7º, caput).1 Havendo, contudo,previsão diversa em tratado internacional, esta é que deverá prevalecerentre os Estados-partes, dada a supremacia das normas do DireitoInternacional Público às do Direito interno. Se estiver, porém, em jogosomente a LINDB, será a lei do domicílio da pessoa que determinará asregras sobre direito de família a ela aplicáveis, nos termos da tradiçãobrasileira nessa matéria. Também segundo a LINDB, porém, se “a pessoanão tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residênciaou naquele em que se encontre” (art. 7º, § 8º). Trata-se de critério supletivoconhecido e aceito pelas legislações de diversos países, que facilita aindicação da lei aplicável à relação jurídica. Pessoas sem domicílioconhecido são adômides, e, assim, a lei, para solucionar a questão, adotoudois critérios suplementares: o da residência e o do lugar em que aspessoas se encontrem.2

Nada do que se acabou de dizer, porém, impede o juiz de escutar o“diálogo das fontes” (internacionais e internas) e de aplicar o que elasdizem.3 A solução do caso concreto, assim, poderá ser moderna (desde quematerialmente justa) ou pós-moderna, levando em conta fatores exógenos àsregras de conflito, como, v.g., a cultura das partes ou a proximidade com arelação jurídica (como no caso da aplicação da lei da “residência habitual”do menor na adoção, em detrimento da regra domiciliar, sempre mais rígidae inflexível).

Nos itens abaixo estudaremos quatro institutos afetos ao direito defamília conectados ao DIPr brasileiro, com suas respectivaspeculiaridades: o casamento, o divórcio, as relações parentais e a adoçãointernacional de menores. Antes, porém, aqui será estudado (por questãodidática) também o instituto dos esponsais, que, não obstante alheio aodireito de família no Brasil, é contrato preliminar ao casamento.

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Esponsais

A omissão dos Códigos Civis de 1916 e 2002 sobre o contratoesponsalício – o tema esteve presente entre nós apenas na Lei de 6 deoutubro de 1784 e na Consolidação das Leis Civis de 1858, da lavra doilustre Teixeira de Freitas – não fez desaparecerem as questões que sobreele ainda recaem no Brasil, sobretudo no âmbito do DIPr. Duas questõessobre os esponsais merecem especial destaque, quais sejam, as atinentes àsua qualificação e à lei aplicável, nos termos tanto da LINDB como doCódigo Bustamante.

Os esponsais correspondem a uma das fases preparatórias aocasamento, de origem mais remota que a habilitação, conhecidospopularmente por noivado.4 Trata-se do momento em que os nubentesassumem a vontade de contrair futuras núpcias,5 o que, em muitos países,vem seguido de comemorações e festejos diversos. Seu rompimento, porém,pode levar a certa complexidade jurídica, sobretudo no plano do DIPr,quando ocorrido no estrangeiro e à luz de legislações díspares. Busca-sesaber se há obrigação de levar a cabo o contrato esponsalício (e, portanto,fazer casar os nubentes), ou se apenas será possível ao consorteprejudicado vindicar eventual indenização pelos prejuízos decorrentes daquebra do compromisso.

Qualificação dos esponsais

A primeira certeza que se tem sobre os esponsais diz respeito à suaqualificação lex fori, à exceção (se verá) dos instrumentos internacionaisde direito uniforme em vigor no Estado. Faltante no Código Civil brasileiroprevisão sobre os contratos esponsalícios, sua regência caberá, entre nós,não ao direito de família, senão ao estatuto das obrigações ex delicto.6 NoDIPr, tais obrigações são também conexões capazes de ligar o fatodelituoso a mais de uma ordem jurídica, dando ensejo à investigação do

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direito aplicável pelo juiz. De fato, os esponsais não comportam, à luz dodireito infraconvencional brasileiro, nenhum efeito sobre o matrimônio emsi, bem assim sobre o direito de família em geral; nada além de anseio poreventual indenização (decorrente da quebra do noivado) existe de fundo noinstituto, sem repercussão capaz de atingir o âmbito propriamente familiar.Tanto é assim – leciona Irineu Strenger – que o direito brasileiro “nãopermite, por vacatio legis, pensar em qualquer vínculo obrigacional decontratar casamento, e a promessa de casamento não cria qualquer embriãofamiliar de molde a justificar a assimilação ao estatuto pessoal”.7 Portanto,a localização da ordem jurídica apta a resolver a questão posta em juízodetermina-se pela lex loci delicti commissi, uma vez qualificada a relaçãoesponsalícia no plano do direito das obrigações no Brasil.8

Como, no entanto, se dará eventual indenização é matéria a seranalisada no processo, e são variados os motivos que a podem ensejar:compra antecipada de imóveis ou veículos, despesas com buffet e festa,aquisição de enxoval, demissão do emprego, dentre outros. Certo é que, àluz do direito brasileiro atual, se não há execução forçada da obrigaçãoesponsalícia, ao menos “[a]quele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (CC, art. 927). Em suma,para falar como Eduardo Espinola, “[é] conforme a equidade e aosprincípios gerais de direito que a parte de boa-fé, prejudicada com oprocedimento injusto da outra, seja indenizada dos prejuízos queefetivamente se verifiquem por haver acreditado que o contrato serealizaria”.9

A qualificação nacional dos esponsais, é verdade, não impede qualquerlegislação estrangeira de classificá-los diversamente, como, v.g., faz odireito alemão, que os aloca no plano do direito de família. Mais: a teor doart. 30 da Lei de Introdução ao Código Civil alemão os esponsais sãomatéria de ordem pública, por não poder o juiz alemão aplicar a leiestrangeira se houver maior restrição à liberdade de contrair matrimônio doque permitido pela lei alemã.10 É o caso, v.g., do direito estrangeiro queobriga à realização do casamento contra disposição em contrário da lexfori. No direito brasileiro e no de diversos outros países (v.g., da Itália),não há qualquer obrigação de levar a cabo a relação esponsalícia, para que

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2.2

se obrigue o consorte a casar.11 A mesma orientação, de há muito, tem sidoseguida pelo direito canônico.12 Em todos esses casos a ordem públicapassará a operar e a cortar efeitos à lei estrangeira; esta não será aplicadain foro domestico e não se homologará qualquer sentença delaproveniente.13

Atente-se bem, contudo, ao que revela (com razão) Pontes de Miranda:se se tratar de pena contratual imposta pela lei estrangeira, a ordem públicanacional opera; se se tratar apenas de indenização por quebra docompromisso, não.14

Lei aplicável segundo a LINDB

No direito brasileiro atual, as obrigações (inclusive extracontratuais,como as ex delicto) serão regidas e qualificadas pela “lei do país em quese constituírem” (LINDB, art. 9º). Portanto, a conexão aplicável à quebrade esponsais proviria da regra lex loci delicti commissi. Assim, tendo orompimento da promessa de casamento (ato ilícito) ocorrido, v.g., naFrança, seria o direito francês o aplicado segundo a sua qualificação, porter sido naquele país constituída a obrigação ex delicto (não obstante aobrigação precedente, esponsalícia, ter-se constituído, v.g., na Alemanha).A legislação francesa, a esse respeito, adotou a regra geral neminemlaedere (“a ninguém lesar”), pelo que na França só se analisa a ruptura dapromessa de casamento à luz da responsabilidade civil extracontratual,15

diferentemente da Alemanha, que a submete, como se disse, ao direito defamília.16 Ainda que obsoleta, mas a título de argumentação, a qualificaçãoinicial pela lex fori levaria ao mesmo entendimento, uma vez que, noBrasil, com a vigência do Código Civil de 2002, o rompimento dapromessa de casamento foi alocado entre a prática dos atos ilícitos,passível, guardadas as circunstâncias, de indenização por danos morais(arts. 186 e 927). Assim, não sendo os contratos esponsalíciosreconhecidos na França, haveria de se analisar os requisitos das normasfrancesas sobre responsabilidade civil extracontratual para fins de,eventualmente, enquadrar o rompimento da promessa de casamento a título

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2.3

de ato ilícito.Como se vê, não se aplica ao rompimento de esponsais a lei pessoal,

mas a do lugar em que quebrado o compromisso de noivado, isto é, onde aobrigação por ato ilícito se constituiu. Tratando-se, no exemplo citado, deresponsabilidade civil extracontratual, não de direito de família, afasta-se aregra contida no art. 7º, caput, da LINDB, segundo a qual “[a] lei do paísem que domiciliada a pessoa determina as regras sobre (…) os direitos defamília”, por não ter relevância o locus domiciliar de qualquer das partes,senão onde o ato danoso efetivamente ocorreu. A lei do local do danoregerá, também, a prova do ato ilícito.

Fossem, porém, os esponsais quebrados em país que os qualifica noplano do direito de família, e, para além disso, que obriga o causador dodano a casar, o juiz brasileiro, fazendo operar a ordem pública, haveria decortar efeitos à norma estranha para aplicar exclusivamente a lex fori,resolvendo-se a questão, aqui também, no plano da responsabilidade civilextracontratual (pela via dos ressarcimentos, indenizações etc.).

Regra do Código Bustamante

O Código Bustamante contém regra expressa sobre o rompimento dapromessa de casamento, dispondo que “[r]ege-se pela lei pessoal comumdas partes e, na sua falta, pelo direito local, a obrigação, ou não, deindenização em consequência de promessa de casamento não executada oude publicação de proclamas, em igual caso” (art. 39).17

A “lei pessoal” referida pode ser, segundo o mesmo Código, a dodomicílio, da nacionalidade ou a que tenha adotado ou adote no futuro alegislação interna do Estado-contratante (art. 7º). Assim, no caso emapreço, a lei pessoal comum das partes será a lei do domicílio de ambos osnubentes (critério utilizado pelo DIPr brasileiro para a determinação doestatuto pessoal), desse modo, necessário saber onde se domiciliam osnubentes para a localização da referida lei; sendo diversos os domicílios,deve ser aplicada, supletivamente, a lex fori.18

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O Código Bustamante, como se vê, excepcionou a regra geral lex locidelicti commissi da LINDB para o caso do rompimento de esponsais.Assim, a lex loci prevista pela LINDB para a regência e qualificação dasobrigações (art. 9º) cede ante a regra do Código de Havana que conecta aobrigação de indenizar em decorrência da quebra de esponsais à lei pessoalcomum das partes ou, em sua falta, à lex fori (art. 39).

Frise-se que o art. 39 do Código Bustamante pertence ao capítulointitulado “Do Matrimônio e do Divórcio”, na seção relativa às “CondiçõesJurídicas que Devem Preceder a Celebração do Matrimônio”. Portanto, nãoobstante ter o direito brasileiro infraconvencional qualificado os esponsaisno plano da responsabilidade civil por ato ilícito extracontratual, certo queo Código Bustamante os qualificou à luz do direito de família. É exatamenteo caso, a priori, de dar prevalência a essa última qualificação emdetrimento daquela.

Há discussão acerca de saber se o Código Bustamante tem eficáciaapenas para os seus Estados-partes (são apenas quinze os Estados-partesdo Código) ou se deve ser aplicado como norma componente da coleçãonacional de regras de DIPr. Se se entender da primeira maneira, somenteentre os Estados que o ratificaram teria valor a regra sobre rompimento deesponsais; se da segunda forma, o Código integraria a coleção de normasdomésticas de DIPr e, como tal, deveria ser aplicado no Brasilindependentemente de qual seja o Estado em que a obrigação esponsalíciatenha sido quebrada. Correta, já se viu, é a primeira solução, à luz da regraexpressa no art. 2º da introdução ao Código de Havana, para o qual apenasentre os Estados-contratantes terão valor jurídico as disposições doCódigo.19

Entre os quinze Estados-partes do Código, porém, assim se resolve aquaestio sobre a lei aplicável à ruptura dos esponsais quando ambos osnubentes têm a mesma lei domiciliar, se plantada a demanda no Brasil:aplica-se a lei domiciliar de ambos os nubentes (v.g., a lei chilena, a cubanaou a hondurenha, com a sua qualificação) sem qualquer exceção. Se, porém,a lei domiciliar dos nubentes for diversa, a aplicação da lex fori (com anossa qualificação) se impõe, nos termos do art. 39 do Código, caso em

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que eventual indenização se resolverá no plano do direito das obrigações,mesmo tendo o Código qualificado o tema no âmbito do direito de família,pois não há no direito de família brasileiro previsão expressa relativa aoscontratos esponsalícios. Trata-se de lacuna na legislação doméstica quecorta efeitos à qualificação internacional por autorização da próprianormativa exterior, que determinou, supletivamente, a aplicação da lex fori– com a sua (nossa) qualificação pertinente – para o caso de nubentes comlei pessoal diversa.

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3.

3.1

Casamento

É enorme a constância com que pessoas de nacionalidade ou domicíliosdistintos casam-se ao redor do mundo todos os dias. Há, v.g., casamentos noestrangeiro de pessoas domiciliadas no Brasil, e casamentos no Brasil depessoas domiciliadas no exterior. Quando tal ocorre, necessário saber quala lei aplicável a essa relação jurídica, tanto para as questões de fundo (v.g.,capacidade dos nubentes para contrair matrimônio) quanto para as questõesde forma (v.g., formalidades habilitantes e celebrantes).20 Em suma, asnormas de DIPr sobre casamento servem, para falar como Osiris Rocha,para permitir “a apreciação da validade dos casamentos que constituíramfatos interjurisdicionais, isto é, que, por qualquer dos seus elementos, seligaram a mais de uma jurisdição independente”.21

Destaque-se, desde já, que as regras da LINDB sobre casamentotambém hão de ser aplicadas à união estável, salvo, evidentemente, asatinentes às formalidades habilitantes e celebrantes. Todo o mais, contudo,lhe aproveita, pelo que tudo o que se disser sobre casamento deverá seaplicar também à união estável, até mesmo, v.g., as regras sobreimpedimentos. Evidentemente que também se aplicam às uniõeshomoafetivas e sua convolação em matrimônio, como já sedimentado nodireito brasileiro atual.

Para a realização do casamento devem ser plenamente esgotadas aschamadas formalidades habilitantes e celebrantes; as primeiras são as queantecedem as núpcias, e as segundas as que presidem sua própriacelebração.22 Questão, preliminar, contudo, diz respeito à capacidade paracasar. Havendo-a, analisam-se, então, as regras sobre casamento realizadono Brasil e no exterior, o casamento consular, o casamento por procuração,a lei aplicável ao regime de bens e a invalidade matrimonial.

Capacidade para casar

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A capacidade para casar é aferida pela lei pessoal de cada um dosnubentes, isto é, pela lei do domicílio (LINDB, art. 7º, caput).23 Independe,à evidência, do local da celebração do casamento e da nacionalidade daspartes. A forma do casamento segue a lei do local de sua celebração (art.7º, § 1º, in fine), enquanto a capacidade para contrair matrimônio obedeceà lei pessoal de cada qual dos nubentes (art. 7º, caput).24 Ao contrário doque às vezes se apregoa, não houve qualquer unificação, pelo § 1º do art.7º, das regras sobre forma e substância sob a mesma lei.25 Dolinger, v.g.,critica os autores que assim pensam, dizendo, com razão, não ser esse “omelhor entendimento, pois, basicamente, enquanto a forma segue a lei dolocal da celebração, as questões relativas à capacidade nupcial devemobedecer ao disposto na lei pessoal dos nubentes, o que nem semprecoincidirá com a lei do local da celebração”.26

Assim, pretendendo um brasileiro casar-se no Brasil com consorte(independentemente da nacionalidade) domiciliada no Paraguai, deveráverificar se está a noiva habilitada pela lei paraguaia a se casar (noParaguai, a maioridade se atinge aos 20 anos de idade, conforme o art. 36de seu Código Civil). Alguém com dezoito anos de idade (idade plenamentenúbil no Brasil) poderá, v.g., ser ainda menor (e, portanto, incapaz) paracontrair matrimônio pela lei de seu domicílio (v.g., o Paraguai). Será, porconsequência, a lei do domicílio da pessoa que determinará a capacidadepara contrair matrimônio. Não só, porém, a idade, senão também outrosfatores podem retirar a capacidade de uma pessoa para casar, como, v.g.,doenças mentais, loucura ou o exercício de determinadas funções públicasou cargos.27 Havendo, contudo, violação da nossa ordem pública, os efeitosda lei estrangeira indicada serão cortados no País. Se a lei estrangeira, v.g.,habilita o poligâmico a casar, considerando-o apto a contrair nova núpciacom casamento anterior em vigor, é certo que é capaz de contrairmatrimônio segundo a sua lei domiciliar, mas não no Brasil, que é país detradição monogâmica (e em que a poligamia é, por isso mesmo, crime).28

Qual a lei a reger os impedimentos matrimoniais? Havendo algumimpedimento à vista, será este verificado nos termos estritos da lei do localda celebração do matrimônio. Os impedimentos para o casamento nãodevem ser aferidos nos termos da lei domiciliar, senão apenas nos termos

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3.2

da lex loci celebrationis. No exemplo da noiva domiciliada no Paraguaicujo casamento se realizou no Brasil, não se há de verificar se a leiparaguaia impõe algum impedimento para o matrimônio, mas somente se alei brasileira os estabelece.29 A lei estrangeira poderá dizer, v.g., que estáimpedido de casar um parente colateral de quarto grau. Esse impedimento,à evidência, não será levado em consideração no Brasil, pois o CódigoCivil brasileiro proíbe colaterais de se casarem apenas até o terceiro grau(art. 1.521, IV).30 O mesmo se diga quanto aos impedimentos de ordempuramente religiosa, como os que proíbem o casamento de padres, demonges ou de ministros protestantes; por violarem a nossa ordem pública,não terão eficácia extraterritorial.31

Casamento realizado no Brasil

Realizando-se o casamento no Brasil, todas as formalidades habilitantese celebrantes serão exclusivamente regidas pela lei brasileira (LINDB, art.7º, § 1º). Tal é assim por ser o casamento ato estritamente formal, revestidode requisitos muito específicos a serem observados por cada legislação.Por isso é que cada ordem jurídica chama para si a competência para regeras formalidades habilitantes e celebrantes do matrimônio, não deixandomargem a que outra legislação estrangeira as conteste. Sendo assim, aqueles(nacionais ou estrangeiros, domiciliados ou não no País) que pretenderemse casar no Brasil deverão fazer prova de que cumprem com asformalidades estabelecidas pela legislação brasileira (Código Civil) paratanto, de que não há impedimentos para as núpcias e de que estão emcondições de contraí-las, tudo para o fim de evitar a realização decasamentos com afronta às leis locais.32

O Código Bustamante, por sua vez, determina que “[o]s estrangeirosdevem provar, antes de casar, que preencheram as condições exigidas pelassuas leis pessoais, no que se refere ao artigo precedente”, podendo “fazê-lomediante certidão dos respectivos funcionários diplomáticos ou agentesconsulares ou por outros meios julgados suficientes pela autoridade local,que terá em todo caso completa liberdade de apreciação” (art. 37). O artigo

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precedente (art. 36) dispõe, a seu turno, que “[o]s nubentes estarão sujeitosà sua lei pessoal, em tudo quanto se refira à capacidade para celebrar omatrimônio, ao consentimento ou conselhos paternos, aos impedimentos e àsua dispensa”. Vê-se que o Código determina que os estrangeiros devemfazer prova de que preenchem as condições para casar “exigidas pelas suasleis pessoais”, é dizer, pelas leis dos respectivos domicílios.33 Essaobrigatoriedade, contudo, não há de se fazer presente para além dasrelações entre os Estados que ratificaram a Convenção de Havana, pois talnorma convencional não tem valor para fora do círculo restrito dos seusquinze Estados-partes. À exceção da capacidade matrimonial, que é questãosubstancial, não formal, parece irrazoável exigir do estrangeiro que façaprova de que, segundo a sua lei pessoal, está habilitado a se consorciar noBrasil; que comprove presentes todas as formalidades (habilitantes ecelebrantes) exigidas pelo país de domicílio para que o casamento serealize. As condições necessárias para o matrimônio, em face da regraunilateral do art. 7º, § 1º, são apenas as exigidas pela lei brasileira, nãopela norma estrangeira domiciliar, que poderá impor outras formalidadescelebrantes e habilitantes desconhecidas e mais gravosas que as previstaspela lei nacional.34

A norma do art. 7º, § 1º, da LINDB é corolária da regra locus regitactum, sem, contudo, autorizar qualquer flexibilização, dado o seu caráter(especificamente nesse caso) não facultativo.35 Sua intenção foi preservar ainstituição casamento de qualquer tipo de fraude ou ato que a desvirtue,pelo que a lei brasileira passa a ter exclusividade na regulação (forma,validade extrínseca) de sua celebração, independentemente de onde sejamos nubentes domiciliados ou de qual seja a sua nacionalidade. Assim, todosos que se casam no Brasil devem respeitar as normas do direito brasileiro(Código Civil) sobre casamento; devem observância às normas imperativasda lex fori sobre o tema. Tirante, porém, a necessidade de seguir asdeterminações das normas brasileiras de regência, nada de problemático,ou de dificultoso, há na interpretação da regra, notadamente em razão de suaunilateralidade, que não deixa margem à aplicação senão da lei nacional aocaso. Não haverá, em razão disso, qualquer problema de ordem pública,pois não se aplica a lei estrangeira, quer direta ou indiretamente.36

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Obedecidas as formalidades da lei brasileira, será o casamento, quantoà forma, válido no Brasil e em todos os demais países, que o deverãoaceitar a título de direito legalmente adquirido no exterior. Nenhum valorterá, no Brasil e em outros países, eventual declaração de nulidade docasamento segundo a lei do domicílio (estrangeiro) das partes ou de suanacionalidade.37

Casamento realizado no exterior

Realizando-se no exterior o casamento de pessoas (brasileiras ouestrangeiras) domiciliadas no Brasil, resta saber qual lei será competentepara reger as formalidades habilitantes e celebrantes.38 A resposta provémda bilateralização da regra do art. 7º, § 1º, da LINDB: se a lei brasileiradeve ser aplicada para o casamento realizado no Brasil, é evidente quepara os casamentos celebrados no exterior há de se aplicar a lei do local desua celebração. As formalidades habilitantes e celebrantes do casamentoserão regidas, portanto, em tais casos, pela lex loci celebrationis; cada paístem regras específicas sobre tais formalidades, que deverão ser observadaspelos nubentes. Como explica Dolinger, essa regra “deriva da noção de quea lei do local da celebração é a mais bem conhecida pelas partescontratantes, e mesmo que assim não seja, presume-se que as partes sesujeitam às regras formais do local da celebração do ato”.39 Essa lei poderáser, inclusive, menos exigente que a lei brasileira relativamente a taisformalidades, no que será plenamente válida, pouco importando “que oprocesso ou a solenidade que o objetivou segundo o direito local constitua,ou não, casamento no país de domicílio de ambos, ou de um doscônjuges”.40 Assim o casamento do brasileiro celebrado conforme leis depaíses que admitem a constituição de sociedade conjugal per verba depraesenti, é dizer, em razão do simples consentimento dos noivos, sem ainterferência de qualquer autoridade.41

São bem conhecidos, v.g., os casamentos celebrados em Las Vegas, nosEstados Unidos, com pouquíssimas formalidades habilitantes oucelebrantes. Também há casamentos tribais em que toda a celebração é

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revestida de formalidades apenas religiosas, desconhecidas pela lex fori.Respeitada a lei local, será, repita-se, plenamente válido no Brasil omatrimônio contraído no estrangeiro, seja qual for a modalidade de suacelebração.42 A esse respeito a jurisprudência é farta, tendo sido járeconhecidos, como informa Valladão, o casamento consensual (decisões daInglaterra, Bélgica, França, Alemanha e Itália; para os Estados Unidos, v.Restatement, § 123, inclusive o casamento por correspondência), ocasamento informal (decisão da Argentina sobre casamento de chineses semregistro, segundo os usos), o do cacique Coliqueo (chefe índio) segundo ocostume da tribo (Canadá, caso Connolly vs. Woabrick & Johnson, de1867, conforme os usos dos índios Cree, de uma índia e um branco), ocasamento realizado em tribo nômade, da América do Norte, da África edos Esquimós, com cerimônias tribais de acordo com o direito tribal,dentre tantos outros.43 Trata-se, em suma, de reconhecer em territórionacional a competência da lei estrangeira para a regência da celebração domatrimônio, salvo o caso de comprovada fraude à lei. A recíproca étambém verdadeira, pois “se o consórcio não for casamento no lugar ondefoi celebrado, em regra, não o será também no estrangeiro”.44

Anteriormente, se se pretendesse apenas provar o casamento realizadono exterior, havia autorização para que fosse o matrimônio registrado noBrasil (Lei de Registros Públicos, art. 32, § 1º); não se exigia o registropara que se reconhecesse o casamento no Brasil, pois entendia-se tratar dedireito legalmente adquirido alhures.45 Com o advento do Código Civil de2002 a regra passou a ser a da obrigatoriedade do registro no Brasil dosassentos de casamento de brasileiros celebrados no estrangeiro, querperante as autoridades respectivas, quer perante autoridades consularesbrasileiras, nos termos do art. 1.544, segundo o qual, “[o] casamento debrasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ouos cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, acontar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório dorespectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1º Ofício da Capital do Estadoem que passarem a residir”. Nesse exato sentido, o Projeto de Lei nº 269 doSenado previa que “[a]s pessoas domiciliadas no Brasil, que se casarem noexterior, atenderão, antes ou depois do casamento, as formalidades para

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3.4.1

habilitação reguladas no Código Civil Brasileiro, registrando o casamentona forma prevista no seu art. 1.544” (art. 9º, § 1º).

Casamento consular

Tanto brasileiros no exterior quanto estrangeiros no Brasil podem casarperante as autoridades consulares de seus respectivos países. Será, nessescasos, aplicada a lei nacional dos nubentes, em exceção à regra geral lexloci celebrationis. Tal é assim para que não se criem situações injustas oudesconfortáveis a estrangeiros que pretendam casar fora de seus países.Imagine-se, v.g., que um casal de brasileiros esteja em país que só admite ocasamento religioso e que, para a realização do matrimônio, devamcomprovar que pertencem à religião oficial do Estado. Parece certo, em talcaso, que a aplicação rígida da lex loci celebrationis causaria a injustiçade impedir um casal estrangeiro de convolar núpcias no exterior.46 Daí,então, a oportunidade que as legislações de DIPr concedem aos noivos decasar perante as autoridades consulares de seus respectivos países,aplicando-se, para tanto, a lei de sua nacionalidade.

A autorização para que cônsules celebrem casamentos no Estadoacreditado provém do art. 5º, f, da Convenção de Viena sobre RelaçõesDiplomáticas de 1963,47 que atribui competência a tais agentes para “agirna qualidade de notário e oficial de registro civil, exercer funçõessimilares, assim como outras de caráter administrativo, sempre que nãocontrariem as leis e regulamentos do Estado receptor”.

Para a exata compreensão da matéria serão analisados (a) oscasamentos consulares de brasileiros no exterior e (b) os casamentosconsulares de estrangeiros no Brasil, verificando as regras a cada casopertinentes.

Casamento consular de brasileiros no exteriorA LINDB dispõe, em seu art. 18, que “[t]ratando-se de brasileiros, são

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competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar ocasamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive oregistro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileiranascido no país da sede do Consulado”.48 Assim, os cônsules de carreiralegalmente acreditados em país estrangeiro são competentes, segundo anossa legislação, para celebrar casamentos de brasileiros no exterior. Paratal independe se os nubentes são ou não domiciliados no Brasil, importandoapenas que tenham nacionalidade brasileira.

Devem ambos os nubentes ter a nacionalidade brasileira (sejaoriginária ou derivada) para que as nossas autoridades consulares possamcelebrar o matrimônio alhures.49 De fato, o art. 7º, § 2º, da LINDB, quandoversa o casamento de estrangeiros no Brasil, dispõe que o mesmo só poderáser celebrado “perante autoridades diplomáticas ou consulares do país deambos os nubentes”. Tal referência, não há dúvidas, está a indicar que asautoridades diplomáticas ou consulares estrangeiras só podem celebrarmatrimônios de seus nacionais; não poderão celebrar casamento de umnacional com um estrangeiro, pois o critério adotado para os casamentosconsulares é o da nacionalidade de ambos os nubentes.50 Assim, porquestão de soberania, representantes diplomáticos ou consulares só podemcelebrar matrimônio de pessoas de sua nacionalidade, não de estrangeiros;a regra do art. 18 da LINDB (“[t]ratando-se de brasileiros…) também levaa esse entendimento, qual seja, o de que ambos os nubentes devem serbrasileiros (natos ou naturalizados) para que a autoridade consularbrasileira acreditada no estrangeiro possa celebrar o matrimônio. Se, v.g.,uma brasileira e um italiano pretenderem se casar no exterior, o casamentodeverá ser celebrado pela autoridade local nos termos da lex locicelebrationis, não podendo, em tal caso, realizar-se perante autoridadesdiplomáticas ou consulares brasileiras ou italianas.51

Como leciona Dolinger, “[s]e um representante estrangeiro consorciarna sede da representação um brasileiro com um estrangeiro, ou mesmo doisestrangeiros que não sejam ambos nacionais de seu país, terá desrespeitadonossa soberania e não reconheceremos a validade deste casamento”. Earremata: “A nós parece que se deve seguir em matéria de casamentoconsular a regra da reciprocidade: assim como condicionamos a

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competência do cônsul estrangeiro para celebrar casamentos em nossoterritório a que ambos os nubentes sejam nacionais do país que o cônsulrepresenta, também nossas autoridades consulares só têm competência paracelebrar núpcias de dois brasileiros, mas não de brasileiro comestrangeiro”.52

Não tendo ambos os nubentes a mesma nacionalidade, só lhes restaconvolar núpcias segundo as normas ordinárias estabelecidas pela lex loci.Esta, porém, já se disse, poderá impor condições impossíveis de seremcumpridas pelos nubentes, como, v.g., a comprovação de prática religiosaque não professam. Em tal caso, ainda que lamentável, não haverá basejurídica para a celebração do matrimônio no exterior, quer por faltar àsautoridades diplomáticas ou consulares estrangeiras competência pararealizar casamento de apenas um nacional seu, quer pelo fato de as regrasmatrimoniais do Estado em causa serem de impossível cumprimento pelosnubentes.

Realizado, porém, o casamento consular no exterior, o Código Civilexige (art. 1.544) seja o mesmo “registrado em cento e oitenta dias, a contarda volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório dorespectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1º Ofício da Capital do Estadoem que passarem a residir”. A regra, portanto, é imperativa (“deverá serregistrado em cento e oitenta dias…) e não admite exceções.

Por fim, destaque-se não poderem os brasileiros contrair núpcias noBrasil, em repartição ou consulado estrangeiro, ainda que domiciliados nopaís a que pertença a autoridade celebrante.53

Casamento consular de estrangeiros no BrasilDa mesma forma que se faculta aos brasileiros casar no exterior perante

as autoridades brasileiras, podem os estrangeiros convolar núpcias noBrasil perante as autoridades diplomáticas ou consulares de seusrespectivos países (art. 7º, § 2º). Para tanto, igualmente, devem ambos osnubentes ter idêntica nacionalidade estrangeira, sem o que as autoridadesdiplomáticas ou consulares acreditadas no Brasil não poderão celebrar o

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matrimônio (v.g., o casamento de um alemão com uma brasileira, perante aautoridade consular alemã no Brasil). A qualificação da nacionalidade (dosque são estrangeiros) para efeito de aplicação do art. 7º, § 2º, dá-se à luzda legislação do país da autoridade celebrante, não da do direito brasileiro.Como destaca Oscar Tenório, “[n]ão interfere o Brasil na controvérsia, poisnenhum interesse tem nela, embora em outro país a questão possa serapreciada”.54

A autorização para que estrangeiros (de mesma nacionalidade)contraiam núpcias no Brasil perante autoridades diplomáticas ou consularesde seus países excepciona a regra lex loci celebrationis, uma vez que asautoridades diplomáticas ou consulares estrangeiras acreditadas no Brasildevem respeito às leis de seu Estado de origem, não às nossas leis. Daí aprecisa observação de Amilcar de Castro de que “[n]o Brasil, portanto,podem ser feitos casamentos por forma diversa da que é mantida pelodireito brasileiro”.55

Cada Estado estrangeiro pode estabelecer requisitos para a validadedos casamentos realizados no exterior perante as suas autoridadesdiplomáticas ou consulares, como, v.g., o registro do ato matrimonial emcartório ou a transcrição do termo consular perante órgão executivo ou, atémesmo, judiciário. Tais condições variam de país a país. No Brasil, já seviu, a única exigência para a validade interna dos casamentos consulares éser o ato nupcial registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de umou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou,em sua falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir(CC, art. 1.544). Na Itália, sendo um dos cônjuges italianos, mesmo osmatrimônios ordinariamente celebrados no exterior (pela lex locicelebrationis) devem ser transcritos no país; tal transcrição, contudo,diferentemente da relativa ao matrimônio canônico-concordatário,56 não temnatureza constitutiva, senão meramente declaratória.57

As autoridades diplomáticas ou consulares estrangeiras acreditadas noBrasil seguirão a sua legislação de origem sobre a capacidade matrimonialdos nubentes, os diversos tipos de impedimento e o regime de bens.

Poderiam, contudo, dois italianos (que são também brasileiros em

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razão de dupla nacionalidade) casar-se perante autoridade consular italianano Brasil? A resposta é negativa. Já em 1908, a Diretoria-Geral doMinistério das Relações Exteriores advertia aos consulados estrangeiros noBrasil que não realizassem casamentos consulares de seus nacionais quandoum dos nubentes fosse também nacional brasileiro.58 Havendo, portanto,hipótese de dupla nacionalidade, ainda que ambos os nubentes sejamnacionais do Estado a que pertence a autoridade consular, não seráreconhecido no Brasil o matrimônio respectivo se um dos consortes fortambém brasileiro.

Casamento por procuração

No que tange ao casamento por procuração, há certa divergência sobresua qualificação. Se alguém, domiciliado em país que impede talmodalidade matrimonial, passa uma procuração para outrem a fim de casar-se com consorte domiciliada no Brasil, qual a lei aplicável ao casamentoassim celebrado? Como explica Dolinger, tudo está a depender de como sequalifica a questão. Se se entender tratar-se de questão substancial, ligadaà capacidade, à manifestação da vontade para casar, de aplicar-se a lexcausae e considerar que o casamento não foi regularmente celebrado,devendo ser invalidado; se, por outro lado, for a questão qualificada comode forma de celebração do matrimônio, de aplicar-se a lex locicelebrationis, lei brasileira, para a qual é plenamente válida a forma dacelebração matrimonial por procurador.59

Para nós, levando em conta que a qualificação há de ser realizada poretapas, iniciando pela lex fori e findando pela lex causae, parece certo quemesmo permitindo a legislação brasileira o casamento por procuração, estenão poderá realizar-se no Brasil (salvo se houver tratado internacional emsentido contrário) se a lex causae (qualificação definitiva) alocá-lo noplano substancial. Segundo a doutrina que defendemos, a qualificaçãodefinitiva é determinada pela lex causae; se a procuração foi outorgada empaís (domicílio) que não admite o casamento por procuração para surtirefeitos em país que o admite, não caberá à lei deste último (lex fori)

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determinar a sua validade, senão à do país (domicílio) em que foi aprocuração outorgada (lex causae). Ademais, o impedimento da lex causaede haver casamento por procuração não viola a nossa ordem pública,devendo, por isso, a autoridade brasileira observá-la.60

Ainda que o direito brasileiro qualifique, a priori, o casamento porprocuração como questão de forma, alocando-o na seção do direito defamília atinente à celebração do matrimônio, certo é que a lex causaepoderá qualificá-lo como questão de fundo, relativa à capacidade oumanifestação de vontade para casar, pelo que a sua qualificação há deprevalecer, por ser definitiva quando em confronto com a da lex fori. Nadaestá a impedir, porém, que já se qualifique a questão como substancial(qualificação provisória pela lex fori) e, assim, apenas se confirme pelalex causae o impedimento. Observe-se, nesse sentido, que a maioria dadoutrina entende versar o casamento por procuração questão substancial,ligada à capacidade, à manifestação da vontade para casar, pelo que, paraser válido no Brasil, deve a lei pessoal (domiciliar) do outorganteexpressamente o permitir.61

Dolinger, em sentido contrário, entende que a qualificação da questãofaz-se exclusivamente pela lex fori, pelo que o casamento no Brasil porprocuração outorgada no estrangeiro seria válido, aduzindo que “mesmoque se argumente que as legislações que vedam o casamento por procuraçãoqualificam esta matéria como substancial, considerada a representação porterceiro no ato nupcial como inexistente ou falha manifestação de vontade,esta é seguramente matéria atinente à qualificação, e no Brasil entendemosque a qualificação se faz na conformidade dos conceitos da lex fori”.62

Ainda, porém, que assim fosse, já se disse entender a doutrinamajoritária que o casamento por procuração versa questão substancial,ligada à capacidade para casar, pelo que à luz da própria lex fori seresolveria a questão (impedindo-se, portanto, a realização do ato);diferentemente seria se a lex causae (qualificação definitiva) classificasseo instituto como questão de forma, caso em que, no Brasil, deveria talqualificação ser observada (e o casamento por procuração seria, então,permitido).

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3.6 Lei aplicável ao regime de bens

No que tange ao regime de bens no casamento, legal ou convencional,determina a LINDB que este deve obedecer à lei do país em que tiverem osnubentes domicílio, e, se o domicílio for diverso, à lei do primeirodomicílio conjugal (art. 7º, § 4º). Assim também o art. 187 do CódigoBustamante: “Os contratos matrimoniais regem-se pela lei pessoal comumaos contratantes e, na sua falta, pela do primeiro domicílio matrimonial”. Aregra, portanto, é a de que a lei do país do domicílio de ambos os nubentesé que regula o regime de bens no casamento, salvo se o domicílio fordiverso, quando então se aplicará a lei do primeiro domicílio conjugal, édizer, daquele “escolhido por ambos os cônjuges” após as núpcias (CódigoCivil, art. 1569). Evidentemente que o direito do país do domicílio dosnubentes ou do primeiro domicílio conjugal é o da época de sua celebraçãoou estabelecimento. Se está o casal domiciliado no Brasil, aplica-se odireito brasileiro vigente na data da celebração do matrimônio, não odireito brasileiro atual (que poderá ter sido alterado, modificado etc.).63

Assim, se até o casamento (isto é, se até o momento da cerimônianupcial), o domicílio dos nubentes era comum, será a lei desse país (e aoseu tempo) que regerá o regime de bens, na falta de pacto antenupcial,independentemente de virem a mudar de domicílio posteriormente; hápresunção legal de que os nubentes permaneceram com esse mesmodomicílio até se casarem. Se, porém, o domicílio dos nubentes era diversoao tempo do casamento, será a lei do primeiro domicílio conjugal (ou seja,do primeiro estabelecimento dessa recém-nascida sociedade conjugal) queregulará o respectivo regime de bens, independentemente de mudarem dedomicílio depois.64 Aqui, também, aplica-se a lei do primeiro domicílioconjugal tal como ao tempo em que vigorava quando do estabelecimentodomiciliar, sem levar em conta eventual lei nova a respeito. Assim,tomando-se o exemplo trazido por Osiris Rocha, se um argentino se casacom uma brasileira, no Rio de Janeiro, ele domiciliado na Argentina, e ela,no Brasil, seu casamento, celebrado perante autoridade nossa, será, noentanto, regido pela lei do primeiro domicílio conjugal à época,independentemente de onde se fixar.65 Nenhuma influência, repita-se, terá

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eventual mudança posterior de domicílio, se já determinada a leireguladora do regime de bens em razão do domicílio comum dos cônjugesou do local do primeiro domicílio conjugal.66

Destaque-se que Haroldo Valladão considerou a regra do art. 7º, § 4º,da LINDB “deficiente, sem qualquer sentido técnico ou social, no adotar alei do domicílio dos noivos, em vez da do primeiro domicílio conjugal (quesó surge ali se o deles for diverso) que é o princípio universal e clássico(…) e corresponde à sede da sociedade conjugal escolhida não pelosnoivos, mas pelos cônjuges”.67 Preferia Valladão, assim, a lei do primeirodomicílio conjugal como regra, não a do domicílio comum dos noivos,tampouco a lex loci celebrationis. Por sua vez, Edgar Carlos de Amorim,conquanto também entenda falho o dispositivo, o faz por fundamentodiverso, notadamente em razão da possibilidade de fraude, pelo que,segundo ele, em caso de diversidade de domicílios, melhor seria ter a leiestabelecido que o regime de bens no casamento segue a lex locicelebrationis. Eis sua lição: “Aqui, mais uma vez o nosso legisladorfalhou. O regime de bens é sempre fixado na fase preliminar do casamento,e não a posteriori. Realizado o casamento, o regime já está consagrado notermo. Assim sendo, o domicílio conjugal será sempre ato subsequente. Éclaro que os nubentes podem dizer que irão fixar domicílio nesse ounaquele país e, no final, não irem. Trata-se de uma porta aberta à fraude.Melhor seria que, em caso de diversidade de domicílios, o regime decasamento seria aquele determinado pela lei do lugar da celebração doato”.68 Assim, enquanto um autor (Haroldo Valladão) entende que melhorseria a lei do primeiro domicílio conjugal para a regência do regime debens no casamento, outro (Edgar Carlos de Amorim) reputa melhor aaplicação da lei do país em que tiverem os nubentes domicílio e,subsidiariamente, não a lei do primeiro domicílio conjugal, como pretendea LINDB, mas a lex loci celebrationis, sobretudo para o fim de evitarfraudes. A norma brasileira de DIPr, no entanto, preferiu que o regime debens no casamento, legal ou convencional, obedeça (regra) à lei do país emque tiverem os nubentes domicílio e, sendo este diverso, (exceção) à lei doprimeiro domicílio conjugal.

Por outro lado, frise-se haver no Brasil total liberdade de convenção,

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pelos cônjuges, do regime de bens, seguindo-se regra universalmente aceita.De fato, o Código Civil diz que “[é] lícito aos nubentes, antes de celebradoo casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. Daíterem os cônjuges total autonomia para determinar o regime de bensaplicável no Brasil, à luz da tradição brasileira na matéria.69

Questão importante relativamente à regra supletiva do art. 7º, § 4º, daLINDB – que adota o critério do “domicílio conjugal” para fins dedeterminação do regime de bens no casamento – diz respeito à sua prova. Otema vem resolvido pelo Código Civil, que, depois de dizer que “[m]uda-seo domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de omudar” (CC, art. 74), complementa afirmando que “[a] prova da intençãoresultará do que declarar a pessoa às municipalidades dos lugares, quedeixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própriamudança, com as circunstâncias que a acompanharem” (CC, art. 74,parágrafo único). A declaração respectiva se afere do requerimento dehabilitação para o casamento firmado por ambos os nubentes, a serinstruído, dentre outros, com a “declaração do estado civil, do domicílio eda residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos”(CC, art. 1.525, IV). Essa declaração de domicílio no processo dehabilitação (que vai também informada na certidão de casamento) é quefará prova do domicílio dos consortes no momento do matrimônio. Sendocomum o domicílio, será a lei desse local (país, estado federado, província,território etc.) que definirá o regime de bens do casal; não sendo comum,poderão os cônjuges declarar às autoridades o primeiro domicílio conjugala posteriori, a partir de quando ficará definido o regime de bens.70

A LINDB, por fim, possibilita ao estrangeiro casado, que se naturalizarbrasileiro, mediante expressa anuência de seu cônjuge, que requeira ao juiz,no ato de entrega do decreto de naturalização, que se apostile ao mesmo “aadoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos deterceiros e dada esta adoção ao competente registro” (art. 7º, § 5º). Aredação anterior (antes da Lei nº 6.515/77, que alterou o dispositivo para asua redação atual) referia-se ao apostilamento “do regime de comunhãouniversal de bens”, seguindo o que estabelecia o antigo art. 23 do Decreto-lei nº 389, de 25 de abril de 1938.71 Hoje, a possibilidade garantida ao

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3.7

estrangeiro naturalizado é de apostilamento, no decreto de naturalização, daadoção do regime de comunhão parcial de bens. Sempre, porém, hão de ser“respeitados os direitos de terceiros” anteriores à modificação desseregime de bens. Tal é decorrência da irretroatividade dessa modificação,72

conforme já determinava o art. 4º, in fine, da Convenção concernente aosConflitos de Leis Relativos aos Efeitos do Casamento sobre os Direitos eDeveres dos Cônjuges nas suas Relações Pessoais e sobre os Bens dosCônjuges, concluída na Haia em 17 de julho de 1905, segundo o qual “[a]alteração de que for objeto o regime dos bens não pode ter efeito retroativoem prejuízo de terceiros”. Nada de relativo ao DIPr há, contudo, na normabrasileira (e na internacional) referida.73 Trata-se de regra que, sem regularqualquer conflito internormativo, pretende apenas preservar, como nãopoderia deixar de ser, os direitos anteriores de terceiros.

Efeitos pessoais do casamento

A LINDB não contém disposição expressa sobre os efeitos pessoais docasamento, ou seja, sobre as relações dos cônjuges, que incluem, entreoutras, questões como fidelidade recíproca, de coabitação no domicílioconjugal, de mútua assistência, de consentimento para certos atos, desustento e educação dos filhos, de respeito e consideração mútuos, bemassim de sobrenome comum.74 Tais efeitos distinguem-se daquelespatrimoniais, relativos ao regime de bens do matrimônio, estesexpressamente regulados na LINDB (art. 7º, § 4º).

Não obstante a falta de disposição expressa da LINDB sobre os efeitospessoais do casamento, certo é que pela regra geral da mesma LINDBdeveriam submeter-se à lei domiciliar comum dos cônjuges (art. 7º, caput).Tal é assim porque, à evidência, os efeitos pessoais do casamentoqualificam-se no plano do direito de família, devendo, portanto, seguir amesma regra a este destinada.75 O raciocínio, ademais, se reforça pelaredação do art. 8º da antiga Introdução ao Código Civil de 1916, que,expressamente, declarava que “[a] lei nacional [hoje, domiciliar] dapessoa determina (…) as relações pessoais dos cônjuges (…)”. Se o

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3.8

domicílio conjugal for diverso, a lei aplicável seria, tomando por base aregra do art. 7º, § 3º, da LINDB, a do primeiro domicílio conjugal(notadamente porque os efeitos pessoais do matrimônio têm lugar sempredepois de sua realização). Dada, porém, a inflexibilidade da regra doprimeiro domicílio conjugal, seria também possível propor, na esteira doart. 8º, § 5º, do Projeto de Lei nº 269 do Senado, que, em caso dedomicílios ou residências diversos, seja aplicada aos efeitos pessoais docasamento a lei que com eles tiver vínculos mais estreitos.76

Seja como for, certo é que tudo deve estar de acordo com o princípioconstitucional da igualdade de direitos entre os cônjuges (seja hétero ouhomoafetiva a relação conjugal).77 Daí se notar que o tema dos efeitospessoais do casamento (relações pessoais dos consortes) guarda forte eintrínseca relação com o princípio da ordem pública, por não poder, v.g., ojuiz do foro aplicar qualquer norma estrangeira discriminatória a qualquermembro da união conjugal.78

Frise-se, por fim, serem raros os casos em que há diversidade dedomicílio dos cônjuges após o casamento. De ordinário, os consortesrecém-casados mantêm mesmo domicílio comum desde o matrimônio.

Invalidade do casamento

No que tange à invalidade do casamento, estabelece a LINDB – nocriticável § 3º do art. 7º – que a sua regência dar-se-á à luz da lei doprimeiro domicílio conjugal, se tiverem os nubentes domicílio diverso.79 Anorma se afastou da boa regra do Código Bustamante, segundo a qual “[a]nulidade do matrimônio deve regular-se pela mesma lei a que estiversubmetida a condição intrínseca ou extrínseca que a tiver motivado” (art.47). Portanto, segundo a norma conflitual brasileira, se tiverem os nubentesmesmo domicílio, será a lei do domicílio comum a competente por reger ainvalidade matrimonial, independentemente de onde foi o casamentocelebrado; sendo diversos os domicílios, de aplicar-se a lei do primeirodomicílio conjugal, também independentemente de onde foram celebradasas núpcias.

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Na prática, o que o dispositivo deixa entrever (incongruentemente) é oseguinte: um casal contrai núpcias num país (v.g., no Brasil) à luz de suasregras jurídicas e, tão logo se casam, fixam domicílio em outro (v.g., naItália), só podendo pela lei deste último – que é país totalmente estranho aolugar da celebração do matrimônio – discutir a validade do casamentorealizado alhures. Trata-se, efetivamente, de norma incongruente,notadamente porque “não é lógico, tampouco aceitável, alguém se casar emcerto Estado sob as determinações de suas regras legais e, ao retirar-seimediatamente para morar em território de outro, como é possívelacontecer, só possa discutir a invalidade do ato com fulcro na lei do país desua nova moradia”.80

Haroldo Valladão criticou severamente a regra, porque a Lei deIntrodução “adotou, absurdamente, para reger invalidade de matrimônio denubentes de domicílio diverso uma lei estranha… ao ato e da livre escolhapelos interessados, a lei do primeiro domicílio conjugal, ficando, pois, avalidade de um ato da importância do casamento dependente de lei que nãopresidiu a ele, doutra lei, posterior, adrede procurada para o anular…”[excerto idêntico ao original].81 Nesse sentido, também, a lição de EduardoEspinola e Eduardo Espinola Filho, para quem “bem se compreende que umdos cônjuges, ou ambos, de má-fé, poderão concorrer para oestabelecimento do primeiro domicílio conjugal em Estado, adredeprocurado, e que nem é o em que foi efetuado o matrimônio, nem os em quecada um dos noivos tinha o seu domicílio diferente, com o intuito de evitarque uma inobservância de requisito, ou condição intrínsecos, reclamadospela lei de um daqueles domicílios anteriores, ou o desrespeito aformalidade extrínseca, posta pela lei do lugar de celebração, atuem nosentido de invalidar o casamento, por inexistente a exigência na lei dodomicílio conjugal procurado; ou então, que esta última lei, acrescentandoexigência de fundo, não satisfeita por estranha ao direito dos Estados, emque cada noivo era domiciliado, ou requisito de forma, alheio à lei do lugardo ato, influam para a nulidade, ou invalidação de um casamento,perfeitamente bom e válido, de acordo com as leis, que lhe regulam avalidade, na consonância dos bons ensinamentos universalmente admitidosem doutrina”.82 Amilcar de Castro, por sua vez, indo mais a fundo, se

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insurgiu à “redação infeliz” do dispositivo – que cuida, segundo ele, deinvalidade do casamento quando devia tratar de validade – sob quatroaspectos substanciais, a saber: Em primeiro lugar, porque nenhumcasamento pode ser celebrado num país… para valer apenas fora dessepaís; em toda parte o legislador cuida da apreciação jurídica dos atosrealizados no país, para aí serem válidos; e para que o casamento realizadono Brasil seja válido aqui mesmo, basta seja feito de acordo com o direitobrasileiro. Em segundo lugar, porque a resolução de fixar domicílioconjugal no estrangeiro pode surgir logo após a celebração do matrimônio.Em terceiro lugar, porque não se encontra justificativa para a distinçãoentre cônjuges que tenham o mesmo domicílio e que tenham domicíliosinternacionais diversos. Em quarto lugar, porque não se pode realizar ocasamento por um direito, e anulá-lo por outro: se a nulidade, ou aanulação, é sanção aplicável por inobservância de certo direito, parececlaro que não pode um ato ser praticado validamente de acordo com umaordem jurídica, e depois ser anulado, porque não foi observada outra,diferente, inaplicável por ocasião de sua realização; e deste princípiofirme, e irrecusável, de jurisprudência não pode afastar-se o § 3º do art. 7ºda Lei de Introdução ao Código Civil.83

O argumento mais forte apresentado (que bastaria para demonstrar aincongruência da regra da LINDB) é no sentido de não ser possíveltransferir para outro ordenamento jurídico, com o qual não teve omatrimônio mínima relação de proximidade, a competência legislativa paraa invalidação ab initio de casamentos realizados em outro país, pois talviola os princípios norteadores do DIPr contemporâneo que prezam pelaproximidade das relações jurídicas às respectivas normas de regência, nãopela distância e pelo alheamento do ato para com determinada lei. Daí,como observa Dolinger, a incongruência de ter a LINDB determinado aaplicação da lei do país B para uma falha formal ou substancial prevista nasua legislação que tenha ocorrido em um casamento celebrado quando osnubentes ainda não eram domiciliados neste país B.84

Ora, se o casamento foi validamente realizado à luz de certa ordemjurídica, não poderá a lei de terceiro Estado determinar a regência de suapossível invalidade, que poderá ter lugar em situações adversas às

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estabelecidas pela lex loci celebrationis.Por todos esses motivos é que o STF, em 1972, declarou como não

escrita a regra do art. 7º, § 3º, da LINDB, ao entender que a lei-regente dainvalidade do casamento só poderá ser a lex loci celebrationis, mesmopara eventos ocorridos depois das núpcias, nestes termos: Tendo a nova leiadotado o princípio domiciliar para reger, entre outros, os direitos defamília (art. 7º), ao contrário da antiga, para quem a lei pessoal era, não ado domicílio, mas a da nacionalidade, o legislador resolveu estender oprincípio domiciliar aos casos de invalidade do matrimônio (art. 7º, § 3º),esquecido de que, enquanto a lógica não for sepultada, a validade ouinvalidade de um ato só pode ser aferida em face da lei a que ele obedeceu.(…) Que fazer então? Ter o preceito como inaplicável, por impossibilidadelógica, e, assim, como não escrito.85

É importante, porém, a observação de Dolinger de que esse casojulgado pelo STF (que negou homologação à sentença norte-americana queanulara casamento celebrado no Brasil, em que o cônjuge varão sustentouperante corte da Califórnia que, antes das núpcias, a ré lhe prometera viverjunto e ter com ele filhos, o que não se concretizou) não versa a mesmamatéria a que se refere a doutrina em sua crítica ao art. 7º, § 3º, da LINDB,pois as críticas doutrinárias têm em mente a anulação de casamento baseadaem erro extrínseco ou intrínseco das núpcias, contemporâneo, portanto, aomomento da celebração do casamento. No caso julgado pelo STF, o motivoda invalidade foi posterior às núpcias: a esposa se recusou a viver com ovarão no local combinado e com ele ter filhos, o que não se equipara a umerro ou falha ocorrida por ocasião do casamento. Tal significa que o STFfoi além das críticas doutrinárias, para entender que nem sequer eventosposteriores às núpcias podem ser regidos pela lei do domicílio fixado apóso casamento.86

Destaque-se que alguns autores, como Amilcar de Castro, interpretam oart. 7º, § 3º, a contrario, entendendo que a norma visa “exclusivamente ahipótese de ser o casamento realizado no estrangeiro, tendo os desposadosdomicílios internacionais diversos e a intenção de estabelecer o primeirodomicílio conjugal no Brasil”, assim exemplificando: “o direito argentino

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admite casar a mulher maior de 12 anos, e pode acontecer que, em BuenosAires, se realize casamento de uma menor de 16 anos, ali domiciliada, comuruguaio domiciliado em Montevidéu, e pretendem os nubentes estabelecero primeiro domicílio conjugal no Rio de Janeiro. Neste caso, a jurisdiçãobrasileira pode recusar validade a esse casamento, porque, em regra, sóadmitimos sejam casadas mulheres maiores de 16 anos; mas, ainda assimlimitada, a disposição não deixa de ser infeliz, porque a esse mesmoresultado se poderia chegar por meio da disposição geral do art. 17 damesma Lei de Introdução ao Código Civil. Mas, ao que parece, o intuito dolegislador foi mesmo esse de visar apenas casamentos realizados noestrangeiro, estabelecendo-se no Brasil o primeiro domicílio conjugal”.87

Maria Helena Diniz, de igual maneira, acompanha o entendimento de que“[o] art. 7º, § 3º, somente poderá estar se referindo a casamento realizadono exterior, tendo os nubentes domicílio diferente e a intenção deestabelecer no Brasil o primeiro domicílio conjugal”.88

Opinião contrária às acima exaradas, no entanto, encontramos em OsirisRocha, que, depois de dizer que “[e]m 1973 [rectius: 1972], o SupremoTribunal Federal negou aplicação a essa norma, sob o fundamento de queela seja contraditória”, assevera (sem fundamentar o seu posicionamento)que “[o] que houve, porém, e na verdade, foi simples golpe doutrinário emnorma claríssima, positiva e lógica porque, de fato, a lei do lugar dacelebração não pode e nem deve determinar, por si própria o critério paradeterminação da validade do matrimônio”.89 O autor, contudo, não logrademonstrar por qual razão “não pode e nem deve” a lei do lugar dacelebração reger os casos de invalidade matrimonial, tampouco porqueseria a lei domiciliar a melhor para a gerência das invalidades.

Qual, em suma, a lei aplicável à invalidade matrimonial?Dolinger, depois de reconhecer que o entendimento atual tem sido “o de

que a lei que rege o casamento determina as regras sobre sua eventualnulidade ou anulação”, diferencia os casos de invalidade formal e deinvalidade substancial do casamento, para o fim de determinar a leiaplicável às respectivas invalidades, assim: Do que ficou acima assentado,concluímos que se o casamento tiver sido celebrado no exterior e uma

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parte, com legítimo interesse, pleitear a invalidade do casamento em forobrasileiro, teríamos que atentar para a lei do local de celebração em tudo oque diz respeito à forma de celebração do matrimônio em conformidadecom a regra locus regit actum, de aceitação universal. Se a pretensão àinvalidade se referir a aspectos substanciais do casamento, o maisapropriado será aplicar as regras da lei indicada pelo sistema conflitual dolocal em que o casamento foi celebrado.90

Com a primeira solução proposta se há de concordar plenamente, peloque deve a lei do local da celebração do casamento ser aplicada para aregência de sua invalidade formal. A segunda solução que o autor propõe,porém, é totalmente injurídica à luz do direito brasileiro em vigor, poisestabelece para a invalidade substancial do casamento a aplicação das“regras da lei indicada pelo sistema conflitual do local em que o casamentofoi celebrado”. Como aplicar a lei indicada pelo sistema conflitual dolocal da celebração do casamento se o direito brasileiro proíbe o reenvio?Fosse assim, um casamento realizado na Itália (que adota o critério danacionalidade para a determinação do estatuto pessoal) poderia ter suainvalidade regida por lei chinesa (lei de nacionalidade dos nubentes) umavez plantada a questão perante o Judiciário brasileiro. Se se critica odispositivo por distanciar a regra de regência do local da celebração domatrimônio, imagine-se, então, as críticas cabíveis quando se pretendesseaplicar, para a invalidade matrimonial, as regras da lei indicada pela normade DIPr do local da celebração do casamento…

Para nós, não há dúvida de que a lei competente para reger a invalidadematrimonial (formal ou substancial) é tão somente a do lugar da celebraçãodo casamento, nos termos do que decidido pelo STF na Homologação deSentença Estrangeira nº 2.085, em 1972, não cabendo, por isso, estender aadoção do princípio domiciliar aos casos de invalidade do matrimônio,como desavisadamente fez a LINDB no art. 7º, § 3º. Aqui,excepcionalmente, se justifica o exercício a contrario a cargo do julgadorde aplicação da lei do local da celebração em detrimento da lei domiciliarcomum das partes ou da do primeiro domicílio conjugal.

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4. Divórcio

Os casais (nacionais ou estrangeiros) que contraíram núpcias no Brasile aqui se domiciliam terão – salvo eleição de foro estrangeiro, com aanuência de ambos – de submeter-se à competência da autoridade brasileirapara aqui se divorciar. Se, v.g., um cônjuge norte-americano, casado edomiciliado no Brasil, pretender se divorciar de sua consorte brasileira,também daqui domiciliada, não poderá (salvo eleição de foro estrangeiro,com a anuência de ambos) fazê-lo perante a Justiça de outro país, devendoestabelecer a Justiça brasileira para o respectivo divórcio.91

A questão em tela foi decidida pelo STF no julgamento da SentençaEstrangeira Contestada nº 5.066-9, dos Estados Unidos da América, assimementada:

Homologação de sentença estrangeira de divórcio. Contestação:sentença proferida por juiz incompetente, citação nula e nãocomprovação do trânsito em julgado. art. 217, I a III, doRegimento Interno.

1. Casamento realizado no Brasil e aqui domiciliado o casaldesde antes da união até a presente data, e não tendo havidoeleição de foro estrangeiro, com a concordância de ambos, éincompetente para decretar o divórcio perante as leis brasileiraso juiz norte-americano, ainda que desta nacionalidade seja umdos cônjuges.

2. É nula a citação realizada no Brasil de acordo com as leisnorte-americanas, mediante notificação remetida por cartório deregistro de títulos e documentos, redigida em língua estrangeira.

3. Não se homologa sentença estrangeira sem prova do seutrânsito em julgado: Súmula 420.

4. Homologação indeferida.

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O caso em apreço versava pedido de nacional estadunidense, residenteem Aracaju, que requeria a homologação da sentença estrangeira dedivórcio de sua consorte, residente na mesma cidade, processado e julgadonos Estados Unidos. Um dos argumentos levantados na contestação foi o deque o casamento se realizou no Brasil, país de residência contínua do casaldesde antes da união. A Procuradoria-Geral da República, em parecer,reconheceu “que as partes são residentes e domiciliadas no Brasil, onde secasaram, tendo o marido ido aos Estados Unidos para propor a ação dedivórcio, eleição de foro admissível em nosso sistema jurídico, mas, quenão teve a submissão da outra parte”, destacando, ainda, que a citação darequerida feita mediante carta do próprio requerente, por meio do Cartóriode Títulos e Documentos de Aracaju, apesar de “prevista no processonorte-americano, não encontra respaldo em nossa ordem pública”. O STF,por sua vez, baseado em tais elementos, entendeu ser a Justiça norte-americana incompetente para a prolação da sentença de divórcio, vez queera o casal domiciliado no Brasil, pelo que somente a Justiça brasileirateria competência para conhecer da ação; entendeu o tribunal, além do mais,não ter havido foro de eleição, por faltar a concordância da esposa. À contadisso, negou-se a homologação da sentença norte-americana de divórcio emrazão, entre outras, da incompetência do juízo.92

Por sua vez, casais domiciliados no Brasil cujo casamento tenha sidorealizado no exterior podem eleger a autoridade brasileira comocompetente para decidir sobre a separação ou o divórcio. Em tais casos,aceita-se a competência da autoridade brasileira para tanto, à luz da regradomiciliar prevista no art. 7º da LINDB. Evidentemente que poderá o casaloptar pela realização do divórcio no país em que celebrado o casamento,em razão da lex loci celebrationis (especialmente se o Estado em causaadota o critério da nacionalidade como determinante do estatuto pessoal).Optando, porém, por divorciar-se no Brasil, nada há que impeça oconhecimento da demanda perante a Justiça brasileira, bastando, para tanto,que apenas um dos cônjuges seja domiciliado no Brasil.93 Ao juiz, porém,poderão aparecer duas questões de DIPr a serem, de plano, verificadas: arelativa à validade do ato realizado no estrangeiro (à luz da regra locusregit actum) e a relativa à regra aplicável ao regime de bens (LINDB, art.

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4.1

7º, § 5º).94

Se o divórcio realizou-se no estrangeiro, sendo um ou ambos oscônjuges brasileiros, dispõe o art. 7º, § 6º, da LINDB, que o “só seráreconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo sehouver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em quea homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condiçõesestabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país”,complementando que “[o] Superior Tribunal de Justiça, na forma de seuregimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado,decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentençasestrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzirtodos os efeitos legais”.

Assim, o divórcio realizado no exterior, quando forem um ou ambos oscônjuges brasileiros, é plenamente reconhecido no Brasil, respeitado,porém, o lapso de um ano da data da sentença, salvo se houver sidoantecedida de separação judicial por igual prazo; se assim for, ahomologação terá efeitos imediatos, obedecidas as condições para a suaeficácia no país. Somente não produzirá efeitos perante a nossa ordemjurídica se houver violação à ordem pública, a teor do que dispõe o art. 17da LINDB, para o qual “[a]s leis, atos e sentenças de outro país, bem comoquaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quandoofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.95

Divórcio consensual consular

A partir da entrada em vigor da Lei nº 11.441/2007, possibilitou-se noBrasil a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcioconsensual pela via administrativa (extrajudicial). À vista dessa inovaçãolegislativa, a Lei nº 12.874/2013 incluiu os §§ 1º e 2º ao art. 18 da LINDB,para o fim de autorizar às autoridades consulares brasileiras que tambémcelebrem a separação e o divórcio consensuais de brasileiros no exterior,nestes termos: § 1º As autoridades consulares brasileiras também poderãocelebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não

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4.2

havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitoslegais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura públicaas disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e àpensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge deseu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu ocasamento.

§ 2º É indispensável a assistência de advogado, devidamenteconstituído, que se dará mediante a subscrição de petição,juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso aoutra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário quea assinatura do advogado conste da escritura pública.

Certa crítica está a merecer o § 2º, do art. 18, ao entender indispensávela assistência de advogado devidamente constituído, isto é, de profissionaldo direito com registro na Ordem dos Advogados, no procedimento deseparação e divórcio consensuais de brasileiros perante autoridadesconsulares acreditadas no exterior. De fato, exigir a constituição deadvogado para tanto poderá dificultar sobremaneira às partes a obtenção dodivórcio consensual no exterior, notadamente por duas razões: primeiro,porque já estão os consortes diante de autoridade consular legalmentehabilitada, que age com fé pública em nome do Estado; depois, porque maiscoerente seria ter a lei permitido que os patronos devidamente constituídospudessem, mediante poderes específicos, agir diretamente no Brasil para ofim de separar ou divorciar, em cartório, os consortes. Seja como for, aregra atual que há de ser seguida é firme no sentido de ser indispensável aassistência de advogado para os casos de separação e divórcio consensuaisde brasileiros perante autoridades consulares acreditadas no exterior.

Divórcio consensual puro e qualificado

Há muito se discutia sobre a necessidade de homologação no Brasil dassentenças estrangeiras de divórcio consensual, para o fim de operar efeitosem território nacional.

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Atualmente, não há dúvidas de que o divórcio consensual realizado noexterior independe de homologação pelo STJ para valer no Brasil, a teordo que expressamente dispõe o art. 961, § 5º, do CPC/2015: A sentençaestrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil,independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.

Porém, já se viu (Parte I, Cap. VII, item 5, supra) que, relativamente àssentenças estrangeiras de divórcio consensual, há entendimento do STJ nosentido de ser a dispensa homologatória somente aplicável aos divórciosconsensuais puros, isto é, quando na sentença respectiva não se discutamoutras questões para além da mera dissolução do vínculo conjugal.96

Portanto, se o divórcio consensual em causa for do tipo qualificado, ouseja, se na sentença foram discutidas outras questões como guarda de filhos,alimentos ou partilha de bens, será necessária a prévia homologação dasentença pelo STJ para que possa operar efeitos no Brasil.

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5.

5.1

Relações parentais

As relações parentais preocupam também ao DIPr quando presentedeterminado elemento estrangeiro que conecta a mais de um ordenamentojurídico questões como guarda de filhos, direito de visita, obrigaçãoalimentar e, também, a subtração de menores. Deve-se, portanto, investigaresses institutos para o fim de definir, à luz do DIPr brasileiro, o direitoaplicável às respectivas relações jurídicas.

Guarda de filhos

A guarda dos filhos – unilateral ou compartilhada – pode ser requerida,por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em açãoautônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou emmedida cautelar, ou decretada pelo juiz em atenção às necessidadesespecíficas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário aoconvívio deste com o pai e com a mãe (CC, art. 1584, I e II).

Estando pais e filhos domiciliados no Brasil, será a lei brasileira acompetente para determinar a atribuição da guarda (lei do domicíliofamiliar). Nada importa, à luz do direito brasileiro, a nacionalidade de paise filhos, senão apenas o seu domicílio no País. Tal se abstrai do art. 7º,caput, da LINDB,que prevê que “[a] lei do país em que domiciliada a pessoa determina asregras sobre (…) os direitos de família”. Frise-se que o domicílio aquireferido é compreendido não no sentido de “residência com ânimodefinitivo”, tal como define o art. 70 do Código Civil, mas como o país (ouestado, província, território etc.) em que se encontra a família, ainda queseus membros residam separadamente.97 Certo é que se havia conformaçãofamiliar tripartite antes da separação ou do divórcio, isto é, se havia famíliaformada por (dois) pais e os filhos, o domicílio familiar único(estabelecido no mesmo país, ainda que eventualmente não conjunto) é que

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indica a lei aplicável ao julgador.Poderão os pais, contudo, domiciliar-se em países distintos, quando,

então, inexistirá “domicílio familiar”. Ademais, questões de guarda podemtambém surgir sem a subjacente família modelar, de conformação plúrima,com (dois) pais e os filhos; em muitos casos há duas pessoas (nãoconsorciadas em matrimônio ou em união estável) que, por necessidade deconvivência, devem também ver regulada a guarda do(s) filho(s). Em todasessas hipóteses, dada a inexistência de “domicílio familiar”, caberiaindagar qual norma há de ser aplicada à determinação da guarda.

Como resolver a questão? À égide do Código Civil de 1916, Pontes deMiranda questionava se as medidas a serem tomadas para a proteção dosfilhos pertencia aos efeitos do divórcio ou à relação entre pais e filhos,informando não haver, à época, qualificação supraestatal. Para Pontes, se oestatuto do filho qualificasse como de efeito do divórcio, deveria o juizaplicar a lei dos cônjuges ou, se tiverem nacionalidade diferente,98 a lei decada um quanto ao que lhe toca; mas se a lei do filho qualificasse como doseu estatuto, só esse teria de ser atendido.99

No Código Civil atual (de 2002) a guarda vem regulada nos arts. 1.583a 1.590, pertencentes ao Capítulo XI (“Da Proteção da Pessoa dos Filhos”),que integra o Subtítulo I (“Do Casamento”) no âmbito do Título I (“DoDireito Pessoal”) do Livro IV (“Do Direito de Família”) do Código.Também no ECA a guarda (art. 33) encontra-se em capítulo intitulado “DoDireito à Convivência Familiar e Comunitária” (Capítulo III).100 Assim,tomando-se por correta a lição ponteana, a guarda de filhos, hoje, no Brasil,qualifica-se no plano das relações entre pais e filhos, pois integrante docapítulo intitulado da “Proteção da Pessoa dos Filhos”, não do capítulo(anterior) relativo à “Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal” noCódigo Civil; também no ECA o tema integra, já se viu, o capítulo relativoà “Convivência Familiar e Comunitária”. Portanto, não restam dúvidas sera lei do estatuto do filho (lei da residência habitual do menor, à luz doentendimento atual) a competente para o estabelecimento da guarda, sempreque outra não lhe seja mais favorável.101

Tal é assim por ser a lei da residência habitual do menor a mais

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próxima da relação jurídica que o envolve (princípio da proximidade) e,portanto, a com melhor aptidão para proteger os seus interesses,independentemente de sua nacionalidade.102 Por isso, a residência habitual étambém critério determinante da jurisdição competente, tal como prevê oart. 5º (1) da Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, aoReconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria deResponsabilidade Parental e de Medidas de Proteção das Crianças, de1996,103 segundo o qual “[a]s autoridades judiciais ou administrativas doEstado-contratante da residência habitual da criança têm jurisdição paratomar as medidas dirigidas à proteção da pessoa ou ao patrimônio dacriança”. Daí se entender, em suma, que esse “espaço-regente” – queenvolve todas as relações familiares do infante, desde a separação ou odivórcio dos pais – é o que, efetivamente, melhor razão apresenta para adeterminação da guarda, se outra norma não for mais favorável aosfilhos.104

Portanto, se a ação de guarda for proposta no Brasil e o menor for aquiresidente, aplicará o juiz a lei brasileira à guarda; sendo o menor residenteno exterior, aplicará o juiz a lei do país de residência habitual do infante, àfalta de norma mais favorável. Nada impede, contudo, antes se aconselha,que demande o(a) interessado(a) diretamente perante o Poder Judiciárioestrangeiro, o qual, inclusive, tem jurisdição primária (reconhecida portratados) para a atribuição da guarda, dada a proximidade com todas asrelações de fato a envolver a criança.

Direito de visita

Assim como a guarda, o direito dos pais à visita aos filhos seráregulado pela lei brasileira quando ambos (pais e filhos) foremdomiciliados ou residentes no Brasil. A visita será, a priori, de âmbitoapenas local, é dizer, exercida nos limites do país do domicílio ouresidência; nada obsta, porém, que se pretenda sair do país junto aos filhosdurante o período de visitação, bastando, para tanto, que se busqueautorização do Poder Judiciário.105 A regra do ECA, aqui, é a de que

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“[n]enhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside,desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorizaçãojudicial” (art. 83, caput). Para as viagens ao exterior, a autorização judicialserá, porém, dispensável se a criança ou adolescente “estiver acompanhadode ambos os pais ou responsável”, ou se “viajar na companhia de um dospais, autorizado expressamente pelo outro através de documento com firmareconhecida” (art. 84, I e II). Contudo, sem prévia e expressa autorizaçãojudicial, nenhuma criança ou adolescente nascido em território nacionalpoderá sair do país em companhia de estrangeiro residente ou domiciliadono exterior (art. 85).

Perceba-se a redação do art. 84, II, do ECA, para o qual as viagens aoexterior dispensam autorização judicial se a criança ou adolescente viajarna companhia de um dos pais, desde que “autorizado expressamente pelooutro através de documento com firma reconhecida”.106 A falta, porém, deautorização de um dos pais (no caso, o guardião) poderá ser judicialmentesuprida se demonstrar o outro (que está a exercer a visita) que nãopretende, de modo algum, levar a criança definitivamente para o exterior ouali retê-la, em violação ao legítimo direito de guarda do titular.

Qual a lei aplicável ao direito de visita quando há pluralidade dedomicílios? Diferentemente da guarda, em que estão em jogo os interessesprimordiais da criança, na visita o que se busca é possibilitar a todos osmembros da família (pais e filhos) que se encontrem e convivam emambiente saudável e protetor, não obstante com certa distância uns dosoutros. Assim sendo, poderia parecer que o critério da residência habitualda criança seria insuficiente para regular, com exclusividade, o direito devisita, pois também os interesses dos pais (inclusive de suas novasfamílias) e de eventuais outros parentes (v.g., avós e tios) haveriam de serlevados em consideração. A dificuldade está, porém, em conciliar as leisdomiciliares dos membros da família (que se encontram em paísesdiversos) com a da residência habitual do menor, à luz do princípio domelhor interesse da criança. Por tal motivo, na falta de critério uniformeestabelecido em tratado, parece coerente admitir que o critério daresidência habitual da criança continue a operar mesmo quando em jogointeresses mais amplos e relativos a uma gama maior de pessoas (como

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pais, avós, tios etc.).A justificativa para tal encontra fundamento “na necessidade de se

evitar confrontos entre os genitores em decorrência de conflito de preceitosmateriais existentes nos sistemas jurídicos dos Estados em quedomiciliados, os quais poderiam regular diversamente o direito de acesso àcriança”, além do que “submeter a regulamentação do exercício do direitode visitas à lei pessoal do genitor-guardião ou do não guardião poderiaacarretar o desencadeamento de hipótese que hoje parece remota, mas quepode efetivamente se configurar, qual seja, a de o sistema de direitomaterial vigente no Estado em que domiciliado o não guardião desconhecero instituto do direito de visita ou não reconhecer este direito quandoconformado por disposição de lei estrangeira incompatível por qualquerrazão com a ordem pública ali vigente”.107

Daí por que, repita-se, ser coerente destinar o mesmo critérioempregado na guarda para a localização da lei aplicável ao direito devisita.

Alimentos

Inicialmente, destaque-se que o Brasil é parte da Convenção de NovaYork sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 20 de julho de1956,108 instrumento que estabelece um sistema de cooperação internacionalcom vistas a facilitar ao credor de alimentos (“parte demandante”) quereceba as verbas alimentares devidas de alimentante (“parte demandada”)que se encontra no território de um dos seus Estados-partes.109 Para tanto, aConvenção criou as figuras da Autoridade Remetente (designada peloEstado do demandante e para a qual é submetido o pedido alimentar) e daInstituição Intermediária (designada pelo Estado do demandado eresponsável por receber o pedido do demandante). Cabe à InstituiçãoIntermediária tomar, em nome do demandante, todas as medidasapropriadas para assegurar a prestação dos alimentos, podendo, portanto,transigir e, quando necessário, iniciar e prosseguir uma ação alimentar efazer executar qualquer sentença, decisão ou outro ato judiciário em favor

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dele (art. 6º, 1). Para a aplicação da Convenção entre nós, a Lei deAlimentos (Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968) fixou a competência dojuízo federal com jurisdição na residência do devedor, designando comoInstituição Intermediária a Procuradoria-Geral da República (art. 26).110 AConvenção se aplica àqueles que ainda não completaram dezoito anos deidade e aos que, tendo completado essa idade, continuam na condição decredores alimentares; aplica-se, também, às obrigações matrimoniais entrecônjuges e ex-cônjuges. Havendo, portanto, tratado internacional adisciplinar o tema, não se perquire da localização da lei aplicável (entre osEstados-partes) à questão sub judice.

Quando, porém, se tratar de pretensão alimentar dirigida a genitordomiciliado em Estado não parte da Convenção de Nova York, deverá ojuiz nacional proceder à localização da lei aplicável à relação jurídica (acompetência para a análise do pleito, quando não em causa a Convenção deNova York, será da Justiça Estadual). Qual, nesse caso, a norma aplicável àobrigação alimentar?

Inicialmente, destaque-se não ser possível adotar regras rígidas para alocalização da lei aplicável às obrigações alimentares fundadas em relaçãode parentesco, pois o uso inflexível das leis pessoais tanto do devedorcomo do credor é notadamente insuficiente para resolver com justiça oscasos concretos apresentados, especialmente quando se leva em conta queos alimentos são prestados a crianças ou jovens quase sempre fragilizados(dada a distância domiciliar dos pais) e carentes de completa integração nopaís de residência habitual.

Poder-se-ia pensar que o direito de reclamar alimentos haveria decaber à lei pessoal do credor, por ser ela a mais próxima do alimentando ea que, em consequência, melhor aptidão teria para regular as relações a eleconcernentes.111 Essa é a opinião de Beviláqua, para quem “[o] direito dereclamar alimentos, fundado em relações de parentesco, deve ser reguladopelo estatuto pessoal do que reclama alimentos, pois que a instituição foicriada em benefício dos que, por sua idade, por superveniência de moléstiaou por outra circunstância semelhante, se acham na impossibilidade deprover à própria subsistência”, entendendo, contudo, que se “a lei pessoal

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não der providências, deve a lex fori servir de base ao direito de pediralimentos”.112 O Código Bustamante, de igual maneira, diz que “[s]ujeitar-se-ão à lei pessoal do alimentado o conceito legal dos alimentos, a ordemda sua prestação, a maneira de os subministrar e a extensão desse direito”(art. 67). Quid juris, porém, se a lei pessoal do devedor for mais benéfica(determinar garantias mais amplas ou condições mais completas) para oalimentando? Fácil notar, a partir da indagação, que uma solução rígidapara a questão pode levar a resultados injustos, sobretudo para ovulnerável.

Daí a conclusão de que a norma alimentar a ser aplicada pelo juiz há deser sempre a mais favorável ao alimentando, seja tal norma a sua leipessoal, a do domicílio do devedor ou, em última análise, a lex fori (casoesta não se confunda com uma ou outra).113 O “diálogo das fontes”(internacionais e internas) leva também a esse entendimento, à luz doprincípio pro homine; mesmo havendo tratado internacional a determinarcerta lei como aplicável, a norma convencional há de ceder ante outrasnormas mais benéficas aos seres humanos sujeitos de direito.114

Frise-se, porém, que não se trata de aplicar a lei que atribua benefícioseconômicos sempre maiores ou mais vantajosos ao alimentando, senão aque, à luz do binômio necessidade/possibilidade seja capaz de assegurar-lhe condições mais concretas de inserção no núcleo social de que faz parte;essa a verdadeira razão da aplicação da norma mais favorável à obrigaçãoalimentar, pois, para além da verba indenizatória stricto sensu, poderá a leiaplicável (norma mais favorável) garantir que os alimentos tambémincluam, inter alia, benefícios facilitadores da inserção do menor no meiosocial em que vive e se desenvolve, sempre, evidentemente, quando tenha odevedor meios financeiros que comportam suprir a si e ao(s) filho(s).115

Alguns autores, contudo, defendem que não ferindo a moral, os bonscostumes ou a ordem pública do foro, melhor seria a aplicação da leipessoal do devedor para regular a obrigação alimentar, ao argumento deque mais fácil seria, na prática, a cobrança e a execução desses alimentosno foro do executado.116 Segundo entendemos, entretanto, a facilidade decobrança e execução dos alimentos no estrangeiro não se sobrepõe à

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legítima expectativa que tem o credor de ver assegurado o direito maisamplo que seu estatuto pessoal eventualmente consagre.

Por fim, destaque-se que uma Convenção sobre a Lei Aplicável àsObrigações Alimentares foi concluída na Haia, em 2 de outubro de 1973,prevendo como lei aplicável à regência das obrigações alimentares a lei daresidência habitual do credor (art. 4º) e, excepcionalmente, a lei nacionalcomum quando o credor não puder obter alimentos do devedor em virtudede sua lei de residência habitual (art. 5º). Tal Convenção, contudo, sequerfoi assinada pelo Brasil até o momento.

Sequestro internacional de crianças

Em razão das viagens de crianças para o exterior, no âmbito da guarda eda visita, várias preocupações internacionais surgiram quanto à subtraçãoilícita de crianças de sua residência habitual, prática cada vez maiscorriqueira em todas as partes do mundo. Para tanto, a sociedadeinternacional houve por bem disciplinar o tema numa Convenção sobreAspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na Haiaem 25 de outubro de 1980.117

A Convenção tem dois objetivos bem definidos, quais sejam: a)assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas paraqualquer Estado-contratante ou nele retidas indevidamente; e b) fazerrespeitar de maneira efetiva nos outros Estados-contratantes os direitos deguarda e de visita existentes num Estado-contratante (art. 1º). O instrumentovisa, assim, proteger as crianças dos efeitos nocivos de sua subtração eretenção para além dos limites de um Estado, prevendo mecanismos para oseu retorno imediato ao país de residência habitual. O texto não sepreocupou em propor regras gerais sobre “leis aplicáveis” à subtraçãoilegal de crianças, senão apenas em estabelecer normas facilitadoras ao seuretorno imediato ao país de residência habitual, além de normas queassegurem, nos outros Estados-partes, o respeito ao direito de guarda e devisita legalmente atribuídos a um dos genitores.

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Destaque-se que a expressão “sequestro”, empregada erroneamente natradução brasileira da Convenção, pode levar a confusões de toda ordem.Não se trata, propriamente, de “sequestro” internacional de crianças, senãode “transferência” (removal) ilegal de crianças de seu país de residênciahabitual para outro e/ou sua retenção (retention) indevida em outro país,geralmente levada a efeito pelos próprios pais ou por parentes próximos.Não foi, porém, em absoluto, intenção da Convenção qualificar ossubtraentes como “sequestradores” de crianças, muito menos equipará-los aatores de crimes bárbaros ou hediondos. O próprio título da Convenção, eminglês, não se refere a “sequestro”, mas em subtração (abduction) demenores.118 Seja como for, o que se há de atentar é que a Convenção visaproteger a criança que foi subtraída (não propriamente sequestrada) de seupaís de residência habitual, criando mecanismos para o seu imediatoretorno.

Nos termos da Convenção, há duas possibilidades de se configurar asubtração: (1) quando se transfere ilicitamente a criança de sua residênciahabitual, levando-a para outro país sem o consentimento do responsável; ou(2) quando o responsável consente na viagem da criança para o exterior,mas o subtraente a retém em país distinto por tempo indeterminado (v.g.,após um período de férias). A transferência ou a retenção de uma criança éconsiderada ilícita quando (a) tenha havido violação ao direito de guardaatribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo,individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse suaresidência habitual imediatamente antes de sua transferência ou retenção; e(b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ouconjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesseestá-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido (art. 3º).

Para a Convenção, o “direito de guarda” compreende os direitosrelativos aos cuidados para com a pessoa da criança, em particular odireito de decidir sobre o lugar de sua residência; e o “direito de visita”compreende o direito de levar uma criança, por um período limitado detempo, para um lugar diferente daquele em que ela habitualmente reside(art. 5º).

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Para o fim de possibilitar o imediato retorno da criança ao país deresidência habitual, estabeleceu a Convenção um sistema de cooperaçãoentre as Autoridades Centrais dos Estados-membros, por meio do qual taisautoridades em cada país proporcionam assistência para localizar acriança, possibilitando sua restituição voluntária ou uma solução amigávelentre os genitores. Compete a cada Estado-contratante designar aAutoridade Central encarregada de dar cumprimento às obrigações que lhesão impostas pela Convenção (art. 6º).119 Em particular, as AutoridadesCentrais devem tomar, quer diretamente, quer por meio de umintermediário, todas as medidas apropriadas para: a) localizar uma criançatransferida ou retida ilicitamente; b) evitar novos danos à criança ouprejuízos às partes interessadas, tomando ou fazendo tomar medidaspreventivas; c) assegurar a entrega voluntária da criança ou facilitar umasolução amigável; d) proceder, quando desejável, à troca de informaçõesrelativas à situação social da criança; e) fornecer informações de carátergeral sobre a legislação de seu Estado relativa à aplicação da Convenção;f) dar início ou favorecer a abertura de processo judicial ou administrativoque vise o retorno da criança ou, quando for o caso, que permita aorganização ou o exercício efetivo do direito de visita; g) acordar oufacilitar, conforme às circunstâncias, a obtenção de assistência judiciária ejurídica, incluindo a participação de um advogado; h) assegurar no planoadministrativo, quando necessário e oportuno, o retorno sem perigo dacriança; e para i) manterem-se mutuamente informados sobre ofuncionamento da Convenção e, tanto quanto possível, eliminarem osobstáculos que eventualmente se oponham à sua aplicação (art. 7º).

Comprovada a subtração internacional da criança, caberá ao PoderJudiciário (Justiça Federal) decidir sobre o retorno imediato do infante aopaís de residência habitual. A competência da Justiça Federal para tantoencontra fundamento no art. 109, III, da Constituição Federal, segundo oqual aos juízes federais compete processar e julgar “as causas fundadas emtratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismointernacional”.

A Convenção, contudo, prevê certas exceções ao retorno imediato dacriança, entre as quais está a atinente aos riscos graves de ordem física ou

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psíquica que pode a criança, em seu retorno, ficar submetida.120 O art. 13, b,da Convenção, a esse respeito, dispõe: Sem prejuízo das disposiçõescontidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa doEstado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa,instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar: (…)

b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficarsujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualqueroutro modo, ficar numa situação intolerável.121

Vários fatores podem levar um dos pais a subtrair a criança do país deresidência habitual, transportando-a para outro lugar (v.g., país dedomicílio do subtraente) em razão de perigos de ordem física ou psíquica.Na maioria dos casos, mães subtraem seus filhos porque sofrem, por partedo marido ou ex-marido, violência doméstica ou familiar no exterior, nãotendo outra alternativa senão deixar o país de residência habitual da criançacom destino ao seu país de origem para a salvaguarda dos interesses deambos. Por tais motivos é que a presunção de retorno da criança ao país deresidência habitual não é absoluta, mas “o ônus da prova da existência deexceção que justifique a permanência do infante incumbe à pessoa física, àinstituição ou ao organismo que se opuser ao seu retorno”.122 Daí aimportância, no Estado do foro, da perícia psicológica em casos desubtração internacional de crianças por um dos genitores, pois só assim secompreenderão as circunstâncias em que ocorreu o fenômeno, dados oscasos cada vez mais comuns de violência interparental e de vitimizaçãodireta e indireta das crianças envolvidas. A perícia psicológica apontará,com maior clareza, os fatores que constituem “grave risco de danopsicológico” à criança em seu retorno ao país de residência habitual e,também, definirá se o contexto de residência habitual da criança podecolocá-la ou não em situação considerada “intolerável”, nos termosindicados pelo art. 13, b, da Convenção.123

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6. Adoção internacional de menores

Frise-se, desde já, que não se vai estudar aqui como se adota ou quaisos requisitos legais para a adoção internacional de menores,124 senãoapenas os elementos de conexão e as leis aplicáveis a essa modalidade deadoção. Demais assuntos são temas próprios do Direito Civil, alheios,portanto, ao objeto do DIPr stricto sensu.

Várias questões de DIPr podem surgir na adoção internacional demenores, como, v.g., a relativa à capacidade para adotar e ser adotado, bemassim aos procedimentos e formalidades necessários à constituição dovínculo.

A qualificação da adoção como internacional dá-se não em virtude danacionalidade das partes, mas em razão de a residência do adotado e do(s)adotantes(s) localizar-se em diferentes países. Se um casal residente noBrasil adota, v.g., uma criança residente no México, haverá adoçãointernacional, independentemente da nacionalidade do(s) adotante(s) e doadotado. Haverá, igualmente, adoção internacional se brasileiros residentesno exterior adotarem criança brasileira residente no Brasil.125 Nesse últimoexemplo, tem-se a adoção operada entre adotantes e adotado brasileiros(mesma nacionalidade) residentes, porém, em países diferentes. Em todosesses casos a adoção de que se trata será, portanto, internacional.

Em princípio, será a lei domiciliar do adotado a competente para regera adoção (LINDB, art. 7º), sempre que outra não lhe seja mais favorável.126

Tal lei “domiciliar”, contudo, é atualmente compreendida como a lei de sua“residência habitual”, seguindo a previsão de vários tratados internacionaismodernos (v. itens 6.2 e 6.3, infra); tais instrumentos “dialogam” (parafalar como Erik Jayme) com as regras de DIPr do Estado, para o fim deadotar o critério da residência habitual da criança em detrimento daconexão domiciliar, sempre mais rígida e inflexível que aquele. A questão,porém, há de ser compreendida tanto à luz dos requisitos necessários para aadoção, quanto no que toca à capacidade para adotar e ser adotado.

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6.1

Antes, porém, de investigar o tema, necessário esclarecer a questão danacionalidade da criança adotada, sempre objeto de divergências ediscussões.

A questão da nacionalidade

A criança estrangeira adotada por brasileiro não adquire, ipso jure, anacionalidade brasileira em razão da adoção.127 O que significa que osefeitos da adoção não influem sobre a nacionalidade da criança adotada,que continua a ter a nacionalidade de origem (nacionalidade estrangeira).128

A pessoa adotada só poderá ser nacional do Brasil, quando maior, se assimpretender, e por meio do processo de naturalização, uma vez que a adoçãonão produz, em nosso sistema jurídico, qualquer efeito relativo ànacionalidade. Por mais nobre que seja o gesto da adoção, certo é que nostermos do sistema jurídico brasileiro a criança ou o adolescente estrangeiroadotado por brasileiro não poderá optar pela nacionalidade brasileira,restando apenas, repita-se, o caminho da naturalização.129 Portanto,enquanto não for naturalizada brasileira, será a criança ou o adolescentepessoa estrangeira residente permanentemente no Brasil.

A equiparação em direitos e qualificações dos filhos, havidos ou não darelação de casamento, ou por adoção, prevista no art. 227, § 6º, daConstituição Federal, tem efeitos unicamente civis, em nada alterando ashipóteses taxativas de outorga de nacionalidade previstas pelo art. 12 daCarta Magna de 1988.130 Ademais, pela própria redação das alíneas b e c,do art. 12, da Constituição, percebe-se que a garantia da nacionalidadebrasileira originária atinge somente “os nascidos no estrangeiro de paibrasileiro ou de mãe brasileira”, o que supõe que apenas os filhosbiológicos (que tenham nascido no estrangeiro) de pais brasileiros estariamamparados pelo direito de serem brasileiros natos. Nesse sentido, veja-se aposição unânime (e correta) da jurisprudência brasileira a respeito: Defato, o art. 12, I, alínea c da CF/1988 estabelece que é brasileiro natoaquele que nasce de pai ou mãe brasileiros, o que restou comprovado quenão é o caso da Requerente. (…) A doutrina e a jurisprudência são

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unânimes ao reconhecer que o vínculo adotivo, no Brasil, não produzefeitos sobre a nacionalidade do adotante. (…) A Constituição trata anacionalidade de forma restritiva, tanto é que se manifesta de formaexpressa quanto à qualidade de brasileiro nato que determinadas pessoasdevem possuir, como por exemplo, a pessoa de seu chefe. A ser admitida aprocedência do pedido da Requerente, estaríamos permitindo a fruição dedireitos exclusivos de brasileiros natos, como o de jamais ser extraditadopor eventuais crimes cometidos no exterior, ou de ocupar cargos como o dePresidente da República. Tal hipótese poderia provocar a existência de umEstado integrado por estrangeiros, cujo governo soberano poderia vir a seencontrar nas mãos de súditos de outros países, o que, por certo, justifica arestrição constitucional, que objetiva evitar a fragilidade de cláusulasconstitucionais extremamente rígidas. (…) Ressalte-se que não se está anegar o direito à nacionalidade da Requerente, mas tão somente o caminhoda aquisição da forma originária de nacionalidade, restando-lhe o caminhoda naturalização, conforme sugerido pelo Juízo a quo.131

Por sua vez, os tratados internacionais ratificados pelo Brasil – como,v.g., a Convenção da Haia, relativa à Proteção das Crianças e à Cooperaçãoem Matéria de Adoção Internacional, de 1993 – também não atribuem àcriança a nacionalidade dos adotantes, limitando-se a dizer que “[s]e aadoção tiver por efeito a ruptura do vínculo preexistente de filiação, acriança gozará, no Estado de acolhida e em qualquer outro Estado-Contratante no qual se reconheça a adoção, de direitos equivalentes aosque resultem de uma adoção que produza tal efeito em cada um dessesEstados”. Cuida-se, como se vê, na Convenção da Haia de 1993, derelação de equivalência aos efeitos decorrentes da ruptura do vínculo, não aoutros alheios a esse ponto específico, como a atribuição de novanacionalidade à criança. Aqui, o “diálogo das fontes” internacionais einternas está a demonstrar a impossibilidade de se atribuir à criançaadotada a nacionalidade dos adotantes.

Assim, o filho adotivo de brasileiro nascido no estrangeiro seránacional de seu Estado de origem (se assim lhe for permitido), nãopodendo optar pela nacionalidade brasileira assim como permite o art. 12,I, c, da Constituição para os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou

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mãe brasileira. Daí o motivo de ter o Brasil reservado, no ato da assinaturada Convenção da Haia sobre Conflitos de Nacionalidade, de 1930, o seuart. XVII, segundo o qual “se a lei de um Estado admitir a perda danacionalidade em consequência da adoção, esta perda ficará, entretanto,subordinada à aquisição pelo adotado da nacionalidade do adotante, deacordo com a lei do Estado, de que este for nacional, relativa aos efeitos daadoção sobre a nacionalidade”.132 Naturalizando-se, porém, brasileiro,poderá o adotado (a depender da legislação de seu país de origem) mantera nacionalidade originária, passando, assim, a ter dupla nacionalidade.

Frise-se, por oportuno, que o art. 52-C do ECA (incluído pela Lei nº12.010/2009 – Lei de Adoção) garantiu às crianças ou adolescentesadotados por brasileiros um certificado provisório de naturalização, a serprovidenciado pela Autoridade Central Estadual que tiver processado opedido de habilitação dos pais adotivos, dispondo que “[n]as adoçõesinternacionais, quando o Brasil for o país de acolhida, a decisão daautoridade competente do país de origem da criança ou do adolescente seráconhecida pela Autoridade Central Estadual que tiver processado o pedidode habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à AutoridadeCentral Federal e determinará as providências necessárias à expedição doCertificado de Naturalização Provisório”. Essa regra, como se percebe,reafirma que a via correta para a atribuição da nacionalidade brasileira àcriança ou adolescente estrangeiro adotado por brasileiro é, sem dúvida, ada naturalização.

Em suma, enquanto não sobrevém alteração constitucional que coloquetermo à questão, a única maneira de o filho estrangeiro, adotado por paisbrasileiros, ter a nacionalidade brasileira é pela via da naturalização. E asconsequências dessa questão jurídica para o DIPr, sabe-se já, são tamanhas,em razão de vários países do mundo (de onde poderá provir a criança)adotarem o critério da nacionalidade para a determinação do estatutopessoal (estado, capacidade, direitos de família etc.).

Convenção Interamericana sobre Conflito de Leis

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em Matéria de Adoção de Menores (1984)

O Brasil é parte da Convenção Interamericana sobre Conflito de Leisem Matéria de Adoção de Menores (CIDIP-III), concluída em La Paz(Bolívia) em 24 de maio de 1984,133 em vigor internacional desde 24 demaio de 1984.

A Convenção se aplica à adoção de menores – que são pessoas de 0 a18 anos, nos termos do art. 1º da Convenção sobre os Direitos da Criançade 1989 – sob as formas de adoção plena,134 legitimação adotiva e outrasformas afins que equiparem o adotado à condição de filho cuja filiaçãoesteja legalmente estabelecida, quando o(s) adotante(s) tiver(em) seudomicílio num Estado-parte e o adotado sua residência habitual em outroEstado-parte. A Convenção, portanto, tem por destinatários apenas ocírculo restrito dos Estados-partes, não valendo para relações jurídicasentre Estados-partes e não partes. Daí a crítica da doutrina de que, apesardos esforços da OEA, inclusive do Brasil – em razão de o textoconvencional adequar-se à legislação brasileira –, “não respondeu ao apelointernacional na solução dos conflitos, pelo fato de não conseguir abrangeros países de adotantes e países de adotandos”.135

Nos termos da Convenção, a lei da residência habitual do menor seráresponsável por reger sua capacidade, seu consentimento e demaisrequisitos para a adoção, bem como os procedimentos e formalidadesextrínsecos necessários à constituição do vínculo (art. 3º). A norma vai aoencontro dos propósitos de proteção dos direitos dos menores, pelo que, aoestabelecer a conexão da residência habitual como definidora das leisaplicáveis à adoção, garante seja o princípio do melhor interesse da criançalevado em consideração. Não se há de excluir, porém, eventual norma maisfavorável à criança adotada, seguindo a evolução do DIPr na matéria.136

Por sua vez, a lei do domicílio do(s) adotante(s) há de regular (a) acapacidade para ser adotante, (b) os requisitos de idade e estado civil do(s)adotante(s), (c) o consentimento do cônjuge do adotante, se for o caso, e (d)os demais requisitos para ser adotante (art. 4º, primeira parte). Em algunspaíses, a idade mínima para ser adotante era de 45 anos (v.g., Espanha e

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Uruguai), enquanto em outros, era de 40 anos (v.g., Venezuela, Suíça eFranca); teria, assim, capacidade para adotar no Brasil um venezuelano, umsuíço ou um francês de 43 anos de idade, mas não um espanhol ou umuruguaio com essa mesma idade.137 Quando, porém, os requisitos da leido(s) adotante(s) forem manifestamente menos estritos que os da lei daresidência habitual do adotado, a prevalência será da lei do adotado (art.4º, in fine). Perceba-se, nesse último caso, que deverá a autoridade quepreside a adoção verificar a lei do país de domicílio do(s) adotante(s) paraaferir se os requisitos para ser adotante são mais ou menos restritivos queos previstos pela lei da residência habitual do adotado. A ideia perseguidapela Convenção é no sentido de que os requisitos para se adotar devam sersempre mais restritivos, ou seja, mais dificultosos para o(s) adotante(s);daí, se tais requisitos, pela lei do(s) adotante(s), forem manifestamentemenos restritos, é dizer, menos dificultosos que os previstos pela lei dopaís do adotado, a opção deve ser pela aplicação da legislação desteúltimo (legislação mais restritiva). Essa regra tem por finalidade, como senota, impedir que legislações estrangeiras facilitem a adoção internacionalde menores, ameaçando a sua proteção.138 O ECA, ademais, estabelece que“[e]m caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora doPaís, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, nomínimo, 30 (trinta) dias” (art. 46, § 3º).

Perceba-se, à luz do art. 3º da Convenção, que a capacidade do menor,seu consentimento e demais requisitos para a adoção, bem como osprocedimentos e formalidades extrínsecos necessários à constituição dovínculo, serão, a priori, regidos pela lei de sua residência habitual.Portanto, se a adoção internacional for de criança residente habitualmenteno Brasil, será a lei brasileira a competente para regê-la, respeitados osseus requisitos e condições (cumulados com as determinações daConvenção de Haia de 1993 – v. infra) a serem observados pelosestrangeiros não residentes no Brasil. Apenas para a questão prévia,relativa à capacidade dos adotantes para adotar, levar-se-á em conta a leidomiciliar de cada um deles (Convenção, art. 4º, primeira parte; LINDB,art. 7º, caput).139 Já se disse, porém, que a evolução do DIPr na matériaexige também observar a norma mais favorável ao adotando, podendo tal

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norma, v.g., ser a lei da nacionalidade, do domicílio ou da residênciahabitual do pai ou da mãe.140

A lei indicada pela regra de DIPr convencional, poderá, contudo,colidir com eventual lei de aplicação imediata (loi de police) em vigor noEstado do foro, como, v.g., algumas normas do Estatuto da Criança e doAdolescente no Brasil. Em casos tais, sequer há perquirição da leieventualmente aplicável, uma vez que as normas de aplicação imediataoperam a priori de qualquer investigação legislativa. Não viola o tratado ainaplicação da lei indicada, porque o bloqueio dá-se não à normaconvencional, senão à possibilidade por ela prevista de aplicação de outralei. O mesmo poderá ocorrer, evidentemente, com a violação à ordempública. Neste caso, porém, verifica-se a lei (que seria) aplicável, para,depois, cortar efeitos ao comando legislativo.

Em benefício do menor adotado, estabelece o art. 5º da Convenção que“[a]s adoções feitas de acordo com esta Convenção serão reconhecidas depleno direito nos Estados-Partes, sem que se possa invocar a exceção dainstituição desconhecida”. Cria-se, assim, nos Estados-partes que nãocontemplam essa modalidade adotiva, a novel figura jurídica como meio deproteger o menor, dando-lhe família que ainda não tinha.

Para a regência dos requisitos concernentes à publicidade e registro daadoção, aplica-se a lei do Estado em que devam ser cumpridos(Convenção, art. 6º, primeira parte). Se no Brasil tiver de operar a adoçãointernacional, será, portanto, a lei brasileira a responsável pela regência detais requisitos. O art. 6º, in fine, da Convenção, dispõe ainda que “[n]osregistros públicos deverão constar a modalidade e as características daadoção”.

Nos termos do art. 9º, em caso de adoção plena, legitimação adotiva eformas afins: a) as relações entre o(s) adotante(s) e o adotado, inclusive noque diz respeito a alimentos, bem como as relações do adotado com afamília do(s) adotante(s), reger-se-ão pela mesma lei que regula as relaçõesdo(s) adotante(s) com sua família originária (chamada pela Convenção de“legítima”); e b) os vínculos do adotado com sua família de origem serãoconsiderados dissolvidos, subsistindo, no entanto, os impedimentos para

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contrair matrimônio.No caso de adoção diferente da adoção plena, da legitimação adotiva e

de formas afins, diz o art. 10 da Convenção que as relações entre o(s)adotante(s) e o adotado serão regidas pela lei domiciliar do(s) adotante(s);e as relações do adotado com sua família de origem reger-se-ão pela lei dasua residência habitual no momento da adoção.

Por sua vez, segundo o art. 11 os direitos sucessórios correspondentesao adotado ou ao(s) adotante(s) devem ser regidos pelas normas aplicáveisàs respectivas sucessões. O mesmo dispositivo complementa que no casode adoção plena, legitimação adotiva e formas afins, o adotado, o(s)adotante(s) e a família deste(s) último(s) terão os mesmos direitossucessórios correspondentes à filiação originária (filiação “legítima”, naexpressão da Convenção).

O art. 12, por sua vez, assevera que “[a]s adoções a que se refere oartigo 1º serão irrevogáveis”, complementando que “[a] revogação dasadoções a que se refere o artigo 2º reger-se-á pela lei da residênciahabitual do adotado no momento da adoção”.

Quando for possível a conversão da adoção simples em adoção plena,legitimação adotiva ou formas afins, tal conversão reger-se-á, à escolha doautor, pela lei da residência habitual do adotado no momento da adoção oupela lei do Estado de domicílio do(s) adotante(s) no momento de ser pedidaa conversão (art. 13, primeira parte). Se o adotado for maior de 14 anos, oseu consentimento far-se-á necessário (art. 13, in fine).

A anulação da adoção, por sua vez, será regida pela lei do Estado que aoutorgou (art. 14, primeira parte). A anulação só poderá, porém, serjudicialmente decretada, velando-se pelos interesses do menor de acordocom o art. 19 da Convenção (art. 14).

São competentes para outorgar as adoções a que se refere a Convençãoas autoridades do Estado da residência habitual do adotado (art. 15). Sãocompetentes para decidir sobre a anulação ou a revogação da adoção osjuízes do Estado da residência habitual do adotado no momento da outorgada adoção (art. 16).

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Quando for possível a conversão da adoção simples em adoção plena,legitimação adotiva ou formas afins, serão competentes para decidir,alternativamente e à escolha do autor, as autoridades do Estado daresidência habitual do adotado no momento da adoção, ou as do Estadoonde tiver(em) domicílio o(s) adotante(s) ou as do Estado onde tiverdomicílio o adotado, quando tiver domicílio próprio, no momento de pedir-se a conversão (art. 16).

São competentes para decidir as questões referentes às relações entre oadotado e o(s) adotante(s) e a família deste(s) último(s), os juízes doEstado de domicílio do(s) adotante(s), enquanto o adotado não constituirdomicílio próprio; a partir do momento em que o adotado tiver domicíliopróprio será competente, à escolha do autor, o juiz do domicílio do adotadoou do(s) adotante(s) (art. 17).

Caso a aplicação da lei declarada como competente pela Convençãoviolar a ordem pública do Estado respectivo, poderão as suas autoridadesrecusar-se em aplicá-la. A violação à ordem pública, porém, há de sermanifesta (art. 18).

Todos os termos da Convenção e as leis aplicáveis de acordo com eladeverão ser interpretados “harmonicamente e em favor da validade daadoção e em benefício do adotado” (art. 19).

Por fim, dispõe a norma convencional que “[q]ualquer Estado-Partepoderá, a qualquer momento, declarar que esta Convenção se aplica àadoção de menores com residência habitual nesse Estado, por pessoas quetambém tenham residência habitual nesse mesmo Estado-Parte, quando, dascircunstâncias do caso específico, a juízo da autoridade interveniente,resultar que o adotante (ou adotantes) se propõe constituir domicílio emoutro Estado-Parte depois de formalizada a adoção” (art. 20). E ainda: “Asadoções outorgadas de conformidade com o direito interno, quando oadotante (ou adotantes) e o adotado tiverem domicílio ou residênciahabitual no mesmo Estado-Parte, surtirão efeitos de pleno direito nosdemais Estados-Partes, sem prejuízo de que tais efeitos sejam regidos pelalei do novo domicílio do adotante (ou adotantes)” (art. 25).

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6.3 Convenção Relativa à Proteção das Crianças e àCooperação em Matéria de Adoção Internacional(1993)

O Brasil também é parte da Convenção Relativa à Proteção dasCrianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluídana Haia em 29 de maio de 1993,141 em vigor entre nós desde 1º de julho de1999, nos termos do seu art. 46, § 2º. Seus objetivos são (a) estabelecergarantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo ointeresse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais quelhe reconhece o Direito Internacional, (b) instaurar um sistema decooperação entre os Estados-contratantes que assegure o respeito àsmencionadas garantias e, em consequência, previna o sequestro, a venda ouo tráfico de crianças, bem como (c) assegurar o reconhecimento nosEstados-contratantes das adoções realizadas segundo a Convenção (art. 1º).

A Convenção – que somente abrange as adoções que estabeleçam umvínculo de filiação – será aplicada quando uma criança com residênciahabitual em um Estado-contratante (“Estado de origem”) tiver sido, for, oudeva ser deslocada para outro Estado-contratante (“Estado de acolhida”),quer após sua adoção no Estado de origem por cônjuges ou por uma pessoaresidente habitualmente no Estado de acolhida, quer para que essa adoçãoseja realizada, no Estado de acolhida ou no Estado de origem (art. 2º). Taldemonstra, como já se disse, que a qualificação da adoção comointernacional não leva em conta a nacionalidade das partes, senão apenas aresidência habitual do adotado e do(s) adotante(s) em países distintos.

A Convenção da Haia de 1993 tem seus aspectos jurídicos notadamentevoltados a normas administrativas e de processo civil, em atenção aomelhor interesse da criança, não propriamente a questões conflituais deDIPr. O que fez a Convenção, segundo Claudia Lima Marques, foi“procurar impor suas regras mínimas de cooperação e de ética a todas asadoções internacionais, centrando sua atenção no ‘deslocamento’internacional da criança, sem valorar (positiva ou negativamente) as normasinternas nacionais (as normas imperativas materiais e as normas de

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conflitos de leis), que continuam a vigorar, agora reforçadas pelacompetência assegurada às autoridades locais e autoridades centrais dospaíses”.142 As normas de DIPr, contudo, permeiam a Convenção de certamaneira, uma vez que, por se tratar de adoção internacional, há semprequestões multiconectadas envolvidas. O elemento de conexão utilizado foi oda residência habitual, não o do domicílio (como fez a ConvençãoInteramericana sobre Conflito de Leis em Matéria de Adoção de Menores,de 1984, relativamente aos adotantes). Nesse sentido, dispõe o art. 14 daConvenção da Haia que “[a]s pessoas com residência habitual em umEstado-Contratante, que desejem adotar uma criança cuja residênciahabitual seja em outro Estado-Contratante, deverão dirigir-se à AutoridadeCentral do Estado de sua residência habitual”.

Para o DIPr, têm importância os arts. 36, a e b, 37 e 38, da Convenção.O primeiro dispõe que “[e]m relação a um Estado que possua, em matériade adoção, dois ou mais sistemas jurídicos aplicáveis em diferentesunidades territoriais: a) qualquer referência à residência habitual nesseEstado será entendida como relativa à residência habitual em uma unidadeterritorial do dito Estado; b) qualquer referência à lei desse Estado seráentendida como relativa à lei vigente na correspondente unidadeterritorial”. O art. 37, por sua vez, determina que “[n]o tocante a um Estadoque possua, em matéria de adoção, dois ou mais sistemas jurídicosaplicáveis a categorias diferentes de pessoas, qualquer referência à leidesse Estado será entendida como ao sistema jurídico indicado pela lei dodito Estado”. Por fim, dispõe o art. 38 que “[u]m Estado em que distintasunidades territoriais possuam suas próprias regras de direito em matéria deadoção não estará obrigado a aplicar a Convenção nos casos em que umEstado de sistema jurídico único não estiver obrigado a fazê-lo”.143 Os arts.37 e 38 da Convenção versam, respectivamente, os casos de Estados comsistemas jurídicos plurilegislativos interpessoais e interterritoriais.144

Para críticas, v. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p.41, ao entender que “o assunto fora regulado mal na Introdução [ao Código Civil de

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1916] e, pior, na Lei de Introdução”, pois esta deveria ter dado “aos direitos defamília um conteúdo humano e social, coibindo os abusos, igualando direitos edeveres entre os cônjuges, entre pais e filhos e dando preferência aos interessesdestes últimos, adotando, assim, regras analíticas, específicas, superadas as leis denacionalidade e do domicílio, e apresentando outros critérios, lugar do ato,residência habitual, leis mais favorável, autonomia sem abuso, situação dos bens, lexfori, etc.”.Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 267.V. JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.Para a história do instituto, da época colonial ao direito brasileiro em vigor, v.VELASCO, Ignacio M. Poveda. Os esponsais no direito luso-brasileiro. São Paulo:Quartier Latin, 2007, 272p.Não obstante, porém, tratar-se de promessa de casamento, os esponsais, no Brasil,não se qualificam no âmbito do direito de família (v. infra).Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 4; e ROCHA, Osiris. Curso de direito internacional privado,cit., p. 120-121. Assim também, expressamente, o Código Civil austríaco de 1811,que negava aos esponsais qualquer obrigação jurídica de concluir a união ou decumprir o previsto para o caso de ruptura (art. 45), dando, porém, à parte lesada,indenização pelo prejuízo sofrido (art. 46) (v. VALLADÃO, Haroldo. Direitointernacional privado, vol. II, cit., p. 59).STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 515.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 60.ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 417.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 287. À luz desseentendimento, Batalha entende (sua opinião é radical) que também “em nossoDireito, seria contrária à ordem pública a aplicabilidade de qualquer lei estrangeirasobre esponsais, por violentar o conceito brasileiro de liberdade do casamento”[grifo nosso] (Tratado de direito internacional privado, t. II, cit., p. 92).Para o direito italiano, v. DE NOVA, Rodolfo. Gli sponsali in diritto internazionaleprivato. Il Foro Italiano, vol. 78, nº 2 (1955), p. 25-38; BALLADORE PALLIERI,Giorgio. Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 173-174; e, com maiorprofundidade, OBERTO, Giacomo. La promessa di matrimonio. In: ZATTI, Paolo(Dir.); FERRANDO, Gilda; FORTINO, Marcella & RUSCELLO, Francesco (Org.). Trattatodi diritto di famiglia, vol. I (Famiglia e Matrimonio), 2. ed. Milano: Giuffrè, 2011,p. 325-365.No Codex Iuris Canonice de 1917 a regra era a mesma: “At ex matrimoniipromissione, licet valida sit nec ulla iusta causa ab eadem implenda excuset, non

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datur actio ad petendam matrimonii celebrationem; datur tamen ad reparationemdamnorum, si qua debeatur” (Canon 1017, § 3º). Por sua vez, a atual legislaçãocanônica (de 1983) objetiva a norma no Canon 1062, § 2º, nestes termos: “Exmatrimonii promissione non datur actio ad petendam matrimonii celebrationem;datur tamen ad reparationem damnorum, si qua debeatur”.V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 7.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Idem, ibidem.A regra neminem laedere também se faz presente em diversos dispositivosconstitucionais no Brasil, como, v.g., no que assegura o direito de resposta,proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem(art. 5º, V), e no que diz serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e aimagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material oumoral decorrente de sua violação (art. 5º, X).Cf. FERRER CORREIA, A. Lições de direito internacional privado, vol. I, cit., p. 226-227.O direito italiano (Lei de 31 de maio de 1995) dispõe, por sua vez, que “[a]promessa de matrimônio e as consequências de sua violação são reguladas pela leinacional comum dos nubentes ou, em sua falta, pela lei italiana” (art. 26). Sobreessa regra, v. OBERTO, Giacomo. La promessa di matrimonio, cit., p. 361-364.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 368; ROCHA, Osiris.Curso de direito internacional privado, cit., p. 122; e STRENGER, Irineu. Direitointernacional privado, cit., p. 515.Na doutrina, v. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p.64.Cf. DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 5.ROCHA, Osiris. Curso de direito internacional privado, cit., p. 116.Cf. DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 5.V. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 54. Para o direitoanterior, cf. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacionalprivado, cit., p. 203-208; e ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacionalprivado, cit., p. 424-426.Assim também na França, como se vê em NIBOYET, J.-P. Principios de derechointernacional privado, cit., p. 703-704.Equivocado, nesse sentido, o entendimento de Amilcar de Castro, para quem odireito brasileiro “restabeleceu o sistema do ius loci celebrationis, por força dodisposto no art. 7º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que manda observar odireito brasileiro quanto aos impedimentos dirimentes, sem fazer distinção entre

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dirimentes absolutos ou relativos, e portanto abrangendo todos, inclusive acapacidade para casar mencionada entre os dirimentes relativos no art. 183, nº XII,combinado com o art. 189 do Código Civil [de 1916]” (Direito internacionalprivado, cit., p. 371). Sem razão, também, Nadia de Araujo, quando afirma que “[o]parágrafo 1º da LICC [LINDB] unificou forma e fundo sob a mesma lei” (Direitointernacional privado…, cit., p. 369).DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 67.Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 12-13.Tal não significa, contudo, que o casamento poligâmico realizado em país que oadmite não seja reconhecido no Brasil, por se tratar de direito legalmente adquiridono exterior. Em paralelo, sobre a mesma questão na França, cf. MAYER, Pierre &HEUZÉ, Vincent. Droit international privé, cit., p. 403 e 418-419.Contra, v. DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p.72-73, para quem “o legislador de 1942 seguiu a orientação da Haia e deBustamante (este, direito positivo brasileiro), que determinam a cumulação dodireito pessoal com o direito do local da celebração, o que é um critério que fazmuito sentido e mantém coerência dogmática. Aplica-se para a específicacapacidade nupcial a lei pessoal, a mesma que rege a capacidade genérica e, somadaa esta observância da regra geral, deverão ser também respeitadas as normasbrasileiras sobre impedimento, porque choca à nossa ordem pública consorciarpessoas impedidas por nossa lei. (…) Nosso entendimento é o de que quando olegislador de 1942 introduziu o dispositivo do § 1º no artigo 7º – inexistente em1916 –, nada mais fez do que consagrar esta doutrina: estrangeiros que casam noBrasil obedecerão sua lei domiciliar sobre capacidade, inclusive os impedimentosnela estabelecidos e, além disso, respeitarão também os impedimentos dirimentesda nossa legislação, ou seja, os primeiros oito impedimentos, dirimentes absolutos[no Código Civil de 2002 há sete impedimentos que, se violados, nulificam ocasamento – v. art. 1.521, I a VII; no art. 1.523, I a IV, há causas suspensivas quetornam anulável o casamento caso descumpridas]”.V., ainda, o que dispõe o Decreto-lei nº 3.200, de 19.04.1941, que atenuou ocasamento de colaterais até o 3º grau (v.g., de tio com sobrinha) quando não houverprejuízo genético à prole, constatado por perícia.V. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado,cit., p. 204; e TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 62.Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 249.Assim também na Itália, à diferença de que ali a prova é tomada segundo a leinacional do nubente ou segundo a lei para a qual a norma nacional reenviou; o

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interessado deverá, segundo o art. 116, primeira parte, do Código Civil italiano,apresentar “uma declaração da autoridade competente do próprio país, no sentido deque nos termos das leis a que ele se submete nada obsta o matrimônio”. O sentidoda expressão “leis a que ele se submete”, como explica Ballarino, foi modificado apartir do acolhimento, naquele país, do instituto do reenvio: não se trata maisnecessariamente da lei nacional, podendo ser também o ordenamento terceiro a quea lei nacional reenvia, sempre que este se considere aplicável (cf. Dirittointernazionale privato italiano, cit., p. 176).Assim, VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 64; eESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 148.Nesse exato sentido, v. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p.297, para quem “a regra locus regit actum tem, por exceção, neste caso, caráterimperativo”. Em vários outros casos, como se verá, a regra será dispositiva.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 60.Cf. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p. 714-715.O casamento no exterior de pessoas não domiciliadas no Brasil não é assunto quecompete à nossa soberania, devendo esta, apenas, reconhecê-lo a título de direitolegalmente adquirido no exterior.DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 5-6.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 376. Sobre o tema, v.também BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Diritto internazionale privato italiano,cit., p. 189-190.V. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 458.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 67.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 73-74.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 376.Sob o direito anterior, v. a lição de DOLINGER, Jacob. A família no direitointernacional privado, t. 1, cit., p. 50, assim: “O registro no Brasil não torna eficazo casamento celebrado no exterior, pois, para todos os efeitos de direito, ele éeficaz no Brasil a partir do momento em que efetuado validamente no exterior, naconformidade das leis do local de sua celebração. O registro é necessário tãosomente para fazer prova. Questão ad probationem. (…) A facultatividade doregistro foi confirmada pelo legislador de 1975 [rectius, 1973], pois enquanto asleis anteriores enunciavam que o casamento ‘deverá ser registrado’, dando umprazo de três meses para esta providência, a lei atual só diz que os assentos ‘serãotrasladados quando tiverem de produzir efeito no País…”.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 497-498.

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Em vigor no Brasil desde 10.06.1967 (publicada no DOU de 28.07.1967).Redação dada pela Lei nº 3.238/57. O texto original, de 1942, restringia talcompetência consular aos “brasileiros ausentes de seu domicílio no país”, o que eraextremamente injusto por excluir do benefício exatamente os que dele maisprecisavam: os brasileiros domiciliados no estrangeiro. Daí a alteração legislativadecorrente de severa crítica doutrinária (cf. VALLADÃO, Haroldo. Direitointernacional privado, vol. II, cit., p. 11).Assim também em nosso direito anterior, como se verifica em ESPINOLA, Eduardo.Elementos de direito internacional privado, cit., p. 462-463.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 68-69;VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 70; DOLINGER,Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 31-32; ARAUJO,Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 374; DINIZ, Maria Helena. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 252; e BASSO,Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 183.Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 252.DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 32 e 35.V. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 253.TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 73.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 371.Sobre essa modalidade matrimonial, v. BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Dirittointernazionale privato italiano, cit., p. 191-195.V. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 180.V. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 68.DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 21.V. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 123, assim:“Trata-se de uma norma que não fere a nossa ordem pública e, portanto, o juizbrasileiro deve observá-la, mesmo porque um casamento realizado em taiscircunstâncias não tem o necessário efeito no país de origem do nubente”.Assim, TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 65-66; eESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 205: “É que a faculdade de casar por procuração estáincluída entre os pressupostos materiais da celebração do casamento, e não entre osrequisitos puramente formais”. Contra, v. VALLADÃO, Haroldo. Direitointernacional privado, vol. II, cit., p. 72, para quem era “praticamente universal(…) a qualificação do casamento por procuração como matéria de forma, inclusive

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nos Estados que adotam como lei pessoal a da nacionalidade…” (Direitointernacional privado, vol. II, cit., p. 72).DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 26.STJ, REsp 275.985/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.17.06.2003, DJ 13.10.2003.Nesse sentido, v. ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 279-285; DOLINGER, Jacob. Afamília no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 175; ARAUJO, Nadia de.Direito internacional privado…, cit., p. 393; e DINIZ, Maria Helena. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 258-259. Parecechegar à mesma conclusão, não obstante o laconismo do texto, BATALHA, Wilson deSouza Campos. Tratado de direito internacional privado, t. II, cit., p. 129.ROCHA, Osiris. Curso de direito internacional privado, cit., p. 117, nota nº 40.Cf. ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 284-285.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 94.AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 125. No mesmosentido, v. DEL’OLMO, Florisbal de Souza & ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro comentada, cit., p. 112.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 84.V. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 386. Essa também aposição do STF, no RE 86.787/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Leitão de Abreu, j.20.10.1978, DJ 04.05.1979, assim ementado: “Casamento. Regime de bens.Interpretação dos art. 7º, § 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. 1)Nubentes que, sem impedimento para casar, contraem matrimônio no Uruguai,depois de preencher, pela lei uruguaia, os requisitos exigidos para a fixação dedomicílio nesse país. Decisão onde se reconhece que o domicílio se estabeleceu nolugar do casamento também segundo a lei brasileira. Conclusão que assentou, nesteponto, o exame da prova, sendo, pois, irrevisível em sede de recurso extraordinário(Súmula 279). Inexistência, pois, de ofensa ao artigo 7º, § 4º, da Lei de Introduçãoao Código Civil Brasileiro. 2) Dá interpretação razoável, por outro lado, a essedispositivo legal, o arresto impugnado, quando sustenta que não importa ofensa aoaludido preceito da Lei de Introdução, no que toca ao regime de bens, casamentoefetuado no estrangeiro, segundo a lei local, para que incida determinado regime debens, quando este é admitido, também, pela lei brasileira. No caso, o matrimônioefetuou-se no Uruguai, onde o regime comum é o da separação de bens, para queeste fosse o regime do casamento, regime também admitido pelo nosso direito. 3)Infração ao princípio geral de direito segundo o qual não pode a parte venire contrafactum proprium. Recurso extraordinário não conhecido”.

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Verbis: “Se o naturalizado for casado, poderá, mediante aquiescência expressa dooutro cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, sejaapostilada no mesmo a adoção do regime de comunhão universal de bens,respeitados os direitos de terceiro e atendidos os preceitos relativos à publicidadedesse ato nos registros competentes”.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. II, cit., p. 133-134.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 381.Cf. GOLDSCHMIDT, Werner. Derecho internacional privado…, cit., p. 276.V. ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 268. Daí a conclusão dos mesmos autores de que “[a]lei pessoal comum dos dois cônjuges é, em regra, a chamada para regular asrelações pessoais entre eles” (Idem, ibidem).Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 500.Constituição Federal, art. 5º, caput (“Todos são iguais perante a lei, sem distinçãode qualquer natureza…”); e art. 226, § 5º (“Os direitos e deveres referentes àsociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”[estendendo-se às relações homoafetivas, nos termos da jurisprudência consolidadado STF]).Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 77.Verbis: “Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade domatrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal”.AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 124. Nesse exatosentido, v. DEL’OLMO, Florisbal de Souza & ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro comentada, cit., p. 111.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 123-133.ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 208.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 373-374.DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 82.STF, SE 2.085/Estados Unidos da América (segundo julgamento), Tribunal Pleno,Rel. Min. Luiz Gallotti, j. 13.09.1972, DJ 10.11.1972.DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 82.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 374.DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada,cit., p. 255.ROCHA, Osiris. Curso de direito internacional privado, cit., p. 117, nota nº 40.DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado, t. 1, cit., p. 350.

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V. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 504.STF, SEC 5.066-9/Estados Unidos da América, Tribunal Pleno, Rel. Min. MaurícioCorrêa, j. 19.06.1996, DJ 27.09.1996.Cf. JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 505.Cf. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 408.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 557.STJ, SE 15.079/ES, Decisão Monocrática, Rel. Min. Francisco Falcão, j.05.04.2016. No mesmo sentido, v. STJ, SE 15.204/DE, Decisão Monocrática, Rel.Min. Francisco Falcão, j. 21.03.2016; e STJ, SE 15.181/DE, Decisão Monocrática,Rel. Min. Francisco Falcão, j. 05.04.2016.Cf. MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Guarda internacional de crianças. SãoPaulo: Quartier Latin, 2012, p. 105-106.A lei nacional, àquele tempo, era determinante do estatuto pessoal (a obra dePontes de Miranda é de 1935, anterior, portanto, à Lei de Introdução). Assim,substitua-se, hoje, o trecho “se tiverem nacionalidade diferente” por “se tiveremdomicílio diferente”.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 115.Não há, destaque-se, duas guardas no direito brasileiro, uma do Código Civil e outrado ECA. A diferença está em que, no Código Civil, a guarda tem por base o poderfamiliar, enquanto no ECA, pauta-se na proteção da criança. O instituto, porém, éúnico entre nós, ainda que com efeitos distintos em cada diploma legal.Há vários anos a jurisprudência brasileira posiciona-se nesse sentido, ordenandoobservar, nas relações entre pais e filhos, a norma mais favorável à criança. De hámuito a jurisprudência do STF tem aplicado o princípio, ampliando-o, inclusive, parao direito de família e o direito das sucessões em geral (cf. STF, Emb. RE59.871/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eloy da Rocha, j. 26.05.1971).Cf. MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Guarda internacional de crianças, cit., p.106.Em vigor internacional desde 1º de janeiro de 2002 (o Brasil, contudo, sequerassinou a Convenção).Assim já lecionava VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit.,p. 138: “A etapa a que chegamos, pois, desenvolvimento natural dos ideais modernosde proteção à criança e de resguardo dos direitos dos filhos, é a da lei maisfavorável ao filho”.Cf. MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Guarda internacional de crianças, cit., p.107.V. também Resolução CNJ nº 131, de 26.05.2011, art. 1º, II.

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MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Guarda internacional de crianças, cit., p.121.Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 10, de 13.11.1958, com adesão do Brasil em31.12.56 e promulgada pelo Decreto nº 56.826, de 02.09.1965 (em vigor interno apartir de 14.12.60).Sobre o tema, v. PEREIRA, Luís Cezar Ramos. Prestação de alimentos no direitointernacional privado brasileiro. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio deOliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo: Revistados Tribunais, 2012, p. 563-580 (Coleção Doutrinas essenciais: direitointernacional, vol. IV).O STF tem aceito, contudo, que a Procuradoria-Geral da República atue também naqualidade de Autoridade Remetente, não obstante a falta de designação da Lei deAlimentos (cf. RTJ 93/514). Destaque-se que Haroldo Valladão defendia quetambém poderia desempenhar esse papel a Ordem dos Advogados do Brasil, por ser“a organização mais adequada”, notadamente por se tratar de instituição“perfeitamente organizada e com atribuições em todo o território nacional, quepode corresponder com qualquer outro organismo de outro país, acessível nas suasSeções, nas Capitais dos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e nas suasSubseções nos Municípios, Comarcas do Interior, a todos que precisarem receberalimentos no estrangeiro, e apta a proceder à cobrança de todos os pedidos quevenham, a respeito, do estrangeiro” (Direito internacional privado, vol. II, cit., p.153).Assim, JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 210.BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit.,p. 244-245. Pontes de Miranda, em sentido contrário, entendia por correta aaplicação da lei pessoal do obrigado (lex debitoris) a título exclusivo (Tratado dedireito internacional privado, t. II, cit., p. 116-117). Outros, ainda, como EduardoEspinola, advogam deva “haver concordância das duas leis, recíproco, como é odireito aos alimentos”, pois “[a]quele que pretende alimentos deve ser autorizado areclamá-los por sua lei, e o alimentante obrigado a prestá-los, de conformidade coma respectiva lei pessoal” (Elementos de direito internacional privado, cit., p. 575).Cf. VALLADÃO, Haroldo. O princípio da lei mais favorável no direito internacionalprivado. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direitointernacional privado: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.560 (Coleção Doutrinas essenciais: direito internacional, vol. IV); e MONACO,Gustavo Ferraz de Campos. Guarda internacional de crianças, cit., p. 123-125.Para detalhes, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais dedireitos humanos e direito interno, cit., p. 98-128.Assim, MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Guarda internacional de crianças,

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cit., p. 123-124.V. PEREIRA, Luís Cezar Ramos. Prestação de alimentos no direito internacionalprivado brasileiro, cit., p. 577-578. O autor, contudo, admite que se não for a leiaplicável “tecnicamente contra a Ordem Pública (ou moralmente) prejudicial aocredor dos alimentos, aí então deveria ser aplicada a Lei mais benéfica e favorávelao credor, com interveniência da Ordem Pública” (Idem, p. 578).Aprovada no Brasil (com reserva ao art. 24) pelo Decreto Legislativo nº 79, de15.09.1999, ratificada em 19.10.1999 e promulgada pelo Decreto nº 3.413, de14.04.2000. No contexto regional interamericano, cite-se a ConvençãoInteramericana sobre Restituição Internacional de Menores, adotada emMontevidéu, em 15 de julho de 1989 (promulgada no Brasil pelo Decreto nº 1.212,de 03.08.1994).Segundo informa Gustavo Monaco, o Secretário-Geral da Conferência da Haia,Hans van Loon, em visita oficial ao Ministro da Justiça do Brasil, realizada em2005, solicitou a substituição do termo “sequestro”, presente na tradução oficialbrasileira, pela expressão correta “subtração”; ocorre que nenhuma medida foitomada nesse sentido desde então (Guarda internacional de crianças, cit., p. 146,nota 390).No Brasil, essa Autoridade é a Secretaria Especial de Direitos Humanos doMinistério da Justiça (Decreto nº 3.951, de 04.10.2001), cujos interesses em juízosão representados pela Advocacia-Geral da União.A propósito, v. DOLINGER, Jacob. A família no direito internacional privado(Direito civil internacional, vol. I, t. 2 – A criança no direito internacional). Rio deJaneiro: Renovar, 2003, p. 250-251.Prevê, também, o art. 20 da Convenção que “[o] retomo da criança de acordo com asdisposições contidas no Artigo 12 poderá ser recusado quando não for compatívelcom os princípios fundamentais do Estado requerido com relação à proteção dosdireitos humanos e das liberdades fundamentais”.STJ, REsp 1.351.325/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 10.12.2013, DJ16.12.2013.Para detalhes, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira & MATTOS, Elsa de. Sequestrointernacional de criança fundado em violência doméstica perpetrada no país deresidência: a importância da perícia psicológica como garantia do melhor interesseda criança. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 104, vol. 954, São Paulo,abr./2015, p. 239-254.A lei brasileira a disciplinar o tema é a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e doAdolescente). Na doutrina, cf. LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção internacional.São Paulo: Malheiros, 1995; NAZO, Georgette Nacarato. Adoção internacional:valor e importância das convenções internacionais vigentes no Brasil. São Paulo:

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Oliveira Mendes, 1997; e MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Direitos da criançae adoção internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.V. art. 51, § 2º, do ECA.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 144-145.V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, cit., p.741-742.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 154.Nesse exato sentido, v. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Nacionalidadede origem e naturalização no direito brasileiro. 2. tir. aum. Rio de Janeiro: A.Coelho Branco Filho, 1936, p. 99; FERRANTE, Miguel Jeronymo. Nacionalidade:brasileiros natos e naturalizados. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 51; eGUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda ereaquisição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 16.V. TRF-3ª Reg., AC 759.974, 3ª Turma, Rel. Juiz Batista Pereira, DJU 11.09.2002,p. 459.TRF-2ª Reg., AC 401.112, 6ª Turma Esp., Rel. Des. Frederico Gueiros, DJU07.03.2008.Cf. GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade…, cit., p. 16-18.Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 60, de 19.06.1996, ratificada pelo governobrasileiro em 08.07.1997 e promulgada pelo Decreto nº 2.429, de 17.12.1997.Também ratificaram a Convenção os seguintes Estados: Belize, Chile, Colômbia,Honduras, México, Panamá, República Dominicana e Uruguai.No direito brasileiro em vigor (à luz do ECA) não mais existe a chamada adoçãosimples, proposta pelo antigo Código de Menores (Lei nº 6.697/79), senão apenas aadoção plena, que integra completamente a criança (na condição de filho) no novoseio familiar, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-a de todos os vínculos com os pais e parentes naturais, salvo os impedimentosmatrimoniais (ECA, art. 41).LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção internacional, cit., p. 35.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 144-145.O exemplo é de ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado,cit., p. 571.Cf. JATAHY, Vera Maria Barreira. Adoção internacional: o direito comparado e asnormas estatutárias. In: PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). Estatuto da Criança e doAdolescente – Lei 8.069/90: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar,1992, p. 191.Cf. MARQUES, Claudia Lima. A Convenção de Haia de 1993 e o regime da adoçãointernacional no Brasil após a aprovação do novo Código Civil Brasileiro em 2002.

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In: MOURA RAMOS, Rui Manuel Gens de (Ed.). Estudos em homenagem àProfessora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. I. Coimbra: Almedina,2002, p. 278-279.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 144-145.Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 1, de 14.01.1999, ratificada pelo governobrasileiro em 10.03.1999 e promulgada pelo Decreto nº 3.087, de 21.06.1999.MARQUES, Claudia Lima. A Convenção da Haia de 1993 e o regime da adoçãointernacional no Brasil após a aprovação do novo Código Civil Brasileiro em 2002,cit., p. 277.O art. 45, § 1º, complementa: “Quando um Estado compreender duas ou maisunidades territoriais nas quais se apliquem sistemas jurídicos diferentes em relaçãoàs questões reguladas pela presente Convenção, poderá declarar, no momento daassinatura, da ratificação, da aceitação, da aprovação ou da adesão, que a presenteConvenção será aplicada a todas as suas unidades territoriais ou somente a uma ouvárias delas. Essa declaração poderá ser modificada por meio de nova declaração aqualquer tempo”.Sobre tais sistemas, v. Parte I, Cap. IV, item 5, supra.

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Capítulo IV

Direito das Sucessões

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1. Introdução

O instituto da sucessão tem sabidamente natureza bifronte, poiscomposto simultaneamente de um viés pessoal (ligado ao autor da herança eseus herdeiros) e de um viés material (relativo aos bens deixados pelofalecido).1 A soma desses dois vieses faz compreender a sucessão como asubstituição do de cujus pelos herdeiros, tanto em direitos como emobrigações. Ou, como define Amilcar de Castro, conota a “atribuição dosbens que foram do defunto a um sobrevivente, ou melhor, quer dizer tomarum vivo a situação jurídica que foi de um morto, recebendo total ouparcialmente seus direitos e obrigações”.2 Daí a necessidade de análise dedois (e não mais que dois) elementos de ligação: a pessoa do defunto e asituação da coisa.3

Pode a sucessão dar-se a título singular (de um bem determinado) ou atítulo universal (de todos os bens do de cujus). Esta última pode ocorrerpor ato inter vivos ou causa mortis. A sucessão causa mortis, por sua vez,poderá ser por vontade do titular (sucessão testamentária) ouindependentemente desta (sucessão legítima ou ab intestato).4 Aqui seestudará apenas a sucessão por morte ou por ausência e seus reflexos noDIPr.

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2. Regra geral da LINDB

São várias as questões que podem ocorrer no DIPr relativamente aodireito das sucessões, como, v.g., terem o de cujos e seus herdeirosdomicílio ou nacionalidade diversos, ou estarem os bens objeto da herançaem países distintos.

No Brasil, a solução da LINDB para a lei aplicável à sucessão vemexpressa em seu art. 10, que estabelece:

A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país emque era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer queseja a natureza e a situação dos bens.

§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, seráregulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhosbrasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes sejamais favorável a lei pessoal do de cujus.

§ 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula acapacidade para suceder.

O caput do art. 10 estabelece que será a lei do último domicílio do decujus, vigente por ocasião do falecimento, a responsável por regular asrelações jurídicas sucessórias, independentemente de onde tenha a pessoafalecido, de onde se domiciliam os herdeiros ou de qual seja a natureza oua situação dos bens. Essa lei (do último domicílio do de cujus) é a que senomina, em doutrina, “lei da sucessão”. A disposição abrange tanto asucessão por morte – legítima (ab intestato) ou testamentária (disposiçãode última vontade) – quanto a sucessão por ausência.

É evidente que o dispositivo não contempla, como poderia parecer àprimeira vista, todos os aspectos relativos à sucessão, especialmente nocaso da sucessão testamentária, em que a capacidade para testar é aferidapela lei pessoal (domiciliar) do de cujus ao tempo da realização do

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testamento, e os aspectos extrínsecos (formais) do ato pela lei do local desua celebração (locus regit actum) ao tempo dessa mesma celebração.Apenas questões intrínsecas (substanciais) ao testamento é que serãoregidas nos termos do art. 10, caput, da LINDB, isto é, pela lei da sucessão(v. item 7, infra).

Princípio da universalidade sucessória

Ao dispor que “[a] sucessão por morte ou por ausência obedece à lei dopaís em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que sejaa natureza e a situação dos bens”, pretendeu a LINDB unificar as questõessubstanciais da herança sob regência de lei única, firmando no Brasil oprincípio da universalidade sucessória. De fato, em nenhum momento fez alei brasileira cisão entre os bens móveis e imóveis, cuja sucessão, como emoutros países, poderia levar à aplicação da lex rei sitae, no primeiro caso,e da lei do último domicílio do defunto, no segundo.5 A lei da sucessão é,assim, entre nós, única para todas as classes de bens, sem distinção.

Segundo a LINDB, portanto, será unicamente a lei do último domicíliodo de cujus a que deve o juiz aplicar para determinar as pessoassucessíveis, a ordem de vocação hereditária (na sucessão legítima), o valordas quotas necessárias dos herdeiros ou legatários, os limites à liberdadede testar, o modo de rateio do patrimônio, as causas de deserdação, acolação dos bens, a redução das disposições testamentárias e os dividendosdo espólio, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.6

Certo é, porém, que o princípio sofre abalo significativo sobretudoquanto aos imóveis localizados no estrangeiro, dada a sua sujeição à lei dolocal em que situados, tornando a regra brasileira ineficaz a esse respeito(v. item 2.3, infra).

Desuso (de facto) e insubsistência (de jure) daregra

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Muitos autores criticam a norma do art. 10, caput, da LINDB, sob oargumento de ser irreal e abandonada pela prática em vários países.Assim também tem feito a jurisprudência pátria, mitigando, ao longo dotempo, a regra em comento à luz de interpretação sistemática (com outrasnormas da LINDB e do CPC) e de fatores exógenos à lei domiciliar do decujus, como, v.g., a situação dos bens no exterior e eventual vontade doautor da herança (v. infra).

Haroldo Valladão, em lição precisa, observa que, na prática, odispositivo deixou de funcionar dadas as grandes exceções do tratamentomais favorável para o cônjuge e herdeiros brasileiros nos bens deestrangeiros existentes no Brasil, do tratamento especial para os filhos ecônjuges brasileiros em regime de separação de bens do casamento, dasheranças vagas abertas no Brasil, dos direitos dos credores locais, emparticular os privilegiados e até com garantias reais, da competência para oimposto de transmissão causa mortis da lei fiscal do Estado da situaçãoque se funda no seu próprio direito sobre a divisão hereditária para arespectiva taxação, da ordem pública, da competência exclusiva da justiçabrasileira sobre ações relativas a imóveis e não de ações reais sobreimóveis, que levaram, afinal, à realização de inventário e partilhaautônomos no Brasil e da pluralidade processual para acompanhar apluralidade sucessória, concluindo que “o princípio de um critério único euniversal para a sucessão, ‘qualquer que seja a natureza e a situação dosbens’, é faca que não corta, também no Brasil”. Daí sua proposição, noAnteprojeto de Lei Geral, de “abandonar aquela fórmula completamenteirreal, destruída e abandonada pela prática nos raros países que ainda aadotam, própria de uma Convenção ou de um Tratado (que até hoje não foipossível consertar) e jamais de lei interna, da imaginária unidade ouuniversalidade da sucessão pela lei da nacionalidade ou do domicílio”.7

Para quebrar a unidade sucessória, diz Valladão, não só os advogadosprocedem a vários inventários e partilhas em cada Estado onde existembens, principalmente imóveis, senão, o que é mais frequente, as pessoas quepossuem tais bens em diversos países fazem vários testamentos, paravigorar em cada um deles. Nesses casos, segundo Valladão, a presunção daunidade do regime sucessório ficaria destruída pela própria vontade dos

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herdeiros e do falecido.8

De fato, a regra contida no art. 10, caput, da LINDB foi infeliz e, emrazão disso, tornou-se praticamente inaplicável ao longo dos anos, poispretender unificar os bens da herança num único juízo e sob a mesma ação,ainda que juridicamente possível, acaba por não dar à regra qualqueraplicabilidade prática, como se acabou de ver, motivo pelo qual tanto adoutrina como a jurisprudência vêm mitigando o seu comando, para o fimde ajustá-lo à realidade.

Em 2015, no julgamento do Caso Susemihl, o STJ sepultou de vez oprincípio da universalidade sucessória, ao entender que o art. 10, caput, daLINDB “não assume caráter absoluto”, exigindo a conformação do DIPr“outros elementos de conectividade que deverão, a depender da situação,prevalecer sobre a lei de domicílio do de cujus”, tais como “a situação dacoisa e a própria vontade da autora da herança ao outorgar testamento,elegendo, quanto ao bem sito no exterior, reflexamente a lei de regência”.No caso, cingia-se a controvérsia em saber se, por meio de ação desonegados, promovida por dois netos da autora da herança (herdeiros porrepresentação de seu pai premorto) contra a filha sobrevivente da de cujus,reputada herdeira única por testamento cerrado e conjuntivo feito em 1943na Alemanha, seria possível sobrepartilhar o imóvel situado naquele país(ou o produto de sua venda) à luz da aplicação da lei brasileira (últimodomicílio da de cujus) sobre sucessão e nulidade da disposição de últimavontade. Estava a dúvida em saber se o estatuto aplicado à sucessão de bemsito no exterior deveria ser a lei brasileira (último domicílio da de cujus)ou a lei alemã (local da situação do bem imóvel sub judice e no qual seefetuou o testamento) já reconhecida pelo Poder Judiciário alemão, emprocesso próprio para tal. Vez por todas, entendeu o STJ que o art. 10,caput, da LINDB “deve ser analisado e interpretado sistematicamente, emconjunto, portanto, com as demais normas internas que regulam o tema, emespecial o art. 8º, caput, e § 1º do art. 12, ambos da LINDB e o art. 98 doCPC [hoje, art. 23 do CPC/2015]”, concluindo, então, que “na hipótese dehaver bens imóveis a inventariar situados, simultaneamente, aqui e noexterior, o Brasil adota o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios”.9

Segundo esse raciocínio, portanto, a universalidade sucessória ficaria

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circunscrita tão somente aos bens localizados no Brasil, não contemplandoquaisquer bens sitos no exterior.

Bens imóveis localizados no estrangeiro

Não fosse a jurisprudência brasileira em sentido contrário, certo é queaberta a sucessão no Brasil de pessoa aqui domiciliada, deveria o juiz localcolacionar todos os bens deixados pelo falecido, independentemente de suasituação, como, v.g., os imóveis localizados na Itália, na França, emPortugal, nos Estados Unidos etc. Já se viu, porém, que o STJ tem mitigadoa aplicação do art. 10, caput, da LINDB, em razão da pluralidade de juízossucessórios. Especialmente no que tange aos bens imóveis, tal se dá pelofato de as outras soberanias também se darem por competentes para decidirsobre imóveis nelas situados, fazendo surgir, assim, o conflito positivo denormas sucessórias de DIPr. Ademais, como poderia o juiz brasileiroinventariar (avaliar, vender, partilhar etc.) todos os imóveis sitos em paísesestrangeiros, sujeitando-os a uma mesma lei, isto é, à lei do últimodomicílio do de cujus?

Para resolver a questão, o entendimento (doutrinário e jurisprudencial)é no sentido de que a Justiça brasileira não terá, a priori, o poder dedecidir sobre imóveis sitos em país estrangeiro, dada a regra nacional deque “[s]ó à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das açõesrelativas a imóveis situados no Brasil” (LINDB, art. 12, § 1º). O que se fazé bilateralizar a regra do art. 12, § 2º, da LINDB, para afirmar a seguinterecíproca: somente a autoridade judiciária da situação do imóvelestrangeiro poderá conhecer das ações a ele relativas. Excepciona-se, aqui,o princípio da universalidade sucessória (para outras exceções, v. itens 5 e6, infra); haverá, portanto, duplicidade de regimes de DIPr a reger os bensimóveis sitos em cada país.10 Trata-se, pois, de aplicar o “princípio darenúncia em favor do Estado de maior proximidade da situação dos bens,abstendo-se, pois, a lei e o juiz brasileiro de regulá-los”.11

Como se nota, a própria LINDB, no art. 12, § 1º, excepcionou oprincípio da universalidade sucessória em regra ampla, relativa aos

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“imóveis situados no Brasil” e, consequentemente, pela via dabilateralização, aos bens imóveis situados no exterior. A regra é amplaporque não se limita às ações reais sobre imóveis, atingindo todas as“ações relativas a imóveis”, isto é, as ações mistas, as divisórias, osinventários e as partilhas de imóveis situados no país.12

Já se viu, porém, que há hipóteses em que pode a Justiça brasileiradecidir sobre imóveis sitos no exterior, desde que presente alguma dascondições de exercício da jurisdição nacional (v.g., quando o réu fordomiciliado no Brasil) e que a decisão aqui proferida possa serdevidamente reconhecida no país de situação dos bens, especialmente se ademanda se fundar em direito pessoal (v. Parte I, Cap. VII, item 1.1.2,supra).13

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3. Sucessão de bens de estrangeiros situados noPaís

Regra importante é a do art. 10, § 1º, da LINDB, segundo a qual “[a]sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela leibrasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem osrepresente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do decujus”. A regra repete, ipsis litteris, o disposto no art. 5º, XXXI, daConstituição Federal de 1988, na esteira do que já disciplinado pelo art.153, § 33, da Constituição de 1967 (com a Emenda nº 1, de 1969).14

Portanto, mais do que regra presente em lei ordinária, a norma que garante aaplicação da lei mais benéfica ao cônjuge supérstite e aos filhos brasileirosem caso de sucessão de bens de estrangeiros situados no País tem índoleconstitucional no Brasil. Tem-se, aqui, portanto, outra exceção ao princípioda unidade sucessória,15 estabelecida, dessa vez, à luz do princípio prohomine.

Qual seria, contudo, a lei “pessoal” do de cujus para efeito deaplicação da norma mais benéfica? Não obstante ter a LINDB privilegiadoo critério domiciliar como regulador das relações individuais, certo é quetal conexão não é exclusiva, podendo dividir espaço com outros elementosde conectividade à luz do princípio pro homine, como, v.g., o elementonacionalidade.16 Para nós, a vontade da Constituição não foi outra senãoentender por lei “pessoal” tanto a lei do domicílio ou residência (para osestrangeiros domiciliados ou residentes no exterior) quanto danacionalidade do autor da herança (para os estrangeiros domiciliados ouresidentes no Brasil ou no exterior) e, até mesmo, de sua religião (aqui,independentemente do domicílio, residência ou nacionalidade do decujus).17 De fato, sabe-se que a grande maioria dos estrangeiros que têmbens no Brasil são também aqui domiciliados, pelo que não faria qualquersentido ter a Constituição aberto exceção à “lei pessoal do de cujus” se seentendesse que tal lei seria, exclusivamente, a lei de seu domicílio. Nãohaveria, portanto, salvo na escassa minoria dos casos, qualquer lei mais

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benéfica a ser eventualmente aplicada ao caso concreto, o que foge à lógicae ao espírito do contemporâneo DIPr, que pretende cada vez maisuniformizar as relações jurídicas em harmonia com a Constituição.

Tal argumento bastaria para demonstrar que a vontade do textoconstitucional não foi outra senão entender como “lei pessoal” a lei tantodo domicílio ou residência quanto da nacionalidade (e, eventualmente, dareligião) do autor da herança. Apenas assim completam-se as hipóteses debenefício ao cônjuge e aos filhos brasileiros conforme o espírito prohomine da norma constitucional em causa. Na análise, portanto, da normamais benéfica aos herdeiros poderá o juiz optar pela lei do domicílio, daresidência, da nacionalidade ou da religião do falecido, indistintamente.Caso o último domicílio do de cujus tenha sido no Brasil, poderá o juizverificar, se pela lei de sua nacionalidade (ou, se for o caso, de suareligião), não haveria benefícios maiores para o cônjuge ou para os filhosbrasileiros relativamente aos bens; caso o último domicílio (ou residência)do de cujus tenha sido no exterior, poderá o juiz verificar tanto (a) a lei dodomicílio ou da residência quanto (b) a lei da nacionalidade (ou dareligião) do autor da herança, para o fim de encontrar a norma maisbenéfica aplicável à relação jurídica. Caso, por fim, nenhuma dessas leisseja mais benéfica, de aplicar-se, evidentemente, a lei nacional. Tolliturquaestio.

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4. Capacidade para suceder

Dispõe a LINDB que “[a] lei do domicílio do herdeiro ou legatárioregula a capacidade para suceder” (art. 10, § 2º). Sendo o herdeiro ou olegatário de bens situados no Brasil domiciliado no exterior, será a sua leidomiciliar a competente para regular a aptidão de receber a herança.Assim, várias serão as leis aplicáveis à capacidade para receber a herança,tantos quantos forem os domicílios dos herdeiros ou legatários em paísesdistintos.

Destaque-se que o termo “capacidade para suceder” foi mal-empregadopela LINDB, motivo pelo qual deve ser corretamente interpretado. Nãopretendeu o dispositivo, de modo algum, regular a capacidade para serherdeiro, é dizer, quem será ou não sucessível, aferível nos termos da lei doúltimo domicílio do de cujus, senão apenas a aptidão para receber aherança. Esta, que é capacidade de fato, de exercício, não de direito, seráa única regida pela lei do domicílio do herdeiro ou legatário, à luz dadevida interpretação do art. 10, § 2º, da LINDB. Trata-se da capacidade(aptidão) para praticar atos jurídicos para o fim de receber a herança, não arelativa à questão prévia de saber quem é ou não sucessível, ou seja, dequem pode herdar. Por isso não se há de confundir a capacidade parareceber (capacidade de fato, de exercício) com a capacidade para suceder(de ser herdeiro) na herança, que é capacidade de direito (de gozo) doherdeiro ou legatário, regida, segundo o art. 10, caput, da LINDB, pela leido último domicílio do de cujus.18 Daí a precisa observação de Valladão deque “[s]ó a capacidade para receber, de facto, é que fica para a lei pessoaldo herdeiro”.19

Tem-se, portanto, duas “capacidades” a serem levadas emconsideração: a relativa à sucessão, que é capacidade de direito doherdeiro ou legatário, e que determina, previamente, quem herda e quemnão herda; e a de receber a herança, que é capacidade de fato e verificadadepois de conhecida toda a cadeia sucessória, é dizer, após a solução daquestão prévia sobre quem é e quem não é herdeiro.20 A capacidade

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(aptidão) para receber a herança (ou até mesmo a ela renunciar) rege-sepela lei do domicílio do herdeiro ou legatário, e a sucessória pela lei doúltimo domicílio do de cujus. Exemplo de (in)aptidão para receber aherança, cuja regência, portanto, cabe à lei domiciliar do herdeiro oulegatário, é a hipótese de indignidade (CC, art. 1.814).21 Esta, como já sefez entender, será aferível somente depois de determinada a qualidade deherdeira da pessoa, aferível nos termos da lei do último domicílio do decujus.

Em suma, deveria o art. 10, § 2º, em comento, ter sido mais preciso emsua redação e determinado que “[a] lei do domicílio do herdeiro oulegatário regula a aptidão para herdar”. Essa, portanto, a maneira comodeve ser lido e interpretado o § 2º em comento.

Há, pelo menos, um precedente do STF nesse sentido. Trata-se desubstancioso acórdão da década de 1970, em que a Corte assentou serem“institutos diversos a capacidade para suceder [no sentido empregado peloart. 10, § 2º, da LINDB, como capacidade de fato para receber a herança] ea vocação hereditária, pelo que a disposição do § 2º, do art. 10 da Lei deIntrodução ao Código Civil, limitada que é à capacidade para suceder, nãoenvolve a vocação hereditária [esta última relativa à capacidade dedireito, de sucessão do herdeiro ou legatário, regida pela lei do últimodomicílio do de cujus]”.22

O STJ, da mesma forma, já decidiu que a qualidade de herdeira(questão prejudicial) de filha adotada no estrangeiro haveria de aferir-sesegundo a lei aplicável à sucessão, isto é, nos termos da lei do últimodomicílio do de cujus (naquele caso, a lei brasileira). Como o nosso Paísnão discrimina os filhos adotivos dos naturais, entendeu o tribunal ser afilha adotada no estrangeiro herdeira na sucessão dos bens do de cujussituados no Brasil; decidida a questão prévia, coube ao tribunal, depois,determinar “se a pessoa indicada é capaz ou incapaz para receber aherança, solução que é fornecida pela lei do domicílio do herdeiro (art. 10,§ 2º, da LICC)”.23

Tout court, o que pretendeu a LINDB dizer no art. 10, § 2º, é que acapacidade de fato do herdeiro ou legatário em praticar atos jurídicos, isto

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é, sua aptidão para exercer o direito que lhe cabe (direito de receber aherança) afere-se nos termos da lei de seu domicílio; a prévia capacidadede direito (de gozo) do herdeiro ou legatário, isto é, de suceder ao de cujus,dependerá, por sua vez, do que dispuser a lei domiciliar do de cujusvigente à época do falecimento (LINDB, art. 10, caput).

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5. Autonomia da vontade

Também no direito sucessório, desde o tempo dos estatutários, opera aautonomia da vontade das partes. A esse respeito, o Institut de DroitInternational, na sua sessão de Nice de 1967, de que foi Rapporteur o Sr.Riccardo Monaco, considerou que “a validade intrínseca e os efeitos dasdisposições testamentárias estão submetidos à lei sucessória, ressalvada aopção do testador entre a lei nacional e a do domicílio” (item 2), ao queHaroldo Valladão não concordou, por ir além, ressalvando, ainda, a opçãopela lex rei sitae.24

No direito brasileiro atual, a opinião corrente é a de que subsiste aautonomia da vontade no direito sucessório, permitindo-se ao testador,portanto, escolher outra lei para a regência do testamento, desde que o façanos limites da lei geral de sucessão, que é, na LINDB, a lei domiciliar.25

Há no direito brasileiro restrição expressa quanto à legítima, que éparte dos bens que não se pode incluir no testamento por havê-la reservadoo Código Civil aos herdeiros necessários (art. 1.857, § 1º).26

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6. Exceção à unidade sucessória em razão decréditos locais

A regra da LINDB de que a sucessão por morte ou por ausênciaobedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido,qualquer que seja a natureza e a situação dos bens, fica mais uma vezexcepcionada se houver créditos locais privilegiados, como, v.g., doscredores com garantia real ou da Fazenda Pública.

De fato, não há possibilidade jurídica de o juízo sucessório (a) exigirde um credor com garantia real ou da Fazenda Pública que persiga orespectivo crédito no estrangeiro, nos casos de bens situados no exterior, ou(b) aplicar a lei do último domicílio do de cujus à resolução da contenda,nos casos de bens situados no país.

Como destaca Haroldo Valladão, especialmente no que toca “aosimpostos de transmissão de propriedade, a sua territorialidade éincontestável, sendo inadmissível que um Estado deva, para receber osimpostos de sucessão devidos sobre bens sitos no seu território, ir sehabilitar em processo de inventário e partilha, aberto no estrangeiro, e quefique sujeito, no assunto, à disposição de leis estrangeiras, quersubstantivas, quer adjetivas”.27

Trata-se, em suma, de exceções ao princípio da unidade sucessória,tanto em razão de garantias reais estabelecidas no Brasil quanto à luz dodireito da Fazenda Pública de cobrar impostos.

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7.

7.1

Execução de testamento celebrado noestrangeiro

Para que uma disposição de última vontade se execute plenamente nopaís, deve estar válida sob os aspectos extrínseco e intrínseco.28 O planoextrínseco diz respeito à forma do documento (aspecto externo); e ointrínseco conota a sua substância (aspecto interno). Sem essa duplaregularidade não poderá a manifestação de última vontade ser confirmadano Brasil, nos termos previstos pelo art. 23, II, do CPC/2015.29 O estatutosucessório – lei do último domicílio do de cujus – não abrange, porém, oâmbito extrínseco (formal) do ato de última vontade, senão apenas o seuplano intrínseco (substancial).30

Lei aplicável à forma

A forma do ato de última vontade é regida pela lei do local de suacelebração (locus regit actum).31 Essa lei é a do momento da realização dotestamento (da manifestação de vontade) pelo testador. Respeitada a formaexigida pela lei do local de celebração, isto é, a competência da autoridadecelebrante e os requisitos de constituição do ato, deve o juiz brasileiroaceitar o documento estrangeiro tal como constituído alhures, com suaspeculiaridades (eventualmente distintas das previstas na legislaçãobrasileira, que requer, v.g., a presença de testemunhas) e sua roupagemprópria.32 Ainda que a lei pessoal (domiciliar) do testador proíbadeterminada forma testamentária, há de se ter como formalmente válido otestamento realizado alhures se a lex causae entende válida aquela forma decelebração. Mais claramente: se pessoa domiciliada no Brasil celebra noestrangeiro testamento por forma desconhecida da nossa legislação, será,mesmo assim, válido no Brasil quanto à forma, se for esta admitida pela leido local de celebração.33

Caso célebre no direito brasileiro, em que o STF atribuiu validade a

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testamento hológrafo (particular, de próprio punho) feito no exterior, foi oda cantora lírica Gabriella Besanzoni Lage Lillo, que testou na Itália sem apresença e assinatura das cinco testemunhas exigidas pela legislaçãobrasileira da época (CC/1916, art. 1.645, II; CC/2002, art. 1.876, § 1º,exigindo três testemunhas). O relator, Min. Luiz Gallotti, entendeucorretamente que “tanto a lei italiana como a lei brasileira admitem otestamento ológrafo (sic) ou particular, divergindo apenas no tocante àsrespectivas formalidades, matéria em que, indubitavelmente, se aplica oprincípio locus regit actum”.34 Assim, reiterou o STF a tese de que avalidade formal do ato deve dar-se nos termos da lei do local deconstituição, vigente à época da sua elaboração.35

Amilcar de Castro, sem razão, entende ser possível negar validade aformas testamentárias imperativamente proibidas pelo direito brasileiro,como, v.g., o testamento conjuntivo ou de mão comum, seja simultâneo,recíproco ou correspectivo. O equívoco do autor está em dizer que a formaconjuntiva do testamento é proibida pelo direito brasileiro “por motivo deordem social”, pois o que se visa “é salvaguardar a liberdade dotestador”.36 Forma, motivo de ordem social e salvaguarda da liberdade dotestador são conceitos, porém, que não se confundem. Em verdade, aquestão em apreço envolve a correta qualificação do instituto, sem o quenão se pode dizer ser válido ou inválido o testamento conjuntivo no Brasil.O testamento conjuntivo é proibido em nosso País (CC, art. 1863) porviolar, sim, a liberdade de testar; daí ser qualificado como questão defundo, não de forma.37 Amilcar, contrariamente, insiste que “a questão é deforma, mas não há invocar a regra locus regit actum, porque se trata deforma imperativamente proibida”.38 Ora, levada a ferro e fogo a afirmação,qualquer forma admitida no estrangeiro seria inválida no Brasil, pois“imperativamente proibida” entre nós. Certo é que a liberdade de testar –princípio essencial da manifestação de última vontade no direito brasileiro– qualifica-se como questão substancial no Código Civil, regendo-se,portanto, pela lei do último domicílio do de cujus (v. item 7.2, infra).Assim, se o último domicílio do de cujus for no Brasil, não se poderáaceitar o testamento conjuntivo realizado alhures, por ser tal formatestamentária proibida entre nós; se, por sua vez, for o último domicílio do

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7.2

de cujus país que o admite ao tempo do falecimento, sua validade no Brasilserá de rigor. Neste último caso, somente não será aceito se houver corte deefeitos em razão de fraude à lei; não se vislumbra, por sua vez, ofensa àordem pública brasileira na elaboração de testamento conjuntivo, contra aregra da “liberdade de testar” do Código Civil. Destaque-se que o STJ, nojulgamento do já citado Caso Susemihl, aceitou a validade de testamentoconjuntivo feito na Alemanha, mesmo sendo no Brasil o último domicílioda autora da herança (v. supra).39

A respeito da forma das disposições testamentárias, celebrou-se naHaia, em 1964, a Convenção sobre os Conflitos de Leis quanto à Forma deDisposições Testamentárias.40 Para a Convenção, uma disposiçãotestamentária será válida sempre que sua forma estiver em conformidadecom as normas do direito interno (a) do lugar onde o testador a realizou, ou(b) do país de nacionalidade do testador no momento em que realizou adisposição ou no momento de sua morte, ou (c) de um lugar em que otestador possuía domicílio no momento em que realizou a disposição ou nomomento de sua morte, ou (d) do lugar em que o testador tinha suaresidência habitual no momento em que realizou a disposição ou nomomento de sua morte, ou (e) quando estiverem incluídos imóveis, do lugarem que estes estiverem situados. A Convenção, como se vê, ampliasobremaneira o leque de possibilidades sobre a validade formal dasdisposições testamentárias, aceitando, para além do locus regit actum,também os critérios da nacionalidade, do domicílio e da residência habitualdo testador,41 bem assim a lex rei sitae se o testamento contemplar bensimóveis.

A aceitação pelo juiz nacional do ato de última vontade realizado noestrangeiro dá-se mediante confirmação, nos termos do citado art. 23, II, doCPC/2015. Uma vez confirmado o ato, determinará o juiz o seu registro eobservância, momento a partir do qual servirá de documento-chave para oinventário e a partilha dos bens deixados pelo de cujus aos herdeiros.42

Lei aplicável à substância

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A substância (validade intrínseca) do ato de última vontade – queenvolve, v.g., o conteúdo das cláusulas testamentárias e os efeitos delasdecorrentes – é regida pela lei do último domicílio do de cujus, nos termosdo art. 10, caput, da LINDB. Tal lei será aquela vigente ao tempo dofalecimento do testador, não a vigente à época da realização do ato (estaregerá apenas a forma do ato, não a sua substância). Não terá qualquerrelevância a lei do país em que realizado o ato, que só servirá para aferir avalidade formal do documento; a validade substancial do testamentoobedece à lei do último domicílio do de cujus (testador).

Tomando-se o exemplo de Maria Helena Diniz, se pessoa domiciliadano Brasil (e aqui falecida) testar na Espanha, na execução do testamentoaberto do finado será aplicada: a) a lei espanhola, no que diz respeito àvalidade formal (extrínseca) do ato de última vontade (em atenção aoprincípio locus regit actum); e b) a lei brasileira, reguladora da sucessão evigente ao tempo de sua morte, no que concerne à interpretação, aoconteúdo, aos poderes do inventariante, à capacidade testamentáriapassiva, aos direitos sucessórios dos herdeiros, às quotas dos herdeirosnecessários, aos efeitos, aos limites da liberdade de testar, à quotadisponível e à redução das disposições testamentárias, em virtude da lexdomicilii do disponente.43

As questões de fundo do ato, portanto, são regidas pela lei do últimodomicílio do de cujus, vigente ao tempo do falecimento. A capacidadetestamentária ativa, por sua vez, é regulada pela pessoal (domiciliar) dotestador ao tempo da realização do testamento, nos termos do art. 7º, caput,da LINDB, segundo o qual “[a] lei do país em que domiciliada a pessoadetermina as regras sobre (…) a capacidade (…)”. Assim, se a pessoa testanum domicílio e falece em outro, a lei do primeiro (vigente àquele tempo)regerá a capacidade para testar, e a do segundo (vigente ao tempo dofalecimento), a substância do ato.

Cf. ANDRADE, Agenor Pereira de. Manual de direito internacional privado, cit., p.215.

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CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 449.V. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 259.V. ROCHA, Osiris. Curso de direito internacional privado, cit., p. 142-143.A propósito, cf. NIBOYET, J.-P. Principios de derecho internacional privado, cit., p.723-726; e PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direitointernacional privado, t. II, cit., p. 264-265.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 456; ROCHA, Osiris.Curso de direito internacional privado, cit., p. 143; DINIZ, Maria Helena. Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 312; e BASSO,Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 216.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 211-212.VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 212.STJ, REsp 1.362.400/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j.28.04.2015, DJe 05.06.2015.Cf. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 414. v. também,STJ, REsp. 397.769/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 25.11.2002, quenegou expedição de carta rogatória para aferição da existência de depósitosbancários na Suíça.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 223.V. VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 229.Assim, TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da jurisdição brasileira…, cit., p.87.Sobre o tema na Constituição de 1934 (art. 134), v. PONTES DE MIRANDA, FranciscoCavalcanti. Tratado de direito internacional privado, t. II, cit., p. 268-274.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 219; eSTRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 735-736 (citando tambéma lição de Valladão).Os autores brasileiros de DIPr quase sempre escapam à definição do que vem a ser“lei pessoal do de cujus”, e, quando o fazem, entendem ser esta tão somente a leidomiciliar. Irineu Strenger, v.g., diz simplesmente que “[a] Lei de Introduçãoconsidera como lei pessoal do de cujus a lei do país em que era domiciliado odefunto, ou o desaparecido” (Direito internacional privado…, cit., p. 748). Nadaalém dessa breve referência há no seu texto; nenhuma palavra sequer sobre apossibilidade de ser também lei pessoal a lei da nacionalidade do autor da herança.Nadia de Araujo, por sua vez, ao comentar o art. 5º, XXXI, da Constituição, iniciadizendo que “uma leitura mais atenta da segunda parte do artigo demonstra que,antes de ser aplicada a lei brasileira, é necessário efetuar uma análise detida da lei

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estrangeira [qual lei? do domicílio? da nacionalidade?] para que se possa avaliar se éou não mais benéfica do que a nossa lei”; depois conclui que “é preciso ter cuidadona interpretação do alcance do princípio de proteção da família, na sucessãointernacional, para promover a exegese correta da aplicação da lei mais benéfica[novamente, qual lei?], pois utiliza-se, no mais das vezes, exclusivamente a leibrasileira sem o prévio estudo do direito comparado [qual direito?], para averiguarse a regra estrangeira [qual regra?] é mais benéfica do que a brasileira” (Direitointernacional privado…, cit., p. 412-413). A autora, portanto, não responde qualseria, em sua opinião, a “lei pessoal” do de cujus, desviando sempre o texto para asexpressões-gênero “lei estrangeira” e “regra estrangeira”, deixando sem resposta oleitor. Maristela Basso, por sua vez, entende que “[l]ido com o art. 10, § 1º, da Leide Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942, o dispositivoconstitucional assegura uma ordem de vocação hereditária territorial emcontraposição à lei pessoal do de cujus, no caso, a lei de seu último domicílio (lexdomicilii) (Curso de direito internacional privado, cit., p. p. 223). A autora,diferentemente de Nadia de Araujo e na esteira de Irineu Strenger, firma a posiçãode que a lei pessoal do de cujus seria, no caso, a lex domicilii. Nenhum dessesautores, porém, suscitou a possibilidade de haver outro elemento conectivo capazde indicar a norma mais benéfica ao cônjuge ou aos filhos brasileiros, que não a leidomiciliar.No direito anterior, cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II,cit., p. 220-221.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 213.VALLADÃO, Haroldo. Idem, ibidem. Nesse exato sentido, à luz do direito anterior, v.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 286: “A capacidade de exercício rege-se pela lei nacional[hoje, domiciliar] do optante”.Cf. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. II, cit., p. 313-317; e ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 17-19.V. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 419.STF, RE 79.613/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Thompson Flores; Rel. p/acórdãoMin. Xavier de Albuquerque, j. 25.02.1976, DJ 08.07.1976.STJ, REsp 61.434/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 17.06.1997, DJ08.09.1997.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 218.V. VALLADÃO, Haroldo. Idem, ibidem.V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 745-746.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 222.

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Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 461-462.Verbis: “Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:(…) II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamentoparticular…”.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 741.Aplicam-se à espécie os argumentos do art. 9º, § 1º, in fine, da LINDB, que admite“as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”, e daparte inicial do art. 13, segundo o qual “[a] prova dos fatos ocorridos em paísestrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar…”.Cf. RECHSTEINER, Beat Walter. Algumas questões jurídicas relacionadas à sucessãotestamentária com conexão internacional. In: BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI,Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 393-397 (Coleção Doutrinas essenciais:direito internacional, vol. IV).Assim, DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 322; e BASSO, Maristela. Curso de direito internacionalprivado, cit., p. 220.STF, RE 68.157, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Gallotti, j. 18.04.1972, DJ 26.05.1972, p.114. Merece ser lido o parecer (citado no julgamento) da lavra de Clóvis Paulo daRocha, de 17.07.1967, na Apelação Cível nº 49.839 (8ª Câmara Cível do Tribunal deJustiça do Rio de Janeiro).Assim também os tribunais estaduais, como, v.g., o Tribunal de Justiça de São Paulo,para o qual “[o] ato ou negócio jurídico, seja testamento, procuração ou contrato,revestido de forma externa prevista pela lei do lugar e do tempo onde foi celebrado,será válido e poderá servir de prova em qualquer outro local em que tiver deproduzir efeitos…” (TJSP, Apelação Cível nº 0049378-08.2013.8.26.0506, 6ªCâmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 28.08.2014) CASTRO,Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 463.V., assim, ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução aoCódigo Civil Brasileiro, vol. 3 (atual. por Silva Pacheco). Rio de Janeiro: Renovar,1995, p. 63-64, citando a lição de Diena: “Quando um legislador proíbe ostestamentos conjuntivos, fá-lo, essencialmente, no intuito de salvaguardar aliberdade do testador, que deve ter, até o último instante da sua vida, a faculdade epossibilidade de revogar e modificar o seu ato testamentário, sem qualquerdependência do consentimento de outro testador. Daí resulta ser a disposição legal,que proíbe o testamento conjuntivo, atinente à validade intrínseca do ato, e,portanto, tal proibição, quando exista na lei pessoal de quem pratica um ato deúltima vontade, conserva toda a sua força, qualquer que seja o país em que otestamento se realize”.

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CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 463, nota nº 431.STJ, REsp 1.362.400/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j.28.04.2015, DJe 05.06.2015. O tribunal, no caso, parece ter qualificado otestamento conjuntivo como questão de forma, ao afirmar que “a autora da herança,naquele país, deixou testamento lícito, segundo a lei alemã regente à época desua confecção, conforme decidido pelo órgão do Poder Judiciário alemão” [grifonosso]. Como questão de forma, a aplicação da regra locus regit actum se impõe.Segundo o melhor entendimento, contudo, qualifica-se o testamento conjuntivocomo questão substancial, pelo que, no caso em apreço, não deveria ter o STJatribuído validade ao ato.O Brasil ainda não é parte desta Convenção.A Lei de Reforma italiana, de 1995, v.g., seguiu essa tendência da Convenção daHaia de 1964, ao dispor, no art. 48, que “[o] testamento é válido, quanto à forma, secomo tal for considerado pela lei do Estado em que o testador dispôs, ou ainda pelalei do Estado do qual o testador, no momento do testamento ou da morte, eracidadão ou pela lei do Estado em que tinha domicílio ou residência”.V. RECHSTEINER, Beat Walter. Algumas questões jurídicas relacionadas à sucessãotestamentária com conexão internacional, cit., p. 400.DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada,cit., p. 324-325.

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Capítulo V

Obrigações e Contratos

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1. Introdução

A LINDB determina, em seu art. 9º, caput, que “[p]ara qualificar ereger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que [tais obrigações] seconstituírem”. É dizer, a lei do país de constituição (realização) daobrigação é que será responsável por qualificá-la e regê-la. Disciplina-se,aqui, a obrigação entre presentes, diferentemente do § 2º do mesmodispositivo, que rege as obrigações entre ausentes.1 Assim, tendo sido aobrigação (entre presentes) constituída no Brasil, será a lei brasileira acompetente para a sua qualificação e regência, quanto à forma e substância;a recíproca é também verdadeira, se constituída a obrigação no estrangeiro.Cabe, assim, à lex causae (que poderá ser a lei nacional ou a estrangeira, adepender de onde se constituiu a obrigação) a competência para a regênciae qualificação das obrigações. Nenhuma preocupação se há de ter, nessecaso, com a nacionalidade, o domicílio ou a residência dos contratantes,estando tudo a depender do local em que constituída a obrigação.2

As “obrigações” referidas pela LINDB são tanto as contratuais como asextracontratuais. As primeiras decorrem da vontade das partes (v.g.,negócios jurídicos, contratos etc.) e as segundas provêm de atos ou fatosaos quais a lei atribui eficácia vinculante independentemente da vontade(v.g., obrigações ex delicto, responsabilidade por atos de terceiros etc.).3

Observe-se, porém, não ser a lei do local da constituição da obrigaçãoa única a reger a completude da relação negocial, pois há também que seaferir qual lei irá reger a capacidade para contratar (que, no direitobrasileiro, segue o critério domiciliar) e aquela relativa aos vícios edefeitos da vontade (à luz da lex loci celebrationis). Por sua vez, as normassobre economia dirigida, regime de bolsas e mercados subordinam-se à lexloci solutionis.4 Portanto, ainda que o art. 9º, caput, da LINDB, tenhaadotado a lei do país de constituição da obrigação como competente porqualificá-la e regê-la, pode acontecer de outra lei ser também aplicável àrelação jurídica quando necessário for, v.g., determinar a capacidade daspartes para contraí-la (lex domicilii), ou a lei aplicável à forma contratual

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(locus regit actum).5 É o que se nomina, na doutrina francesa, de dépeçage(fracionamento).6 Assim é que não será possível falar na aplicação de leiúnica a regular a questão, senão de várias leis (em fracionamento)concomitantemente, a depender da investigação da capacidade das partes,da necessidade de regência de requisitos extrínsecos (formais) ao contratoetc.

No que tange à forma dos atos jurídicos,7 destaque-se ser sua lei deregência independente da lei reguladora da substância (ainda que, porhipótese, esta avoque para si a competência para regular também a formado ato). Caso a lei de regência da substância, por absurdo, não admita aregência da forma pelo locus regit actum, terceira jurisdição não estaráobrigada a seguir essa determinação.8 Independe, por outro lado, a regralocus regit actum de previsão expressa no DIPr positivo, pois éunanimemente aceita (como costume internacional) pelas ordens jurídicasde todos os países, ressalvada, evidentemente, a escolha de outra lei pelavontade das partes (autonomia da vontade)9 ou previsão diversa em tratadointernacional em vigor no Estado.10 Sendo, neste caso, facultativa a regra,11

isto é, livremente determinada pela vontade das partes, não há jamais falarem fraude à lei, pois não pode (nem poderia) haver fraude quando se temliberdade para escolher a lei aplicável a certo ato jurídico. Destaque-se,contudo, que nem sempre a regra locus regit actum será facultativa, comoneste caso. Já se viu, v.g., que a norma do art. 7º, § 1º, da LINDB, quedetermina a aplicação da lei brasileira às formalidades do casamento, étambém corolária da regra locus regit actum, mas, ali, excepcionalmente,revestida de completa imperatividade (v. Cap. III, item 3.2, supra).

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2. Obrigação proveniente de contrato

As manifestações de vontade conectadas a mais de um ordenamentojurídico extraterritorial, seja em razão do domicílio, da nacionalidade, dolugar da constituição, do lugar da execução, da sede principal dos negóciosou de qualquer outra conexão indicativa do direito aplicável podem serconsideradas contratos internacionais.12 A marca da internacionalidade deum contrato é, assim, sua ligação a mais de uma ordem jurídica, ambaspotencialmente aplicáveis à sua regência ou execução. A conectividadeexterior de um contrato – qualificado por internacional – dá-se ou emrazão da condição das partes (com domicílio ou nacionalidade diversos) ouem razão do local de sua celebração e posterior execução. Quando,portanto, um contrato internacional existir, surgirá a dúvida relativa à leiaplicável à sua regulação, demandando do DIPr (escrito ou não, como, v.g.,o decorrente da voluntas) resposta concreta à questão.

Segundo o DIPr brasileiro, a obrigação proveniente de contrato (aqui setrata de contrato entre ausentes) reputar-se-á “constituída no lugar em queresidir o proponente” (LINDB, art. 9º, § 2º). Por que, no entanto, pretendeua LINDB estabelecer regra específica para os contratos, diversa daprevista no caput do art. 9º? É evidente que os contratos compõem ouniverso das obrigações, e, sendo assim, por qual motivo se optou porvinculá-lo à lei da residência do proponente, e não à lei do local de suaconstituição? A resposta é lógica. Por serem, a rigor, os contratosinternacionais celebrados entre ausentes, isto é, entre partes com domicíliosdiversos, que negociam entre si por meio de proposta/aceitação a distância,seria impossível determinar o lugar da constituição da obrigação à luz docaput do art. 9º da LINDB, para o fim de se conhecer o direito aplicável.Daí a razão de o legislador ter adotado critério específico para esse caso,dizendo ser a obrigação proveniente de contrato (entre ausentes) constituídano lugar de residência do proponente.13 Destaque-se que a escolha docritério residencial em detrimento do critério domiciliar deu-se em razãode ser a residência mais afinada à mobilidade dos negócios, característica

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não sempre presente na conexão domiciliar.14

Se alguém de passagem pela França, mas residente na Itália, propõe umcontrato a uma pessoa no Brasil, uma vez ajuizada a ação em nosso País,deverá o juiz brasileiro aplicar a lei italiana para o mérito do contrato,salvo estipulação em contrário pela vontade das partes. Será, para nós, poroutro lado, indiferente que a lei italiana indicada remeta a solução doproblema a outra lei, pois está vedado, no direito brasileiro atual, o reenvio(LINDB, art. 16). Ademais, não se cogita do lugar ou do momento docontrato, senão apenas, repita-se, daquele em que o proponente reside.15

Haroldo Valladão considera absurda a regra, exemplificando com umapessoa residente na Argentina que se encontra no Rio de Janeiro,acidentalmente, só de passagem, por alguns dias, e propõe aqui no Brasilum contrato a outra, aqui domiciliada e residente, pelo que “tal contrato,feito e concluído no Brasil, será reputado constituído na Argentina, o que éum absurdo”.16 Não parece, porém, tão absurda assim a regra se se pensaque a proposta proveio de pessoa residente em outro país, e que poderia,para além de negociar com pessoa residente e domiciliada no Brasil, comono exemplo de Valladão, propor o negócio a pessoa residente e domiciliadaem qualquer parte do mundo, mas que se encontra, apenas, no Brasil. Quediferença teria? O apego ao nacionalismo, aqui, pode não trazer a justiça dadecisão, por cegar outras realidades. Por isso é que pretendeu a LINDB darsegurança às partes na fixação de um locus, ainda que ficto, para reputarconstituído o contrato, notadamente porque se sabe que os contratoscelebrados entre ausentes impossibilitam a localização precisa do lugar desua constituição. Concorde-se, porém, com Valladão, que uma pessoa podeter mais de uma residência onde alternadamente viva, ou não ter qualquerresidência ou pouso certo, casos em que o § 2º do art. 9º deixa insolúvel aquestão; daí por que alguns projetos da década de 1970 (v.g., Projetohúngaro, art. 60, 2; Projeto português, art. 25, II; Projeto da Subcomissãofrancesa, art. 65) preferiram adotar, como elemento de conexão, o lugar darecepção da aceitação, e outros, o lugar de onde a proposta inicial partiu(v.g., Projeto Benelux, art. 28).17 O Institut de Droit International, por suavez, desde a sua sessão de Florença de 1908, de que foram Rapporteurs osSrs. Heinrich Harburger e Ludwig von Bar, entende que “[s]e o contrato foi

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feito por correspondência, o lugar do contrato não será levado emconsideração, devendo a ele ser aplicada a lei do domicílio ou doestabelecimento comercial daquele de quem emanou a oferta ou aproposição” (art. 4º, primeira parte).

O direito brasileiro atual, frise-se, não seguiu essas diretrizes eentendeu que decorrendo de contrato a obrigação será a lei do local deresidência do proponente a competente para a sua regulação, ainda que onegócio jurídico tenha sido concluído em praça diversa. A LINDB é claraquanto ao lugar “em que residir o proponente” para a regência da obrigaçãodecorrente de contrato entre ausentes, não se admitindo, aqui, qualquerliberalidade de interpretação.

Amilcar de Castro, sem razão, interpreta o verbo “residir” não como“morada ordinária” ou “sede” do proponente, mas como o lugar onde ele“estiver”, é dizer, o “lugar onde foi feita a proposta”. Segundo ele, se apessoa tiver residência no estrangeiro, mas propuser um contrato no Brasil,terá sido em nosso País constituída a obrigação, e pelo direito brasileiro éque deverá ser regida no fundo e na forma.18 Contra legem, como se vê, oentendimento do autor e dos que o acompanham, notadamente porque overbo “residir” foi empregado pela LINDB em sentido técnico, conotando,segundo a maioria dos ordenamentos, o local de morada do proponente,onde ele vive habitualmente, não a praça em que concluído o contrato(lembre-se de que a qualificação dos elementos de conexão depende da lexcausae – v. Parte I, Cap. V, item 3.1, supra). Assim, repita-se, ainda querealizada no Brasil a proposta contratual, deve-se verificar em que paísreside o proponente para o fim de localizar a lei aplicável à situaçãojurídica. Não fosse assim, seria absolutamente inútil a norma do art. 9º, §2º, se se pretendesse a ela atribuir o mesmo efeito e a mesma consequênciajurídica que o caput do dispositivo já estabelece.

É evidente que dada a multiplicidade de normas estatais de DIPr aregular a lei aplicável às obrigações contratuais, cada vez mais os Estadosassumem regras (de Direito Internacional Público) uniformes para balizar aquestão, ajustando o seu ordenamento interno aos preceitos das convençõesinternacionais livremente assumidas. Dispensável citar as inúmeras normas

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convencionais a esse respeito, as quais deverão ser investigadas caso acaso pelo juiz. Importante, aqui, é reafirmar o princípio de que as fontesconvencionais – provenientes do Direito Internacional Público – têmnotória importância para o DIPr contemporâneo, pois impedem asdivergências de critérios (pouco saudáveis) presentes nas diversaslegislações estrangeiras. Contudo, não havendo tratado em vigor no Estado,as regras internas de DIPr é que deverão determinar a lei aplicável aobrigações contratuais, como fez, v.g., a nossa LINDB no art. 9º.

A regra do art. 9º, § 2º, da LINDB, já se fez entrever, não impede (nempoderia) que as partes escolham, expressa ou tacitamente, o local em que sereputa concluído o contrato. É dizer, não há na norma em comentoimpedimento à autonomia da vontade das partes, chegando alguns autores,como Haroldo Valladão, a entender que o verbo “reputa-se”, empregadopelo § 2º do art. 9º, ali está como sinônimo de “presume-se”, pelo que“cobre sempre o princípio da autonomia da vontade, abrindo a tradicionalressalva, ‘salvo estipulação em contrário’ ou ‘em falta de vontade expressaou tácita’”. E arremata: “Havendo tal escolha expressa ou tácita, nãopredomina a lei da residência do proponente, substituída pela eleita pelaspartes”.19 Aqui, então, a regra passa a ser a de que a obrigação provenientede contrato se reputa constituída no lugar em que residir o proponente,salvo estipulação (expressa ou tácita) das partes em sentido diverso.

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3. Obrigação no exterior destinada à execução noBrasil

Se a obrigação constituída no exterior se destinar à execução no Brasile depender de forma essencial, deverá esta ser observada, admitidas,porém, as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitosextrínsecos do ato. Tal é o que dispõe o art. 9º, § 1º, da LINDB, ao exigir orespeito à forma ad solemnitatem para a execução, no Brasil, dasobrigações constituídas no exterior.

Frise-se, porém, desde já, que a execução da obrigação no Brasilpoderá decorrer da vontade das partes manifestada nos instrumentos outítulos respectivos. Apenas faltante a determinação do local de execuçãopela vontade expressa das partes é que se vai aferir, em razão da naturezada obrigação, a destinação da execução no Brasil.20 Nesse sentido, oTribunal de Justiça de São Paulo, aplicando o art. 9º, § 1º, da LINDBentendeu possível a execução no Brasil de notas promissórias (pagarés)emitidas no Uruguai em favor de empresa que explora jogos de azar comconcessão estatal, porque nelas indicada a cidade de São Paulo como praçade pagamento.21 Uma vez determinada a execução da obrigação no Brasil,dependendo esta de forma essencial, sua observância passa a serobrigatória. Assim, é certo que as partes são livres para escolher o locus daexecução da obrigação, mas o serão para afastar a aplicação da leibrasileira quando, escolhido o Brasil como local de execução daobrigação, necessário se fizer observar determinada forma essencialexigida pela legislação brasileira.

Em suma, à luz do art. 9º, § 1º, da LINDB, se a obrigação depender deforma essencial segundo a legislação brasileira, a observância desta seráimperativa quando a obrigação constituída no exterior se destinar àexecução no Brasil, quer a execução tenha sido ou não determinada pelavontade das partes. Assim, se uma obrigação constituída alhures demandarescritura pública para ser executada no Brasil, sem essa formalidade nãopoderá aqui ter valor, ainda que nos termos da lei estrangeira possa

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realizar-se por instrumento particular. Tal é o caso, v.g., dos negóciosjurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúnciade direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maiorsalário mínimo vigente no País, que exigem, salvo disposição de lei emcontrário, escritura pública para que sejam válidos (CC, art. 108). Tambéma Lei nº 5.709/71, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiroresidente no País ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar noPaís, determina que “[n]a aquisição de imóvel rural por pessoa estrangeira,física ou jurídica, é da essência do ato a escritura pública” (art. 8º). Emambos os casos, sem essa formalidade essencial o negócio jurídicoconcertado no exterior não terá condições de operar no Brasil.

A LINDB, porém, abre exceção aos chamados “requisitos extrínsecos”(formais) do ato. Na redação do art. 9º, § 1º, as “peculiaridades” da leiestrangeira quanto a tais requisitos serão “admitidas” no Brasil. Apesar dese compreender o que pretendeu dizer o dispositivo, sua redação foi infeliz,a ponto de Haroldo Valladão questionar se “[t]eríamos, portanto, uminstrumento público da lei brasileira com os requisitos extrínsecos a leiestrangeira (?!)”.22 Não se trata, em verdade, de “peculiaridades” da leiestrangeira a serem “admitidas” no foro, senão dos verdadeiros e própriosrequisitos que a lei estrangeira estabelece para a validade formal dedeterminado ato jurídico.23 Seja como for, certo é que para a grande partedos autores o que o dispositivo em questão pretendeu impor é que osrequisitos extrínsecos do ato jurídico (v.g., maneira em que deve serredigido o contrato, qual o número de testemunhas ou idioma utilizado)devem obedecer às determinações estabelecidas pela lex causae.24 Noexemplo da compra e venda, realizada no exterior, de imóvel sito no Brasil,a forma da escritura pública seria a da lei do local do ato, não a formanacional de se lavrar escrituras; porém, há de ser pública a escritura emquestão, pois essa essencialidade é determinante para que, no Brasil, sepossa vender imóvel com valor superior a trinta vezes o maior saláriomínimo vigente no País.

Jacob Dolinger, por sua vez, discorda dessa posição por entender queem muitos países sequer existe a forma da escritura pública, pelo que onegócio jurídico seria inexequível. Daí propor interpretação diversa para o

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dispositivo, a saber: Uma maneira de interpretar o dispositivo em questãoé, efetivamente, referi-lo à hipótese de bem imóvel sito no Brasil, vendidono exterior, mas objetivando algo diverso do que o concebido pelo ilustreprofessor de Belo Horizonte [refere-se o autor a Amilcar de Castro]. Asformas extrínsecas (“peculiaridades da lei estrangeira”, como formuladopela LICC) – instrumento público ou privado, número de testemunhas,maneira de redigir, língua utilizada – serão regidas pela lei do local darealização do ato, ressalvado o direito das partes de utilizar a formaprescrita pela lei brasileira, na medida em que possa ser operacionalizadano exterior, valendo-se as partes, em assim desejando, da assistência doconsulado brasileiro (quando pretenderem que o documento seja lavradoem livro público), mas – aí vem a expressa determinação do parágrafo 1ºdo artigo 9º – tendo que ser observada a forma essencial do direitobrasileiro, no caso, a transcrição do documento (uma vez traduzido), noregistro imobiliário competente. Assim, o divisor fica entre o direitoobrigacional – pela lei do local do ato – e o direito real – pela lei do localdo bem, ou seja, locus regit actum v. lex rei sitae. Isto porque atransferência da propriedade só se dá com a transcrição imobiliária nocompetente ofício de Registro de Imóveis.25

Frise-se que apenas as obrigações que se executam no Brasil (trata-se,portanto, de exequibilidade, não de mera acionabilidade) deverãoobservar a forma essencial, quando assim exigida pela lei brasileira;obrigações sem ordem de execução nacional ficam, portanto, dispensadasdas solenidades previstas pela nossa legislação, regendo-se,exclusivamente, pela lei do local de sua constituição. Assim, as obrigaçõesreferidas devem ser exequíveis (exigíveis) no Brasil, não meramenteacionáveis no país, podendo, v.g., ter sido o ato ajustado para executar-sefora do Brasil e, no entanto, ser acionável em território nacional.26 Comoexplica Valladão, acionável concerne à autoridade que vai julgar o caso, aoforo da ação e não ao da obrigação, pois os contratos não exequíveis noBrasil regem-se pela lei do país em que deviam ser cumpridos, emborapossam ser julgados pelas autoridades do Brasil, quando competentes.27

Não haveria falar, nesse caso, em respeito à forma essencial, devendo-seseguir apenas o locus regit actum.28

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4.

4.1

Obrigações por atos ilícitos

Num mundo cada vez mais circulante, pessoas com nacionalidades oudomicílios distintos viajam todos os dias para o exterior, a turismo ou anegócios, atravessam fronteiras em veículos automotores e, também, podemse acidentar ou causar danos a terceiros. Por outro lado, sem sair de seuspaíses, pessoas de todo o mundo contratam com empresas estrangeiras nocomércio de produtos ou serviços, que, muitas vezes, apresentam-sedefeituosos (produtos) ou insatisfatórios (serviços). Todas essas situaçõessão geradoras de responsabilidade civil do causador do dano, sejacontratual ou extracontratual.29

O DIPr dedica atenção ao tema desde a sua formação, pertencendo suaregra-chave (lex loci delicti commissi) às mais tradicionais da matéria.30

As situações práticas apresentadas são, contudo, extremamente complexas,pelo que a determinação da lei aplicável pode restar na dependência desituações alheias aos atos ilícitos propriamente ditos, razão pela qual adoutrina e as modernas legislações já têm flexibilizado as matrizestradicionais (v. item 4.3, infra).

Nos itens abaixo se vai estudar o tradicional e o novo em matéria deobrigações por atos ilícitos, iniciando pela regra lex loci delicti commissi epassando à subsequente análise dos tratados internacionais, daflexibilização pela lex damni e das obrigações ex lege.

Regra lex loci delicti commissi

Nas legislações de quase todos os países, as obrigações decorrentes deatos ilícitos são regidas e qualificadas pela regra lex loci delicti commissi,segundo a qual os atos danosos obedecem à lei do local em que seperpetraram.31 Entre nós, observe-se faltar na LINDB regra específicasobre a lei aplicável a tais obrigações, pelo que sua regência e qualificaçãopassa a determinar-se pela regra geral do art. 9º, que manda aplicar “a lei

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4.2

do país em que [tais obrigações por atos ilícitos] se constituírem”. Essedispositivo, portanto, dado o seu caráter geral, serve, no direito brasileiro,tanto às obrigações contratuais quanto às extracontratuais, como as exdelicto.

Perceba-se, de plano, que tanto a regência quanto a qualificação dasobrigações por atos ilícitos devem ser, nos termos do art. 9º, determinadaspela lei do local em que o ato foi cometido. É dizer: se um determinado atofoi praticado na Argentina ou no Uruguai, não caberá ao direito brasileirodeterminar sua licitude ou não; caberá às leis argentinas ou uruguaias fazê-lo. De fato, um ato pode ser ilícito no Brasil e não o ser na Argentina ou noUruguai. Essa constatação (qualificação) somente a lex causae poderárealizar.

A aplicação da regra lex loci delicti commissi – tanto pela LINDBcomo pelas normas internacionais em vigor no Estado – dá-se em razão doprincípio segundo o qual a vítima tem o direito de transferir asconsequências de seu prejuízo ao autor do ilícito civil, pelo que seriadeterminante o ambiente social vigente no local em que se praticou o ato,além do que o autor do dano há de ser julgado segundo as regras queconhecia quando da prática do ato danoso.32

Em suma, a lex loci delicti commissi é a regra geral aplicável àsobrigações por atos ilícitos até os dias de hoje. Sua permanência tem sidoreafirmada pela melhor doutrina, como faz, v.g., Haroldo Valladão, paraquem, “a regra geral da lex loci delicti permanece e permanecerá como ocritério normal, seguro, objetivo, justo, da lei territorial para sançõescriminais e civis decorrentes dos atos ilícitos praticados no território”.33

Frise-se, contudo, que a utilização da lei do lugar não supõe ser a lexloci princípio fundamental, senão apenas que se trata de princípio deajustação que junta os interesses da vítima com as responsabilidades doautor do ilícito para fins de localização da lei aplicável.34

Tratados internacionais

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O Código Bustamante, tal como a LINDB, determina que “[a]sobrigações que derivem de atos ou omissões, em que intervenha culpa ounegligência não punida pela lei, reger-se-ão pelo direito do lugar em quetiver ocorrido a negligência ou culpa que as origine” (art. 168).

No âmbito do Mercosul, concluiu-se em San Luis, Argentina, em 26 dejunho de 1996, o Protocolo de São Luiz sobre Matéria de ResponsabilidadeCivil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados-Partes doMercosul, com Errata aprovada em Assunção (Paraguai) em 19 de junho de1997.35 Pelo Protocolo de São Luiz, toda “responsabilidade civil poracidentes de trânsito será regida pelo direito interno do Estado-Parte emcujo território ocorreu o acidente” (art. 3º, primeira parte). No entanto,“[s]e no acidente participarem ou resultarem atingidas unicamente pessoasdomiciliadas em outro Estado-Parte, o mesmo será regido pelo direitointerno deste último” (art. 3º, in fine). Por exemplo, se um brasileiroatropela outro brasileiro no Uruguai, serão as leis brasileiras as aplicadasao caso, não as uruguaias. Frise-se que para a melhor interpretação dessanorma, Dolinger sugere substituir a expressão “participarem ou resultarematingidas” por “participarem e resultarem atingidas”, para o fim de trazermais clareza ao entendimento do texto.36 Qualquer que seja, porém, odireito aplicável à responsabilidade, hão de ser levadas em conta “asregras de circulação e segurança em vigor no lugar e no momento doacidente” (art. 5º). Tal significa, segundo Dolinger, que “a apuração daresponsabilidade dependerá, em determinada medida, das regras de trânsitovigentes no local da ocorrência do acidente, que poderão ser mais, oumenos, exigentes do que as normas vigentes na legislação do país dodomicílio das partes envolvidas, a reger a hipótese, o que poderá afetar ojulgamento para ampliar ou restringir a responsabilidade do causador doacidente”.37

Por sua vez, dispõe o art. 4º do Protocolo que “[a] responsabilidadecivil por danos sofridos nas coisas alheias aos veículos acidentados comoconsequência do acidente de trânsito, será regida pelo direito interno doEstado-Parte no qual se produziu o fato”.

Ainda segundo o Protocolo, fica a critério do autor escolher o foro: (a)

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4.3

de onde ocorreu o acidente, (b) do domicílio do demandado ou (c) dodomicílio do demandante para propor a respectiva ação (art. 7º).

Flexibilização pela lex damni

A lei do local em que cometido o ilícito poderá não ser, contudo, amesma do lugar em que o dano gerou efeitos. De fato, pode ocorrer (enormalmente ocorre) de o ato ter sido praticado num país e seus efeitossentidos em outro.38 Nesses casos, parece coerente substituir a lex delictipela lex damni, ou seja, pela lei do lugar em que o dano efetivamenteocorreu, se for ela considerada a mais próxima das partes ou do ato ilícito.Não se excluiria definitivamente a aplicação da lex delicti, flexibilizando-se, porém, sua aplicação em razão da lei do lugar do dano quando esta formais próxima das partes ou do próprio ato.39 Nesse sentido, inclusive,estava a redação do art. 13 do Projeto de Lei nº 269 do Senado, para o qual“[a]s obrigações resultantes de atos ilícitos serão regidas pela lei que comelas tenha vinculação mais estreita, seja a lei do local da prática do ato,seja a do local onde se verificar o prejuízo, ou outra lei que for consideradamais próxima às partes ou ao ato ilícito”.

Várias legislações recentes de DIPr têm igualmente flexibilizado a regralex delicti em favor da lex damni, a exemplo da Lei de Reforma italiana, de1995, segundo a qual “[a] responsabilidade por fato ilícito é regulada pelalei do Estado em que se verificou o evento [danoso]” (art. 62, § 1º,primeira parte), podendo, no entanto, a parte lesada “pedir que se aplique alei do Estado em que o fato ocorreu” (art. 62, § 1º, in fine). Como se nota, aregra determinada pela lei italiana é a lex damni e, a exceção, a lexdelicti.40 Se, porém, o fato ilícito envolver “apenas cidadãos de um mesmoEstado neste residentes, aplicar-se-á a lei desse Estado” (art. 62, § 2º).

Na Alemanha, da mesma forma, a prática dominante considera tambémcometido o delito em qualquer um dos lugares em que o prejuízo seconcretizou, independentemente de a causa do ato danoso ter ou nãodecorrido de ato humano, como, v.g., o caso da explosão, por negligência,de fábrica situada próxima à fronteira entre dois países que causa danos a

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propriedades situadas no outro Estado.41

Martin Wolff, contudo, entende que a lex damni somente poderá operarse a lei do local em que cometido o ato o tiver por ilícito e capaz deproduzir efeitos. Eis sua lição: Uma ação por ato ilícito não pode basear-semeramente no direito do lugar do efeito; se, porém, segundo o direito dolugar do ato existir um ato ilícito, e também se segundo esse direito o efeitoconsiderar-se provocado pelo ato, a pessoa prejudicada pode invocartambém o direito do lugar do efeito para reclamar pretensões que não lhecorresponderiam segundo o direito do lugar do ato (v.g., indenizaçãopecuniária em vez de restituição em espécie, ou indenização por dommagemoral).42

Ainda segundo Wolff, se vários forem os locais do ato, v.g., porque odelinquente cloroformizou a sua vítima depois de partir de trem de Aachenna Alemanha, jogando-a para fora do vagão ao atravessar a fronteira belga,poderá a vítima livremente invocar o direito de qualquer dos lugares porque passou o trem, devendo o juiz decidir de ofício segundo a norma maisfavorável à reclamação apresentada.43

Faz sentido a observação de Wolff, exatamente porque aqui se está atratar de obrigações por atos ilícitos, não de obrigações (de efeitosposteriores) provenientes de atos lícitos. Não se poderá pretenderindenização pelo fato de um ato lícito cometido em um país gerar efeitos,em outro, contrários à pretensão da pessoa. Seria um contrassenso admitirque atos lícitos possam gerar efeitos ilícitos, e, ainda que gerem, se possafalar em ilicitude decorrente de legalidade.

Assim, para que a lex damni seja utilizada como critério suplementar ouflexibilizador da lex delicti, deve esta última qualificar o ato como ilícito ecapaz de produzir efeitos danosos às pessoas, ainda que para além dasfronteiras do Estado. O dano causado à pessoa como decorrência da práticade atos originariamente lícitos (segundo a lei do local em que forampraticados) não serão jamais capazes de fazer operar o instituto daresponsabilidade civil.

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4.4 Obrigações ex lege

Há obrigações por atos ilícitos que não decorrem de contratos, nem sãoex delicto; provêm diretamente da lei (ex lege) e, por isso, têm campoprobatório sobremaneira restrito.44 Compõem a categoria dos chamados“quase contratos”.45 São exemplos de obrigação dessa categoria a gestão denegócios, o enriquecimento ilícito, a cobrança do indébito, o usufrutoinerente ao pátrio poder, a prestação de alimentos entre parentes, a do tutorpara com o tutelado e a indenização do possuidor pelas benfeitorias.46 Fica,então, a dúvida de saber qual a lei aplicável nas situações jurídicasinterconectadas.

É entendimento corrente que tais obrigações são regidas tanto no DIPrcomo no direito comparado (a) pela lei que estabelece a obrigação ou (b)pela lei do lugar do fato que as originou.47 Trata-se da solução adotada pelalegislação de vários países, decorrente, inclusive, do costume. Não há,contudo, na LINDB, regra expressa a respeito. Há, porém, normatização noCódigo Bustamante, que poderá ser utilizada (a título, ao menos, dedoutrina) para os casos de relações jurídicas com países não partes noCódigo, quais sejam: Art. 165. As obrigações derivadas da lei regem-sepelo direito que as tiver estabelecido.

Art. 220. A gestão de negócios alheios é regulada pela lei dolugar em que se efetuar.

Art. 221. A cobrança do indébito submete-se à lei pessoal comumdas partes e, na sua falta, à do lugar em que se fizer o pagamento.

Art. 222. Os demais quase contratos subordinam-se à lei queregule a instituição jurídica que os origine.

A regra geral, portanto, é a de que as obrigações derivadas da leiregem-se pelo direito que as tiver estabelecido. Assim, v.g., o usufrutoinerente ao pátrio poder será regido pela mesma lei regente do instituto dopátrio poder; as obrigações do tutor, por idêntica lei a que se submete oinstituto da tutela etc.48

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Destaque-se que já se estudou a questão das obrigações alimentaresfundadas em relação de parentesco, concluindo-se pela aplicação da normamais favorável ao alimentando (v. Cap. III, item 5.3, supra). Salvo essahipótese, para todos os demais casos de obrigações não autônomasdecorrentes diretamente da lei, seria de se aplicar o Código Bustamante (atítulo de doutrina) à falta de norma interna ou convencional específica apermitir outro(s) vínculo(s) jurídico(s).

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5. Autonomia da vontade

Já se disse (v. Parte I, Cap. V, item 4.4, supra) que o direito brasileiroadmite plenamente a autonomia da vontade como elemento de conexãoválido, especialmente em matéria contratual. Tal é assim em quase todas aslegislações, ao permitirem que as partes determinem a ordem jurídica a queficará submetida a relação obrigacional.49 Sem pretender repetir osargumentos já anteriormente expostos, basta aqui reafirmar que a vontadedas partes é possível e aceitável no direito brasileiro atual; nenhumavedação se encontra no art. 9º da LINDB que impeça as partes, numcontrato internacional, de escolher livremente a lei aplicável à relaçãojurídica. Se a lei não proíbe, as autoriza, ainda mais levando-se em contaque o permissivo vinha expresso no art. 13, caput, da Introdução ao CódigoCivil de 1916, que dizia que “[r]egulará, salvo estipulação em contrário,quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei do lugar onde foremcontraídas”. Tal demonstra que é tendência do direito brasileiro admitir aautonomia da vontade das partes como elemento conectivo válido, aindaque, por mero lapso, dela não tenha expressamente versado o art. 9º daLINDB, o que, contudo, repita-se, não a desautoriza entre nós.50 Como jádestacou o STF, em Acórdão da lavra do Min. Philadelpho Azevedo,princípios básicos de nosso direito não podem desaparecer por “suasimples omissão num código ou numa lei”.51 Como se não bastasse, aConstituição Federal de 1988 determina, no art. 5º, II, que “ninguém seráobrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”,regra essa mantida de há muito na tradição constitucional brasileira, a qual,em conexão com o art. 9º, caput, da LINDB, não abre a menor dúvida sobrea permissibilidade da autonomia da vontade no direito pátrio.52

Fazemos nossa a lição precisa de Dolinger sobre o tema, para quem,“no direito internacional privado, ao versar situações contratuaismultinacionais, que podem ser regidas por um ou outro sistema jurídico –diversamente do que ocorre no campo da capacidade do agente, nasquestões de família, sucessão ou patrimônio imobiliário –, as partes têm

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autonomia para escolher o sistema jurídico ao qual desejam submeter suasrecíprocas obrigações”, especialmente porque se “[o]s conflitos sãosuprimidos quando os Estados uniformizam sua lei; também são suprimidosquando as partes se colocam sob a égide de um sistema que cobre toda arelação, e evitam qualquer submissão a outro sistema jurídico”.53 E conclui:“Assim como não aceitamos que a ordem pública represente restrição aoexercício da autonomia da vontade no plano internacional, também nãoconcebemos qualquer preocupação com a natureza das normas – supletivas,facultativas, imperativas, proibitivas, etc. (…) Ante estas considerações,também não se justifica procurar detectar a ocorrência de fraude à lei, nosentido de que os contratantes, no Brasil, escolheram lei estrangeira parafraudar a lei brasileira competente. Em matéria contratual, a vontade daspartes é soberana, e não têm elas obrigação de ficar submetidas à leioriginalmente competente, por força do disposto nas regras de conexão doDIPr brasileiro”.54 No DIPr europeu, por sua vez, a vontade das partescomo conexão definidora da lei aplicável ao contrato é, também,amplamente reconhecida.55

Ademais, o CPC/2015 – também já se disse na Parte I, Cap. V, item 4.4,supra – aceitou a autonomia da vontade das partes no que tange à eleiçãodo foro, ao expressamente aduzir que “[n]ão compete à autoridadejudiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quandohouver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contratointernacional, arguida pelo réu na contestação” (art. 25, caput).

Para nós, em suma, não há dúvida de que a autonomia da vontade éelemento de conexão válido a informar a lei aplicável – para além do forocompetente (CPC/2015, art. 25, caput) – às situações jurídicasinterconectadas a determinada obrigação. Para recorrer mais uma vez àlição de Dolinger, é desejo da classe advocatícia do País “que o Brasil sejunte ao restante do mundo civilizado, levando este princípio à prática, noreconhecimento de que as partes nos contratos internacionais, têm liberdadede escolha da lei aplicável”.56 Nada, portanto, de ilícito ou de antijurídicotem no fato de as partes poderem escolher, livremente, a ordem jurídicaresponsável por reger o negócio jurídico celebrado entre elas. Essa atendência patente nas normas internacionais mais modernas e nas

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legislações de DIPr de diversos países.57

Desse modo, a regra do art. 9º da LINDB – segundo a qual aqualificação e regência das obrigações ficam sujeitas à lei do país em quese constituírem – somente vai operar se as partes não tiverem escolhido,pela sua vontade, o direito aplicável. A norma há de ser interpretada àsemelhança do art. 13, caput, da Introdução ao Código Civil de 1916,devendo ser lida assim: Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á,salvo estipulação em contrário, a lei do país em que se constituírem.

Em suma, apenas faltante a vontade expressa das partes na escolha daordem jurídica a que deva submeter-se a relação obrigacional é que se irábuscar, no direito posto, a lei aplicável à situação, quer encontrando-a nasregras de direito, quer, em sua falta, investigando o centro de gravidade darelação em causa.58 Há, como se vê, dois critérios para a determinação dalei aplicável às obrigações: um principal (decorrente da vontade daspartes) e outro supletivo (definido pela lei ou pelo centro de gravidade darelação jurídica). O primeiro, como o próprio nome está a indicar, semprehá de prevalecer ao segundo. Nesse exato sentido, a propósito, estava aredação do art. 12 do Projeto de Lei nº 269 do Senado, ao dizer que “[a]sobrigações contratuais são regidas pela lei escolhida pelas partes”, quepoderá ser “expressa ou tácita, sendo alterável a qualquer tempo,respeitados os direitos de terceiros”; e, nos termos do § 1º do mesmodispositivo, “[c]aso não tenha havido escolha ou se a escolha for ineficaz, ocontrato, assim como os atos jurídicos em geral, serão regidos pela lei dopaís com o qual mantenham os vínculos mais estreitos”.

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Convenção da ONU sobre contratos de compra evenda internacional de mercadorias

Destaque-se que desde 2014 o Brasil é parte da Convenção das NaçõesUnidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias,de 1980.59 A Convenção se aplica aos contratos de compra e venda demercadorias entre partes que tenham seus estabelecimentos em Estadosdistintos (a) quando tais Estados forem Estados-contratantes, ou (b) quandoas regras de DIPr levarem à aplicação da lei de um Estado-contratante (art.1º). Trata-se de norma internacional de observância obrigatória para juízese tribunais brasileiros quando em causa contrato internacional de compra evenda de mercadorias.60

A Convenção, porém, regula apenas a formação do contrato de comprae venda e os direitos e obrigações do vendedor e do comprador deleemergentes; salvo disposição expressa em contrário da Convenção, oinstrumento não diz respeito, especialmente, (a) à validade do contrato oude qualquer das suas cláusulas, bem como à validade de qualquer uso oucostume, e (b) aos efeitos que o contrato possa ter sobre a propriedade dasmercadorias vendidas (art. 4º).

Na Convenção, a formação do contrato é versada nos arts. 14 a 24, e asobrigações do vendedor e comprador nos arts. 30 a 52 e 53 a 65,respectivamente.

Cf. RODAS, João Grandino. Elementos de conexão do direito internacional privadobrasileiro relativamente às obrigações contratuais, cit., p. 55; e AMORIM, EdgarCarlos de. Direito internacional privado, cit., p. 142. Em sentido contrário, v.DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado, cit., p.492, nota nº 25, para quem “o contrato internacional firmado por contratantes quese encontram no mesmo local (contrato entre presentes) será regido pela lei dolocal da contratação, por força do argumento ad majorem: se o contrato entreausentes é regido pelo local de sua constituição, i.e., onde se encontra o

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proponente, com muito mais razão, será esta a lei a reger o contrato entre partes quese encontram juntas, no mesmo local, no momento da assinatura do pacto”.Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 307.V. ROCHA, Osiris. Curso de direito internacional privado, cit., p. 139.V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. II, cit., p. 262-263.Cf. BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacional privado,cit., p. 201.Cf. RODAS, João Grandino. Elementos de conexão do direito internacional privadobrasileiro relativamente às obrigações contratuais, cit., p. 21; ARAUJO, Nadia de.Direito internacional privado…, cit., p. 331-333; AUDIT, Bernard & d’AVOUT,Louis. Droit international privé, cit., p. 811-812; e MAYER, Pierre & HEUZÉ,Vincent. Droit international privé, cit., p. 529-530.V. OLIVEIRA, João Martins de. A forma dos atos jurídicos no direito internacionalprivado. Belo Horizonte: Bernardo Alvares, 1962.Assim, DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacionalprivado, cit., p. 513.Pontes de Miranda, contudo, entende que caberá à lei que rege a substância do atodeterminar o caráter imperativo ou facultativo da regra locus regit actum (cf.Tratado de direito internacional privado, t. I, cit., p. 528). No mesmo sentido, cf.BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado, t.II, cit., p. 328-329.Cf. DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado,cit., p. 514.Assim, BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacionalprivado, cit., p. 184-187; ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei deIntrodução ao Código Civil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 430-433; e GOLDSCHMIDT,Werner. Derecho internacional privado…, cit., p. 186 e 237 (verbis: “Em suma,pois, é admissível atribuir ao adágio ‘locus regit actum’ força facultativa. Estaadmissibilidade não encontra sérios obstáculos no que tange à lei reguladora dasformas privadas”). Em sentido contrário, mas sem razão, v. CASTRO, Amilcar de.Direito internacional privado, cit., p. 519, entendendo que “[a] atribuição decaráter facultativo à regra locus regit actum nada mais é que resultado de confusão”.Para detalhada evolução histórica a respeito, cf. VALLADÃO, Haroldo. Direitointernacional privado, vol. II, cit., p. 25-31.Cf. DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado,cit., p. 483-485.

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Cf. DOLINGER, Jacob. Idem, p. 491-492.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 184; e RODAS,João Grandino. Elementos de conexão do direito internacional privado brasileirorelativamente às obrigações contratuais, cit., p. 55. A esse respeito, a lição deAMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 142: “O legisladoraqui foi mais prático, portanto, as pessoas que vivem de negócios nem sempre estãoem seus domicílios. Comumente se deslocam de um lugar para outro e até mesmode Estado a Estado. E, em não sendo possível realizar o seu intento,consequentemente, escreve, telefona, passa telex ou fax etc., para pessoas em outraspraças com vista à realização do negócio pretendido. E, mesmo assim, isto nãoconstitui novidade, de uma feita que o art. 8º da Lei de Introdução é taxativo:‘Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de suaresidência ou naquele em que se encontra’. É bem verdade que a hipótese acimaprevista não é daquele comerciante que não tem domicílio. Todavia, fizemos areferência só para mostrar que o Direito Internacional Privado brasileiro adotacomo elemento de conexão um sistema sucessivo, ou seja, domicílio, na suaausência, residência e, na falta desta, o lugar onde a pessoa se encontre”.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 183.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 186-187.VALLADÃO, Haroldo. Idem, p. 187.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 446. Nesse exatosentido, v. também DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código CivilBrasileiro interpretada, cit., p. 307; e JO, Hee Moon. Moderno direitointernacional privado, cit., p. 458-459.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 183.Cf. ESPINOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., p. 663.TJSP, Apelação Cível nº 1048352-12.2013.8.26.0100/SP, 12ª Câmara de DireitoPrivado, Rel. Des. José Reynaldo, j. 13.01.2015.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 32.Cf. a crítica de DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacionalprivado, cit., p. 517.Cf. CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 447; DINIZ, MariaHelena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada, cit., p. 305-306; e BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado, cit., p. 205-207.DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado, cit., p.520-521.Assim, BEVILÁQUA, Clovis. Princípios elementares de direito internacionalprivado, cit., p. 188.

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VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 190.V. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 306.Cf. MARQUES, Claudia Lima. Novos rumos do direito internacional privado quanto àsobrigações resultantes de atos ilícitos (em especial de acidentes de trânsito). In:BAPTISTA, Luiz Olavo & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direitointernacional privado: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.995-1030; e DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacionalprivado, cit., p. 529-530.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 195-196.Cf. MACHADO VILLELA, Álvaro da Costa. Tratado elementar (teórico e prático) dedireito internacional privado, t. I, cit., p. 480; e AUDIT, Bernard & d’AVOUT, Louis.Droit international privé, cit., p. 224-226. A propósito, v. sentença da Corte deCassação francesa de 25.05.1948 (Affaire Lautour c. Veuve Guiraud), in ANCEL,Bertrand & LEQUETTE, Yves. Les grands arrêts de la jurisprudence française dedroit international privé, cit., p. 164-176.Assim, DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacionalprivado, cit., p. 352-353.VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 200.Nesse sentido, v. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direitointernacional privado, t. II, cit., p. 172-173, assim: “A doutrina vigente no Brasil,devido a lacuna do Código Civil, submeteu as obrigações por atos ilícitos à lex loci(estrutura social). A inderrogabilidade da lei do lugar suporia a existência deprincípio fundamental. Mas, em verdade, não se trata de princípio de tal natureza, esim de princípio de ajustação, que (…) nasce da sugestão dos fatos. É o certo, noscasos em que as circunstâncias aconselham a sua adoção”.Aprovado (com a respectiva Errata) pelo Decreto Legislativo nº 259, de15.12.2000, ratificado pelo governo brasileiro em 30.01.2001 e promulgado peloDecreto nº 3.856, de 03.07.2001.DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado, cit., p.534.DOLINGER, Jacob. Idem, p. 533.Exemplifique-se com os danos ambientais transfronteiriços. Sobre o tema, cf.TOMLJENOVIĆ, Vesna. Maritime torts – new conflicts approach: is it necessary?Yearbook of Private International Law, vol. 1 (1999), p. 249-298.Cf. DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado,cit., p. 355-356. Claudia Lima Marques, por sua vez, aceita a lex damni, mas desdeque “coincida com o lugar do foro” (v. Novos rumos do direito internacional

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privado quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos…, cit., p. 1030).Assim também, na Europa, o Regulamento nº 864/2007 (art. 4º). Para detalhes, v.BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 281-289.Sobre o direito italiano anterior, v. BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Dirittointernazionale privato italiano, cit., p. 353-359.V. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 254.WOLFF, Martin. Idem, ibidem.WOLFF, Martin. Idem, ibidem.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 195;ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 388-390; e BALLADORE PALLIERI, Giorgio. Dirittointernazionale privato italiano, cit., p. 352-353.Cf. DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado,cit., p. 541; BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p.341-342; e MAYER, Pierre & HEUZÉ, Vincent. Droit international privé, cit., p.512-513.DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado, cit., p.541-542.V. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 195.Cf. ESPINOLA, Eduardo & ESPINOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao CódigoCivil Brasileiro, vol. 2, cit., p. 388-389.A propósito, v. sentenças da Corte de Cassação francesa de 05.12.1910 (AffaireAmerican Trading C c. Québec Steamship C) e de 06.07.1959 (Affaire Société desFourrures Renel c. Allouche), in ANCEL, Bertrand & LEQUETTE, Yves. Les grandsarrêts de la jurisprudence française de droit international privé, cit., p. 94-102 e299-306, respectivamente.Assim também, VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p.182-185; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 614-617; eRODAS, João Grandino. Elementos de conexão do direito internacional privadobrasileiro relativamente às obrigações contratuais, cit., p. 57, para quem“[i]nobstante (sic) a falta de referência da Lei de Introdução de 1942 à autonomia davontade, esse princípio não desapareceu por tal omissão”.V. Diário da Justiça, Apenso nº 135, de 12.06.1945, p. 2550-2551, citado porVALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 183.Sem razão, ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado…, cit., p. 322, aoentender que a supressão da expressão “salvo estipulação em contrário” –originalmente presente no art. 13 da Introdução ao Código Civil de 1916 –“acarretou a proibição à autonomia da vontade”. A autora, como se vê, não percebeu

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que a questão é, sobretudo, constitucional no Brasil, assegurada pelo art. 5º, II, daConstituição de 1988.DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado, cit., p.426. Em sentido contrário, lecionando, porém, à luz da ordem jurídica anterior, v.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. II, cit., p. 156, para quem “[a] autonomia da vontade não existe, noDireito internacional, nem como princípio, nem como teoria aceitável”.DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado, cit., p.474-476. Assim também a lição de Hee Moon Jo, para quem “a questão do desvioda lei (ou fraude à lei) só aparece após a escolha da lei pelas partes, não sendológica essa presunção [de fraude] se ainda não existe o caso concreto” (Modernodireito internacional privado, cit., p. 451-452). Em sentido contrário, mas semrazão, v. DINIZ, Maria Helena (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 298), ao ressaltar “que a autonomia da vontade só poderáprevalecer quando não estiver conflitante com norma imperativa ou de ordempública…”; e BASSO, Maristela (Curso de direito internacional privado, cit., p.199), ao entender que “a liberdade de escolha da lei aplicável encontra, como limite,a proibição de violação da ordem pública do sistema jurídico com o qual o contratose conecta para irradiar seus efeitos”.V. SAMTLEBEN, Jürgen. Teixeira de Freitas e a autonomia das partes no direitointernacional privado latino-americano, cit., p. 268-269.DOLINGER, Jacob. Contratos e obrigações no direito internacional privado, cit., p.526.Cf. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 265,com referência à Convenção de Roma de 1980 e ao Regulamento Roma I.Cf. WOLFF, Martin. Derecho internacional privado, cit., p. 211-220.Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 538, de 18.10.2012, e promulgada peloDecreto nº 8.327, de 16.10.2014 (com vigor para o Brasil, no plano externo, desde01.04.2014).Cf. BALLARINO, Tito (et al.). Diritto internazionale privato italiano, cit., p. 274-277.

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Capítulo VI

Estatuto das Pessoas Jurídicas

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1. Introdução

Estudadas as leis aplicáveis às relações jurídicas interconectadas aenvolver bens, direito de família, direito das sucessões e obrigações econtratos, cabe agora investigar as regras da LINDB sobre as organizaçõesdestinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações.Trata-se de estudar, em suma, a norma derradeira da LINDB (art. 11) sobreconflitos internormativos, relativa agora às pessoas jurídicas.

O art. 11 da LINDB, porém, para além de regra conflitual, é também(em seus parágrafos) norma direta, que regula o funcionamento de pessoasjurídicas estrangeiras no Brasil (§ 1º) e a aquisição de determinadascategorias de bens por governos estrangeiros (§§ 2º e 3º). Sobre essestemas também se vai discorrer aqui, findo o qual se terá investigado todasas normas da LINDB relativas ao Direito Civil Internacional.

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2. Lei aplicável

Assim como as pessoas físicas, as pessoas jurídicas envolvem-setambém em relações interconectadas (civis, comerciais, tributárias etc.) queficam à mercê da definição da lei aplicável às controvérsias relativas à suacriação, funcionamento e extinção.

Para as pessoas físicas, já se viu, os critérios para a determinação doestatuto pessoal variam entre a nacionalidade e o domicílio, tudo adepender do que adotem as normas de DIPr estatais. Para as pessoasjurídicas de direito privado, a LINDB determina que devem obedecer “à leido Estado em que se constituírem” (art. 11, caput). Assim, constituindo-seno Brasil, obedecerão à lei brasileira; constituindo-se no estrangeiro,obedecerão à lei do Estado de constituição. Significa que a lei do país denacionalidade das pessoas jurídicas (lex societatis) é que irá regê-las noBrasil, isto é, a lei do Estado em que registrados os seus estatutos ou atosconstitutivos. Esse registro – que é o ato de constituição de suapersonalidade jurídica – atribui à pessoa jurídica reconhecimentouniversal, variando, porém, sua capacidade de acordo com a lei do país deregistro.

A LINDB não levou em conta, como se nota, outros critérios para adeterminação da lei de regência das pessoas jurídicas, como, v.g., anacionalidade ou o domicílio dos sócios fundadores, o país de subscriçãodo capital social ou a sede principal da empresa, senão apenas e tãosomente o local de sua constituição, aquele em que registrados os seusestatutos ou atos constitutivos.1 Será, portanto, a lei do país denacionalidade (lei do local de constituição) da pessoa jurídica aresponsável por determinar todas as regras a ela atinentes, é dizer, o seuestatuto jurídico.2

O Projeto de Lei nº 269 do Senado, de 2004, seguia idêntica doutrina,porém com pequena variação (e redação mais clara) no que tange aofuncionamento das pessoas jurídicas estrangeiras no país, nestes termos:Art. 21. Pessoas Jurídicas – As pessoas jurídicas serão regidas pela lei do

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país em que se tiverem constituído.

Parágrafo único. Para funcionar no Brasil, por meio de quaisquerestabelecimentos, as pessoas jurídicas estrangeiras deverão obtera autorização que se fizer necessária, ficando sujeitas à lei e aostribunais brasileiros.

Certo é que nos termos do direito brasileiro em vigor, posta no Brasilquestão relativa à constituição, funcionamento e extinção de pessoa jurídicaestrangeira, deverá o juiz nacional consultar a lei do país em que foiconstituída (país de sua nacionalidade) para o fim de aplicar o direitomaterial a ela relativo, independentemente da nacionalidade ou dodomicílio dos sócios, do lugar da subscrição do capital social, do local doexercício de suas atividades, do local em que se exerce o seu efetivocontrole etc.3 Inservível o mesmo critério para delimitar a capacidade dossócios, a ser aferida, segundo a LINDB, pela lei do respectivo domicílio(art. 7º, caput). A preocupação do art. 11 da LINDB volta-se apenas àdeterminação da lei aplicável à regência das pessoas jurídicas, não de seusintegrantes.

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3. Nacionalidade

Para conhecer as regras substanciais relativas à pessoa jurídicaconstituída no estrangeiro, é dizer, seu estatuto jurídico, é necessário,primeiro, investigar qual a sua nacionalidade. Para tanto, há três critériostradicionalmente utilizados, que variam de legislação para legislação: o daincorporação, o da sede social e o do controle. Pelo primeiro, anacionalidade da pessoa jurídica se determina pelo local de registro dosseus estatutos ou atos constitutivos; pelo segundo, será determinada emrazão do local de sua sede social; e, pelo terceiro, liga-se à nacionalidadedos elementos que a controlam, é dizer, à nacionalidade dos que detêm amaior parcela de seu capital social.4 Há, também, especialmente em normasconvencionais, o critério da autonomia da vontade, pelo qual anacionalidade das pessoas jurídicas se estabelece pelo que dispuser ocontrato social.

O Código Bustamante, ao regular a matéria, estabeleceu critériosdiferenciados para cada tipo de sociedade (arts. 16 a 19). A regra do art. 16é de que “[a] nacionalidade de origem das corporações e das fundaçõesserá determinada pela lei do Estado que as autorize ou as aprove”. Omesmo se dá relativamente às associações, para as quais o mesmo Códigodetermina ser a nacionalidade “a do país em que se constituam, e neledevem ser registradas ou inscritas, se a legislação local exigir esserequisito”. Tais disposições, nota-se, guardam semelhança com o art. 11 daLINDB, segundo o qual as pessoas jurídicas obedecem à lei do Estado emque se constituírem (critério da incorporação). Por sua vez, para associedades civis, mercantis ou industriais, que não sejam anônimas, será “anacionalidade estipulada na escritura social [critério da autonomia davontade] e, em sua falta, a do lugar onde tenha sede habitualmente a suagerência ou direção principal [critério da sede social]” (art. 18). No quetange especificamente às sociedades anônimas, estabelece o Código deHavana que a sua nacionalidade “será determinada pelo contrato social[critério da autonomia da vontade] e, eventualmente, pela lei do lugar em

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que normalmente se reúne a junta geral de acionistas ou, em sua falta, pelado lugar onde funcione o seu principal Conselho administrativo ou Juntadiretiva [critério da sede social]” (art. 19).5

O critério utilizado pela LINDB – local do Estado de incorporação,equiparável ao critério do jus soli das pessoas naturais – tem sidoentendido como o mais adequado, por ser onde a formação efetiva de suapersonalidade jurídica ocorreu, onde formalidades legais lhe foramaplicadas e em que se aprovaram os estatutos que lhe deram vida.6 Nessesentido, já anotava Pontes de Miranda que “a pessoa jurídica é criada peloDireito; portanto, o estatuto há de ser o do Direito que a criou”. Earrematava: “A ordem jurídica que a fez titular autônomo de direitos e dedeveres, polo ativo e passivo de relações, há de acompanhá-la na suavida”.7 Cada país, assim, fixa como lhe aprouver os critérios deconstituição (nascimento) das pessoas jurídicas, atribuindo-lhes, portanto, adevida nacionalidade.8

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4. Reconhecimento e funcionamento

A constituição da pessoa jurídica em país estrangeiro não lhe garante,ipsis tantum, possa ter filiais, agências ou estabelecimentos no Brasil,senão apenas que sejam reconhecidas como tais em nosso País, e, portanto,admitidas na qualidade de sujeito de direitos, podendo, v.g., negociar oudemandar perante o Judiciário local. É dizer, a personalidade das pessoasjurídicas independe de autorização estatal, pois são regidas segundo a leido país de constituição. Não poderão, contudo, funcionar livremente noBrasil, isto é, manter relações fixas e duradouras em nosso País semqualquer fiscalização e controle. Para que funcionem permanentemente noBrasil, necessário serem os seus “atos constitutivos aprovados peloGoverno brasileiro”, ficando, desde então, “sujeitas à lei brasileira” (art.11, § 1º).9

Desde que assim ocorra, será a lei brasileira que irá reger suas relaçõesjurídicas, responsabilidades, capacidade de gozo ou de exercício dedireitos.10 Já terão elas, é certo, reconhecimento em nosso território a partirde sua devida constituição no exterior (sendo, aí, a lei do Estado de suaconstituição a competente para reger o seu estatuto jurídico); seufuncionamento no Brasil, entretanto, dependerá do que dispuser a leibrasileira (“…ficando sujeitas à lei brasileira”). Nesse sentido, precisa é alição de Amilcar de Castro, quando afirma que “uma coisa é reconhecer aexistência de uma sociedade, ou fundação, estrangeira, para se lhe atribuirex novo outra personalidade, e coisa bem diferente é permitir o exercíciode sua atividade”, pelo que “nenhum mal há em que a constituição dasociedade, ou da fundação, fuja às exigências do direito vigente emqualquer lugar onde pretenda exercer sua atividade”.11 Essa a razão de serdo termo “entretanto” no § 1º do art. 11 da LINDB: “Não poderão,entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes deserem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficandosujeitas à lei brasileira”. Tal significa que, apesar de se reconhecer noBrasil a pessoa jurídica estrangeira (reconhecimento de sua personalidade

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e capacidade para contratar, acionar judicialmente no Brasil etc.) à luz dalei do país de sua nacionalidade, seu funcionamento (gerência eadministração) por meio de filiais, agências ou estabelecimentos ficará nadependência da aprovação dos seus estatutos ou atos constitutivos pelogoverno brasileiro, com sujeição exclusiva à lei brasileira.12

Frise-se, como já se disse, não ser necessária a aprovação do governobrasileiro para que a pessoa jurídica estrangeira seja reconhecida no Brasile aqui, v.g., venha a demandar em juízo. Apenas para funcionar no Brasil(não esporádica, mas permanentemente) é que se faz necessária aaprovação de seus atos constitutivos pelas autoridades locais. A esserespeito, Amilcar de Castro lembra o voto do Min. Edmundo Lins do STF(na Apelação nº 1.924, de 1919, na Bahia) a demonstrar, com exatidão, quenão pretendendo exercer sua atividade no Brasil, podia certa sociedadecom sede no estrangeiro recorrer aos nossos tribunais, sem necessidade deexpresso reconhecimento por parte do governo brasileiro, porque tal “não éato de funcionamento, pois funcionar é o mesmo que praticar os atos de suadestinação, ou seja, exercer por inteiro sua atividade profissional, ourealizar os atos extrajudiciais compreendidos no propósito de suaconstituição”.13

Portanto, funcionar no Brasil (aqui operar permanentemente por meiode filiais, agências ou estabelecimentos) não é o mesmo que simplesmenteatuar em território nacional. Para simples atuação, nenhuma autorizaçãogovernamental é necessária.

Amilcar de Castro bem arremata, em suma, as quatro hipóteses capazesde ligar uma pessoa jurídica estrangeira ao Brasil: a) pretensão de deslocara sede da empresa para o Brasil, a fim de aqui funcionar; b) conservar asede no estrangeiro e ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos; c)conservar a sede no estrangeiro e exercer atividade no Brasil, sem manteraqui filial, agência ou estabelecimento; ou d) apenas recorrer aos tribunaisbrasileiros. Nas duas primeiras hipóteses, será necessária a aprovação dosseus atos constitutivos pelo governo brasileiro para que aqui funcionem,sujeitando-se à lei brasileira; nas duas últimas, desnecessário qualquerreconhecimento governamental, continuando a ser regidas pela lei do

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Estado em que se constituíram, podendo exercer aqui atividades, desde quenão sejam contrárias à nossa ordem social.14

As atividades que podem as pessoas jurídicas estrangeiras exercer noBrasil – para cuja realização dispensa-se a aprovação do governo – sãoaquelas de caráter isolado ou eventual, tais como a conclusão de negócios,tratativas, contratos etc. Se a vontade da empresa for estabelecer-se noBrasil para a prática estável (permanente, constante) de atos negociais, édizer, de seu próprio objeto social ou comercial, a autorização defuncionamento será necessária.15 Havendo autorização governamental,poderá funcionar no Brasil sem limite de tempo. Quando, porém, o juiz doforo tiver que decidir qualquer questão a ela relativa, deverá aplicar a leido país em que se constituiu (país de incorporação). Se, entretanto, asnormas de DIPr da lex causae indicarem leis de terceiro Estado (ou, atémesmo, a da própria lex fori) para disciplinar o seu estatuto jurídico,deverá o juiz nacional manter-se fiel à aplicação da lei originalmenteindicada pela nossa norma de DIPr, sem levar em consideração qualquerremissão feita pela lex causae a outra lei.16 Tal é assim pelo fato de odireito brasileiro em vigor proibir o reenvio (LINDB, art. 16).17

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5. Limites de operação no Brasil

Corolário lógico do reconhecimento das pessoas jurídicas estrangeirasé sua igualdade de direitos para com as pessoas jurídicas brasileiras.18

Nesse sentido é que a Constituição Federal garante, v.g., a livre iniciativacomo princípio da ordem econômica (arts. 1º, IV, e 170). A LINDB,contudo, elenca importante exceção às pessoas jurídicas estrangeiras dedireito público, ao estabelecer que “[o]s Governos estrangeiros, bem comoas organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijamou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasilbens imóveis ou suscetíveis de desapropriação” (art. 11, § 2º).19 Poderão,contudo, os governos estrangeiros “adquirir a propriedade dos prédiosnecessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentesconsulares” (art. 11, § 3º). A regra não se apoia, diz Oscar Tenório, naficção da extraterritorialidade dos edifícios das embaixadas e legações,pois abrange também os edifícios dos consulados, que escapam à ficção daextraterritorialidade. Em verdade, diz ele, trata-se “de um privilégionecessário ao exercício das funções diplomáticas e consulares”.20

Na Constituição e em leis brasileiras encontram-se limitações àspessoas jurídicas estrangeiras em geral, para além das de direito público.Estabelece, v.g., o art. 190 da Constituição que “[a] lei regulará e limitará aaquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física oujurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorizaçãodo Congresso Nacional”; no art. 199, § 3º, diz a Carta que “[é] vedada aparticipação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros naassistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei”; e no art. 222aduz que “[a] propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonorae de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados hámais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leisbrasileiras e que tenham sede no País”.

No plano infraconstitucional, a Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971,que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no País ou

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pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, dispõe, no art.5º, que as pessoas jurídicas estrangeiras “só poderão adquirir imóveisrurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários,industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários”,os quais “deverão ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido oórgão federal competente de desenvolvimento regional na respectiva área”(§ 1º); e “[s]obre os projetos de caráter industrial será ouvido o Ministérioda Indústria e Comércio” (§ 2º).

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6.

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Insolvência transnacional

Ao se estudar as pessoas jurídicas em DIPr, tema recorrente é o dainsolvência transnacional das sociedades empresárias. Mais do queconhecer as regras sobre constituição e funcionamento das pessoasjurídicas no país, interessa particularmente ao DIPr a definição do juizcompetente e da lei aplicável à insolvência operada além-fronteiras, isto é,relativa a empresas (nacionais ou estrangeiras) que operem em váriosEstados e tenham credores de nacionalidades ou domicílios internacionaisdistintos.

Entendimento

A exemplo das pessoas físicas, também as pessoas jurídicas têm o seunascimento, desenvolvimento e fim. As causas de terminação da sociedadesão diversas, como, v.g., vontade dos sócios, cancelamento de autorizaçãogovernamental, questões administrativas ou, no caso das sociedadesempresárias, a decretação de falência. Se a constituição da empresa conotaa gênese de um projeto empresarial exitoso, sua falência constituidemonstração de completo insucesso, também à custa de fatores vários(como má gestão empresarial, mudança repentina das condições domercado, dentre outros). Além da falência, porém, o direito também crioumétodos (antídotos) capazes de evitar o fim da empresa, chamadosprocedimentos concursais, tanto de recuperação como de reorganizaçãoempresarial. Se a saúde financeira da empresa andar mal e sempossibilidade de melhora, a solução jurídica viável está na decretação dafalência, que representa a morte empresarial; se os problemas apresentadosforem temporários ou tratáveis, poderá a empresa valer-se do antídoto darecuperação, que permite possa retomar as suas atividades para o fim de sereerguer.

A falência e a recuperação empresarial passam a interessar ao DIPr

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quando a empresa em situação de insolvência possui patrimôniointernacionalmente disperso, seja porque há bens em diversos países, sejaporque há créditos ou débitos em mais de um Estado.21 Várias interrogantessurgem nesse contexto, como, v.g., qual o juiz competente para a decretaçãoda falência ou recuperação, que efeitos terá a sentença sobre os bens sitosfora de sua jurisdição, que efeitos terá a sentença relativamente aoscredores ou devedores de outros países, qual o direito material aplicáveletc. As respostas, nesse tema, navegam em verdadeiro mar de incertezas,com soluções aproximadas e, muitas vezes, adaptadas do direito comparadoe de legislações revogadas, tornando premente a uniformização (aindainexistente) do tema no DIPr.

Sistemas territorial e universal

Cada Estado responde aos interrogantes e aos desafios da insolvênciainternacional de maneira distinta. A doutrina, porém, identifica nessadiversidade dois modelos ou sistemas dominantes, um chamado territorial(ou plural) e outro conhecido por universal (ou unitário). Para o modeloterritorial, a existência de um processo de insolvência iniciado no exteriornão atinge o foro local, e, da mesma forma, o processo de insolvência localnão propaga efeitos no exterior; há várias decretações de falência quantosforem os Estados interessados, sem que uma influencie na outra. No modelouniversal, por sua vez, o processo falimentar é unitário e sem divisões paratodos os países interessados, passando todos os bens do insolvente areunir-se em massa única, ainda que espalhados por diversas jurisdições.22

Irineu Strenger entende acertada essa segunda solução, pois, segundoele, quando o patrimônio do devedor constitui a única hipótese comum deressarcimento do crédito, quando um comerciante deixa de solver seuscompromissos, isto é, quebra, ao legislador incumbe transformar essainsolvência em um rateio entre todos, de modo que cada um obtenha a prorata de seu crédito, uma parte do ativo do falido, e sem que ninguém, salvoexceções taxativamente indicadas, possa obter um pagamento integral emprejuízo dos outros. Desse modo, continua Strenger, quando um devedor é

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declarado em estado de falência em determinado país e tem bensdistribuídos em diversos Estados e credores de distintas nacionalidades, afalência deve ter um efeito universal, devendo todos os bens do devedor,reunidos em uma única massa, ser adjudicados a todos os credoresproporcionalmente aos seus créditos e sem preferência fundada nanacionalidade ou na lex rei sitae, pois, ao tratar com o falido, estarápresente a garantia de seus bens, prescindindo do lugar da situação dosbens.23 Nesse exato sentido está a lição de Edgar Carlos de Amorim, paraquem “[é] lógico que o princípio da universalidade deveria ser adotado portodos os países”, reconhecendo, contudo, que “[i]nfelizmente não o é,máxime quando sabemos que a falência é sempre uma universal e os bensdo devedor falido sempre respondem pelas obrigações assumidas, estejamonde estiverem”.24

Hee Moon Jo, por sua vez, não obstante concorde que uma posiçãoidealista seria a posição universal, notadamente em razão dos váriosproblemas que ocorrem quando da entrada dos processos falimentares emcada um dos países envolvidos, tais como o eventual conflito entre assentenças falimentares, a dificuldade na execução destas e o alto custo dosprocessos internacionais, entende, contudo, que o assunto só seria resolvidoa contento se se unificasse o processo falimentar em um tribunalinternacional criado especificamente para tal fim, ao qual caberia declarara falência e exigir dos respectivos países o reconhecimento desse efeitouniversal e a execução interna da respectiva sentença. Assim, para o autor,“[c]onsiderando o número de casos de falência internacional, as altassomas envolvidas, o aspecto processual da falência e a facilidade existentehoje de comunicação e de transporte, a criação de uma corte internacionalde falência seria uma adequada e eficiente opção para o futuro”.25

Ainda que interessante a proposta, certo é que a maioria dos paísesadota ainda o sistema territorial do processo falimentar e de recuperaçãojudicial, pelo que a decretação da falência tem operado efeitos apenas noEstado do foro, liberando os demais Estados para que processeminternamente o mesmo pedido e sobre ele decidam como pretenderem.Também assim tem entendido a doutrina, que, enquanto não vigorarconvenção internacional a respeito, as soluções para a falência e

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recuperação de empresas com sede no exterior serão apenas locais, issosignificando que os efeitos das sentenças declaratórias respectivas ficamlimitadas aos respectivos países, além de se reconhecer prioridade à justiçalocal caso tenha a empresa sucursal ou estabelecimento no país.26

Regime jurídico nacional

No plano do direito brasileiro, a Lei de Recuperação e Falências (Leinº 11.101/2005) não disciplinou, em qualquer dispositivo, os efeitos dafalência e da recuperação operadas no exterior, desconsiderando porcompleto os efeitos da internacionalização das relações empresariais e,assim, perdendo enorme oportunidade de regular internamente o tema. Nãocogitou a lei do fato de poderem as empresas transnacionais terem reduzidainternacionalmente sua capacidade de pagamento e ir à quebra, contandocom bens em distintos países e com credores de nacionalidades edomicílios diversos; também não disciplinou os efeitos da falência localoperados no estrangeiro, tampouco as consequências da insolvênciadeclarada no exterior relativamente a ativos ou passivos situados noBrasil.27

A única disposição da lei que interessa ao DIPr vem prevista no seu art.3º, que versa a competência do juízo, ao estabelecer que “[é] competentepara homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperaçãojudicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimentodo devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”.

Quanto aos efeitos da declaração de falência, é necessário distinguir,como faz Amilcar de Castro, entre aqueles da falência declarada no Brasile dos atribuídos no Brasil às consequências da falência aberta no exterior.No caso de falência declarada no Brasil, seus efeitos serão regidos pela lexfori, pouco importando os efeitos que lhe sejam atribuídos em jurisdiçãoestrangeira (efeitos que dependem exclusivamente dessa jurisdição). Nessecaso, diz Amilcar de Castro, será o direito brasileiro “exclusivamenteobservado desde a competência geral para abri-la, para caracterizar oestado do devedor, as restrições a seus direitos, os efeitos da sentença

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declaratória e todo o processo, até seu encerramento, mais ainda areabilitação do falido”.28

No exterior, poderá a jurisdição alienígena declarar a falência deempresa cujo estabelecimento ou domicílio situe-se unicamente no Brasil.Nesse caso, não poderá a sentença estrangeira ser homologada pelo STJ,por violar a competência exclusiva do juízo nacional, tal como prevê o art.786 do revogado Código de Processo Civil de 1939 (verbis: “Não serãoexequíveis no território nacional as sentenças estrangeiras que declararem afalência de comerciante brasileiro domiciliado no Brasil”). Se houverpluralidade de estabelecimentos do mesmo empresário ou sociedadeempresária, a Lei de Falências dispõe ser “competente para homologar oplano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial oudecretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento dodevedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil” (art. 3º).29

Nada impede, contudo, que o processo falimentar contra a empresaestabelecida no Brasil tenha sido aberto no exterior e já exista sentençatransitada em julgado decretando a falência. Se assim ocorrer, recorre-se aoart. 788 do CPC/1939, que estabelece que “[a] sentença estrangeira queabrir falência ao comerciante estabelecido no território nacional, emborahomologada, não compreenderá em seus efeitos o estabelecimento que omesmo possui no Brasil”. A expressão “embora homologada”, explicaBattello, pode parecer contraditória, já que a sentença estrangeira nãopoderá ser homologada no Brasil sempre que aqui esteja radicado oprincipal estabelecimento empresarial. Porém, da leitura do art. 788 doCPC/1939, combinado com o art. 3º da nova Lei de Falências, a conclusãocorreta é a de que “a sentença de falência estrangeira poderá serhomologada no Brasil, mesmo estando o principal estabelecimento no País,mas não produzirá efeitos constitutivos, podendo a homologação sersimplesmente de reconhecimento, para efeitos declaratórios”.30

Faltante, em suma, a homologação para efeitos falimentares em sentidoestrito, o juízo nacional será também competente para declarar a falência,havendo, nesse caso, cisão procedimental em razão do caráter territorial dasolução. Uma ordem jurídica será incapaz de influir na decisão (rateio,destinação dos bens etc.) proferida pela outra no juízo falimentar.

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6.4

No que tange ao direito aplicável, o regime da insolvência internacionalnão cria novos direitos sobre as relações preexistentes, seguindo-se, paratanto, as normas gerais de conflito previstas nas regras internas de DIPr.Por exemplo, os contratos assinados pelo devedor são válidos e regidossegundo a lex contractus, conforme determina o art. 9º da LINDB. Por suavez, no que tange ao direito processual falimentar, não há dúvidas serexclusivamente aplicável a lei brasileira, uma vez que as normasprocessuais devem respeito, tão somente, à lex fori.

No âmbito convencional, destaque-se haver no Código Bustamantenormas específicas sobre falência internacional. Entretanto, além de suasnormas não contarem com aplicação para os Estados não partes, é sabidoque os comandos que estabelece relativamente à falência caíram em totaldesuso. A regulamentação do Código adota o modelo universal (unitário)da falência, dispondo o art. 414 que “[s]e o devedor concordatário oufalido tem apenas um domicílio civil ou comercial, não pode haver mais doque um juízo de processos preventivos, de concordata ou falência, ou umasuspensão de pagamentos, ou quitação e moratória para todos os seus bense obrigações nos Estados contratantes”. Aqui, portanto, universal o juízo,havendo unidade domiciliar (civil ou mercantil) do devedor. Se, porém,uma mesma pessoa ou sociedade tiver em mais de um Estado-contratantevários estabelecimentos mercantis, inteiramente separadoseconomicamente, diz o Código que “pode haver tantos juízos de processospreventivos e falência quantos [forem os] estabelecimentos mercantis” (art.415). Nesse caso, diferentemente, autorizou a Convenção de Havana sejamplúrimos os juízos falimentares, sempre que houver a pessoa ou sociedadeem mais de um Estado vários estabelecimentos.

Propostas de harmonização

Há, na atualidade, diversos projetos que pretendem superar adiversidade de critérios normativos em matéria de falência e derecuperação internacional, para o fim de harmonizar as soluções quanto aotema.

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No plano internacional, merece destaque a Lei Modelo da Uncitralsobre insolvência transfronteiriça, aprovada na 72ª sessão plenária da ONU(Resolução 52/158 da Assembleia-Geral) em 15 de dezembro de 1997,oficialmente denominada Lei Modelo da Comissão das Nações Unidaspara o Direito do Comércio Internacional sobre InsolvênciaTransfronteiriça.31 Trata-se de norma de soft law que auxilia os Estados,por servir de “modelo” à normatização interna, para o que desnecessáriaqualquer incorporação ou execução no país (como se daria no caso dostratados internacionais). De acordo com o seu preâmbulo, são objetivos daLei Modelo o estabelecimento de mecanismos destinados a promover acooperação entre os tribunais e outras autoridades competentes nosdistintos Estados que venham a intervir em casos de insolvênciainternacional, possibilitar maior segurança jurídica para o comércio e osinvestimentos, zelar pela administração equitativa e eficiente dasinsolvências transfronteiriças, protegendo os interesses de todos oscredores e demais partes interessadas, inclusive o devedor, proteger osbens do devedor e otimizar o seu valor, além de melhor reorganizar asempresas em dificuldades financeiras para proteger o capital investido epreservar as fontes de emprego. Não há, contudo, na Lei Modelo regrassobre jurisdição e direito aplicável, senão apenas diretrizes sobrecoordenação das atividades dos Estados quando há processos múltiplos defalência em várias jurisdições.

No âmbito latino-americano, por sua vez, ainda vigoram para algunspaíses os anacrônicos Tratados de Montevidéu (de 1889 e de 1940) e oCódigo Bustamante. Enquanto o Tratado de Montevidéu de 1889 adotava atese do juízo universal da falência, sua revisão de 1940 volveu ao princípioda territorialidade, permitindo a abertura de processos falimentaressimultâneos em várias jurisdições contra o mesmo devedor, garantindo,ainda, preferência aos credores nacionais sobre os estrangeiros. No quetange especificamente ao Mercosul, destaque-se inexistir um sistemaautônomo em matéria de insolvência internacional, tal como vigorante noâmbito da União Europeia.32

Relativamente ao Brasil, frise-se estar em tramitação projeto de lei (PLnº 3.741/15) que institui formas de cooperação entre o juízo interno e o

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estrangeiro para as falências e recuperações transnacionais,independentemente de carta rogatória ou intermediação de órgãosdiplomáticos ou consulares.33 Nos termos do Projeto, a Lei de Falênciaspassaria a vigorar acrescida do Capítulo VI-A, sob o título Da CooperaçãoInternacional na Falência e Recuperação de Empresas Globais, com oseguinte teor:

CAPÍTULO VI-A

DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA FALÊNCIA ERECUPERAÇÃO DE EMPRESAS GLOBAIS

SEÇÃO IDAS DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS

Art. 167-A. Na cooperação do juiz brasileiro com o juízo falimentarestrangeiro, serão observadas as regras deste Capítulo.Art. 167-B. Equipara-se ao juízo falimentar, para os fins deste Capítulo, aautoridade ou órgão administrativo com competência para liquidarempresas em crise, de acordo com a lei estrangeira.Art. 167-C. São consideradas formas de cooperação, entre outras: I – aindicação de funcionário ou agente auxiliar da justiça a quem deve ojuízo falimentar estrangeiro se reportar; II – a troca de informações, aindaque sigilosas, com o juízo falimentar estrangeiro; III – a coordenação como juízo falimentar estrangeiro das medidas de administração dos bens dodevedor, objeto de constrição judicial; ou IV – a coordenação dasdecisões adotadas nos processos falimentares em curso.Parágrafo único. O Tribunal brasileiro pode celebrar convênio comórgãos judiciários estrangeiros para operacionalização das medidas decooperação na falência transnacional.Art. 167-D. As comunicações e solicitações serão feitas em línguaportuguesa ou acompanhadas de tradução para esta língua, a serprovidenciada pelo emitente do respectivo documento.§ 1º Para os fins do disposto no caput deste artigo, fica dispensada aexigência de tradução juramentada.

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§ 2º Se o juiz brasileiro for proficiente na língua inglesa, ou no idiomaoficial do país do juízo falimentar estrangeiro, poderá utilizar o idiomapertinente, desde que junte, aos autos, tradução de sua lavra para a línguaportuguesa das comunicações e solicitações que expedir ou receber.Art. 167-E. Só aquele que provar ter proficiência na língua inglesapoderá ser nomeado administrador judicial na falência com repercussãotransnacional.

SEÇÃO IIDAS SOLICITAÇÕES DE JUÍZO FALIMENTAR ESTRANGEIRO

Art. 167-F. As solicitações e comunicações serão feitas diretamente entreos juízos falimentares, independentemente de carta rogatória ou qualquerintermediação dos órgãos diplomáticos ou de seção consular.Parágrafo único. Em caso de dúvida o juiz brasileiro deve, utilizando-sedos meios mais ágeis de que dispuser, investigar a origem e aautenticidade da comunicação ou solicitação, pedindo prova aosolicitante apenas quando infrutíferas ou inconclusas as diligênciasadotadas.Art. 167-G. A apresentação de solicitação pelo juízo falimentarestrangeiro ao juízo falimentar brasileiro não importa sujeição daquele àjurisdição brasileira além dos limites do solicitado.Art. 167-H. O juízo falimentar brasileiro não atenderá a nenhumasolicitação direta de juízo falimentar estrangeiro que contrarie o direitonacional ou se mostre incompatível com política pública adotada peloBrasil.Art. 167-I. A solicitação do juízo falimentar estrangeiro só poderá seratendida se não prejudicar os direitos dos credores domiciliados ousediados no Brasil, titulares de créditos sujeitos à lei brasileira.Art. 167-J. Se ainda não tiver sido requerida a falência do devedor noBrasil, o juízo falimentar estrangeiro deve endereçar sua solicitação àpresidência do Tribunal de Justiça do Estado onde se situa a sede dodevedor no Brasil, ao qual caberá encaminhá-la, imediatamente, ao juizcompetente, de acordo com a lei.

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§ 1º Se, já tendo sido requerida a falência no Brasil, o juízo falimentarestrangeiro ainda não souber qual é o juízo falimentar brasileirocompetente, poderá endereçar sua primeira solicitação de acordo com aforma disposta no caput deste artigo, § 2º Em qualquer hipótese desteartigo, cabe exclusivamente ao juízo falimentar brasileiro competenteresponder ao juízo falimentar estrangeiro solicitante, abstendo-se oTribunal de enviar qualquer resposta.

SEÇÃO IIIDOS CREDORES TRANSNACIONAIS

Art. 167-L. O credor domiciliado ou sediado no exterior titular decrédito sujeito à lei estrangeira: I – tem o direito de requerer a falênciado devedor no Brasil, independentemente de caução, desde que atendaaos requisitos da lei nacional e demonstre, ainda que de modo sucinto, arepercussão transnacional da falência requerida; II – tem o direito departicipar da falência decretada, desde que habilitado e admitido naforma da lei; e III – será pago após os credores quirografários, antes dopagamento das multas contratuais e penas pecuniárias.Art. 167-M. Na hipótese do inciso II do artigo anterior, o juízo falimentare o administrador judicial devem, desde a habilitação do credor, enviar-lhe comunicação individual, sempre que for publicado aviso ou intimaçãoaos credores na falência ou quando considerarem oportuno.Parágrafo único. A comunicação individual será feita mediante envio demensagem ao endereço eletrônico indicado pelo credor ou outro meio decusto e eficiência equivalentes, independentemente de carta rogatória ouintermediação de órgãos diplomáticos.

SEÇÃO IVDO PROCESSO FALIMENTAR E SEU RECONHECIMENTO

Art. 167-N. O processo falimentar transnacional classifica-se como: I –principal, quando os interesses mais relevantes do devedor, sob oaspecto econômico ou patrimonial, estiverem centralizados no país em

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que o processo tem curso; ou II – subsidiário, nas demais hipóteses.§ 1º O processo falimentar transnacional principal deve centralizar asinformações relevantes do processo ou processos subsidiários.§ 2º São informações relevantes que o juízo falimentar responsável porprocesso subsidiário deve prestar ao do principal, entre outras: I – ovalor dos bens arrecadados e do passivo; II – o valor dos créditosadmitidos e sua classificação; III – a classificação, segundo a leinacional, dos credores não domiciliados ou sediados no país titulares decréditos sujeitos à lei estrangeira; IV – as ações em curso de que sejaparte o falido, como autor, réu ou interessado; V – a data de término daliquidação e o valor do saldo credor ou devedor, bem como eventualativo remanescente.§ 3º O processo falimentar transnacional principal somente pode serencerrado após o encerramento dos subsidiários ou da constatação deque, nestes últimos, é altamente improvável que haja ativo líquidoremanescente.Art. 167-O. No processo falimentar transnacional, principal ousubsidiário, nenhum ativo, bem ou recurso remanescente da liquidaçãoserá entregue ao falido se ainda houver passivo não satisfeito emqualquer outro processo falimentar transnacional conexo.Art. 167-P. O juízo falimentar de um país pode solicitar o reconhecimentodo respectivo processo falimentar ao de outro país.Parágrafo único. A solicitação será instruída com: I – a prova dainstauração do processo falimentar no país do solicitante; II – a relaçãode processos falimentares referentes ao mesmo devedor em outros paísesque forem do conhecimento do solicitante; III – a indicação do país emque o devedor centraliza seus interesses mais relevantes, sob o ponto devista econômico ou patrimonial; e IV – a tradução para a língua oficial dopaís do juízo destinatário, se exigida pela respectiva lei.Art. 167-Q. Quando for brasileiro o juízo destinatário, a solicitação dereconhecimento será autuada e seguirá o procedimento especial sujeito àsseguintes regras: I – o juiz, no mesmo despacho que aceitar a solicitação,decidirá sobre os pedidos de medidas urgentes ou acautelatórias, se

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houver, e determinará a abertura de vista ao Ministério Público; II – oMinistério Público deverá se manifestar sobre a solicitação, nos 5(cinco) dias seguintes ao recebimento dos autos; III – se a falência játiver sido decretada no Brasil, será ouvido o administrador judicial, ocomitê de credores, se houver, e o falido, no prazo comum de 5 (cinco)dias, a contar da devolução dos autos, pelo Ministério Público, aocartório, facultado a qualquer credor habilitado manifestar-se no mesmo.§ 1º Em seguida às manifestações previstas neste artigo ou decorridos osrespectivos prazos, o juiz decidirá por sentença.§ 2º A apelação, se interposta, não terá efeito suspensivo.Art. 167-R. Ao reconhecer o processo falimentar no exterior, o juiz oclassificará como principal ou subsidiário.§ 1º Na mesma sentença em que reconhecer como principal o processofalimentar no exterior, o juiz declarará o processo brasileiro, se houver,como subsidiário.§ 2º Ao reconhecer como subsidiário o processo falimentar no exterior, ojuiz poderá declarar o processo brasileiro, se em curso, como principal.Art. 167-S. Se o devedor ainda não estiver falido no Brasil, oreconhecimento de processo falimentar no exterior, seja como principalou subsidiário, acarreta a suspensão das execuções individuais em cursona Justiça brasileira.§ 1º Na hipótese prevista no caput deste artigo, o Ministério Público ouqualquer credor interessado pode requerer a falência do devedor noBrasil, ainda que ausentes os requisitos do art. 94 da Lei nº 11.101, de 9de fevereiro de 2005.§ 2º Reconhecido o processo falimentar no exterior, seja como principalou subsidiário, não poderá ser decretada a falência, por juiz brasileiro,do mesmo devedor, se ele não possuir bens ou direitos no Brasil.Art. 167-T. A qualquer tempo, o juiz: I – decidirá sobre medidasconstritivas sobre o patrimônio do devedor, urgentes ou acautelatórias,solicitadas pelo juízo falimentar responsável por processo reconhecidonos termos desta seção; e II – poderá, à vista de novos fatos ouargumentos, alterar a classificação de processo transnacional, brasileiro

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ou estrangeiro.Art. 167-U. Desde que satisfeitos ou garantidos os direitos dos credoresdomiciliados ou sediados no Brasil e titulares de crédito sujeito à leibrasileira, o juiz poderá atender à solicitação de juízo falimentarestrangeiro, responsável por processo reconhecido nos termos destaseção, de entrega de bens ou recursos do ativo do devedor.Parágrafo único. Se o solicitante for juízo transnacional responsável porprocesso falimentar subsidiário, o juízo do principal deve anuir com asolicitação.

SEÇÃO VDA RECUPERAÇÃO JUDICIAL TRANSNACIONAL

Art. 167-V. Com as adaptações cabíveis, aplicam-se ao processo derecuperação judicial com repercussão transnacional as normas doCapítulo anterior, desde que a administração da empresa em crise estejasob intervenção do juízo recuperacional, brasileiro ou estrangeiro,segundo a lei aplicável.………………………………… (NR).

Na justificativa do Projeto, lê-se que “[d]iante da eventual crise de umaempresa global, é indispensável que os juízes falimentares dos diversospaíses se comuniquem e se articulem, visando a aperfeiçoar a liquidação damassa, atendendo aos direitos dos credores”, uma vez que “[t]al assunto jáfora abordado no Código de Processo Civil de 1939, mas diante darevogação da Lei Processual de 1939, a insolvência transnacional ficousem normatização específica”. O texto destaca ainda que “[a] ausência detal norma gera nas empresas multinacionais grande insegurança no queconcerne ao regime jurídico falimentar aplicável em um caso deinsolvência multinacional, o que, à evidência, afasta muitos potenciaisinvestidores globais do Brasil”, o que “gera um cenário caótico nãopropício aos grandes investimentos internacionais, já que as questõesrelativas ao tema acabam tendo que ser analisadas e solucionadas com baseno casuísmo”.

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Tal Projeto, se aprovado, colocará o Brasil no seio dos países queadotam o critério universal da falência, superando o até então utilizadocritério territorial, hoje insuficiente para dar a todos os credores soluçãojusta no rateio patrimonial (par conditio creditorum). Será, nos termos doProjeto, o juízo do centro principal dos interesses do devedor o competentepara a declaração da falência ou da recuperação judicial, uma vez que “osinteresses mais relevantes do devedor, sob o aspecto econômico oupatrimonial, estão centralizados em referido país em que o processo temcurso”. E ainda: “Fica, contudo, claramente estabelecido que nenhumcredor titular de crédito sujeito à lei estrangeira irá concorrer com oscredores titulares de crédito sujeito à lei nacional. Estes, mesmo sendoquirografários, terão preferência na satisfação de seus créditos. Assim,apenas se sobrarem recursos do devedor falido, depois do pagamento detrabalhadores, do fisco e de todos os credores cujo crédito é executável noBrasil, é que se entregará o saldo ao juízo falimentar estrangeiro”. Por fim,diz a mesma justificativa que “mediante esta proposta, fica, também,definido que o juízo falimentar brasileiro não atenderá a nenhumasolicitação direta de juízo falimentar estrangeiro que contrarie o direitonacional ou se mostre incompatível com as mais valorosas políticaspúblicas brasileiras”.

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Conclusão

A LINDB, como se verificou, não dispõe de regras completas paratodos os aspectos a envolver relações plurilocalizadas de pessoas jurídicasde direito privado, notadamente as sociedades empresárias, mais ainda noque toca à insolvência transnacional. A maioria dos países, salvo rarasexceções, adota ainda o ultrapassado sistema falimentar territorial, peloqual cada ordem jurídica é competente para a abertura e declaração dafalência e da recuperação judicial, independentemente uma da outra. É,portanto, premente que se atualize a legislação brasileira para o fim deregular a falência e a recuperação transnacional de modo eficaz e à luz dosistema universal falimentar e recuperacional.

Tirante as peculiaridades da questão falimentar transnacional, certo éque as pessoas jurídicas estrangeiras são reconhecidas no Brasil e podemlivremente atuar no país. Apenas seu funcionamento (para além da meraatuação interna, como, v.g., negociar, celebrar contratos ou demandar emjuízo) requer autorização do governo brasileiro, sujeitando-se, a partir daí,à lei brasileira. Permissão não será necessária para simples gestão denegócios, celebração de contratos ou ingresso em juízo.

V. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito internacional privado,t. II, cit., p. 182-183.Cf. MACHADO VILLELA, Álvaro da Costa. Tratado elementar (teórico e prático) dedireito internacional privado, t. I, cit., p. 225-231; e DOLINGER, Jacob. Direitointernacional privado…, cit., p. 475-478.Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 336.Sobre os prós e contras de cada qual desses critérios, v. TENÓRIO, Oscar. Direitointernacional privado, vol. II, cit., p. 15-19; DOLINGER, Jacob. Direitointernacional privado…, cit., p. 478-483; e TIBURCIO, Carmen. Disciplina legal dapessoa jurídica à luz do direito internacional brasileiro. In: BAPTISTA, Luiz Olavo &MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e

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prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 971-973 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 485.A regra foi elogiada por Amilcar de Castro, que entendia que “[a] melhor doutrina émesmo aquela que foi consagrada pelo art. 11 da Lei de Introdução: é a que mandaobservar o direito vigente no lugar de constituição das sociedades ou fundações”(Direito internacional privado, cit., p. 331). No mesmo sentido é a opinião deMaria Helena Diniz, que leciona: “O critério da lei do lugar da constituição é o maisadequado por ser o do local onde a pessoa jurídica se formou, obedecendo àsformalidades legais que lhe dão existência. (…) Com isso nosso art. 11,acertadamente, ao ordenar a aplicação da lei do lugar da constituição das sociedadese fundações, veio a permitir que se reconheçam como existentes as pessoasjurídicas de acordo com os critérios de leis estrangeiras, constituídas deconformidade com tais leis” (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 226-337).PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito internacionalprivado, t. I, cit., p. 437.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 11.No mesmo sentido, o art. 1.134 do Código Civil: “A sociedade estrangeira, qualquerque seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar noPaís, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados oscasos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira”. Osrequisitos para a autorização vêm expressos nos §§ 1º e 2º do mesmo dispositivo,assim redigidos: “§ 1º Ao requerimento de autorização devem juntar-se: I – prova dese achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país; II – inteiro teor docontrato ou do estatuto; III – relação dos membros de todos os órgãos daadministração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvoquanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital dasociedade; IV – cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou ocapital destinado às operações no território nacional; V – prova de nomeação dorepresentante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidaspara a autorização; VI – último balanço. § 2º Os documentos serão autenticados, deconformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consuladobrasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo”. Orequerimento é dirigido ao Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços,que age por delegação do Presidente da República.Cf. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileirointerpretada, cit., p. 343.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 331. No mesmo

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sentido, v. SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Introdução ao direito internacionalprivado, cit., p. 121; e TIBURCIO, Carmen. Disciplina legal da pessoa jurídica à luzdo direito internacional brasileiro, cit., p. 978-979.Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado…, cit., p. 493.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 345-346. Nessesentido, afirma Oscar Tenório que “[f]uncionamento significa exercício de suaatividade social ou constitucional” (Direito internacional privado, vol. II, cit., p.28).CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 347.Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 499-500.Cf. TIBURCIO, Carmen. Disciplina legal da pessoa jurídica à luz do direitointernacional brasileiro, cit., p. 979-980.Sobre o reenvio, v. Parte I, Cap. IV, item 2.2, supra.Cf. VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado…, cit., p. 463.Sobre o significado de bens “suscetíveis de desapropriação”, v. DOLINGER, Jacob.Direito internacional privado…, cit., p. 501-502; e CASTRO, Amilcar de. Direitointernacional privado, cit., p. 349, para quem a redação “abrange não só os direitosautorais (art. 660 do Código Civil [de 1916]), como as patentes de invenção e açõesdas sociedades anônimas, que, por nosso direito administrativo, são suscetíveis dedesapropriação”. O art. 11, § 2º, da LINDB mereceu a censura de Oscar Tenório,nestes termos: “O excessivo alargamento da proibição merece nossa censura.Recearam os adversários da orientação liberal do autor do Projeto a invasão denossa soberania, como se as propriedades particulares de Estados estrangeiros nãodependessem da lex rei sitae. Desde que subordinássemos a aquisição à préviaautorização do governo federal, as cautelas poderiam ser tomadas em cada caso.Ficaria apenas o receio de desigualdade no caso de concessão a um Estado e derecusa a outro” (Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 7).TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 7.Cf. TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 251.Cf. GOLDSCHMIDT, Werner. Derecho internacional privado…, cit., p. 473-474;TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado, vol. II, cit., p. 252; ANDRADE,Agenor Pereira de. Manual de direito internacional privado, cit., p. 224-227; JO,Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 540; e AMORIM, EdgarCarlos de. Direito internacional privado, cit., p. 163.STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 924.AMORIM, Edgar Carlos de. Direito internacional privado, cit., p. 163.JO, Hee Moon. Moderno direito internacional privado, cit., p. 540.V. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit., p. 926, citando lição de

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Nelson Abrão.Cf. CALDERON, Silvio Javier Battello. A eficácia jurídica da sentença falimentar e derecuperação empresarial estrangeira no direito brasileiro. In: FERREIRA JÚNIOR, LierPires & ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim (Coord.). Direito internacional e as novasdisciplinarizações. Curitiba: Juruá, 2005, p. 315.CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado, cit., p. 480.V. CALDERON, Silvio Javier Battello. A eficácia jurídica da sentença falimentar e derecuperação empresarial estrangeira no direito brasileiro, cit., p. 317-318, quecomplementa: “Na verdade, trata-se de uma norma para determinar a competênciainterna dos juízes brasileiros, mas que também serve para identificar a competênciainternacional”.CALDERON, Silvio Javier Battello. Idem, p. 318.Para detalhes sobre sua incorporação e interpretação, v. United Nations, UncitralModel Law on Cross-Border Insolvency with Guide to Enactment andInterpretation, New York, 2014.V. Regulamento (UE) nº 848/2015 do Parlamento Europeu e do Conselho, de20.05.2015. No plano mercosulino, v. proposta acadêmica de celebração de umProtocolo sobre Insolvência Empresarial em CALDERON, Silvio Javier Battello.Falência internacional no Mercosul: proposta para uma solução regional. Curitiba:Juruá, 2011, p. 235-239.V. Câmara dos Deputados, Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria,Comércio e Serviço, aprovação do Parecer em 28.06.2016.

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________. Definição, objeto e denominação do direito internacionalprivado. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira(Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2012, p. 147-161 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).

________. Doutrinas modernas e contemporâneas de direito internacionalprivado. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira(Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2012, p. 163-182 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).

________. Conflitos no espaço de normas de direito internacional privado:renúncia e devolução. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio deOliveira (Org.). Direito internacional privado: teoria e prática. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 183-205 (Coleção Doutrinasessenciais: direito internacional, vol. IV).

________. Reconhecimento de divórcio decretado pela justiça muçulmanacom base no repúdio. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MAZZUOLI, Valerio de

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Anexos

Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei deIntrodução às Normas do Direito Brasileiro Projeto de Lei doSenado nº 269, de 2004 – Lei Geral de Aplicação das NormasJurídicas Convenção de Direito Internacional Privado (1928) –Código Bustamante Convenção Interamericana sobre NormasGerais de Direito Internacional Privado (1979)

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DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DESETEMBRO DE 1942

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro(Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010)

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lheconfere o artigo 180 da Constituição, decreta: Art. 1º Salvo disposiçãocontrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco diasdepois de oficialmente publicada.

§ 1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira,quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada.

§ 2º (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009) § 3º Se, antes de entrar alei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, oprazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da novapublicação.

§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até queoutra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matériade que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a pardas já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura porter a lei revogadora perdido a vigência.

Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não aconhece.

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a

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analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela sedirige e às exigências do bem comum.

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o atojurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pelaLei nº 3.238, de 1957) § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumadosegundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº3.238, de 1957) § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seutitular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo doexercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, aarbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) § 3º Chama-secoisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caibarecurso. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) Art. 7º A lei do país em quedomiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim dapersonalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

§ 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileiraquanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

§ 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se peranteautoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.(Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957) § 3º Tendo os nubentesdomicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei doprimeiro domicílio conjugal.

§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país emque tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeirodomicílio conjugal.

§ 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, medianteexpressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega dodecreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime decomunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada estaadoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forembrasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data dasentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual

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prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas ascondições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país.O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderáreexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas empedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio debrasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.(Redação dada pela Lei nº 12.036, de 2009) § 7º Salvo o caso deabandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge eaos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob suaguarda.

§ 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliadano lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.

Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a elesconcernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário,quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte paraoutros lugares.

§ 2º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, emcuja posse se encontre a coisa apenhada.

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do paísem que se constituírem.

§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendode forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da leiestrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugarem que residir o proponente.

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país emque era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja anatureza e a situação dos bens.

§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será reguladapela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou dequem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal

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do de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 1995) § 2º A lei dodomicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, comoas sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que seconstituírem.

§ 1º Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ouestabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados peloGoverno brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

§ 2º Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquernatureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido defunções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis oususceptíveis de desapropriação.

§ 3º Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dosprédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentesconsulares.

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for oréu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

§ 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das açõesrelativas a imóveis situados no Brasil.

§ 2º A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequature segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligênciasdeprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta,quanto ao objeto das diligências.

Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pelalei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, nãoadmitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quema invoca prova do texto e da vigência.

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro,que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juizcompetente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmenteverificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das

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formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d)estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada peloSupremo Tribunal Federal.1

Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009) Art. 16.Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a leiestrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-sequalquer remissão por ela feita a outra lei.

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquerdeclarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem asoberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridadesconsulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos deRegistro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e deóbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede doConsulado. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957) § 1º As autoridadesconsulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e odivórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ouincapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos,devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas àdescrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, aoacordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou àmanutenção do nome adotado quando se deu o casamento. (Incluído pelaLei nº 12.874, de 2013) § 2º É indispensável a assistência de advogado,devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição,juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outraconstitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura doadvogado conste da escritura pública. (Incluído pela Lei nº 12.874, de2013) Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigoanterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-leinº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos osrequisitos legais. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) Parágrafo único.No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelasautoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-

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lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa)dias contados da data da publicação desta lei. (Incluído pela Lei nº 3.238,de 1957) Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942, 121º da Independência e54º da República.

GETULIO VARGASAlexandre Marcondes Filho

Oswaldo Aranha

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PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 269,DE 2004

(Do Senador Pedro Simon)[arquivado em 7 de janeiro de 2011]

Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas O CONGRESSONACIONAL decreta: Capítulo I

Da Norma Jurídica em Geral

Art. 1º Vigência da Lei – A lei entra em vigor na data da publicação,salvo se dispuser em contrário: e perdura até que outra a revogue, total ouparcialmente.

§ 1º Revogação – A lei posterior revoga a anterior quandoexpressamente o declare ou quando com ela seja incompatível.

§ 2º Repristinação – A vigência da lei revogada só se restaura pordisposição expressa.

§ 3º Republicação – O texto da lei republicada, inclusive da leiinterpretativa, considera-se lei nova.

§ 4º Regulamentação – A lei só dependerá de regulamentação quandoassim o declare expressamente e estabeleça prazo para sua edição; escoadoo prazo sem essa providência, a lei será diretamente aplicável.

Art. 2º Ignorância da lei – Ninguém se escusa de cumprir a lei,alegando que não a conhece.

Art. 3º Dever de decidir – O Juiz não se eximirá de julgar alegandoinexistência, lacuna ou obscuridade da lei. Nessa hipótese, em não cabendoa analogia, aplicará os costumes, a jurisprudência, a doutrina e osprincípios gerais de direito.

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Art. 4º Aplicação do Direito – Na aplicação do direito, respeitados osseus fundamentos, serão atendidos os fins sociais a que se dirige, asexigências do bem comum e a equidade.

Capítulo IIDo Direito Intertemporal

Art. 5º Irretroatividade – A lei não terá efeito retroativo. Ela nãoprejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

§ 1º Direito adquirido – Direito adquirido é o que resulta da lei,diretamente ou por intermédio de fato idôneo, e passa a integrar opatrimônio material ou moral do sujeito, mesmo que seus efeitos não setenham produzido antes da lei nova.

§ 2º Direito a termo ou condição – Constituem igualmente direitoadquirido as consequências da lei ou de fato idôneo, ainda quandodependentes de termo de condição.

§ 3º Ato jurídico perfeito – Ato jurídico perfeito é o consumado deacordo com a lei do tempo em que se efetuou.

§ 4º Coisa julgada – Coisa julgada é a que resulta de decisão judicialda qual não caiba recurso.

Art. 6º Efeito imediato – O efeito imediato da lei não prejudicará ossegmentos anteriores, autônomos e já consumados, de fatos pendentes.

Art. 7º Alteração de prazo – Quando a aquisição de um direitodepender de decurso de prazo e este for alterado por lei nova, considerar-se-á válido o tempo já decorrido e se computará o restante por meio deproporção entre o prazo anterior e o novo.

Capítulo IIIDireito Internacional Privado

Seção IRegras de Conexão

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Art. 8º Estatuto Pessoal – A personalidade, o nome, a capacidade e osdireitos de família são regidos pela lei do domicílio. Ante a inexistência dedomicílio ou na impossibilidade de sua localização, aplicar-se-ão,sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residência atual.

Parágrafo único. As crianças, os adolescentes e os incapazes sãoregidos pela lei do domicílio de seus pais ou responsáveis; tendo os pais ouresponsáveis domicílios diversos, regerá a lei que resulte no melhorinteresse da criança, do adolescente ou do incapaz.

Art. 9º Casamento – As formalidades de celebração do casamentoobedecerão à lei do local de sua realização.

§ 1º As pessoas domiciliadas no Brasil, que se casarem no exterior,atenderão, antes ou depois do casamento, as formalidades para habilitaçãoreguladas no Código Civil Brasileiro, registrando o casamento na formaprevista no seu art. 1.544.

§ 2º As pessoas domiciliadas no exterior que se casarem no Brasil terãosua capacidade matrimonial regida por sua lei pessoal.

§ 3º O casamento entre brasileiros no exterior poderá ser celebradoperante autoridade consular brasileira, cumprindo-se as formalidades dehabilitação como previsto no parágrafo anterior. O casamento entreestrangeiros da mesma nacionalidade poderá ser celebrado no Brasilperante a respectiva autoridade diplomática ou consular.

§ 4º A autoridade consular brasileira é competente para lavrar atos deregistro civil referentes a brasileiros na jurisdição do consulado, podendoigualmente lavrar atos notariais, atendidos em todos os casos os requisitosda lei brasileira.

§ 5º Se os cônjuges tiverem domicílios ou residências diversos, seráaplicada aos efeitos pessoais do casamento a lei que com os mesmo tivervínculos mais estreitos.

Art. 10. Regime Matrimonial de Bens – O regime de bens obedece àlei do país do primeiro domicílio conjugal, ressalvada a aplicação da leibrasileira para os bens situados no País que tenham sido adquiridos após atransferência do domicílio conjugal para o Brasil.

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Parágrafo único. Será respeitado o regime de bens fixado porconvenção, que tenha atendido à legislação competente, podendo oscônjuges que transferirem seu domicílio para o Brasil adotar, na forma enas condições do § 2º do art. 1.639 do Código Civil Brasileiro, qualquerdos regimes de bens admitidos no Brasil.

Art. 11. Bens e Direitos Reais – Os bens imóveis e os direitos reais aeles relativos são qualificados e regidos pela lei do local de sua situação.

Parágrafo único. Os bens móveis são regidos pela lei do país com oqual tenham vínculos mais estreitos.

Art. 12. Obrigações Contratuais – As obrigações contratuais sãoregidas pela lei escolhida pelas partes. Essa escolha será expressa outácita, sendo alterável a qualquer tempo, respeitados os direitos deterceiros.

§ 1º Caso não tenha havido escolha ou se a escolha for ineficaz, ocontrato, assim como os atos jurídicos em geral, serão regidos pela lei dopaís com o qual mantenham os vínculos mais estreitos.

§ 2º Na hipótese do § 1º, se uma parte do contrato for separável dorestante, e mantiver conexão mais estreita com a lei de outro país, poderáesta aplicar-se, a critério do Juiz, em caráter excepcional.

§ 3º A forma dos atos e contratos rege-se pela lei do lugar de suacelebração, permitida a adoção de outra forma aceita em direito.

§ 4º Os contratos realizados no exterior sobre bens situados no País, oudireitos a eles relativos, poderão ser efetuados na forma escolhida pelaspartes, devendo ser registrados no Brasil de acordo com a legislaçãobrasileira.

Art. 13. Obrigações por atos ilícitos – As obrigações resultantes deatos ilícitos serão regidas pela lei que com elas tenha vinculação maisestreita, seja a lei do local da prática do ato, seja a do local onde severificar o prejuízo, ou outra lei que for considerada mais próxima àspartes ou ao ato ilícito.

Art. 14. Herança – A sucessão por morte ou ausência é regida pela leido país do domicílio do falecido à data do óbito, qualquer que seja a

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natureza e a situação dos bens.

Parágrafo único. A sucessão de bens situados no Brasil será reguladapela lei brasileira em benefício de cônjuge ou dos filhos brasileiros, assimcomo dos herdeiros domiciliados no País, sempre que não lhes seja maisfavorável a lei pessoal do falecido.

Seção IIAplicação do Direito Estrangeiro

Art. 15. Lei Estrangeira – A lei estrangeira indicada pelo DireitoInternacional Privado brasileiro será aplicada de ofício; sua aplicação,prova e interpretação far-se-ão em conformidade com o direito estrangeiro.

Parágrafo único. O juiz poderá determinar à parte interessada quecolabore na comprovação do texto, da vigência e do sentido da leiestrangeira aplicável.

Art. 16. Reenvio – Se a lei estrangeira, indicada pelas regras deconexão da presente Lei, determinar a aplicação da lei brasileira, esta seráaplicada.

§ 1º Se, porém, determinar a aplicação da lei de outro país, esta últimaprevalecerá caso também estabeleça sua competência.

§ 2º Se a lei do terceiro país não estabelecer sua competência, aplicar-se-á a lei estrangeira inicialmente indicada pelas regras de conexão dapresente Lei.

Art. 17. Qualificação – A qualificação destinada à determinação da leiaplicável será feita de acordo com a lei brasileira.

Art. 18. Fraude à Lei – Não será aplicada a lei de um país cujaconexão resultar de vínculo fraudulentamente estabelecido.

Art. 19. Direitos Adquiridos – Os direitos adquiridos na conformidadede sistema jurídico estrangeiro serão reconhecidos no Brasil com asressalvas decorrentes dos artigos 17, 18 e 20.

Art. 20. Ordem Pública – As leis, atos públicos e privados, bem comoas sentenças de outro país, não terão eficácia no Brasil se forem contrários

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à ordem pública brasileira.

Seção IIIPessoas Jurídicas

Art. 21. Pessoas Jurídicas – As pessoas jurídicas serão regidas pelalei do país em que se tiverem constituído.

Parágrafo único. Para funcionar no Brasil, por meio de quaisquerestabelecimentos, as pessoas jurídicas estrangeiras deverão obter aautorização que se fizer necessária, ficando sujeitas à lei e aos tribunaisbrasileiros.

Art. 22. Aquisição de imóveis por pessoas jurídicas de direitopúblico estrangeiras ou internacionais – As pessoas jurídicas de direitopúblico estrangeiras ou internacionais, bem como as entidades de qualquernatureza por elas constituídas ou dirigidas, não poderão adquirir no Brasilbens imóveis ou direitos reais a eles relativos.

§ 1º Com base no princípio da reciprocidade e mediante prévia eexpressa concordância do Governo brasileiro, podem os governosestrangeiros adquirir os prédios urbanos destinados às chancelarias de suasmissões diplomáticas e repartições consulares de carreira, bem como osdestinados a residências oficiais de seus representantes diplomáticos eagentes consulares nas cidades das respectivas sedes.

§ 2º As organizações internacionais intergovernamentais sediadas noBrasil ou nele representadas, poderão adquirir, mediante prévia e expressaconcordância do Governo brasileiro, os prédios destinados aos seusescritórios e às residências de seus representantes e funcionários nascidades das respectivas sedes, nos termos dos acordos pertinentes.

Seção IVDireito Processual e Cooperação Jurídica Internacional

Art. 23. Escolha de Jurisdição – A escolha contratual de determinadajurisdição, nacional ou estrangeira, resultará em sua competência exclusiva.

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Art. 24. Produção de Provas – A prova dos fatos ocorridos no exterioré produzida em conformidade com a lei que regeu a sua forma.

§ 1º Não serão admitidas nos tribunais brasileiros provas que a leibrasileira desconheça.

§ 2º As provas colhidas no Brasil obedecerão à lei brasileira,admitindo-se a observância de formalidades e procedimentos especiaisadicionais a pedido da autoridade judiciária estrangeira, desde quecompatíveis com a ordem pública brasileira.

Art. 25. Homologação de sentença estrangeira – As sentençasjudiciais e atos com força de sentença judicial, oriundos de paísestrangeiro, poderão ser executados no Brasil, mediante homologação peloSupremo Tribunal Federal, atendidos os seguintes requisitos: I – haveremsido proferidos por autoridade com competência internacional; II – citado oréu, lhe foi possibilitado o direito de defesa; III – tratando-se de sentençajudicial ou equivalente, ter transitado em julgado nos termos da lei local; IV– estarem revestidos das formalidades necessárias para serem executadasno país de origem; V – estarem traduzidos por intérprete público ouautorizado; VI – estarem autenticados pela autoridade consular brasileira.

Art. 26. Medidas cautelares – Poderão ser concedidas, no forobrasileiro competente, medidas cautelares visando a garantir a eficácia, noBrasil, de decisões que venham a ser prolatadas em ações judiciais emcurso em país estrangeiro.

Art. 27. Cooperação Jurídica Internacional – Serão atendidas assolicitações de autoridades estrangeiras apresentadas por intermédio daautoridade central brasileira designada nos acordos internacionaiscelebrados pelo País, que serão cumpridas nos termos da lei brasileira.

Art. 28. Cartas Rogatórias – Na ausência de acordos de cooperação,serão atendidos os pedidos oriundos de Justiça estrangeira para citar,intimar ou colher provas no País, mediante carta rogatória, observadas asleis do Estado rogante quanto ao objeto das diligencias, desde que nãoatentatórias a princípios fundamentais da lei brasileira. A carta rogatória,oficialmente traduzida, poderá ser apresentada diretamente ao STF para

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concessão do exequatur.

Parágrafo único. Qualquer requisição de documento ou informação,feita por autoridade administrativa ou judiciária estrangeira, dirigida apessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou estabelecida no País,deverá ser encaminhada via carta rogatória, sendo defeso à parte fornecê-ladiretamente, ressalvado o disposto no artigo anterior.

Art. 29. É revogado o Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.

Art. 30. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O presente projeto de lei foi, originalmente, apresentado pelo PoderExecutivo, tendo tomado o número PL-4.905, de 1994, na Câmara dosDeputados. Resultou dos trabalhos levados a termo por Comissão Especial,instituída pela Portaria do então Ministro da Justiça, nº 510, de 22 de julhode 1994, cujos integrantes foram os Professores João Grandino Rodas,Jacob Dolinger, Rubens Limongi França e Inocêncio Mártires Coelho.Assim foi justificada a proposição, à época: “A introdução ao CódigoCivil de 1916 seguiu, basicamente, o anteprojeto de Clovis Bevilaquaque, por seu turno, fora influenciado pela técnica então adotada naEuropa, mormente pelo Código Civil alemão de 1896. Este ostentava umalei de introdução, situada no final do mesmo.

O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, promulgou a Lei deIntrodução (LICC), que, revogando a Introdução original, entrou emvigor em 24 de outubro do mesmo ano. A LICC, que vige até hoje,fundamentou-se no projeto de reforma preparado por comissão compostapor Filadelfo Azevedo, Hahnemann Guimarães e Orozimbo Nonato.

A resolução do Congresso Jurídico Nacional de Fortalezapropugnando, pela reforma da LICC sensibilizou o Governo Federal que,pelos Decretos números 51.005/61 e 1.940/62, encarregou o ProfessorHaroldo Valladão da preparação de um anteprojeto. No trabalho,entregue em janeiro de 1964, o referido professor, consoante ele próprio odisse, buscou soluções justas, brasileiras e consentâneas com o progresso

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contemporâneo, soluções essas hauridas na doutrina e jurisprudênciapátrias, bem como no direito comparado. Preferiu o relator projetar umalei autônoma, inspirada no ideário de Teixeira de Freitas, que abrangia“matérias superiores a todos os ramos da legislação”.

Comissão revisora, composta por Luiz Galloti, Oscar Tenório e opróprio Valladão, aprovou o anteprojeto com algumas emendas em 1970.

Várias vicissitudes fizeram com que o projeto não vingasse.Reapresentado, em 1984, pelo Senador Nelson Carneiro, como Projeto deLei nº 264/84, acabou por ser arquivado. O quarto de século transcorridodesde a elaboração do anteprojeto e as mudanças legislativassupervenientes, com a consequente obsolescência de vários dos artigosdo anteprojeto, certamente contribuíram para isso.

No encerramento do I Congresso Brasileiro de Direito InternacionalPrivado, realizado em 1987, em Belo Horizonte, foi aprovada,unanimemente, moção urgindo o Governo Federal a nomear comissão dejuristas para elaborar anteprojeto de lei que viesse a substituir a LICC. Apreocupação em substituir essa lei vem-se observando, igualmente, noseio da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como em diversos trabalhosdoutrinários publicados.

Consciente da urgência em substituir-se a, já de há muito, inadequadaLICC, o Senhor Ministro de Estado da Justiça, Alexandre de PaulaDupeyrat Martins, nomeou, por intermédio da Portaria nº 510, de 22 dejulho de 1994, Comissão para elaborar anteprojeto de lei substitutivo damesma.

A referida Comissão preparou um projeto em que procurou,fundamentalmente, atualizar a LICC. Não houve a preocupação deabrangência e magnitude, própria do anteprojeto Valladão, vez que aintrusão em outras disciplinas jurídicas talvez tenha sido uma das causasde seu insucesso. Sendo lex legum, optou a Comissão por uma leiautônoma denominada Lei de Aplicação das Normas Jurídicas, deixandode lado a qualificação geral adotada por Valladão, visto que ageneralidade é atributo de qualquer lei. Com o intuito de melhor agruparos assuntos compreendidos pelo projeto, as matérias são divididas em

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três capítulos, sendo o mais longo subdividido em seções.Com relação à norma jurídica em geral, parcimoniosas foram as

modificações propostas aos atuais dispositivos da LICC, limitando-se aproposta a sistematizar as regras existentes e a suprimir normas tornadasdesnecessárias.

No que tange ao Direito Intertemporal, procurou-se corrigirinadequações e falhas da LICC. Assim, além de proporcionar um conceitode direito adquirido assentado na melhor doutrina, o projeto trata deregular questões importantes, como a do efeito imediato e a dos direitosdependentes de prazo.

Relativamente às regras do direito internacional privado contidas naLICC, o projeto somente as altera quando necessário para atender àsconquistas da jurisprudência e da doutrina, bem como para conciliar odireito internacional privado brasileiro com o direito internacionalprivado uniformizado, criado por tratados e convenções.

O projeto consagra o princípio da autonomia da vontade em direitointernacional privado, princípio já tradicional na doutrina brasileira eacolhido em diversas convenções europeias e em recente convençãointeramericana. Consoante o mesmo, as partes de um contratointernacional possuem, via de regra, o direito de escolher a lei a seraplicada às suas relações jurídicas.

Uma das conquistas do moderno direito internacional privado é aregra que manda aplicar às obrigações contratuais a lei do país quetenha vinculação mais estreita com a avença entre as partes. Essa normaestá consubstanciada nas mais recentes convenções europeias einteramericanas, influenciadas proximamente pelo direitonorteamericano e remotamente pela filosofia de Friedrich Carl vonSavigny. Representa essa regra um amálgama de inúmeras teoriaslançadas ao longo dos últimos dois séculos no continente europeu e nasAméricas, em que os jusinternacionalistas esforçaram-se na busca deuma fórmula que orientasse o juiz na escolha da lei aplicável em questõesinternacionais. A sede da relação jurídica’, seu ‘centro de gravidade’,deve ser a lei que tenha como o caso ‘the most significant relationship’,

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ou seja aquela mais pertinente ao vínculo legal estabelecido entre aspartes.

O projeto estende o preceito em tela para além das obrigaçõescontratuais, propondo aplicá-lo também às obrigações por atos ilícitos eao direito de família. Por analogia poderá ser aplicado, sempre que nãoprevista solução específica.

Outra inovação do projeto é estender o princípio domiciliar aalgumas questões que a LICC restringe a brasileiros. Entendeu-seapropriado manter coerência no direito de família e no direito dassucessões, em que, as mesmas regras de conexão e, às vezes, de proteção,devem-se aplicar a todas as pessoas domiciliadas no País, e não limitá-las a brasileiros.

O projeto propugna a alteração da regra da LICC sobre o reenvio.Seguindo a tendência majoritária da doutrina pátria, ficará o juizbrasileiro autorizado a aplicar a lei que for indicada pela lei designadacompetente por nossas regras de conexão.

Como já salientado, adverte-se que foram parcimoniosas asmodificações propostas para os dispositivos que, na LICC, disciplinam amatéria abrangida pelos arts. 1º a 4º do projeto. Inspirou esseprocedimento conselho há muito recolhido em lição do Ministro VictorNunes Leal: ‘Tal é o poder da lei que a sua elaboração reclamaprecauções severíssimas. Quem faz a lei é como se estivesseacondicionando materiais explosivos’ (Problemas de Direito Público, Rio,Forense, 1960, p. 8).”

Com relação ao art. 1º, “o texto, em redação direta, afirma, desdelogo, o essencial, que é a regra da entrada em vigor da lei na data dapublicação, deixando para a oração seguinte a ressalva, que na LICCabre o dispositivo. De igual modo, logo na abertura, reafirma o princípioda continuidade da lei, que é editada para durar, mas pode, pordisposição dela própria, restringir seu tempo de vigência, ou tê-loalterado ou extinto por lei posterior.

Como a segunda parte do dispositivo abrange a matéria hojeregulada no art. 2º, caput, da LICC, esse preceito desaparece, assim como

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o § 2º do texto em vigor, que se tem por desnecessário e causador decontrovérsias. A regra de revogação por incompatibilidade ministra ocritério que deverá nortear o intérprete para dizer se a lei posterior,independentemente de ser especial ou geral, mantém ou revoga asdisposições preexistentes.

Art. 1º, § 1º: Traz como novidade apenas a supressão da hipótese,prevista na LICC – art. 2º, § 1º, última parte – de a lei posterior revogara anterior quando regule, inteiramente, a matéria de que tratava aquelalei anterior.

Entende-se que a regra de revogação expressa e da revogação porincompatibilidade é mais segura, dispensando-se o intérprete-aplicadorda tarefa de mensurar a extensão normativa, tanto da lei anterior, quantoda posterior.

Art. 1º, § 2º: A redação proposta visa a tratar o problema darepristinação em linguagem clara, direta e pedagógica. Quando olegislador quiser restaurar a vigência da lei já revogada, deverá fazê-lode modo expresso, para não suscitar dúvidas, nem incertezas. Emverdade, como se sabe, a repristinação não é o ressuscitamento da leimorta, mas a emanação de lei nova, a que se dá o mesmo conteúdonormativo de lei que vigorou no passado, e que volta a ter vigência, masdoravante e não a partir do passado. Forma abreviada de legislar, arepristinação, em tese, não deve ser utilizada. Daí o tratamento restritivono projeto.

Art. 1º, § 3º: A redação funde – na verdade, reduz a uma – as hipótesesprevistas nos §§ 3º e 4º do art. 1º, da LICC. A diferença, hoje consagrada,entre lei já publicada, mas ainda não vigorante, e lei que já se encontraem vigor, não parece deva ser mantida, pois tanto faz republicar texto queainda não se acha em vigor, quanto texto já vigorante. Num caso, comono outro, o que importa, para a segurança jurídica, é que qualquerrepublicação seja considerada como novidade normativa e, assim, nãopossa surpreender retroativamente o cidadão. Com isso se evitam osproblemas das falsas correções de textos legais, vigentes ou ainda porvigorar.

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Afastada a regra da vacatio legis, com a nova redação dada ao caputdo art. 1º e a supressão dos seus §§ 1º e 2º, o que resta de substancial é aregra do § 3º do art. 1º da LICC. Se a própria lei estabelecer prazo devacatio para entrar em vigor ou, mais propriamente, para se tornareficaz, e vier a ocorrer a republicação do seu texto, este e não o anterioré que valerá como lei. Igualmente, se a lei se achar em vigor e forrepublicado o seu texto, para qualquer fim, inclusive correçõesefetivamente necessárias, o texto republicado e não o anterior é quevalerá como lei.

Art. 1º, § 4º: A norma visa a ressaltar que a lei, vigente a partir dapublicação, é desde logo plenamente eficaz, somente podendo ter a suaeficácia contida ou retardada se ela própria se autolimitar, declarando-sedependente de regulamentação. Mesmo assim, deverá a lei fixar prazopara a expedição do regulamento. Trata-se, então, de duas exigências,sem cujo atendimento a lei opera, de modo pleno desde a dataestabelecida para entrar em vigor. Ausente aquela declaração dedependência à regulamentação, ou não fixado prazo para a expedição doregulamento, tem-se que a lei é desde logo eficaz, assim como o será seesgotado o aludido prazo sem a adoção da aludida providência.

A proposta se inspira, mutatis mutandis, na regra contida no § 2º doart. 5º da Constituição, onde se diz que as normas definidoras dosdireitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, assim como nopreceito contido no § 2º do art. 103 da mesma Carta, que, ao disciplinar ainconstitucionalidade por omissão, confere ao STF o poder de notificarórgão administrativo, para que, em trinta dias, adote providênciasnecessárias à efetivação de normas constitucionais.”

No art. 2º “mantém-se, sem qualquer alteração, a norma do art. 3º daLICC, segundo a qual a ninguém é dado escusar-se de cumprir a lei,alegando que não a conhece, norma que é de natureza bilateral, ‘pois sedestina ao Estado e aos indivíduos, compelindo-os ao respeito legal,submetendo-os aos seus preceitos’, como anotado por Oscar Tenório (Leide introdução ao Código Civil Brasileiro, Rio, Borsoi, 1955, p. 94).

A primeira parte do art. 3º reproduz o texto da LICC, com ligeiras

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alterações redacionais, incorporando-lhe as regras constantes dos arts.113 do CPC 1939, e 106 do CPC 1973, atualmente em vigor.

Na segunda parte, o projeto atualiza a redação da LICC, com areferência a outras fontes ou formas de expressão do direito, agregando-lhe as normas consagradas, respectivamente, no art. 114, do CPC de1939, no art. 126, segunda parte, do CPC de 1973, assim como no art. 4º,da própria LICC.

Nesse ponto, o anteprojeto incorpora, com especial destaque, ajurisprudência e a doutrina, que constituem pautas de utilizaçãoobrigatória pelo intérprete-aplicador da lei, na medida em que servem aoprocesso de desenvolvimento do direito e, assim, permitem a formulaçãode soluções mais justas para os casos concretos.

Se é verdade que, num direito codificado, existem mais lacunas do quepreceitos legais e, se é, igualmente, verdadeiro, que não existe umahierarquia fixa entre os diversos critérios de interpretação, parece lícitoconcluir que a disponibilidade de várias fontes e de vários métodosaumenta a possibilidade, para o juiz, de construir decisões que, sobreserem corretas, serão forçosamente mais justas. A pluralidade de métodostorna-se um veículo da liberdade do juiz, como acentuado por KarlLarenz, em comentários às idéias de Martin Kriele sobre o afazer doaplicador do direito (Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa,Gulbenkian, 1978, p. 394).”

No art. 4º, “pretende-se introduzir alterações significativa em face dalei atualmente em vigor – art. 5º da LICC –, seja pela referência expressaà utilização da equidade, enquanto ‘justiça amoldada à especificidade deuma situação real’ (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, SãoPaulo, Saraiva, 1986, p. 295), seja pelo uso, deliberado, da palavradireito, a sinalizar para a diferença entre lei e direito, cada vez maisencarecida pelos juristas contemporâneos, comprometidos com arealização da idéia do justo e do legítimo, em contraposição ao ideáriopositivista, que identifica o justo com o simplesmente jurídico.

Lembremos, a propósito, a fecunda construção jurisprudencial levadaa cabo pelo Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha,

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em torno do art. 20.3, da lei Fundamental de Bonn – ‘o Poder Legislativoestá submetido à ordem constitucional; os Poderes Executivo eJudiciário, à lei e ao direito’ –, assim analisada por Karl Larenz: ‘nestafórmula se expressa que lei e Direito não são por certo coisas opostas,mas ao Direito corresponde, em comparação com a lei, um conteúdosuplementar de sentido’ (Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa,Gulbenkian, 1989, p. 446).

A referência, que se faz expressa, à necessidade de respeito aosfundamentos do direito, sinaliza o dever, que a todos se impõe, de nãoviolar a própria ordem jurídica, a pretexto de encontrar soluções justas,pois o sentimento de justiça do juiz, para encontrar receptividade eapoio, há de refletir a consciência jurídica geral, e não uma particularconcepção axiológica.

O art. 5º reafirma expressamente a regra de que a lei não terá efeitoretroativo com finalidade de obviar que a tradição de sete séculos dodireito luso-brasileiro e de mais de século e meio do direito brasileiroautônomo não se alterou, desde o preceito correspondente daConstituição imperial de 1824.

Com essa providência, resolve-se a dúvida de alguns escritores queprocuravam ver no princípio constitucional do respeito ao direitoadquirido um arrefecimento daquela norma fundamental, de ondeafirmarem, sem razão, que a lei pode ter aquele efeito desde que respeiteo jus adquisitum.

Ora, o princípio da Constituição de 1988, que vem desde a Introduçãode 1916 e da Constituição de 1934, é um plus em relação ao que constada Constituição imperial e da Constituição republicana de 1891; e nãouma sua derrogação. Acrescentando-lhe mais um elemento de garantia,não o abranda, mas, ao contrário, o confirma e reforça.

A regra, pois, não é a retroatividade, senão, como sempre, desde asleis da República romana, a irretroatividade.

O preceito – ‘Ela não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídicoperfeito e a coisa julgada’, é duplamente redundante, a despeito doproposto no projeto Coelho Rodrigues e adotado no projeto Bevilaqua.

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Na verdade, a referência apenas ao direito adquirido já forasuficiente, porquanto o ato jurídico perfeito deve seu respeito ao fato deser causa geradora do jus adquisitum, além do que a coisa julgada outracoisa não é senão uma espécie de ato jurídico perfeito.

Demais, há direitos adquiridos de outras fontes, como dos fatos quenão são atos, além dos oriundos diretamente da lei.

Não obstante, na lembrança oportuna de Haroldo Valladão, é essa a‘fórmula brasileira do direito intertemporal, arraigada a propíciastradições, incorporada ao linguajar do nosso cotidiano jurídico; e que,por isso, tem servido com oportunidade à divulgação e ao prestígio dessaverdadeira liberdade pública’.

O conceito de direito adquirido visou adrede substituir o textovigorante que, a despeito das respeitáveis origens, rigorosamente nãodefine a categoria em questão, conforme Limongi França (DireitoIntertemporal, 2ª ed., São Paulo. Revista dos Tribunais, 1968; e DireitoAdquirido e Irretroatividade das Leis, 4ª ed., São Paulo, Revista dosTribunais, 1994, pp. 227-237.

Sua estrutura tem base no texto de Bonifácio VIII, de 1382, de FelinusSandaeus, de 1500, na fórmula do vol. VIII do System de Savigny, nalição das Instituzioni de Pacifici-Mazzoni, e sobretudo, no conceito deGabba segundo a Teoria della Retroativitá delle Leggi (Milão, Turim,1891, Vol. I, p. 191), atendidas as críticas de Reynaldo Porchat(Retroatividade das Leis, 1906, e de Paulo de Lacerda (Manual do CódigoCivil, vol. I, 1927).

Tem merecido a acolhida e o aplauso de juristas de prol, dentro e forado Brasil, especialmente do Professor Federico Roselli, que o consideraválido “non solo al diritto brasiliano ma anche allo ius conmuneomnium” (Direito Adquirido…, cit., prefácio).

Direito a termo é aquele que depende de acontecimento futuro ecerto, ao passo que sob condição é o subordinado a evento, tambémfuturo, mas – incerto.

Claro está que se o termo é ad quem, não há cogitar de qualquer

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problema quanto à caracterização de direito adquirido.Mas não se passa de modo diverso na hipótese de termo a quo, pois o

próprio art. 123 do Código Civil, reproduzindo regra do direito dasgentes, esclarece que o termo inicial suspende o exercício, mas não aaquisição do direito.

Já, no que concerne às condições, a matéria não se apresenta de igualmodo pacífica; mas, com fundamento em estudos realizados ao longo demais de três décadas, divulgados em obras especializadas sobre o assunto(R. Limongi França, Direito Intertemporal, cit., 1968, pp. 452-61; DireitoAdquirido…, cit., pp. 246-52), reitera-se a orientação (a qual, entreoutros mestres, encontra estribo em Bevilaqua) no sentido de reconhecera patrimonialidade dos direitos condicionados e, pois, atendida aregularidade da respectiva constituição, o caráter de direito adquirido.

De outra parte, é bem de ver a inadequação da correspondentereferência, feita nos textos das introduções de 1916 e 1942, em meio a umalmejado conceito legal de direito adquirido, onde faltam elementosessenciais e abundam referências impertinentes.

Os conceitos de ato jurídico perfeito e de coisa julgada são osmesmos consagrados no projeto Coelho Rodrigues, no projeto Bevilaqua,nas Introduções de 1916 e 1942, escoimados dos excessos de palavrasque pareceram inúteis.

De outra parte, não houve razão para os suprimir”O projeto não repete, no art. 6º, como na LICC, que “a lei terá efeito

imediato e geral”.“A lei é, por si, uma regra geral, – commune praeceptum”, na

definição de Papiniano. E o efeito imediato é uma virtude natural da lei,o que já vem sendo compreendido desde que se definiu com precisão alinha divisória entre os campos da lei nova e da lei antiga; a saber, desdeos gregos da fase clássica, mas principalmente com as primeiras leis daRepública romana, no primeiro século antes de Cristo, quando se passoua utilizar a expressão post hanc legem.

A partir daí, desenvolveu-se gradativamente a matéria, de tal forma

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que a respectiva referência se vai clareando ao longo dos séculosespecialmente na 2ª Regra teodosiana de 440, de Teodosio II eValentiniano III, inserta no Digesto justinianeu, de 530, onde se referemos negotia pendentia; no Código visigótico, onde o monarca usa daexpressão “secundum has leges determinari sancimus”; na doutrina doséculo XIX, especialmente com Pacifici-Mazzoni; e na do século XX,particularmente, com as obras dos autores franceses.

Conforme foi ficando assentado, ao longo de uma evolução de doismilênios, em relação ao efeito imediato, cumpre distinguir inicialmentetrês espécies de fatos: os facta praeterita, os facta futura e os factapendentia.

Os facta praeterita – os fatos passados – concernem ao domínio dalei antiga; enquanto os facta futura, – fatos futuros – dizem respeito aoda lei nova.

Já quanto aos facta pendentia – fatos pendentes – é de mister umaoutra distinção, a saber, entre partes anteriores e partes posteriores.

Estas últimas respeitam, igualmente, ao campo da lei nova, mas asoutras, ao seu turno, se situam no âmbito do mandamento da lei antiga,de tal forma que a lei nova não as pode atingir sem incorrer naretroatividade.

Não obstante, é preciso que, para tanto, sejam partes autônomas oucindíveis, já consumadas, isto é, de algum modo subsistentes por simesmas, sem o que constituiriam outros tantos facta pendentia. É o casodo testamento, na hipótese de herança testamentária, colhido por leinova, depois de efetivado, antes da morte do testador. Do mesmo modo, odireito ao recurso, adquirido com a publicação da sentença, sendo oprocesso posteriormente atingido por lei que o tenha suprimido, como sedeu com o recurso de revista, ao advento do CPC de 1973.

O preceito projetado no art. 7º colima solucionar a magna questãoconcernente ao denominado direito de aquisição sucessiva, a saber, pordefinição, aquele que se obtém mediante o decurso de um lapso detempo.

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A discussão aviventou-se quando da publicação do Código Civil, porisso que, em meio às respectivas disposições, preceitos houve quedeterminaram encurtamento de prazos, como de certas prescrições.

O assunto, porém, é antigo.Dele cuidou Muller (Anotações ao Syntagma de Struvius, Frankfurt,

1692, vol. I, p. 67) propondo que, na hipótese, lex trahitur ad praeterita.Em contrário, o art. 2.281 do Código Napoleão manda aplicar-se a leinova.

Ora, conforme se tem assinalado, enquanto a adoção do ensinamentodaquele neo-glosador levaria a ignorar a patrimonialidade do prazodecorrido, o texto francês traz, no bojo, a incongruência de consideraradquirido um direito cuja perfeição esteja na dependência de elementosainda não verificados.

Critérios outros propostos ao longo destes anos, quer na doutrina,quer na jurisprudência, se apresentam artificiais, insatisfatórios e lesivosde interesses de alguma das partes implicadas na aquisição em curso.

De onde a solução proposta, por isso que atende ao direito das partesem geral, como por exemplo, na hipótese de prescrição, ao direitoadquirido, do prescribente, quanto ao prazo já escoado, bem assim ao doprescribendo, quanto ao lapso por escoar.”

No art. 8º “mantém-se a regra da conexão domiciliar para apersonalidade, o nome e a capacidade jurídica da pessoa individual epara o direito de família, regra esta que vem sendo adotada por todos ospaíses de imigração, inclusive pelo Brasil, na LICC; a residência comoconexão subsidiária também é mantida, mas, diversamente da LICC, ela édividida em residência habitual e residência atual, conforme a modernaorientação consubstanciada em diversas convenções da Haia e daCIDIP”.

O parágrafo único substitui a dependência da criança e doadolescente a seu pai, para efeito do domicílio (LICC, art. 7º, § 7º), pelado domicílio de seus pais. Tendo, estes, domicílios diversos, aplicar-se-áao incapaz a lei que lhe for mais benéfica.

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A atual legislação brasileira sobre direito internacional privadoprima pelas regras bilaterais, de caráter universal, diversamente datradição francesa de estabelecer preceitos unilaterais, voltadosexclusivamente para a aplicação da lei francesa. No anteprojeto leva-seesta bilateralização mais adiante, ao dispor no § 1º, que as formalidadesde celebração do casamento obedecerão às leis do local de suarealização, em substituição à regra do § 1º do art. 7º da LICC, que dispõeque o casamento realizado no Brasil tem suas formalidades de celebraçãoregidas pela lei brasileira. A lex loci celebrationis se aplica em caráteruniversal, pois o Brasil sempre reconheceu casamentos celebrados noexterior, desde que observadas as formalidades do local de suarealização, haja vista a regra do art. 204 do Código Civil de 1916, quedispunha que o ‘casamento celebrado fora do Brasil prova-se de acordocom a lei do país onde se celebrou’.

O reconhecimento da validade formal do casamento celebrado naconformidade da lei do local em que se realizou está consagrado emvárias convenções firmadas em diferentes épocas e lugares. A Convençãoda Haia de 1902 sobre casamentos (art. 5º), o Código Bustamente (art.41), os Tratados de Direito Civil de Montevidéu de 1889 e de 1939 (arts.11 e 13, respectivamente, e a Convenção da Haia de 1978 sobre validadee reconhecimento de casamentos (art. 2º), todos fixam regra da validadeuniversal de casamento realizado conforme a lei do local de suacelebração. François Rigaux (Droit International Privé, Bruxelas, F.Farcier, 1979, vol. II, p. 253, ensina que, na Bélgica, é imperativorespeitar a lex loci celebrationis em matéria de formalidades, seguindo,nisto, a doutrina francesa majoritária. Esta também tem sido aorientação da doutrina brasileira, conforme Oscar Tenório (DireitoInternacional Privado, 11ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1976, vol.II, p. 66) e Haroldo Valladão Direito Internacional Privado, Rio deJaneiro, Freitas Bastos, 1977, vol. II, pp. 64 e 73. Daí o disposto no § 1ºdo projeto.

O projeto não reproduz o § 1º do art. 7º da LICC, que determina aaplicação da lei brasileira para regular os impedimentos dirimentesquando o casamento se realiza no Brasil. A doutrina havia alertado que,

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como o caput do art. 7º da LICC vincula a capacidade da pessoa e osdireitos da família à lei do seu domicílio, evidentemente que osimpedimentos dirimentes dependerão desta lei, devendo-se entender queo § 1º pretende somar a obediência à lei brasileira às regras sobreimpedimentos da lei domiciliar de cada cônjuge. Tratava-se,evidentemente, de uma preocupação com a realização de um casamentono Brasil que fosse atentatório a algum impedimento dirimente defundamental importância para a ordem pública brasileira, que devesseser respeitado por cônjuges domiciliados no exterior, e que aquicontraíssem núpcias. Segundo o projeto, este risco está prevenido com aregra geral sobre a ordem pública, inserida em seu art. 20, daídesnecessário exigir que o casamento realizado no Brasil obedeça àsregras de nossa legislação sobre os impedimentos dirimentes.Basicamente, os nubentes obedecerão às suas leis pessoais, conforme ocaput do art. 8º, e qualquer atentado a uma regra fundamental de nossodireito de família será obstado pelo princípio da ordem pública.

O § 1º do art. 9º visa a corrigir uma anomalia existente no direitomatrimonial brasileiro: para todos os casamentos celebrados no Brasilexige-se a publicação de proclamas, e em caso de nubentes que residemem circunscrições diversas do Registro Civil, em uma e em outra sepublicarão os editais (Lei de Registros Públicos, art. 67, § 4º); noentanto, os brasileiros que casam no exterior podem transladar orespectivo assento no cartório do 2º Ofício de seus domicílios (Lei deRegistros Públicos, art. 32, § 1º), sem nenhuma exigência quanto àpublicação de proclamas. O anteprojeto exige que os que contraemmatrimônio no exterior cumpram as formalidades habilitantes reguladasno Código Civil. Segue-se, neste particular, a lição de Clovis Bevilaqua,Princípios Elementares de Direito Internacional Privado, 3ª ed., Rio deJaneiro, Freitas Bastos. 1938, p. 291, orientação endossada por OscarTenório (ob. cit., p. 62. nº 787). Idêntica regra é encontrada no CódigoCivil francês, art. 170. A jurisprudência francesa chegou a qualificarcertos casamentos de franceses celebrados no exterior sem préviapublicação de proclamas na França como casamentos clandestinos(Loussouarn e Bourel, Droit International Privé, Paris, Dalloz, 1978, p.

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390 e Pierre Mayer, Droit International Privé, Paris, Montcheristien,1977, p. 401). Dispõe o anteprojeto que estas formalidades, em não sendocumpridas antes das núpcias, deverão sê-lo após as mesmas, haja vista oque se permite em matéria de casamento religioso com efeitos civis, queprevê a possibilidade de habilitação posterior (Lei nº 1.110, de 23 demaio de 1950, art. 4º).

Este parágrafo amplia a possibilidade de trasladar o registro decasamento celebrado no estrangeiro, no registro civil brasileiro, eis que aLei de Registros Públicos só trata de brasileiros enquanto que noanteprojeto as pessoas domiciliadas no Brasil também podem valer-sedesta faculdade, pois se o direito matrimonial é regido pela leidomiciliar, não há razão para diferenciar brasileiros de estrangeirosdomiciliados, quanto ao traslado, no registro local, de casamentoscelebrados no exterior, traslado esse que visa a facilitar a prova dasnúpcias celebradas em outro país.

O § 2º do art. 9º dispõe que as pessoas domiciliadas no exterior, quese casarem no Brasil terão sua capacidade matrimonial regida por sua leipessoal. Observe-se que, enquanto a celebração do matrimônio é regidapelas formalidades da lei do local em que se realiza – § 1º – já acapacidade matrimonial constitui matéria de estatuto pessoal que, naconformidade com o art. 8º é regida pela lei domiciliar (Clovis Bevilaqua,ob. cit., p. 283 e Oscar Tenório, ob. loc. cits., invocando o CódigoBustamante, art. 37).

Mantém-se, nos §§ 3º e 4º, a competência dos cônsules brasileirospara celebrar núpcias entre brasileiros no exterior, bem como os demaisatos de registro civil e de tabelionato, constantes no art. 18 da LICC,acrescentando-se, tão-somente, a obrigação de atender as formalidadeshabilitantes do matrimônio, na forma prevista no § 2º.

Com a abolição do direito civil brasileiro da figura masculina dechefe de família, não há mais como estender o domicílio do varão aooutro cônjuge, como disposto no § 7º do art. 7º da LICC, e, considerandoque, no mundo moderno, existem casais que mantêm domicílios diversos,introduziu-se para esta hipótese, no § 5º, a regra de que, aos efeitos

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pessoais do casamento, se aplica a ‘Lei que com os mesmos tiver vínculosmais estreitos’, regra de conexão instituída no direito dos contratos pordiversas convenções – e também inserida no art. 12 do presente projeto –cuja aplicação é perfeitamente cabível para os efeitos pessoais docasamento de cônjuges com domicílios diversos, conforme disposto noart. 4º da Lei de Direito Internacional Privado suíça de 1987 e no art. 14,(1) 3 da Introdução ao Código Civil da Alemanha, de acordo com areforma de 1986.

Esse dispositivo dá, ao aplicador da lei, várias opções defundamentação: 1. lei do primeiro domicílio conjugal; 2. lei do últimodomicílio comum dos cônjuges; 3. lei do foro; 4. outra lei apropriada àhipótese. A opção terá sempre em vista aplicar o sistema jurídico quetenha vínculos mais estreitos com a específica questão de direitospessoais dos cônjuges a ser resolvida.

Com referência ao art. 10 do Projeto “o § 4º do art. 7º da LICCdetermina, para o regime de bens, a aplicação da lei do país em quetiverem os nubentes domicílio e, se este for diverso, a lei do primeirodomicílio conjugal; critério idêntico ao do art. 187 do CódigoBustamante. Cá, segundo o projeto, mesmo no caso de nubentes com omesmo domicílio conjugal em outro país, deve-se aplicar a seu regime debens a lei desse país, pois o estabelecimento de um domicílio conjugalrepresenta manifestação da vontade dos nubentes de se submeter à lei aívigente. A preponderância da lei do primeiro domicílio conjugal sobre odomicílio comum dos cônjuges à época do casamento consta doanteprojeto do Professor Haroldo Valladão (art. 36) e figura naConvenção da Haia de 1978 sobre a Lei aplicável ao RegimesMatrimoniais (art. 4º).

Faz-se uma ressalva, no projeto, de caráter unilateral, para os benssituados no Brasil, que venham a ser adquiridos após a transferência dodomicílio conjugal para o país. Em vários casos de estrangeiros casadosno exterior pelo regime da separação de bens e que vieram a se radicarno Brasil, o STF aplicou o art. 259 do Código Civil então vigente, –comunhão de aquestos mesmo onde o regime não seja o da comunhão de

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bens –, tendo invocado a Súmula 377 – ‘No regime de separação legal debens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento’. Oprojeto faz uma importante distinção: enquanto os estrangeirospermanecem domiciliados no exterior e investem no Brasil, aquiadquirindo bens, o regime legal estabelecido na conformidade da lei deseu primeiro domicílio conjugal deve vigorar sobre estes bens, mas, apartir do momento em que transferem seu domicílio conjugal para oBrasil, os bens que vierem a adquirir, comunicar-se-ão na conformidadeda aludida jurisprudência.

Quanto ao regime convencional, estabelece o parágrafo único orespeito pelo regime de bens fixado, por convenção dos nubentes, deacordo com a lei competente. Ressalva-se o direito dos que transferiremseu domicílio conjugal para o Brasil, de adotar qualquer dos regimes debens admitidos no Brasil, na forma e de acordo com o § 2º do art. 1.639do Código Civil. Na LICC esta alteração só é facultada aos estrangeirosque se naturalizam (art. 7º, § 5º), enquanto que o projeto, no desideratode generalizar a aplicação do princípio domiciliar, como já observadoacima, estende esta faculdade a todos os casais, a partir do momento emque fixam seu domicílio conjugal no Brasil.”

O art. 11 do projeto mantém a regra da lei do local dos bens (lex reisitae) que figura na LICC, art. 8º, substituindo ‘relações a elesconcernentes’ a que alude este dispositivo, por ‘direitos reais a elesrelativos’ porque as relações entre partes com referência a bens podemreger-se pela regra de conexão estabelecida para as obrigações no art.12 do projeto, conforme a clássica distinção entre questões in re e adrem. As regras de conexão para o regime de bens (art. 10) e para aherança (art. 14) não são afetadas pela regra relativa aos bens, previstasneste artigo, pois, conforme Espínola e Espínola (A Lei de Introdução aoCódigo Civil Brasileiro comentada na ordem dos artigos, Rio de Janeiro,Freitas Bastos, 1944, vol. 2º, p. 451): ‘quando os bens são consideradoscomo elementos de uma universalidade, como partes integrantes de umainstituição, escapam, na generalidade dos sistemas legislativos, àcompetência normal da lex rei sitae’.

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O projeto distingue entre bens imóveis e móveis, sendo estes regidospela lei mais próxima, facilitando a decisão judicial. Não especificaregra própria para bens móveis em trânsito, como consta na LICC,seguindo a orientação da Lei italiana de 1942 (art. 22) e do Tratado deDireito Civil de Montevidéu, de 1940 (art. 32), bem como a crítica deHaroldo Valladão à LICC (ob. cit., vol. 2, 2 ed., p. 163).”

Relativamente ao art. 12 do projeto, “debateu-se no regime da LICCos contratantes têm liberdade de escolher a lei aplicável para suasavenças, uma vez que o legislador não incluiu disposição expressa arespeito, como se vê em Irineu Strenger Autonomia da Vontade emDireito Internacional Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1968,principalmente às pp. 193 e ss. Haroldo Valladão interpretava o § 2º doart. 9º (‘A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída nolugar em que residir o proponente’) como indicadora de que a regra sebaseia em uma presunção, daí o termo reputa-se, do que deduzia que apresunção cessa se e quando as partes elegem lei aplicável ao contrato.Esta posição não conquistou unanimidade, mas pode-se afirmar que atendência da moderna doutrina brasileira é no sentido de admitir aautonomia das partes contratantes para fixar a lei a ser aplicada.

No mundo contemporâneo, a liberdade das partes para fixar a leiaplicável está consagrada nas mais importantes convenções de direitointernacional privado – Convenção de Roma sobre Lei Aplicável àsObrigações Contratuais, de 1980 (art. 3º), Convenção da Haia sobre aLei Aplicável à Compra e Venda de Mercadoria, de 1986 (art. 7º), eConvenção Interamericana sobre Direito Aplicável às ObrigaçõesContratuais, México, 1994 (art. 7º), esta assinada pelo Brasil. MarioGiuliano e Paul Lagarde, falando sobre o art. 3º da Convenção de Roma,assinalam que a norma consoante a qual o contrato é regido segundo alei escolhida pelas partes constitui ‘uma reafirmação da regraconsagrada atualmente no direito internacional privado de todos osEstados membros da Comunidade, bem assim da maioria dos direitos dosoutros países’ (Journal Officiel des Communautés Européennes, 31.10.80,C 282, p. 15). Resolução do Institut de Droit International (Basiléia,1991) acolheu a autonomia da vontade das partes em contratos

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internacionais firmados entre pessoas privadas (Revue Critique de DroitInternational Privé, 1992, p. 198).

O projeto seguiu basicamente a ideia contida na Convenção doMéxico de 1994, assinada pelo Brasil, cujo art. 7º dispõe: ‘O contratorege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobreesta escolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência de acordoexpresso, depreender-se de forma evidente da conduta das partes e dascláusulas contratuais, consideradas em seu conjunto. Essa escolhapoderá referir-se à totalidade do contrato, ou a uma parte do mesmo. Aeleição de determinado foro pelas partes não implica necessariamente aescolha do direito aplicável’.

Assim, dispõe o art. 12 do Projeto, no seu caput ‘As obrigaçõescontratuais são regidas pela lei escolhida pelas partes. Essa escolha seráexpressa ou tácita, sendo alterável a qualquer tempo, respeitando osdireitos de terceiros’.

Também interessa reproduzir o art. 8º da mesma Convenção: ‘Aspartes poderão, a qualquer momento, acordar que o contrato seja total ouparcialmente submetido a um direito distinto daquele pelo qual se regiaanteriormente, tenha este sido ou não escolhido pelas partes. Nãoobstante, tal modificação não afetará a validade formal do contratooriginal nem os direitos de terceiros’.

Segue-se o mais importante em matéria de contratos internacionais –a lei aplicável na inexistência de escolha das partes. Novamente o projetoinspira-se na orientação das convenções internacionais já referidas,seguindo mais de perto a Convenção do México de 1994, mais clara emais precisa que a Convenção de Roma.

O projeto formulou a regra contida no § 1º do seu art. 12, de formamais concisa do que a redação constante no art. 9º da Convenção doMéxico, mas o preceito de que o contrato se rege pela lei do país com oqual mantenha os vínculos mais estreitos reflete perfeitamente a regramais detalhada da Convenção que se encontra assim redigida: ‘Nãotendo as partes escolhido o direito aplicável, ou se a escolha do mesmoresultar ineficaz, o contrato reger-se-á pelo direito do Estado com o qual

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mantenha os vínculos mais estreitos. O tribunal levará em consideraçãotodos os elementos objetivos e subjetivos que se depreendam do contrato,para determinar o direito do Estado com o qual mantém os vínculos maisestreitos. Levar-se-á, também, em conta os princípios gerais do direitocomercial internacional aceitos por organismos internacionais. Nãoobstante, se uma parte do contrato for separável do restante do contratoe mantiver conexão mais estreita com outro Estado, poder-se-á aplicar aesta parte do contrato, a título excepcional, a lei desse outro Estado’.

Assim, o projeto integra-se no moderno direito internacional privadouniformizado, que, após muitos anos de incertezas, optou pela fórmulaque manda aplicar a lei do país com o qual o contrato mantém osvínculos mais estreitos.

As outras soluções, i.e., a lei do país onde a obrigação se constituiu(LICC, art. 9º) ou a lei do país onde o contrato deva ter cumprido(solução do DIP francês), não são satisfatórias em todos os casos. Asolução ora proposta deixa o julgador livre para escolher a lei com aqual o contrato esteja mais vinculado, quer entre as duas acima referidas,quer qualquer outra.

Ainda seguindo a orientação das já referidas convenções, o § 2º doart. 11 do projeto dispõe que, quando uma parte do contrato for separáveldo restante e mantiver conexão mais estreita com a lei de outro país, estapoderá ser aplicada em caráter excepcional, conforme conhecidadoutrina de direito internacional privado que admite a dépeçage:aplicação e vários sistemas jurídicos aos contratos “plurilocalisés” naexpressão de Batiffol e Lagarde (Droit International Privé, Paris, LGDJ,1983, Tomo II, nº 574, p. 274).

O § 3º versa a forma dos atos e dos contratos, determinando suaregência pela lei do lugar de sua celebração, em obediência à secularregra locus regit actum. Também aqui, seguindo o princípio da lexvoluntatis, admite-se a adoção pelas partes de outra forma aceita emdireito.

A LICC prevê, no § 2º do art. 9º, que, ‘destinando-se a obrigação a serexecutada no Brasil e dependendo da forma essencial, será essa

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observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aosrequisitos extrínsecos do ato’. A parte final do dispositivo aceita aregência da forma pela lei do local de celebração do ato, mas a primeiraparte do preceito criou dúvidas e divergências, eis que jamais seconseguiu esclarecer exatamente a que ‘formas essenciais’ o legisladorse refere.

Assim, se um imóvel situado no Brasil for vendido ou hipotecado noexterior por instrumento particular, há dúvida sobre se o documentopoderá ser registrado, para valer contra terceiros no País. Divide-se adoutrina a este respeito: ‘forma essencial’ incluiria a obrigação legal detais atos serem firmados por instrumento público (Amílcar de Castro,Direito Internacional Privado, Rio de Janeiro, Forense, 1977, nº 230, pp.424-5), ou referir-se-ia à imprescindibilidade do registro, aceitando-se,todavia, que o documento a ser registrado se materializasse, noestrangeiro, pelas formas usuais no local onde firmado (ClovisBevilaqua, ob. cit., p. 250).

O § 4º do art. 12 do projeto espanca a dúvida ao dispor que oscontratos realizados no exterior sobre bens situados no País, ou direitosa eles relativos, poderão ser efetuados na forma escolhida pelas partes,devendo ser registrados no Brasil de acordo com a legislação brasileira.

No art. 13, cuidou-se das obrigações por atos ilícitos tendo em visaque “a clássica regra lex loci delicti causou divergência doutrinária ejurisprudencial, em virtude de possibilitar a aplicação, nas obrigaçõesdecorrentes de atos ilícitos, tanto da lei do local onde o ato foi cometido,quanto da lei do local onde se fizeram sentir os respectivos danos. Adúvida manifestou-se principalmente em casos de difamação através demeios de comunicação e de indenização por acidentes aeronáuticos.

Uma notícia veiculada em um órgão jornalístico publicado emdeterminado país poderá afetar a honra, a reputação financeira depessoa domiciliada ou de companhia sediada em país distante, assimcomo um acidente aeronáutico em um país poderá originar-se de defeitode fabricação ocorrido em outro país. A Corte de Cassação francesadecidiu pela aplicação da lei do país onde o dano se verificou, enquanto

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que o Bundesgerichtshof optou pela lei mais favorável à vítima (Journalde Droit International, 1984, respectivamente pp. 123 e 164). NoRestatement of Conflict of Laws Second, que norteia o direito conflitualnorteamericano, encontra-se a conhecida regra da ‘most significantrelationship’ – o sistema jurídico mais significativamente relacionadocom o fato e as partes envolvidas. A regra 145 do citado Restatementrecomenda a consideração das circunstâncias abaixo, que devem seravaliadas conforme sua importância em relação ao caso concreto: 1. olocal onde o dano ocorreu; 2. o local onde foi praticada a condutadanosa; 3. o domicílio, residência, nacionalidade, local da constituição elugar dos negócios das partes, e 4. o local onde está centrada a relaçãoentre as partes.

O projeto possibilita ao juiz brasileiro escolher entre a lei do paísonde se cometeu o ato danoso e a lei do país onde se materializou oprejuízo, norteando-se para tanto pelo princípio da vinculação maisestreita.

Em paralelismo com a regra do art. 10 sobre regime de bens –aplicação da lei do primeiro domicílio conjugal – o art. 14 do projetoconsagra a lei domiciliar do falecido para reger a sucessão. Tal regramantém o art. 10 da LICC.

Não convém exigir que um estrangeiro investidor no Brasil,domiciliado no exterior, deva submeter seu patrimônio local às leisbrasileiras, que garantem a legítima, proibindo a deserdação. Issoredundaria em desestímulo para os investimentos de capitais, etecnologia estrangeiros. O projeto considera que a norma brasileirasobre a legítima visa a proteger a família brasileira, nela incluídos osherdeiros estrangeiros aqui domiciliados, mas não se estende aosdomiciliados no exterior.

A exemplo da LICC, o projeto reproduz o mandamento do art. 5º,inciso XXXI, da Constituição Federal, que beneficia a viúva ou herdeirosbrasileiros. Embora o preceito constitucional só se refira à hipótese debens de estrangeiro, o projeto estende o benefício para a sucessão debrasileiro domiciliado no exterior. Assim evita-se o paradoxo de ser a

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sucessão de estrangeiro domiciliado no Exterior mais benéfica à viúva eaos filhos brasileiros, do que a sucessão de brasileiro domiciliado noexterior, que ali vem a falecer, deixando bens e herdeiros brasileiros.

O projeto inclui, no benefício constitucional, a proteção de viúva efilhos domiciliados no Brasil, independentemente de sua nacionalidade,seguindo o espírito do art. 3º do Código Civil de 1916, que, de acordocom o princípio da continuidade das leis, mantém-se em vigor.”

O art. 15, ao tratar da aplicação do Direito Estrangeiro, leva emconsideração que ‘a doutrina pátria aceita pacificamente que as regrasde conexão indicadoras de aplicação de leis estrangeiras constituemdireito positivo brasileiro a que o julgador está adstrito’. Como diz OscarTenório (ob. cit., vol. I, p. 145): ‘o juiz tem o dever de aplicar o direitoestrangeiro em virtude de determinação da lex fori. No sistema anglo-americano, o direito estrangeiro é considerado como fato e não como lei.Consoante jurisprudência majoritária da Corte de Cassação francesa, ojuiz tem a opção de aplicar ou não a lei estrangeira, quando as partesnão a invocam. Como afirma Valladão, diverso é o sistema brasileiro: ‘alei estrangeira é lei, é direito e não fato, estando superada a antigaposição discriminatória, de sua inferioridade à lex fori, de que somenteesta seria direito, seria lei. É o princípio da equiparação dos direitos, daigualdade entre o direito estrangeiro e o nacional…’ (ob. cit., vol. I, p.465).

No sistema interamericano, seguindo o art. 408 do CódigoBustamante, a Convenção sobre Normas Gerais de Direito InternacionalPrivado, Montevidéu, 1979, em seu art. 1º, estabeleceu a obrigatoriedadeda aplicação da norma estrangeira determinada pela regra de conexãodo direito conflitual. O projeto estabelece a mesma norma ao determinara aplicação ex officio da lei estrangeira indicada pelas regras do DireitoInternacional Privado.

A segunda parte do dispositivo consagra a orientação de que o direitoestrangeiro deve ser aplicado, provado e interpretado como no país deorigem, coincidindo com o disposto no Código Bustamante, arts. 409 a411.

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No parágrafo único, fica mantido o disposto no art. 14 da LICC e noart. 337 do Código de Processo Civil, que possibilita ao juiz obtercolaboração das partes na comprovação do texto, vigência e sentido daLei estrangeira”.

Com relação, ainda, à aplicação do Direito Estrangeiro eestabelecendo, especificamente, a regra do reenvio, encontra-se o art. 16.

Até 1942, nossos tribunais aceitavam o reenvio que o direitointernacional privado de outro país fizesse à nossa lei. Assim, quando odireito internacional privado brasileiro mandasse aplicar lei de outropaís e o direito internacional privado desse outro país remetesse aaplicação às leis brasileiras, aceitava-se tal indicação.

A proibição do reenvio por parte do art. 16 da LICC não foi, em geral,bem recebida pelos jusprivatistas brasileiros. Tanto a doutrina (HaroldoValladão), como a jurisprudência (Luiz Galotti) manifestaram severacrítica ao legislador. A doutrina nacional advoga, inclusive, a aceitaçãodo reenvio feito pela lei indicada por nosso direito internacional privadoà lei de um terceiro país – reenvio de segundo grau.

A melhor ilustração do reenvio de segundo grau é dada pela hipótesede Ferrer Correa. Pessoa de nacionalidade portuguesa, domiciliada naEspanha, é julgada no Brasil. Segundo o direito internacional privadobrasileiro, deve ela ser julgada pela lei de seu domicílio – Espanha. Odireito internacional privado espanhol indica a aplicação da lei danacionalidade da pessoa – Portugal – com o que a lei conflitualportuguesa concorda. Dessa maneira, Portugal e Espanha querem aplicara lei portuguesa, ao passo que o Brasil deseja a aplicação da leiespanhola. Não faz sentido que a vontade da lei do país do domicílio e dopaís da nacionalidade da pessoa sejam rejeitadas pela vontade da lexfori (Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra, Universidade,1963, pp. 577-8). Daí propugnar-se pela aceitação do reenvio, inclusivede segundo grau, como estabelecido no projeto.”

O art. 17 expressa que “a qualificação destinada à determinação dalei aplicável será feita de acordo com a lei brasileira”. Justifica-se paratanto que “o processo de indicação da lei aplicável realiza-se na

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conformidade das regras e princípios do direito internacional privadobrasileiro, daí submeter-se a qualificação dos elementos definidores dasituação jurídica à nossa lei. Exceção somente foi aberta para os bens,art. 11, que são regidos e também qualificados pela lex rei sitae. Segue-seassim o Código Bustamante: regra geral sobre qualificação pela lex foriart. 6º e qualificação pela lex causae para os bens (arts. 110 e 112)”.

O art. 18 exprime a norma que se ocupa de coibir a fraude à lei.“Embora não conste na LICC dispositivo expresso sobre a fraude à lei, aantiga regra do § 6º do art. 7º, ineficácia do divórcio de brasileirosobtido no exterior – representava a sanção do legislador contraprocedimento para fraudar a indissolubilidade matrimonial imposta pelalei brasileira de então”.

A convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DireitoInternacional Privado, de 1979, dispõe, no art. 6º: ‘Não se aplicará comodireito estrangeiro o direito de um Estado Parte quando artificiosamentese tenham burlado os princípios fundamentais da lei de outro EstadoParte’. O projeto segue tal orientação.

O reconhecimento de direitos adquiridos no exterior é uma dasprincipais conquistas do direito internacional privado e vem expresso noart. 19, “visando a evitar que situações já consolidadas na conformidadedo direito estrangeiro aplicável, devam submeter-se ao direito do foroque, em sendo diferente, poderia negar validade e/ou eficácia ao que jáfoi corretamente adquirido alhures. Nisso, o projeto se afasta daorientação da já aludida Convenção Interamericana sobre NormasGerais de Direito Internacional Privado de 1979, cujo art. 7º reza oseguinte: ‘As situações jurídicas validamente constituídas em um EstadoParte, de acordo com todas as leis com as quais tenham conexão nomomento de sua constituição, serão reconhecidas nos demais EstadosPartes…’. Exigir que a situação tenha sido validamente constituída deacordo com todas as leis com as quais tenha conexão no momento desua constituição, não se conforma com o direito internacional privadobrasileiro, que segue a orientação de Antoine Pillet, no sentido de que umdireito regularmente adquirido em um país, de acordo com as leis lá

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vigentes, produzirá seus efeitos em outra jurisdição (Principes de DroitInternational Privé, Paris, Pedone, 1903, pp. 496 e ss.).

Assim, também na homologação das sentenças estrangeiras, a decisãoda corte de outro país não precisa ter sido julgada em conformidade como sistema jurídico que seria indicado pelas regras de conexão de nossalei conflitual, pois cada jurisdição julga consoante as regras de conexãode seu sobredireito. Isso representa respeito internacional pelos direitosadquiridos. O projeto perfilha o consagrado no Código Bustamante e emvárias Convenções da Haia”.

O art. 20 do projeto impede que as leis, atos públicos e privados, bemcomo as sentenças de outro país, tenham eficácia no Brasil, se foremcontrários à ordem pública brasileira, visto que “o mais importanteprincípio do direito internacional privado, tanto nas fontes internas,como nos diplomas internacionais, é a ordem pública: regra de controleque impede a aplicação de leis, atos e sentenças estrangeiras, se ferirema sensibilidade jurídica ou moral ou ainda os interesses econômicos doPaís. Qualquer lei que deva ser aplicada, qualquer sentença que deva serhomologada, qualquer ato jurídico que deva ser reconhecido, deixarão desê-lo se repugnarem os princípios fundamentais do direito, da moral e daeconomia do foro.”

O art. 21 do projeto dispõe que as pessoas jurídicas sejam regidaspela lei do país em que se tiverem constituído, devendo, para funcionarno Brasil, por meio de quaisquer estabelecimentos, obter a autorizaçãoque se fizer necessária, e sujeitarem-se à lei brasileira. Tais regras“mantêm a orientação da LICC, com redação simplificada. Continuacomo lex societatis a lei do país em que a pessoa jurídica foi criada,ficando, todavia, os estabelecimentos por elas aqui constituídossubordinados às leis brasileiras, após a obtenção de autorizaçãogovernamental para funcionarem no País.”

O art. 22 do projeto traz uma regra aperfeiçoada sobre a aquisição deimóveis por pessoas jurídicas de direito público estrangeiras ouinternacionais, levando em conta que “a atual redação do § 3º do art. 11da LICC tem sido justificadamente criticada por sua insatisfatória

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redação, pois, além de tecnicamente inadequada, por referir-se à sededos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares e não à daspróprias embaixadas e consulados, emprega um termo – sede – cujosignificado não é preciso e tem sofrido variação ao longo do tempo”.

Na terminologia tradicional do nosso Ministério das RelaçõesExteriores, a sede de uma embaixada era a residência do embaixador, enão a chancelaria. Isto derivava de que a Missão era corporificada napessoa de seu chefe, sendo os demais membros relegados a segundoplano. Em consequência, a sede da missão era a residência do titular,onde os locais de trabalho, pelo pequeno volume dos serviços, poderiamestar situados. Hoje, a orientação acolhida pela Convenção de Vienasobre Relações Diplomáticas, de 1961, é no sentido de considerar oembaixador apenas como chefe da missão. A chancelaria – escritórios damissão – adquiriu individualidade própria, graças ao crescimento dopessoal e dos serviços, destacando-se da residência do embaixador epassando a ser considerada como sede da missão. Evolução parecidasofreram os serviços consulares.

A questão ganhou maior complexidade após a transferência dacapital para Brasília, porque o Governo brasileiro efetuou doações aosgovernos estrangeiros, de terrenos para construção das missõesdiplomáticas.

Além disso, dada a escassez de imóveis residenciais para aluguel noDistrito Federal, durante vários anos uma lei, sucessivamenteprorrogada, admitiu expressa exceção temporária ao § 3º do art. 11 daLICC, permitindo a aquisição pelos governos estrangeiros, também, deprédios residenciais destinados aos funcionários das embaixadas. Combase nisso, vários governos compraram imóveis para esse fim, havendocasos de aquisição de residências para o embaixador. Outros paísesadquiriram prédios para chancelaria ou para residência oficial e,posteriormente, também pretenderam beneficiar-se de novas doações,conservando a propriedade do primeiro imóvel.

Esse quadro ensejou situações muito diferenciadas em que algunspaíses, que instalaram suas representações mais recentemente, sentiram-

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se discriminados em relação aos que o fizeram mais cedo, beneficiando-se de uma legislação transitoriamente mais liberal. Por outro lado, oGoverno brasileiro é proprietário, em muitos países cuja legislação arespeito não é tão restritiva, de imóveis separados para chancelaria eresidência e, em alguns casos, até de casas para funcionários, sem quepossa adotar, na matéria, face à rigidez do nosso texto legal, uma políticade reciprocidade.

A LICC (art. 11, § 3º) só permite a aquisição de imóveis necessáriosàs sedes. Não parece prudente uma completa mudança, pois há países quemantêm atitude restritiva, não interessando ao Estado brasileiropossibilitar a aquisição indiscriminada de bens imóveis por governosestrangeiros em nosso território. Mas, tampouco, há motivo justificávelpara limitar a aquisição somente ao prédio da chancelaria. A melhorsolução é admitir a aquisição dos locais necessários tanto para osescritórios das embaixadas e consulados, como para as residênciasoficiais de seus chefes e funcionários, estabelecendo-se as devidascautelas fixadas no projeto.

Sugere-se a inclusão de parágrafo relativo à aquisição depropriedade imóvel pelas organizações internacionaisintergovernamentais que tenham sede no Brasil ou que nele mantenhamrepresentações. A instalação de tais entidades, as condições de seufuncionamento e os privilégios e imunidades de que gozam as mesmas e oseu pessoal, são sempre objeto, em cada caso, de acordo concluído entreo Governo brasileiro e o organismo de que se trate, aprovado peloCongresso Nacional – acordo de sede. Tais acordos costumam conterdisposições sobre aquisição de imóvel. Esse dispositivo destinar-se-iaapenas a tornar clara a possibilidades legal de tal aquisição, extensivaàs residências funcionais, mas também cercada de cautelas.”

No art. 23, o projeto veio permitir a escolha, pelas partes, de foro desua preferência para julgar as controvérsias decorrentes do negóciojurídico, o que adéqua nossa lei às práticas correntes no comérciointernacional e reitera posição consagrada na jurisprudência.

No art. 24, o projeto mantém, em sua essência, art. 13 do Decreto-Lei

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nº 4.657/42. O Código Bustamante adota o mesmo critério da locus regitactum, no art. 399: “Para decidir os meios de prova que se podemutilizar em cada caso, é competente a lei do lugar em que se realiza o atoou fato que se trata de provar, excetuando-se os não autorizados pela leido lugar em que corra a ação.” Todavia, os tribunais brasileiros nãoadmitirão provas que a lei brasileira desconheça, isto é, que sejamatentatórios à nossa ordem pública.

Adota-se o entendimento já consolidado na doutrina e jurisprudênciado país, no sentido de que, se a prova é colhida no Brasil, deve-se atendera lei brasileira, admitindo-se, entretanto, que a autoridade do país ondese desenrola o processo formule pedidos quanto a formalidadesadicionais a serem observadas, mas, novamente, desde que compatíveiscom a ordem pública nacional”.

No art. 25, ao cuidar da homologação de sentença estrangeira, oprojeto segue a orientação da LICC. Assim, os atos com força de sentençajudicial – v.g. divórcios prolatados por autoridades administrativasequiparam-se á sentença estrangeira. No inciso I esclarece-se que acompetência jurisdicional da autoridade estrangeira se refere, tãosomente, à competência internacional. O inciso II, diferentemente daLICC, não deixa dúvida quanto à necessidade de citação. Consoante oinciso III, a sentença judicial há de ter passado em julgado. Mantém-se,no inciso IV, o requisito de que a sentença estrangeira esteja revestidadas formalidades necessárias para execução no país de origem, pois,obviamente, não se poderia homologar, para dar-lhe executoriedade, umasentença não exequível no foro original. O inciso V conserva a exigênciada tradução, enquanto o inciso VI requer a autenticação consular.”

O art. 26 do projeto “admite que o Judiciário brasileiro concedamedidas cautelares para garantir a eficácia de medidas judiciais aindaem fase de processamento no exterior, visando, assim, a evitar que odevedor venha a fraudar seus credores”. Tal dispositivo introduz soluçãoaltamente prática, pois o juiz brasileiro passa a ser competente para aconcessão de cautelares, quando necessárias para garantir a efetividadeda sentença estrangeira que será, ou já foi, homologada pelo Supremo

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Tribunal Federal. Justifica-se esta regra de competência interna emfunção do art. 800 do CPC, que determina que as medidas cautelaresserão requeridas ao juiz da causa, e quando preparatórias, ao juizcompetente para conhecer da ação principal. Assim, como no art. 109, Xda Constituição Federal, estabelece que compete aos juízes federaisprocessar e julgar a execução de sentenças estrangeiras após ahomologação, será a justiça federal a autoridade competente paraconceder a tutela de urgência nesses casos”.

Os artigos 27 e 28 tratam da cooperação jurídica internacional e dascartas rogatórias. A forma tradicional de efetivação dessa cooperação épela via das cartas rogatórias na esfera penal e cível, que exigem oexequatur do STF, nos termos do art. 102, I, h da Constituição daRepública, sendo executadas pelos juízes federais, conforme o art. 109, Xda Carta, e o art. 28 deste projeto.

Modernamente, foram criadas novas formas de cooperação, dentreelas os acordos bilaterais nas esferas civil e criminal. Tais acordos visama suprir deficiências nos outros meios de cooperação, já que a cartarogatória tradicional, como regra, se destina à solicitação de atos semconteúdo executório. Assim, utiliza-se esse novo instrumento para:repatriar bens ou valores produtos de crimes; transferir pessoas sobcustódia, com o fim de prestar depoimento; executar pedidos de busca eapreensão, arresto, restituição e cobrança de multas. O Brasil já firmoutais acordos com Colômbia, EUA, França, Itália, Peru e Portugal,convenções essas de excepcional importância, uma vez que permitirão orepatriamento de dinheiro fruto de atividade criminosa.

Essa forma de cooperação dispensa o exequatur do STF, eis que seestabelece entre os Executivos dos dois países, mediante a intervenção daautoridade central de cada um dos países acordados. A autoridadecentral brasileira, designada pelo acordo de cooperação, atenderápedidos dos países com os quais o Brasil firmou este tipo de acordo,obedecida a lei brasileira.

Em não havendo acordo bilateral, o país estrangeiro interessado emalguma informação, deverá processar a requisição via carta rogatória, no

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que o projeto segue o disposto na Constituição, art. 181.”O projeto de lei cuja justificação acaba de ser reproduzida recebeu

parecer favorável do Relator designado no âmbito da Comissão deConstituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Entendeu-se, entretanto,que a matéria deveria aguardar a tramitação do Projeto de Código Civil,então em curso, antes de deliberar-se, em definitivo, sobre a atualização daLei de Introdução.

Quase uma década se passou antes que o novo estatuto civil pudesse vira ser sancionado, ficando assim prejudicada a apreciação da, hojeindispensável e inadiável, atualização do estatuto denominado de “lei daaplicação das normas jurídicas.”

Com a vigência do novo estatuto civil, justifica-se a reapresentação damatéria, com as devidas adaptações e atualizações, de sorte a que esteimportante tema do ordenamento jurídico pátrio volte a ser debatido noCongresso Nacional.

Sala das Sessões,

Senador PEDRO SIMON

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CONVENÇÃO DE DIREITOINTERNACIONAL PRIVADO (1928)

Código Bustamante

* Foi mantida a grafia original.

Os Presidentes das Republicas do Perú, Uruguay, Panamá, Equador,Mexico, Salvador, Guatemala, Nicaragua, Bolivia, Venezuela, Colombia,Honduras, Costa Rica, Chile, Brasil, Argentina, Paraguay, Haiti, RepublicaDominicana, Estados Unidos da America e Cuba, Desejando que osrespectivos Paizes se representassem na Sexta Conferencia InternacionalAmericana, A ella enviaram, devidamente autorizados, para approvar asrecomendações, resoluções, convenções e tratados que julgassem uteis aosinteresses da America, os seguintes senhores delegados: Perú:

Jesús Melquiades Salazar, Victor Maúrtua, Enrique Castro Oyanguren,Luis Ernesto Denegri.

Uruguay:Jacobo Varela Acevedo, Juan José Amézaga, Leenel Aguirre, Pedro

Erasmo Callorda.Panamá:Ricardo J. Alfaro, Eduardo Chiari.Equador:Gonzalo Zaldumbique, Victor Zevalos, Colón Eloy Alfaro.Mexico:

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Julio Garcia, Fernando González Roa, Salvador Urbina, AquilesElorduy.

Salvador:Gustavo Guerrero, Héctor David Castro, Eduardo Alvarez.Guatemala:Carlos Salazar, Bernardo Alvarado Tello, Luis Beltranema, José

Azurdia.Nicaragua:Carlos Cuadra Pazos, Joaquín Gómez, Máximo H. Zepeda.Bolivia:José Antezana, Adolfo Costa Du Rels.Venezuela:Santiago Key Ayala, Francisco Geraldo Yanes, Rafael Angel Arraiz.Colombia: Enrique Olaya Herrera, Jesús M. Yepes, Roberto Urdaneta

Arbeláez, Ricardo Gutiéirrez Lee.Honduras:Fausto Dávila, Mariano Vásquez.Costa Rica:Ricardo Castro Beeche, J. Rafael Oreamuno, Arturo Tinoco.Chile:Alejandro Lira, Alejandro Alvarez, Carlos Silva Vidósola, Manuel

Bianchi.Brasil:Raul Fernandes, Lindolfo Collor, Alarico da Silveira, Sampaio Corrêa,

Eduardo Espinola.Argentina:Honorio Pueyrredón, Laurentino Olascoaga, Felipe A. Espil.Paraguay:Lisandro Diaz León.

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Haiti:Fernando Dennis, Charles Riboul.Republica Dominicana:Francisco J. Peynado, Gustavo A Diaz, Elias Brache, Angel Morales,

Tulio M. Cesteros, Ricardo Pérez Alfonseca, Jacinto R. de Castro, FedericoC. Alvarez.

Estados Unidos da America: Charles Evans Hughes, Noble BrandonJudah, Henry P. Flecther, Oscar W. Underwood, Morgan J. O’Brien, DwightW. Morrow, James Brown Scott, Ray Lyman Wilbur, Leo S. Rowe.

Cuba:Antonio S. de Bustamante, Orestes Ferrara, Enrique Hernández Cartaya,

José Manuel Cortina, Aristides Agüero, José B. Alemán, Manuel MárquezSterling, Fernando Ortiz, Néstor Carbonell, Jesús Maria Barraqué.

Os quaes, depois de se haverem communicado os seus plenos poderes,achados em boa e devida forma, convieram no seguinte: Art. 1º AsRepublicas contractantes acceitam e põem em vigor o Codigo de DireitoInternacional Privado, annexo á presente convenção.

Art. 2º As disposições desse Codigo não serão applicaveis senão ásRepublicas contractantes e aos demais Estados que a elle adherirem, naforma que mais adiante se consigna.

Art. 3º Cada uma das Republicas contractantes, ao ratificar a presenteconvenção, poderá declarar que faz reserva quanto á acceitação de um ouvarios artigos do Codigo annexo e que não a obrigarão as disposições a quea reserva se referir.

Art. 4º O Codigo entrará em vigor, para as Republicas que o ratifiquem,trinta dias depois do deposito da respectiva ratificação e desde que tenhasido ratificado, pelo menos, por dois paizes.

Art. 5º As ratificações serão depositadas na Secretaria da UniãoPanamericana, que transmittirá cópia dellas a cada uma das Republicascontractantes.

Art. 6º Os Estados ou pessoas juridicas internacionaes não

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contractantes, que desejam adherir a esta convenção e, no todo ou em parte,ao Codigo annexo, notificarão isso á Secretaria da União Panamericana,que, por sua vez, o communicará a todos os Estados até então contractantesou adherentes. Passados seis mezes desde essa communicação, o Estado oupessoa juridica internacional interessado poderá depositar, na Secretaria daUnião Panamericana, o instrumento de adhesão e ficará ligado por estaconvenção com caracter reciproco, trinta dias depois da adhesão, emrelação a todos os regidos pela mesma e que não tiverem feito reservaalguma total ou parcial quanto á adhesão solicitada.

Art. 7º Qualquer Republica americana ligada a esta convenção e quedesejar modificar, no todo ou em parte, o Codigo annexo, apresentará aproposta correspondente á Conferencia Internacional Americana seguinte,para a resolução que fôr procedente.

Art. 8º Se alguma das pessoas juridicas internacionaes contractantes ouadherentes quizer denunciar a presente Convenção, notificará a denuncia,por escripto, á União Panamericana, a qual transmittirá immediatamente ásdemais uma cópia literal authentica da notificação, dando-lhes a conhecer adata em que a tiver recebido.

A denuncia não produzirá effeito senão no que respeita ao contractanteque a tiver notificado e depois de um anno de recebida na Secretaria daUnião Panamericana.

Art. 9º A Secretaria da União Panamericana manterá um registro dasdatas de deposito das ratificações e recebimento de adhesões e denuncias, eexpedirá cópias authenticadas do dito registro a todo contractante que osolicitar.

Em fé do que, os plenipotenciarios assignam a presente convenção epõem nella o sello da Sexta Conferencia Internacional Americana.

Dado na cidade de Havana, no dia vinte de Fevereiro de mil novecentose vinte e oito, em quatro exemplares, escriptos respectivamente emespanhol, francez, inglez e portuguez e que se depositarão na Secretaria daUnião Panamericana, com o fim de serem enviadas cópias authenticadas detodos a cada uma das Republicas signatarias.

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CODIGO DE DIREITOINTERNACIONAL PRIVADO

TITULO PRELIMINARREGRAS GERAES

Art. 1º Os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estadoscontractantes gozam, no territorio dos demais, dos mesmos direitos civisque se concedam aos nacionaes.

Cada Estado contractante pode, por motivo de ordem publica, recusarou sujeitar a condições especiaes o exercicio de determinados direitoscivis aos naciones dos outros, e qualquer desses Estados pode, em casosidenticos, recusar ou sujeitar a condições especiais o mesmo exercicio aosnacionaes do primeiro.

Art. 2º Os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estadoscontractantes gozarão tambem, no territorio dos demais de garantiasindividuaes identicas ás dos nacionaes, salvo as restricções que em cadaum estabeleçam a Constituição e as leis.

As garantias individuaes identicas não se estendem ao desempenho defuncções publicas, ao direito de suffragio e a outros direitos politicos,salvo disposição especial da legislação interna.

Art. 3º Para o exercicio dos direitos civis e para o gozo das garantiasindividuaes identicas, as leis e regras vigentes em cada Estado contractanteconsideram-se divididas nas tres categoria seguintes: I. As que se applicamá pessoas em virtude do seu domicilio ou da sua nacionalidade e as seguem,ainda que se mudem para outro paiz, – denominadas pessoas ou de ordempublica interna; II. As que obrigam por igual a todos os que residem noterritorio, sejam ou não nacionaes, – denominadas territoriaes, locaes ou deordem publica internacional; III. As que se applicam somente mediante aexpressão, a interpretação ou a presumpção da vontade das partes ou dealguma dellas, – denominadas voluntarias, suppletorias ou de ordemprivada.

Art. 4º Os preceitos constitucionaes são de ordem publica

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internacional.

Art. 5º Todas as regras de protecção individual e collectiva,estabelecida pelo direito politico e pelo administrativo, são tambem deordem publica internacional, salvo o caso de que nellas expressamente sedisponha o contrario.

Art. 6º Em todos os casos não previstos por este Codigo, cada um dosEstados contractantes applicará a sua propria definição ás instituições ourelações juridicas que tiverem de corresponder aos grupos de leismencionadas no art. 3º.

Art. 7º Cada Estado contractante applicará como leis pessoaes as dodomicilio, as da nacionalidade ou as que tenha adoptado ou adopte nofuturo a sua legislação interna.

Art. 8º Os direitos adquiridos segundo as regras deste Codigo têmplena efficacia extraterritorial nos Estados contractantes, salvo se seoppuzer a algum dos seus effeitos ou consequencias uma regra de ordempublica internacional.

LIVRO PRIMEIRO

DIREITO CIVIL INTERNACIONAL

TITULO PRIMEIRODAS PESSOAS

Capitulo IDa Nacionalidade e Naturalização

Art. 9º Cada Estado contractante applicará o seu direito proprio ádeterminação da nacionalidade de origem de toda pessoa individual oujuridica e á sua acquisição, perde ou recuperação posterior, realizadasdentro ou fora do seu territorio, quando uma das nacionalidades sujeitas ácontroversia seja a do dito Estado. Os demais casos serão regidos pelasdisposições que se acham estabelecidas nos restantes artigos deste capitulo.

Art. 10. Ás questões sobre nacionalidade de origem em que não esteja

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interessado o Estado em que ellas se debatem, apllicar-se-á a lei daquelladas nacionalidades discutidas em que tiver domicílio a pessoade que setrate.

Art. 11. Na falta desse domicilio, applicar-se-ão ao caso previsto noartigo anterior os principios acceitos pela lei do julgador.

Art. 12. As questões sobre acquisição individual de uma novanacionalidade serão resolvidas de accôrdo com a lei da nacionalidade quese suppuzer adquirida.

Art. 13. Ás naturalizações collectivas, no caso de independencia de umEstado, applicar-se-á a lei do Estado novo, se tiver sido reconhecido peloEstado julgador, e, na sua falta, a do antigo, tudo sem prejuizo dasestipulações contractuaes entre os dois Estados interessados, as quaes terãosempre preferencia.

Art. 14. Á perda de nacionalidade deve applicar-se a lei danacionalidade perdida.

Art. 15. A recuperação da nacionalidade submette-se á lei danacionalidade que se readquire.

Art. 16. A nacionalidade de origem das corporações e das fundaçõesserá determinada pela lei do Estado que as autorize ou as approve.

Art. 17. A nacionalidade de origem das associações será a do paiz emque se constituam, e nelle devem ser registradas ou inscriptas, se alegislação local exigir esse requisito.

Art. 18. As sociedades civis, mercantis ou industriaes, que não sejamanonymas, terão a nacionalidade estipulada na escriptura social e, em suafalta, a do lugar onde tenha séde habitualmente a sua gerencia ou direcçãoprincipal.

Art. 19. A nacionalidade das sociedades anonymas será determinadapelo contracto social e, eventualmente, pela lei do lugar em quenormalmente se reuna a junta geral de accionistas ou, em sua falta, pela dolugar onde funccione o seu principal Conselho administrativo ou Juntadirectiva.

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Art. 20. A mudança de nacionalidade das corporações, fundações,associações e sociedades, salvo casos de variação da soberania territorial,terá que se sujeitar ás condições exigidas pela sua lei antiga e pela nova.

Se se mudar a soberania territorial, no caso de independencia, applicar-se-á a regra estabelecida no art. 13 para as naturalizações collectivas.

Art. 21. As disposições do art. 9º, no que se referem a pessoasjuridicas, e as dos arts. 16 a 20 não serão applicadas nos Estadoscontractantes, que não attribuam nacionalidade as ditas pesssoas juridicas.

Capitulo IIDo Domicilio

Art. 22. O conceito, acquisição, perda e reacquisição do domiciliogeral e especial das pessoas naturaes ou juridicas reger-se-ão pela leiterritorial.

Art. 23. O domicilio dos funccionarios diplomaticos e o dos individuosque residam temporariamente no estrangeiro, por emprego ou commissão deseu governo ou para estudos scientifico ou artisticos, será o ultimo quehajam tido em territorio nacional.

Art. 24. O domicilio legal do chefe da familia estende-se á mulher eaos filhos, não emancipados, e o do tutor ou curador, aos menores ouincapazes sob a sua guarda, se não se achar disposto o contrario nalegislação pessoal daquelles a quem se attribue o domicilio de outrem.

Art. 25. As questões sobre a mudança de domicilio das pessoasnaturaes ou juridicas serão resolvidas de accôrdo com a lei do tribunal, seeste fôr de uma dos Estados interessados e, se não, pela do lugar em que sepretenda te adquirido o ultimo domicilio.

Art. 26. Para as pessoas que não tenham domicilio, entender-se-á comotal o lugar de sua residencia, ou aquelle em que se encontrem.

Capitulo IIINascimento, Extincção e Consequencias

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da Personalidade Civil

Secção IDas Pessoas Individuaes

Art. 27. A capacidade das pessoas individuaes rege-se pela sua leipessoal, salvo as restricções fixadas para seu exercicio, por este Codigo oupelo direito local.

Art. 28. Applicar-se-á a lei pessoal para decidir se o nascimentodetermina a personalidade e se o nascituro se tem por nascido, para tudo oque lhe seja favoravel, assim como para a viabilidade e os effeitos daprioridade do nascimento, no caso de partos duplos ou multiplos.

Art. 29. As presumpções de sobrevivencia ou de morte simultanea, nafalta de prova, serão reguladas pela lei pessoal de cada um dos fallecidosem relação á sua respectiva successão.

Art. 30. Cada Estado applica a sua propria legislação, para declararextincta a personalidade civil pela morte natural das pessoas individuaes eo desapparecimento ou dissolução official das pessoas juridicas, assimcomo para decidir de a menoridade, a demencia ou imbecilidade, a surdo-mudez, a prodigalidade e a interdição civil são unicamente restricções dapersonalidade, que permittem direitos e tambem certas obrigações.

Secção IIDas Pessoas Juridicas

Art. 31. Cada Estado contractante, no seu caracter de pessoa juridica,tem capacidade para adquirir e exercer direitos civis e contrahir obrigaçõesda mesma natureza no territorio dos demais, sem outras restricções, senãoas estabelecidas expressamente pelo direito local.

Art. 32. O conceito e reconhecimento das pessoas juridicas serãoregidos pela lei territorial.

Art. 33. Salvo as restricções estabelecidas nos dois artigosprecedentes, a capacidade civil das corporações é regida pela lei que as

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tiver criado ou reconhecido; a das fundações, pelas regras da suainstituição, approvadas pela autoridade correspondente, se o exigir o seudireito nacional; e a das associações, pelos seus estatutos, em iguaescondições.

Art. 34. Com as mesmas restricções, a capacidade civil das sociedadescivis, commerciaes ou industriaes é regida pelas disposições relativas aocontracto de sociedade.

Art. 35. A lei local applicar-se-á aos bens das pessoas juridicas quedeixem de existir, a menos que o caso esteja previsto de outro modo, nosseus estatutos, nas suas clausulas basicas ou no direito em vigor referente ássociedades.

Capitulo IVDo Matrimonio e do Divorcio

Secção ICondições Juridicas que Deve Preceder

a Celebração do Matrimonio

Art. 36. Os nubentes estarão sujeitos á sua lei pessoal, em tudo quantose refira á capacidade para celebrar o matrimonio, ao consentimento ouconselhos paternos, aos impedimentos e á sua dispensa.

Art. 37. Os estrangeiros devem provar, antes de casar, que preencheramas condições exigidas pelas suas leis pessoaes, no que se refere ao artigoprecedente. Podem fazê-lo mediante certidão dos respectivos funccionariosdiplomaticos ou agentes consulares ou por outros meios julgadossufficientes pela autoridade local, que terá em todo caso completaliberdade de apreciação.

Art. 38. A legislação local é applicavel aos estrangeiros, quanto aosimpedimentos que, por sua parte, estabelecer e que não sejam dispensaveis,á forma do consentimento, á, força obrigatoria ou não dos esponsaes, áopposição ao matrimonio ou obrigação de denunciar os impedimentos e ásconsequencias civis da denuncia falsa, á forma das diligencias preliminares

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e á autoridade competente para celebrá-lo.

Art. 39. Rege-se pela lei pessoal commum das partes e, na sua falta,pelo direito local, a obrigação, ou não, de indemnização em consequenciade promessa de casamento não executada ou de publicação de proclamas,em igual caso.

Art. 40. Os Estados contractantes não são obrigados a reconhecer ocasamento celebrado em qualquer delles, pelos seus nacionaes ou porestrangeiros, que infrinjam as suas disposições relativas á necessidade dadissolução dum casamento anterior, aos graus de consanguinidade ouaffinidade em relação aos quaes exista estorvo absoluto, á prohibição de secasar estabelecida em relação aos culpados de adulterio que tenha sidomotivo de dissolução do casamento de um delles e á propria prohibição,referente ao responsavel de attentado contra a vida de um dos conjuges,para se casar com o sobrevivente, ou a qualquer outra causa de nullidadeque se não possa remediar.

Secção IIDa Forma do Matrimonio

Art. 41. Ter-se-á em toda parte como valido, quanto á forma, omatrimonio celebrado na que estabeleçam como efficaz as leis do paiz emque se effectue. Comtudo, os Estados, cuja legislação exigir uma ceremoniareligiosa, poderão negar validade aos matrimonios contrahidos por seusnacionaes no estrangeiro sem a observancia dessa formalidade.

Art. 42. Nos paizes em que as leis o permittam, os casamentoscontrahidos ante os funccionarios diplomaticos ou consulares dos doiscontrahentes ajustar-se-ão á sua lei pessoal, sem prejuizo de que lhes sejamapplicaveis as disposições do art. 40.

Secção IIIDos Effeitos do Matrimonio quanto ás Pessoas dos Conjuges

Art. 43. Applicar-se-á o direito pessoal de ambos os conjuges, e, se fôr

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diverso, o do marido, no que toque aos deveres respectivos de protecção ede obediencia, á obrigação ou não da mulher de seguir o marido quandomudar de residencia, á disposição e administração dos bens communs e aosdemais effeitos especiaes do matrimonio.

Art. 44. A lei pessoal da mulher regerá a disposição e administração deseus bens proprios e seu comparecimento em juízo.

Art. 45. Fica sujeita ao direito territorial a obrigação dos conjuges deviver juntos, guardar fidelidade e soccorrer-se mutuamente.

Art. 46. Tambem se applica imperativamente o direito local que privede effeitos civis o matrimonio do bigamo.

Secção IVDa Nullidade do Matrimonio e seus Effeitos

Art. 47. A nullidade do matrimonio deve regular-se pela mesma lei aque estiver submettida a condição intrinseca ou extrinseca que a tivermotivado.

Art. 48. A coacção, o medo e o rapto, como causas de nullidade domatrimonio, são regulados pela lei do lugar da celebração.

Art. 49. Applicar-se-á a lei pessoal de ambos os conjuges, se, fôrcommum; na sua falta, a do conjuge que tiver procedido de boa fé, e, nafalta de ambas, a do varão, ás regras sobre o cuidado dos filhos dematrimonios nullos, nos casos em que os paes não possam ou não queiramestipular nada sobre o assumpto.

Art. 50. Essa mesma lei pessoal deve applicar-se aos demais effeitoscivis do matrimonio nullo, excepto os que se referem aos bens dosconjuges, que seguirão a lei do regimen economico matrimonial.

Art. 51. São de ordem publica internacional as regras que estabelecemos effeitos judiciaes do pedido de nullidade.

Secção VDa separação de corpos e do divorcio

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Art. 52. O direito á separação de corpos e ao divorcio regula-se pelalei do domicilio conjugal, mas não se pode fundar em causas anteriores áacquisição do dito domicilio, se as não autorizar, com iguaes effeitos, a leipessoal de ambos os conjuges.

Art. 53. Cada Estado contractante tem o direito do permitir oureconhecer, ou não, o divorcio ou o novo casamento de pessoas divorciadasno estrangeiro, em casos, com effeitos ou por causas que não admitta o seudireito pessoal.

Art. 54. As causas do divorcio e da separação de corpos submeter-se-ão á lei do lugar em que forem solicitados, desde que nelle estejamdomiciliados os conjuges.

Art. 55. A lei do juiz perante quem se litiga determina as consequenciasjudiciaes da demanda e as disposições da sentença a respeito dos conjugese dos filhos.

Art. 56. A separação de corpos e o divorcio, obtidos conforme osartigos que precedem, produzem effeitos civis, de accôrdo com a legislaçãodo tribunal que os outorga, nos demais Estados contractantes, salvo odisposto no art. 53.

Capitulo VDa Paternidade e Fillação

Art. 57. São regras de ordem publica interna, devendo applicar-se a leipessoal do filho, se fôr distincta da do pae, as referentes á presumpção delegitimidade e suas condições, as que conferem o direito ao appellido e asque determinam as provas de filiação e regulam a successão do filho.

Art. 58. Têm o mesmo caracter, mas se lhes applica a lei pessoal dopae, as regras que outorguem aos filhos legitimados direitos de successão.

Art. 59. É de ordem publica internacional a regra que da ao filho odireito a alimentos.

Art. 60. A capacidade para legitimar rege-se pela lei pessoal do pae e acapacidade para ser legitimado pela lei pessoal do filho, requerendo a

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legitimação a concorrencia das condições exigidas em ambas.

Art. 61. A prohibição de legitimar filhos não simplesmente naturaes éde ordem publica internacional.

Art. 62. As consequencias da legitimação e a acção para a impugnarsubmettem-se á lei pessoal do filho.

Art. 63. A investigação da paternidade e da maternidade e a suaprohibição regulam-se pelo direito territorial.

Art. 64. Dependem da lei pessoal do filho as regras que indicam ascondições do reconhecimento, obrigam a fazê-lo em certos casos,estabelecem as acções para esse effeito, concedem ou negam o nome eindicam as causas de nullidade.

Art. 65. Subordinam-se a lei pessoal do pae os direitos de successãodos filhos illegitimos e á pessoal do filho os dos paes illegitimos.

Art. 66. A forma e circumstancias do reconhecimento dos filhosillegitimos subordinam-se, ao direito territorial.

Capitulo VIDos Alimentos entre Parentes

Art. 67. Sujeitar-se-ão á lei pessoal do alimentado o conceito legal dosalimentos, a ordem da sua prestação, a maneira de os subministrar e aextensão desse direito.

Art. 68. São de ordem publica internacional as disposições queestabelecem o dever de prestar alimentos, seu montante, reducção eaugmento, a opportunidade em que são devidos e a forma do seu pagamento,assim como as que prohibem renunciar e ceder esse direito.

Capitulo VIIDo Patrio Poder

Art. 69. Estão submetidas á lei pessoal do filho a existencia e o alcancegeral do patrio poder a respeito da pessoa e bens, assim como as causas da

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sua extinção e recuperação, e a limitação, por motivo de novas nupcias, dodireito de castigar.

Art. 70. A existencia do direito de usufructo e as demais regrasapplicaveis ás differentes classes de peculio submettam-se tambem á leipessoal do filho, seja qual fôr a natureza dos bens e o lugar em que seencontrem.

Art. 71. O disposto no artigo anterior é applicavel em territorioestrangeiro, sem prejuizo dos direitos de terceiro que a lei local outorgue edas disposições locaes sobre publicidade e especialização de garantiashypothecarias.

Art. 72. São de ordem publica internacional as disposições quedeterminem a natureza e os limites da faculdade do pae de corrigir ecastigar e o seu recurso ás autoridades, assim como os que o privam dopatrio poder por incapacidade, ausencia ou sentença.

Capitulo VIIIDa Adopção

Art. 73. A capacidade para adoptar e ser adoptado e as condições elimitações para adoptar ficam sujeitas á lei pessoal de cada um dosinteressados.

Art. 74. Pela lei pessoal do adoptante, regulam-se seus effeitos, no quese refere à successão deste; e, pela lei pessoal do adoptado, tudo quanto serefira ao nome, direitos e deveres que conserve em relação á sua familianatural, assim como á sua successão com respeito ao adoptante.

Art. 75. Cada um dos interessados poderá impugnar a adopção, deaccôrdo com as prescripções da sua lei pessoal.

Art. 76. São de ordem publica internacional as disposições que, nestamateria, regulam o direito a alimentos e as que estabelecem para a adopçãoformas solennes.

Art. 77. As disposições dos quatro artigos precedentes não seapplicarão aos Estados cujas legislações não reconheçam a adopção.

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Capitulo IXDa Ausencia

Art. 78. As medidas provisorias em caso de ausencia são de ordempublica internacional.

Art. 79. Não obstante o disposto no artigo anterior, designar-se-á arepresentação do presumido ausente de accôrdo com a sua lei pessoal.

Art. 80. A lei pessoal do ausente determina a quem compete o direitode pedir a declaração da ausencia e rege a curadoria respectiva.

Art. 81. Compete ao direito local decidir quando se faz e surte effeito adeclaração de ausencia e quando e como deve cessar a administração dosbens do ausente, assim como a obrigação e forma de prestar contas.

Art. 82. Tudo o que se refira á presumpção de morte do ausente e a seusdireitos eventuaes será regulado pela sua lei pessoal.

Art. 83. A declaração de ausencia ou de sua presumpção, assim como asua terminação, e a de presumpção da morte de ausente têm efficaciaextraterritorial, inclusive no que se refere á nomeação e faculdades dosadministradores.

Capitulo XDa Tutela

Art. 84. Applicar-se-á a lei pessoal do menor ou incapaz no que serefere no objecto da tutela ou curatela, sua organização e suas especies.

Art. 85. Deve observar-se a mesma lei quanto á instituição do protutor.

Art. 86. As incapacidades e excusas para a tutela, curatela e protuteladevem applicar-se, simultaneamente, as leis pessoaes do tutor ou curador eas do menor ou incapaz.

Art. 87. A fiança da tutela ou curatela e as regras para o seu exercicioficam submettidas á lei pessoal do menor ou incapaz. Se a fiança fôrhypothecaria ou pignoraticia, deverá constituir-se na forma prevista pela leilocal.

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Art. 88. Regem-se tambem pela lei pessoal do menor ou incapaz asobrigações relativas ás contas, salvo as responsabilidades de ordem penal,que são territoriaes.

Art. 89. Quanto no registro de tutelas, applicar-se-ão simultaneamente alei local e as pessoaes do tutor ou curador e do menor ou incapaz.

Art. 90. São de ordem publica internacional os preceitos que obrigam oministerio publico ou qualquer funccionario local a solicitar a declaraçãode incapacidade de dementes e surdos mudos e os que fixam os tramitesdessa declaração.

Art. 91. São tambem de ordem publica internacional as regras queestabelecem as consequencias da interdicção.

Art. 92. A declaração de incapacidade e a interdicção civil produzemeffeitos extraterritoriaes.

Art. 93. Applicar-se-á a lei local á obrigação do tutor ou curadoralimentar o menor ou incapaz e a faculdade de os corrigir sómoderadamente.

Art. 94. A capacidade para ser membro de um conselho de famíliaregula-se pela lei pessoal do interessado.

Art. 95. As incapacidades especiaes e a organização, funccionamento,direitos e deveres do conselho de familia submettem-se á lei pessoal dotutelado.

Art. 96. Em todo caso, as actas e deliberações do conselho de famíliadeverão ajustar-se ás formas e solennidades prescriptas pela lei do lugarem que se reunir.

Art. 97. Os Estados contractantes que tenham por lei pessoal a dodomicilio poderão exigir, no caso de mudança do domicilio dos incapazesde um paiz para outro, que se ratifique a tutela ou curatela ou se outorgueoutra.

Capitulo XIDa Prodigalidade

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Art. 98. A declaração de prodigalidade e seus effeitos subordinam-se álei pessoal do prodigo, Art. 99. Apesar do disposto no artigo anterior, a leido domicilio pessoal não terá applicação á declaração de prodigalidadedas pessoas cujo direito pessoal desconheça esta instituição.

Art. 100. A declaração de prodigalidade, feita num dos Estadoscontractantes, tem efficacia extraterritorial em relação aos demais, sempreque o permita o direito local.

Capitulo XIIDa Emancipação e Maioridade

Art. 101. As regras applicaveis á emancipação e á maioridade são asestabelecidas pela legislação pessoal do interessado.

Art. 102. Comtudo, a, legislação local pode ser declarada applicavel ámaioridade como requisito para se optar pela nacionalidade da ditalegislação.

Capitulo XIIIDo Registro Civil

Art. 103. As disposições relativas ao registro civil são territoriaes,salvo no que se refere ao registro mantido pelos agentes consulares oufunccionarios diplomaticos.

Essa prescripção não prejudica os direitos de outro Estado, quanto ásrelações juridicas submettidas ao direito internacional publico.

Art. 104. De toda inscripção relativa a um nacional de qualquer dosEstados contractantes, que se fizer no registro civil de outro, deve enviar-se, gratuitamente, por via diplomatica, certidão literal e official, ao paiz dointeressado.

TITULO SEGUNDODOS BENS

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Capitulo IDa Classificação dos Bens

Art. 105. Os bens, seja qual fôr a sua classe, ficam submettidos á lei dolugar.

Art. 106. Para os effeitos do artigo anterior, ter-se-á em conta, quantoaos bens moveis corporeos e titulos representativos de creditos de qualquerclasse, o lugar da sua situação ordinaria ou normal.

Art. 107. A situação dos creditos determina-se pelo lugar onde sedevem tornar effectivos, e, no caso de não estar fixado, pelo domicilio dodevedor.

Art. 108. A propriedade industrial e intellectual e os demais direitosanalogos, de natureza economica, que autorizam o exercicio de certasactividades concedidas pela lei, consideram-se situados onde se tiveremregistrado officialmente.

Art. 109. As concessões reputam-se situadas onde houverem sidolegalmente obtidas.

Art. 110. Em falta de toda e qualquer outra regra e, além disto, para oscasos não previstos neste Codigo, entender-se-á que os bens moveis de todaclasse estão situados no domicilio do seu proprietario, ou, na falta deste, nodo possuidor.

Art. 111. Exceptuam-se do disposto no artigo anterior as cousas dadasem penhor, que se consideram situadas no domicilio da pessoa em cujaposse tenham sido collocadas.

Art. 112. Applicar-se-á sempre a lei territorial para se distinguir entreos bens moveis e immoveis, sem prejuizo dos direitos adquiridos porterceiros.

Art. 113. Á mesma lei territorial, sujeitam-se as demais classificaçõese qualificações juridicas dos bens.

Capitulo IIDa Propriedade

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Art. 114. O bem de familia, inalienavel e isento de gravames eembargos, regula-se pela lei da situação.

Comtudo, os nacionaes de um Estado contractante em que se não admittaou regule essa especie de propriedade, não a poderão ter ou constituir emoutro, a não ser que, com isso, não prejudiquem seus herdeiros forçados.

Art. 115. A propriedade intellectual e a industrial regular-se-ão peloestabelecido nos convenios internacionaes especiaes, ora existentes, ou queno futuro se venham a celebrar.

Na falta delles, sua obtenção, registro e gozo ficarão submettidos aodireito local que as outorgue.

Art. 116. Cada Estado contractante tem a faculdade de submetter aregras especiaes, em relação aos estrangeiros, a propriedade mineira, a dosnavios de pesca e de cabotagem, as industrias no mar territorial e na zonamaritima e a obtenção e gozo de concessões e obras de utilidade publica ede serviço publico.

Art. 117. As regras geraes sobre propriedade e o modo de a adquirir oualienar entre vivos, inclusive as applicaveis a thesouro occulto, assim comoas que regem as aguas do dominio publico e privado e seu aproveitamento,são de ordem publica internacional.

Capitulo IIIDa Communhão de Bens

Art. 118. A communhão de bens rege-se, em geral, pelo accôrdo ouvontade das partes e, na sua falta, pela lei do lugar. Ter-se-á, este ultimocomo domicílio da communhão, na falta do accôrdo em contrario.

Art. 119. Applicar-se-á sempre a lei local, com caracter exclusivo, aodireito de pedir a divisão do objecto commum e ás formas e condições doseu exercicio.

Art. 120. São de ordem publica internacional as disposições sobredemarcação e balisamento, sobre o direito de fechar as propriedadesrusticas e as relativas a edifìcios em ruina e arvores que ameacem cair.

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Capitulo IVDa Posse

Art. 121. A posse e os seus effeitos regulam-se pela lei local.

Art. 122. Os modos de adquirir a posse regulam-se pela lei applicavela cada um delles, segundo a sua natureza.

Art. 123. Determinam-se pela lei do tribunal os meios e os tramitesutilizaveis para se manter a posse do possuidor inquietado, perturbado oudespojado, em virtude de medidas ou decisões judiciaes ou emconsequencia dellas.

Capitulo VDo Usufructo, do Uso e da Habitação

Art. 124. Quando o usufructo se constituir por determinação da lei deum Estado contractante, a dita lei regulá-lo-á obrigatoriamente.

Art. 125. Se o usufructo se houver constituido pela vontade dosparticulares, manifestada em actos entre vivos ou mortis causa, applicar-se-á, respectivamente, a lei do acto ou a da successão.

Art. 126. Se o usufructo surgir por prescripção, sujeitar-se-á lei localque a tiver estabelecido.

Art. 127. Depende da lei pessoal do filho o preceito que dispensa, ounão, da fiança o pae usufructuario.

Art. 128. Subordinam-se á lei da successão a necessidade de prestarfiança o conjuge sobrevivente, pelo usufructo hereditario, e a obrigação dousufructuario de pagar certos legados ou dividas hereditarias.

Art. 129. São de ordem publica internacional as regras que definem ousufructo e as formas da sua constituição, as que fixam as causas legaes,pelas quaes elle se extingue, e as que o limitam a certo numero de annospara as communidades, corporações ou sociedades.

Art. 130. O uso e a habitação regem-se pela vontade da parte ou daspartes que os estabelecerem.

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Capitulo VIDas Servidões

Art. 131. Applicar-se-á o direito local ao conceito e classificação dasservidões, aos modos não convencionaes de as adquirir e de se extinguireme aos direitos e obrigações, neste caso, dos proprietarios dos prediosdominante e serviente.

Art. 132. As servidões de origem contractual ou voluntaria submettem-se à lei do acto relação juridica que as origina.

Art. 133. Exceptuam-se do que se dispõe no artigo anterior e estãosujeitos á lei territorial a communidade de pastos em terrenos publicos e oresgate do aproveitamento de lenhas e demais productos dos montes depropriedade particular.

Art. 134. São de ordem privada as regras applicaveis ás servidõeslegaes que se impõem no interesse ou por utilidade particular.

Art. 135. Deve applicar-se o direito territorial ao conceito eenumeração das servidões legaes, bem como á regulamentação nãoconvencional das aguas, passagens, meações, luz e vista, escoamento deaguas de edificios e distancias e obras intermedias para construcções eplantações.

Capitulo VIIDos Registros da Propriedade

Art. 136. São de ordem publica internacional as disposições queestabelecem e regulam os registros da propriedade e impõem a suanecessidade em relação a terceiros.

Art. 137. Inscrever-se-ão nos registros de propriedade de cada um dosEstados contractantes os documentos ou titulos, susceptiveis de inscripção,outorgados em outro, que tenham força no primeiro, de accôrdo com esteCodigo, e os julgamentos executorios a que, de accôrdo com o mesmo, sedê cumprimento no Estado a que o registro corresponda ou tenha nelle forçade cousa julgada.

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Art. 138. As disposições sobre hypotheca legal, a favor do Estado, dasprovincias ou dos municipios, são de ordem publica internacional.

Art. 139. A hypotheca legal que algumas leis concedem em beneficio decertas pessoas individuaes somente será exigivel quando a lei pessoalconcorde com a lei do lugar em que estejam situados os bens attingidos porella.

TITULO TERCEIRODE VARIOS MODOS DE ADQUIRIR

Capitulo IREGRA GERAL

Art. 140. Applica-se o direito local aos modos de adquirir em relaçãoaos quaes não haja neste Codigo disposições em contrario.

Capitulo IIDas Doações

Art. 141. As doações, quando forem de origem contractual, ficarãosubmettidas, para sua perfeição e effeitos, entre vivos, ás regras geraes doscontractos.

Art. 142. Sujeitar-se-á ás leis pessoaes respectivas, do doador e dodonatario, a capacidade de cada um delles.

Art. 143. As doações que devam produzir effeito por morte do doadorparticiparão da natureza das disposições de ultima vontade e se regerãopelas regras internacionaes estabelecidas, neste Codigo, para a successãotestamentaria.

Capitulo IIIDas Successões em Geral

Art. 144. As successões legitimas e as testamentarias, inclusive a

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ordem de successão, a quota dos direitos successorios e a validadeintrinseca das disposições, reger-se-ão, salvo as excepções adianteestabelecidas, pela lei pessoal do de cujus, qualquer que seja a naturezados bens e o lugar em que se encontrem.

Art. 145. É de ordem publica internacional o preceito em virtude doqual os direitos á successão de uma pessoa transmittem no momento da suamorte.

Capitulo IVDos Testamentos

Art. 146. A capacidade para dispor por testamento regula-se pela leipessoal do testador.

Art. 147. Applicar-se-á a lei territorial ás regras estabelecidas porcada Estado para prova de que o testador demente está em intervallolucido.

Art. 148. São de ordem publica internacional as disposições que nãoadmittem o testamento mancommunado, o olographo ou o verbal, e as que odeclarem acto personalissimo.

Art. 149. Tambem são de ordem publica internacional as regras sobre aforma de papeis privados relativos ao testamento e sobre nullidade dotestamento outorgado com violencia, dolo ou fraude.

Art. 150. Os preceitos sobre a forma dos testamentos são de ordempublica internacional, com excepção dos relativos ao testamento outorgadono estrangeiro e ao militar e ao maritimo, nos casos em que se outorguemfora do paiz.

Art. 151. Subordinam-se á lei pessoal do testador a procedencia,condições e effeitos da revogação de um testamento, mas a presumpção deo haver revogado é determinada pela lei local.

Capitulo VDa Herança

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Art. 152. A capacidade para succeder por testamento ou sem elleregula-se pela lei pessoal do herdeiro ou legatario.

Art. 153. Não obstante o disposto no artigo precedente, são de ordempublica internacional as incapacidades para succeder que os Estadoscontractantes considerem como taes.

Art. 154. A instituição e a substituição de herdeiros ajustar-se-ão á leipessoal do testador.

Art. 155. Applicar-se-á, todavia, o direito local á prohibição desubstituições fideicommissarias que passem do segundo grau ou que sefaçam a favor de pessoas que não vivam por occasião do fallecimento dotestador e as que envolvam prohibição perpetua de alienar.

Art. 156. A nomeação e as faculdades dos testamenteiros ou executorestestamentarios dependem da lei pessoal do defunto e devem serreconhecidas em cada um dos Estados contractantes, de accôrdo com essalei.

Art. 157. Na successão intestada, quando a lei chamar o Estado a titulode herdeiro, na falta de outros, applicar-se-á a lei pessoal do de cujus, masse o chamar como occupante de res nullius applicar-se-á o direito local.

Art. 158. As precauções que se devem adoptar quando a viuva estivergravida ajustar-se-ão ao disposto na legislação do lugar em que ella seencontrar.

Art. 159. As formalidades requeridas para acceitação da herança abeneficio de inventario, ou para se fazer uso do direito de deliberar, são asestabelecidas na lei do lugar em que a successão fôr aberta, bastando issopara os seus effeitos extraterritoriaes.

Art. 160. O preceito que se refira á proindivisão illimitada da herançaou estabeleça a partilha provisoria é de ordem publica internacional.

Art. 161. A capacidade para pedir e levar a cabo a divisão subordina-se á lei pessoal do herdeiro.

Art. 162. A nomeação e as faculdades do contador ou perito partidordependem da lei pessoal do de cujus.

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Art. 163. Subordina-se a essa mesma lei o pagamento das dividashereditarias. Comtudo, os credores que tiverem garantia de caracter realpoderão torná-la effectiva, de accôrdo com a lei que reja essa garantia.

TITULO QUARTODAS OBRIGAÇÕES E CONTRACTOS

Capitulo IDas Obrigações em Geral

Art. 164. O conceito e a classificação das obrigações subordinam-se álei territorial.

Art. 165. As obrigações derivadas da lei regem-se pelo direito que astiver estabelecido.

Art. 166. As obrigações que nascem dos contractos têm força da leientre as partes contractantes e devem cumprir-se segundo o teor dosmesmos, salvo as limitações estabelecidas neste Codigo.

Art. 167. As obrigações originadas por delictos ou faltas estão sujeitasao mesmo direito que o delicto ou falta de que procedem.

Art. 168. As obrigações que derivem de actos ou omissões, em queintervenha culpa ou negligencia não punida pela lei, reger-se-ão pelodireito do lugar em que tiver occorrido a negligencia ou culpa que asorigine.

Art. 169. A natureza e os effeitos das diversas categorias deobrigações, assim como a sua extincção, regem-se pela lei da obrigação deque se trate.

Art. 170. Não obstante o disposto no artigo anterior, a lei local regulaas condições do pagamento e a moeda em que se deve fazer.

Art. 171. Tambem se submette á lei do lugar a deteminação de quemdeve satisfazer ás despesas judiciaes que o pagamento originar, assim comoa sua regulamentação.

Art. 172. A prova das obrigações subordina-se, quanto á sua admissão

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e efficacia, á lei que reger a mesma obrigação.

Art. 173. A impugnação da certeza do lugar da outorga de umdocumento particular, se influir na sua efficacia, poderá ser feita semprepelo terceiro a quem prejudicar, e a prova ficará a cargo de quem aapresentar.

Art. 174. A presumpção de cousa julgada por sentença estrangeira seráadmissivel, sempre que a sentença reunir as condições necessarias para asua execução no territorio, conforme o presente Codigo.

Capitulo IIDos Contractos em Geral

Art. 175. São regras de ordem publica internacional as que vedam oestabelecimento de pactos, clausulas e condições contrarias ás leis, á morale á ordem publica e as que prohibem o juramento e o consideram sem valor.

Art. 176. Dependem da lei pessoal de cada contractante as regras quedeterminam a capacidade ou a incapacidade para prestar o consentimento.

Art. 177. Applicar-se-á a lei territorial ao êrro, á violencia, áintimidação e ao dolo, em relação ao consentimento.

Art. 178. É tambem territorial toda regra que prohibe sejam objecto decontracto serviços contrarios ás leis e nos bons costumes e cousas queestejam fora do commercio.

Art. 179. São de ordem publica internacional as disposições que sereferem á causa illicita nos contractos.

Art. 180. Applicar-se-ão simultaneamente a lei do lugar do contracto ea da sua execução, á necessidade de outorgar escriptura ou documentopublico para a efficacia de determinados convenios e á de os fazer constarpor escripto.

Art. 181. A rescisão dos contractos, por incapacidade ou ausencia,determina-se pela lei pessoal do ausente ou incapaz.

Art. 182. As demais causas de rescisão e sua forma e effeitossubordinam-se á lei territorial.

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Art. 183. As disposições sobre nullidade dos contractos sãosubmettidas á lei de que dependa a causa da nullidade.

Art. 184. A interpretação dos contractos deve effectuar-se, como regrageral, de accôrdo com a lei que os rege.

Comtudo, quando essa lei fôr discutida e deva resultar da vontade tacitadas partes, applicar-se-á, por presumpção, a legislação que para esse casose determina nos arts. 185 e 186, ainda que isso leve a applicar aocontracto uma lei distincta, como resultado da interpretação da vontade.

Art. 185. Fora das regras já estabelecidas e das que no futuro seconsignem para os casos especiaes, nos contractos de adhesão presume-seacceita, na falta de vontade expressa ou tacita, a lei de quem os offerece ouprepara.

Art. 186. Nos demais contractos, e para o caso previsto no artigoanterior, applicar-se-á em primeiro lugar a lei pessoal commum aoscontractantes e, na sua falta, a do lugar da celebração.

Capitulo IIIDos Contractos Matrimoniaes

em Relação aos Bens

Art. 187. Os contractos matrimoniaes regem-se pela lei pessoalcommum aos contractantes e, na sua falta, pela do primeiro domiciliomatrimonial.

Essas mesmas leis determinam, nessa ordem, o regimen legalsuppletivo, na falta de estipulação.

Art. 188. É de ordem publica internacional o preceito que vedacelebrar ou modificar contractos nupciaes na constancia do matrimonio, ouque se altere o regimen de bens por mudanças de nacionalidade ou dedomicilio posteriores ao mesmo.

Art. 189. Têm igual caracter os preceitos que se referem á rigorosaapplicação das leis e dos bons costumes, aos effeitos dos contractosnupciaes em relação a terceiros e á sua forma solenne.

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Art. 190. A vontade das partes regula o direito applicavel ás doaçõespor motivo de matrimonio, excepto no que se refere á capacidade doscontractantes, á salvaguarda de direitos dos herdeiros legitimos e á suanullidade, emquanto o matrimonio subsistir, subordinando-se tudo á leigeral que o regular e desde que a ordem publica internacional não sejaattingida.

Art. 191. As disposições relativas ao dote e aos bens paraphernaesdependem da lei pessoal da mulher.

Art. 192. É de ordem publica internacional o preceito que repudia ainalienabilidade do dote.

Art. 193. É de ordem publica internacional a prohibição de renunciar ácommunhão de bens adquiridos durante o matrimonio.

Capitulo IVDa Compra e Venda, Cessão

de Credito e Permuta

Art. 194. São de ordem publica internacional as disposições relativas áalienação forçada por utilidade publica.

Art. 195. O mesmo succede com as disposições que fixam os effeitosda posse e do registro entre varios adquirentes e as referentes á remissãolegal.

Capitulo VDo Arrendamento

Art. 196. No arrendamento de cousas, deve applicar-se a lei territorialás medidas para salvaguarda do interesse de terceiros e aos direitos edeveres do comprador de immovel arrendado.

Art. 197. É de ordem publica internacional, na locação de serviços, aregra que impede contractá-los por toda a vida ou por mais de certo tempo.

Art. 198. Tambem é territorial a legislação sobre accidentes dotrabalho e protecção social do trabalhador.

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Art. 199. São territoriaes, quanto aos transportes por agua, terra e ar, asleis e regulamentos locaes e especiaes.

Capitulo VIDos Foros

Art. 200. Applica-se a lei territorial á determinação do conceito ecategorias dos foros, seu caracter remissivel, sua prescripção e á acçãoreal que delles deriva.

Art. 201. Para o fôro emphyteutico, são igualmente territoriaes asdisposições que fixam as duas condições e formalidades, que lhe impõemum reconhecimento ao fim de certo numero de annos e que prohibem a sub-emphyteuse.

Art. 202. No fôro consignativo, é de ordem publica internacional aregra que prohibe que o pagamento em fructos possa consistir em uma partealiquota do que produza a propriedade aforada.

Art. 203. Tem o mesmo caracter, no fôro reservativo, a exigencia deque se valorize a propriedade aforada.

Capitulo VIIDa Sociedade

Art. 204. São leis territoriaes as que exigem, na sociedade um objectolicito, formas solennes, e inventarios, quando haja immoveis.

Capitulo VIIIDo Emprestimo

Art. 205. Applica-se a lei local á necessidade do pacto expresso dejuros e sua taxa: Capitulo IXDo Deposito

Art. 206. São territoriaes as disposições referentes ao depositonecessario e ao sequestro.

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Capitulo XDos Contractos Aleatorios

Art. 297. Os effeitos das capacidades, em acções nascidas do contractode jogo, determinam-se pela lei pessoal do interessado.

Art. 208. A lei local define os contractos dependentes de sorte edetermina o jogo e a aposta permittidos ou prohibidos.

Art. 209. É territorial a disposição que declara nulla a renda vitaliciasobre a vida de uma pessoa, morta na data da outorga, ou dentro de certoprazo, se estiver padecendo de doença incuravel.

Capitulo XIDas Transacções e Compromissos

Art. 210. São territoriaes as disposições que prohibem transigir ousujeitar a compromissos determinadas materias.

Art. 211. A extensão e effeitos do compromisso e a autoridade de cousajulgada da transação dependem tambem da lei territorial.

Capitulo XIIDa Fiança

Art. 212. É de ordem publica internacional a regra que prohibe aofiador obrigar-se por mais do que o devedor principal.

Art. 213. Correspondem á mesma categoria as disposições relativas áfiança legal ou judicial.

Capitulo XIIIDo Penhor, da Hypotheca

e da Antichrese

Art. 214. É territorial a disposição que prohibe ao credor appropriar-sedas cousas recebidas como penhor ou hypotheca.

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Art. 215. Tambem o são os preceitos que determinam os requisitosessenciaes do contracto de penhor, e elles devem vigorar quando o objectopenhorado se transfira a outro lugar onde as regras sejam diferentes dasexigidas ao celebrar-se o contracto.

Art. 216. São igualmente territoriaes as prescripções em virtude dasquaes o penhor deva ficar em poder do credor ou de um terceiro, as queexijam, para valer contra terceiros, que conste, por instrumento publico, adata certa e as que fixem o processo para a sua alienação.

Art. 217. Os regulamentos especiaes de montes de soccorro eestabelecimentos publicos analogos são obrigatorios territorialmente paratodas as operações que com elles se realizem.

Art. 218. São territoriaes as disposições que fixam o objecto, ascondições, os requisitos, o alcance e a inscripção do contracto dehypotheca.

Art. 219. É igualmente territorial a prohibição de que o credor adquiraa propriedade do immovel em antichrese, por falta do pagamento da divida.

Capitulo XIVDos Quasi-Contractos

Art. 220. A gestão de negocios alheios é regulada pela lei do lugar emque se effectuar.

Art. 221. A cobrança do indebito submette-se á lei pessoal commumdas partes e, na sua falta, á do lugar em que se fizer o pagamento.

Art. 222. Os demais quasi-contractos subordinam-se á lei que regule ainstituição juridica que os origine.

Capitulo XVDo Concurso e Preferencia de Creditos

Art. 223. Se as obrigações concorrentes não têm caracter real e estãosubmettidas a uma lei commum, a dita lei regulará tambem a suapreferencia.

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Art. 224. As obrigações garantidas com acção real, applicar-se-á a leida situação da garantia.

Art. 225. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, deveapplicar-se á preferencia de creditos a lei do tribunal que tiver que adecidir.

Art. 226. Se a questão fôr apresentada, simultaneamente em mais de umtribunal de Estados diversos, resolver-se-á de accôrdo com a lei daquelleque tiver realmente sob a sua jurisdicção os bens ou numerario em que sedeva fazer effectiva a preferencia.

Capitulo XVIDa Prescripção

Art. 227. A prescripção acquisitiva de bens moveis ou immoveis éregulada pela lei do lugar em que estiverem situados.

Art. 228. Se as cousas moveis mudarem de situação, estando a caminhode prescrever, será regulada a prescripção pela lei do lugar em que seencontrarem ao completar-se o tempo requerido.

Art. 229. A prescripção extinctiva de acções pessoaes é regulada pelalei a que estiver sujeita a obrigação que se vai extinguir.

Art. 230. A prescripção extinctiva de acções reaes é regulada pela leido lugar em que esteja situada a cousa a que se refira.

Art. 231. Se, no caso previsto no artigo anterior, se tratar de cousasmoveis que tiverem mudado de lugar durante o prazo da prescripção,applicar-se-á a lei do lugar em que se encontrarem ao completar-se operiodo ali marcado para a prescripção.

LIVRO SEGUNDO

DIREITO COMMERCIAL INTERNACIONAL

TITULO PRIMEIRODOS COMMERCIANTES E DO COMMERCIO

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EM GERAL

Capitulo IDos Commerciantes

Art. 232. A capacidade para exercer o commercio e para intervir emactos e contractos commerciaes é regulada pela lei pessoal de cadainteressado.

Art. 233. A essa mesma lei pessoal se subordinam as incapacidades e asua habilitação.

Art. 234. A lei do lugar em que o commercio se exerce deve applicar-se ás medidas de publicidade necessarias para que se possam dedicar aelle, por meio de seus representantes, os incapazes, ou, por si mesmas, asmulheres casadas.

Art. 235. A lei local deve applicar-se á incompatibilidade para oexercicio do commercio pelos empregados publicos e pelos agentes decommercio e correctores.

Art. 236. Toda incompatibilidade para o commercio, que resultar deleis ou disposições especiaes em determinado territorio, será regida pelodireito desse territorio.

Art. 237. A dita incompatibilidade, quanto a funccionarios diplomaticose agentes consulares, será regulada pela lei do Estado que os nomear. Opaiz onde residirem tem igualmente o direito de lhes prohibir o exerciciodo commercio.

Art. 238. O contracto social ou a lei a que o mesmo fique sujeitoapplica-se á prohibição de que os socios collectivos ou commanditariosrealizem, por conta propria ou alheia, operações mercantis ou determinadaclasse destas.

Capitulo IIDa Qualidade de Commerciante

e dos Actos de Commercio

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Art. 239. Para todos os effeitos de caracter publico, a qualidade docommerciante é determinada pela lei do lugar em que se tenha realizado oacto ou exercido a industria de que se trate.

Art. 240. A forma dos contractos e actos commerciaes é subordinada álei territorial.

Capitulo IIIDo Registro Mercantil

Art. 241. São territoriaes as disposições relativas á inscripção, noregistro mercantil, dos commerciantes e sociedades estrangeiras.

Art. 242. Têm o mesmo caracter as regras que estabelecem o effeito dainscripção, no dito registro, de creditos ou direitos de terceiros.

Capitulo IVDos Lugares e Casas de Bolsa e

Cotação Official de Titulos Publicose Documentos de Credito ao Portador

Art. 243. As disposições relativas aos lugares e casas de bolsa ecotação official de titulos publicos e documentos de credito ao portador sãode ordem publica internacional.

Capitulo VDisposições Geraes sobre

os Contractos de Commercio

Art. 244. Applicar-se-ão aos contractos de commercio as regras geraesestabelecidas para os contractos civis no capitulo segundo, titulo quarto,livro primeiro deste Codigo.

Art. 245. Os contractos por correspondencia só ficarão perfeitosmediante o cumprimento das condições que para esse effeito indicar alegislação de todos os contractantes.

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Art. 246. São de ordem publica internacional as disposições relativas acontractos illicitos e a prazos de graça, cortesia e outros analogos.

TITULO SEGUNDODOS CONTRACTOS ESPECIAES

DE COMMERCIO

Capitulo IDas Companhias Commerciaes

Art. 247. O caracter commercial de uma sociedade collectiva oucommanditaria determina-se pela lei a que estiver submettido o contractosocial, e, na sua falta, pela do lugar em que tiver o seu domiciliocommercial.

Se essas leis não distinguirem entre sociedades commerciaes e civis,applicar-se-á o direito do paiz em que a questão fôr submettida a juizo.

Art. 248. O caracter mercantil duma sociedade anonyma depende da leido contracto social; na falta deste, da do lugar em que se effectuem asassembléas geraes de accionistas, e em sua falta da do em que normalmenteresida o seu Conselho ou Junta directiva.

Se essas leis não distinguirem entre sociedades commerciaes e civis,terá um ou outro caracter, conforme esteja ou não inscripta no registrocommercial do paiz onde a questão deva ser julgada. Em falta de registromercantil, applicar-se-á o direito local deste ultimo paiz.

Art. 249. Tudo quanto se relacione com a constituição e maneira defunccionar das sociedades mercantis e com a responsabilidade dos seusórgãos está sujeito ao contracto social, e, eventualmente, á lei que o reja.

Art. 250. A emissão de acções e obrigações em um Estado contractante,as formas e garantias de publicidade e a responsabilidade dos gerentes deagencias e succursaes, a respeito de terceiros, submettem-se á leiterritorial.

Art. 251. São tambem territoriaes as leis que subordinam a sociedade a

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um regimen especial, em vista das suas operações.

Art. 252. As sociedades mercantis, devidamente constituidas em umEstado contractante, gozarão da mesma personalidade juridica nos demais,salvas as limitações do direito territorial.

Art. 253. São territoriaes as disposições que se referem á criação,funccionamento e privilegios dos bancos de emissão e desconto,companhias de armazens geraes de depositos, e outras analogas.

Capitulo IIDa Commissão Mercantil

Art. 254. São de ordem publica internacional as prescripções relativasá forma da venda urgente pelo commissario, para salvar, na medida dopossivel, o valor das cousas em que a commissão consista.

Art. 255. As obrigações do preposto estão sujeitas á lei do domiciliomercantil do mandante.

Capitulo IIIDo Deposito e Emprestimo Mercantis

Art. 256. As responsabilidades não civis do depositario, regem-se pelalei do lugar do deposito.

Art. 257. A taxa legal e a liberdade dos juros mercantis são de ordempublica internacional.

Art. 258. São territoriaes as disposições referentes ao emprestimo comgarantia de titulos cotizaveis, negociado em bolsa, com intervenção deagente competente ou funccionario official.

Capitulo IVDo Transporte Terrestre

Art. 259. Nos casos de transporte internacional, ha somente umcontracto, regido pela lei que lhe corresponda, segundo a sua natureza.

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Art. 260. Os prazos e formalidades para o exercicio de acções surgidasdesse contracto, e não previstas no mesmo, regem-se pela lei do lugar emque se produzam os factos que as originem.

Capitulo VDos Contractos de Seguro

Art. 261. O contracto de seguro contra incendios rege-se pela lei dolugar onde, ao ser effectuado, se ache a cousa segurada.

Art. 262. Os demais contractos de seguros seguem a regra geral,regulando-se pela lei pessoal commum das partes ou, na sua falta, pela dolugar da celebração; mas, as formalidades externas para comprovação defactos ou omissões, necessarias ao exercicio ou conservação de acções oudireitos, ficam sujeitas á lei do lugar em que se produzir o facto ou omissãoque as originar.

Capitulo VIDo Contracto e Letra de CambioE Effeitos Mercantis Analogos

Art. 263. A forma do saque, endosso, fiança, intervenção acceite eprotesto de uma letra de cambio submette-se á lei do lugar em que cada umdos ditos actos se realizar.

Art. 264. Na falta de convenio expresso ou tacito, as relações juridicasentre o sacador e o tomador serão reguladas pela lei do lugar em que a letrase saca.

Art. 265. Em igual caso, as obrigações e direitos entre o acceitante e oportador regulam-se pela lei do lugar em que se tiver effectuado o acceite.

Art. 266. Na mesma hypothese, os effeitos juridicos que o endossoproduz, entre o endossante e o endossado, dependem da lei do lugar em quea letra fôr endossada.

Art. 267. A maior ou menor extensão das obrigações de cadaendossante não altera os direitos e deveres originarios do sacador e do

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tomador.

Art. 268. O aval, nas mesmas condições, é regulado pela lei do lugarem que se presta.

Art. 269. Os effeitos juridicos da acceitação por intervenção regulam-se, em falta de convenção, pela lei do lugar em que o terceiro intervier.

Art. 270. Os prazos e formalidades para o acceite, pagamento eprotesto submettem-se á lei local.

Art. 271. As regras deste capitulo são applicaveis ás notaspromissorias, vales e cheques.

Capitulo VIIDa Falsificação, Roubo, Furto ou Extravio deDocumentos de Credito e Titulos ao Portador

Art. 272. As disposições relativas á falsificação, roubo, furto ouextravio de documentos de credito e titulos ao portador são de ordempublica internacional.

Art. 273. A adopção das medidas que estabeleça a lei do lugar em queo acto se produz não dispensa os interessados de tomar quaesquer outrasdeterminadas pela lei do lugar em que esses documentos e effeitos tenhamcotação e pela do lugar do seu pagamento.

TITULO TERCEIRODO COMMERCIO MARITIMO E AEREO

Capitulo IDos Navios e Aeronaves

Art. 274. A nacionalidade dos navios prova-se pela patente denavegação e a certidão do registro, e tem a bandeira como signal distinctivoapparente.

Art. 275. A lei do pavilhão regula as formas de publicidade requeridaspara a transmissão da propriedade de um navio.

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Art. 276. Á lei da situação deve submetter-se a faculdade de embargare vender judicialmente um navio, esteja ou não carregado e despachado.

Art. 277. Regulam-se pela lei do pavilhão os direitos dos credores,depois da venda do navio, e a extinção dos mesmos.

Art. 278. A hypotheca maritima e os privilegios e garantias de caracterreal, constituidos de accôrdo com a lei do pavilhão, têm offeitosextraterritoriaes, até nos paizes cuja legislação não conheça ou não reguleessa hypotheca ou esses privilegios.

Art. 279. Sujeitam-se tambem á lei do pavilhão os poderes eobrigações do capitão e a responsabilidade dos proprietarios e armadorespelos seus actos.

Art. 280. O reconhecimento do navio, o pedido de pratico e a policiasanitaria dependem da lei territorial.

Art. 281. As obrigações dos officiaes e gente do mar e a ordem internado navio subordinam-se á lei do pavilhão.

Art. 282. As precedentes disposições deste capitulo applicam-setambem ás aeronaves.

Art. 283. São de ordem publica internacional as regras sobre anacionalidade dos proprietarios de navios e aeronaves e dos armadores,assim como dos officiaes e da tripulação.

Art. 284. Tambem são de ordem publica internacional as disposiçõessobre nacionalidade de navios e aeronaves para o commercio fluvial,lacustre e de cabotagem e entre determinados lugares do territorio dosEstados contractantes, assim como para a pesca e outras industriassubmarinas no mar territorial.

Capitulo IIDos Contractos Especiaes deCommercio Maritimo e Aereo

Art. 285. O fretamento, caso não seja um contracto de adhesão, reger-se-á pela lei do lugar de saída das mercadorias.

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Os actos de execução do contracto ajustar-se-ão á lei do lugar em quese effectuarem.

Art. 286. As faculdades do capitão para o emprestimo de riscomaritimo determinam-se pela lei do pavilhão.

Art. 287. O contracto de emprestimo de risco maritimo, salvoconvenção em contrario, subordina-se á lei do lugar em que o emprestimose effectue.

Art. 288. Para determinar se a avaria é simples ou grossa e a proporçãoem que devem contribuir para a supportar o navio e a carga, applica-se alei do pavilhão.

Art. 289. O abalroamento fortuito, em aguas territoriaes ou no espaçoaereo nacional, submette-se á lei do pavilhão, se este fôr commum.

Art. 290. No mesmo caso, se os pavilhões differem, applica-se a lei dolugar.

Art. 291. Applica-se essa mesma lei local a todo caso de abalroamentoculpavel, em aguas territoriaes ou no espaço aereo nacional.

Art. 292. A lei do pavilhão applicar-se-á nos casos de abalroamentofortuito ou culpavel, em alto mar ou no livre espaço, se os navios ouaeronaves tiverem o mesmo pavilhão.

Art. 293. Em caso contrario, regular-se-á pelo pavilhão do navio ouaeronave abalroado, se o abalroamento fôr culpavel.

Art. 294. Nos casos de abalroamento fortuito, no alto mar ou no espaçoaereo livre, entre navios ou aeronaves de differentes pavilhões, cada umsupportará a metade da somma total do damno, dividido segundo a lei deum delles, e a metade restante dividida segundo a lei do outro.

TITULO QUARTODA PRESCRIPÇÃO

Art. 295. A prescripção das acções originadas em contractos e actoscommerciaes ajustar-se-á ás regras estabelecidas neste Codigo, a respeitodas acções civeis.

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LIVRO TERCEIRO

DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Capitulo IDas Leis Penaes

Art. 296. As leis penaes obrigam a todos os que residem no territorio,sem mais excepções do que as estabelecidas neste capitulo.

Art. 297. Estão isentos das leis penaes de cada Estado contractante oschefes de outros Estados que se encontrem no seu territorio.

Art. 298. Gozam de igual isenção os representantes diplomaticos dosEstados contractantes, em cada um dos demais, assim como os seusempregados estrangeiros, e as pessoas da familia dos primeiros, que vivamem sua companhia.

Art. 299. As leis penaes dum Estado não são, tão pouco, applicaveisaos delictos commettidos no perimetro das operações militares, quandoesse Estado haja autorizado a passagem, pelo seu territorio, dum exercitode outro Estado contractante, comtanto que taes delictos não tenham relaçãolegal com o dito exercito.

Art. 300. Applica-se a mesma isenção aos delictos commettidos emaguas territoriaes ou no espaço aereo nacional, a bordo de navios ouaeronaves estrangeiros de guerra.

Art. 301. O mesmo succede com os delictos commettidos em aguasterritoriaes ou espaço aereo nacional, em navios ou aeronaves mercantesestrangeiros, se não têm relação alguma com o paiz e seus habitantes, nemperturbam a sua tranquillidade.

Art. 302. Quando os actos de que se componha um delicto se realizemem Estados contractantes diversos, cada Estado pode castigar o actorealizado em seu paiz, se elle constitue, por si só, um facto punivel.

Em caso contrario, dar-se-á preferencia ao direito da soberania localem que o delicto se tiver consummado.

Art. 303. Se se trata de delictos connexos em territorios de mais de um

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Estado contractante, só ficará subordinado á lei penal de cada um o que fôrcommettido no seu territorio.

Art. 304. Nenhum Estado contractante applicará em seu territorio asleis penaes dos outros.

Capitulo IIDos Delictos Commettidos em umEstado Estrangeiro Contractante

Art. 305. Estão sujeitos, no estrangeiro, ás leis penaes de cada Estadocontractante, os que commetterem um delicto contra a segurança interna ouexterna do mesmo Estado ou contra o seu credito publico, seja qual fôr anacionalidade ou o domicilio do delinquente.

Art. 306. Todo nacional de um Estado contractante ou todo estrangeironelle domiciliado, que commetta em paiz estrangeiro um delicto contra aindependencia desse Estado, fica sujeito ás suas leis penaes.

Art. 307. Tambem estarão sujeitos ás leis penaes do Estado estrangeiroem que possam ser detidos e julgados aquelles que commettam fora doterritorio um delicto, como o tráfico de mulheres brancas, que esse Estadocontractante se tenha obrigado a reprimir por accôrdo internacional.

Capitulo IIIDos Delictos Commettidos Fora

do Territorio Nacional

Art. 308. A pirataria, o tráfico de negros e o commercio de escravos, otráfico de mulheres brancas, a destruição ou deterioração de cabossubmarinos e os demais delictos da mesma indole, contra o direitointernacional, commettidos no alto mar, no ar livre e em territorios nãoorganizados ainda em Estado, serão punidos pelo captor, de accôrdo com assuas leis penaes.

Art. 309. Nos casos de abalroamento culpavel, no alto mar ou noespaço aereo, entre navios ou aeronaves de pavilhões diversos, applicar-

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se-á a lei penal da victima.

Capitulo IVQuestões Varias

Art. 310. Para o conceito legal da reiteração ou da reincidencia, serálevada em conta a sentença pronunciada num Estado estrangeirocontractante, salvo os casos em que a isso se oppuzer a legislação local.

Art. 311. A pena de interdicção civil terá effeito nos outros Estados,mediante o prévio cumprimento das formalidades de registro ou publicaçãoque a legislação de cada um delles exija.

Art. 312. A prescripção do delicto subordina-se á lei do Estado a quecorresponda o seu conhecimento.

Art. 313. A prescripção da pena regula-se pela lei do Estado que atenha imposto.

LIVRO QUARTO

DIREITO PROCESSUAL INTERNACIONAL

TITULO PRIMEIROPRINCIPIOS GERAES

Art. 314. A lei de cada Estado contractante determina a competenciados tribunaes, assim como a sua organização, as formas de processo e aexecução das sentenças e os recursos contra suas decisões.

Art. 315. Nenhum Estado contractante organizará ou manterá no seuterritorio tribunaes especiaes para os membros dos demais Estadoscontractantes.

Art. 316. A competencia ratione loci subordina-se, na ordem dasrelações internacionais, á lei do Estado contractante que a estabelece.

Art. 317. A competencia ratione materiæ ratione personæ, na ordem dasrelações internacionaes, não se deve basear, por parte dos Estadoscontractantes, na condição de nacionaes ou estrangeiros das pessoas

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interessadas, em prejuizo destas.

TITULO SEGUNDODA COMPETENCIA

Capitulo IDas Regras Geraes de Competencia

no Civel e no Commercial

Art. 318. O juiz competente, em primeira instancia, para conhecer dospleitos a que dê origem o exercicio das acções civeis e mercantis dequalquer especie, será aquelle a quem os litigantes se submettam expressaou tacitamente, sempre que um delles, pelo menos, seja nacional do Estadocontractante a que o juiz pertença ou tenha nelle o seu domicilio e salvo odireito local, em contrario.

A submissão não será possivel para as acções reaes ou mixtas sobrebens immoveis, se a prohibir a lei da sua situação.

Art. 319. A submissão só se poderá fazer ao juiz que exerça jurisdicçãoordinaria e que a tenha para conhecer de igual classe de negocios e nomesmo grau.

Art. 320. Em caso algum poderão as partes recorrer, expressa outacitamente, para juiz ou tribunal differente daquelle ao qual, segundo asleis locaes, estiver subordinado o que tiver conhecido do caso, na primeirainstancia.

Art. 321. Entender-se-á por submissão expressa a que fôr feita pelosinteressados com renuncia clara e terminante do seu fôro proprio e adesignação precisa do juiz a quem se submettem.

Art. 322. Entender-se-á que existe a submissão tacita do autor quandoeste comparece em juizo para propor a demanda, e a do réu quando estepratica, depois de chamado a juizo, qualquer acto que não seja aapresentação formal de declinatoria. Não se entenderá que ha submissãotacita se o processo correr á revelia.

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Art. 323. Fora dos casos de submissão expressa ou tacita, e salvo odireito local, em contrario, será juiz competente, para o exercicio de acçõespessoaes, o do lugar do cumprimento da obrigação, e, na sua falta, o dodomicilio dos réus ou, subsidiariamente, o da sua residencia.

Art. 324. Para o exercicio de acções reaes sobre bens moveis, serácompetente o juiz da situação, e, se esta não fôr conhecida do autor, o dodomicilio, e, na sua falta, o da residencia do réu.

Art. 325. Para o exercicio de acções reaes sobre bens immoveis e parao das acções mixtas de limites e divisão de bens communs, será juizcompetente o da situação dos bens.

Art. 326. Se, nos casos a que se referem os dois artigos anteriores,houver bens situados em mais de um Estado contractante, poderá recorrer-se aos juizes de qualquer delles, salvo se a lei da situação, no referente aimmoveis, o prohibir.

Art. 327. Nos juizos de testamentos ou ab intestato, será juizcompetente o do lugar em que o finado tiver tido o seu ultimo domicilio.

Art. 328. Nos concursos de credores e no de fallencia, quando fôrvoluntaria a confissão desse estado pelo devedor, será juiz competente o doseu domicilio.

Art. 329. Nas concordatas ou fallencias promovidas pelos credores,será juiz competente o de qualquer dos lugares que conheça da reclamaçãoque as motiva, preferindo-se, caso esteja entre elles, o do domicilio dodevedor, se este ou a maioria dos credores o reclamarem.

Art. 330. Para os actos de jurisdicção voluntaria, salvo tambem o casode submissão e respeitado o direito local, será competente o juiz do lugarem que a pessoa que os motivar tenha ou haja tido o seu domicilio, ou, nafalta deste, a residencia.

Art. 331. Nos actor de jurisdicção voluntaria em materia decommercio, fora do caso de submissão, e salvo o direito local, serácompetente o juiz do lugar em que a obrigação se deva cumprir ou, na suafalta, o do lugar do facto que os origine.

Art. 332. Dentro de cada Estado contractante, a competencia preferente

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dos diversos juizes será regulada pelo seu direito nacional.

Capitulo IIDas Excepções ás Regras Geraes de

Competencia no Civel e no Commercial

Art. 333. Os juizes e tribunaes de cada Estado contractante serãoincompetentes para conhecer dos assumptos civeis ou commerciaes em quesejam parte demandada os demais Estados contractantes ou seus chefes, sese trata de uma acção pessoal, salvo o caso de submissão expressa ou depedido de reconvenção.

Art. 334. Em caso identico e com a mesma excepção, elles serãoincompetentes quando se exercitem acções reaes, se o Estado contractanteou o seu chefe têm actuado no assumpto como taes e no seu caracterpublico, devendo applicar-se, nessa hypothese, o disposto na ultima alineado art. 318.

Art. 335. Se o Estado estrangeiro contractante ou o seu chefe tiveremactuado como particulares ou como pessoas privadas, serão competentes osjuizes ou tribunaes para conhecer dos assumptos em que se exercitemacções reaes ou mixtas, se essa competencia lhes corresponder em relaçãoa individuos estrangeiros, de accôrdo com este Codigo.

Art. 336. A regra do artigo anterior será applicavel aos juizosuniversaes, seja qual fôr o caracter com que nelles actue o Estadoestrangeiro contractante ou o seu chefe.

Art. 337. As disposições estabelecidas nos artigos anteriores applicar-se-ão aos funccionarios diplomaticos estrangeiros e aos commandantes denavios ou aeronaves de guerra.

Art. 338. Os consules estrangeiros não estarão isentos da competenciados juizes e tribunaes civis do paiz em que funccionem, excepto quanto aosseus actos officiaes.

Art. 339. Em nenhum caso poderão os juizes ou tribunaes ordenarmedidas coercitivas ou de outra natureza que devam ser executadas nointerior das legações ou consulados ou em seus archivos, nem a respeito da

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correspondencia diplomatica ou consular, sem o consentimento dosrespectivos funccionarios diplomaticos ou consulares.

Capitulo IIIRegras Geraes de Competencia

em Materia Penal

Art. 340. Para conhecer dos delictos e faltas e os julgar sãocompetentes os juizes e tribunaes do Estado contractante em que tenhamsido commettidos.

Art. 341. A competencia estende-se a todos os demais delictos e faltasa que se deva applicar a lei penal do Estado, conforme as disposições desteCodigo.

Art. 342. Comprehende, além disso, os delictos ou faltas commettidosno estrangeiro por funccionarios nacionaes que gozem do beneficio daimmunidade.

Capitulo IVDas Excepções ás Regras Geraesde Competencia em Materia Penal

Art. 343. Não estão sujeitos, em materia penal, á competencia de juizese tribunaes dos Estados contractantes, as pessoaes e os delictos ouinfracções que não são attingidos pela lei penal do respectivo Estado.

TITULO TERCEIRODA EXTRADIÇÃO

Art. 344. Para se tornar effectiva a competencia judicial internacionalem materia penal, cada um dos Estados contractantes accederá ao pedido dequalquer dos outros, para a entrega de individuos condemnados ouprocessados por delictos que se ajustem ás disposições deste titulo, semprejuizo das disposições dos tratados ou convenções internacionaes quecontenham listas de infracções penaes que autorizem a extradição.

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Art. 345. Os Estados contractantes não estão obrigados a entregar osseus nacionaes. A nação que se negue a entregar um de seus cidadãos ficaobrigada a julgá-lo.

Art. 346. Quando, anteriormente ao recebimento do pedido, umindividuo processado ou condemnado tiver delinquido no paiz a que sepede a sua entrega, pode adiar-se essa entrega até que seja elle julgado ecumprida a pena.

Art. 347. Se varios Estados contractantes solicitam a extradição de umdelinquente pelo mesmo delicto, deve ser elle entregue áquelle Estado emcujo territorio o delicto se tenha commettido.

Art. 348. Caso a extradição se solicite por actos diversos, terápreferencia o Estado contractante em cujo territorio se tenha commettido odelicto mais grave segundo a legislação do Estado requerido.

Art. 349. Se todos os actos imputados tiverem igual gravidade serápreferido o Estado contractante que primeiro houver apresentado o pedidode extradição. Sendo simultanea a apresentação, o Estado requeridodecidirá, mas deve conceder preferencia ao Estado de origem ou, na suafalta, ao do domicilio do delinquente, se fôr um dos solicitantes.

Art. 350. As regras anteriores sobre preferencia não serão applicaveis,se o Estado contractante estiver obrigado para com um terceiro, em virtudede tratados vigentes, anteriores a este Codigo, a estabelecê-la de mododifferente.

Art. 351. Para conceder a extradição, é necessario que o delicto tenhasido commettido no territorio do Estado que a peça ou que lhe sejamapplicaveis suas leis penaes, de accôrdo com o livro terceiro deste Codigo.

Art. 352. A extradição alcança os processados ou condemnados comoautores, cumplices ou encobridores do delicto.

Art. 353. Para que a extradição possa ser pedida, é necessario que ofacto que a motive tenha caracter de delicto, na legislação do Estadorequerente e na do requerido.

Art. 354. Será igualmente exigido que a pena estabelecida para osfactos incriminados, conforme a sua qualificação provisoria ou definitiva,

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pelo juiz ou tribunal competente do Estado que solicita a extradição, nãoseja menor de um anno de privação de liberdade e que esteja autorizada oudecidida a prisão ou detenção preventiva do accusado, se não houver aindasentença final. Esta deve ser de privação de liberdade.

Art. 355. Estão excluidos da extradição os delictos politicos e os comelles relacionados, segundo a definição do Estado requerido.

Art. 356. A extradição tambem não será concedida, se se provar que apetição de entrega foi formulada, de facto, com o fim de se julgar e castigaro accusado por um delicto de caracter politico, segundo a mesma,definição.

Art. 357. Não será reputado delicto politico, nem facto connexo, ohomicidio ou assassinio do chefe de um Estado contractante, ou de qualquerpessoa que nelle exerça autoridade.

Art. 358. Não será concedida a extradição, se a pessoa reclamada játiver sido julgada e posta em liberdade ou cumprido a pena ou estiversubmettida a processo no territorio do Estado requerido, pelo mesmodelicto que motiva o pedido.

Art. 359. Não se deve, tão pouco, acceder ao pedido de extradição, seestiver prescripto o delicto ou a pena, segundo as leis do Estado requerenteou as do requerido.

Art. 360. A legislação do Estado requerido posterior ao delicto nãopoderá impedir a extradição.

Art. 361. Os consules geraes, consules, vice-consules ou agentesconsulares podem pedir que se prendam e entreguem, a bordo de um navioou aeronave de seu paiz, officiaes, marinheiros ou tripulantes de seusnavios ou aeronaves de guerra ou mercantes, que tiverem desertado de unsou de outras.

Art. 362. Para os effeitos do artigo anterior, elles apresentarão áautoridade local correspondente, deixando-lhe, além disso, cópiaauthentica, os registros do navio ou aeronave, ról da tripulação ou qualqueroutro documento official em que o pedido se basear.

Art. 363. Nos paizes limitrophes, poderão estabelecer-se regras

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especiais para a extradição, nas regiões ou localidades da fronteira.

Art. 364. O pedido de extradição deve fazer-se por intermedio dosfunccionarios devidamente autorizados para esse fim, pelas leis do Estadorequerente.

Art. 365. Com o pedido definitivo de extradição, devem apresentar-se:1. Uma sentença condemnatoria ou um mandado ou auto de captura ou umdocumento de igual força, ou que obrigue o interessado a comparecerperiodicamente ante a jurisdicção repressiva, acompanhado das peças doprocesso que subnistrem provas ou, pelo menos, indicios razoaveis daculpabilidade da pessoa de que se trate; 2. A filiação do individuoreclamado ou os signaes ou circumstancias que possam servir para oidentificar; 3. A cópia authentica das disposições que estabeleçam aqualificação legal do facto que motiva o pedido de entrega, definam aparticipação nelle attribuida ao culpado e precisem a pena applicavel.

Art. 366. A extradição pode solicitar-se telegraphicamente e, nessecaso, os documentos mencionados no artigo anterior serão apresentados aopaiz requerido ou á sua legação ou consulado geral no paiz requerente,dentro nos dois mezes seguintes á detenção do indigitado. Na sua falta, esteserá posto em liberdade.

Art. 367. Se o Estado requerente não dispõe da pessoa reclamadadentro nos tres mezes seguintes ao momento em que foi collocada á suadisposição, ella será posta, igualmente, em liberdade.

Art. 368. O detido poderá usar, no Estado ao qual se fizer o pedido deextradição, de todos os meios legaes concedidos aos nacionaes pararecuperar a liberdade, baseando-se para isto nas disposições deste Codigo.

Art. 369. O detido poderá igualmente, depois disso, utilizar os recursoslegaes que procedam, no Estado que pedir a extradição, contra asqualificações e resoluções em que esta se funda.

Art. 370. A entrega deve ser feita com todos os objectos que seencontrarem em poder da pessoa reclamada, quer sejam producto do delictoimputado, quer peças que possam servir para a prova do mesmo, tantoquanto fôr praticavel, de accôrdo com as leis do Estado que a effectue e

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respeitando-se devidamente os direitos de terceiros.

Art. 371. A entrega dos objectos, a que se refere o artigo anterior,poderá ser feita, se a pedir o Estado requerente da extradição, ainda que odetido morra ou se evada antes de effectuada esta.

Art. 372. As despesas com a detenção ou entrega serão por conta doEstado requerente, mas este não terá que despender importancia algumacom os serviços que prestarem os empregados publicos pagos peloGoverno ao qual se peça a extradição.

Art. 373. A importancia dos serviços prestados por empregadospublicos ou outros serventuarios, que só recebam direitos ou emolumentos,não excederá aquella que habitualmente percebam por essas diligencias ouserviços, segundo as leis do paiz em que residam.

Art. 374. A responsabilidade, que se possa originar do facto dadetenção provisoria, caberá ao Estado que a solicitar.

Art. 375. O transito da pessoa extraditada e de seus guardas peloterritorio dum terceiro Estado contractante será permittido medianteapresentação do exemplar original ou de uma cópia authentica dodocumento que conceda a extradição.

Art. 376. O Estado que obtiver a extradição de um accusado que fôrlogo absolvido ficará obrigado a communicar ao que a concedeu uma cópiaauthentica da sentença.

Art. 377. A pessoa entregue não poderá ser detida em prisão, nemjulgada pelo Estado contractante a que seja entregue, por um delictodifferente daquelle que houver motivado a extradição e commetido antesdesta, salvo se nisso consentir o Estado requerido, ou se o extraditadopermanecer em liberdade no primeiro, tres mezes depois de ter sido julgadoe absolvido pelo delicto que foi origem da extradição, ou de havercumprido a pena de privação de liberdade que lhe tenha sido imposta.

Art. 378. Em caso algum se imporá ou se executará a pena de morte,por delicto que tiver sido causa da extradição.

Art. 379. Sempre que se deva levar em conta o tempo da prisãopreventiva, contar-se-á como tal o tempo decorrido desde a detenção do

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extraditado, no Estado ao qual tenha sido pedida.

Art. 380. O detido será posto em liberdade, se o Estado requerente nãoapresentar o pedido de extradição em prazo razoavel e no menor espaço detempo possivel, depois da prisão provisoria, levando-se em conta adistancia e as facilidades de communicações postaes entre os dois paizes.

Art. 381. Negada a extradição de uma pessoa, não se pode voltar apedí-la pelo mesmo delicto.

TITULO QUARTODO DIREITO DE COMPARECER EM JUIZO

E SUAS MODALIDADES

Art. 382. Os nacionaes de cada Estado contractante gozarão, em cadaum dos outros, do beneficio da assistencia judiciaria, nas mesmascondições dos naturaes, Art. 383. Não se fará distincção entre nacionaes eestrangeiros, nos Estados contractantes, quanto á prestação de fiança para ocomparecimento em juizo.

Art. 384. Os estrangeiros pertencentes a um Estado contractantepoderão solicitar, nos demais, a acção publica em materia penal, nasmesmas condições que os nacionaes.

Art. 385. Não se exigirá tão pouco a esses estrangeiros que prestemfiança para o exercicio de acção privada, nos casos em que se não faça talexigencia aos nacionaes.

Art. 386. Nenhum dos Estados contractantes imporá aos nacionaes deoutro a caução judicio sisti ou o onus probandi, nos casos em que não exijaum ou outro aos proprios nacionaes.

Art. 387. Não se autorizarão embargos preventivos, nem fianças, nemoutras medidas processuaes de indole analoga, a respeito de nacionaes dosEstados contractantes, só pelo facto da sua condição de estrangeiros.

TITULO QUINTOCARTAS ROGATORIAS E COMMISSÕES ROGATORIAS

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Art. 388. Toda diligencia judicial que um Estado contractante necessitepraticar em outro será effectuada mediante carta rogatoria ou commissãorogatoria, transmittida por via diplomatica. Comtudo, os Estadoscontractantes poderão convencionar ou acceitar entre si, em materia civelou commercial, qualquer outra forma de transmissão.

Art. 389. Cabe ao juiz deprecante decidir a respeito da suacompetencia e da legalidade e opportunidade do acto ou prova, semprejuizo da jurisdicção do juiz deprecado.

Art. 390. O juiz deprecado resolverá sobre a sua propria competenciaratione materix, para o acto que lhe é commettido.

Art. 391. Aquelle que recebe a carta ou commissão rogatoria se devesujeitar, quanto ao seu objecto, á lei do deprecante e, quanto á forma de acumprir, á sua propria lei.

Art. 392. A rogatoria será redigida na lingua do Estado deprecante eacompanhada de uma traducção na lingua do Estado deprecado,devidamente certificada por interprete juramentado.

Art. 393. Os interessados no cumprimento das cartas rogatorias denatureza privada deverão constituir procuradores, correndo por sua conta asdespesas que esses procuradores e as diligencias occasionem.

TITULO SEXTOEXCEPÇÕES QUE TÊM CARACTER INTERNACIONAL

Art. 394. A litispendencia, por motivo de pleito em outro Estadocontractante poderá ser allegada em materia civel, quando a sentença,proferida em um delles, deva produzir no outro os effeitos de cousa julgada.

Art. 395. Em materia penal, não se poderá allegar a excepção delitispendencia por causa pendente em outro Estado contractante.

Art. 396. A excepção de cousa julgada, que se fundar em sentença deoutro Estado contractante, só poderá ser allegada quando a sentença tiversido pronunciada com o comparecimento das partes ou de seusrepresentantes legitimos, sem que se haja suscitado questão de competencia

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do tribunal estrangeiro baseada em disposições deste Codigo.

Art. 397. Em todos os casos de relações juridicas submetidas a esteCodigo, poderão suscitar-se questões de competencia por declinatoriafundada em seus preceitos.

TITULO SETIMODA PROVA

Capitulo IDisposições Geraes sobre a Prova

Art. 398. A lei que rege o delicto ou a relação de direito, objecto deacção civel ou commercial, determina a quem incumbe a prova.

Art. 399. Para decidir os meios de prova que se podem utilizar em cadacaso, é competente a lei do lugar em que se realizar o acto ou facto que setrate de provas, exceptuando-se os não autorizados pela lei do lugar em quecorra a acção.

Art. 400. A forma por que se ha de produzir qualquer prova regula-sepela lei vigente no lugar em que fôr feita.

Art. 401. A apreciação da prova depende da lei do julgador.

Art. 402. Os documentos lavrados em cada um dos Estadoscontractantes terão nos outros o mesmo valor em juizo que os lavradosnelles proprios, se reunirem os requisitos seguintes: 1. Que o assumpto oumateria do acto ou contracto seja feito e permittido pelas leis do paiz ondefoi lavrado e daquelle em que o documento deve produzir effeitos; 2. Queos litigantes tenham aptidão e capacidade legal para se obrigar conformesua lei pessoal; 3. Que ao se lavrar o documento se observem as formas esolennidades estabelecidas no paiz onde se tenham verificado os actos oucontractos; 4. Que o documento esteja legalizado e preencha os demaisrequisitos necessarios para a sua authenticidade no lugar onde delle se façauso.

Art. 403. A força executoria de um documento subordina-se ao direito

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local.

Art. 404. A capacidade das testemunhas e a sua recusa dependem da leia que se submetta a relação de direito, objecto da acção.

Art. 405. A forma de juramento ajustar-se-á á lei do juiz ou tribunalperante o qual se preste e a sua efficacia á que regula o facto sobre o qualse jura.

Art. 406. As presumpções derivadas de um facto subordinam-se á leido lugar em que se realiza o facto de que nascem.

Art. 407. A prova indiciaria depende da lei do juiz ou tribunal.

Capitulo IIRegras Especiaes sobre a Prova

de Leis Estrangeiras

Art. 408. Os juizes e tribunaes de cada Estado contractante applicarãode officio, quando fôr o caso, as leis dos demais, sem prejuizo dos meiosprobatorios a que este capitulo se refere.

Art. 409. A parte que invoque a applicação do direito de qualquerEstado contractante em um dos outros, ou della divirja, poderá justificar otexto legal, sua vigencia e sentido mediante certidão, devidamentelegalizada, de dois advogados em exercicio no paiz de cuja legislação setrate.

Art. 410. Na falta de prova ou se, por qualquer motivo, o juiz ou otrubunal a julgar insufficiente, um ou outro poderá solicitar de officio pelavia diplomatica, antes de decidir, que o Estado, de cuja legislação se trate,forneça um relatorio sobre o texto, vigencia e sentido do direito applicavel.

Art. 411. Cada Estado contractante se obriga a ministrar aos outros, nomais breve prazo possivel, a informação a que o artigo anterior se refere eque deverá proceder de seu mais alto tribunal, ou de qualquer de suascamaras ou secções, ou da procuradoria geral ou da Secretaria ouMinisterio da justiça.

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TITULO OITAVODO RECURSO DE CASSAÇÃO

Art. 412. Em todo Estado contractante onde existir o recurso decassação, ou instituição correspondente, poderá elle interpôr-se, porinfracção, interpretação errenca ou applicação indevida de uma lei de outroEstado contractante, nas mesmas condições e casos em que o possa quantoao direito nacional.

Art. 413. Serão applicaveis ao recurso de cassação as regrasestabelecidas no capitulo segundo do titulo anterior, ainda que o juiz outribunal inferior já tenha feito uso dellas.

TITULO NONODA FALLENCIA OU CONCORDATA

Capitulo IDa Unidade da Fallencia ou Concordata

Art. 414. Se o devedor concordatario ou fallido tem apenas umdomicilio civil ou mercantil, não pode haver mais do que um juizo deprocessos preventivos, de concordata ou fallencia, ou uma suspensão depagamentos, ou quitação e moratoria para todos os seus bens e obrigaçõesnos Estados contractantes.

Art. 415. Se uma mesma pessoa ou sociedade tiver em mais de umEstado contractante varios estabelecimentos mercantis, inteiramenteseparados economicamente, pode haver tantos juizos de processospreventivos e fallencia quantos estabelecimentos mercantis.

Capitulo IIDa Universalidade da Fallencia

ou Concordata e dos seus Effeitos

Art. 416. A declaração de incapacidade do fallido ou concordatariotem effeitos extraterritoriaes nos Estados contractantes, mediante prévio

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cumprimento das formalidades de registro ou publicação, que a legislaçãode cada um delles exija.

Art. 417. A sentença declaratoria da fallencia ou concordata, proferidaem um dos Estados contractantes, executar-se-á nos outros Estados, noscasos e forma estabelecidos neste Codigo para as resoluções judiciaes;mas, produzirá, desde que seja definitiva e para as pessoas a respeito dasquaes o seja, os effeitos de cousa julgada.

Art. 418. As faculdades e funcções dos syndicos, nomeados em um dosEstados contractantes, de accôrdo com as disposições deste Codigo, terãoeffeito extraterritorial nos demais, sem necessidade de tramite algum local.

Art. 419. O effeito retroactivo da declaração de fallencia ou concordatae a annullação de certos actos, em consequencia dessas decisões,determinar-se-ão pela lei dos mesmos e serão applicaveis ao territorio dosdemais Estados contractantes.

Art. 420. As acções reaes e os direitos da mesma indole continuarãosubordinados, não obstante a declaração de fallencia ou concordata, á leida situação das cousas por elles attingidas e á competencia dos juizes nolugar em que estas se encontrarem.

Capitulo IIIDa Concordata e da Rehabilitação

Art. 421. A concordata entre os credores e o fallido terá effeitosestraterritoriaes nos demais Estados contractantes, salvo o direito doscredores por acção real que a não houverem acceitado.

Art. 422. A rehabilitação do fallido tem tambem efficaciaextraterritorial nos demais Estados contractantes, desde que se tornedefinitiva a resolução judicial que a determina e de accôrdo com os seustermos.

TITULO DECIMODA EXECUÇÃO DE SENTENÇAS PROFERIDAS

POR TRIBUNAES ESTRANGEIROS

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Capitulo IMateria Civel

Art. 423. Toda sentença civil ou contencioso-administrativa, proferidaem um dos Estados contractantes, terá força e poderá executar-se nosdemais, se reunir as seguintes condições: 1. Que o juiz ou tribunal que ativer pronunciado tenha competencia para conhecer do assumpto e julgá-lo,de accôrdo com as regras deste Codigo; 2. Que as partes tenham sidocitadas pessoalmente ou por seu representante legal, para a acção; 3. Que asentença não offenda a ordem publica ou o direito publico do paiz ondedeva ser executada; 4. Que seja executoria no Estado em que tiver sidoproferida; 5. Que seja traduzida autorizadamente por um funccionario ouinterprete official do Estado em que se ha de executar, se ahi fôr differenteo idioma em empregado; 6. Que o documento que a contém reuna osrequisitos para ser considerado como authentico no Estado de que proceda,e os exigidos, para que faça fé, pela legislação do Estado onde se pretendeque a sentença seja cumprida.

Art. 424. A execução da sentença deverá ser solicitada ao juiz dotribunal competente para levar a effeito, depois de satisfeitas asformalidades requeridas pela legislação interna.

Art. 425. Contra a resolução judicial, no caso a que o artigo anterior serefere, serão admittidos todos os recursos que as leis do Estado concedam arespeito das sentenças definitivas proferidas em acção declaratoria demaior quantia.

Art. 426. O juiz ou tribunal, ao qual se peça a execução, ouvirá, antesde a decretar ou denegar, e dentro no prazo de vinte dias, a parte contraquem ella seja solicitada e o procurador ou ministerio publico.

Art. 427. A citação da parte, que deve ser ouvida, será feita por meiode carta ou commissão rogatoria, segundo o disposto neste Codigo, se tivero seu domicilio no estrangeiro e não tiver, no paiz, procurador bastante, ou,na forma estabelecida pelo direito local, se tiver domicilio no Estadodeprecado.

Art. 428. Passado o prazo que o juiz ou tribunal indicar para o

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comparecimento, proseguirá o feito, haja ou não comparecido o citado.

Art. 429. Se o cumprimento é denegado, a carta de sentença serádevolvida a quem a tiver apresentado.

Art. 430. Quando se accordo cumprir a sentença, a sua execução serásubmettida aos tramites determinados pela lei do juiz ou tribunal para assuas proprias sentenças.

Art. 431. As sentenças definitivas, proferidas por um Estadocontractante, e cujas disposições não sejam exequiveis, produzirão, nosdemais, os effeitos de cousa julgada, caso reunam as condições que paraesse fim determina este Codigo, salvo as relativas á sua execução.

Art. 432. O processo e os effeitos regulados nos artigos anterioresserão applicados nos Estados contractantes ás sentenças proferidas emqualquer delles por arbitros ou compositores amigaveis, sempre que oassumpto que as motiva possa ser objecto de compromisso, nos termos dalegislação do paiz em que a execução ser solicite.

Art. 433. Applicar-se-á tambem esse mesmo processo ás sentençasciveis, pronunciadas em qualquer dos Estados contractantes, por umtribunal internacional, e que se refiram a pessoas ou interesses privados.

Capitulo IIDos Actos de Jurisdicção Voluntaria

Art. 434. As disposições adoptadas em actos de jurisdicção voluntaria,em materia de commercio, por juizes ou tribunaes de um Estadocontractante, ou por seus agentes consulares, serão executadas nos demaisEstados segundo os tramites e na forma indicados no capitulo anterior.

Art. 435. As resoluções em actos de jurisdicção voluntaria, em materiacivel, procedentes de um Estado contractante, serão acceitas pelos demais,se reunirem as condições exigidas por este Codigo, para as efficacia dosdocumentos outorgados em paiz estrangeiro, e procederem de juiz outribunal competente, e terão por conseguinte efficacia extraterritorial.

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Capitulo IIIMaterial Penal

Art. 436. Nenhum Estado contractante executará as sentenças proferidasem qualquer dos outros em materia penal, relativamente ás sancções dessanatureza que ellas imponham.

Art. 437. Poderão, entretanto, executar-se as ditas sentenças, no quetoca á responsabilidade civil e a seus effeitos sobre os bens docondemnado, se forem proferidas pelo juiz ou tribunal competente, segundoeste Codigo, e com audiencia do interessado e se se cumprirem as demaiscondições formaes e processuaes que o capitulo primeiro deste tituloestabelece.

Declarações e ReservasReservas da Delegação Argentina

A Delegação argentina faz constar as seguintes reservas, que formula aoProjecto de Convenção de Direito Internacional Privado, submettido aoestudo da Sexta Conferencia Internacional Americana: 1. Entende que acodificação do Direito Internacional Privado deve ser “gradual eprogressiva”, especialmente no que se refere a instituições que, nos Estadosamericanos, apresentam identidade ou analogia de caracteres fundamentaes.

2. Mantém em vigor os Tratados de Direito Civil Internacional, DireitoPenal Internacional, Direito Commercial Internacional e Direito ProcessualInternacional, adoptados em Montevidéo no anno de 1889, com os seusConvenios e Protocollos respectivos.

3. Não acceita principios que modifiquem o systema da “lei dodomicilio”, especialmente em tudo o que se opponha ao texto e espirito dalegislação civil argentina.

4. Não approva disposições que attinjam, directa ou indirectamente, oprincipio sustentado pelas legislações civil e commercial da RepublicaArgentina, de que “as pessoas juridicas devem exclusivamente a suaexistencia á lei do Estado que as autorize e por consequencia não são

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nacionaes nem estrangeiras; suas funcções se determinam pela dita lei, deconformidade com os preceitos derivados do domicilio que ella lhesreconhece”.

5. Não acceita principios que admittam ou tendam a sanccionar odivorcio ad vinculum.

6. Acceita o systema da “unidade das successões”, com a limitaçãoderivada da lex rei sitx, em materia de bens immoveis.

7. Admitte todo principio que tenda a reconhecer, em favor da mulher,os mesmos direitos civis conferidos ao homem de maior idade.

8. Não approva os principio que modifiquem o systema do jus soli,como meio de adquirir a nacionalidade.

9. Não admite preceitos que resolvam conflitos relativos á “duplanacionalidade” com prejuizo da applicação exclusiva do jus soli.

10. Não acceita normas que permittam a intervenção de agentesdiplomaticos e consulares, nos juizos e successão que interessem aestrangeiros, salvo os preceitos já estabelecidos nas Republica Argentina eque regulam essa intervenção.

11. No regimen da Letra de Cambio e Cheques em geral, não admittedisposições que modifiquem criterios acceitos nas conferencias universaes,como as da Haya de 1910 e 1912.

12. Faz reserva expressa da applicação da “lei do pavilhão” nasquestões relativas ao Direito Maritimo, especialmente no que se refere aocontracto de fretamento e suas consequencias juridicas, por considerar quese devem submetter á lei e jurisdicção do paiz do porto de destino.

Este principio foi sustentado com exito pela secção argentina deInternational Law Association, na 31ª sessão desta e actualmente é uma daschamadas “regras de Buenos Aires”.

13. Reaffirma o conceito de que todos os delictos commettidos emaeronaves, dentro do espaço aereo nacional ou em navios mercantesestrangeiros, se deverão julgar e punir pelas autoridades e leis do Estadoem que se encontrem.

14. Ratifica a these approvada pelo Instituto Americano de Direito

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Internacional, na sua sessão de Montevidéo de 1927, cujo conteúdo é oseguinte: “A nacionalidade do réu não poderá ser invocada como causapara se denegar a sua extradição”.

15. Não admitte principios que regulamentem as questõesinternacionaes do trabalho e situação juridica dos operarios, pelas razõesexpostas, quando se discutiu o artigo 198 do Projecto de Convenção deDireito Civil Internacional, na Junta Internacional de Jurisconsultos do Riode Janeiro, em 1927.

A Delegação argentina lembra que, como já o manifestou na illustreCommissão numero 3, ratifica, na Sexta Conferencia InternacionalAmericana, os votos emittidos e a attitude assumida pela Delegaçãoargentina na reunião da Junta Internacional de Jurisconsultos, celebrada nacidade do Rio de Janeiro, nos mezes de Abril e Maio de 1927.

Declaração da Delegação dos Estados Unidos da America Sente muitonão poder dar a sua approvação, deste agora, ao Codigo Bustamente, por

isto que, em face da Constituição dos Estados Unidos da America, dasrelações entre os Estados membros da União Federal e das attribuições epoderes do Governo Federal, acha muito difficil fazê-lo. O Governo dos

Estados Unidos da America mantém firme o proposito de não se desligar daAmerica Latina, e, por isto, de accôrdo com o artigo 6º da Convenção, quepermitte a cada Governo a ella adherir mais tarde, fará uso do privilegio

desse artigo 6º, afim de que, depois de examinar cuidadosamente o Codigoem todas as suas clausulas, possa adherir pelo menos a uma grande parte do

mesmo. Por estas razões, a Delegação dos Estados Unidos da Americareserva o seu voto, na esperança de poder adherir, scomo disse, a uma parte

ou a consideravel numero de disposições do Codigo.

Declaração da Delegação do Uruguay A Delegação do Uruguay fazreservas tendentes a que o criterio dessa Delegação seja coherente com o

que sustentou na Junta de Jurisconsultos do Rio de Janeiro o Dr. PedroVarela, cathedratico da Faculdade de Direito do seu paiz. Mantém taesreservas, declarando que o Uruguay dá a sua approvação ao Codigo em

geral.

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Reservas da Delegação do Paraguay 1. Declara que o Paraguay mantém asua adhesão ao Tratados de Direito Civil Internacional, Direito Commercial

Internacional, Direito Penal Internacional e Direito ProcessualInternacional, que foram adoptados em Montevidéo, em 1888 e 1889, com

os Convenios e Protocollos que os acompanham.2. Não está de accôrdo em que se modifique o systema da “lei do

domicilio”, consagrado pela legislação civil da Republica.3. Mantém a sua adhesão ao principio da sua legislação de que as

pessoas juridicas devem exclusivamente sua existencia á lei do Estado queas autoriza e que, por consequencia, não são nacionaes, nem estrangeiras; assuas funcções estão assignaladas pela lei especial, de accôrdo com osprincipios derivados do domicilio.

4. Admitte o systema da unidade das successões, com a limitaçãoderivada da lex rei sitx, em materia de bens immoveis.

5. Está de accôrdo com todo principio que tende a reconhecer em favorda mulher os mesmos direitos civis concedidos ao homem de maior idade.

6. Não acceita os principios que modifiquem o systema do jus solicomo meio de adquirir a nacionalidade.

7. Não está de accôrdo com os preceitos que resolvem o problema da“dupla nacionalidade” com prejuizo da applicação exclusiva do jus soli.

8. Adhere ao criterio acceito nas conferencias universaes sobre oregimen da Letra de Cambio e Cheque.

9. Faz reserva da applicação da “lei do pavilhão”, em questõesrelativas ao Direito Maritimo.

10. Está de accôrdo em que os delictos commettidos em aeronavesdentro do espaço aereo nacional, ou em navios mercantes, estrangeiros,devem ser julgados pelos tribunaes do Estado em que se encontrem.

Reserva da Delegação do Brasil Impugnada a emenda substitutiva quepropoz para o artigo 53, a Delegação do Brasil nega a sua approvação aoartigo 52, que estabelece a competencia da lei do domicilio conjugal pararegular a separação de corpos e o divorcio, assim com tambem ao artigo

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54.

Declarações que fazem as Delegações da Colombia e Costa-Rica AsDelegações da Colombia e Costa-Rica subscrevem o Codigo de Direito

Internacional Privado em conjunto, com a reserva expressa de tudo quantopossa estar em contradicção com a legislação colombiana e a

costarriquense.No tocante a pessoas juridicas, a nossa opinião é que ellas devem estar

submetidas á lei local para tudo o que se refira ao “seu conceito ereconhecimento”, como sabiamente dispões o artigo 32 do Codigo, emcontradicção (pelo menos apparente) com as outras disposições do mesmo,como os artigos 16 e 21. Para as legislações das duas delegações, aspessoas juridicas não podem ter nacionalidade, nem de accôrdo com osprincipios scientificos, nem em relação com as mais altas e permanentesconveniencias da America. Teria sido preferivel que, no Codigo, que vamosapprovar, se tivesse omittido tudo quanto possa servir pra affirmar que aspessoas juridicas, particulamente as sociedades de capitaes, têmnacionalidade.

As delegações abaixo-assignadas, ao acceitarem o compromissoconsignado no artigo 7º entre as doutrinas européas da personalidade dodireito e genuinamente americana do domicilio para reger o estado civil e acapacidade das pessoas em direito internacional privado, declaram queacceitam esse compromisso para não retardar a approvação do Codigo, quetodas as nações da America esperam hoje, como uma das obras maistranscendentaes desta Conferencia, mas affirmam, emphaticamente, que essecompromisso deve ser transitorio, porque a unidade juridica do Continentese há de verificar em torno da lei do domicilio, única que salvaguardaefficazmente a soberania e independencia dos povos da America. Povosimmigração, como são ou deverão ser todas estas republicas, não podemelles ver, sem grande inquietação, que os immigrante europeus tragam apretensão de invocar na America as suas proprias leis de origem, afim de,com ellas, determinarem, aqui o seu estado civil de capacidade paracontractar. Admittir esta possibilidade (que consagra o principio da leinacional, reconhecido parcialmente pelo Codigo) é criar na America um

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Estado dentro de Estado e pôr-nos quasi sob o regimen das capitulações,que a Europa impoz durante seculos ás nações de Asia, por ellaconsideradas como inferiores nas suas relações internacionaes. AsDelegações abaixo-assignadas fazem votos por que muito brevedesappareçam de todas as legislações americanas todos os vestigios dastheorias (mais politicas do que juridicas) preconizadas pela Europa paraconservar aqui a jurisdicção sobre os seus nacionaes estabelecidos nasterras livres da America e esperam que a legislação do Contintente seunifique de accôrdo com os principios que submettem o estrangeiroimmigrante ao imperio, sem restricções, das leis locaes. Com a esperança,pois, de que, em, breve a lei do domicilio seja a que reja na America oestado civil e a capacidade das pessoas e na certeza de que ella será umdos aspectos mais caracteristicos de panamericanismo juridico que todosaspiramos a criar, as delegações signatarias votam o Codigo de DireitoInternacional Privado e acceitam o compromisso doutrinario em que omesmo se inspira.

Referindo-se ás disposições sobre o divorcio, a delegação colombianaformula a sua reserva absoluta, relativamente a ser o divorcio regulado pelalei do domicilio conjugal, porque considera que para taes effeitos, e dado ocaracter excepcionalmente transcendental o sagrado do matrirmonio (baseda sociedade e até do Estado), a Colombia não pode acceitar, dentro do seuterritorio, a applicação de legislações estranhas.

As Delegações desejam, além disso, manifestar a sua admiraçãoenthusiastica pela obra fecunda do Dr. Sánchez de Bustamante,consubstanciadas neste Codigo, nos seus 500 artigos formulados emclausulas lapidares, que bem poderiam servir como exemplo para oslegisladores de todos os povos. Doravante, o Dr. Sánchez de Bustamanteserá, não somente um dos filhos mais esclarecidos de Cuba, senão tambemum dos mais eximios cidadãos da grande patria americana, que pode, comjustiça, ufanar-se de produzir homens de sciencia e estadistas tão egregios,como o autor do Codigo do Direito Internacional Privado, que estudamos oque a Sexta Conferencia Internacional Americana vai adoptar em nome detoda a America.

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Reservas da Delegação de Salvador Reserva primeira: especialmenteapplicavel aos artigos 44, 146, 176, 232 e 233: No que se refere ás

incapacidades que, segundo a sua lei pessoal, podem ter os estrangeiros,para testar, contractar, comparecer em juizo, exercer o commercio ou

intervir em actos ou contractos mercantis, faz a reserva de que, no Salvador,taes incapacidades não serão reconhecidas nos casos em que os actos ou

contractos tenham celebrados no Salvador, sem infracção da leisalvadorense e para terem effeitos no seu territorio nacional.

Reserva segunda: applicavel ao artigo 187, paragrapho ultimo: No casode communidade de bens imposta aos casados como lei pessoal por umEstado estrangeiro, ella só será reconhecida no Salvador, se se confirmarpor contracto entre as partes interessadas, cumprindo-se todos os requisitosque a lei salvadorense determina, ou venha a determinar no futuro,relativamente a bens situados no Salvador.

Reserva terceira: especialmente applicavel nos artigos 327, 328 e 329:Faz-se a reserva de que não será admissivel, relativamente ao Salvador, ajurisdicção de juizes ou tribunaes estrangeiros nos juizos o diligencias desuccessões e nas concordatas e fallencias, sempre que attinjam bensimmoveis, situados no Salvador.

Reservas da Delegação da Republica Dominicana 1. A Delegação daRepublica Dominicana deseja manter o predominio da lei nacional, nasquestões que se referem ao estado e capacidade dos Dominicanos, onde

quer que estes se encontrem. Por este motivo, não pode acceitar, senão comreservas, as disposições do Projecto de Codificação em que se dá

preeminencia á lei “do domicilio”, ou á lei local; tudo isto, não obstante oprincipio conciliador enunciado no artigo 7º do Projecto, do qual é uma

applicação o artigo 53 do mesmo.2. No que se refere á nacionalidade, titulo 1º, livro 1º, artigo 9º e

seguintes, estabelecemos uma reserva, relativamente, primeiro, ánacionalidade das sociedades, e segundo, muito especialmente, ao principiogeral da nossa Constituição politica, pela qual a nenhum Dominicano sereconhecerá outra nacionalidade que não seja a dominicana, emquanto

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resida em territorio da Republica.3. Quanto ao domicilio das sociedades estrangeiras, quaesquer que

sejam os estatutos e o lugar no qual o tenham fixado, ou em que tenham oseu principal estabelecimento, etc., reservamos este principio de ordempublica na Republica Dominicana: qualquer pessoa que, physica oumoralmente, exerça actos da vida juridica no seu territorio, terá pordomicilio o lugar onde possua um estabelecimento, uma agencia ou umrepresentante qualquer. Esse domicilio é attributivo de jurisdicção para ostribunaes nacionaes nas relações juridicas que se referem a actosoccorridos no paiz, qualquer que seja a natureza dos mesmos.

Declaração da Delegação do Equador A Delegação do Equador tem ahonra de subscrever, na integra, a Convenção do Codigo de DireitoInternacional Privado, em homenagem ao Dr. Bustamante. Não crênecessario particularizar reserva alguma, exceptuando, somente, a

faculdade geral contida na mesma Convenção, que deixa aos Governos aliberdade de a ratificar.

Declaração da Delegação da Nicaragua Nicaragua, em assumptos queagora ou no futuro considere de algum modo sujeitos ao Direito Canonico,

não poderá applicar as disposições do Codigo de Direito InternacionalPrivado, que estejam em conflicto com aquelle direito.

Declara que, como manifestou verbalmente em varios casos, durante adiscussão, algumas das disposições do Codigo approvado estão emdesaccôrdo com disposições expressas da legislação de Nicaragua ou comprincipios que são basicos nessa legislação; mas, como uma homenagem áobra insigne do illustre autor daquelle Codigo, prefere, em vez dediscriminar reservas, fazer esta declaração e deixar que os poderespublicos de Nicaragua formulem taes reservas ou reformem, até onde sejapossivel, a legislação nacional, nos casos de incompatibilidade.

Declaração da Delegação do Chile A Delegação do Chile compraz-se emapresentar as suas mais calorosas felicitações ao eminente sabio

jurisconsulto americano, Sr. Antonio Sánchez de Bustamante, pela magna

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obra que realizou, redigindo um projecto de Codigo de DireitoInternacional Privado, destinado a reger as relações entre os Estados de

America. Esse trabalho é uma contribuição poderosa para odesenvolvimento do panamericanismo juridico, que todos os paizes doNovo Mundo desejam ver fortalecido e desenvolvido. Ainda que esta

grandiosa obra de codificação não se possa realizar em breve espaço detempo, porque precisa da madureza e da reflexão dos Estados que na

mesma devem participar, a Delegação de Chile não será um obstaculo paraque esta Conferencia Panamericana approve um Codigo de Direito

Internacional Privado; mas resalvará o seu voto nas materias e nos pontosque julgue conveniente, em especial, nos pontos referentes á sua politica

tradicional ou á sua legislação nacional.

Declaração da Delegação do Panamá Ao emittir o seu voto a favor doprojecto de Codigo de Direito Internacional Privado, na sessão celebrada

por esta Commissão, no dia 27 de Janeiro ultimo, a Delegação daRepublica do Panamá declarou que, opportunamente, apresentaria as

reservas que julgasse necessarias, se esse fôsse o caso. Essa attitude daDelegação do Panamá obedeceu a certas duvidas que tinha sobre o alcancee extensão de algumas disposições contidas no Projecto, especialmente noque se refere á applicação da lei nacional do estrangeiro residente no paiz,o que teria dado lugar a um verdadeiro conflicto, visto que, na Republicado Panamá, impera o systema da lei territorial, desde o momento preciso

em que se constituiu como Estado independente. Apesar disto, a Delegaçãopanamense crê que todas as difficuldades que se pudessem apresentar nestadelicada materia foram previstas e ficaram sabiamente resolvidas por meio

do artigo setimo do Projecto, segundo o qual “cada Estado contractanteapplicará como leis pessoaes as do domicilio ou as da nacionalidade,segundo o systema que tenha adoptado ou no futuro adopte a legislaçãointerna”. Como todos os outros Estados que subscrevam e ratifiquem aConvenção respectiva, o Panamá ficará, pois, com plena liberdade de

applicar a sua propria lei, que é a territorial.Entendidas, assim, as cousas, á Delegação do Panamá é grão declarar,

como realmente o faz, que á a sua approvação, sem a menor reserva, no

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Projecto de Codigo do Direito Internacional Privado, ou CodigoBustamante, que é como se deveria chamar, em homenagem ao seu autor.

Declaração da Delegação da Guatemala Guatemala adoptou na sualegislação a civil o systema do domicilio, mas, ainda que assim não fôsse,

os artigos conciliatorios do Codigo fazem harmonizar perfeitamentequalquer conflicto que se possa suscitar entre os differentes Estados,

segundo as escolas diversas a que tenha sido filiados.Por consequencia, a Delegação de Guatemala está de perfeito accôrdo

com o methodo que, com tanta illustração, prudencia, genialidade e criterioscientifico, se ostenta no Projecto de Codigo do Direito InternacioralPrivado e deseja deixar expressa a sua acceitação absoluta e sem reservasde especie alguma.

Em 13 de fevereiro de 1928.

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CONVENÇÃO INTERAMERICANASOBRENORMAS GERAIS DE DIREITOINTERNACIONAL PRIVADO (1979)

Os Governos dos Estados Membros de Organização dos EstadosAmericanos, desejosos de concluir uma convenção sobre normas gerais deDireito Internacional Privado, convieram no seguinte: Artigo 1

A determinação da norma jurídica aplicável para reger situaçõesvinculadas com o direito estrangeiro ficará sujeita ao disposto nestaConvenção e nas demais convenções internacionais assinaladas, ou quevenham a ser assinadas no futuro, em caráter bilateral ou multinacional,pelos Estados Partes.

Na falta de norma internacional, os Estados Partes aplicarão as regrasde conflito do seu direito interno.

Artigo 2Os juízes e as autoridades dos Estados Partes ficarão obrigados a

aplicar o direito estrangeiro tal como o fariam os juízes do Estado cujodireito seja aplicável, sem prejuízo de que as partes possam alegar e provara existência e o conteúdo da lei estrangeira invocada.

Artigo 3Quando a lei de um Estado Parte previr instituições ou procedimentos

essenciais para a sua aplicação adequada e que não sejam previstos nalegislação de outro Estado Parte, este poderá negar-se a aplicar a referidalei, desde que tenha instituições ou procedimentos análogos.

Artigo 4

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Todos os recursos previstos na lei processual do lugar do processoserão igualmente admitidos para os casos de aplicação da lei de qualquerdos outros Estados Partes que seja aplicável.

Artigo 5A lei declarada aplicável por uma convenção de Direito Internacional

Privado poderá não ser aplicada no território do Estado Parte que aconsiderar manifestante contraria aos princípios da sua ordem pública.

Artigo 6Não se aplica como direito estrangeiro o direito de um Estado Parte

quando artificiosamente se tenham burlado os princípios fundamentais dalei do outro Estado Parte.

Ficará a juízo das autoridades competentes do Estado receptordeterminar a intenção fraudulenta das partes interessadas.

Artigo 7As situações jurídicas validamente constituídas em um Estado Parte, e

acordo com todas as leis com as quais tenham conexão no momento de suaconstituição, serão reconhecidas nos Estados Partes, desde que nãocontrarias aos princípios da sua ordem pública.

Artigo 8As questões prévias, preliminares ou incidentes que surjam em

decorrência de uma questão principal não devem necessariamente serresolvidas de acordo com a lei que regula esta última.

Artigo 9As diversas leis que podem ser competentes para regular os diferentes

aspectos de uma mesma relação jurídica serão aplicadas de maneiraharmônica, procurando-se realizar os fins colimados por cada uma dasreferidas legislações. As dificuldades que forem causadas por suaaplicação simultânea serão resolvidas levando-se em conta as exigências

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impostas pela equidade no caso concreto.

Artigo 10Esta Convenção ficará aberta à assinatura dos Estados Membros da

Organização dos Estados Americanos.

Artigo 11Esta Convenção está sujeita a ratificação. Os instrumentos de

ratificação serão depositados na Secretaria-Geral da Organização dosEstados Americanos.

Artigo 12Esta Convenção ficará aberta a adesão de qualquer outro Estado. Os

instrumentos de adesão serão depositados na Secretaria-Geral daOrganização dos Estados Americanos.

Artigo 13Cada Estado poderá formular reservas a esta Convenção no momento de

assiná-la, ratificá-la ou a ela aderir, desde que a reserva verse sobre umaou mais disposições especificas e que não seja incompatível com oobjetivo e fim da Convenção.

Artigo 14Esta Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em

que haja sido depositado o segundo instrumento de ratificação. Para cadaEstado que ratificar a Convenção ou ela aderir depois de haver sidodepositado o segundo instrumento de ratificação, a Convenção entrará emvigor no trigésimo dias a partir da data em que tal Estado haja depositadoseu instrumento de ratificação ou adesão.

Artigo 15Os Estados Partes que tenham duas ou mais unidades territoriais em que

vigorem sistemas jurídicos diferentes com relação a questões de que trata

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esta Convenção poderão declarar, no momento da assinatura, ratificação ouadesão, que a Convenção se aplicará a todas as suas unidades territoriaisou somente a uma ou mais delas.

Tais declarações poderão ser modificadas mediante declaraçõesulteriores, que especificarão expressamente a ou as unidades territoriais aque se aplicará esta Convenção. Tais declarações ulteriores serãotransmitidas a Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos esurtirão efeito trinta dias depois de recebidas.

Artigo 16Esta Convenção vigorará por prazo indefinido, mas qualquer dos

Estados Partes poderá denunciá-la. O instrumento de denuncia serádepositado na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos.Transcorrido um ano, contato a partir da data do depósito do instrumento dedenuncia, cessarão os efeitos da Convenção para o Estado denunciante,continuando ela subsistente para os demais Estados Partes.

Artigo 17O Instrumento original desta Convenção, cujos textos em português,

espanhol, francês e inglês são igualmente autênticos, será depositado naSecretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, que enviarácópia autenticada do seu texto para o respectivo registro e publicação àSecretaria das Nações Unidas, de conformidade com o artigo 102 da suaCarta constitutiva. A Secretaria-Geral da Organização dos EstadosAmericanos notificará aos Estados membros da referida Organização, e osEstados que houverem, aderido à Convenção, as assinaturas e os depósitosde instrumentos de ratificação, de adesão e de denúncia, bem como asreservas que houver. Outrossim, transmitirá aos mesmos as declaraçõesprevistas no artigo 15 desta Convenção.

Em fé do que, os plenipotenciários infra-assinados, devidamenteautorizados por seus respectivos Governos, firmam esta Convenção.

Feita na cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai, no diaoito de maio de mil novecentos e setenta e nove.

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Nota do autor: desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004 acompetência para homologação de sentenças estrangeiras no Brasil passou a ser doSuperior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, i).

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Obras do Autor

Livros publicados

Curso de direito internacional privado. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio deJaneiro: Forense, 2017.

Curso de direito internacional público. 10. ed. rev., atual. e ampl. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2016.

Curso de direitos humanos. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método,2017.

Direito dos tratados. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,2014.

Direito internacional público: parte geral. 8. ed. rev., atual. e ampl. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2014.

Direito internacional: tratados e direitos humanos fundamentais na ordemjurídica brasileira. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001.

Direitos humanos e cidadania à luz do novo direito internacional.Campinas: Minelli, 2002.

Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudoanalítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídicabrasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

Natureza jurídica e eficácia dos acordos stand-by com o FMI. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2005.

O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos: uma análise

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comparativa dos sistemas interamericano, europeu e africano. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2011 (Coleção “Direito e CiênciasAfins”, vol. 9).

Por um Tribunal de Justiça para a Unasul: a necessidade de uma corte dejustiça para a América do Sul sob os paradigmas do Tribunal deJustiça da União Europeia e da Corte Centro-Americana de Justiça.Brasília: Senado Federal/Secretaria de Editoração e Publicações,2014.

Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especialenfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia. Rio deJaneiro: Forense, 2002.

Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo:Saraiva, 2010.

Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969.2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. 3. ed. rev. e atual. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2012 (Coleção “Direito e CiênciasAfins”, vol. 3).

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CoautoriaAcumulação de cargos públicos: uma questão de aplicação da

Constituição. Com Waldir Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais,2013.

Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto deSan José da Costa Rica. 4. ed. rev., atual. e ampl. Com Luiz FlávioGomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre oDireito dos Tratados. Com Luiz Flávio Gomes e Rogério SanchesCunha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

Direito supraconstitucional: do absolutismo ao Estado Constitucional eHumanista de Direito. 2. ed. rev., atual. e ampl. Com Luiz FlávioGomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013 (Coleção “Direito eCiências Afins”, vol. 5).

Teoria tridimensional das integrações supranacionais: uma análisecomparativa dos sistemas e modelos de integração da Europa eAmérica Latina. Com Michele Carducci. Rio de Janeiro: Forense,2014.

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Coautoria e coordenaçãoO novo direito internacional do meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2011.

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Coautoria e cocoordenaçãoControle de convencionalidade: um panorama latino-americano (Brasil,

Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai). Com Luiz GuilhermeMarinoni. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.

Crimes da ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual daCorte Interamericana de Direitos Humanos. Com Luiz Flávio Gomes.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o século XXI.Com Aldir Guedes Soriano. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

Direito da integração regional: diálogo entre jurisdições na AméricaLatina. Com Eduardo Biacchi Gomes. São Paulo: Saraiva, 2015.

Direito internacional do trabalho: o estado da arte sobre a aplicação dasconvenções internacionais da OIT no Brasil. Com Georgenor de SousaFranco Filho. São Paulo: LTr, 2016.

Direito internacional dos direitos humanos: estudos em homenagem àProfessora Flávia Piovesan. Com Maria de Fátima Ribeiro. Curitiba:Juruá, 2004.

Doutrinas essenciais de direito internacional, 5 vols. Com Luiz OlavoBaptista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

Novas perspectivas do direito ambiental brasileiro: visõesinterdisciplinares. Com Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray.Cuiabá: Cathedral, 2009.

Novas vertentes do direito do comércio internacional. Com Jete JaneFiorati. Barueri: Manole, 2003.

Novos estudos de direito internacional contemporâneo, 2 vols. ComHelena Aranda Barrozo e Márcia Teshima. Londrina: Eduel, 2008.

O Brasil e os acordos econômicos internacionais: perspectivas jurídicas eeconômicas à luz dos acordos com o FMI. Com Roberto Luiz Silva.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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OrganizaçãoVade Mecum Método Internacional. 14. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:

Método, 2016.

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Obras em língua estrangeira

Em inglês

The law of treaties: a comprehensive study of the 1969 Vienna Conventionand beyond. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

Em espanhol

Derecho internacional público contemporáneo. San Salvador: Cuscatleca,2017.

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