curso de direito - arquivo.fmu.brarquivo.fmu.br/prodisc/direito/sap.pdf · curso de direito...
TRANSCRIPT
C U R S O D E D I R E I T O
Conflito entre a Lei nº 9.099/95 e a Lei nº 10.259/01 e a efetividade da norma dos Juizados Especiais Criminais.
Suzana Azengo Pontes
R.A. 431.683/1
Turma 329-F
Fone: 9391-7206
Professor Orientador Edson Luz Knippel
SÃO PAULO
2003
SUZANA AZENGO PONTES
Conflito entre a Lei nº 9.099/95 e a Lei nº 10.259/01 e a efetividade da norma dos Juizados Especiais Criminais
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
UniFMU como requisito parcial para obtenção
do grau de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Edson Luz Knippel.
SÃO PAULO
2003
BANCA EXAMINADORA
Professor Orientador Dr. Edson Luz Knippelnnnnn
Professor Argüidor: Dr._______________________
Professor Argüidor: Dr._______________________
Dedico essa monografia
a senhora Marucia da Silva Azengo, mãe,
amiga e confidente, pelo auxílio,
dedicação e estímulo que sempre
destinou a seus filhos, com empenho.
Dedico, também, ao Paulo Eduardo Verri
Bastos, pelo o seu apoio e estímulo
dedicado durante os anos de graduação.
Agradeço de modo
especial ao Prof. Edson Luz Knippel pela
atenção e o empenho dado para a
elaboração desta monografia.
Agradeço, também, aos
Doutores Ailton Cocurutto e Nuhad Said
pela colaboração no desenvolvimento do
trabalho.
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO
1. ORIGEM 13 1.1. Enfoque constitucional 15
1.2. Criação da Lei nº 9.099/95 17
1.3. Surgimento da Lei nº 10.259/01 19
2. CONFLITO ENTRE A LEI Nº 9.099/95 E A LEI Nº 10.259/01. 21
2.1. A não aplicação da Lei nº 10.259/01 no Juizado Especial Criminal da
Justiça Estadual. 22
2.2. Ampliação do conceito de infração de menor potencial ofensivo surgido
pela Lei nº 10.259/01. 28
3. CONCEITO DE INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO 32
4. EFETIVIDADE DA LEI Nº10.259/01 36
4.1. Lentidão X Efetividade 36
4.2. Objetivo da Lei Penal como caráter sancionador e a finalidade da Lei
dos Juizados Especiais Criminais em despenalizar 39
CONCLUSÃO 45
ANEXO
Anexo I - Entrevista realizada com o Jurista Ailton Cocurutto 49
Anexo II - Entrevista realizada com a Jurista Nuhad Said 57
Anexo III – Jurisprudência 61
BIBLIOGRAFIA 63
RESUMO
A pesquisa desenvolve-se em quatro capítulos abrangendo a origem das
normas que instituíram os Juizados Especiais Criminais; os conflitos inerentes à
promulgação da Lei nº 10.259 de 12 de julho de 2001 com a Lei nº 9.099/95 de 26
de setembro de 1995, posto que esta já disciplinava sobre as infrações de menor
potencial ofensivo e àquela ampliou o conceito desses delitos, todavia restringindo a
sua aplicação para a Justiça Federal. Desse modo, ainda existem posicionamentos
diversos sobre a real definição dos ilícitos em comento, ensejando,
conseqüentemente, a inaplicabilidade do princípio da igualdade da Constituição
Federal. Inclusive, há divergência acerca da necessidade da pena de multa ser ou
não cumulativa com a pena privativa de liberdade para caracterizar o conceito da
última norma. Outra questão que se mostra relevante é a efetividade da Lei dos
Juizados Especiais Criminais, concernente ao fim para que fora criada. Primeiro
aspecto diz respeito à celeridade, princípio inserido no artigo 2º da Lei 9.099/95, pois
segundo o estudo realizado existem locais em que esse objetivo não alcançou êxito.
Existe, também, a polêmica do caráter despenalizador trazido pela norma, haja vista
que, a pena privativa de liberdade não é aplicada a esses delitos, tão somente
aplica-se a pena de multa ou restritivas de direitos, sendo na prática no Estado de
São Paulo, aplicação da pena de prestação de serviços à comunidade, consistente
na entrega de cestas básicas. Esse tipo de penalidade, para a vítima não tem
caráter de reeducação, tão pouco “castigo” pelo fato ilícito praticado. Ante a
disparidade advinda do tema, avocou a atenção da aluna que subscreve, para
estudá-lo e desenvolvê-lo, obtendo realização no decorrer da sua pesquisa.
Palavras-chave: Juizado Especial Criminal; Conflito entre normas; Efetividade.
ABSTRACT
The research develops in four chapters enclosing the origin of the norms that had
instituted the Criminal Special Courts; the inherent conflicts to the promulgation of
the Law nº 10,259 of 12 of July of 2001 with the Law nº 9,099/95 of 26 of
September of 1995, rank that this already disciplined on the infractions of offensive
potential minor and to that one extended the concept of these delicts, however
restricting its application for Federal Justice. In this way, still diverse positionings
exist on the real definition of the illicit ones in comment, trying, consequently, the
inaplicabilidade of the principle of the equality of the Federal Constitution. Also, it
has divergence concerning the necessity of the penalty of fine to be or not
cumulative with the privative penalty of freedom to characterize the concept of the
last norm. Another question that if it shows excellent is the effectiveness of the
Law of the Criminal Special Courts, concernente to the end so that it are bred. First
aspect says respect to the celeridade, inserted principle in the article 2º of Law
9,099/95, therefore study according to carried through they exist local where this
objective did not reach success. It exists, also, the controversy of the
despenalizador character brought by the norm, has seen that, the privative penalty
of freedom is not applied to these delicts, so only applies it penalty of fine or
restrictive of rights, being in the practical one in the State of São Paulo, application
of the penalty of rendering of services to the community, consistent in the delivery
of basic baskets. This type of penalty, for the victim does not have re-education
character, so little?castigo? for the practised illicit fact. Before the happened
disparity of the subject, the attention of the pupil appealed to higher court whom it
subscribes, for studies it and develops it, getting accomplishment in elapsing of its
research.
Word-key: Criminal Special Court; Conflict between norms; Effectiveness. INTRODUÇÃO
O comportamento humano regido pela norma jurídica tem sofrido grandes
modificações, restando aos legisladores acompanhá-los, inovando o preceito
normativo, inviabilizando a aplicação precária da Lei no mundo fático.
Nesse sentido, todos os ramos do direito estão em busca da criação de
mecanismos eficazes para a solução dos conflitos, se adaptando a realidade
evolutiva.
Todavia, retardou o legislador, de uma certa forma, na efetiva atualização das
normas, afetando a sociedade, principalmente, no que concerne à aplicação dos
preceitos de Direito Processo Penal e de Direito Penal, posto ser o âmbito tutelador
de bens jurídicos de maior relevância, tais como a vida e a liberdade.
Dessa forma, a sociedade cresceu, o número de delitos aumentaram, porém
permaneceu a burocracia na consecução de atos para alcançar a tutela jurisdicional.
Outrossim, a instituição judicial penal foi se tornando, com o decorrer da
evolução, impotente pela lentidão que apresentava, visto a enorme quantidade de
processos empilhados, os quais aguardavam movimentação, diagnosticando, ao
final, muitas vezes a existência da prescrição do delito, inviabilizando a punibilidade
do infrator.
Em detrimento disso, surgiu a Lei nº 9.099/95 que instituiu os Juizados
Especiais Criminais, com o escopo de abreviar o procedimento, para determinados
crimes de menor potencial, através de métodos consensuais, visando a celeridade
no resultado almejado.
Outrossim, restou para as infrações de maior complexidade uma atenção
mais intensa para investigar e decidir sobre a prestação jurisdicional de forma mais
adequada.
Mencionada Lei conceituou os crimes para a sua abrangência, no seu artigo
61, o qual disciplina as infrações cuja pena cominada máxima não seja superior a 01
(um) ano. Todavia, em 12 de Julho de 2001 o legislador criou a Lei nº 10.259/01,
instituindo o Juizado Especial Criminal na esfera federal.
Esta Lei ampliou a definição das infrações de menor potencial ofensivo, no
artigo 2º, parágrafo 2º, para os delitos cuja sanção cominada não seja superior a 02
(dois) anos, acarretando divergências quanto à aplicação de ambas as normas.
Assim, alguns doutrinadores entendem que as Leis nº 9.099/95 e 10.259/01
se aplicam a casos diversos, posto ser a primeira de competência da esfera
Estadual e a segunda da esfera Federal.
Dessa forma, para eles, apesar de ter um ilícito penal com um mesmo fato
típico e um mesmo preceito secundário condenatório, somente recaindo em
competências diferentes, há aplicação de normas distintas, como ocorre com o crime
de desacato em que se for praticado em face de um funcionário estadual será
imposta a Lei 9.099/95. Porém, se este delito for praticado em face de um policial
federal será aplicada a Lei nº10.259/01.
Deste modo, há nítida violação do princípio constitucional da isonomia,
coexistindo dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo, acarretando
para o cometimento de um mesmo delito situações diversas.
Todavia, há operadores do direito com posicionamentos diversos ao desta
desigualdade, aplicando somente a definição da Lei nº 10.259/01, baseado na
revogação do conceito da Lei nº 9.099/95, com fundamento no artigo 2º, parágrafo
1º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Ademais, é ilógica a mantença de duas Leis que disciplinam a mesma
matéria, sendo por isso aplicada de forma quase absoluta a norma 10.259/01.
Ainda, o surgimento desta última Lei acarretou para alguns estudiosos do
direito, divergências quanto ao seu conceito, se a multa deveria ser cumulativa ou
alternativa a pena privativa de liberdade. Porém, restou constatado no
desenvolvimento do trabalho ser irrelevante a pena de multa para definir a amplitude
das infrações de menor potencial ofensivo.
Entretanto, como se vai analisar no desenvolvimento do trabalho, em certas
locais do Brasil, os Juizados Especiais Criminais não conseguiram alcançar o
objetivo traçado pela norma.
Apesar disso, a implantação desse instituto beneficiou de certa forma o
Sistema Jurídico Penal, posto que através de suas medidas os infratores não ficam
em sua maioria impunes, como ocorria antes do seu advento, em que havia um
maior índice de extinção da punibilidade por ocorrência da prescrição.
1. ORIGEM
Desde 1941 o sistema jurídico brasileiro possui o mesmo diploma processual
penal, sendo aplicada no transcorrer das mudanças sociais, sem que, contudo,
houvesse alteração substancial.
De igual modo, tornava-se arcaica, precária e burocrática a execução da Lei,
na medida em que o aumento da criminalidade não conduzia o Poder Judiciário a
condições suficientes para dirimí-las.
Dessa forma, foi criado o Juizado Especial Criminal com o fulcro de
proporcionar instrumentos adequados a evitar a impunidade na solução dos ilícitos
menores1, haja vista que, a morosidade existente para a solução dos conflitos
1 Para estes ilícitos, houve a tendência conciliatória, a qual inseria-se o Anteprojeto do José Frederico Marques apresentado ao Ministro da Justiça em 1970, que previa a proposta pelo Ministério Público, do pagamento de multa, se o crime apurado fosse apenado com multa, prisão simples ou detenção, que aceita pelo acusado, levaria à extinção da punibilidade, por perempção (art.84). Este anteprojeto fora modificado e transformado no Projeto de Lei n. 1655, que instituía o Código de Processo Penal. Conforme o anteprojeto, o procedimento sumaríssimo vinha descrito nos artigos 544 a 548, contudo, não previu a Transação.
tornava, na maioria das vezes, tardia a prestação jurisdicional, como também,
inaplicável a sanção imposta pelo decorrer do lapso prescricional.
Destarte, o Juizado Especial Criminal inovou o ordenamento jurídico penal e
processual penal pátrio, desburocratizando a Justiça Criminal, tornando-a mais
célere, simples e econômica aliviando-a de processos arcaicos.
Com efeito, foram instituídos os Juizados Especiais para as pequenas
infrações penais resultados efetivos, dando pronta solução aos conflitos penais.
Conseqüentemente, ofereceram maior dedicação e melhor repressão na aplicação
da lei para os autores que atentam a bens jurídicos de maior relevância.
Assim, para os ilícitos de menor potencial ofensivo houve a desburocratização
e simplificação da justiça penal possibilitando uma solução rápida para as lides
dessa natureza2.
Desse modo, com a preocupação de evitar a impunidade no tocante aos
ilícitos de menor potencial ofensivo, o legislador constituinte inseriu na Carta Magna
de 1988, no seu artigo 98, inciso I, a previsão de criação de Lei que disciplinasse o
Juizado Especial, sendo, posteriormente, criada a Lei nº 9.099 de 26 de setembro de
1995, e a Lei nº 10.259 de 12 de julho de 2001 sendo esta especificamente voltada
ao âmbito da Justiça Federal3.
Contudo, conforme dispõe o artigo 1º da Lei nº 9.099/95, os Juizados
Especiais são órgãos da Justiça Ordinária também denominada de Justiça Comum,
que compreende tanto a Justiça Comum Estatal como a Federal.
2 Para José Frederico Marques “a lide penal surge com a ocorrência de um fato penalmente relevante que coloque em conflito o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do réu. O jus libertatis do indivíduo constitui a resistência oferecida ao jus puniendi estatal, necessária para que a relação estabelecida entre o Estado e o particular, em virtude da verificação de um fato penalmente ilícito, seja qualificada como litigiosa”. Apud Marcus Alan de Melo Gomes, Culpabilidade e Transação Penal nos Juizados Especiais Criminais, p. 83. 3 Sobre a importância da Lei n. 9.099/95 o doutrinador Marco Antonio Marques da Silva na obra Juizados Especiais Criminais, p.102 afirmou que “O novo procedimento, indiscutivelmente, veio equilibrar o descompasso havido entre o grande número de ocorrências criminais de baixa lesividade e as decisões judiciais que, por inadequação legislativa, não tinham solução rápida e adequada aos reclamos sociais”.
Entende-se por Justiça Ordinária o mesmo que Justiça Comum, a qual se
distingue da Justiça Especial Criminal, esta incluindo a Justiça Militar e a Justiça
Eleitoral. Com efeito, a Justiça ordinária tem competência penal residual,
englobando toda a matéria que não é da competência Especial, consubstanciada na
seara penal das Justiças Eleitoral e Militar. Portanto, estão no campo da expressão
Justiça Ordinária a Justiça Estadual e a Justiça Federal4.
Dessa forma, o dispositivo supra citado expressamente enfatiza a
abrangência da aplicação da Lei nº 9.099/95 na Justiça Federal, ao dispor sobre a
Justiça Ordinária, tornando desnecessária a promulgação da Lei nº 10.259/01, posto
a existência de Lei anterior que já tratava da matéria.
Outrossim, o disposto da Lei nº 9.099/95 refere-se, exclusivamente, à Justiça
Ordinária também conhecida como Justiça Comum.
Neste sentido, mencionado dispositivo excluiu de antemão a aplicação da Lei
dos Juizados Especiais na Justiça Especial, na qual inclui a Justiça Militar e a
Justiça Eleitoral.
Igualmente, afastou a possibilidade de criação de Lei que discipline sobre a
matéria na Justiça Especial.
1.1 ENFOQUE CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal no seu artigo 98, inciso I estabeleceu que:
“A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão
juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,
competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas
cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por
turmas de juízes de primeiro grau”.
4 Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais, p.25.
Com efeito, trata-se de norma de eficácia limitada, carecendo de uma
norma infraconstitucional que determinem quais as infrações compreendidas como
crimes de menor potencial ofensivo, para que possa, efetivamente, surtir efeitos.
Deste modo, interpretando o dispositivo supra citado seria necessária a
promulgação de Lei Federal para a criação dos Juizados Especiais. No mesmo
enfoque, o artigo 22, inciso I da Constituição Federal dispôs que a competência para
legislar sobre Direito Penal e Processual Penal é privativa da União, tirante das
hipóteses do artigo 22, parágrafo único da Constituição Federal.
Contudo, o artigo 24, inciso X da Carta Magna estabelece que a União,
os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente para a criação, o
funcionamento e o processo dos juizados especiais. No mesmo sentido, o seu inciso
XI, que disciplina competência concorrente para legislar sobre ritos processuais.
Outrossim, visando esclarecer a competência concorrente, o legislador
constituinte inseriu no artigo 24, o parágrafo 1º, que limita a União estabelecer
normas gerais, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal disciplinar as normas
suplementares.
Dessa forma, após o advento da Lei Federal, aos Estados compete
suplementar a legislação Federal criando normas específicas de procedimento, que
atendessem às peculiaridades do local, conforme preceitua o artigo 22, parágrafo
único da Constituição Federal.
Nesse sentido, a Lei nº 9.099/95 apenas veicula normas gerais sobre o
procedimento, deixando sob o crivo dos Estados a atuação de normas
complementares, conforme disciplina o artigo 93 da Lei em comento5.
5 Art. 93: “Lei Estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência”.
Entretanto, alguns Estados promulgaram Leis Estaduais antes da
edição da Lei Federal nº 9.099/95, que foram julgadas inconstitucionais pelo
Supremo Tribunal Federal6.
No que concerne a transação penal e ao julgamento de recursos por
juízes de primeiro grau, a Carta Magna nada menciona sobre a competência
concorrente. Contudo, a transação penal é um instituto penal, ensejando a
competência para legislar privativa da União, conforme disposto no artigo 22, I da
Constituição Federal7.
Por fim, para dar cumprimento ao preceito constitucional, os
legisladores criaram a Lei Federal nº 9.099 no dia 26 de setembro de 1995, dando
efetividade ao Juizado Especial.
1.2 CRIAÇÃO DA LEI N º 9.099/95
Durante os trabalhos da Assembléia Constituinte, os juízes Pedro Luiz
Ricardo Gagliardi e Marco Antonio Marques da Silva apresentaram à Associação
Paulista de Magistrados a minuta de um anteprojeto de lei federal que disciplinava a
criação e o funcionamento dos Juizados Especiais Criminais8.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, por
determinação do Presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Juiz
Manoel Veiga de Carvalho, foi constituído grupo de trabalho para examinar a
proposta do Anteprojeto9.
6 Foi objeto de exame pelo STF a inconstitucionalidade de lei estadual nº 5.466 de 26 de setembro de 1961 da Paraíba que regulamentava a matéria, julgando o HC. 71.713-6 – PB. No mesmo sentido: HC 72.582 – 1 (DJU 20.10.95, P. 35.258), por entender imprescindível a existência da Lei Federal anterior a sua criação. O mesmo ocorreu com a Lei Estadual nº 1.071 de 11 de Julho de 1990 do Mato Grosso do Sul e com a Lei Estadual nº 6.176/93 do Mato Grosso. 7 . “(...) É certo que o acordo será feito pela defesa e Ministério Público para produzir efeitos processuais, mas a transação em si é figura contratual, vale dizer, pertencente ao direito material penal”. Marco Antonio Marques da Silva, Juizados Especiais Criminais, p.84. 8 Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação, p.24 9 Ada Pellegrini Grinover, et al, Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099 de 26.09.1995, p. 32/33.
Nesse grupo fizeram parte os Juízes do Tribunal de Alçada Criminal de
São Paulo Antonio Carlos Viana dos Santos, Manoel Carlos Viana dos Santos,
Manoel Carlos Vieira de Moraes, Paulo Costa Manso, Ricardo Antunes Andreucci e
Rubens Gonçalves10.
Foi convidada para também integrar o grupo a Professora Ada
Pellegrini Grinover, titular da cadeira de Processo Penal na Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo encarregada para examinar os resultados dessa
comissão. A Professora Ada Pellegrini Grinover teve a colaboração dos Professores
e Procuradores de Justiça de São Paulo Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio
Scarance Fernades11.
Esta comissão elaborou um substituto à proposta, apresentando um
anteprojeto à Presidência do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo,
que recebeu sugestões de aprimoramento da Seccional de São Paulo da Ordem dos
Advogados do Brasil12.
Após o aperfeiçoamento do referido anteprojeto, pelas sugestões dos
mais renomados juristas, foi apresentado ao Deputado Michel Temer, que
transformou o anteprojeto no projeto de Lei nº 1.480-D de 1989, precedido pela
mesma Exposição de Motivos que o grupo havia elaborado, e mantendo, no Projeto,
os nomes de seus redatores13.
Na Câmara dos Deputados haviam sido apresentados diversos outros
projetos referentes aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, dentre eles o Projeto
de Lei nº 3.698/89 do então deputado federal Nelson Jobim que continham as duas
matérias citadas14.
O relator da Comissão de Constituição e Justiça, Deputado Ibrahim
Abi-Ackel selecionou, entre todas, o projeto elaborado por Michel Temer, no âmbito
penal, e o projeto confeccionado por Nelson Jobim, para o âmbito cível, 10 Ibidem, p.33. 11 Ibidem 12 Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação, p.25 13 Damásio Evangelista de Jesus. Juizados Especiais Criminais,p.25 14 Ibidem
determinando a unificação de ambos em um substitutivo, que foi aprovado na
Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado15.
Na Comissão de Constituição e Justiça relatou o Senador José Paulo
Bisol, que elaborou um substitutivo, com poucos artigos, de normas genéricas,
deixando toda a matéria para ser regulada em leis estaduais, o qual omitiu no campo
penal o instituto da transação e seus efeitos16.
No entanto, foi mantido o substitutivo aprovado pela Câmara dos
Deputados originando a Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995.
1.3 SURGIMENTO DA LEI 10.259/01.
Como a Carta Magna limitou à União a criação de Lei que dispusesse
sobre o Juizado Especial nos Estados, seria um contra-senso admitir a criação por
parte destes de um órgão de natureza federal.
Dessa forma, a Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999,
acrescentou parágrafo único ao artigo 98 da Constituição Federal que disciplina
sobre a instituição de Lei Federal para a criação de juizados especiais no âmbito da
Justiça Federal.
Entretanto, conforme já mencionada anteriormente a lei originária dos
Juizados Especiais generalizou o alcance da norma quer para a Justiça Comum
estadual, quer para a Federal ao invocar que tal instituto é órgão da Justiça
Ordinária, o que tornou dispensável o advento da Lei nº 10.259/01.
Apesar do acima aduzido, atendeu o legislador federal ao mandamento
constitucional citado, editando a Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, que entrou em
15 Ada Pellegrini Grinover, et al, Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099 de 26.09.1995, p.33, 1999. 16 Ibidem, p.34
vigor 06 (seis) meses após a sua publicação, conforme disposição no artigo 27 da
Lei17.
Contudo, além de regular o Juizado Especial no âmbito da Justiça
Federal, criou um conflito entre os instrumentadores do direito ao ampliar ou não o
conceito de infração de menor potencial ofensivo, anteriormente, previsto, tão
somente, pela Lei Federal nº 9.099/95.
17 “A publicação ocorreu em 13 de julho de 2001. Seis meses após coincide com o dia 13 de janeiro de 2002. Essa seria a data de vigência da citada lei. Mas, por força da Lei Complementar 95/98 (art. 8), todas as leis no Brasil agora passam a vigorar a partir do dia seguinte à vacatio legis. Desse modo, se a vacatio encerrou-se em 13 de Janeiro de 2002, a vigência da Lei n. 10.259/01 começou em 14 de janeiro de 2002”. Ada Pellegrini Grinover, Juizados Especiais Criminais, p. 370/371, 2002.
2 CONFLITO ENTRE A LEI Nº 9.099/95 E A LEI Nº 10.259/01.
Com o advento da Lei nº 10.259/01, discutiu-se sobre a ampliação do
conceito de infração de menor potencial ofensivo disposto no seu artigo 2º,
parágrafo único, já fixado, anteriormente, no artigo 61 da Lei nº 9.099/95.
Estabelece o dispositivo acima citado da Lei nº 10.259/01 que “consideram-se
infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a
lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”.
Porém, o artigo 61 da Lei nº 9.099/95 disciplina que “consideram-se infrações
de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 01 (um) ano, excetuados os
casos em que a lei preveja procedimento especial”.
Dessa forma, o confronto dos dispositivos acerca do conceito da infração de
menor potencial ofensivo ensejou aplicação conforme o posicionamento de cada
jurista.
Assim, há casos no mesmo Juízo Regional, todavia em varas distintas que
ora aplica a Lei nº 9.099/95 ora aplica a Lei nº 10.259/01, dando azo a uma
verdadeira afronta ao princípio da isonomia na execução de ambas as normas18.
Portanto, deparava-se, na mesma Comarca, com pessoas legalmente iguais,
todavia com tratamentos distintos, pelo fato de existirem posicionamentos diversos.
18 No Fórum Regional de Pinheiros em São Paulo, o Promotor de Justiça da 2ª Vara Criminal adota a Lei nº 9.099/95 e o Promotor de Justiça da 1ª Vara Criminal adota a Lei nº 10.259/01. Todavia, os Juízes de ambas aplicam a Lei nº 10.259/01, recorrendo em sentido estrito o Promotor da 2ª vara criminal. Informação extraída em entrevista com a Procuradora do Estado Nuhad Said anexa.
Assim, se o autor da prática de ilícito cuja pena máxima cominada seja de 02
(dois) anos tivesse o acaso de ter o seu processo distribuído para a 1ª Vara do Juízo
Regional de Pinheiros, seria beneficiado pelo instituto despenalizador da Transação
Penal, todavia, se ocorresse a distribuição para a 2ª Vara do mesmo Juízo, seria
penalizado, segundo o preceito secundário disposto no fato típico.
Nesse diapasão, havia para igual situação e condição, resultados diversos,
conforme entendimentos dos juristas, violando sobremaneira o princípio da
igualdade19.
Diante de tal dissidência, instrumentadores do direito se manifestaram sobre o
tema criando duas posições antagônicas e contraditórias que serão expostas a
seguir.
2.1 A NÃO APLICAÇÃO DA LEI Nº 10.259/01 NO JUIZADO ESPECIAL
CRIMINAL DA JUSTIÇA ESTADUAL.
Conforme pensamentos de alguns juristas, a Lei nº 10.259/01 tem
aplicação exclusiva no âmbito da Justiça Federal, não alcançando o campo
Estadual, e, conseqüentemente, não modificou o conceito de infração de menor
potencial ofensivo para este último, permanecendo íntegro o artigo 61 da Lei
9.099/95.
No mesmo entendimento argumentam que a própria Carta Magna
diferencia, dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal, visto a
necessidade da edição da Emenda Constitucional nº 22, a qual dispõe,
expressamente, sobre a criação do Juizado Especial no âmbito federal, isto após a
previsão de criação do Juizado Especial contida no artigo 98 “caput” da Constituição
19 Pimenta Bueno averbou “A Lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”. Apud Celso Antônio Bandeira de Mello, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p.18.
Federal. De tal modo, a Carta Magna sempre as considerou distintas, com regras
que atendessem as suas peculiaridades20.
Nesse sentido, alegam com a observância do artigo 98 da Constituição
Federal o desfecho de que o objetivo deste dispositivo fora o de instituir dois
sistemas de Juizados, Estadual e Federal, estabelecendo a dicotomia relativamente
a esses âmbitos do Poder Judiciário, com normas próprias e requisitos específicos.
Conseqüentemente, concluíram que como o legislador ordinário ao dar
cumprimento a Carta Política, editou a Lei nº 10.259/01, ensejando fatídica sua
intenção de criar o Juizado Especial no âmbito Federal e de distinguí-la do Juizado
Estadual.
Dessa maneira, esclarecem que ao estabelecer no artigo 2º, parágrafo
único da norma em epígrafe, o conceito de infração de menor potencial ofensivo frisou o termo “para os efeitos desta lei”, e, ainda, em seu artigo 20 dispôs
“vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual”, os quais, segundo eles,
excluíram, previamente, uma eventual aplicação da Lei já citada face à Lei nº
9.099/95.
Neste diapasão Jorge Assaf Maluly e Pedro Henrique Demercian:
“O próprio legislador, preocupado com os reflexos da Lei n. 10.259/2001,
deixou claro que o conceito das infrações de menor potencial ofensivo,
previsto no parágrafo único, do art. 2º, aplicar-se-ia, tão-somente, no
âmbito da Justiça Federal, ao utilizar a expressão “para os efeitos desta lei”
e , mais à frente ao vedar expressamente a aplicação da nova lei à Justiça
Estadual (cf. art. 20, parte final) e, como se sabe, a lei não contém termos
ou expressões inúteis21”.
20 Manifestação da E. Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo em processo referente a porte ilegal de armas (Pt. Protocolado n. 17.471/02 – Art. 28 do CPP Processo n. 450-6/01 – 3ª Vara Criminal do Foro Regional de Santana), por decisão publicada no Diário Oficial do Estado de 12.3.2002, também entendeu que a Lei n. 10.259/2001 não tem aplicação no Juizado Especial Criminal Estadual. Carlos Roberto Barretto, Juizado Especial Criminal Estadual e a Lei n. 10.259, de 2001, p.14. 21 Juizado Especial Criminal Estadual e a Lei n. 10.259, de 2001, p. 25
Segundo tal corrente, a Lei nº 10.259/01, no seu artigo 2º, parágrafo
único, ao definir as infrações de menor potencial ofensivo o fez de forma exclusiva
ao expressar para os efeitos desta lei, não prevendo a aplicação desta lei fora do
âmbito da Justiça Federal. Além disso, no seu artigo 20 também a excluiu
expressamente, ao enfatizar a vedação da aplicação da mesma na Justiça Estadual.
Vincula a este posicionamento a Lei Complementar nº 95/1998,
alterada pela Lei Complementar nº107/2001, que fixa os lineamentos para a
elaboração redação e alteração das leis e prevê no seu artigo 9º que, a cláusula de
revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais
revogadas.
Com efeito, pelo fato da Lei em estudo não conter tal cláusula de
revogação, como também ressalva o conflito entre ela e a Lei nº 9.099/95, seria
ofender a norma complementar à Constituição a aplicação do conceito de infração
de menor potencial ofensivo da Lei nº 10.259/01 no âmbito da Justiça Estadual.
Dessa forma, concluem que se o legislador tivesse a intenção de
ampliar o conceito de infração de menor potencial ofensivo deveria tê-lo feito de
forma expressa, conforme determina a Lei Complementar já mencionada. Como não
o fez, entenderam que, efetivamente, não fora esta à sua vontade em revogar o
artigo 61 da Lei nº 9.099/95.
Além disso, alegam o descabimento na aplicação da analogia face ao
artigo 61 da Lei nº 9.099/95, visto a inexistência da lacunosidade no caso “sub
judice”, posto que o dispositivo em tela conceitua de forma clara e expressa a figura
do ilícito de menor potencial ofensivo, inviabilizando a aplicação do instituto citado,
não prevalecendo o artigo 2º parágrafo único da Lei nº 10.259/01.
Nesse sentido, entendem que ao ser aplicada esta Lei em detrimento
daquela, o Poder Judiciário estaria atuando como legislador positivo, estendendo
benefícios para pessoas as quais acredita estar inconstitucionalmente excluídas.
Portanto, para esse posicionamento, não cabe ao Julgador substituir o
Legislador, mudando ou criando conceitos legais ainda que a pretexto de corrigir
injustiça legislativa.
De tal modo, esclarecem que estendendo tais benefícios face ao
princípio da isonomia, concomitantemente, o Poder Judiciário estaria ofendendo
instituto constitucional da divisão dos Poderes, quebrando a independência e a
harmonia entre os três poderes.
Destarte, os seguidores desta corrente acreditam que o executor da Lei
deve se manifestar, não mais como “legislador negativo22”, imagem assumida pelo
Supremo Tribunal Federal.
Com base nesse tema, o Ministro Moreira Alves, no Julgamento do
Recurso Extraordinário n. 173.252/SP pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal
Federal (DJU de 18.5.2001, p. 87) expressou que:
“(...) Contra lei que viola o princípio da isonomia é cabível, no âmbito do
controle concentrado, ação direta de inconstitucionalidade por omissão,
que, se procedente, dará margem a que dessa declaração seja dada
ciência ao Poder Legislativo para que aplique, por lei, o referido princípio
constitucional; já na esfera do controle difuso, vício dessa natureza só pode
conduzir à declaração de inconstitucionalidade na norma que infringiu esse
princípio (...)”.
Enfatizam, ainda, os adeptos a este posicionamento que a Lei nº
10.259/01 é uma norma especial de aplicação restrita, ou seja, tem incidência
apenas no âmbito Federal, estabelecendo condições paralelas a Lei nº 9.099/95.
Assim, não altera a norma geral disposta no artigo 61 deste último diploma citado.
22 Imagem criada por Kelsen. Apud Jorge Assaf Maluly e Pedro Henrique Demercian. Juizado Especial Criminal Estadual e a Lei n. 10.259, de 2001, p. 26. Essa denominação expressa, basicamente, a Tripartição dos Poderes, na medida em que o intérprete da Lei não pode substituir a vontade do legislador, imagem de legislador positivo, devendo, apenas, aplicar a norma. Todavia, se entender que a Lei não condiz com a Carta Magna, violando-a, pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, impondo uma imagem de legislador negativo, posto que torna a Lei inaplicável.
Fundamentam que a doutrina distingue a Lei Federal da Lei Nacional
ao afirmar que:
“Qualifica-se lei federal a criada por iniciativa da União. Ela disciplina
interesses federais, diferentemente da lei nacional, que dispõe não só
sobre interesses federais, mas também a respeito dos interesses estaduais
e locais23”.
Assim, concluem: a Lei nº 9.099/95 é lei nacional, ao passo que a Lei
nº 10.259/01 é lei federal de aplicação exclusiva no âmbito da Justiça Federal.
Ainda, afirmam os defensores da não aplicabilidade da Lei nº 10.259/01
nos Juizados Especiais no âmbito Estadual que essa corrente não ofende ao
princípio da igualdade, haja vista se tratar de situações diversas, argumentando que
a Lei nº 10.259/01 se aplica apenas para ilícitos Federais e a Lei nº 9.099/95 para
ilícitos Estaduais.
Mencionado princípio retrata tratamento igualitário para os iguais e
desigual para os desiguais. No entanto, invocam os juristas favoráveis ao
posicionamento em epígrafe que as pessoas em confronto não estão exatamente na
mesma situação de igualdade.
Com efeito, seguem Pontes de Miranda sobre o princípio da isonomia
que:
“Esse princípio não é, todavia, absoluto. As próprias Constituições ao
consagrá-lo nem por isso se reneguem outras disposições que
estabeleçam desigualdade. Assim, não é dado invocá-lo onde a
Constituição, explícita ou implicitamente, permite a desigualdade24”.
Assim, como já retratado anteriormente, segundo eles a própria
Constituição Federal institui o Juizado Especial no âmbito Federal à parte, de modo
diferenciado, para as causas de interesse da União, sem que nisso possa invocar
ofensa ao princípio da igualdade. 23 Uadi Lammêgo Bulos, Constituição Federal Anotada, p.858 24apud José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 230.
Dessa forma, entendem que mesmo citando a hipótese do crime de
desacato tipificado no artigo 331 do Código Penal, para ser considerado da
competência da Justiça Federal, sujeito à Lei nº 10.259/01, necessário se faz que a
ofensa seja dirigida a funcionário federal, constando uma diferença entre este e o
crime praticado contra funcionário estadual.
Outrossim, frisam que apesar no delito acima exposto o bem jurídico
tutelado ser o mesmo, não se permite tratamento igual. Assim, comparam os crimes
sujeitos à competência da Justiça Ordinária com os crimes da competência da
Justiça Militar, os quais ofendem o mesmo bem jurídico, contudo, estes são
tipificados no Código Penal Militar enquanto àqueles estão tipificados no Código
Penal.
Destarte, para tais juristas, mesmo havendo a tipificação igual, sendo
distinta, apenas, pela qualidade da vítima ou do agente ou o local da infração, o
Egrégio Supremo Tribunal Federal25 não entendeu ser inconstitucional, por infringir o
princípio da igualdade, a norma contida no artigo 90-A da Lei nº 9.099/95,
introduzida pela Lei nº 9.839/99, que veda, de forma expressa a aplicação dos
Juizados Especiais no âmbito da Justiça Militar26.
2.2 AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE INFRAÇÃO DE MENOR
POTENCIAL OFENSIVO SURGIDO PELA LEI Nº 10.259/01
Apesar dos argumentos acima expostos serem coerentes sobre a
exclusividade da aplicação da Lei nº 10.259/01 no Juizado Especial da Justiça
Federal, isto não ensejou um posicionamento unânime, sendo atualmente
predominante de forma maciça o entendimento da ampliação do conceito de
infração de menor potencial ofensivo para a Justiça Estadual.
25 Habeas Corpus STJ n. 15.573-RS, j. 7.6.2001, 5ª Turma, v.u., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. 26 Carlos Roberto Barretto. Juizado Especial Criminal Estadual e a Lei n. 10.259, de 2001, p. 19.
Nesse sentido, certo fora o objetivo do legislador constituinte com a
inclusão do parágrafo único do artigo 98 da Carta Magna, através da Emenda
Constitucional nº 22, prever a instituição de um Juizado Especial para o âmbito
Federal.
Todavia, neste aspecto sua vontade foi a de evitar o surgimento de
conflitos, desarmonia e tratamento diferenciado entre pessoas que cometessem o
mesmo crime, no âmbito Estadual ou Federal27.
Contudo, o legislador ordinário ao cumprir o mandamento
constitucional, foi além do que lhe fora permitido, que era a simples criação de um
juizado, modificando o conceito de infração de menor potencial ofensivo, dando azo
a uma divergência doutrinária.
Desse confronto, houve a violação do princípio constitucional da
isonomia, na medida em que foram adotados resultados discriminatórios para
situações fáticas idênticas.
Dessa forma, a intenção da Carta Política não poderia ser minimizada
face à vontade de uma Lei Ordinária em estabelecer exclusividade de benefícios
decorrentes do Juizado Especial para uns em detrimento de outros, ignorando o
princípio em comento, emanado pela Constituição Federal.
Neste diapasão proclama o estudioso José Afonso da Silva: “igualdade
constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em
sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção
interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental28”.
Assim, a coexistência de ambos os conceitos de infração de menor
potencial ofensivo já mencionado anteriormente, infringe, antes de tudo, a própria
Carta Magna, sendo que seria incabível tal entendimento.
27 Paulo Sérgio do Nascimento Rangel, Direito Processual Penal, p.32. 28 Curso de Direito Constitucional Positivo, p.217.
Portanto, o posicionamento sobre a prevalência de ambos os
conceitos, não se coaduna com o Texto Constitucional. Dessa forma, por ser a
Constituição Federal, a Superior Carta, a criadora das Leis, não devem os juristas se
manifestar em desfavor da sua vontade, com os simples argumentos de que a Lei
ordinária fora expressa ao afirmar “para os efeitos desta Lei29” ou de que “não existem na Lei termos ou expressões inúteis”.
Ainda, incongruente seria a aplicação dos dois conceitos existentes,
haja vista que os delitos julgados pela Justiça Estadual e pela Justiça Federal
consubstanciam a Justiça Ordinária ou Comum, a qual tutela, igualmente, os
mesmos bens jurídicos. Deste modo, não há fundamento ensejador para um
tratamento jurídico mais favorável ao processados criminalmente perante a Justiça
Federal.
Com isso, a revogação do conceito de infração de menor potencial
ofensivo capitulado no artigo 61 da Lei nº 9.099/95 pelo artigo 2º, parágrafo único da
Lei nº 10.259/01 fora à solução de tal dissidência, com base no artigo 2º, parágrafo
1º, última parte, da Lei de Introdução ao Código Civil30.
Outrossim, ambas as Leis em epígrafe são Federais e Ordinárias,
sendo assim, a Lei nº 10.259/01 não pode ser considerada especial em relação à Lei
nº 9.099/95, o que também violaria o princípio da isonomia.
Dessa forma, tanto para a Justiça Estadual como para a Justiça
Federal, fora estabelecido um único conceito para as infrações de menor potencial
ofensivo, o qual prevaleceu o disposto na Lei nº 10.259/01.
Cabe frisar que a Lei nº 9.099/95 já ampliava a sua competência para a
esfera Federal, visto a denominação trazida na norma como órgão da Justiça
Comum, consubstanciada na Justiça Estadual e na Justiça Federal, já restando
incoerente, por si só, o advento da Lei nº 10.259/01, ainda tornando mais
29 Trecho que o Legislador inseriu no artigo 2º, parágrafo único da Lei 10.259/01. 30 “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
inadmissível o entendimento díspar de dois conceitos de infrações de menor
potencial ofensivo.
Ademais, se fosse adotado entendimento contrário, o ordenamento
jurídico estaria diante de uma evidente ofensa ao princípio da igualdade e da
razoabilidade, posto que o mesmo tipo penal, o qual não houve diferenciação da
sanção em razão da natureza do bem jurídico ofendido, teria aplicabilidade distinta
nas suas penalizações.
Exemplificando, o crime de abuso de autoridade, se cometido por
agente federal seria da competência do Juizado Especial Criminal da Justiça
Federal, podendo o infrator ser beneficiado nas medidas despenalizadoras previstas
na Lei nº 9.099/95, ao passo que se o ilícito em estudo for cometido por agente
estadual, seria processado e julgado pela Justiça comum, não dispondo dos
mesmos benefícios.
Destarte, como bem ressalta os juristas Maria Cristina Faria
Magalhães, sobre a existência de ambos os conceitos, esboçando:
“(...) a seguinte situação esdrúxula: os agentes que cometem crimes
apenados até 1 (um) ano, de menor gravidade, recebem o mesmo
tratamento em ambas as justiças. Ao passo que o agente que comete
crime cuja pena máxima cominada esteja compreendida entre 1 (um) a 2
(dois) anos, se cometida com violação de bem ou interesse jurídico da
União, gozará das medidas despenalizadoras previstas na Lei n.
9.099/1995, recebendo tratamento mais benéfico daquele que cometer o
mesmo crime contra bem ou interesse juízo que não seja da União, ainda
que ao delito seja cominada a mesma pena (...)31”.
Além disso, é ilógico que o legislador constituinte, ao prever a criação
do Juizado Especial Criminal no âmbito Federal tivesse a intenção em beneficiar os
autores de infrações Federais, haja vista que o bem jurídico tutelado, em tese,
demonstra um maior respeito.
31 Juizado Especial Criminal Estadual e a Lei n. 10.259, de 2001, p.36.
Portanto, o antagonismo que ocorrera fora finalizado, com a aplicação
única do conceito de infração de menor potencial ofensivo disciplinado na Lei nº
10.259/01.
3 CONCEITO DE INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO
Ante o aduzido, constatou-se que a definição das infrações de menor
potencialidade ofensiva disposta no artigo 61 da Lei 9.099/9532 fora, praticamente,
revogada pelo artigo 2º, parágrafo único da Lei nº 10.259/0133, não podendo ser
afirmado com veemência porque ainda há entendimento contrário.
Conforme o novo diploma legal às infrações de menor potencial ofensivo são
as contravenções penais; os crimes a que a lei comine pena privativa de liberdade
igual ou inferior a 02 (dois) anos; ou/e as infrações penais que a lei impõe pena de
multa.
Dessa forma, o atual conceito, apesar de não estar expresso no conteúdo da
norma, manteve as contravenções penais, visto que no termo infrações penais são
abrangidos os crimes e as contravenções.
Entretanto, é redundante a exposição desse conceito no que concerne a
existência de contravenção penal e infração com pena cominada apenas de multa,
pois conforme a Lei de Introdução ao Código Penal, Decreto-Lei nº 3.914 de 09 de
dezembro de 1941, no artigo 1º, o conceito de contravenção penal abrange os
ilícitos com sanção apenas de multa.
Então, quando há menção a respeito do delito cuja pena imposta é apenas
multa, concomitantemente, estará informando ser uma contravenção penal, restando
desnecessária a existência de ambos para conceituar as infrações de menor
potencial ofensivo, bastando a contravenção penal, que é ampla.
32 Art. 61 da Lei nº 9.099/95: “Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.” 33 Art. 2º, parágrafo único da Lei 10.259/01: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.
Observa-se que ao contrário do que disciplinava o artigo 61 da Lei nº
9.099/95, a nova lei não faz nenhuma restrição aos procedimentos especiais. Assim,
todos os crimes que tenham o limite da pena prevista no novo diploma são definidos
como ilícitos de menor potencial ofensivo.
Assim, ampliou o número de crimes que fazem “jus” aos benefícios previstos
na Lei em estudo, incluindo mais um ano no limite estabelecido pelo antigo texto
legal, restringindo o alcance da norma para os crimes apenados igual ou inferior a
02 (dois) anos.
Todavia, alguns juristas entendem que o critério do legislador para conceituar
infração de menor potencial ofensivo foi além da pena máxima privativa de liberdade
incidindo também a fixação alternativa da multa e não cumulativa.
Alegam tais doutrinadores que, concernente à aplicação de multa, o
legislador, ao citar a expressão “ou” instituiu mencionada sanção de forma
alternativa a pena privativa de liberdade e não cumulativa.
Com efeito, argumentam que ao disciplinar tal forma, o elaborador da Lei
excetuou a possibilidade do direito aos benefícios contidos na norma dos Juizados
Especiais, para àqueles crimes que tenham pena máxima de 02 (dois) anos e multa.
Assim, para eles, objetivou tal dispositivo agravar a punição, compreendendo
que a pena privativa de liberdade de até 02 (dois) anos não tem a mesma gravidade
a daquele apenado com a mesma quantidade de pena privativa de liberdade mais
uma de multa, cumulativamente.
Sendo assim, entendem que a Lei nº 10.259/01, ao mesmo tempo em que
ampliou o alcance da norma, a restringiu, não aplicando aos crimes cuja pena em
abstrato imponha fixação de duas sanções, a privativa de liberdade no patamar de
02(dois) anos e a multa.
Nesse sentido os estudiosos Arnaldo Hossepian Junior e Waleria Garcelan
Loma Garcia declaram que:
“(...) considerando que a pena privativa de liberdade é o primeiro critério
para a fixação de competência do Juizado Especial Criminal, esta, quando
prevista em patamar inferior a 2 (dois) anos e cumulada com uma segunda
pena, de multa ou restritiva de direito, permite que se entenda como sendo
de menor potencial ofensivo a infração, vez que a pena corporal, por não
atingir o montante máximo permitido (dois anos), mesmo que cumulada
com uma segunda pena, não caracteriza hipótese mais gravosa que aquele
limite, a de 2 (dois) anos de privação de liberdade34.”
Portanto, eles concluem que as infrações de menor potencial ofensivo são: as
contravenções penais; os delitos cominados com pena privativa de liberdade
máxima de 02 (dois) anos; os ilícitos com pena privativa de liberdade inferior a 02
(dois) anos e multa; ou as infrações cuja sanção seja apenas de multa.
Todavia, esse entendimento deve ser observado com cautela, haja vista que,
a intenção do legislador não fora a de excluir os delitos cujo preceito secundário
imponha, cumulativamente, a pena privativa de liberdade no patamar de 02 (dois)
anos com a pena de multa.
Primeiro, por ser irrelevante a sanção multa aplicada cumulativa ou
alternativamente com a pena privativa de liberdade, e, segundo que se for excluir as
infrações cominadas com a pena máxima de 02 (dois) anos e multa, recairia a maior
parte dos delitos para o conceito da Lei nº 9.099/95.
Dessa forma, o legislador não atribuiu ao preceito secundário da norma
incriminadora uma sanção entre 01 (um) ano e 02 (dois) anos, como por exemplo,
01 (um) ano e meio, caindo por terra o entendimento de que as infrações com pena
cominada inferior a 02 (dois) anos e multa seriam abrangidas por este conceito,
posto ser praticamente inexistente no Direito Penal.
34 Juizado Especial Criminal Estadual e a Lei n. 10.259, de 2001, p.93.
Nota-se que a Lei nº 9.099/95, na significação que dava as infrações de
menor potencial ofensivo, não previa aplicação de multa, alternativa ou cumulativa, a
pena privativa de liberdade sendo indiferente tal disposição.
Por fim, o legislador ao conceituar as infrações de menor potencial ofensivo
sempre analisou como critério o “quantum” da pena privativa de liberdade,
considerando a pena de multa irrelevante para embasar a verificação do grau da
ofensa do ilícito35.
35 Ada Pellegrini Grinover et al. Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099/95 de 26.09.1995, p. 377/378, 2002.
4 EFETIVIDADE DA LEI Nº10.259/01
Como já anteriormente visto, a Lei dos Juizados Especiais Criminais teve por
objetivo o descongestionamento da Justiça Penal, tornado-a célere e eficaz.
Dessa forma, antes do advento da Lei nº 9.099/95, o processo penal adotava
para qualquer ilícito, seja de maior ou menor reprovabilidade social, a mesma
burocratização e formalização para a apuração do delito, a qual desencadeava uma
excessiva morosidade para a prestação jurisdicional.
Assim, o Poder Judiciário ficava sobrecarregado, dando êxito à lentidão pela
existência demasiada de trabalho que por ora se acumulava.
Contudo, o surgimento da norma em epígrafe não solucionou todos os
problemas do Poder Judiciário concernente a esta questão, posto que inexistiu
estrutura para a aplicação do instituto conforme fora almejado.
4.1 LENTIDÃO X EFETIVIDADE
Impôs-se com a norma em questão a agilização do procedimento, com
vistas à obtenção de uma solução judicial em curto espaço de tempo.
Desse modo, a Lei nº 9.099/95 inseriu no ordenamento jurídico um
procedimento que tem a finalidade de abreviar o período entre a prática do ilícito
penal e o resultado jurisdicional, dificultando o advento de uma eventual prescrição.
Contudo, o objetivo esperado não foi alcançado integralmente. Os
Juizados Especiais foram instituídos no Brasil com uma estrutura modesta e
inadequada para suprir os anseios cobiçados.
Suas implantações foram contempladas com móveis antigos e gastos
por força do tempo, sendo já utilizados pela Justiça Comum; os prédios em que
estão instalados são, na maioria das vezes, os mesmos da Justiça Comum, em
decorrência da falta de espaço; os servidores que o compõem foram reaproveitados;
escassez de Juízes, Promotores, Defensores Públicos, em conseqüência do não
preenchimento das vagas na elaboração de concursos públicos36.
Segundo uma pesquisa realizada no Estado do Rio de Janeiro sobre os
Juizados Especiais Criminais, regido, ainda, pela Lei nº 9.099/95, o período médio
entre a notificação da ocorrência na delegacia de polícia e a sua chegada ao
juizado, varia entre um mês e meio em um determinado juizado e quase cinco
meses em outro. O tempo médio entre o fato e a primeira audiência dura cerca de
onze meses em um juizado e quatro meses e meio em outro37.
Todavia, o Professor Ailton Cocurutto informou de forma benéfica a
existência da celeridade nos Juizados Especiais Criminais, afirmando que no Estado
de São Paulo a rapidez opera nesta justiça, sendo solucionada em média no período
de 03 (três) meses entre a data do fato dirigido à Delegacia de Polícia à prestação
jurisdicional.
Defendeu, também, a organização dos Juizados Especiais Criminais,
informando que há uma disposição interna perfeita entre as Varas Criminais Comuns
e os Juizados, atendendo, satisfatoriamente, aos anseios da sociedade38.
Apesar de alguns Juízos tornarem efetivos o escopo dos Juizados, em
outro isso não ocorre, como verificado na pesquisa realizada no Estado do Rio de
Janeiro.
36 Paulo Martini, Juizado Especial Estadual e a Lei n. 10.259, de 2001, p.86. 37 Pesquisa realizada em dois Juizados Especiais Criminais, localizados em municípios na Região Metropolitana do Rio de Janeiro no período entre abril e junho de 2000. Ela faz parte do programa de extensão desenvolvido no âmbito da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas da Unig, ampliando o nível de informação das comunidades sobre o funcionamento das instituições jurídicas. Apud artigo de Marcelo Baumann Burgos. Revista Cidadania e Justiça, p. 235. 38 Entrevista realizada no dia 13 de fevereiro de 2003, anexa na monografia.
Assim, além da inexistência de sistematização apropriada para o
funcionamento de alguns Juizados Especiais, que antes do advento da Lei nº
10.259/01 já era vagaroso pelo elevado número de lides, agora com a ampliação do
conceito de infração de menor potencial ofensivo que a maioria adota, estabelecido
por esta norma, aumentou, exageradamente, o número de tais lides compreendidos
para a sua competência.
Dessa forma, a lentidão que já existia piorou, ocorrendo uma dualidade
na falta de estrutura e o exasperado número das lides, que antes era processado e
julgado perante as Varas Comuns e agora são de competência dos Juizados
Especiais.
Com isso, sobrecarregou os Juizados Especiais dando azo a um
acúmulo de trabalhos no Judiciário incentivado também pela falta de organização
basilar para a aplicação da norma nos termos da sua finalidade.
Todavia, a estudiosa Nuhad Said entende que a criação da Lei nº
10.259/01 não afetou a celeridade da prestação jurisdicional, pelo contrário,
minimizou extremamente o trabalho dos cartórios judiciais, posto que não há mais
instrução e o procedimento encerra-se com uma única audiência preliminar39.
Portanto, como a maioria dos Juizados Especiais Criminais do Brasil
estão condensados com as varas comuns criminais, o advento da lei nº 10.259/01,
aceita pela maioria dos doutrinadores para conceituar as infrações de menor
potencial ofensivo, de certo não prejudicou a rapidez do Judiciário, haja vista que os
procedimentos comuns adotados para alguns crimes foram mitigados pela
ampliação do conceito.
Nesse aspecto, os delitos que eram burocraticamente investigados,
tornaram simples o seu procedimento pela extensão da definição das infrações de
menor potencial ofensivo, resolvendo a prestação jurisdicional com uma mera
audiência de conciliação.
39 Entrevista realizada dia 14 de fevereiro de 2003, anexa na monografia.
Contudo, apesar da criação dessa lei e do seu ideal de uma Justiça
Penal célere, alcançou no mínimo o pretendido, todavia, não conseguiu obter o fim
para que foi inspirada, posta a falta de estruturação adequada para esse
procedimento.
4.2 OBJETIVO DA LEI PENAL COMO CARÁTER SANCIONADOR E A
FINALIDADE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS EM
DESPENALIZAR.
A Lei dos Juizados Especiais Criminais tem cunho eminentemente
consensual, seja entre a vítima e o autor do delito, no caso da composição civil, seja
entre o Ministério Público e o infrator, na transação penal.
Todavia, o direito penal tutela bens jurídicos relevantes, cuja conduta
lesa, intensamente, a sociedade. Para os autores desses fatos o Estado comina
sanções severas através de um conjunto de normas jurídicas que constituem o
direito penal40.
Contudo, o advento da Lei nº 9.099/95 afastou, de certa maneira, o
instrumento tipicamente penal, amparando para as infrações de menor potencial
ofensivo penalidades pecuniárias ou de entrega de coisa certa como a cesta básica,
que costuma ser objeto de sanção civil.
Em alguns casos há satisfação imediata da vítima em receber
indenização pelo dano ocorrido, podendo resolver a questão cível na esfera penal,
obtendo a conciliação e extinguindo a punibilidade do autor do ilícito, conforme o
artigo 74 da Lei em comento.
No entanto, existem outros casos em que não cabe composição civil ou
a vítima não a aceita, almejando uma pena mais severa. Apesar disso, pelos
40 Julio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal-parte geral, p.22
benefícios ofertados pelos Juizados Especiais Criminais, o infrator terá, nada mais
nada menos, do que as sanções cominadas no artigo 76 da Lei em epígrafe.
Desta feita, difícil aceitação pela vítima de que o causador do dano
somente seja apenado com uma mera pena pecuniária ou com uma simples entrega
de cestas básicas para instituições de caridade, como ocorre na prática41.
Ainda, a Lei nº 10.259/01, ampliou o número de delitos que consagram
esses benefícios, ofertando para alguns o aumento de sentimento de impunidade, já
que após a prática de determinado ilícito penal poderá se livrar com a simples
entrega de cestas básicas, sem ter o seu registro na folha de seus antecedentes.
Apesar desses pormenores com relação aos benefícios trazidos pela
Lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais, vale ressaltar que antes do seu
advento a sociedade criava a expectativa de que o infrator estava sendo penalizado
de uma forma mais severa, porém na realidade não estava.
Com efeito, essas infrações são abrangidas pela suspensão
condicional da pena, estabelecida no artigo 77 do Código Penal. “(...), ou seja, a
punição se exauria no faz de conta. A polícia finge que apura as infrações. O
Ministério Público finge que processa o infrator. O juiz finge que pune. O delinqüente
finge que cumpre pena. A sociedade, que, aliás, paga caro por isto tudo, finge que
acredita42”.
Sob esse prisma, pode-se constatar que não obstante a Lei dos
Juizados Especiais vigorar formas despenalizadoras e conciliatórias para solução de
ilícitos penais, descaracterizando a finalidade precípua do Direito Penal, foi a melhor
medida cabível para as infrações de menor potencial ofensivo.
Assim, verificava-se que todo o trâmite processual burocrático de nada
adiantava. O Poder Judiciário gastava mais pela consecução de atos procedimentais
41 Entrevista realizada com a jurita Nuhad Said anexa. 42 José Carlos de Oliveira Robaldo, Juizado especial criminal como forma despenalizadora do direito penal. p.10.
percorridos até a prestação jurisdicional; perdia-se tempo para solucionar delitos de
menor relevo social, para finalizar ou com a obtenção do sursis ou com a prescrição
do crime, sendo em ambos os casos, beneficiado o autor do fato.
Desta feita, concluíram que o sistema adotado era oneroso para o
Estado, sem uma solução adequada, nada recebendo em benefício para a
sociedade, posto a inexistência de uma sanção, inviabilizando a reeducação do
delinqüente.
Destarte, a legislador criou os Juizados Especiais Criminais,
estabelecendo medidas, sendo conceituadas por doutrinadores como
despenalizadoras, tais são: a composição civil; transação penal; representação da
vítima e a suspensão condicional do processo.
Estabelecida no artigo 74 da Lei nº 9.099/95, a composição civil ocorre
com o fim de reparar o dano causado à vítima. Há uma conciliação entre as partes
nos crime de ação penal privada ou nos crimes de ação penal pública condicionada
à representação do ofendido. Feita a composição, extingue-se a punibilidade do
infrator.
Já a transação penal disciplinada no artigo 76 da Lei, ocorre nas ações
penais públicas incondicionadas ou quando restar infrutífera a composição civil. O
Ministério Público propõe aplicação de multa ou pena restritiva de direitos, antes do
recebimento da denúncia, que se for aceita pelo infrator, não será inicializado um
processo crime.
Em regra, na prática aplica-se a sanção prestação de serviços à
comunidade, consistente na entrega de cestas básicas para instituições de caridade,
inclusa como uma das penas restritivas de direitos.
Todavia, entende o doutrinador César Roberto Bitencourt que a
aplicação de pena compreendida na entrega de cestas básicas é ilegítima como tal
modalidade, posto violar o princípio da reserva legal por não estar prevista em lei43.
43 Juizados Especiais Criminais e alternativas à pena de prisão, p. 153/154.
Contudo, como bem afirma o Doutor Ailton Cocurutto, a transação
penal tem previsão legal, haja vista ser aplicada como uma das formas de prestação
de serviços à comunidade, consistente na entrega de gêneros alimentícios para
entidades beneficentes44.
Porém, apesar deste argumento, de fato inexiste no artigo 46 do
Código Penal a previsão de cestas básicas como forma de prestação de serviços à
comunidade. Entretanto, remetendo-se ao artigo 76, parte final, da Lei nº 9.099/95, o legislador deixou expresso ao citar “(...) a ser especificada na proposta” a
possibilidade de negociar o acordo a ser aplicado, conforme os parâmetros legais.
Com a prática de aplicação de entrega de cestas básicas, o Poder
Judiciário atribuiu uma função social de grande relevo para o Direito Penal, na
medida em que fornecem aos necessitados um certo amparo com a execução dessa
sanção.
Concernente a representação da vítima face ao infrator, estabelecida
no artigo 88 da Lei em estudo, ocorre nos delitos de ação penal pública
condicionada. O membro do Ministério Público, titular da Ação Penal, deve aguardar
a representação da vítima para decidir se deve ou não ingressar com a ação. Trata-
se de condição específica para o Promotor de Justiça atuar.
Esse instituto disciplinado pela Lei nº 9.099/95, deveria ter sido
analisado pelo legislador ao informar que qualquer vítima lesionada por um crime
que cabe representação pode se manifestar acerca do seu interesse em punir o
infrator, posto que na maioria das vezes trata-se de ilícitos domésticos, contra a
cônjuge, sendo arriscado para a ofendida apresentar qualquer atitude.
Tornou-se conivente para a violência doméstica, haja vista que antes a
vítima, sendo lesionada, noticiava o dano para a autoridade policial, ensejando
eventual instauração de um processo crime, sem, contudo, pudesse a ofendida
desistir no prosseguimento da ação.
44 Entrevista realizada anexa
Atualmente, as vítimas conhecedoras dessa prerrogativa temem por
sua integridade física para se manifestar em face da punição do infrator, posto o
receio que possuem com relação à oposição revelada pelo marido, já que se
mostrou violento.
Assim, a obrigatoriedade de representação nos casos de lesão corporal
leve, ameaça e até mesmo no caso de estupro, apesar deste não ser infração de
menor potencial ofensivo, mas é importante invoca-lo para analisar a problemática
da representação, ocorridos dentro do lar, funciona como um obstáculo para o início
da ação penal45.
Portanto, esse instituto impossibilita, dessa forma, a punibilidade do
agressor, que diante dessa circunstância e da força que tem sobre sua companheira
continua a violar o fato típico e antijurídico, sem, contudo, ser penalizado.
Atinente a suspensão condicional do processo, contida no artigo 89 da
Lei nº 9.099/95, verifica-se a pena mínima da infração para aplicá-la, além das
condições subjetivas do agente. Inicia-se o processo crime, porém o Promotor de
Justiça propõe a suspensão do feito que sendo aceita pelo autor do ilícito, será
submetido ao período de provas.
Disciplina tal dispositivo a pena mínima de 01(um) ano para o autor
fazer jus a esse benefício, todavia com o advento da Lei nº 10.259/01, alguns
doutrinadores estão aplicando esta norma por analogia, entendendo que essa pena
mínima foi ampliada para 02 (dois) anos.
Assim, o delito de furto qualificado recairia nesse benefício. Esse
posicionamento é, demasiadamente, benevolente para os infratores, indo contra o
sentimento da sociedade em diminuir a tolerância com a delinqüência.
Apesar dessas pequenas disparidades quanto aos anseios da
sociedade em relação ao Juizado Especial Criminal, correto é afirmar que, a norma
45 Alice Bianchini, A Lei 9.099 e a violência doméstica, p. 03
que a estabeleceu guarnece em sua maioria grande perspectiva de retorno para a
comunidade, reeducando o agente infrator, punindo-o de forma a amparar as
comunidades carentes, estabelecendo para o Direito Penal uma função social
importantíssima.
CONCLUSÃO
Diante do estudo realizado para a elaboração deste monográfico, é possível
concluir que:
1. O Legislador Constituinte já previu a criação dos Juizados Especiais
Criminais, no artigo 98 da Carta Magna, o qual veio a ganhar eficácia completa com
a edição da Lei Federal nº 9.099/95.
Outrossim, em 18 de março de 1999 foi editada uma Emenda Constitucional,
a qual acrescentou um parágrafo único no artigo 98 da Constituição Federal,
estabelecendo sobre a criação de uma norma que discipline os Juizados Especiais
Criminais na esfera Federal, dando origem a Lei nº 10.259/01.
Ora, foi descabida tal medida, na proporção em que a própria Lei nº 9.099/95,
no artigo 1º, já ampliava a sua aplicação tanto para a Justiça Estadual como para a
Justiça Federal, ao estabelecer que os Juizados Especiais disciplinados por esta
norma são órgãos da Justiça Ordinária.
Dessa forma, restou injustificada a criação dessa Lei, uma vez que já havia
uma norma sobre a matéria.
2. Além dessa inadequada utilização do Poder Legislativo em criar normas sem
ter conhecimento das já existentes, o legislador ordinário criou a Lei nº 10.259/01,
ampliando o conceito de infração de menor potencial ofensivo trazido pela Lei nº
9.099/95.
Ensejou, com isso, uma verdadeira divergência doutrinária acerca da
aplicabilidade dos benefícios dos Juizados Especiais Criminais, uma vez que alguns
dos operadores do direito aplicam a Lei nº 9.099/95 e outros a Lei nº 10.259/01,
violando em face disso, o princípio constitucional da isonomia.
Atualmente, apesar de haver entendimento majoritário na aplicação da Lei nº
10.259/01, ela não é unânime, como inclusive, demonstra a entrevista realizada pelo
Professor Ailton Cocurutto que, ainda, adota a Lei nº 9.099/95.
De fato os argumentos consagrados pela corrente minoritária são plausíveis,
ao citar que o legislador expressou na norma “para os efeitos desta lei”, não
podendo o executor da Lei substituir a vontade do legislador.
Todavia, o Legislador Constituinte, ao editar a medida provisória, a qual deu
origem a Lei dos Juizados Especiais na esfera Federal, visou a criação de uma
norma ordinária que estabelecesse crimes específicos da Justiça Federal, como por
exemplo, o contrabando e o descaminho, e, não tratar ilícitos iguais, com o mesmo
preceito secundário de formas diversas, como é o caso do delito de desacato já
citado no trabalho.
No entanto é evidente que a aplicabilidade da Lei nº 9.099/95 em detrimento
da Lei nº 10.259/01 fere veemente o consagrado princípio constitucional.
Assim, verificando ambos os aspectos podem-se constatar que o legislador
ordinário foi além do permitido pelo parágrafo único do artigo 98 da Carta Política, ao
prever a criação de um Juizado Especial Criminal para a esfera Federal e não
ampliar o conceito de infração de menor potencial ofensivo já existente.
Ante o aduzido, a solução adequada consistiria na declaração de
inconstitucionalidade da Lei nº 10.259/01, pelo Supremo Tribunal Federal, primeiro
por ir contra ao preceito constitucional violando o princípio da igualdade e segundo
por ir além do permitido pela Carta Magna.
Outra solução satisfatória seria a edição de uma nova Lei, corrigindo a
desigualdade que impera na coexistência de ambas as normas, dando azo a
tratamento desequilibrado para os autores dos fatos delituosos.
Contudo, como tais medidas não foram adotadas, conclui-se pelo
entendimento que dá efetividade a igualdade, ou seja, adota-se somente a Lei nº
10.259/01 para disciplinar acerca do conceito das infrações de menor potencial
ofensivo.
3 Concernente ao conceito da Lei nº 10.259/01 adotado pela maioria dos
doutrinadores, o legislador utilizou o termo “e multa” após a previsão da pena
privativa de liberdade.
Porém, o critério aplicado sempre se baseou no patamar máximo da pena
privativa de liberdade, pouco importando, como consagram alguns estudiosos, ser a
pena de multa imposta de forma alternativa ou cumulativamente.
Assim, conclui-se que as infrações de menor potencial ofensivo são as
contravenções penais e os delitos cuja sanção cominada não exceda a 02 (dois)
anos da pena privativa de liberdade.
4. Quanto à efetividade da Lei dos Juizados Especiais Criminais, constatou-se
que deixou a desejar o aspecto da celeridade em diversas comarcas, conforme
pesquisa já mencionada no trabalho.
Todavia, o Professor Ailton Cocurutto afirmou que no Estado de São Paulo a
celeridade opera nesse instituto.
Também, diagnosticou-se que a estrutura utilizada pelo Juizado Especial foi a
remanescente da Justiça Comum, havendo um reaproveitamento pelo Poder
Judiciário. Com isso, acarretou de certo modo, prejuízo para o fim a que foi criada.
Por isso, a solução adequada para viabilizar a celeridade seria a criação de
um Juizado Especial Criminal com estrutura própria, para se adequar ao seu
preceito normativo. Em certos locais, com elevado número de pessoas como, por
exemplo, estádio de futebol, na maioria das vezes ocorre um ilícito de menor
potencial ofensivo, sendo interessante um Juizado Especial Criminal itinerante, o
qual resolveria o conflito no próprio local.
No que tange as medidas despenalizadoras, a Lei 9.099/95 consagrou alguns
benefícios já analisados anteriormente. A maioria delas solucionam de forma
adequada à prestação jurisdicional, todavia, outras como a necessidade de
representação da vítima nos crimes de Ação pública Condicionada, ocorridos dentro
do próprio lar, não ensejam o resultado esperado pela Lei.
Normalmente, a violência doméstica ocorre contra a mulher provocado pelo
marido. Em face disso, a vítima fica atemorizada para se manifestar quanto ao
interesse em punir o infrator, posto que há um convívio entre ambos, podendo haver
repetição da agressão, caso invoque a Justiça.
Desta feita, esse tipo de ilícito deveria deixar somente sob o crivo do
Ministério Público a inicialização da Ação Penal, haja vista que na maioria das vezes
a ofendida vai desistir de representar, seja por temor, seja por conciliação, ficando o
agressor impune.
Portanto, a solução adequada seria a de que o legislador excluísse pela
qualidade da relação entre infrator e vítima a condição de representação.
Nos demais aspectos da Lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais
pode-se concluir que apesar das medidas benevolentes face ao infrator, mencionada
norma dá um resultado adequado, havendo de certo modo a obtenção de uma
prestação jurisdicional, o que muitas vezes não ocorria antes do seu advento.
No tema proposto foi revelada a importância da criação de Leis e a sua real
efetividade, haja vista que, nem todos os preceitos têm a devida eficácia para o fim a
que foi instituído, concluindo que o Poder Legislativo, no exercício das suas funções
editam normas, desconhecendo a estrutura do Poder Judiciário para aplicá-las,
acarretando certa falibilidade nas suas execuções.
Ainda, a importância manifestada na pesquisa incide, justamente, na
elaboração de Leis posteriores, sem especificá-la de forma devida, ensejando
divergência na sua aplicação. Como ocorre, por exemplo, com o tema em estudo,
posto que, a Lei nº 10.259/01 deveria ter disciplinado quais os delitos que figurariam
na norma.
Porém, o legislador ordinário deixou em aberto, somente restringindo a sua
aplicação para os efeitos da Lei. Contudo, deu azo a uma dissensão, ao passo que,
um mesmo ilícito penal não poderia ser aplicado de forma diversa para pessoas
iguais.
Portanto, o tema proposto mostrou-se relevante, concernente à efetividade da
Lei dos Juizados Especiais Criminais e o contra-senso na desigualdade implantada
por alguns instrumentadores do direito, em aplicar ao mesmo caso normas distintas
como ocorre com a Lei nº 9.099/95 e a Lei nº 10.259/01.
O estudo se mostrou de forma gratificante, na medida que fora obtido êxito no
desenvolvimento, ensejando um diagnóstico dos Juizados Especiais Criminais
jamais refletido.
Anexo I Entrevista com o Doutor Ailton Cocurutto, Promotor de Justiça, atuante no Fórum
Regional da Vila Prudente, realizada no dia 13 de fevereiro de 2003.
Orientanda: - Qual o conceito para as infrações de menor potencial ofensivo adotado
pelo Fórum Regional da Vila Prudente?
Dr. Ailton: - Adotamos a Lei nº 9.099/95, porque não resta ao intérprete da lei
substituir a vontade do legislador. A intenção do legislador foi clara, até mesmo a do
constituinte quando trata de modo distinto, diverso o Juizado Especial Estadual e
Federal, se trata se modo diverso são possíveis duas leis cuidando do mesmo tema.
Por outro lado, a própria Lei nº 10.259/01 que trouxe os Juizados Especiais
Criminais a nível Federal deixou evidente ao citar “para os efeitos desta lei”.
Orientanda: - O senhor não acha que esse entendimento violaria o princípio da
igualdade?
Dr. Ailton: - Não, isso tudo é fundamento que as pessoas vieram atrás dos
princípios, princípio da igualdade, que não é possível duas normas definindo a
mesma situação jurídica, haveria afronta a igualdade porque haveria o prejuízo de
um e benefício para outros, haveria a possibilidade de aplicação da Lei nº 10.259/01
face à Lei nº 9.099/95. Isso tudo é confusão feita pelo intérprete e pelo e pelo
doutrinador. Não afeta a igualdade, uma vez que, o próprio legislador deu tratamento
diverso, cuidando tanto dos Juizados Especiais Criminais Estaduais quanto do
Federal de modo distinto. Se a própria Lei que trouxe e ampliou o delito de menor
potencialidade ofensiva na esfera Federal deixou expresso para os efeitos dessa
Lei. Não cabe ao intérprete substituir a vontade do legislador. Não se está se
afirmando que existem duas normas jurídicas cuidando do mesmo instituto, não
existe, uma é instituto voltado à esfera federal, outra é instituto voltado à esfera
estadual. O que os doutrinadores argumentam sobre os princípios, para mim é muito
frágil.
Orientanda: - Qual seria, então, o seu argumento quanto ao crime de desacato, por
exemplo, em que há um mesmo fato típico, antijurídico, o mesmo preceito
secundário, todavia, se a vítima for autoridade estadual não tem o réu benefícios da
Lei, se for autoridade federal o réu será beneficiado?
Dr. Ailton: - A subsunção da conduta ao tipo penal, embora seja o desacato está
atingindo uma esfera Federal. Um desacatou um policial Federal, outro foi desacato
a polícia estadual. A conduta atingiu uma outra esfera. Então, é esse o fundamento
do doutrinador Damásio achando que não é possível porque são normas que
cuidam do mesmo instituto, haveria afronta ao princípio da igualdade, porém não
penso dessa forma, pois isso enquadraria também, a lei de entorpecentes no seu
artigo 16, porte ilegal de armas e outros crimes de grande relevo social. O que eu
estou destacando é que o acadêmico não pode se deixar seduzir com
posicionamento doutrinário, sem questionar e sem observar também a interpretação
gramatical. A interpretação gramática é fundamental. Primeiro, saber o espírito da
lei. O espírito da lei foi, efetivamente, trazer delitos de menor potencialidade
ofensiva, a fim de que estes não sejam apenados com privativa de liberdade.
Orientanda: - Alguns juristas estão adotando o conceito da Lei nº 10.259/01,
contudo, entendem que se a aplicação da pena de multa for cumulativa com a pena
máxima privativa de liberdade de 02 (dois) anos, não será beneficiado, posto que, o
legislador utilizou a expressão “e multa”. O que o senhor pensa a respeito?
Dr. Ailton: - O fator multa na minha ótica é irrelevante. Se há o preceito secundário
da norma penal incriminadora, que estabelece além da privativa de liberdade a multa
é indiferente para definir qual a Lei do Juizado Especial será adotada. O que se
considera, efetivamente, é a essência da norma em substituir, em não aplicar a pena
privativa de liberdade quando o crime for de menor potencialidade ofensiva. Resta
definir qual lei agora que se aplica, considerando o que é menor potencialidade
ofensiva. Eu insisto, o legislador constituinte deixou claro que existem duas esferas a
estadual e a esfera federal. Esferas distintas, portanto ele tratou de modo distinto, e,
nós não podemos agora, o intérprete unificar aquilo que o próprio legislador cuidou
de modo diverso. Acrescento, que a própria Lei nº 10.259/01, artigo 2º, deixa claro,
trazendo a expressão “para os efeitos desta lei”, portanto, o que contém ali se aplica
ao Juizado Especial Federal e não para a Estadual. Esse é o posicionamento nosso,
daqui do Fórum Regional da Vila Prudente, é unânime, de outros fóruns também.
Adotado, inclusive, por um ato que não é normativo do Procurador Geral de Justiça,
mas sim um ato apenas de direcionamento, de posicionamento diante de duas
normas jurídicas. No Ministério Público, o Procurador Geral, também se posicionou
nesse sentido, da não aplicação da Lei nº 10.259/01 na esfera estadual. Esse
fundamento é sólido. Não obstante também os fundamentos apresentados pela
corrente diversa que traz o princípio da igualdade. Na minha ótica, eles estão
forçando um pouco, ou seja, o intérprete não pode substituir a vontade do legislador,
a vontade consagrada na norma jurídica. Não há que se falar em duas normas
tratando do mesmo caso, não há possibilidade de aplicar duas normas diversas
cuidando da mesma espécie, da mesma situação jurídica. Não é o caso. Como o
Constituinte definiu são justiças diversas, que tem um tratamento diferenciado, a
Justiça Estadual e a Justiça Federal.
Orientada: - O que o senhor pensa sobre a efetividade da norma que disciplina o
Juizado Especial, no que concerne ao objetivo para que fora criada e na expectativa
da sociedade ao visar a punição do lesador?
Dr. Ailton: - O legislador deixou clara a finalidade dos Juizados. Na verdade ela é
dupla. Primeiro, obtenção da reparação do dano decorrente do ilícito e a aplicação
na hipótese de não haver reparação do dano, aplicação de sanção não privativa de
liberdade. Esse é o objetivo dos Juizados para as infrações de menor potencialidade
ofensiva.
Orientada: - E a celeridade visada pela Lei dos Juizados Especiais Criminais?
Dr. Ailton:- O legislador inovou, deixando de certo modo, em segundo plano, o
devido processo legal. Então, na verdade na aplicação dos Juizados Especiais, não
há, efetivamente, a instauração de uma ação, de um processo, e, o autor de uma
infração considerada de menor potencialidade ofensiva, pode optar, se assim
entender, por aceitar a aplicação de uma sanção não privativa de liberdade evitando,
portanto, o processo, que seria prejudicial à ele. Então é uma opção dele, é um
direito subjetivo do infrator em fazer essa opção. Com isso, ele evita o processo,
uma sentença penal condenatória, evita registro de antecedentes, porém, a norma já
impõe uma sanção que serve para reeducar, esse é o objetivo. Quanto a celeridade,
os princípios que norteiam os Juizados especiais são a simplicidade, a economia
processual e a celeridade. De modo que, há um retorno social imediato. O sujeito
que pratica uma infração de menor potencialidade ofensiva não vai ficar impune, ele
será punido, imediatamente, porém ele não tem as conseqüências de uma sanção
aplicada num processo judicial, através de uma ação penal, ele evita a ação penal,
porém não deixa de ser sancionado. Então, em termos sociais é extremamente
benéfico, porque essas questões que caracterizam na infração de pequena monta,
pequena potencialidade ofensiva são repudiadas pela sociedade, e o infrator, por
sua vez, é sancionado, mas também ao mesmo tempo é beneficiado por evitar o
processo. Em termos de celeridade, no Estado de São Paulo, a situação é diversa
talvez com relação a outros Estados da Federação. Aqui, no Estado de São Paulo,
nós podemos afirmar que entre a data do fato até a efetiva audiência onde haverá
aplicação da Lei nº 9.099/95, audiência preliminar, gera em torno de um período de
03 (três) meses entre a conduta e o retorno à sociedade no sentido de ser
sancionado na audiência preliminar. O fato de Lei contemplar a possibilidade de que
pessoas envolvidas na infração, autor do fato e vítima, sejam imediatamente,
encaminhadas pela autoridade policial, que é a polícia judiciária, para o Fórum
vamos dizer assim, ou para a Justiça, ou para a jurisdição, não é adequado porque a
estrutura do Judiciário também tem os seus horários, o seu sistema organizado e
não seria possível atender, imediatamente, todas as situações, o encaminhamento
imediato. A estrutura do Judiciário é montada para uma ordem seqüencial
adequada, sem afetar as infrações que vão para a vara comum, a vara criminal.
Hoje, no Estado de São Paulo as varas criminais tem atribuição também para os
Juizados Especiais. Então, há uma organização interna perfeita e que vem
atendendo, satisfatoriamente, os interesses da sociedade e da própria lei.
Orientanda: - Concernente aos delitos domésticos, como por exemplo, a ameaça
praticada pelo marido em face de sua cônjuge, o senhor acha que a transação penal
esta sendo um caminho adequado para a diminuição desse tipo de ilícito, posto que
se resolve, normalmente, com a simples entrega de cestas básicas?
Dr. Ailton: - No que diz respeito a infração penal ameaça é um delito, que via de
regra, é cometido pelo modo verbal, em situação, isso que a experiência nos mostra,
de discussão, no calor da discussão, e , o direito penal exige uma conduta refletida,
séria, de causar mal injusto, grave e imediato. Não há caracterização da ameaça se
ela for pelo modo condicional, ou seja, “e ocorrer isso eu mato ou eu vou agredir”. A
ameaça é uma infração que não comporta qualquer condição, tem que ser
consciente, séria a ponto de incutir na vítima o temor de um dano grave. Nós
constatamos que 99% dos procedimentos envolvendo ameaça, na essência são
fatos que decorrem de calor da discussão ou pelo modo condicional. Hoje,
proporcionalmente, não se tem, efetivamente, notícia de ameaça que tenha sido
concretizada. O delito de ameaça, pura e simplesmente, a sua configuração não é
tão simples, ou seja, é rara em virtude desse fator. Exige uma conduta do agente
consciente, séria, com dolo de incutir o temor na vítima e com condição de causar
mal grave e injusto na vítima. Hoje, o agente tem verificado que, em via de regra, os
fatos noticiados envolvem discussões verbais e que no calor da discussão, o sujeito
profere palavras, em tese, ameaçadoras, mas que não configuram ilícito penal, e
muitas delas de forma condicional, “se você fizer isso eu faço aquilo”.
Orientanda: - A Composição Civil e a transação penal como formas de
despenalização dos Juizados Especiais Criminais. A primeira como pagamento à
vítima pelo dano ocorrido e a segunda como pagamento em cestas básicas à
instituição de caridade, sendo para esta última à necessidade de proposta ofertada
pelo Membro do Ministério Público com a concordância do autor do fato delituoso.
Isso não acarreta o afastamento da função do direito penal que visa penalizar a
conduta delituosa, ocorrendo a viabilização da impunidade?
Dr. Ailton: - Não, ao contrário, não é a viabilização da impunidade, existe uma
sanção prevista na norma penal que é a prestação de serviços à comunidade. Essa
pena que esta sendo aplicada prestação de serviços à comunidade consistente num
ato de arrecadar gêneros alimentícios que compõe uma cesta básica, a fim de que
seja entregue para uma entidade beneficente. Ela atinge também o interesse social
em vários aspectos, primeiro há o retorno imediato à sociedade, no sentido de que o
infrator esta sendo sancionado, apenado, esta sendo reeducado, pois a aplicação de
uma sanção que é a prestação de serviços à comunidade, e a própria comunidade
se beneficia com a modalidade de sanção aplicada.
Orientanda: - O doutrinador César Roberto Bitencourt entende que a penalização
consistente na entrega de cestas básicas viola o princípio da reserva legal, por não
estar prevista em Lei essa sanção. O que a senhor pensa sobre esse entendimento?
Dr. Ailton: - A sanção não é a arrecadação de gêneros alimentícios, a sanção é a
prestação de serviços à comunidade, consistente em arrecadar gêneros
alimentícios, entregá-los em uma entidade. É uma sanção que reveste a
comunidade de modo que atende todos os princípios consagrados na lei, celeridade,
atende a punibilidade, ele não sai impune e atende o retorno social, que além de ver
alguém ser sancionado, reveste em seu benefício o ato que decorre da sanção,
atinge, também, os interesses sociais plenamente.
Orientanda: - Sendo essas medidas de despenalização de caráter eminentemente
pecuniário, e o escopo de aliviar a Justiça Penal com tais medidas, não teria melhor
resultado se mencionada sanção fosse regulada pelo direito civil, no Juizado, haja
vista também que o direito penal tem como princípio precípuo “ultima ratio”, devendo
ser aplicada a norma penal em última opção?
Dr. Ailton: - Na minha ótica, não há que se deixar ao ramo do direito civil questão de
natureza penal. Uma coisa é a reparação do dano que será possível na esfera
penal, e que tem efeito até extinguir a punibilidade, porque o autor da infração que
deixou o dano em reparando, integralmente, tem o benefício previsto no artigo 74 da
Lei 9.099/95, extingue a punibilidade. Então, ele é beneficiado e na esfera cível ele
já resolveria a conduta que ele praticou. Agora, absurdo seria deixar para que a
esfera cível cuidasse da esfera penal, isso não seria possível até porque, as
sanções penais não são, exclusivamente, pena pecuniária. Eu posso afirmar que
hoje a pena pecuniária nos Juizados especiais é aplicada em segundo plano.
Porque em primeiro plano, nós os operadores do direito enfocamos e aplicamos a
pena relacionada a prestação de serviços à comunidade, ou prestação em espécie,
indo em alguma entidade exercendo alguma atividade ou a prestação no sentido de
arrecadar gêneros alimentícios e revertê-los para uma instituição beneficente.
Orientanda: - No caso da reparação de dano na esfera penal prejudicaria um pleito
de reparação de dano na esfera cível?
Dr. Ailton: - Não, na verdade atende o direcionamento da Justiça, porque note-se , o
que se busca em Juízo? É uma prestação Jurisdicional. Se na esfera pena já se
pode solucionar a questão cível, ótimo, é um processo, é um feito a menos na esfera
cível, porque já houve uma prestação jurisdicional na esfera penal que obteve a
conciliação. Para que deixar uma ação civil, na esfera cível, quando já na esfera
penal houve a possibilidade da reparação do dano e de certo modo, houve a
conciliação efetivada em Juízo, não importa se é cível ou penal. Na essência a
vítima informa qual o valor que entende cabível e fique satisfeita com a reparação.
Ela informa na hora. A vítima apresenta o valor e é consultado ao autor da infração.
Se ele aceita a composição ou não. Em aceitando, lavra o termo homologa-se por
sentença e surte efeitos, eventual execução, terá que ser aí na esfera civil,
dependendo do valor, nos próprios Juizados Especiais Cíveis
Orientanda: - Na prática utiliza-se muito a Transação como prestação de entrega de
cestas básicas. Contudo, no art. 76 da Lei nº 9.099/95 menciona pena restritiva de
direitos ou multa. Transportando-se ao art. 43 do CP, que retrata a pena restritiva de
direitos, dentre as quais descreve a pena pecuniária. Todavia, tal pena no art. 45 §1º
estabelece o valor mínimo, este valor não violaria a verificação que o julgador deve
se ater às condições econômicas do infrator?
Dr. Ailton: - Primeiro lugar, temos que lembrar que as penas restritivas de direitos,
elas são pena pecuniária, prestação de serviços à comunidade, interdição
temporária de direitos, limitação de fim de semana. Mas, a prestação de serviços é
uma modalidade de restritiva de direitos. No que tange a pena pecuniária, o que se
considera é a situação econômica do autor da infração, o que vale é a punição.
Nada adiantaria aplicar uma punição que ele não pudesse cumpri-la, não haveria o
efeito satisfatório. A própria lei do Juizado Especial possibilita ao juiz, diante da
proposta feita pelo Ministério Público de uma sanção pecuniária, possibilita ao juiz
reduzi-la pela metade, considerando a situação econômica do autor da infração.
Anexo II
Entrevista com a Doutora Nuhad Said Oliver, Procuradora do Estado atua na
Procuradoria de Assistência Judiciária, no Fórum Regional de Pinheiros, realizada
no dia 14 de fevereiro de 2003.
Orientanda: - Qual o conceito para as infrações de menor potencial ofensivo adotado
pelo Fórum Regional de Pinheiros?
Dra. Nuhad: - Os juízes estão adotando o conceito da Lei nº 10.259/01, porém o
promotor de justiça da 2ª Vara Criminal, o Dr. Arnaldo Hossepian entende pela
aplicação, ainda, do artigo 61 da Lei nº 9.099/95, recorrendo em sentido estrito na
aplicação da Lei nº 10.259/01. Na minha opinião não há que se diferenciar uma Lei
da outra, porque não existe hierarquia no sistema do direito penal nacional. Então,
se há uma lei referente à União deve ser aplicada nos Estados, igualmente. Princípio
da igualdade, princípio da isonomia.
Orientada: - O que a senhora pensa sobre a efetividade da norma que disciplina o
Juizado Especial, no que concerne ao objetivo para que fora criada e na expectativa
da sociedade ao visar a punição do lesador?
Dra. Nuhad: - Eu considero que foi alcançado o objetivo da celeridade, entretanto
para a vítima sempre é difícil aceitar que o causador do seu dano, que o causador
da sua lesão somente seja apenado com uma mera pena de multa.
Orientanda: - O Juizado Especial, com a Lei nº 10.259/01, ampliou o conceito de
infração de menor potencial ofensivo, acarretando o aumento de lides de sua
competência. Isso não afeta a celeridade da prestação jurisdicional, haja vista o
acúmulo de trabalhos que possa ocorrer?
Dra. Nuhad: - Absolutamente, não. Pelo contrário, eu entendo que para os cartórios
judiciais, a aplicação da Lei nº 10.259/01 minorou, tremendamente, seu trabalho
porque não há mais instrução, encerra-se o procedimento com uma única audiência
de cunho preliminar, e, com isso a celeridade está mantida.
Orientanda: - Qual seria a sua opinião sobre a estrutura ofertada aos Juizados,
posto que o advento da Lei que a estabelece, não recrutou funcionários novos,
tampouco criou estabelecimentos para a sua atuação, sendo reaproveitadas a
estrutura da Justiça Comum?
Dra. Nuhad: - Entendo que está sendo prejudicial à população, porque esta estrutura
que esta sendo mantida é insuficiente, efetivamente. A celeridade também deixa a
desejar, eis que há uma mora de pelo menos 01 (um) mês entre o fato chegado à
Delegacia de Polícia e ser distribuído nos Juizados de Pequenas Causas, mas que
de qualquer forma, está sendo mais benéfico o sistema atual do que o sistema
antigo.
Orientanda: - Concernente aos delitos domésticos, como por exemplo, a ameaça
praticada pelo marido em face de sua cônjuge, a senhora acha que a transação
penal esta sendo um caminho adequado para a diminuição desse tipo de ilícito,
posto que se resolve, normalmente, com a simples entrega de cestas básicas?
Dra. Nuhad: - Entendo que tem sido benéfico, eis que o juiz cuida de, não só aplicar
a pena, mas também de conciliar as partes, esclarecer o autor do fato. Evita, com
isso, outras agressões contra a sua esposa.
Orientanda: - Qual o seu entendimento em face da divergência sobre o conceito da
Lei nº 10.259/01, haja vista que, alguns juristas entendem que não aplica esta lei
quando o delito tem a pena máxima de 02 (dois) privativa de liberdade cumulativa
com pena de multa?
Dra. Nuhad: - Entendo que somente tem cabimento quanto à pena privativa de
liberdade, porque esta é sanção efetiva, é a sanção grave, e o legislador não
pretendeu em absoluto que a pena de multa fosse o critério diferenciador.
Orientanda: - A Composição Civil e a transação penal como formas de
despenalização dos Juizados Especiais Criminais. A primeira como pagamento à
vítima pelo dano ocorrido e a segunda como pagamento em cestas básicas à
instituição de caridade, sendo para esta última à necessidade de proposta ofertada
pelo Membro do Ministério Público com a concordância do autor do fato delituoso.
Isso não acarreta o afastamento da função do direito penal que visa penalizar a
conduta delituosa, ocorrendo a viabilização da impunidade?
Dra. Nuhad: - Mas o espírito da Lei não é apenar, é conciliar. Aliás, a primeira
proposição é conciliar as partes, fazer composição civil. Quanto a isso eu entendo
que a indenização satisfaz mais a vítima do dano ou da lesão do que a penação
pecuniária. Para ela o que interessa na verdade é que receba de qualquer forma um
retorno financeiro do prejuízo moral que ela sofreu.
Orientanda: - O doutrinador César Roberto Bitencourt entende que a penalização
consistente na entrega de cestas básicas viola o princípio da reserva legal, por não
estar prevista em Lei essa sanção. O que a senhora pensa sobre esse
entendimento?
Dra. Nuhad: - Eu penso que a lei instituiu esta nova sanção e é por isso que ela vem
sendo aplicada.
Orientanda: - Sendo essas medidas de despenalização de caráter eminentemente
pecuniário, e o escopo de aliviar a Justiça Penal com tais medidas, não teria melhor
resultado se mencionada sanção fosse regulada pelo direito civil, no Juizado, haja
vista também que o direito penal tem como princípio precípuo “ultima ratio”, devendo
ser aplicada a norma penal em última opção?
Dra. Nuhad: - Não entendo dessa forma, mesmo porque se fosse assim considerado
a Lei de Contravenções Penais também não teria razão de ser, porque a maior parte
dos artigos são apenados com pena de multa.
Orientanda: - Na prática utiliza-se muito a Transação como prestação de entrega de
cestas básicas. Contudo, no art. 76 da Lei nº 9.099/95 menciona pena restritiva de
direitos ou multa. Transportando-se ao art. 43 do CP, que retrata a pena restritiva de
direitos, dentre as quais descreve a pena pecuniária. Todavia, tal pena no art. 45 §1º
estabelece o valor mínimo, este valor não violaria a verificação que o julgador deve
se ater às condições econômicas do infrator?
Dra. Nuhad: - Entendo que a Lei nº 9.099/95 não estipula valor nenhum. Ela diz,
meramente, multa. Como ela é uma Lei de caráter especial, não se vincula ao
código penal. De outra parte o conceito dos artigos 43, 44 e 45 dizem respeito,
exclusivamente, as normas ali contidas, as sanções ali contidas. A lei é especial, tem
previsão própria e não se atém àquele “quantum” admitido no artigo 45 do código
penal.
Orientanda: - Os juízes do Fórum Regional de Pinheiros analisam as condições
econômicas do réu para impor a sanção pecuniária?
Dra. Nuhad: - Os dois juízes que atuam no Fórum Regional de Pinheiros,
primeiramente, questionam o acusado quanto á sua situação financeira e aplica a
penalidade, senão seria inexeqüível.
Anexo III
Jurisprudência Ementa 129473
- JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. Aplicação da lei nº 10.259/01 ao âmbitoestadual. Admissibilidade (voto vencido): - deve ser aplicada a lei nº10.259/01 ao juizado especial criminal estadual, observando-se o princípio daretroatividade da lei penal mais benigna, uma vez que o art. 2º daquelediploma legal ampliou o conceito de infrações de menor potencial ofensivo,derrogando o art. 61 da lei nº 9.099/95, sendo certo que o art. 98, I, daconstituição federal não diferencia os juizados especiais federal e estadual(voto vencido - Dr. Ivan Sartori). Recurso: Habeas-corpus nº 417942/1.Relator: Luis Ganzerla. 12ª Câmara do Tacrim de SP. 16/09/2002
Ementa 129058
- JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. Acusado que aceitou a proposta de suspensão condicional do processo, por ser a única opção que lhe cabia na ocasião. Requerimento, posteriormente, do benefício da transação penal, diante do advento da lei nº 10.259/01. Impossibilidade: - em sede de juizado especial criminal, tendo o acusado aceitado a proposta de suspensão condicional do processo, pois na ocasião era a única opção que lhe cabia, não pode, diante do advento da lei nº 10.259/01, pretender posteriormente a concessão do benefício da transação penal, prevista no art. 76 da lei nº 9.099/95. Recurso: Habeas-corpus nº: 414734/1. Relator: A.C. Mathias Coltro 6ª Câmara do Tacrim de SP.19/08/2002.
- -
Ementa 129472
- JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. Aplicação da lei nº 10.259/01 ao âmbito estadual. Inadmissibilidade: - é vedada expressamente a aplicação da lei nº 10.259/01 ao juízo estadual, nos termos do seu art. 20, não se podendo sustentar a incidência ampla e distinta desse diploma legal ante a Constituição Federal, pois coexistem dois sistemas diversos, um para a justiça federal e outro para a justiça estadual, sendo certo que o conceito de crime de menor potencial ofensivo dado pelo art. 2º da mesma lei somente pode ser adotado para o juizado especial federal. Habeas-corpus nº 417942/1. Relator: Luis Ganzerla. 16/09/2002.
BIBLIOGRAFIA BARRETTO, Carlos Roberto; et al. Juizado Especial Criminal Estadual e a Lei n. 10.259, de 2001: Doutrina, Jurisprudência, Legislação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. BIANCHINI, Alice. A Lei 9.099 e a violência doméstica. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 36, p. 03-04, dezembro 1995. BITENCOURT. César Roberto. Juizados Especiais Criminais e alternativas à pena de prisão: Lei nº 9.099, de 26.9.95. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado.1997. BURGOS, Marcelo Baumann. Conflito e sociabilidade: a administração da violência pelos Juizados Especiais Criminais. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, v.5, n.10, p. 222-235, 2001. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 2.ed. São Paulo: Saraiva. 2001. CONSTANTINO, Carlos Ernani. Infração penal federal de menor potencial ofensivo: sobre o artigo 2., parágrafo único, da Lei n. 10.259/01. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v.3, n.13, p. 149-152, abril/maio 2002. FELIPETO, Rogério. Quanto custa a Lei n. 9.099/95. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 41. p. 04, maio 1996. FERNANDES, Antonio Scarance. Grupo especial de trabalho: proteção à vítima. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 36, p.07, dezembro 1995. -. O consenso na justiça penal. Revista da AJUFE. Brasília, v.17, n. 59, p. 45-95, out/dez. 1998. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos juizados especiais cíveis e criminais: Lei n. 9.099, de 26.09.1995. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. FRANCO, Alberto Silva. Os questionamentos provocados pela Lei nº 9.099/95. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 35, p. 09, novembro 1996. GIANNELLA, Berenice Maria. O JECrim e a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade (Comentário de Jurisprudência). Boletim IBCCRIM. Jurisprudência. São Paulo, v. 6, n. 70, p. 283-284, setembro 1998. GOMES, Luiz Flávio. Juizados criminais: esplendor ou ocaso? Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.8, n. 89, p. 1, abril 2000.
-. Nova competência dos juizados criminais e seus reflexos práticos. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.9, n.110, p 3-4, janeiro 2002. -.Primeiras polêmicas sobre a nova competência dos juizados criminais. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 10, n. 111, p. 3-4, fevereiro 2002. -. Juizados criminais federais, seus reflexos nos juizados estaduais e outros estudos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. GRINOVER. Ada Pellegrini; et al. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099 de 26.09.1995. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. -. et al. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099 de 26.09.1995. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. JARDIM, Afrânio Silva. Os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade nos juizados especiais criminais. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 48, p. 04, novembro 1996. JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. -. Instituição dos juizados especiais criminais no Brasil e sua influência na aplicação das penas alternativas. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 45, p.02-03, agosto 1996. -. A exceção do artigo 61 da Lei dos juizados especiais criminais em face da Lei 10.259, de 12 de Julho de 2001, Lei dos juizados especiais federais. Cadernos Jurídicos. São Paulo, v. 3, n.9, p. 73-74, maio/junho 2002. MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Juizados especiais criminais. São Paulo: Saraiva. 1997. MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores. 1993. MELO GOMES, Marcus Alan. Culpabilidade e transação penal nos juizados especiais criminais. 1.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2003. MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 16. ed. São Paulo:Atlas S.A. 2000. -. Juizados especiais criminais: comentário, jurisprudência, legislação. 4.ed. São Paulo: Atlas S.A. 2000. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Os novos juizados especiais federais criminais: considerações gerais sobre a Lei 10.259/01. Revista Síntese de Direito Penal e Processual penal. Porto Alegre, v. 3, n.14, p. 133-157, junho/julho 2002. PAZZAGLINI FILHO, Marino; et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei 9.099/95. 3.ed. São Paulo: Atlas S.A.1999.
RANGEL. Paulo Sérgio do Nascimento. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2001. ROBALDO, José de Oliveira. Juizado especial criminal como forma despenalizadora do direito penal: penas alternativas / cestas básicas / experiência pioneira. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 51, p.10, fevereiro 1997. SANTOS, Lycurgo de Castro. A natureza jurídico-penal da multa e da restrição de direitos na transação penal: Lei nº 9.099/95. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.38, p 04-05, fevereiro 1996. - .Culpabilidade e pena na Lei 9.099/95. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v.4, n.13, p. 130-143, janeiro/março 1996. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Controle social punitivo e a experiência brasileira: uma visão crítica da Lei 9.099/95 sob a perspectiva criminológica. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 8, n.29, p. 401-411, janeiro/março 2000. SILVA JÚNIOR, Edson da. Lei nº 9.099/95: Descumprimento da pena imediata no estado democrático de direito brasileiro. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 64, p. 03-04, março 1998. SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 16.ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA. 1999. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1990. TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.