cultura no processo de parturiÇÃo: contribuiÇÕes...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
CULTURA NO PROCESSO DE PARTURICcedilAtildeO
CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A ENFERMAGEM
DISSERTACcedilAtildeO DE MESTRADO
Lizandra Flores Pimenta
Santa Maria RS Brasil
2012
CULTURA NO PROCESSO DA PARTURICcedilAtildeO
CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A ENFERMAGEM
Lizandra Flores Pimenta
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM RS) como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de
Mestre em Enfermagem
Orientadora Profordf Drordf Luacutecia Beatriz Ressel
Santa Maria RS Brasil
2012
Dedico este trabalho
In memorian A minha avoacute Lourdes que com a sua sabedoria foi sempre a minha maior
incentivadora na busca pelo conhecimento
Ao meu esposo Marcio companheiro de todas as horas apoiando-me incentivando-me e
cuidando-me e ajudando-me sempre Sem o seu apoio seu carinho e sua compreensatildeo natildeo
teria sido possiacutevel chegar ateacute aqui com tranquilidade
A minha filha Letiacutecia e a meu filho Marcos agraves luzes da minha vida meus amores
principais inspiradores desse trabalho
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares Fabiane Nabor Carmem Nabor e Francisco pelo apoio nos
momentos difiacuteceis
Agrave minha orientadora Luacutecia por me incitar o gosto pela antropologia aleacutem da orientaccedilatildeo
foi sempre muito compreensiva com as minhas vaacuterias atividades profissionais aleacutem do
mestrado
Ao Departamento de Enfermagem da UFSM e ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em
Enfermagem por ter proporcionado na minha vida profissional esta qualificaccedilatildeo
A coordenaccedilatildeo e professores do PPGEnf pela acolhida pelas trocas oportunizadas e pelo
compartilhamento de saberes
Agradeccedilo agraves integrantes do Nuacutecleo de Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-
NEMGeP especialmente a Celeste por me apresentar os caminhos deliciosos da literatura
feminista as discussotildees e a luta pelos direitos das mulheres na superaccedilatildeo das desigualdades
de gecircnero
Agradeccedilo as colegas desta caminhada Elenir e especialmente a Letiacutecia generosa nas suas
contribuiccedilotildees
A enfermagem do Centro Obsteacutetrico do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
profissionais na luta por uma atenccedilatildeo de qualidade para as mulheres
Ao Hospital Universitaacuterio de Santa Maria instituiccedilatildeo que facilitou a oportunidade de
crescimento profissional
Agraves (os) colegas do Mestrado pelo compartilhamento de experiecircncias e de
conhecimentos neste meu retorno agrave Escola como estudante
Enfim agraves mulheres participantes deste estudo que com sua disponibilidade e interesse
aceitaram-me em suas vidas e fizeram com que mais este estudo se concretizasse
ldquoQuando eacute que vamos nos dar conta que nosso
foco natildeo deve ser combater as cesarianas
desmedidas e abusivas mas melhorar a assistecircncia
ao parto de tal forma que escolher uma cesariana
para ter um filho tornar-se-aacute a mais tola das
decisotildees Maximilian
RESUMO
Dissertaccedilatildeo de Mestrado
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem
Universidade Federal de Santa Maria
CULTURA NO PROCESSO DE PARTURICcedilAtildeO CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A
ENFERMAGEM
AUTORA Lizandra Flores Pimenta
ORIENTADORA Luacutecia Beatriz Ressel
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de fevereiro de 2012
A investigaccedilatildeo teve como objetivo compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa com abordagem cultural Os
cenaacuterios foram uma Unidade sanitaacuteria e um hospital de referecircncia para a gestaccedilatildeo de alto risco
e para intercorrecircncias ginecoloacutegicas de um municiacutepio do interior do Rio Grande do SulBrasil
Os sujeitos deste estudo foram oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de parto
vaginal ou cesariano na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos que tiveram filhos a partir do ano de
2004 e fora do periacuteodo graviacutedico puerperal Para produccedilatildeo dos dados utilizou-se entrevista
semi-estruturada realizada entre janeiro e marccedilo de 2011 Para a anaacutelise dos dados foi
utilizada a anaacutelise temaacutetica sugerida por Minayo dando origem a seis categorias A percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado A
percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto Conhecendo como se daacute a
construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres Resistecircncia das mulheres ao modelo
biomeacutedico do parto Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea Os
achados deste estudo permitem afirmar que as vivecircncia das mulheres no seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente entre elas entendida algumas vezes de forma
positiva e outras vezes de forma negativa A identificaccedilatildeo da via de parto desejada pela
maioria das entrevistadas foi o parto normal mas a maioria natildeo conseguiu realizar esse desejo
na sua vivecircncia pela influecircncia e intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Esta ausecircncia de
autonomia na escolha do parto normal acarretou na indicaccedilatildeo de cesaacutereas que natildeo condizem
com as indicaccedilotildees da literatura nas mulheres desse estudo As entrevistadas afirmaram que o
meacutedico tem o poder de decisatildeo sobre a escolha do tipo de parto mas algumas divergem desta
conduta dizendo que esta decisatildeo deveria ter a participaccedilatildeo da mulher jaacute que eacute ela que estaacute
sentindo e passando por este processo O significado positivo evidenciado pelas mulheres do
conviacutevio das mulheres principalmente pela figura materna proporcionou um parto integral e
enriquecedor a essas entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Constatou-se que cultura tem influecircncia sobre os saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo e que os muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das
mulheres precisam ser observados quando se presta assistecircncia a elas durante esse processo
Palavras-chave Parto Sauacutede da mulher Cultura Enfermagem
ABSTRACT
Masterrsquos Dissertation
Nursing Pos-Graduation Program
Federal University of Santa Maria
CULTURE IN THE PROCESS OF DELIVERY CONTRIBUTIONS TO
NURSING
AUTHOR Lizandra Flores Pimenta
ADVISOR Luacutecia Beatriz Ressel Date and Place of Defense Santa Maria February 28th 2012
The investigation aimed to understand how culture influences in the process of a woman
delivery A qualitative research with a cultural approach The settings were a Health Center
and a reference Hospital for high risk pregnancies and to gynecologic complications of a city
in the interior of Rio Grande do SulBrazil The people of this study were eight women in
fertile age with previous history of natural and caesarean deliveries in ages between 22 and
35 years old who had children from the year 2004 and out of the pregnancy period To the
data production a semi-structured interview was used done between January and March of
2011 To do the data analysis it was used a thematic analysis suggested by Minayo
generating six categories Women perception about the birth Women perception about the
wanted delivery Women perception in the decision about the king of delivery Knowledge
about how is the cultural construction of the women delivery process Questioning and
women resistance to the delivery biomedical model women perception about the reason of
caesarean indication The findings of this study allow affirming that women experience in
their delivery process is noticed differently among them sometimes understood in a positive
way and others in negative ways The identification of the kind of delivery wanted by the
majority of the interviewed was the natural delivery but it can be seen that the majority could
not have it in their pregnancies due to the influence and interventions given by the doctor The
absence of autonomy in the choice for the natural delivery resulted in the indication of
caesariansthat are not consistent with indications from the literature the women of this study
The interviewed affirm that the doctor has the power of decision about the king of delivery
but some diverge from this behavior saying that this decision should have the women
participation once she is the one who feels and passes by this process The positive meaning
evidenced by the women who have some relation with the pregnant mainly by the mother
figure provided an integral and enriched delivery to these women and influenced in the
preference for a natural delivery It was verified that culture has influence in the knowledge
and in the practices of women in relation to the process of delivery and that multiple aspects
that surround their life need to be observed when assistance is given to them during the
process
Key-words Delivery Women health Culture Nursing
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM 81
Anexo B - Autorizaccedilatildeo de Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM para
troca de cenaacuterio para coleta
82
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
21
Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
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Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
23
juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
25
era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
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cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
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rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
41
que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
43
Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
44
uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
67
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ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
CULTURA NO PROCESSO DA PARTURICcedilAtildeO
CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A ENFERMAGEM
Lizandra Flores Pimenta
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM RS) como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de
Mestre em Enfermagem
Orientadora Profordf Drordf Luacutecia Beatriz Ressel
Santa Maria RS Brasil
2012
Dedico este trabalho
In memorian A minha avoacute Lourdes que com a sua sabedoria foi sempre a minha maior
incentivadora na busca pelo conhecimento
Ao meu esposo Marcio companheiro de todas as horas apoiando-me incentivando-me e
cuidando-me e ajudando-me sempre Sem o seu apoio seu carinho e sua compreensatildeo natildeo
teria sido possiacutevel chegar ateacute aqui com tranquilidade
A minha filha Letiacutecia e a meu filho Marcos agraves luzes da minha vida meus amores
principais inspiradores desse trabalho
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares Fabiane Nabor Carmem Nabor e Francisco pelo apoio nos
momentos difiacuteceis
Agrave minha orientadora Luacutecia por me incitar o gosto pela antropologia aleacutem da orientaccedilatildeo
foi sempre muito compreensiva com as minhas vaacuterias atividades profissionais aleacutem do
mestrado
Ao Departamento de Enfermagem da UFSM e ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em
Enfermagem por ter proporcionado na minha vida profissional esta qualificaccedilatildeo
A coordenaccedilatildeo e professores do PPGEnf pela acolhida pelas trocas oportunizadas e pelo
compartilhamento de saberes
Agradeccedilo agraves integrantes do Nuacutecleo de Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-
NEMGeP especialmente a Celeste por me apresentar os caminhos deliciosos da literatura
feminista as discussotildees e a luta pelos direitos das mulheres na superaccedilatildeo das desigualdades
de gecircnero
Agradeccedilo as colegas desta caminhada Elenir e especialmente a Letiacutecia generosa nas suas
contribuiccedilotildees
A enfermagem do Centro Obsteacutetrico do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
profissionais na luta por uma atenccedilatildeo de qualidade para as mulheres
Ao Hospital Universitaacuterio de Santa Maria instituiccedilatildeo que facilitou a oportunidade de
crescimento profissional
Agraves (os) colegas do Mestrado pelo compartilhamento de experiecircncias e de
conhecimentos neste meu retorno agrave Escola como estudante
Enfim agraves mulheres participantes deste estudo que com sua disponibilidade e interesse
aceitaram-me em suas vidas e fizeram com que mais este estudo se concretizasse
ldquoQuando eacute que vamos nos dar conta que nosso
foco natildeo deve ser combater as cesarianas
desmedidas e abusivas mas melhorar a assistecircncia
ao parto de tal forma que escolher uma cesariana
para ter um filho tornar-se-aacute a mais tola das
decisotildees Maximilian
RESUMO
Dissertaccedilatildeo de Mestrado
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem
Universidade Federal de Santa Maria
CULTURA NO PROCESSO DE PARTURICcedilAtildeO CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A
ENFERMAGEM
AUTORA Lizandra Flores Pimenta
ORIENTADORA Luacutecia Beatriz Ressel
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de fevereiro de 2012
A investigaccedilatildeo teve como objetivo compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa com abordagem cultural Os
cenaacuterios foram uma Unidade sanitaacuteria e um hospital de referecircncia para a gestaccedilatildeo de alto risco
e para intercorrecircncias ginecoloacutegicas de um municiacutepio do interior do Rio Grande do SulBrasil
Os sujeitos deste estudo foram oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de parto
vaginal ou cesariano na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos que tiveram filhos a partir do ano de
2004 e fora do periacuteodo graviacutedico puerperal Para produccedilatildeo dos dados utilizou-se entrevista
semi-estruturada realizada entre janeiro e marccedilo de 2011 Para a anaacutelise dos dados foi
utilizada a anaacutelise temaacutetica sugerida por Minayo dando origem a seis categorias A percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado A
percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto Conhecendo como se daacute a
construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres Resistecircncia das mulheres ao modelo
biomeacutedico do parto Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea Os
achados deste estudo permitem afirmar que as vivecircncia das mulheres no seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente entre elas entendida algumas vezes de forma
positiva e outras vezes de forma negativa A identificaccedilatildeo da via de parto desejada pela
maioria das entrevistadas foi o parto normal mas a maioria natildeo conseguiu realizar esse desejo
na sua vivecircncia pela influecircncia e intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Esta ausecircncia de
autonomia na escolha do parto normal acarretou na indicaccedilatildeo de cesaacutereas que natildeo condizem
com as indicaccedilotildees da literatura nas mulheres desse estudo As entrevistadas afirmaram que o
meacutedico tem o poder de decisatildeo sobre a escolha do tipo de parto mas algumas divergem desta
conduta dizendo que esta decisatildeo deveria ter a participaccedilatildeo da mulher jaacute que eacute ela que estaacute
sentindo e passando por este processo O significado positivo evidenciado pelas mulheres do
conviacutevio das mulheres principalmente pela figura materna proporcionou um parto integral e
enriquecedor a essas entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Constatou-se que cultura tem influecircncia sobre os saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo e que os muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das
mulheres precisam ser observados quando se presta assistecircncia a elas durante esse processo
Palavras-chave Parto Sauacutede da mulher Cultura Enfermagem
ABSTRACT
Masterrsquos Dissertation
Nursing Pos-Graduation Program
Federal University of Santa Maria
CULTURE IN THE PROCESS OF DELIVERY CONTRIBUTIONS TO
NURSING
AUTHOR Lizandra Flores Pimenta
ADVISOR Luacutecia Beatriz Ressel Date and Place of Defense Santa Maria February 28th 2012
The investigation aimed to understand how culture influences in the process of a woman
delivery A qualitative research with a cultural approach The settings were a Health Center
and a reference Hospital for high risk pregnancies and to gynecologic complications of a city
in the interior of Rio Grande do SulBrazil The people of this study were eight women in
fertile age with previous history of natural and caesarean deliveries in ages between 22 and
35 years old who had children from the year 2004 and out of the pregnancy period To the
data production a semi-structured interview was used done between January and March of
2011 To do the data analysis it was used a thematic analysis suggested by Minayo
generating six categories Women perception about the birth Women perception about the
wanted delivery Women perception in the decision about the king of delivery Knowledge
about how is the cultural construction of the women delivery process Questioning and
women resistance to the delivery biomedical model women perception about the reason of
caesarean indication The findings of this study allow affirming that women experience in
their delivery process is noticed differently among them sometimes understood in a positive
way and others in negative ways The identification of the kind of delivery wanted by the
majority of the interviewed was the natural delivery but it can be seen that the majority could
not have it in their pregnancies due to the influence and interventions given by the doctor The
absence of autonomy in the choice for the natural delivery resulted in the indication of
caesariansthat are not consistent with indications from the literature the women of this study
The interviewed affirm that the doctor has the power of decision about the king of delivery
but some diverge from this behavior saying that this decision should have the women
participation once she is the one who feels and passes by this process The positive meaning
evidenced by the women who have some relation with the pregnant mainly by the mother
figure provided an integral and enriched delivery to these women and influenced in the
preference for a natural delivery It was verified that culture has influence in the knowledge
and in the practices of women in relation to the process of delivery and that multiple aspects
that surround their life need to be observed when assistance is given to them during the
process
Key-words Delivery Women health Culture Nursing
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM 81
Anexo B - Autorizaccedilatildeo de Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM para
troca de cenaacuterio para coleta
82
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
21
Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
22
Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
23
juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
25
era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
27
cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
28
rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
41
que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
43
Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
44
uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
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lthttpwwwabcorgbrIMGpdfdoc-574pdf gt Acesso em 28 out 2011
TOMASHEK et al Differences in mortality between late-preterm and term singleton infants
in the United States 1995-2002 Journal of Pediatrics v151 n5 nov p450-6 456 2007
TRACY S K et al Admission of term infants to neonatal intensive care a population-based
study Birth v34 n4 dec p301-7 2007
TYRREL M A R CARVALHO V Programas nacionais de sauacutede-materno infantil
impacto poliacutetico social e inserccedilatildeo da enfermagem RJ EEANUFRJ 1995
VARGENS O M C PROGIANTI J M O Processo de Desmedicalizaccedilatildeo da Assistecircncia agrave
Mulher no Ensino de Enfermagem Rev Enferm USP 38 46-50 2004
VIacuteCTORA C G KNAUTH D R HASSEN M N A Pesquisa qualitativa em sauacutede
uma introduccedilatildeo ao tema Porto Alegre Tomo Editorial 2000
VIEIRA E M A Medicalizaccedilatildeo do Corpo Feminino Rio de Janeiro RJ Ed Fiocruz
2002
VIGILAcircNCIA EPIDEMIOLOacuteGICA Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria (SMS)
Dados Epidemioloacutegicos do Nuacutemero de Partos no Municiacutepio de Santa Maria - RS 2011
79
VILLAR J et al Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes the 2005 WHO global
survey on maternal and Perinatal health in Latin America Lancet 367(9525)1819-29 2006
_____ Maternal and neonatal individual risks and benefits associated with caesarean
delivery multicentre prospective study BMJ v335 n7628 Nov 17 p1025 2007
80
ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
Dedico este trabalho
In memorian A minha avoacute Lourdes que com a sua sabedoria foi sempre a minha maior
incentivadora na busca pelo conhecimento
Ao meu esposo Marcio companheiro de todas as horas apoiando-me incentivando-me e
cuidando-me e ajudando-me sempre Sem o seu apoio seu carinho e sua compreensatildeo natildeo
teria sido possiacutevel chegar ateacute aqui com tranquilidade
A minha filha Letiacutecia e a meu filho Marcos agraves luzes da minha vida meus amores
principais inspiradores desse trabalho
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares Fabiane Nabor Carmem Nabor e Francisco pelo apoio nos
momentos difiacuteceis
Agrave minha orientadora Luacutecia por me incitar o gosto pela antropologia aleacutem da orientaccedilatildeo
foi sempre muito compreensiva com as minhas vaacuterias atividades profissionais aleacutem do
mestrado
Ao Departamento de Enfermagem da UFSM e ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em
Enfermagem por ter proporcionado na minha vida profissional esta qualificaccedilatildeo
A coordenaccedilatildeo e professores do PPGEnf pela acolhida pelas trocas oportunizadas e pelo
compartilhamento de saberes
Agradeccedilo agraves integrantes do Nuacutecleo de Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-
NEMGeP especialmente a Celeste por me apresentar os caminhos deliciosos da literatura
feminista as discussotildees e a luta pelos direitos das mulheres na superaccedilatildeo das desigualdades
de gecircnero
Agradeccedilo as colegas desta caminhada Elenir e especialmente a Letiacutecia generosa nas suas
contribuiccedilotildees
A enfermagem do Centro Obsteacutetrico do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
profissionais na luta por uma atenccedilatildeo de qualidade para as mulheres
Ao Hospital Universitaacuterio de Santa Maria instituiccedilatildeo que facilitou a oportunidade de
crescimento profissional
Agraves (os) colegas do Mestrado pelo compartilhamento de experiecircncias e de
conhecimentos neste meu retorno agrave Escola como estudante
Enfim agraves mulheres participantes deste estudo que com sua disponibilidade e interesse
aceitaram-me em suas vidas e fizeram com que mais este estudo se concretizasse
ldquoQuando eacute que vamos nos dar conta que nosso
foco natildeo deve ser combater as cesarianas
desmedidas e abusivas mas melhorar a assistecircncia
ao parto de tal forma que escolher uma cesariana
para ter um filho tornar-se-aacute a mais tola das
decisotildees Maximilian
RESUMO
Dissertaccedilatildeo de Mestrado
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem
Universidade Federal de Santa Maria
CULTURA NO PROCESSO DE PARTURICcedilAtildeO CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A
ENFERMAGEM
AUTORA Lizandra Flores Pimenta
ORIENTADORA Luacutecia Beatriz Ressel
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de fevereiro de 2012
A investigaccedilatildeo teve como objetivo compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa com abordagem cultural Os
cenaacuterios foram uma Unidade sanitaacuteria e um hospital de referecircncia para a gestaccedilatildeo de alto risco
e para intercorrecircncias ginecoloacutegicas de um municiacutepio do interior do Rio Grande do SulBrasil
Os sujeitos deste estudo foram oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de parto
vaginal ou cesariano na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos que tiveram filhos a partir do ano de
2004 e fora do periacuteodo graviacutedico puerperal Para produccedilatildeo dos dados utilizou-se entrevista
semi-estruturada realizada entre janeiro e marccedilo de 2011 Para a anaacutelise dos dados foi
utilizada a anaacutelise temaacutetica sugerida por Minayo dando origem a seis categorias A percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado A
percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto Conhecendo como se daacute a
construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres Resistecircncia das mulheres ao modelo
biomeacutedico do parto Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea Os
achados deste estudo permitem afirmar que as vivecircncia das mulheres no seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente entre elas entendida algumas vezes de forma
positiva e outras vezes de forma negativa A identificaccedilatildeo da via de parto desejada pela
maioria das entrevistadas foi o parto normal mas a maioria natildeo conseguiu realizar esse desejo
na sua vivecircncia pela influecircncia e intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Esta ausecircncia de
autonomia na escolha do parto normal acarretou na indicaccedilatildeo de cesaacutereas que natildeo condizem
com as indicaccedilotildees da literatura nas mulheres desse estudo As entrevistadas afirmaram que o
meacutedico tem o poder de decisatildeo sobre a escolha do tipo de parto mas algumas divergem desta
conduta dizendo que esta decisatildeo deveria ter a participaccedilatildeo da mulher jaacute que eacute ela que estaacute
sentindo e passando por este processo O significado positivo evidenciado pelas mulheres do
conviacutevio das mulheres principalmente pela figura materna proporcionou um parto integral e
enriquecedor a essas entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Constatou-se que cultura tem influecircncia sobre os saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo e que os muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das
mulheres precisam ser observados quando se presta assistecircncia a elas durante esse processo
Palavras-chave Parto Sauacutede da mulher Cultura Enfermagem
ABSTRACT
Masterrsquos Dissertation
Nursing Pos-Graduation Program
Federal University of Santa Maria
CULTURE IN THE PROCESS OF DELIVERY CONTRIBUTIONS TO
NURSING
AUTHOR Lizandra Flores Pimenta
ADVISOR Luacutecia Beatriz Ressel Date and Place of Defense Santa Maria February 28th 2012
The investigation aimed to understand how culture influences in the process of a woman
delivery A qualitative research with a cultural approach The settings were a Health Center
and a reference Hospital for high risk pregnancies and to gynecologic complications of a city
in the interior of Rio Grande do SulBrazil The people of this study were eight women in
fertile age with previous history of natural and caesarean deliveries in ages between 22 and
35 years old who had children from the year 2004 and out of the pregnancy period To the
data production a semi-structured interview was used done between January and March of
2011 To do the data analysis it was used a thematic analysis suggested by Minayo
generating six categories Women perception about the birth Women perception about the
wanted delivery Women perception in the decision about the king of delivery Knowledge
about how is the cultural construction of the women delivery process Questioning and
women resistance to the delivery biomedical model women perception about the reason of
caesarean indication The findings of this study allow affirming that women experience in
their delivery process is noticed differently among them sometimes understood in a positive
way and others in negative ways The identification of the kind of delivery wanted by the
majority of the interviewed was the natural delivery but it can be seen that the majority could
not have it in their pregnancies due to the influence and interventions given by the doctor The
absence of autonomy in the choice for the natural delivery resulted in the indication of
caesariansthat are not consistent with indications from the literature the women of this study
The interviewed affirm that the doctor has the power of decision about the king of delivery
but some diverge from this behavior saying that this decision should have the women
participation once she is the one who feels and passes by this process The positive meaning
evidenced by the women who have some relation with the pregnant mainly by the mother
figure provided an integral and enriched delivery to these women and influenced in the
preference for a natural delivery It was verified that culture has influence in the knowledge
and in the practices of women in relation to the process of delivery and that multiple aspects
that surround their life need to be observed when assistance is given to them during the
process
Key-words Delivery Women health Culture Nursing
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM 81
Anexo B - Autorizaccedilatildeo de Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM para
troca de cenaacuterio para coleta
82
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
21
Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
22
Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
23
juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
25
era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
27
cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
28
rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
41
que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
43
Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
44
uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
67
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Brasiacutelia DF 2006b
_____ Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres Conselho Nacional dos Direitos da
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_____ Ministeacuterio da Sauacutede Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) Resoluccedilatildeo
RDC nordm 36 de 03 de junho dispotildeem sobre Regulamento Teacutecnico para Funcionamento dos
Serviccedilos de Atenccedilatildeo Obsteacutetrica e Neonatal - Brasiacutelia - DF 2008b
_____ Ministeacuterio da Sauacutede Instrutivo dos indicadores para a pactuaccedilatildeo unificada 2008
Brasiacutelia 2008c
_____ Ministeacuterio da Sauacutede Pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede da Crianccedila e da
Mulher ndash PNDS 2006 dimensotildees do processo reprodutivo e da sauacutede da crianccedila Ministeacuterio
da Sauacutede Centro Brasileiro de Anaacutelise e Planejamento Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2009
_____ Ministeacuterio da Sauacutede Estatiacutesticas de partos no Brasil Brasiacutelia DF 2010
_____ Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede Departamento de Accedilotildees
Programaacuteticas e Estrateacutegicas Aleacutem da sobrevivecircncia praacuteticas integradas de atenccedilatildeo ao
parto beneacuteficas para a nutriccedilatildeo e a sauacutede de matildees e crianccedilas Ministeacuterio da Sauacutede
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ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares Fabiane Nabor Carmem Nabor e Francisco pelo apoio nos
momentos difiacuteceis
Agrave minha orientadora Luacutecia por me incitar o gosto pela antropologia aleacutem da orientaccedilatildeo
foi sempre muito compreensiva com as minhas vaacuterias atividades profissionais aleacutem do
mestrado
Ao Departamento de Enfermagem da UFSM e ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em
Enfermagem por ter proporcionado na minha vida profissional esta qualificaccedilatildeo
A coordenaccedilatildeo e professores do PPGEnf pela acolhida pelas trocas oportunizadas e pelo
compartilhamento de saberes
Agradeccedilo agraves integrantes do Nuacutecleo de Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-
NEMGeP especialmente a Celeste por me apresentar os caminhos deliciosos da literatura
feminista as discussotildees e a luta pelos direitos das mulheres na superaccedilatildeo das desigualdades
de gecircnero
Agradeccedilo as colegas desta caminhada Elenir e especialmente a Letiacutecia generosa nas suas
contribuiccedilotildees
A enfermagem do Centro Obsteacutetrico do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
profissionais na luta por uma atenccedilatildeo de qualidade para as mulheres
Ao Hospital Universitaacuterio de Santa Maria instituiccedilatildeo que facilitou a oportunidade de
crescimento profissional
Agraves (os) colegas do Mestrado pelo compartilhamento de experiecircncias e de
conhecimentos neste meu retorno agrave Escola como estudante
Enfim agraves mulheres participantes deste estudo que com sua disponibilidade e interesse
aceitaram-me em suas vidas e fizeram com que mais este estudo se concretizasse
ldquoQuando eacute que vamos nos dar conta que nosso
foco natildeo deve ser combater as cesarianas
desmedidas e abusivas mas melhorar a assistecircncia
ao parto de tal forma que escolher uma cesariana
para ter um filho tornar-se-aacute a mais tola das
decisotildees Maximilian
RESUMO
Dissertaccedilatildeo de Mestrado
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem
Universidade Federal de Santa Maria
CULTURA NO PROCESSO DE PARTURICcedilAtildeO CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A
ENFERMAGEM
AUTORA Lizandra Flores Pimenta
ORIENTADORA Luacutecia Beatriz Ressel
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de fevereiro de 2012
A investigaccedilatildeo teve como objetivo compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa com abordagem cultural Os
cenaacuterios foram uma Unidade sanitaacuteria e um hospital de referecircncia para a gestaccedilatildeo de alto risco
e para intercorrecircncias ginecoloacutegicas de um municiacutepio do interior do Rio Grande do SulBrasil
Os sujeitos deste estudo foram oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de parto
vaginal ou cesariano na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos que tiveram filhos a partir do ano de
2004 e fora do periacuteodo graviacutedico puerperal Para produccedilatildeo dos dados utilizou-se entrevista
semi-estruturada realizada entre janeiro e marccedilo de 2011 Para a anaacutelise dos dados foi
utilizada a anaacutelise temaacutetica sugerida por Minayo dando origem a seis categorias A percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado A
percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto Conhecendo como se daacute a
construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres Resistecircncia das mulheres ao modelo
biomeacutedico do parto Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea Os
achados deste estudo permitem afirmar que as vivecircncia das mulheres no seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente entre elas entendida algumas vezes de forma
positiva e outras vezes de forma negativa A identificaccedilatildeo da via de parto desejada pela
maioria das entrevistadas foi o parto normal mas a maioria natildeo conseguiu realizar esse desejo
na sua vivecircncia pela influecircncia e intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Esta ausecircncia de
autonomia na escolha do parto normal acarretou na indicaccedilatildeo de cesaacutereas que natildeo condizem
com as indicaccedilotildees da literatura nas mulheres desse estudo As entrevistadas afirmaram que o
meacutedico tem o poder de decisatildeo sobre a escolha do tipo de parto mas algumas divergem desta
conduta dizendo que esta decisatildeo deveria ter a participaccedilatildeo da mulher jaacute que eacute ela que estaacute
sentindo e passando por este processo O significado positivo evidenciado pelas mulheres do
conviacutevio das mulheres principalmente pela figura materna proporcionou um parto integral e
enriquecedor a essas entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Constatou-se que cultura tem influecircncia sobre os saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo e que os muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das
mulheres precisam ser observados quando se presta assistecircncia a elas durante esse processo
Palavras-chave Parto Sauacutede da mulher Cultura Enfermagem
ABSTRACT
Masterrsquos Dissertation
Nursing Pos-Graduation Program
Federal University of Santa Maria
CULTURE IN THE PROCESS OF DELIVERY CONTRIBUTIONS TO
NURSING
AUTHOR Lizandra Flores Pimenta
ADVISOR Luacutecia Beatriz Ressel Date and Place of Defense Santa Maria February 28th 2012
The investigation aimed to understand how culture influences in the process of a woman
delivery A qualitative research with a cultural approach The settings were a Health Center
and a reference Hospital for high risk pregnancies and to gynecologic complications of a city
in the interior of Rio Grande do SulBrazil The people of this study were eight women in
fertile age with previous history of natural and caesarean deliveries in ages between 22 and
35 years old who had children from the year 2004 and out of the pregnancy period To the
data production a semi-structured interview was used done between January and March of
2011 To do the data analysis it was used a thematic analysis suggested by Minayo
generating six categories Women perception about the birth Women perception about the
wanted delivery Women perception in the decision about the king of delivery Knowledge
about how is the cultural construction of the women delivery process Questioning and
women resistance to the delivery biomedical model women perception about the reason of
caesarean indication The findings of this study allow affirming that women experience in
their delivery process is noticed differently among them sometimes understood in a positive
way and others in negative ways The identification of the kind of delivery wanted by the
majority of the interviewed was the natural delivery but it can be seen that the majority could
not have it in their pregnancies due to the influence and interventions given by the doctor The
absence of autonomy in the choice for the natural delivery resulted in the indication of
caesariansthat are not consistent with indications from the literature the women of this study
The interviewed affirm that the doctor has the power of decision about the king of delivery
but some diverge from this behavior saying that this decision should have the women
participation once she is the one who feels and passes by this process The positive meaning
evidenced by the women who have some relation with the pregnant mainly by the mother
figure provided an integral and enriched delivery to these women and influenced in the
preference for a natural delivery It was verified that culture has influence in the knowledge
and in the practices of women in relation to the process of delivery and that multiple aspects
that surround their life need to be observed when assistance is given to them during the
process
Key-words Delivery Women health Culture Nursing
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM 81
Anexo B - Autorizaccedilatildeo de Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM para
troca de cenaacuterio para coleta
82
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
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Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
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Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
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juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
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era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
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cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
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rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
41
que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
43
Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
44
uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
67
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80
ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
ldquoQuando eacute que vamos nos dar conta que nosso
foco natildeo deve ser combater as cesarianas
desmedidas e abusivas mas melhorar a assistecircncia
ao parto de tal forma que escolher uma cesariana
para ter um filho tornar-se-aacute a mais tola das
decisotildees Maximilian
RESUMO
Dissertaccedilatildeo de Mestrado
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem
Universidade Federal de Santa Maria
CULTURA NO PROCESSO DE PARTURICcedilAtildeO CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A
ENFERMAGEM
AUTORA Lizandra Flores Pimenta
ORIENTADORA Luacutecia Beatriz Ressel
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de fevereiro de 2012
A investigaccedilatildeo teve como objetivo compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa com abordagem cultural Os
cenaacuterios foram uma Unidade sanitaacuteria e um hospital de referecircncia para a gestaccedilatildeo de alto risco
e para intercorrecircncias ginecoloacutegicas de um municiacutepio do interior do Rio Grande do SulBrasil
Os sujeitos deste estudo foram oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de parto
vaginal ou cesariano na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos que tiveram filhos a partir do ano de
2004 e fora do periacuteodo graviacutedico puerperal Para produccedilatildeo dos dados utilizou-se entrevista
semi-estruturada realizada entre janeiro e marccedilo de 2011 Para a anaacutelise dos dados foi
utilizada a anaacutelise temaacutetica sugerida por Minayo dando origem a seis categorias A percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado A
percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto Conhecendo como se daacute a
construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres Resistecircncia das mulheres ao modelo
biomeacutedico do parto Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea Os
achados deste estudo permitem afirmar que as vivecircncia das mulheres no seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente entre elas entendida algumas vezes de forma
positiva e outras vezes de forma negativa A identificaccedilatildeo da via de parto desejada pela
maioria das entrevistadas foi o parto normal mas a maioria natildeo conseguiu realizar esse desejo
na sua vivecircncia pela influecircncia e intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Esta ausecircncia de
autonomia na escolha do parto normal acarretou na indicaccedilatildeo de cesaacutereas que natildeo condizem
com as indicaccedilotildees da literatura nas mulheres desse estudo As entrevistadas afirmaram que o
meacutedico tem o poder de decisatildeo sobre a escolha do tipo de parto mas algumas divergem desta
conduta dizendo que esta decisatildeo deveria ter a participaccedilatildeo da mulher jaacute que eacute ela que estaacute
sentindo e passando por este processo O significado positivo evidenciado pelas mulheres do
conviacutevio das mulheres principalmente pela figura materna proporcionou um parto integral e
enriquecedor a essas entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Constatou-se que cultura tem influecircncia sobre os saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo e que os muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das
mulheres precisam ser observados quando se presta assistecircncia a elas durante esse processo
Palavras-chave Parto Sauacutede da mulher Cultura Enfermagem
ABSTRACT
Masterrsquos Dissertation
Nursing Pos-Graduation Program
Federal University of Santa Maria
CULTURE IN THE PROCESS OF DELIVERY CONTRIBUTIONS TO
NURSING
AUTHOR Lizandra Flores Pimenta
ADVISOR Luacutecia Beatriz Ressel Date and Place of Defense Santa Maria February 28th 2012
The investigation aimed to understand how culture influences in the process of a woman
delivery A qualitative research with a cultural approach The settings were a Health Center
and a reference Hospital for high risk pregnancies and to gynecologic complications of a city
in the interior of Rio Grande do SulBrazil The people of this study were eight women in
fertile age with previous history of natural and caesarean deliveries in ages between 22 and
35 years old who had children from the year 2004 and out of the pregnancy period To the
data production a semi-structured interview was used done between January and March of
2011 To do the data analysis it was used a thematic analysis suggested by Minayo
generating six categories Women perception about the birth Women perception about the
wanted delivery Women perception in the decision about the king of delivery Knowledge
about how is the cultural construction of the women delivery process Questioning and
women resistance to the delivery biomedical model women perception about the reason of
caesarean indication The findings of this study allow affirming that women experience in
their delivery process is noticed differently among them sometimes understood in a positive
way and others in negative ways The identification of the kind of delivery wanted by the
majority of the interviewed was the natural delivery but it can be seen that the majority could
not have it in their pregnancies due to the influence and interventions given by the doctor The
absence of autonomy in the choice for the natural delivery resulted in the indication of
caesariansthat are not consistent with indications from the literature the women of this study
The interviewed affirm that the doctor has the power of decision about the king of delivery
but some diverge from this behavior saying that this decision should have the women
participation once she is the one who feels and passes by this process The positive meaning
evidenced by the women who have some relation with the pregnant mainly by the mother
figure provided an integral and enriched delivery to these women and influenced in the
preference for a natural delivery It was verified that culture has influence in the knowledge
and in the practices of women in relation to the process of delivery and that multiple aspects
that surround their life need to be observed when assistance is given to them during the
process
Key-words Delivery Women health Culture Nursing
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM 81
Anexo B - Autorizaccedilatildeo de Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM para
troca de cenaacuterio para coleta
82
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
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As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
21
Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
22
Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
23
juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
25
era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
27
cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
28
rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
41
que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
43
Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
44
uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
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study Birth v34 n4 dec p301-7 2007
TYRREL M A R CARVALHO V Programas nacionais de sauacutede-materno infantil
impacto poliacutetico social e inserccedilatildeo da enfermagem RJ EEANUFRJ 1995
VARGENS O M C PROGIANTI J M O Processo de Desmedicalizaccedilatildeo da Assistecircncia agrave
Mulher no Ensino de Enfermagem Rev Enferm USP 38 46-50 2004
VIacuteCTORA C G KNAUTH D R HASSEN M N A Pesquisa qualitativa em sauacutede
uma introduccedilatildeo ao tema Porto Alegre Tomo Editorial 2000
VIEIRA E M A Medicalizaccedilatildeo do Corpo Feminino Rio de Janeiro RJ Ed Fiocruz
2002
VIGILAcircNCIA EPIDEMIOLOacuteGICA Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria (SMS)
Dados Epidemioloacutegicos do Nuacutemero de Partos no Municiacutepio de Santa Maria - RS 2011
79
VILLAR J et al Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes the 2005 WHO global
survey on maternal and Perinatal health in Latin America Lancet 367(9525)1819-29 2006
_____ Maternal and neonatal individual risks and benefits associated with caesarean
delivery multicentre prospective study BMJ v335 n7628 Nov 17 p1025 2007
80
ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
RESUMO
Dissertaccedilatildeo de Mestrado
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem
Universidade Federal de Santa Maria
CULTURA NO PROCESSO DE PARTURICcedilAtildeO CONTRIBUICcedilOtildeES PARA A
ENFERMAGEM
AUTORA Lizandra Flores Pimenta
ORIENTADORA Luacutecia Beatriz Ressel
Data e Local da Defesa Santa Maria 28 de fevereiro de 2012
A investigaccedilatildeo teve como objetivo compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa com abordagem cultural Os
cenaacuterios foram uma Unidade sanitaacuteria e um hospital de referecircncia para a gestaccedilatildeo de alto risco
e para intercorrecircncias ginecoloacutegicas de um municiacutepio do interior do Rio Grande do SulBrasil
Os sujeitos deste estudo foram oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de parto
vaginal ou cesariano na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos que tiveram filhos a partir do ano de
2004 e fora do periacuteodo graviacutedico puerperal Para produccedilatildeo dos dados utilizou-se entrevista
semi-estruturada realizada entre janeiro e marccedilo de 2011 Para a anaacutelise dos dados foi
utilizada a anaacutelise temaacutetica sugerida por Minayo dando origem a seis categorias A percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado A
percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto Conhecendo como se daacute a
construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres Resistecircncia das mulheres ao modelo
biomeacutedico do parto Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea Os
achados deste estudo permitem afirmar que as vivecircncia das mulheres no seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente entre elas entendida algumas vezes de forma
positiva e outras vezes de forma negativa A identificaccedilatildeo da via de parto desejada pela
maioria das entrevistadas foi o parto normal mas a maioria natildeo conseguiu realizar esse desejo
na sua vivecircncia pela influecircncia e intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Esta ausecircncia de
autonomia na escolha do parto normal acarretou na indicaccedilatildeo de cesaacutereas que natildeo condizem
com as indicaccedilotildees da literatura nas mulheres desse estudo As entrevistadas afirmaram que o
meacutedico tem o poder de decisatildeo sobre a escolha do tipo de parto mas algumas divergem desta
conduta dizendo que esta decisatildeo deveria ter a participaccedilatildeo da mulher jaacute que eacute ela que estaacute
sentindo e passando por este processo O significado positivo evidenciado pelas mulheres do
conviacutevio das mulheres principalmente pela figura materna proporcionou um parto integral e
enriquecedor a essas entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Constatou-se que cultura tem influecircncia sobre os saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo e que os muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das
mulheres precisam ser observados quando se presta assistecircncia a elas durante esse processo
Palavras-chave Parto Sauacutede da mulher Cultura Enfermagem
ABSTRACT
Masterrsquos Dissertation
Nursing Pos-Graduation Program
Federal University of Santa Maria
CULTURE IN THE PROCESS OF DELIVERY CONTRIBUTIONS TO
NURSING
AUTHOR Lizandra Flores Pimenta
ADVISOR Luacutecia Beatriz Ressel Date and Place of Defense Santa Maria February 28th 2012
The investigation aimed to understand how culture influences in the process of a woman
delivery A qualitative research with a cultural approach The settings were a Health Center
and a reference Hospital for high risk pregnancies and to gynecologic complications of a city
in the interior of Rio Grande do SulBrazil The people of this study were eight women in
fertile age with previous history of natural and caesarean deliveries in ages between 22 and
35 years old who had children from the year 2004 and out of the pregnancy period To the
data production a semi-structured interview was used done between January and March of
2011 To do the data analysis it was used a thematic analysis suggested by Minayo
generating six categories Women perception about the birth Women perception about the
wanted delivery Women perception in the decision about the king of delivery Knowledge
about how is the cultural construction of the women delivery process Questioning and
women resistance to the delivery biomedical model women perception about the reason of
caesarean indication The findings of this study allow affirming that women experience in
their delivery process is noticed differently among them sometimes understood in a positive
way and others in negative ways The identification of the kind of delivery wanted by the
majority of the interviewed was the natural delivery but it can be seen that the majority could
not have it in their pregnancies due to the influence and interventions given by the doctor The
absence of autonomy in the choice for the natural delivery resulted in the indication of
caesariansthat are not consistent with indications from the literature the women of this study
The interviewed affirm that the doctor has the power of decision about the king of delivery
but some diverge from this behavior saying that this decision should have the women
participation once she is the one who feels and passes by this process The positive meaning
evidenced by the women who have some relation with the pregnant mainly by the mother
figure provided an integral and enriched delivery to these women and influenced in the
preference for a natural delivery It was verified that culture has influence in the knowledge
and in the practices of women in relation to the process of delivery and that multiple aspects
that surround their life need to be observed when assistance is given to them during the
process
Key-words Delivery Women health Culture Nursing
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM 81
Anexo B - Autorizaccedilatildeo de Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM para
troca de cenaacuterio para coleta
82
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
21
Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
22
Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
23
juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
25
era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
27
cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
28
rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
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que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
43
Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
44
uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
67
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ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
ABSTRACT
Masterrsquos Dissertation
Nursing Pos-Graduation Program
Federal University of Santa Maria
CULTURE IN THE PROCESS OF DELIVERY CONTRIBUTIONS TO
NURSING
AUTHOR Lizandra Flores Pimenta
ADVISOR Luacutecia Beatriz Ressel Date and Place of Defense Santa Maria February 28th 2012
The investigation aimed to understand how culture influences in the process of a woman
delivery A qualitative research with a cultural approach The settings were a Health Center
and a reference Hospital for high risk pregnancies and to gynecologic complications of a city
in the interior of Rio Grande do SulBrazil The people of this study were eight women in
fertile age with previous history of natural and caesarean deliveries in ages between 22 and
35 years old who had children from the year 2004 and out of the pregnancy period To the
data production a semi-structured interview was used done between January and March of
2011 To do the data analysis it was used a thematic analysis suggested by Minayo
generating six categories Women perception about the birth Women perception about the
wanted delivery Women perception in the decision about the king of delivery Knowledge
about how is the cultural construction of the women delivery process Questioning and
women resistance to the delivery biomedical model women perception about the reason of
caesarean indication The findings of this study allow affirming that women experience in
their delivery process is noticed differently among them sometimes understood in a positive
way and others in negative ways The identification of the kind of delivery wanted by the
majority of the interviewed was the natural delivery but it can be seen that the majority could
not have it in their pregnancies due to the influence and interventions given by the doctor The
absence of autonomy in the choice for the natural delivery resulted in the indication of
caesariansthat are not consistent with indications from the literature the women of this study
The interviewed affirm that the doctor has the power of decision about the king of delivery
but some diverge from this behavior saying that this decision should have the women
participation once she is the one who feels and passes by this process The positive meaning
evidenced by the women who have some relation with the pregnant mainly by the mother
figure provided an integral and enriched delivery to these women and influenced in the
preference for a natural delivery It was verified that culture has influence in the knowledge
and in the practices of women in relation to the process of delivery and that multiple aspects
that surround their life need to be observed when assistance is given to them during the
process
Key-words Delivery Women health Culture Nursing
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM 81
Anexo B - Autorizaccedilatildeo de Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM para
troca de cenaacuterio para coleta
82
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
21
Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
22
Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
23
juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
25
era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
27
cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
28
rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
41
que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
43
Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
44
uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
67
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80
ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM 81
Anexo B - Autorizaccedilatildeo de Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM para
troca de cenaacuterio para coleta
82
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
21
Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
22
Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
23
juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
25
era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
27
cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
28
rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
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que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
43
Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
44
uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
67
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ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
LISTA DE APEcircNDICES
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria 85
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM 86
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 87
Apecircndice D - Termo de Confidencialidade 89
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres 90
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
18
Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
21
Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
22
Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
23
juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
25
era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
26
A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
27
cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
28
rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
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O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
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relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
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Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
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Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
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3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
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Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
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as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
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A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
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que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
42
Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
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Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
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uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
46
Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
62
As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
63
defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
64
As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
65
Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
66
Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
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THE LANCET Sauacutede dos Brasileiros 2011 Disponiacutevel em
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TOMASHEK et al Differences in mortality between late-preterm and term singleton infants
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TRACY S K et al Admission of term infants to neonatal intensive care a population-based
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TYRREL M A R CARVALHO V Programas nacionais de sauacutede-materno infantil
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VARGENS O M C PROGIANTI J M O Processo de Desmedicalizaccedilatildeo da Assistecircncia agrave
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VIacuteCTORA C G KNAUTH D R HASSEN M N A Pesquisa qualitativa em sauacutede
uma introduccedilatildeo ao tema Porto Alegre Tomo Editorial 2000
VIEIRA E M A Medicalizaccedilatildeo do Corpo Feminino Rio de Janeiro RJ Ed Fiocruz
2002
VIGILAcircNCIA EPIDEMIOLOacuteGICA Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria (SMS)
Dados Epidemioloacutegicos do Nuacutemero de Partos no Municiacutepio de Santa Maria - RS 2011
79
VILLAR J et al Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes the 2005 WHO global
survey on maternal and Perinatal health in Latin America Lancet 367(9525)1819-29 2006
_____ Maternal and neonatal individual risks and benefits associated with caesarean
delivery multicentre prospective study BMJ v335 n7628 Nov 17 p1025 2007
80
ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto
SUMAacuteRIO
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS 12
1 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA 17
11 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no
Brasil
17
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo 22
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura 24
2 CAMINHO METODOLOacuteGICO 29
21 Fundamentos metodoloacutegicos 29
22 Os cenaacuterios do estudo 29
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos 31
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes 32
25 Inserccedilatildeo em campo 34
26 Coleta de dados 33
27 Anaacutelise dos dados 34
28 Questotildees eacuteticas 35
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS 37
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 61
REFEREcircNCIAS 67
ANEXOS 80
APEcircNDICES 83
CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS
A gravidez e o parto satildeo eventos sociais e culturais que integram a vivecircncia
reprodutiva de homens e mulheres uma experiecircncia uacutenica no universo de ambos que envolve
tambeacutem suas famiacutelias e consequentemente a comunidade (BRASIL 2001)
O parto inscreve-se nesse universo cultural por ser um fenocircmeno que perpassa todas as
sociedades e temposespaccedilos Esse sistema de crenccedilas herdadas eacute denominado ldquocultura do
nascimentordquo a qual informa os membros da sociedade sobre a natureza de todo o processo
parturitivo da mulher e influencia seu significado em relaccedilatildeo ao tipo de parto (HELMAN
2009)
O autor supracitado diz que a gestaccedilatildeo e o parto satildeo a transiccedilatildeo do status social de
ldquomulherrdquo para o de ldquomatildeerdquo e como em todas as transiccedilotildees sociais a pessoa deve ser protegida
de qualquer dano atraveacutes de determinados rituais e comportamentos
Conforme Floyd (2009) as formas de transmitir esses comportamentos agrave parturiente
satildeo chamadas de ldquorituais da obstetriacuteciardquo dentre eles estatildeo fazer a mulher reconhecer a
deficiecircncia de seu corpo (consciente ou inconscientemente) a fim de tornaacute-la dependente da
ciecircncia e da tecnologia induzindo-a a aceitar a superioridade das instituiccedilotildees e da Medicina
em controlar seus processos naturais suas crenccedilas e seus significados individuais
Segundo Floyd (2009) eacute mais provaacutevel que esse tipo de comportamento seja
transmitido na atmosfera impessoal de um hospital do que no ambiente familiar e domeacutestico
As condiccedilotildees de nascimento apresentam significativas distinccedilotildees quando comparadas
entre diferentes realidades Nos paiacuteses ocidentais segundo Floyd (1987) o parto eacute cercado de
aparatos tecnoloacutegicos meacutedicos e essa medicalizaccedilatildeo define-o como uma disfunccedilatildeo fisioloacutegica
Jaacute nos paiacuteses orientais como exemplo o Japatildeo eacute valorizado o parto vaginal desmedicalizado
que assim como a gestaccedilatildeo natildeo eacute considerado doenccedila (SILVA 2009)
De acordo com a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) 70 a 80 das gestaccedilotildees
que ocorrem no mundo satildeo consideradas de baixo risco Eis a definiccedilatildeo de parto normal
adotada pela OMS
De iniacutecio espontacircneo baixo risco no iniacutecio do trabalho de parto permanecendo
assim durante todo o processo ateacute o nascimento O bebecirc nasce espontaneamente em
posiccedilatildeo cefaacutelica de veacutertice entre 37 e 42 semanas completas de gestaccedilatildeo Apoacutes o
nascimento matildee e filho estando em boas condiccedilotildees Entretanto como o trabalho de
parto e o parto de muitas gestantes de alto risco tecircm um curso normal vaacuterias
recomendaccedilotildees tambeacutem se aplicam agrave assistecircncia dessas mulheres (OMS 2009 p9)
13
Frente a isso deve existir sempre uma razatildeo vaacutelida para se interferir nesse processo
fisioloacutegico do parto tendo como recurso para tais casos a cesariana que se trata de uma
intervenccedilatildeo meacutedica destinada agrave extraccedilatildeo do feto por via abdominal
O parto cesaacutereo eacute uma intervenccedilatildeo usada em situaccedilotildees nas quais as condiccedilotildees da matildee
e do bebecirc natildeo favorecem o parto vaginal Entretanto sua indicaccedilatildeo incorreta estaacute associada a
uma maior ocorrecircncia de mortalidade e morbidade para as parturientes tais como
hemorragias infecccedilotildees puerperais embolia pulmonar riscos anesteacutesicos bem como outras
patologias Para os bebecircs os riscos relacionam-se a distuacuterbios respiratoacuterios icteriacutecia
fisioloacutegica prematuridade iatrogecircnica hipoglicemia e anoacutexia (RAMOS 2003 VILLAR
2006 TELINI 2000)
Nessa direccedilatildeo eacute observado em nosso paiacutes nos uacuteltimos anos o aumento de partos
cesaacutereos agendados com antecedecircncia cujas indicaccedilotildees meacutedicas natildeo o justificam (MORELL
MELO 1995) Em uma pesquisa Nacional de Demografia e Sauacutede realizada em 2006 quase
metade (462) de todas as cesarianas foi agendada com antecedecircncia (BRASIL 2009)
Essa conduta eacute culturalmente difundida pelos profissionais da sauacutede que detecircm o
poder de modular e influenciar as demandas sobre as necessidades de sauacutede da populaccedilatildeo
(TEIXEIRA 2006) Apresentando-se sob a maacutescara da razatildeo e da necessidade essa praacutetica
desnecessaacuteria acaba por natildeo ser percebida pela maioria das mulheres que encontram
dificuldades em resistir (PEREIRA 2000)
O Ministeacuterio da Sauacutede (2001) ressalta que a informaccedilatildeo e a formaccedilatildeo de opiniatildeo entre
as mulheres satildeo prioridade no Brasil a fim de que elas possam escolher o melhor para a sua
sauacutede e para a de seus filhos pois embora profissionais e mulheres faccedilam a opccedilatildeo antecipada
do tipo de parto esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia jaacute que
cesaacuterea natildeo eacute um ldquobem de consumordquo (ODENT 2004)
Outro modo de tornar atrativo e mais agradaacutevel aos olhos das mulheres esta praacutetica de
conveniecircncia eacute o conceito contraditoacuterio de cesariana centrada na famiacutelia em que se daacute aos
pais opccedilotildees quanto ao tipo de anesteacutesico e terapia indicados para a mulher (MARTIN 2006)
Scavone (1993) explica esta valorizaccedilatildeo pelas mulheres e pela populaccedilatildeo em geral como
uma garantia meacutedica para os pais em relaccedilatildeo agrave qualidade da sua prole e da fecundidade
Ao dar respostas aos problemas obsteacutetricos e neonatais que aumentam enormemente
os iacutendices de mortalidade materna durante a gestaccedilatildeo o parto e o puerpeacuterio a medicina criou
discursos de verdade Segundo Foucault (1992 p 179)
14
As relaccedilotildees de poder natildeo podem se dissociar se estabelecer nem funcionar sem
uma produccedilatildeo uma acumulaccedilatildeo uma circulaccedilatildeo e um funcionamento do discurso
Natildeo haacute possibilidade de exerciacutecio do poder sem uma certa economia dos discursos
de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigecircncia
Essa hegemonia do discurso meacutedico sobressai-se desconsiderando durante o processo
parturitivo as crenccedilas e a cultura das mulheres Eacute apenas o meacutedico quem daacute a palavra final
para duacutevidas e inquietudes das mulheres pois considera seu discurso inquestionaacutevel e
legiacutetimo (VIEIRA 2002)
Dessa forma a mulher perde sua autonomia como protagonista no processo do
nascimento
Criou-se assim uma heteronomia desfigurando-se este ato ateacute entatildeo puramente
feminino - pois natildeo era mais a mulher quem dava agrave luz - para o meacutedico como dono
e senhor do parto numa inversatildeo de papeacuteis que bdquolegitima o poder e a relaccedilatildeo da
medicina com a famiacutelia‟ (PEREIRA 2000 p17)
Essa inversatildeo de papeacuteis no cenaacuterio do parto no qual o meacutedico deteacutem o poder sobre o
corpo da mulher pode estar justificando os altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas
Outra repercussatildeo desta mudanccedila de paradigma em relaccedilatildeo ao processo do nascimento
eacute a de que o parto os cuidados puerperais e com o receacutem-nascido que antigamente
transcorriam no ambiente familiar e eram envolvidos em fortes viacutenculos atualmente
transcorrem em instituiccedilotildees hospitalares onde os viacutenculos transformaram-se em meros
contatos superficiais acentuando a perda da autonomia da mulher neste processo
(MONTICELLI 1994)
O contexto do nascimento na sociedade atual mostra que a mulher parturiente estaacute
cada vez mais distante da condiccedilatildeo de protagonista da cena do parto ldquototalmente insegura
submete-se a todas as ordens e orientaccedilotildees sem entender como combinar o poder contido nas
atitudes e palavras que ouve e percebe com o fato inexoraacutevel de que eacute ela quem estaacute com dor
e quem vai parirrdquo (BRASIL 2001 p18) Fato esse constatado no aumento de cesaacutereas e
reduccedilatildeo de partos normais na rede puacuteblica no Brasil No ano de 2005 a taxa de cesaacutereas que
era de 2870 aumentou para 3610 em 2010 e em contrapartida o nuacutemero de partos
normais que em 2005 era de 7130 reduziu para 63 20 em 2010 (BRASIL 2010)
No estado do Rio Grande do Sul (RS) foi constatado por Freitas et al (2005) que os
iacutendices elevados de cesaacuterea constituem um grave problema de sauacutede puacuteblica o que pode
acarretar o mau-uso da tecnologia meacutedica na atenccedilatildeo ao parto associado a fatores sociais
econocircmicos e culturais O percentual de cesarianas que foram analisadas de 1997 a 2003 foi
de 406 para 448 respectivamente No ano de 2008 no RS segundo dados do IBGE
15
(2009) o iacutendice de cesaacutereas foi de 537
No municiacutepio de Santa MariaRS segundo dados da Vigilacircncia Epidemioloacutegica da
Secretaria Municipal de Sauacutede (SMS) no primeiro semestre de 2011 635 dos partos o que
corresponde a 1167 foram cesaacutereos o que desvela um iacutendice muito aleacutem dos 15 previstos
pela OMS O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) estabeleceu limite para partos cesaacutereos
considerando-os de alto risco para as unidades hospitalares ateacute 40 e para unidades de risco
habitual - ateacute 25 (BRASIL 2008c)
A portaria GM nordm 466 de 14062000 retificada em 30062000 propotildee o Pacto pela
Reduccedilatildeo das Taxas de Cesaacuterea a ser firmado entre os gestores estaduais e o gestor federal
estabelecendo a taxa de 25 como desejaacutevel para todos os estados ateacute 2007 (BRASIL 2008)
Finalizar uma gestaccedilatildeo mediante uma cesaacuterea sem causa meacutedica que a justifique
ainda que esta seja a pedido da gestante eacute uma conduta meacutedica que natildeo respeita os processos
fisioloacutegicos do trabalho de parto do parto e do nascimento Por esse motivo o procedimento
ciruacutergico realizado sem indicaccedilotildees deixa de ser um procedimento fisioloacutegico tornando-se um
procedimento de risco para a matildee e para o receacutem-nascido (SABATINO 2009)
Para a abrangecircncia do tema complexidade e repercussotildees na vida das mulheres o
objeto de estudo eacute o significado que a mulher atribui ao seu parto
A justificativa para a escolha desse objeto de estudo deve-se agrave vivecircncia de dar agrave luz a
dois filhos nascidos de parto normal Letiacutecia (15 anos) e Marcos (12 anos) e de ter participado
ativamente desse processo como protagonista
Vem ao encontro disso o fato de que no decorrer da vivecircncia de dezoito anos na
assistecircncia agrave sauacutede das mulheres em maternidades e unidades baacutesicas de sauacutede e no meu
ambiente de trabalho atual como enfermeira obstetra de um hospital de ensino percebo a
intensa fragilidade das parturientes ao se submeterem a todos os procedimentos e
intervenccedilotildees sem questionamentos ao que acontece com o seu corpo durante o parto
Paralelamente agraves atividades profissionais participo como integrante do Nuacutecleo de
Estudos sobre Mulheres Gecircnero e Poliacuteticas Puacuteblicas-NEMGeP do Departamento de
Enfermagem do Centro de Ciecircncias da Sauacutede da Universidade Federal de Santa Maria grupo
que me despertou para as questotildees de gecircnero na temaacutetica no processo da parturiccedilatildeo O Nuacutecleo
atua em accedilotildees direcionadas agraves mulheres com abordagens que ultrapassam a dimensatildeo
bioloacutegica pois considera que as questotildees de gecircnero (cidadania empoderamento controle
social e poliacuteticas puacuteblicas) constituem referenciais fundamentais no direcionamento de
atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres (LANDERDAHL et al 2011)
16
Consultando a literatura cientiacutefica percebeu-se a ausecircncia de estudos culturais com
mulheres fora do periacuteodo graviacutedico puerperal e em cenaacuterios que natildeo sejam em maternidades
eou hospital
Alinhando-se nos argumentos acima descritos este estudo fundamentou-se no
referencial teoacuterico metodoloacutegico da abordagem socioantropoloacutegica de Emily Martin que
propotildee uma anaacutelise do fenocircmeno do parto contrapondo a delimitaccedilatildeo deste ao campo da
reproduccedilatildeo mecanicista e biomeacutedica buscando entendecirc-lo como componente essencial das
mulheres no sentido de desnaturalizar verdades muito caras vinculadas agraves concepccedilotildees
modernas de natureza e cultura Dessa forma o presente estudo traz reflexotildees que poderatildeo
repercutir na assistecircncia de enfermagem prestada agrave mulher durante o periacuteodo da parturiccedilatildeo
uma vez que auxilia na compreensatildeo das necessidades de cuidado com as parturientes a partir
da percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto e o nascimento
Com base nessas consideraccedilotildees a questatildeo norteadora de pesquisa que impulsiona
este estudo estaacute embasada no seguinte questionamento qual a participaccedilatildeo da cultura nos
saberes e as praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeo
Para responder a esta questatildeo foi definido como objetivo compreender de que forma
a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo da mulher
17
2 FUNDAMENTACcedilAtildeO TEOacuteRICA
Este capiacutetulo enfoca as poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e
nascimento no Brasil bem como discute sobre parto e cultura baseando-se sobretudo nos
estudos realizados pela antropoacuteloga Emily Martin
21 Poliacuteticas puacuteblicas de atenccedilatildeo agrave sauacutede das mulheres e ao parto e nascimento no Brasil
O movimento feminista tem desempenhado um papel fundamental como instigador de
programas e poliacuteticas para as mulheres no paiacutes e sido entendido como foacuterum de debate das
questotildees da sauacutede qualidade de vida e condiccedilatildeo de cidadania feminina
Em 1974 foi implantado pelo governo o Programa de Sauacutede Materno-Infantil-PSMI
(MS74) como recomendaccedilatildeo do Plano Decenal de Sauacutede para as Ameacutericas e resultante da III
Reuniatildeo Especial de Ministros de Sauacutede das Ameacutericas que se realizou em Santiago de Chile
em 1972 Enfatizou-se nessa recomendaccedilatildeo
Formular uma poliacutetica intersetorial de proteccedilatildeo agrave famiacutelia agrave maternidade e agrave infacircncia
[] O programa de sauacutede e atenccedilatildeo meacutedica deveraacute ter cobertura universal
eficiecircncia operativa e acessibilidade geograacutefica institucional e financeira []
Elaborar o programa como um todo contiacutenuo que incluam as diversas atividades de
proteccedilatildeo agrave famiacutelia e em especial agrave matildee e a crianccedila orientaccedilatildeo agrave vida familiar (com
ecircnfase agrave adolescecircncia) atenccedilatildeo agraves doenccedilas ginecoloacutegicas (incluindo as veneacutereas)
diagnoacutestico precoce do cacircncer ceacutervico-uterino e do cacircncer de mama outorgar as
famiacutelias (quando isto natildeo se oponha agraves poliacuteticas nacionais) informaccedilatildeo e serviccedilo
com relaccedilatildeo agrave fertilidade e agrave esterilidade atenccedilatildeo meacutedica integral durante a gestaccedilatildeo
(matildee e feto) atenccedilatildeo ao parto e no puerpeacuterio controle do receacutem-nascido e da
crianccedila durante todas as etapas da vida especificamente no primeiro ano de vida
(OPAS 1973 p39-42)
Com isso o governo brasileiro registrou o interesse em trabalhar com o diagnoacutestico
precoce e o tratamento das doenccedilas ginecoloacutegicas incluindo as doenccedilas sexualmente
transmissiacuteveis e o cacircncer Somente no ano de 1977 a preocupaccedilatildeo eacute dirigida com mais
especificidade agrave gestaccedilatildeo ao parto e ao puerpeacuterio (TYRREL CARVALHO 1995)
O Ministeacuterio da Sauacutede (MS) em 1984 em conjunto com o Ministeacuterio da Previdecircncia e
a Assistecircncia Social o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e as Secretarias Estaduais de Sauacutede e com o
apoio do movimento de mulheres implantou o Programa de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da
Mulher (PAISM)
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Esse programa eacute considerado um marco na histoacuteria das poliacuteticas puacuteblicas voltadas para
a sauacutede feminina e ateacute hoje eacute inspiraccedilatildeo e referecircncia na luta pela equidade de gecircnero
divulgando a importacircncia de se estabelecer um programa especiacutefico dirigido agrave mulher e de se
enfatizar certas atividades prioritaacuterias que natildeo deve ser interpretado como uma subestimaccedilatildeo
aos demais serviccedilos que a rede baacutesica deve executar mas deve ser adotado sobretudo como
estrateacutegia de mudanccedila seletiva de recursos que permitam a operacionalizaccedilatildeo de conteuacutedos de
grande prioridade vinculados agrave populaccedilatildeo feminina em todas as fases de sua vida e que
vinham sendo ateacute entatildeo negligenciados (BRASIL l984)
Em 2004 o programa foi transformado na Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave
Sauacutede da Mulher (MS 2004) cujo objetivo especiacutefico trecircs indica para o dever de se promover
a atenccedilatildeo obsteacutetrica e neonatal qualificada e humanizada tendo como combate agrave violecircncia de
gecircnero enfatizando a importacircncia do empoderamento das mulheres para o exerciacutecio da
autonomia e protagonismo no parto
A Poliacutetica Nacional de Humanizaccedilatildeo (MS 2004) implementada no mesmo ano
enfoca tambeacutem o respeito agraves questotildees de gecircnero etnia raccedila orientaccedilatildeo sexual com a
construccedilatildeo de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos
A I Conferecircncia Nacional de Poliacuteticas para as mulheres realizada em julho de 2004
foi muito importante na afirmaccedilatildeo dos direitos da mulher Desse evento resultou o I Plano
Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres em que foram traccediladas 4 linhas de atuaccedilatildeo sendo
uma delas a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres o que
contribui reduccedilatildeo da morbidade e mortalidade feminina no Brasil especialmente por causas
evitaacuteveis em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais (BRASIL 2005)
Corroborando esta afirmativa o II Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres
(2008) em seu eixo sobre a sauacutede das mulheres direitos sexuais e direitos reprodutivos
postula que natildeo deve haver discriminaccedilatildeo de qualquer espeacutecie contra as mulheres
resguardando-se as identidades condiccedilotildees socioeconocircmicas e as desigualdades de gecircnero
raccedilaetnia geraccedilatildeo e orientaccedilatildeo sexual e necessitam ser consideradas na formulaccedilatildeo na
implementaccedilatildeo e na avaliaccedilatildeo de estrateacutegias de intervenccedilatildeo governamentais
Desse modo particularizar a atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher significa apenas um passo no
sentido de aumentar a capacidade resolutiva dos serviccedilos de sauacutede uma vez que haacute o desafio
de dar uma resposta efetiva aos problemas de sauacutede deste grupo de sujeitos visto conforme
Resende e Montenegro (2003) que as trecircs principais causas de morte materna no Brasil satildeo a
toxemia a hemorragia e a infecccedilatildeo puerperal as quais poderiam na maior parte dos casos
serem prevenidas Esse dado justifica a preocupaccedilatildeo com tais cuidados
19
Um dos objetivos de desenvolvimento do milecircnio (IPEA 2007) eacute melhorar a sauacutede
materna (reduccedilatildeo de trecircs quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) Entretanto essa
meta do milecircnio dificilmente seraacute alcanccedilada pois grandes desafios ainda persistem a
exemplo da reduccedilatildeo das altas taxas de cesariana e nascimentos preacute-termo e no parto vaginal as
rotinas improacuteprias tais como episiotomia de rotina e intervenccedilotildees dolorosas ao bem-estar
materno e do bebecirc (THE LANCET 2011)
Para enfrentar esses desafios foi instituiacutedo pelo MS em 2000 o Programa de
Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento (PHPN) cujo objetivo primordial eacute ldquoassegurar a
melhoria do acesso da cobertura e da qualidade do acompanhamento preacute-natal da assistecircncia
ao parto e puerpeacuterio agraves gestantes e ao receacutem-nascido na perspectiva dos direitos de
cidadaniardquo (BRASIL 2000 p5) O Programa considera que a humanizaccedilatildeo da assistecircncia
obsteacutetrica e neonatal eacute a primeira condiccedilatildeo para o adequado acompanhamento do parto e do
puerpeacuterio (BRASIL 2000b)
A implementaccedilatildeo das accedilotildees desse programa enfrenta ainda muitos entraves
identificados e categorizados em um estudo de revisatildeo sistemaacutetica de Busanello et al (2009)
Citam-se a dificuldade de acesso aos serviccedilos de sauacutede a falta de leitos a deficiecircncia de
recursos humanos financeiros e materiais a atenccedilatildeo centrada na praacutetica intervencionista
desconsiderando o protagonismo da mulher no momento do parto e o despreparo dos
profissionais de sauacutede para a atenccedilatildeo humanizada no processo de parturiccedilatildeo sendo esta
categoria destacada como importante desafio enfrentado para concretizaccedilatildeo do PHPN
Nesse sentido o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e Nascimento - MS tem
recomendado aos serviccedilos de sauacutede que ofereccedilam uma assistecircncia digna agrave mulher aos
familiares e ao receacutem-nascido envolvendo para tanto atitude eacutetica e solidaacuteria dos
profissionais de sauacutede organizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo de modo a criar um ambiente acolhedor e a
implementaccedilatildeo de rotinas hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto agrave
mulher Considera-se tambeacutem necessaacuterio adotar medidas e procedimentos sabidamente
beneacuteficos para o acompanhamento do parto e do nascimento evitando-se praacuteticas
intervencionistas desnecessaacuterias (BRASIL 2000b)
Seguindo essa loacutegica o Ministeacuterio da Sauacutede tem realizado um conjunto de accedilotildees
atraveacutes de portarias ministeriais com a finalidade de estimular e regularizar a assistecircncia
obsteacutetrica aleacutem de financiar a realizaccedilatildeo de cursos de especializaccedilatildeo em enfermagem
obsteacutetrica (BRASIL 2001)
Assegura-se pela legislaccedilatildeo do exerciacutecio profissional regulamentada pela lei n
749886 e o Decreto-Lei 9440687 o direito de a enfermeira obstetra realizar assistecircncia agrave
20
parturiente e ao parto normal identificaccedilatildeo das distocias obsteacutetricas e tomada de providecircncias
ateacute a chegada do meacutedico e a realizaccedilatildeo de episiotomia e episiorrafia e aplicaccedilatildeo de anestesia
local quando necessaacuteria
Outras atribuiccedilotildees realizadas pela enfermeira obsteacutetrica que vem ganhando espaccedilo no
cenaacuterio nacional satildeo as accedilotildees de incentivo ao parto normal e as accedilotildees no atendimento preacute-
natal no qual a enfermeira eacute responsaacutevel pela educaccedilatildeo em sauacutede para as mulheres e suas
famiacutelias consulta de preacute-natal agrave gestaccedilatildeo de baixo risco solicitaccedilatildeo de exames de rotina e
prescriccedilatildeo de tratamento conforme protocolo do serviccedilo e estabelecidos em programas de
sauacutede e coleta de exame citopatoloacutegico (BRASIL 2006b)
Concorrendo nessa orientaccedilatildeo a atuaccedilatildeo da enfermeira obstetra eacute reconhecida como
primordial no processo de humanizaccedilatildeo do parto tendo como objetivo a reduccedilatildeo dos altos
iacutendices de cesaacutereas praticadas e a alta medicalizaccedilatildeo decorrentes do intervencionismo por
parte dos meacutedicos obstetras (BRASIL 2001)
Buscando proporcionar conhecimento agrave sociedade e particularmente esclarecer os
profissionais de sauacutede a OMS elaborou em 1996 um conjunto de recomendaccedilotildees de boas
praacuteticas na assistecircncia ao parto normal Essas recomendaccedilotildees foram classificadas em quatro
categorias Categoria A - praacuteticas confirmadamente uacuteteis e que devem ser estimuladas
Categoria B - praacuteticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas
Categoria C - praacuteticas em relaccedilatildeo agraves quais natildeo existem evidecircncias suficientes para apoiar uma
recomendaccedilatildeo clara e que devem ser utilizadas com cautela ateacute que mais pesquisas
esclareccedilam a questatildeo e Categoria D - praacuteticas frequentemente utilizadas de modo inadequado
(OMS 1996) Dentre estas categorias destacam-se neste estudo as recomendaccedilotildees que foram
classificadas como praacuteticas uacuteteis e que devem ser estimuladas
Nessa direccedilatildeo o Ministeacuterio da Sauacutede implantou medidas que visam impactar e
estimular a melhoria da assistecircncia obsteacutetrica no paiacutes e humanizar o parto e nascimento
(BRASIL 2001)
Para Martins (2005) humanizar a parturiccedilatildeo eacute estar com o outro e prestar um
atendimento focado em suas necessidades eacute lembrar que no momento do parto estaacute
ocorrendo a separaccedilatildeo de dois corpos que ateacute entatildeo viviam juntos um dentro do outro em
relaccedilatildeo de dependecircncia e de iacutentimo contato
Segundo o Ministeacuterio da Sauacutede (2001) os profissionais de sauacutede devem ser
coadjuvantes dessa experiecircncia direcionando toda atenccedilatildeo agraves necessidades da mulher e
oportunizando-lhe o protagonismo e o controle da situaccedilatildeo na hora do nascimento
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Os profissionais tambeacutem devem repassar para a mulher as opccedilotildees de escolha baseados
nas evidecircncias cientiacuteficas e nos seus direitos tendo a oportunidade de empregar seu
conhecimento a serviccedilo do bem-estar da mulher e do bebecirc sabendo reconhecer os momentos
criacuteticos em que suas intervenccedilotildees satildeo necessaacuterias
Igualmente seus deveres satildeo minimizar a dor acompanhar dar conforto esclarecer
orientar enfim ajudar a parir e a nascer Precisam lembrar que satildeo os primeiros a ter contato
com cada ser que nasce e portanto devem ter consciecircncia dessa responsabilidade (BRASIL
2001)
No Brasil o movimento pela humanizaccedilatildeo do parto eacute impulsionado por experiecircncia
em vaacuterios estados Em 1994 surgiu no Rio de Janeiro a primeira maternidade puacuteblica
autodefinida como ldquohumanizadardquo que recebeu o nome de Leila Diniz (DINIZ 2005) Outro
marco em termos de poliacuteticas puacuteblicas do parto e nascimento foi a criaccedilatildeo do Precircmio Galba
Arauacutejo para Maternidades Humanizadas instituiacutedo pela portaria nordm 2883 de 4 de junho de
1998 (BRASIL 1998)
Os criteacuterios para a concessatildeo deste precircmio satildeo baseados na adesatildeo agraves recomendaccedilotildees
da OMS tais como a presenccedila de acompanhantes no preacute-parto parto e poacutes-parto a assistecircncia
aos partos de baixo risco por enfermeiras obstetras e o controle das taxas de cesaacuterea
(BRASIL 2000b)
Concedido a niacutevel estadual e nacional o precircmio Galba de Arauacutejo tem provocado
mobilizaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de Sauacutede que lutam em defesa dos direitos das mulheres e
crianccedilas e tem recebido a participaccedilatildeo de um nuacutemero crescente de serviccedilos a cada ediccedilatildeo
contribuindo para conferir legitimidade ao modelo humanizado (DINIZ 2005)
O Centro de Parto Normal-CPN foi outra iniciativa criada pela portaria nordm 985 de
agosto de 1999 que tem como finalidade o atendimento agrave mulher no periacuteodo graviacutedico-
puerperal tendo como uma das suas atribuiccedilotildees prestar atendimento humanizado e de
qualidade exclusivamente ao parto normal sem distoacutecia assistido por enfermeira obsteacutetrica
desenvolvendo atividades educativas e de humanizaccedilatildeo durante o preacute-natal visando agrave
preparaccedilatildeo das gestantes para o parto no CPN (BRASIL 1999)
A Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS) do Ministeacuterio da Sauacutede em janeiro
de 2008 atraveacutes da Resoluccedilatildeo Normativa nordm 167 reviu o Rol de Procedimentos e Eventos em
Sauacutede e ampliou as coberturas para as beneficiaacuterias de planos de sauacutede A partir de abril de
2008 deu-se a inclusatildeo na cobertura dos partos feitos por enfermeira obstetras e a presenccedila de
um acompanhante durante toda a estada da mulher no hospital desde o momento do parto ateacute
a sua alta (ANS 2008b)
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Destaca-se tambeacutem que a partir do ano de 2005 a lei nordm 11108 passou a garantir agraves
parturientes o direito agrave presenccedila de acompanhante de sua preferecircncia durante o trabalho de
parto parto e poacutes-parto Outra iniciativa lanccedilada pela ANS na tentativa de estimular o
aumento de partos normais e modificar os altos iacutendices de cesarianas desnecessaacuterias na rede
privada foi a campanha em favor do parto normal intitulada Parto normal estaacute no meu
plano (ANS 2008a)
Em junho de 2008 foi divulgada a Resoluccedilatildeo RDC 36 da Agecircncia Nacional de
Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) a qual preconiza que os serviccedilos de atendimento obsteacutetrico e
neonatal devem adotar medidas que incentivem o parto humanizado e a reduccedilatildeo dos iacutendices
de mortalidade materna e neonatal no paiacutes (BRASIL 2008b)
Tambeacutem devido a algumas maternidadeshospitais estarem fazendo uma cobranccedila
indevida para a presenccedila do acompanhante na sala de parto destinada a cobrir os gastos com a
limpeza e higienizaccedilatildeo das roupas ciruacutergicas e o uso de maacutescaras e toucas descartaacuteveis
utilizadas pelo acompanhante da gestante a ANS publicou em 02082011 a Resoluccedilatildeo
Normativa 262 (ANS 2011) Essa normativa define que as despesas a serem cobertas para o
acompanhante durante o preacute-parto parto e poacutes-parto imediato deve incluir taxas de
paramentaccedilatildeo acomodaccedilatildeo e alimentaccedilatildeo pelo periacuteodo de 48h podendo se estender por ateacute
10 dias quando indicado pelo meacutedico assistente (DOU 2011)
Em junho de 2011 foi instituiacuteda a iniciativa da Rede Cegonha atraveacutes da portaria nordm
1459 de 24 de junho de 2011 no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede com o intuito de
fomentar a implementaccedilatildeo de novo modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede da mulher com foco na
atenccedilatildeo ao parto
Esta poliacutetica tendo como princiacutepios o respeito a proteccedilatildeo e a realizaccedilatildeo dos direitos
humanos o respeito agrave diversidade cultural eacutetnica e racial a promoccedilatildeo da equidade com o
enfoque de gecircnero a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres
homens jovens e adolescentes a participaccedilatildeo e a mobilizaccedilatildeo com controle social e a
compatibilizaccedilatildeo com as atividades das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede materna e infantil em
desenvolvimento nos Estados (BRASIL 2011)
12 O parto e a cultura no processo da parturiccedilatildeo
Historicamente o parto jaacute foi vivenciado como um evento feminino no qual os
membros do grupo social da parturiente como a matildee familiares vizinhas auxiliavam-na
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juntamente agrave parteira que tinha seus conhecimentos fundamentados na praacutetica e na
acumulaccedilatildeo de saberes passados tradicionalmente de geraccedilatildeo para geraccedilatildeo (SANTOS 2002)
No entanto no seacuteculo XVIII na Europa o parto passou por um processo de
transformaccedilatildeo principalmente devido agrave influecircncia biomeacutedica masculina De um evento
feminino domiciliar e fisioloacutegico passa a ser patoloacutegico e institucionalizado dominado por
uma praacutetica intervencionista e hospitalocecircntrica da qual a mulher perdeu seu protagonismo
(SANTOS 2002)
A percepccedilatildeo da dor no parto eacute considerada como um dos motivos que influenciam a
mulher em sua preferecircncia pela cesaacuterea e estaacute profundamente arraigada no imaginaacuterio
popular como um evento associado agrave purgaccedilatildeo feminina Relaciona-se neste sentido agrave
citaccedilatildeo do Livro Biacuteblico de Gecircnesis que se refere agrave Eva como o primeiro ser humano que
pecou e acabou por corromper o resto da humanidade com sua transgressatildeo ouvindo de Deus
ldquoe tu mulher pariraacutes com dor os teus filhosrdquo (TEIXEIRA 2006)
A ideacuteia de que a mulher deve pagar no parto por seus pecados propagada pela
medicina e pela religiatildeo hegemocircnica contrapotildee-se agrave visatildeo do parto como um momento
prazeroso Esse sentido pode ser entendido como uma heresia e uma ameaccedila a um sistema de
crenccedilas que define o parto como um processo doloroso que faz mal agrave sauacutede e agrave sexualidade
feminina e que precisa ser controlado por aparatos meacutedicos (DINIZ 2011)
De acordo com Helman (2009) a dor e seus aspectos voluntaacuterios satildeo influenciados por
fatores sociais culturais e psicoloacutegicos que determinam se a dor privada seraacute traduzida e em
que tipo de comportamento quando for puacuteblica Isso estaacute muito imbricado ao significado
pessoal de que a mulher atribui agrave dor do parto ao contexto de vida em que estaacute inserida agraves
definiccedilotildees culturais da imagem corporal da estrutura e funccedilotildees do seu corpo
Ressalta-se nessa direccedilatildeo que a posiccedilatildeo das mulheres frente ao processo de
medicalizaccedilatildeo natildeo foi propriamente a de viacutetima As mulheres de classe mais alta natildeo mais
aceitavam sentir a dor do parto e natildeo desejavam correr mais riscos aleacutem de o ato de parir com
a assistecircncia de um meacutedico significar maior poder aquisitivo de seus maridos Com isso a
consolidaccedilatildeo do processo de medicalizaccedilatildeo e hospitalizaccedilatildeo do parto acontece em meados do
seacuteculo XX motivada por tais condiccedilotildees (VARGENS PROGIANTI 2004)
No Brasil o processo de institucionalizaccedilatildeo do parto isto eacute a ocorrecircncia dos partos
dentro de instituiccedilotildees hospitalares deu-se ao longo da deacutecada de 40 com o advento da
medicina preventiva cujo objetivo principal era reduzir a mortalidade infantil Somente mais
tarde a partir da deacutecada de 80 passou-se a justificar o processo de medicalizaccedilatildeo do parto
por meio da recorrecircncia das cesarianas para reduzir a mortalidade materna (BRASIL 2001)
24
Os meacutedicos natildeo acostumados ao acompanhamento de fenocircmenos fisioloacutegicos foram
instruiacutedos a intervir resolver casos complicados e ditar ordens O parto passou entatildeo a ser
visto como um ato ciruacutergico e a mulher parturiente sendo tratada como enferma foi
impedida de seguir seus instintos e de adotar a posiccedilatildeo mais cocircmoda e fisioloacutegica (BRASIL
2001)
Privada do direito baacutesico de escolha e autonomia no nascimento do proacuteprio filho deu-
se iniacutecio agrave era do parto medicalizado no qual a matildee deixa de ser a protagonista do processo
cedendo seu lugar agrave equipe meacutedica que passa a ser o centro da cena Diversas repercussotildees
advecircm desta mudanccedila As posiccedilotildees verticalizadas que ao longo dos milecircnios foram as mais
usadas pelas mulheres em todas as raccedilas e culturas passaram a ser negadas agraves parturientes
pelos meacutedicos (MACHADO 1995)
A posiccedilatildeo assumida pela parturiente e a sua livre movimentaccedilatildeo passaram a ser
praticamente negligenciadas por profissionais alinhados agrave praacutetica ocidental moderna na qual
a mulher em trabalho de parto manteacutem-se deitada horizontalmente ou em uma posiccedilatildeo semi
inclinada para conveniecircncia da equipe obsteacutetrica na aplicaccedilatildeo dos soros monitores e
anesteacutesicos Evidecircncias de estudos etnograacuteficos realizados atualmente mostram que as
mulheres que natildeo satildeo expostas a essas rotinas assumem posiccedilotildees verticais no trabalho de
parto e no parto (BALASKAS 2008)
Balaskas (2008) reforccedila ainda que um parto ativo eacute uma atitude mental de crenccedila na
natureza do processo do parto e o modo como a mulher segue a loacutegica de seus instintos e da
sua fisiologia eacute uma forma de manifestar que estaacute no controle do seu corpo durante o trabalho
de parto e nascimento e que natildeo eacute um mero objeto de intervenccedilatildeo da equipe obsteacutetrica Os
significados culturais dados aos fenocircmenos fisioloacutegicos psicoloacutegicos e sociais de uma
sociedade refletem o comportamento das pessoas e ateacute a forma de desenvolvimento poliacutetico
econocircmico de dada sociedade (HELMAN 2009)
13 Referencial teoacuterico de Emily Martin sobre o parto e cultura
Segundo a antropoacuteloga Emily Martin (2006) a metaacutefora do uacutetero como maacutequina teve
iniacutecio no decorrer dos seacuteculos XVII e XVIII nos hospitais franceses Esta metaacutefora compara
o uacutetero a uma bomba mecacircnica capaz de expelir o feto Importante assinalar que nesta eacutepoca
que o foacuterceps era instrumento utilizado por accedilougueiros barbeiros falidos cujo status social
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era equivalente ao de um mecacircnico De acordo com Vieira (2002) as regulamentaccedilotildees para
partejar exigiam que esses homens fossem chamados pelas parteiras para manipular os
instrumentos
A partir do seacuteculo XIX a ideologia de produccedilatildeo das faacutebricas torna-se tatildeo abrangente
que ldquochegardquo aos corpos das mulheres os quais passam a ser vistos nos textos de obstetriacutecia
como faacutebricas para a produccedilatildeo de bebecircs Martin (2006) propotildee utilizar esta metaacutefora de
produccedilatildeo fabril para entender o processo de trabalho em que meacutedico e a mulher estatildeo
envolvidos
Nesta metaacutefora segundo a autora acrescenta-se a figura do meacutedico no papel de
supervisor ou ateacute dono da faacutebrica e a mulher no papel de trabalhadora cuja maacutequina (uacutetero)
produz o produto (bebecirc) O olhar a partir de metaacuteforas de acordo com a pesquisadora
permite comparar as mesmas formas de controle e poder que ocorrem no acircmbito da produccedilatildeo
industrial ou seja de controlar os movimentos dos trabalhadores conforme a produccedilatildeo da
progressatildeo em periacuteodos especiacuteficos de tempo da maacutequina (uacutetero) para avaliar e controlar se
as contraccedilotildees uterinas satildeo eficientes ou ineficientes (MARTIN 2006)
A autora supracitada questiona o papel de passividade da mulher em relaccedilatildeo agraves
contraccedilotildees uterinas que consideradas pela ciecircncia meacutedica involuntaacuterias e inclusive
responsaacuteveis totais pela realizaccedilatildeo do parto Rezende e Montenegro (2003) comenta que no
periacuteodo expulsivo as contraccedilotildees satildeo realizadas com a glote fechada e com esforccedilos
respiratoacuterios verdadeiros chamados ldquopuxosrdquo Em nenhum momento foi mencionado que eacute a
parturiente que faz esse esforccedilo Outro exemplo de exclusatildeo do papel mulher em seu processo
de parto eacute o foco no feto conforme a citaccedilatildeo de Rezende e Montenegro (2003 p177) ldquono seu
transcurso atraveacutes do canal parturitivo impulsionado pela contratilidade uterina o feto eacute
compelido a executar certo nuacutemero de movimentos que se denominam mecanismo do partordquo
Assim sendo a metaacutefora utilizada por Martin (2006) desvela uma perspectiva que apresenta
as mulheres gestantes como ldquomateacuteria-primardquo para a produccedilatildeo de um ldquoprodutordquo
Nessa direccedilatildeo torna-se imprescindiacutevel para a produccedilatildeo de bebecircs perfeitos a
intervenccedilatildeo da cesaacuterea exigindo um miacutenimo de trabalho do uacutetero e da mulher atribuindo a
esse procedimento a imagem de ldquouacutenica graccedila salvadorardquo do bebecirc Este posicionamento
segundo a autora ignora o que talvez seja extremamente significante para a mulher e para seu
bebecirc ter a oportunidade de vivenciar o nascimento do seu filho (a) atraveacutes do seu proacuteprio
esforccedilo experimentando o protagonismo no seu parto e no nascimento da crianccedila
O mecanismo do parto conforme Rezende eacute o estudo da mecacircnica do parto o que
vem ao encontro da metaacutefora do uacutetero como maacutequina
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A cultura meacutedica segundo Martin (2006) seria um sistema cultural cujas ideais
sobressaem-se agrave cultura popular
A autora faz ainda referecircncia a textos em obstetriacutecia da Universidade Johns Hopkins
nos EUA que comprovam que causas externas podem interferir nas atividades uterinas e que
tais alteraccedilotildees emocionais da mulher quase natildeo satildeo levadas em consideraccedilatildeo na obstetriacutecia
tendo como consequecircncia o aval para intervenccedilotildees como amniotomias uso de ocitocina para
acelerar o trabalho de parto ou a utilizaccedilatildeo da cesariana considerando desnecessaacuterias as
contraccedilotildees (MARTIN 2006)
A participaccedilatildeo do meacutedico como promotor de uma cultura intervencionista foi
destacada em um estudo nacional realizado pela socioacuteloga americana Hopkins (2000) com
pueacuterperas de cliacutenicas privadas e puacuteblicas Segundo o estudo das mulheres que fizeram
cesariana trecircs em quatro das primiacuteparas do setor privado e oito em dez do setor puacuteblico
gostariam de ter tido partos vaginais Observou-se que o meacutedico obstetra promove os medos
nas gestantes em relaccedilatildeo ao parto e superestima a seguranccedila da cesariana em funccedilatildeo dos seus
interesses
Para Martin (2006) a alienaccedilatildeo e a condiccedilatildeo fragmentada constadas na linguagem e
de algumas mulheres satildeo descritas como uma autopercepccedilatildeo passiva sendo contrastadas com
discursos de mulheres que questionam se opotildeem rejeitam e reformulam suas formas de viver
e as maneiras como a sociedade poderia funcionar apresentando uma autopercepccedilatildeo que tenta
resistir agrave passividade
As mulheres que optam pelo parto domiciliar saem dessa passividade buscam outras
formas de serem ativas no seu parto e reivindicam seu espaccedilo no ato de parir questionando o
paradigma atual de assistecircncia ao parto preconizado nas instituiccedilotildees hospitalares (KRUNO
BONILHA 2004)
No estudo etnograacutefico realizado por Martin (2006) em Baltimore (EUA) encontra-se
a narrativa de uma mulher que resiste a essa maneira de fragmentaccedilatildeo exprimindo a sua
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo ao parto cesariano imposto pela conduta meacutedica A narradora conta
com raiva a sua experiecircncia com a cesariana por ter perdido a cena do nascimento devido agrave
limitaccedilatildeo e ao jejum impostos pela anestesia natildeo podendo realizar os primeiros cuidados do
seu bebecirc aleacutem da proibiccedilatildeo de se alimentar por horas e limitando-se a nutrientes para a
recuperaccedilatildeo mais eficaz da cirurgia
A necessidade de compreensatildeo do parto enquanto parte integrante da vida sexual
emocional e cultural da mulher eacute proposta por Odent (2000) como o entendimento das bases
fisioloacutegicas e a integraccedilatildeo entre diferentes momentos da vida Sua hipoacutetese eacute a de que o
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cuidado com o modo como nascemos e com a vinculaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc pode propiciar a
construccedilatildeo de uma sociedade mais amorosa menos destrutiva e de mais respeito pelos seres
humanos e pela natureza Esse paradigma holiacutestico tambeacutem referendado por Floyd (2004)
que destaca como elemento fundamental no processo do parto o contato das mulheres consigo
mesmas como um estado especial de consciecircncia similar agraves relaccedilotildees entre os estados
orgaacutesticos agrave oraccedilatildeo e agraves emoccedilotildees miacutesticas Nesse momento as funccedilotildees intelectuais
neocorticais devem estar colocadas em segundo plano proporcionando a expressatildeo de
funccedilotildees cerebrais mais instintivas caracteriacutesticas do parto e do aleitamento
Segundo Martin (2006) os esforccedilos para oferecer este novo paradigma que devolve agrave
mulher o controle do seu corpo no parto satildeo extraordinaacuterios O que natildeo deve permanecer
ainda que subliminarmente eacute a ideologia dominante de nossa sociedade na qual as mulheres
ao darem a luz de maneira mais aproximada do parto natural satildeo consideradas desprovidas de
cultura e consequentemente inferiores por aproximarem-se da natureza ldquoprimitivardquo como se
andassem para traacutes no tempo e na evoluccedilatildeo
Historicamente esta divisatildeo da cultura e da natureza fomentada pelos escritores do
seacuteculo XIX surgiu a partir do desenvolvimento das sociedades ocidentais e da
industrializaccedilatildeo sendo organizada em torno de dois mundos a esfera privada dentro de casa
que eacute evidenciada pertencente agrave mulher onde ocorrem funccedilotildees ditas ldquonaturaisrdquo e a esfera
puacuteblica fora de casa na qual os homens estatildeo em maior evidecircncia e onde se produz ldquoculturardquo
a qual eacute considerada atividade superior evidenciada aos homens e vista como dominante
(MARTIN 2006)
Essa forma de pensar relega a mulher ao domiacutenio do natural do inferior e da
domesticidade considera-a mais simples animalesca e livre de autocensuras Compreende
que haacute uma iniquumlidade entre natureza e cultura e que ao ldquosubmeterrdquo a mulher a fenocircmenos
totalmente naturais como o parto normal estamos reafirmando a concepccedilatildeo da mulher como
um ser mais primitivo que pertence somente agrave natureza (MARTIN 2006)
Reflete-se por outro lado de acordo com Gama (2009) que o modelo de organizaccedilatildeo
dos serviccedilos puacuteblicos e privados apresenta variaccedilotildees que produzem diferentes tipos de
assistecircncia e de relaccedilatildeo entre os profissionais de sauacutede e as usuaacuterias dando forma agraves
experiecircncias distintas entre as mulheres pesquisadas
Ao empreender uma criacutetica assentada nas relaccedilotildees de gecircnero Gama (2009) verificou
que o modelo de assistecircncia ao parto permanece submetendo quem deve ser sujeito e reproduz
o projeto da medicalizaccedilatildeo Isso reduz o campo da assistecircncia e inviabiliza um lugar de poder
diferenciado das usuaacuterias sendo a cesariana utilizada como um procedimento de alta
28
rentabilidade para a medicina obsteacutetrica privada conforme a citaccedilatildeo da antropoacuteloga Emily
Martin
Se a cesariana torna-se uma fonte de honoraacuterios mais altos para os meacutedicos e contas
hospitalares mais altas que o parto vaginal eacute de se esperar que encontremos mais
cesarianas sendo realizadas em mulheres no alto da escala de classe e raccedila
(MARTIN 2006 p 235)
Tal constataccedilatildeo justifica a demanda dos altos iacutendices de cesaacuterea no Brasil com a forma
como se organizou a assistecircncia obsteacutetrica e a formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede que
reproduzem no cotidiano esse sentido tecnoloacutegico do parto e do nascimento
Com a invasatildeo da tecnologia a mulher perdeu sua autonomia como protagonista uma
vez que no modelo intervencionista da atual assistecircncia obsteacutetrica ela tornou-se objeto da
accedilatildeo e vem perdendo o controle e a decisatildeo sobre o proacuteprio processo de parto e de
nascimento Essa realidade pode afetar profundamente as mulheres os bebecircs as famiacutelias e
produzir efeitos importantes e persistentes sobre a sociedade (DINIZ 2001)
Ratifica-se nas palavras de Dias (2008) que a perda do protagonismo da mulher no
cenaacuterio do parto reflete-se nos altos iacutendices de cesaacutereas nas uacuteltimas deacutecadas no Brasil Por
outro lado a mudanccedila no modelo de assistecircncia ao parto pode ser uma estrateacutegia promissora
para a reversatildeo desse quadro jaacute que os fatores associados agrave decisatildeo da cesariana independem
do desejo da mulher
A mudanccedila para outro modo de parir mais conectado com todas as forccedilas da vida e da
cultura das mulheres pode possibilitar a construccedilatildeo de um modelo humaniacutestico com vistas ao
holiacutestico e agrave expressatildeo de um tempo de uma cultura de um avanccedilo das praacuteticas obsteacutetricas
do parto com a convivecircncia de muacuteltiplos paradigmas da assistecircncia
29
2 CAMINHO METODOacuteLOGICO
21 Fundamentos metodoloacutegicos
A presente investigaccedilatildeo constitui-se como uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva
A pesquisa qualitativa abarca o universo de significados motivos aspiraccedilotildees crenccedilas valores
e atitudes o que corresponde a um espaccedilo mais profundo das relaccedilotildees (MINAYO 2004) A
metodologia qualitativa pode possibilitar aleacutem de uma interpretaccedilatildeo com lentes ampliadas do
objeto de estudo uma inserccedilatildeo na cultura do ldquooutrordquo (GEERTZ 1989)
Para Leopardi (2001) e Minayo (2008) o estudo qualitativo compreende a descriccedilatildeo e
a anaacutelise da realidade de diferentes maneiras para representar as experiecircncias do fenocircmeno
vivenciadas pelos indiviacuteduos Haacute uma implicaccedilatildeo entre o conhecimento sobre o mundo e os
sujeitos que o constroem numa relaccedilatildeo dinacircmica entre o sujeito e o objeto Logo a
interpretaccedilatildeo do fenocircmeno atribuindo-lhe significados faz parte do processo de
conhecimento tanto do sujeito pesquisador quanto dos atores pesquisados Eacute comumente
utilizada por pesquisadores sociais preocupados com a atuaccedilatildeo praacutetica (GIL 2007)
A pesquisa descritiva trabalha sobre dados ou fatos colhidos da proacutepria realidade do
indiviacuteduo ou de grupos e comunidades mais complexas Busca conhecer as diversas situaccedilotildees
e relaccedilotildees que ocorrem na vida social poliacutetica econocircmica e cultural principalmente nas
ciecircncias humanas e sociais objetivando abordar dados e problemas relevantes cujo registro
natildeo consta de documentos (CERVO BERVIAN DA SILVA 2007)
22 Os cenaacuterios do estudo
Esta pesquisa foi prevista inicialmente para ser somente desenvolvida na Unidade
Sanitaacuteria Kennedy (USK) no municiacutepio de Santa Maria - RS pelo fato de ser campo de aulas
praacuteticas e de estaacutegio supervisionado para os alunos do Curso de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) onde satildeo realizadas accedilotildees de promoccedilatildeo agrave sauacutedecidadania de
crianccedilas adolescentes mulheres e adultos A aacuterea de abrangecircncia da USK inclui dezoito vilas
30
compreendendo uma populaccedilatildeo de aproximadamente trinta mil habitantes Em relaccedilatildeo agrave
escolaridade os natildeo alfabetizados e os indiviacuteduos que possuem o primeiro grau incompleto
perfazem 83 da populaccedilatildeo A renda per capita de 58 das pessoas e ateacute um salaacuterio miacutenimo
e 27 recebem um a dois salaacuterios miacutenimos Esta regiatildeo ainda hoje caracteriza-se por um alto
iacutendice de desemprego criminalidade desnutriccedilatildeo doenccedilas infecto-contagiosas aleacutem da
precariedade de saneamento baacutesico e de habitaccedilatildeo (MONDARDO et al 1993)
Poreacutem devido a dificuldades de infra-estrutura na referida unidade foi solicitada
transferecircncia de campo da pesquisa para o Hospital Universitaacuterio de Santa Maria (HUSM)
atraveacutes de ementa ao Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) (Anexo B) estipulando como os locais de coleta os serviccedilos de ginecologia e
obstetriacutecia do hospital
As dificuldades encontradas foram inerentes ao objeto da pesquisa aleacutem de problemas
teacutecnico-administrativos na USK Os problemas de natureza e objeto concernem aos criteacuterios
de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos dada a ausecircncia de mulheres encaixadas em tais criteacuterios
no grupo de planejamento familiar na USK
Os problemas teacutecnico-administrativos foram relativos agrave infra-estrutura da USK que
estava funcionando em um local menor durante os procedimentos de reforma no preacutedio da
instituiccedilatildeo
Outras estrateacutegias foram realizadas na busca por sujeitos como a visita nos dias e
horaacuterios da consulta puericultura visando encontrar mulheres dentro dos criteacuterios que
viessem acompanhando os seus filhos na consulta contudo a tentativa natildeo obteve sucesso
pois era o grande nuacutemero de mulheres dentro dos criteacuterios de exclusatildeo neste caso pueacuterperas
O HUSM entatildeo foi o outro cenaacuterio escolhido para a coleta de dados que justificou-se
pela diversidade de serviccedilos de atendimento oferecidos a mulheres e de profissionais do sexo
feminino que laacute trabalham principalmente da enfermagem o que foi bastante significativa
para o estudo Solicitou-se entatildeo a autorizaccedilatildeo ao Departamento de Ensino e Pesquisa
(DEPE) do HUSM para realizaccedilatildeo da pesquisa neste serviccedilo e autorizada pelo CEP da UFSM
atraveacutes de emenda (Anexo B) para a ampliaccedilatildeo do cenaacuterio e do periacuteodo de coleta de dados
O HUSM eacute um hospital-ensino fundado no ano de 1970 que serve como base de
atendimento primaacuterio dos bairros que o cercam para o atendimento secundaacuterio agrave populaccedilatildeo
de Santa Maria e para o atendimento terciaacuterio da regiatildeo centro e fronteira gauacutecha O hospital
constitui-se como centro de ensino pesquisa e extensatildeo no acircmbito das Ciecircncias da Sauacutede
aleacutem de centro de programaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de accedilotildees voltadas agrave sauacutede das comunidades
local e regional Tambeacutem presta serviccedilos assistenciais em todas as especialidades meacutedicas
31
bem como serve de treinamento para alunos de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo em Medicina
Residecircncia Meacutedica e de graduaccedilatildeo em Enfermagem Farmaacutecia Fonoaudiologia e
Fisioterapia
Satildeo serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
a unidade de Internaccedilatildeo do Centro Obsteacutetrico situada no sub- solo do HUSM
provida de seis leitos de internaccedilatildeo para mulheres em trabalho de parto ou no poacutes-parto
quatro leitos de internaccedilatildeo poacutes-cesaacuterea trecircs leitos de observaccedilatildeo para o atendimento de
intercorrecircncias ginecoloacutegicas e agrave mulher viacutetima de violecircncia
a unidade de internaccedilatildeo Toco-ginecoloacutegica situada no 2ordm andar do HUSM
onde se atendem pueacuterperas gestantes de alto-risco e mulheres em tratamento ginecoloacutegico
Possui trinta e sete leitos dos quais onze satildeo destinados agrave cliacutenica ginecoloacutegica e vinte e seis agrave
obstetriacutecia
o ambulatoacuterio da ala II que eacute localizado no teacuterreo e atende consultas de preacute-
natal puerpeacuterio e ginecologia
Destaca-se que nas unidades referidas circula um grande nuacutemero de familiares do
sexo feminino que acompanham as gestantes pueacuterperas e as mulheres internadas para
tratamento ginecoloacutegico
23 Criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo dos sujeitos
Os criteacuterios de inclusatildeo foram mulheres que jaacute tiveram filhos por via vaginal ou
cesariana que natildeo estavam gestando nem eram puerpeacuteras e cujos partos ocorreram a partir do
ano de 2004 tendo como marco referencial o Programa de Humanizaccedilatildeo do Preacute-Natal e
Nascimento do Ministeacuterio da Sauacutede Este programa foi criado em 2000 pelo Ministeacuterio da
Sauacutede mas implantado em todos os municiacutepios do Rio Grande do Sul somente em 2004
Foram considerados como criteacuterios de exclusatildeo mulheres nuliacuteparas mulheres
gestantes e pueacuterperas uma vez que o processo de parturiccedilatildeo ocorrendo em periacuteodo proacuteximo
ou concomitante agrave entrevista poderia influenciar nas respostas devido mais a aspectos
fisioloacutegicos e emocionais relacionados agrave dor do parto do que por aspectos culturais
32
24 Caracterizaccedilatildeo das participantes
Este estudo foi realizado com oito mulheres em idade feacutertil com histoacuteria pregressa de
parto vaginal ou cesariano quatro mulheres foram captadas na USK e quatro no HUSM
Foram convidadas para entrevistas mulheres que buscavam o atendimento no programa de
planejamento familiar da USK mulheres que buscavam o atendimento no HUSM nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia e mulheres que estavam no momento da entrevista nos
serviccedilos de ginecologia e obstetriacutecia do HUSM
Para finalizaccedilatildeo da coleta foi utilizado o criteacuterio de saturaccedilatildeo de dados por
reincidecircncia ou seja quando da repeticcedilatildeo dos dados a coleta foi entendida como satisfatoacuteria
e entatildeo suspensa (VIacuteCTORA KNAUTH HASSEN 2000)
As participantes do estudo foram identificadas pela letra M de mulher e um nuacutemero
escolhido por ordem de entrevista (M1-M8) sendo caracterizadas no que se refere aos
aspectos soacutecio-culturais de idade estado civil escolaridade regiatildeo de moradia nuacutemero de
filhos ocupaccedilatildeo e tipo de parto vivenciado conforme descrito abaixo
Mulher 1 - 34 anos 2ordf grau completo casada teacutecnica de enfermagem Com quatro
filhos nascidos de partos normais
Mulher 2 - 24 anos 1ordm grau completo diarista casada Com uma filha tem uma
cesaacuterea
Mulher 3 - 28 anos 2ordf grau completo teacutecnica de enfermagem solteira uniatildeo estaacutevel
Com um filho nascido de parto normal
Mulher 4 - 22 anos 2ordf grau incompleto solteira operadora de caixa de supermercado
Com um filho fez uma cesaacuterea
Mulher 5 - 32 anos 1ordm grau completo do lar casada Com um filho nascido de parto
normal e o outro fez uma cesaacuterea
Mulher 6 - 35 anos 3ordm grau completo enfermeira casada Com dois filhos fez duas
cesaacutereas
Mulher 7- 28 anos 1ordm grau completo empregada domeacutestica uniatildeo estaacutevel Tem quatro
filhos nascidos de partos normal
Mulher 8 - 27 anos 2ordf grau imcompleto dona de casa divorciada Com quatro filhos
fez quatro cesaacutereas
Todas estavam na faixa etaacuteria entre 22 e 35 anos Quanto ao estado civil seis satildeo
casadas uma divorciada e uma solteira poreacutem com uniatildeo estaacutevel no momento da entrevista
33
O niacutevel de escolaridade apresentou trecircs mulheres com ensino meacutedio completo uma
com incompleto trecircs com ensino fundamental completo e uma com curso superior
Todas as participantes satildeo moradoras da zona urbana do municiacutepio
Quanto ao nuacutemero de filhos o grupo em estudo tem uma meacutedia de 2 filhos sendo que
a menor e a maior prole foi de 1 e de 4 filhos respectivamente
Quanto agrave ocupaccedilatildeo das entrevistadas duas satildeo donas de casa duas teacutecnicas de
enfermagem uma enfermeira duas empregadas domeacutesticas e uma operadora de caixa de
supermercado
O tipo de parto de maior incidecircncia vivenciado pelas mulheres foi o parto normal
num total de dez e o total de cesaacutereas foram nove
25 Inserccedilatildeo em campo
Inicialmente na USK foram contatadas mulheres que participavam dos grupos de
planejamento familiar e que compareciam nos dias preacute-estabelecidos para a dispensa dos
meacutetodos anticoncepcionais No HUSM a busca de sujeitos estendeu-se agraves diferentes unidades
de atendimento gineco-obsteacutetrico mulheres acompanhantes e mulheres que trabalham nestas
unidades e que atendiam aos criteacuterios de inclusatildeo
Tanto na USK quanto no HUSM as mulheres foram selecionadas por meio de contato
direto com a pesquisadora na sala de espera das referidas unidades ou quando estavam
acompanhando a sua familiar durante a internaccedilatildeo no HUSM
Como havia entre as participantes funcionaacuterias do serviccedilo que atendiam aos criteacuterios
de inclusatildeo dos sujeitos estas profissionais foram convidadas e as entrevistas realizadas
durante o intervalo do horaacuterio de trabalho Algumas entrevistas foram realizadas no domiciacutelio
das participantes e outras na proacutepria unidade de sauacutede e unidades do HUSM em uma sala
reservada
26 Coleta de dados
Para a obtenccedilatildeo da coleta de dados utilizou-se como instrumento uma entrevista semi-
estruturada contendo questotildees fechadas para a caracterizaccedilatildeo do grupo em estudo e questotildees
abertas que possibilitaram o aprofundamento dos dados e a obtenccedilatildeo de respostas
34
relacionadas agrave vivecircncia das pessoas A coleta de dados foi entre janeiro e marccedilo de 2011 A
entrevista foi gravada em MP3 e posteriormente transcrita na iacutentegra pela pesquisadora de
forma literal A entrevista aberta eacute aquela em que o informante aborda livremente o tema
proposto com pergunta previamente formulada e que possibilita descrever sua vivecircncia de
forma retrospectiva sem repressatildeo de seu pensamento Propicia coletar material
extremamente rico para anaacutelise e contribui para o trabalho de pesquisa em andamento
(MINAYO 2000) Como estrateacutegia de compreensatildeo da realidade sua principal funccedilatildeo eacute
retratar as experiecircncias vivenciadas bem como as definiccedilotildees fornecidas por pessoas grupos
ou organizaccedilotildees (MINAYO 2000)
As entrevistas foram previamente agendadas por meio de contato pessoal sendo
marcados data local e horaacuterio que melhor conviessem agraves entrevistadas evitando interrupccedilotildees
constrangimentos de modo a lhes permitir sentir-se agrave vontade
27 Anaacutelise dos dados
Em posse dos dados coletados estes foram objeto da investigaccedilatildeo de acordo com a
anaacutelise temaacutetica de Minayo (2008) Tal anaacutelise consiste em descobrir os nuacutecleos de sentidos
que constituem uma comunicaccedilatildeo em que sua frequecircncia ou presenccedila revela algum
significado para o objeto analiacutetico Por conseguinte para analisar significados de um
determinado depoimento o surgimento de determinados temas denota estruturas de
relevacircncia valores de referecircncia e modelos de comportamento que podem estar ocultos no
discurso (MINAYO 2008)
Considera-se que a compreensatildeo e a interpretaccedilatildeo das entrevistas nas pesquisas
qualitativas natildeo se realizam em um soacute momento pois acontecem no decorrer da proacutepria coleta
e anaacutelise dos dados quando o pesquisador interage com os sujeitos do estudo na transcriccedilatildeo
das entrevistas e particularmente nas leituras e na organizaccedilatildeo das informaccedilotildees Poreacutem para
uma melhor sistematizaccedilatildeo e compreensatildeo deve-se seguir um percurso ordenado para que se
possa igualmente apreender o conjunto dos significados contidos nos depoimentos dos
entrevistados
Minayo (2008) descreve seguindo Bardin (1977) que essa ordenaccedilatildeo da anaacutelise
temaacutetica segue a sequecircncia de trecircs etapas quais sejam preacute-anaacutelise a exploraccedilatildeo do material e
o tratamento dos resultados obtidos e interpretaccedilatildeo
35
Neste estudo a etapa de preacute-anaacutelise compreendeu a interpretaccedilatildeo do material que se
deu a partir dos questionamentos do investigador Essa etapa consistiu em trecircs tempos o
primeiro chamado de leitura flutuante entendido como a leitura exaustiva das informaccedilotildees do
material de campo periacuteodo de impregnaccedilatildeo do conteuacutedo pelo investigador Jaacute o segundo
tempo foi a Constituiccedilatildeo do ldquoCorpusrdquo no qual se buscou verificar se o material coletado
abrangia regras de eficaacutecia qualitativa tais como exaustividade representatividade
homogeneidade e pertinecircncia Em relaccedilatildeo ao terceiro tempo este perpassou a Formulaccedilatildeo e a
Reformulaccedilatildeo de Hipoacuteteses e Objetivos que baseou-se no retorno a etapa exploratoacuteria de
revisatildeo das hipoacuteteses com intuito de corrigir erros de interpretaccedilatildeo e de ampliar o leque de
indagaccedilotildees para identificar o que surge de relevante para posterior construccedilatildeo de temas ou
categorias de anaacutelise
A segunda etapa da anaacutelise temaacutetica consistiu na Exploraccedilatildeo do Material que se
delineou basicamente nas categorias especiacuteficas que abrangeram elementos ou aspectos de
caracteriacutesticas comuns ou que se relacionavam entre si
A terceira etapa constituiu o Tratamento dos Resultados Obtidos e a Interpretaccedilatildeo
Nesse momento realizaram-se inferecircncias sendo realizada a articulaccedilatildeo entre as informaccedilotildees
aqui construiacutedas e os referenciais teoacutericos de estudos jaacute publicados respondendo agrave questatildeo da
pesquisa com base em seus objetivos
28 Questotildees eacuteticas
Para a realizaccedilatildeo de todas as atividades da pesquisa atentou-se para os criteacuterios eacuteticos
e os princiacutepios bioeacuteticos da voluntariedade da autonomia da beneficecircncia da natildeo-
maleficecircncia e da justiccedila que fundamentam a Resoluccedilatildeo nordm 19696 do Conselho Nacional de
Sauacutede o qual prescreve a eacutetica na pesquisa com seres humanos (BRASIL 1996)
O projeto foi registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Ciecircncias da Sauacutede
sendo solicitada autorizaccedilatildeo para o desenvolvimento da pesquisa ao Secretaacuterio Municipal de
Sauacutede e a Direccedilatildeo de Ensino e Pesquisa do HUSM (DEPE) Em um segundo momento foi
encaminhado para a anaacutelise do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSM
(CEP) com a devida documentaccedilatildeo solicitada assinada pelo responsaacutevel legal da instituiccedilatildeo e
pela pesquisadora Apoacutes a aprovaccedilatildeo do CEP foi realizada a etapa de campo da pesquisa
36
Os sujeitos foram informados dos detalhes da pesquisa objetivos e produccedilatildeo de dados
Para tanto antes da realizaccedilatildeo da entrevista foi lido com os sujeitos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apecircndice B) que concordando com este
optaram por assinaacute-lo O TCLE foi redigido em duas vias uma para a participante e outra
para a pesquisadora Da mesma forma foi redigido o Termo de Confidencialidade o qual
descreve o compromisso das pesquisadoras em relaccedilatildeo agraves informaccedilotildees que soacute poderatildeo ser
divulgadas de forma anocircnima e mantidas em Compact Disc (CD) por um periacuteodo de 5
(cinco) anos sob a sua inteira responsabilidade Apoacutes este periacuteodo ficou acordado que os
dados gravados seratildeo destruiacutedos Destaca-se que o compromisso em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do
sigilo da identidade dos sujeitos durante todas as etapas da pesquisa mesmo com a
divulgaccedilatildeo dos seus resultados sob qualquer forma foi observado sendo utilizado o sistema
de identificaccedilatildeo alfanumeacuterico
Foram ressaltadas a liberdade da participaccedilatildeo espontacircnea e o direito de desistecircncia por
parte das participantes a qualquer momento da pesquisa a fim de se evitar riscos agrave dimensatildeo
fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da pesquisa com a
garantia dos princiacutepios de beneficecircncia e natildeo-maleficecircncia No entanto foi exposto que o
momento da entrevista poderia trazer algumas lembranccedilas questionamentos eou conflitos agrave
dimensatildeo emocional pelo fato de que o sujeito iria refletir sobre o seu cotidiano e suas
vivecircncias Caso isto acontecesse poderia ser indicada uma consulta se assim a participante
desejasse com profissional qualificado do serviccedilo da aacuterea de sauacutede mental do Hospital
Universitaacuterio de Santa Maria previamente contatado
37
3 ANAacuteLISE E DISCUSSAtildeO DOS DADOS
O parto institucionalizado vem sendo apresentado agraves mulheres como um periacuteodo
essencialmente meacutedico que traz consigo as referecircncias de um periacuteodo patoloacutegico e
medicalizado Em consequumlecircncia disso a abordagem sob a perspectiva bioloacutegica pode reduzi-
lo e suprimir a revelaccedilatildeo dos diferentes acircngulos e facetas do universo cultural e social da
parturiente Em virtude disso este estudo fundamentou-se em conceitos socioculturais e natildeo
apenas nos meacutedico-cientiacuteficos Salienta-se que natildeo se pretende abolir os conceitos
biomeacutedicos mas antes entendecirc-los como apenas uma dentre as vaacuterias formas de abordagem
do nascimento
Monticelli (1996) aborda essa questatildeo ao confirmar que a enfermagem quando age
contextualizada dentro desta perspectiva propicia o compartilhamento de saberes e praacuteticas
evitando posturas etnocecircntricas simplistas ou puramente biologicistas sobre o processo da
parturiccedilatildeo
Na sequecircncia deste capiacutetulo seratildeo abordados seis temas surgidos em decorrecircncia da
descriccedilatildeo e anaacutelise dos dados que surgiram das falas das mulheres entrevistadas percepccedilatildeo
das mulheres sobre o nascimento percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado a percepccedilatildeo
das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural
do processo parturitivo das mulheres resistecircncia das mulheres ao modelo biomeacutedico do parto
percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
A partir desses temas estabelecer-se-aacute um diaacutelogo com o referencial teoacuterico buscando
alcanccedilar nesse movimento a compreensatildeo de como a cultura influecircncia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento
Em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo das mulheres sobre o nascimento foram relatadas tanto
experiecircncias positivas quanto negativas
A abordagem positiva relatada pelas entrevistadas retrata a responsabilidade por uma
nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento conforme as falas das entrevistadas
Tem a parte fiacutesica e espiritual Eu vejo como uma forma de oportunidade da gente crescer e
dar esta oportunidade para este ser que estaacute vindo resgatar as coisas que a gente precisa e que ele
precisa tambeacutem (M1)
38
Eacute uma daacutediva que Deus deu para gente inexplicaacutevel assim apesar de tudo o que a gente
passa ateacute o nascimento da crianccedila Eacute maravilhoso (M2)
Eu acho que eacute uma vida nova que vem para gente compromisso de ter que guiar aquela
pessoa que taacute nascendo com amor com aquele sentimento de cuidar de matildee de ser responsaacutevel por
aquele ser pelas atitudes dele pelo crescimento dele (M3)
O que eu imaginava na hora era ganhar ver o rostinho deles a parte mais emocionante eacute ver
a hora que eles nascem (M8)
As falas das mulheres apontam para positividades da percepccedilatildeo do parto relacionada agrave
emoccedilatildeo da primeira vez de ver o bebecirc e ao contato fiacutesico nesse momento bem como ao
sentimento de responsabilidade pelo filho Essa abordagem transmite um senso de unidade
sobre a pessoa e sua experiecircncia fiacutesica com enfoque nos aspectos emocionais e espirituais do
nascimento Segundo Martin (2006 p 248) ldquoo parto positivo concentra-se na integraccedilatildeo
funcional de todas as partes da mulher - suas memoacuterias passadas esperanccedilas futuras sua
mente e seu corpordquo
Martin (2006) apresenta as metaacuteforas da danccedila e da jornada para descrever esta
integridade colocam a mulher em um papel claramente ativo A danccedila ao significar que
quando corpo e mente encontram-se alinhados danccedilam em sincronia e unidade e entregam-se
agrave nova vida que vem chegando A metaacutefora do parto como uma jornada torna-se uma
oportunidade para o crescimento psicoloacutegico da mulher que se inicia no primeiro trimestre e
culmina no trabalho de parto quando ela relaciona-se iacutentima e singularmente consigo mesma
tendo ao final uma experiecircncia de aprendizado totalmente sua
Foi destacada pelas entrevistadas a mudanccedila do status social e o compromisso com
este novo ser na sua vida denotando o compromisso e a responsabilidade de ser matildee A
mulher que daacute agrave luz com vivecircncias positivas apresenta atitudes que vatildeo dignificaacute-la e que
fortalecem o seu ldquoeu interiorrdquo (BALASKAS 2008)
Este momento faz parte de um ritual de transiccedilatildeo social presente em todas as
sociedades do status social de esposa para o de matildee com intuito de unir os aspectos
fisioloacutegicos aos aspectos sociais da vida de uma pessoa Dessa maneira existem muitas
crenccedilas e rituais do parto e puerpeacuterio no mundo ocidental que continuam ateacute que a matildee e a
crianccedila estejam estabelecidas com seguranccedila em suas posiccedilotildees sociais (HELMAN 2009)
Segundo Odent (2003) atribui-se importacircncia crucial agrave primeira hora apoacutes o parto para
o desenvolvimento da capacidade de amar Nessa fase em condiccedilotildees fisioloacutegicas a liberaccedilatildeo
de ocitocina conhecida como ldquohormocircnio do amorrdquo associada agrave prolactina ldquohormocircnio da
maternidaderdquo significa que se matildee e o bebecirc estiverem em contato pele a pele e olho no olho
39
as chances de se estabelecer apego interaccedilatildeo e amor estatildeo garantidas para ambos Isso eacute
ratificado por Odent (2003) ao referir-se que quando o meio cultural interfere com rotinas
que desestimulam esse apego entre a matildee e o bebecirc tais como o uso de sedativos agentes
anesteacutesicos e analgeacutesicos durante o parto influencia toda a capacidade de amar devido a natildeo
liberaccedilatildeo da ocitocina natural pelo organismo da mulher
Um aspecto negativo expresso pelas entrevistadas concernente agrave percepccedilatildeo do
nascimento refere-se ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto o que as fez entender
este processo semelhante a um processo patoloacutegico e sujeito a vaacuterias intervenccedilotildees
desnecessaacuterias conforme os relatos
O primeiro eu natildeo tinha a orientaccedilatildeo que eu tenho agora ningueacutem me orientou Foi muito
doiacutedo e difiacutecil inclusive ateacute porque ele era bem grande e iam passar o foacuterceps Natildeo sei se chegaram a
colocar mas eu consegui e nasceu normal E me colocaram o soro com ocitocina () e eu disse ldquopara
quecircrdquo mas natildeo me explicaram (M1)
Jaacute tinha perdido o tampatildeo uns 3 dias antes de comeccedilar ldquoas dorrdquo entatildeo eu ficava preocupada
ldquoSeraacute que eu natildeo vou sentir dorrdquoldquo seraacute que eu natildeo vou saber quando vai ser a hora de ir ao
hospitalrdquo Me colocaram o soro para induzir () natildeo me explicaram nada Depois veio a anestesia
remeacutedios acho que para enjocirco () natildeo consegui ganhar normal (M2)
Achei que eu tinha que me esforccedilar mais em todos eles Por isso na hora de ganhar sempre
me dava um medo Aiacute eu natildeo sei se eu me trancava Botaram o soro para dor e eu ao inveacutes de fazer a
forccedila direito como se deve fazer eu me retrancava e comeccedilava a chorar (M7)
Eu acho o parto normal muito mais arriscado que a cesaacuterea Todos os meus foram cesaacuterea
No meu caso eu acho que foi por causa da dilataccedilatildeo Todas foram agendadas Os meus filhos quando
chegam no uacuteltimo mecircs natildeo querem ficar nascem antes A minha filha nasceu com 8 meses com muito
pouco peso e foi para UTI (M8)
Os sentimentos relatados pelas entrevistadas de natildeo saber como agir no parto
exprimem significativamente seu desconhecimento acerca do processo fisioloacutegico e refletem-
se em medo e inseguranccedila Uma vez que natildeo sabem o que estaacute acontecendo com seu corpo as
mulheres controlam-no menos demonstram fragilidade e tendem a ser tratadas como objeto
de controle da equipe meacutedica Desse modo aceitam passivamente as intervenccedilotildees meacutedicas
como necessidades normais e rotineiras no parto a exemplo dos relatos do uso de ocitocina
de foacuterceps e da indicaccedilatildeo de cesariana previamente agendada
Esse eacute o modelo de atendimento tecnocraacutetico de assistecircncia descrito pela antropoacuteloga
Davis Floyd (2004) que representa a corrente de pensamento convencional e dominante
norteadora da praacutetica da assistecircncia obsteacutetrica haacute vaacuterias deacutecadas na qual o profissional de
sauacutede manteacutem um distanciamento do paciente como forma de proteger a si mesmo das
reaccedilotildees emocionais frente agraves anguacutestias deste
40
A forma e a percepccedilatildeo de como as mulheres vivenciam a sua experiecircncia de parto satildeo
impregnadas pela realidade conforme modelo que se apresenta para a sociedade isto eacute com a
mensagem de que eacute imprescindiacutevel a utilizaccedilatildeo da tecnologia como garantia de um parto
seguro O que resulta disso eacute o que chamamos de uma ldquocascata de intervenccedilotildeesrdquo que ocorre
quando uma praacutetica obsteacutetrica desencadeia outras fazendo com que se altere o processo
natural do parto (BALASKAS 2008)
Destaca-se tambeacutem a desinformaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos riscos que advecircm da cesaacuterea
desnecessaacuteria para matildee e bebecirc A entrevistada M8 narra que as cesaacutereas foram realizadas
antes de sua gestaccedilatildeo estar a termo Sabe-se que a prematuridade iatrogecircnica ocasionada por
cesaacutereas sem indicaccedilatildeo estaacute associada ao aumento da taxa de nascimentos de receacutem nascidos
preacute-termo (MACDORMAN et al 2008) e ao aumento da mortalidade neonatal (VILLAR et
al 2007)
Concorda-se com Balaskas (2008) ao afirmar que as cicatrizes corporais deixadas
pelas intervenccedilotildees desnecessaacuterias no corpo da mulher transformam-se em uma vivecircncia de
sofrimento inseguranccedila e sobrepujam toda e qualquer vivecircncia positiva ocorrida no parto
Logo um momento que deveria ser natural repleto de lembranccedilas positivas e felizes para a
mulher constitui-se num evento traumatizante Nessa direccedilatildeo entende-se que se o
comportamento humano eacute influenciado diretamente pelo meio cultural pois humanos
comunicam-se e criam cultura a socializaccedilatildeo da naturalizaccedilatildeo do parto como evento rodeado
de tecnologia e risco bem como a recapitulaccedilatildeo das experiecircncias traumaacuteticas contadas pelas
mulheres reforccedilam-se na convivecircncia social (ODENT 2004)
Ademais as intervenccedilotildees desnecessaacuterias sobrepotildeem-se ao poder que a mulher tem de
parir e que atualmente ela mesma desconhece pois a histoacuteria repassada pela medicina nas
uacuteltimas deacutecadas na cultura ocidental transformou o parto em um evento essencialmente
meacutedico sendo a mulher apenas uma parte do cenaacuterio (SEIBERT 2005)
O uso do recurso da aceleraccedilatildeo no parto com o uso do soro com ocitocina foi
percebido como forma negativa para as mulheres que o relataram O emprego de hormocircnios
sinteacuteticos no trabalho do parto como eacute o caso da ocitocina tende a cessar a fisiologia e as
etapas do parto (FIGUEREDO L 2010)
Ratificando essa informaccedilatildeo um estudo feito por Barros (2005) mostra que o aumento
de partos cesaacutereos estaacute relacionado agrave praacutetica da induccedilatildeo medicamentosa A falha de induccedilatildeo
provoca a indicaccedilatildeo de uma cesaacuterea que implica a utilizaccedilatildeo de anestesia medicaccedilotildees
antibioacuteticas profilaacuteticas medicaccedilatildeo para naacuteuseas medicaccedilatildeo para dor no poacutes-operatoacuterio e
utilizaccedilatildeo de outras drogas o que pode afetar drasticamente o comportamento materno pois o
41
que se verifica em estudos com outros mamiacuteferos eacute o natildeo-cuidado de seus bebecircs apoacutes uma
cesariana (ODENT 2004)
Eacute primordial durante a gestaccedilatildeo o preparo das mulheres para o parto apoiando suas
informaccedilotildees em praacuteticas baseadas em evidecircncias cientiacuteficas pois a grande maioria dos
procedimentos que os profissionais de sauacutede ainda utilizam no parto satildeo rotinas que estatildeo
caindo em desuso pois se mostraram mais danosas do que beneacuteficas Se as proacuteprias pacientes
souberem disso atraveacutes de atividades educativas no preacute-natal seraacute muito mais faacutecil reverter
esse quadro (DINIZ 2003)
Concorda-se nessa direccedilatildeo que a consulta preacute-natal tambeacutem eacute um espaccedilo importante
para mudanccedila de atitudes em relaccedilatildeo ao parto incentivada por profissionais que valorizam os
aspectos sociais e subjetivos da gestaccedilatildeo do parto e do nascimento (FREITAS 2005)
A Percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado
Nesta categoria as mulheres expressam a via de parto desejada A maior parte
manifestou o desejo pelo parto normal Apenas uma entrevistada manifestou preferecircncia pela
cesaacuterea e teve sua vontade atendida
Do primeiro eu natildeo pesquisei dos outros que eu comecei a ler sobre o assunto Eu queria ter
o parto em casa e mais informaccedilotildees do meacutedico Trabalhei ateacute a uacuteltima hora de internar Foi bom fiz a
respiraccedilatildeo direitinho e acabei ganhando no leito como eu pensei que queria que nascesse (M1)
Eu tinha conversado com meu esposo em casa e a gente queria parto normal mas natildeo deu
perdi o controle (M2)
Quando eu dizia que queria parto normal me diziam ldquopor que fazer parto normal por que
natildeo faz uma cesaacutereardquo Eu dizia ldquoeu quero parto normal pela recuperaccedilatildeo mais raacutepida para poder
voltar a estudarrdquo e eu achei bem melhor o parto normal do que ter feito uma cesaacuterea que daiacute eu ia
ficar dias sem poder voltar a estudar (M3)
Eu sempre quis cesaacuterea porque eu tinha medo de sentir dor ali na hora Eu vi o bebecirc assim
que o tiraram () Natildeo recebi orientaccedilatildeo sobre parto normal do meacutedico (M4)
A minha preferecircncia sempre foi o parto normal eu achei que ia ganhar normal deste uacuteltimo
mas natildeo deu fiquei frustrada (M5)
Por mim poderia ser parto vaginal tanto que do primeiro filho eu ia caminhar ateacute na veacutespera
para ver se evoluiacutea para parto normal mas natildeo evoluiu daiacute foi cesaacuterea e do outro foi cesaacuterea
tambeacutem Teve que ser programada (M6)
O parto normal foi desejado Se tivesse feito uma cesaacuterea seria o fim do mundo porque eu
demorei para aceitar a ideacuteia de que teria que fazer uma laqueadura por cesaacuterea Eu sempre dei a
preferecircncia para parto normal por causa de comentaacuterios e sobre ter infecccedilatildeo (M7)
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Eu tinha na cabeccedila que o meu primeiro filho ia ser normal Parto normal a matildee ganha e jaacute
sai caminhando com a crianccedila no colo e cesaacuterea natildeo (M8)
Na fala das entrevistadas revelou-se o desejo pelo parto normal ou pela cesaacuterea
destacando o entendimento de que o parto normal tem a recuperaccedilatildeo mais raacutepida natildeo
interferindo na rotina e autonomia delas apresenta menos risco de infecccedilatildeo e a cesaacuterea
poderia proteger quanto agrave dor do parto Esses pontos justificaram em grande parte seu desejo
pelas vias de parto
Para Martin (2006) as mulheres que desejam o parto normal e conseguem passar por
essa experiecircncia consideram-no um processo que acontece naturalmente como algo que a
mulher realiza e natildeo simplesmente vecirc acontecer consigo
Estudos de natureza quantitativa e qualitativa da aacuterea da sauacutede em relaccedilatildeo agrave escolha
para o parto normal constataram que as expectativas das mulheres em relaccedilatildeo ao tipo de parto
justificaram-se pela recuperaccedilatildeo poacutes-parto mais raacutepida e por ser melhor para elas eou para os
bebecircs (OLIVEIRA 2002 MELCHIORI et al 2009 MANDARINO et al 2009)
A entrevistada que realizou a cesariana por desejo proacuteprio justificou sua escolha pelo
medo da dor do parto A forma como se percebe e se responde agrave dor pode ser influenciada
pela origem cultural e social Em outros grupos culturais a dor do parto natildeo eacute temida muito
diferentemente das mulheres de paiacuteses ocidentais que a temem e satildeo bastante propensas a
aceitar drogas analgeacutesicas ou anesteacutesicas (HELMAN 2009)
No Brasil o medo da dor eacute apontado como uma das causas da intervenccedilatildeo cesariana
requerida pelas mulheres e pode ser considerado assim um dos motivadores do aumento das
taxas dessa cirurgia no paiacutes (FAUacuteNDES CECATTI 1991 OLIVEIRA et al 2002)
Em um estudo feito por Almeida (2009) sobre a dor do parto normal a autora
evidenciou a ocorrecircncia de uma relaccedilatildeo de poder dos serviccedilos de obstetriacutecia sobre o corpo
feminino e a forma como estes serviccedilos gerenciam-se mantendo o processo da medicalizaccedilatildeo
o que se constitui um dos mecanismos de favorecimento da perpetuaccedilatildeo do parto cesaacutereo
com a finalidade de evitar a dor do parto normal
Entende-se tambeacutem que a dor do parto eacute em grande medida iatrogecircnica amplificada
pelo modelo assistencial que institui rotinas como a imobilizaccedilatildeo o uso abusivo de ocitocina
artificial a manobra de Kristeller a episiotomia e a episiorrafia praacuteticas no parto normal que
satildeo claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas com base em evidecircncias
cientiacuteficas e em recomendaccedilotildees da OMS (1996) e do Ministeacuterio da Sauacutede (BRASIL 2001)
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Para tanto foi instituiacutedo pelo Ministeacuterio da Sauacutede (2000b) o Programa de
Humanizaccedilatildeo no Preacute-Natal e Nascimento cujo objetivo eacute melhorar a assistecircncia obsteacutetrica
provocada por praacuteticas e condutas inadequadas
Segundo Floyd (2004) o programa eacute traduzido como um modelo humanista de
assistecircncia tambeacutem referido por ela como modelo holiacutestico Os profissionais que atuam nessa
vertente simplesmente tecircm como desejo humanizar a tecnomedicina e apresentam maior
potencial para reformar o modelo tecnocraacutetico com mudanccedilas de atitudes e de paradigma
O modelo holiacutestico eacute o que abarca uma variedade mais rica de abordagem rompe
totalmente com o modelo dominante atual utiliza modalidades que satildeo menos prejudiciais
assiste as pessoas em seu contexto crecirc em outros modos de contexto que curam compreende
a dimensatildeo espiritual do cuidado da sauacutede e tambeacutem fortalece o desenvolvimento da vida de
cada pessoa (FLOYD 2004)
Neste sentido a escolha da via de parto torna-se importante uma vez que leva em
consideraccedilatildeo o contexto soacutecio cultural e assistencial em que a parturiente estaacute inserida e os
aspectos bioloacutegicos e psicoemocionais com intuito de promover um cuidado direcionado agraves
suas necessidades conforme recomendado nos estudos de Bezerra Cardoso (2005) e Budoacute et
al (2007) referentes a outros cenaacuterios da sauacutede Tal cuidado aproxima-se da humanizaccedilatildeo da
atenccedilatildeo no parto
De destaque nas falas das entrevistadas do presente estudo eacute o sentimento de
frustraccedilatildeo e perda de controle das que desejavam parto normal e tiveram de submeter-se agrave
cesaacuterea Situaccedilatildeo semelhante surgiu no relato das mulheres que Emily Martin (2006)
entrevistou em Baltimore (EUA) quando percebeu nos depoimentos que uma das reaccedilotildees
mais comuns especialmente quando a mulher planeja um parto vaginal e a cirurgia ocorre eacute a
perda de controle do seu parto
Por outro lado entre as entrevistadas que conseguiram realizar o parto normal
consoante seu desejo de via de parto o sentimento de aliacutevio foi constatado Para Balaskas
(2008) as sensaccedilotildees de aliacutevio realizaccedilatildeo gratidatildeo ecircxtase partem de uma grande variedade
de sensaccedilotildees que somente a experiecircncia do parto normal propicia
Uma das entrevistadas relata orientaccedilatildeo para cesariana a fim de submeter-se agrave
laqueadura tubaacuteria tendo seu desejo frustrado quanto agrave opccedilatildeo da via de parto uma vez que
desejava realizar parto normal Evidencia-se que natildeo houve o desejo de cesaacuterea no entanto a
necessidade da laqueadura
A constataccedilatildeo do desestiacutemulo ao parto normal feito pela equipe meacutedica mesmo
cientes de que essas mulheres tinham histoacuterias preacutevias de partos normais a fim de realizar
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uma cesaacuterea concomitantemente agrave laqueadura tubaacuteria mostra o desrespeito agrave lei nordm 9263 que
trata do planejamento familiar que veda a esterilizaccedilatildeo ciruacutergica em mulher durante os
periacuteodos de parto ou aborto exceto nos casos de comprovada necessidade por cesarianas
sucessivas anteriores (BRASIL 2002)
As entrevistadas que se submeteram agrave cesaacuterea apresentaram percepccedilotildees de que algo
que foi feito com elas e natildeo de sua participaccedilatildeo como relatado nas seguintes frases ldquotiraram
o bebecircrdquo (M4) ldquopuncionaram-me umas 15 vezesrdquo (M6) ldquose a hemorragia natildeo parasse iam
tirar o meu uacuteterordquo (M8)
A sensaccedilatildeo de passividade e separaccedilatildeo entre o eu e o seu corpo surge em niacutevel
extremo quando as mulheres descrevem a cesariana Parte disso adveacutem pelo fato de ser uma
cirurgia em que um nuacutemero maior de pessoas toca manipula corta e costura seu corpo Outra
parte deve-se agrave anestesia peridural que produz insensibilidade da cintura para baixo e
intensifica-se pela colocaccedilatildeo de um pano sobre o peito da mulher de modo que ela natildeo
enxerga a metade inferior do seu corpo (MARTIN 2006)
Verificamos nas falas das entrevistadas que os laccedilos entre a matildee e o bebecirc podem estar
sendo desestimulados por priorizarem-se cuidados que poderiam ser postergados ldquoPrimeiro
foi realizado os cuidados com o bebecirc e me mostraram jaacute enrolado com as roupasrdquo (M6)
ldquoFicavam ali fazendo os cuidados com o bebecirc e me mostravam bem depoisrdquo (M8)
Esses cuidados aleacutem de estar interferindo na relaccedilatildeo amorosa matildee-bebecirc podem estar
ignorando a implementaccedilatildeo de praacuteticas simples como o clampeamento tardio do cordatildeo
umbilical o contato imediato pele-a-pele e o iniacutecio da amamentaccedilatildeo exclusiva que tem um
impacto a longo prazo na nutriccedilatildeo e na sauacutede da matildee e do bebecirc pois afetam o
desenvolvimento da crianccedila muito aleacutem do periacuteodo neonatal e do puerpeacuterio (BRASIL 2011)
A metaacutefora da produccedilatildeo no nascimento proposta pela antropoacuteloga Emily Martin
(2006) retrata a interrupccedilatildeo dos laccedilos afetivos entre matildees e bebecircs que sofreram cesarianas
devido ao controle sobre o corpo feminino exercido pela retirada do protagonismo da mulher
da cena do nascimento Fato esse semelhante agrave metaacutefora da produccedilatildeo industrial do natildeo-
envolvimento da trabalhadora com o produto do seu trabalho quando ela natildeo sente que foi
quem o produziu e quando o seu trabalho eacute estritamente organizado e controlado (MARTIN
2006)
Frequentemente quando se interfere na produccedilatildeo de um bebecirc segundo a metaacutefora da
produccedilatildeo industrial que ocorre quando natildeo eacute a mulher que daacute agrave luz e o bebecirc eacute extraiacutedo
cirurgicamente por um meacutedico a matildee sente-se desligada da crianccedila apoacutes seu nascimento
(MARTIN 2006)
45
Nesta direccedilatildeo um estudo realizado na Universidade da Cidade do Cabo Aacutefrica do Sul
mostrou que a separaccedilatildeo entre matildee e o bebecirc tem impactos negativos influenciando na
duraccedilatildeo do sono e na frequecircncia cardiacuteaca do bebecirc (BARAK 2011)
O modelo de atendimento biomeacutedico desestimula a implementaccedilatildeo de cuidados
comprovadamente eficazes e passa uma mensagem que matildee e bebecirc satildeo como uma diacuteade
conflitante natildeo sendo vistos como uma unidade integral (MARTIN 2006)
Outro elemento a ser salientado refere-se agrave percepccedilatildeo de ser matildee atraveacutes da vivecircncia
do trabalho de parto ou seja compreende-se o significado de ser matildee por meio da vivecircncia da
parturiccedilatildeo conforme fala da entrevistada Era meu primeiro filho decidi que para ser matildee
teria que ganhar de parto normal [] Se eacute para ser matildee vamos ser matildee mesmo (M3)
Como se pode notar a entrevistada destaca que o parto normal foi primordial para
sentir-se realmente matildee Importante nesse sentido a afirmaccedilatildeo de Monticelli (1996) de que o
parto eacute um ritual que marca profundamente o inconsciente feminino principalmente se for o
primeiro
A Percepccedilatildeo das mulheres na decisatildeo sobre o tipo de parto
Nesta categoria foi significante a falta de autonomia da mulher na decisatildeo sobre a via
de parto Para compreensatildeo do parto como um evento na vida da mulher em relaccedilatildeo agrave decisatildeo
sobre o tipo de parto as mulheres opinaram
A cesaacuterea geralmente eacute o meacutedico que decide Eu sabia disso daiacute que nem todas satildeo iguais
porque a minha voacute teve 6 cesaacutereas e 6 normal e a minha matildee soacute fez cesaacuterea Entatildeo eu sabia que
podia acontecer comigo e realmente aconteceu O meacutedico disse que ia fazer uma cesaacuterea e fez
cesaacuterea disse que ela tinha tomado aacutegua no parto (M8)
Deveria ser da mulher mais do que do meacutedico jaacute que ela que estaacute sentindo e sabendo o que
estaacute acontecendo (M1)
A niacutevel de consultoacuterio (rede privada) eacute o meacutedico Natildeo daacute para escolher() Eu queria Por
mim poderia ser parto vaginal (M6)
Eu acho que deve ser a mulher mas eacute o meacutedico que decide Eles dizem que eacute protocolo que
isso que aquilo mas sabe-se que natildeo eacute assim Soacute que natildeo acontece isso neacuteEla natildeo tem o direito de
decidir se quer um parto normal ou uma cesaacuterea Eacute colocado para ela que ela vai ganhar de parto
normal por causa disso ou daquilo mas agraves vezes ela natildeo estaacute preparada de repente eacute o melhor para
o corpo mas natildeo o melhor para cabeccedila dela natildeo estaacute preparada para aquilo ali (M3)
Eacute o meacutedico que tem o poder de decisatildeo se vai ser parto vaginal ou cesaacuterea (M2)
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Nessa categoria foi significativo o entendimento das mulheres sobre o poder de
decisatildeo que os meacutedicos tecircm em relaccedilatildeo ao tipo de parto Poreacutem elas discordam de que este
profissional determine a escolha de forma unilateral e apontam para inclusatildeo delas nessa
decisatildeo Esta perspectiva direciona-se para a autonomia e a participaccedilatildeo da mulher na decisatildeo
sobre a via de parto embora o que se constate eacute que o meacutedico determina qual a finalizaccedilatildeo da
gestaccedilatildeo
Entende-se que a questatildeo de avaliaccedilatildeo de risco e a indicaccedilatildeo de se realizar uma
cesaacuterea sejam de competecircncia meacutedica No entanto a mulher deve receber informaccedilotildees sobre
os riscos e benefiacutecios da intervenccedilatildeo a fim de exercer sua participaccedilatildeo ativa no processo Tal
questatildeo enfatiza o direito agrave informaccedilatildeo e agrave formaccedilatildeo de opiniatildeo das mulheres para que
tenham o direito de reivindicar aquilo que eacute beneacutefico para a sua sauacutede e a de seu bebecirc
Profissionais e mulheres podem ateacute tomar uma decisatildeo antecipada sobre o tipo de parto
poreacutem esse fato natildeo pode ser visto como uma simples questatildeo de preferecircncia como no caso
da cesaacuterea antecipada ou eletiva sem indicaccedilatildeo pois pode implicar em riscos e complicaccedilotildees
futuras para matildee e para o bebecirc (BRASIL 2001)
Para o Ministeacuterio da Sauacutede (2006a) um dos valores da Poliacutetica Nacional de
Humanizaccedilatildeo eacute o principio da autonomia de pensar os indiviacuteduos como sujeitos autocircnomos e
como protagonistas nos coletivos de que participam como co-responsaacuteveis pelo processo de
produccedilatildeo de sauacutede de si e do mundo em que vivem
Quando falamos da autonomia da mulher parturiente falamos de um processo em que
a cada momento se vai desconstruindo o leacutexico cientificoteacutecnico para que a mulher e a
famiacutelia possam ser chamadas ao centro de decisatildeo Mas para isso eacute importante oferecer toda a
informaccedilatildeo que ela necessita para se tornar um membro efetivo da equipe de sauacutede e como
tal ter pleno poder e capacidade de decidir da forma mais vantajosa para todos Esse eacute sem
duacutevida um processo de grande complexidade que em uma aplicaccedilatildeo absoluta incita os
profissionais de sauacutede a compreenderem que o respeito pela autonomia da mulher natildeo
constitui um dano na sua autonomia profissional mas antes um incremento pela qualidade
participaccedilatildeo e rigor eacutetico obtido atraveacutes desse processo (LEITAtildeO 2010)
Tal processo talvez seja difiacutecil de compreender para o profissional quando se alicerccedila
na cultura biomeacutedica ao redor de uma ideologia de progresso tecnoloacutegico que no contexto do
parto iniciou-se a partir da sua institucionalizaccedilatildeo com o advento da era industrial (FLOYD
2004)
47
A institucionalizaccedilatildeo do parto iniciou-se nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando
o mesmo passou a ser visto como um processo patoloacutegico que deveria ser controlado a fim de
evitar a morte materna e perinatal sendo entatildeo marcado por rotinas tais como episiotomias
cesaacutereas desnecessaacuterias utilizaccedilatildeo de foacuterceps profilaacutetico (PROGIANTI BARREIRA 2001)
Para Collaccedilo (2002) as instituiccedilotildees tecircm uma cultura proacutepria fundamentada no empirismo e
na tecnologia que se revelam nas rotinas e condutas intervencionistas do meacutedico O resultado
dessa conduta intervencionista eacute a discrepacircncia entre o que as mulheres desejam e o que eacute
realizado o que justificaria a mudanccedila do tipo de parto (HOPKINS 2000)
Um dos motivos alegados pelos meacutedicos para essa praacutetica seria a mudanccedila de perfil de
risco das gestantes Poreacutem um estudo realizado nos EUA que relacionou o aumento das taxas
de cesaacuterea com a mudanccedila de perfil do risco constatou que as chances de uma mulher ser
submetida a uma cesaacuterea na primeira gestaccedilatildeo sem pertencer a um grupo de risco subiu para
50 em 2005 comparado ao ano de 1996 (DECLERCQ et al 2005)
Essa desinformaccedilatildeo por parte das mulheres pode por fim a sua capacidade na decisatildeo
sobre o tipo de parto e ser atribuiacuteda agrave falta de conhecimento sobre seu corpo os processos
reprodutivos e a sexualidade (SANTOS 2008)
Segundo o relato da entrevistada M6 natildeo haacute o direito de escolha quanto ao tipo de
parto para a mulher que faz o preacute-natal na rede suplementar sendo sua autonomia geralmente
desrespeitada quando deseja um parto normal De acordo com Mccourt et al (2007) a
escolha do tipo de parto pela mulher eacute apontada na literatura meacutedica como um fator que tem
contribuiacutedo para o elevado iacutendice de cesarianas na atualidade
Destaca-se que nos serviccedilos de sauacutede suplementar no Brasil as taxas de cesaacuterea satildeo
as mais elevadas do mundo em torno de 797 (ANS 2001) A cesaacuterea daacute ao meacutedico o
maacuteximo de poder controle e conduccedilatildeo nesse processo e exige o miacutenimo de trabalho do uacutetero
e da mulher criando o ponto de vista de que este procedimento ciruacutergico fornece os melhores
bdquoprodutos‟ isto eacute produzem bebecircs perfeitos semelhantemente agrave metaacutefora de produccedilatildeo tal
como acontece nas induacutestrias (MARTIN 2006)
Logo deu-se iniacutecio a uma crenccedila de que cesaacuterea eacute protetora para o nascimento do
bebecirc Isso pode estar relacionado agrave noccedilatildeo de que partos normais satildeo traumaacuteticos para o feto
e entatildeo os profissionais ldquoaliam-serdquo ao bebecirc contra a destruiccedilatildeo em potencial causada pelo
corpo da matildee no trabalho de parto e no parto o que leva a ignorar aquilo que talvez seja o
mais importante para a mulher e para a crianccedila que eacute a natureza de suas experiecircncias no parto
e no nascimento (MARTIN 2006)
48
Aleacutem do mais na relaccedilatildeo meacutedico-parturiente fica evidente como satildeo encaradas as
questotildees relacionadas ao parto de forma diferente por cada um desses atores (ANS 2008a)
Entre os meacutedicos obstetras institui-se uma cultura proacute-cesaacuterea e como consequecircncia
parte deles natildeo se encontra motivada nem capacitada para o acompanhamento do parto
normal Em contrapartida as mulheres dentro dessa cultura tecircm dificuldade de fazer valer a
sua decisatildeo quanto ao tipo de parto por sentirem-se menos capacitadas a escolher devido agraves
questotildees teacutecnicas levantadas e sustentadas por eles (BRASIL 2001)
Estudos tecircm demonstrado que apenas 20 das usuaacuterias de convecircnio particular
conseguem dar agrave luz por parto normal sendo que a maioria das mulheres brasileiras deseja-o
(REBELO et al 2010 POTTER et al 2001 POTTER et al 2008)
Concorda-se portanto com a visatildeo de ANS (2008a) de que a criacutetica da exclusatildeo das
mulheres na decisatildeo da via de parto deve-se principalmente ao fato de que o modelo
biomeacutedico desconhece os significados que as mulheres datildeo agrave experiecircncia da gestaccedilatildeo e do
parto
Conhecendo como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres
Em relaccedilatildeo agrave construccedilatildeo cultural do processo parturitivo das mulheres foram relatadas
tanto experiecircncias positivas quanto negativas dos partos das mulheres de seu conviacutevio
As mulheres que apresentam uma percepccedilatildeo positiva sobre parto normal apresentam
nas famiacutelias histoacuterias e relatos positivos do parto de suas familiares
A minha matildee teve 5 partos normais Todos em casa e a minha voacute era parteira Acho que a
influecircncia vem daiacute Queria que minha voacute tivesse viva para eu ter tido os meus filhos com ela A matildee
sempre foi positiva nunca disse que os partos foram uma coisa horriacutevel Ela sempre disse que era
uma coisa boa doiacutea claro mas ela sempre mostrou coisa boa Tenho uma irmatilde que ganhou um bebecirc
em casa natildeo deu tempo de ir para o hospital Foi raacutepido demais (M1)
Olha todas natildeo se queixaram As [familiares] que eu conversei disseram que parto normal eacute
a melhor forma por causa da recuperaccedilatildeo eacute melhor para ti cuidar do nenecirc sem depender de ningueacutem
A matildee sempre teve parto normal (M2)
Da minha matildee foi tranquumlilo O parto dela foi no mesmo hospital que eu tive ela caminhou
tudo como tinha que ser rompeu a bolsa em casa Ela me passou essa experiecircncia boa (M3)
Eu e a minha irmatilde nascemos de parto vaginal A minha voacute teve 5 filhos de parto vaginal A
minha sogra teve partos vaginais em casa Meu marido nasceu com 4kg Ela comentava como eacute que
tinha sido os nascimentos dos filhos dela de ser tudo tranquilo e das aventuras que ateacute na veacutespera
andava a cavalo e natildeo deu nada de complicaccedilatildeo e naquele tempo foi com parteiras A matildee dela era
parteira Os filhos nasceram com a avoacute (M6)
49
Durante a minha gravidez eu conversava mais sobre o parto com a minha matildee e eu a
acompanhei ela quando foi ganhar normal Eu vi como foi entatildeo eu sabia como tinha que ser quando
eu fosse ganhar que era bom A influecircncia da minha voacute e da minha matildee foi para parto normal mas
eu natildeo ganhei normal em nenhum (M8)
Na opiniatildeo dessas entrevistadas a transmissatildeo do conhecimento dos partos na famiacutelia
exerceu grande influecircncia na preferecircncia por parto normal focando a naturalidade e a
praticidade de encarar o parto normal
O processo de socializaccedilatildeo denominado ldquoprimaacuteriordquo para Berger e Luckmann (1976)
acontece na famiacutelia durante a infacircncia quando a realidade eacute apreendida atraveacutes da
consciecircncia individual e os papeacuteis sociais tornam-se seus quando identificados
Segundo Laraia (2003) a socializaccedilatildeo do indiviacuteduo eacute resultante do seu meio cultural e
a acumulaccedilatildeo de saberes e crenccedilas satildeo passadas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo Destaca-se isso
igualmente no estudo de Ressel et al (2011) relativo a cultura da sexualidade junto a
adolescentes e suas famiacutelias onde a socializaccedilatildeo dos saberes eacute um processo dinacircmico e
contiacutenuo ao longo da vida
Laraia (2003) defende que os valores que vatildeo compor a singularizaccedilatildeo de cada pessoa
na sociedade ocorrem por meio da socializaccedilatildeo atraveacutes dos relacionamentos das
representaccedilotildees pessoais sobre fenocircmenos fatos e eventos sociais
As entrevistadas M1 e M6 relatam a presenccedila de parteiras na assistecircncia ao parto Ateacute
a entrada da profissatildeo meacutedica sobre o processo do parto as mulheres em trabalho de parto
eram auxiliadas principalmente pelas matildees tias avoacutes eou parteiras Poreacutem com a perda da
importacircncia do papel das parteiras - pois ameaccedilavam o monopoacutelio do saber meacutedico - e sua
progressiva alocaccedilatildeo na marginalidade do contexto da obstetriacutecia seus saberes foram sendo
vistos sob suspeita
Em quase todas as culturas segundo Helman (2009) os principais provedores dos
cuidados primaacuterios de sauacutede satildeo as matildees e avoacutes e as parteiras ainda satildeo as responsaacuteveis pelos
cuidados obsteacutetricos em alguns paiacuteses
Percebem-se nas narrativas das entrevistadas as influecircncias positivas passadas por suas
matildees na vivecircncia da parturiccedilatildeo das mulheres da famiacutelia Elsen (2011) realizou uma anaacutelise de
quatro estudos sobre famiacutelias tendo como um dos destaques a valorizaccedilatildeo do conhecimento e
das praacuteticas do cuidado nesses ambientes familiares
Em contrapartida as entrevistadas que apresentam nos seus discursos experiecircncias
negativas mostram que no conviacutevio familiar e no ciacuterculo social proacuteximo este assunto ou natildeo
foi comentado ou foi discutido com teor negativo
50
A minha matildee nunca falou bdquocom noacutes‟ sobre isso Ela teve cesaacuterea da minha irmatilde mais nova de
sete anos e deu problemas de rim nela A minha recuperaccedilatildeo foi ruim porque demorei a recuperar
() Eu me sentia estranha e parece que minhas pernas estavam separadas do meu corpo por causa da
anestesia(M4)
Noacutes nunca conversamos sobre essas coisas laacute em casa nem com matildee e nem com irmatilde A
uacutenica coisa que me falavam eacute que sofria muito falavam que ia gritar de tanta dor que as contraccedilotildees
seriam fortes Eu sofri um pouquinho coloquei soro fiquei de barriga para cima o tempo todo ()
como se estivesse doente depois eu tive uma cesaacuterea que infeccionou os pontos Me senti um objeto
() (M5)
Minha matildee disse que eacute horriacutevel que natildeo era bom que nem cesaacuterea e nem parto normal Ela
sofreu muito Por isso na hora de ganhar assim sempre me dava um medo devido agraves histoacuterias
contadas por minha matildee (M7)
Vizinhos ateacute parentes comentavam que esqueceram uma tesoura dentro da paciente ou
esqueceram um pano Eu tenho medo de cesaacuterea Outro problema eacute aquele pano que separa a sua
cabeccedila do resto do seu corpo Disseram-me que teria de fazer uma cesaacuterea para fazer a laqueadura
na proacutexima gravidez Eu vou fazer um RX depois para ver se natildeo ficou nada laacute dentro (M7)
Aiacute vem a voacute vem a matildee conversar dizendo ldquotu natildeo faz escacircndalo natildeo gritardquo porque
realmente elas natildeo datildeo atenccedilatildeo E realmente eu vi isso Entatildeo eu sabia que natildeo era bom quando eu
fosse ganhar (M8)
Nas falas destas entrevistadas deflagra-se a ausecircncia de conversa sobre o assunto
Quando haacute diaacutelogo acerca do tema no seio familiar reveste-se de significados negativos
destacando a dor o sofrimento a anguacutestia o medo a solidatildeo e a alienaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao que
estaacute acontecendo com o seu corpo
Para Martin (2006) as mulheres podem ter essas sensaccedilotildees negativas de objetificaccedilatildeo
e fragmentaccedilatildeo tanto na cesaacuterea quanto no parto normal mas as que passam por uma cesaacuterea
descrevem essas sensaccedilotildees mais intensamente conforme destacado nas falas das entrevistadas
M4 e M5
Segundo a autora o medo e a ansiedade no parto normal satildeo gerados pela inconsciente
fragmentaccedilatildeo subliminar impliacutecita de como a mulher percebe esse fenocircmeno de como accedilotildees
que elas natildeo realizam como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados entendendo que
corpo mente e estados emocionais natildeo podem ser trabalhados simultaneamente
O relato negativo foi constatado em estudos de autores da aacuterea da antropologia
mostrando que em diferentes sociedades as filhas educadas por matildees que influenciam
negativamente sofrem mais no momento do parto (LARAIA 2003) A dor do parto tambeacutem
foi apontada pela entrevistadas M5 Conforme Gualda (2004) a dor eacute um sintoma altamente
subjetivo que traz a crenccedila popular de vincular a maternidade ao sofrimento
51
A entrevistada M8 traz a questatildeo de agir conforme as regras que a equipe obsteacutetrica
impotildee de natildeo fazer escacircndalo sob pena de natildeo receber a devida atenccedilatildeo Os profissionais de
sauacutede eventualmente podem impor um comportamento que natildeo respeita o saber da parturiente
o que pode tornar difiacutecil a evoluccedilatildeo do trabalho de parto (BEZERRA CARDOSO 2006)
Outro fator de destaque de acordo com o relato da entrevistada M7 foi o medo
apresentado em relaccedilatildeo ao esquecimento dos instrumentos ciruacutergicos dentro do seu corpo
Para Leninger (1991) a descontinuidade dos acompanhamentos e tratamentos das
usuaacuterias(os) deve-se ao fato de natildeo compreenderem sua funccedilatildeo e seu funcionamento
A posiccedilatildeo supina que foi referida pela entrevistada M5 ldquofiquei de barriga para cima o
tempo todordquo eacute segundo a OMS (1996) uma praacutetica claramente prejudicial ou ineficaz que
deve ser eliminada de acordo com as evidecircncias cientiacuteficas Essa mensagem simboacutelica
transmite agrave parturiente que ela estaacute enferma e retira da mulher a liberdade de seguir seus
instintos conforme mencionado pela entrevistada
Etnoacutelogos confirmam que atraveacutes da anaacutelise de evidecircncias histoacutericas existem raccedilas e
tribos que natildeo recebem influecircncia do modelo biomeacutedico e as mulheres naturalmente assumem
posiccedilotildees verticais dos mais variados tipos e meios de apoio (BALASKAS 2008)
Outras formas de influecircncia relatadas pelas participantes foram revistas internet
meios de comunicaccedilatildeo em geral As entrevistadas atribuem grande importacircncia agraves
informaccedilotildees colhidas nessas fontes atraveacutes das quais tomam conhecimento sobre
determinados costumes e percepccedilotildees
Com as revistas eu me informava bastante sobre como que era o nascimento fotos do bebecirc
nascendo Assistia na TV o canal que mostrava partos as casas de parto onde as mulheres iam fazer
todo o preacute-natal e ganhavam na aacutegua na cama naqueles quartos que permaneciam durante o
trabalho de parto e ficavam ali mesmo na hora de ganhar com familiar junto crianccedilas adultos tudo
junto Eu achava muito interessante (M1)
Eu olhei muito no youtube parto normal Eu achei bem legal Assim eacute meio assustador mais
achei legal Ateacute ali minha decisatildeo era ganhar normal mas natildeo deu (M2)
Lia folders revistas da aacuterea sobre maternidade programas de TV que mostraram o
acompanhamento do parto no domiciacutelio na banheira mas eu tive duas cesaacutereas agendadas (M6)
A entrevistada M1 relata o atendimento oferecido em casa de parto ou centro de parto
normal onde as mulheres fazem todo o preacute-natal e datildeo agrave luz em posiccedilotildees e locais de sua
preferecircncia A ausecircncia desse tipo de estabelecimento em determinados municiacutepios do Brasil
inviabiliza o acesso aos benefiacutecios que esses serviccedilos oferecem Instituiacutedo no acircmbito do
Sistema Uacutenico de Sauacutede esses estabelecimentos propiciam agraves mulheres a assistecircncia ao parto
52
em sua plena universalidade e tecircm como uma de suas atribuiccedilotildees o preparo da gestante
atraveacutes do plano de parto e do desenvolvimento de atividades educativas (BRASIL 1999)
Nesse cenaacuterio o protagonismo de cada mulher na gestaccedilatildeo parto e puerpeacuterio eacute respeitado
levando em consideraccedilatildeo sua individualidade suas crenccedilas e sua cultura
A cultura eacute um todo complexo que inclui o conhecimento as crenccedilas a arte a moral a
lei os costumes e todos os outros haacutebitos e aptidotildees adquiridos pelo homem como membro da
sociedade e se faz dinacircmica pela recepccedilatildeo das influecircncias externas resultantes do contato de
um sistema cultural com outro transformaccedilatildeo que pode ser raacutepida e brusca (LARAIA 2003)
No fragmento da fala da entrevistada M6 pocircde-se identificar sua curiosidade pelo
periacuteodo graviacutedico e parto e o parto domiciacutelio e na banheira forma de nascimento que volta a
fazer parte dos centros urbanos na atualidade A influecircncia das mateacuterias veiculadas em uma
revista sobre as representaccedilotildees culturais sobre parto mostrou que a revista pode ser um meio
de divulgaccedilatildeo informal que deveria ser mais bem aproveitado para informar as mulheres sobre
seus direitos e as maneiras de reivindicaacute-los (ROSS BONILHA et al 2006)
Um estudo feito por Medeiros (2008) retrata que as mulheres que optam por um tipo
de parto fora do hospital relacionam sua escolha agraves experiecircncias vivenciadas desde o seu
proacuteprio nascimento ateacute o momento do parto de seus filhos Quando as mulheres preparam-se
para parir seguindo princiacutepios diferentes dos que a medicina define e trata a linguagem que
utilizam eacute de integridade com todas as suas partes inter-relacionadas por um sentimento de
realizaccedilatildeo de algo que seriam capazes de fazer podendo-se inferir que a experiecircncia do parto
confirma ou natildeo na mulher a sua capacidade de colocar uma crianccedila no mundo (MARTIN
2006)
As mulheres citam somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e comentam
sobre a postura do profissional de sauacutede que realizou este acompanhamento Em geral natildeo
receberam nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
O obstetra no preacute-natal natildeo falava nada sobre parto soacute media a barriga via como estava o
coraccedilatildeo do bebecirc e deu Isso que o primeiro foi particular e os outros tambeacutem foram assim (M1)
Quando eu comecei no preacute-natal eu comecei com meacutedico particular ele natildeo falou nada sobre
parto e me pediu todos aqueles exames (M3)
O meacutedico natildeo era muito de conversar soacute os exames ultrasonografia Natildeo falou sobre outras
formas de parto (M4)
A uacutenica coisa que o meacutedico falou eacute ldquotu taacute preparadardquo ldquotem certeza jaacute ta aqui neacute Agora eacute
soacute seguir adianterdquo mas natildeo me falaram sobre parto Fiz todos os exames quatro ultrassonografias
(M7)
53
Fiz todo o preacute-natal e o meacutedico natildeo me falou nada sobre parto (M5)
Nesses depoimentos detectou-se a ausecircncia de diaacutelogo e de orientaccedilatildeo sobre o parto
O acompanhamento preacute-natal das entrevistadas apontou para o enfoque bioloacutegico e tecnicista
na assistecircncia prestada limitando-se agrave avaliaccedilatildeo de batimentos cardiacuteacos fetais altura uterina
e solicitaccedilatildeo de exames e avaliaccedilatildeo
Tal atenccedilatildeo fragmenta o cuidado e o sujeito deste cuidado pois segundo Martin
(2006) desta forma as mulheres natildeo satildeo apenas fragmentadas em partes do corpo como
tambeacutem satildeo alienadas da proacutepria ciecircncia pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica As praacuteticas
obsteacutetricas corroboram com esta alienaccedilatildeo internalizando valores culturais que transmitem
agraves gestantes a ideacuteia de que natildeo haacute necessidade de informaccedilotildees sobre os processos fisioloacutegicos
do parto (FLOYD 2009)
Como a medicina obsteacutetrica contemporacircnea estaacute determinada por pressupostos
filosoacuteficos essencialmente masculinos o parto normal que tem em seu acircmago fenocircmenos
femininos tais como a afetividade espiritualidade e as emoccedilotildees natildeo eacute compreendido pelos
profissionais que controlam o nascimento (JONES 2004)
Apesar do avanccedilo na luta por igualdade de direitos para as mulheres a
sobrevalorizaccedilatildeo do patriarcado nos hospitais eacute perpetuada por meacutedicos em sua maioria
homens que tecircm autoridade para reforccedilar rituais de parto (FLOYD 2009)
No entanto os profissionais de sauacutede que se inserem no cenaacuterio das poliacuteticas puacuteblicas
de sauacutede da mulher deveriam atualmente ter como prerrogativa a instrumentalizaccedilatildeo das
mulheres para que sejam efetivamente sujeitos de direito na sociedade sendo tambeacutem
protagonistas de suas proacuteprias vidas e de seu parto tomando suas escolhas de modo
informado conforme preconiza a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher -
PNAISM (BRASIL 2004)
A ausecircncia de informaccedilotildees sobre parto foi constatada na fala das entrevistadas o que
nos faz refletir sobre a atitude desses profissionais com as gestantes e relacionar esse quadro
com os altos iacutendices de cesaacuterea da atualidade entendendo que a ausecircncia de diaacutelogo e
informaccedilatildeo no preacute-natal incapacita a mulher agrave autonomia Em um estudo de revisatildeo
sistemaacutetica que avaliou as informaccedilotildees que as gestantes recebiam sobre a cesariana para
solicitaacute-la natildeo foi possiacutevel detectar os motivos que as levam a solicitar uma cesariana
(GAMBLE et al 2007)
A desinformaccedilatildeo sobre as etapas da parturiccedilatildeo foi apontada por Pereira (2011) como
fator cultural que conduz a uma etapa teacutecnica terceirizada definida quando o meacutedico assume
54
o comando e o conduz a partir de sua formaccedilatildeo teacutecnica especializada Para a autora as
mulheres consideram dessa forma um sofrimento desnecessaacuterio passar pelo trabalho de
parto porque desconhecem sua importacircncia para o organismo e para o bebecirc
Deve-se levar em conta a forma a interaccedilatildeo do cuidado entre as mulheres os
profissionais e principalmente o contexto desse cuidado que revela um desequiliacutebrio de poder
que favorece os meacutedicos (GAMBLE et al 2007)
Conforme Martin (2006) pode acontecer tambeacutem de as mulheres natildeo estarem
preocupadas com a falta de informaccedilatildeo uma vez que elas satildeo direcionadas por pressupostos
culturais da superioridade meacutedica Tais pressupostos estatildeo tatildeo arraigados em sua experiecircncia
habitual nos serviccedilos de sauacutede que as impede de perceber as contradiccedilotildees em sua proacutepria
atenccedilatildeo agrave sauacutede
Por outro lado em outra pesquisa com gestantes constatou-se a necessidade de uma
grande demanda por informaccedilotildees escuta cliacutenica e tambeacutem a utilizaccedilatildeo de materiais
educativos mais esclarecedores (HOTIMSKY et al 2002)
Essa demanda por informaccedilotildees vem sendo suprida por outros profissionais de sauacutede
segundo as entrevistadas deste estudo
A enfermeira do posto me ajudou bastante eu tomava sulfato ferroso e ia pegar com ela Me
orientou sobre as vacinas eu lembro que um pouco antes de ficar graacutevida eu tinha tomado vacina da
rubeacuteola Entatildeo assim ela me acompanhou bastante tambeacutem eu sempre conversava com ela sobre o
parto os exerciacutecios que era bom fazer Laacute na Casa de Sauacutede tambeacutem a enfermagem me ajudou
bastante tava o tempo todo junto me dizendo que ldquotinha que caminhar para tua dilataccedilatildeo aumentarrdquo
me explicavam onde o nenecirc bdquotava‟(M3)
O fisioterapeuta o dentista A fisioterapia influenciou para o parto vaginal o dentista era
homem entatildeo relatou a experiecircncia da esposa dele que tinha sido parto cesaacutereo (M6)
Eu fiz todo o planejamento com a enfermeira Ensinaram como seria para nascer e logo
depois o que eu teria que fazer que eacute amamentar o nenecirc cuidados com o nenecirc cuidados comigo
tambeacutem preventivo remeacutedio piacutelula amamentaccedilatildeo Ensinaram no posto que eu frequento (M8)
A participaccedilatildeo dos profissionais da enfermagem e da fisioterapia foi constatada em
atividades de educaccedilatildeo em sauacutede e no atendimento ao trabalho de parto
Um estudo feito por Gaiva (2003) que destaca o nascimento como um evento
pertencente agrave equipe de sauacutede destaca como necessaacuterio o engajamento dessas equipes para a
humanizaccedilatildeo do parto e do nascimento com enfoque na mulher na crianccedila e na famiacutelia
A realizaccedilatildeo de um trabalho multiprofissional e interdisciplinar durante o processo de
gestaccedilatildeo parto e nascimento incide na aprendizagem de compartilhamento de saberes e
55
praacuteticas promovendo um cuidado de qualidade para os atores envolvidos nesse processo
(CHRISTOFFEL 2003)
A Lei ndeg 749886 que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo do exerciacutecio da enfermagem
referenda que o enfermeiro generalista tambeacutem estaacute habilitado a assistir agrave gestante parturiente
e pueacuterpera acompanhando a evoluccedilatildeo e do trabalho de parto e a execuccedilatildeo do parto sem
distoacutecia
Pelloso (2000) concluiu que as taxas de cesaacuterea reduziriam com a capacitaccedilatildeo dos
profissionais para o parto com a introduccedilatildeo da enfermeira obsteacutetrica no preacute-natal e na
realizaccedilatildeo do parto bem como com a inclusatildeo de accedilotildees de orientaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre os
riscos e os benefiacutecios do parto normal e da cesaacuterea agraves mulheres em atividades de grupo e
cursos de gestantes Embora o nuacutemero de enfermeiras obstetras atuando no Brasil ainda seja
muito baixo estima-se que o nuacutemero de partos assistidos por elas eacute bem superior agravequele
registrado no SUS (BRASIL 2001)
Essa assistecircncia tambeacutem eacute referendada pela portaria do MSGM nordm 2815 de 29 de
maio de 1998 em que se inclui na tabela do sistema de informaccedilotildees hospitalares do SUS o
procedimento ldquoparto normal sem distoacutecia realizado por enfermeira obstetrardquo (BRASIL 1998
p23)
A enfermeira obstetra na busca pelo cuidado integral e valorizando a mulher como
protagonista do processo de nascimento vem conquistando tambeacutem um espaccedilo no
atendimento a partos domiciliares aleacutem de seu papel nas instituiccedilotildees hospitalares (PETER
2005)
Questionamento e resistecircncia ao modelo biomeacutedico
Nessa categoria mostram-se os relatos de questionamento e resistecircncia ao
atendimento obsteacutetrico por parte de algumas mulheres revelando que estas natildeo tecircm
autonomia tanto na decisatildeo sobre o tipo de parto quanto na escolha por quem querem que lhes
acompanhe em seu parto
As participantes questionam as situaccedilotildees impostas pelos profissionais que representam
o modelo biomeacutedico Uma entrevistada que queria o parto normal apresentou-se encorajada a
protestar contra este modelo trocando de meacutedico quando natildeo teve a sua opiniatildeo respeitada
conforme na fala
56
() Outro fato que me deixou frustrada foi quando eu iniciei o preacute-natal eu disse que queria
parto normal o meacutedico ficou bravo e foi bem mal educado e perguntou o que eu estava fazendo laacute
entatildeo Fui embora natildeo fiz mais preacute- natal com ele fui para o SUS Eu me senti invadida (M3)
Outra entrevistada questiona a falta do acompanhante de sua preferecircncia no parto Eu
gostaria que o meu marido bdquotivesse‟ junto (M1) Em um estudo realizado por Prado Junior
(2008) constatou-se que a presenccedila de familiares no processo de nascimento eacute visto por 100
das entrevistadas como primordial Para Balaskas (2008) o sentimento relatado por homens
que jaacute acompanharam suas mulheres em trabalho de parto eacute o de plenitude em nenhum
momento o instinto de fecircmea fala tatildeo alto eacute o renascimento de uma nova mulher
Suas falas chamam a atenccedilatildeo tambeacutem para a importacircncia de a mulher poder exercer
mais liberdade e participaccedilatildeo ativa com a possibilidade de escolher se quer tomar banho ou
natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Tambeacutem eacute questionado por elas o uso da ocitocina e
a falta de respeito a sua privacidade pelo fato de estarem presentes pessoas assistindo ao seu
parto sem preacutevio pedido de autorizaccedilatildeo o que denota desrespeito a sua autonomia no
processo
Eu gostaria de ser mais orientada Entatildeo quanto mais natural pudesse ser para mim melhor
escolher se quer tomar banho ou natildeo se quer ficar na aacutegua sentar na bola Sou contra a ocitocina E
me colocaram o soro com ocitocina e eu disse ldquomas para quecirc colocar se eu jaacute to quase ganhando Soacute
para me dar uma dor mais forte e realmente deurdquo(M1) Tinha uns 7 ou 8 alunos que estavam laacute e que queriam assistir um parto pessoas que eu
nunca tinha visto olhando o meu parto Eu acho que tudo foi muito forccedilado Os alunos assistiram ao
meu parto ningueacutem me perguntou se eu queria que assistisse (M3)
A mulher em trabalho de parto precisa de privacidade para se sentir mais segura
Poreacutem em muitos locais de atendimento puacuteblico isso natildeo eacute devidamente cuidado sendo
negligenciada a cultura do sujeito que envolve seus valores percepccedilotildees necessidades e
medos (ODENT 2003)
A postura do profissional em natildeo aceitar a opiniatildeo das usuaacuterias eacute denominada por
antropoacutelogos como ldquopensamento etnocecircntricordquo ou ldquosistema fechado de cogniccedilatildeordquo O
etnocentrismo eacute um sistema acentuado por rituais que os representam e os sustentam
(FLOYD 2009) Sabem os etnocentristas da existecircncia de outro saber e crenccedilas mas estatildeo
absolutamente seguros de que seu modo de pensar eacute melhor e por isso ignoram ideacuteias
contraacuterias agraves deles e consideram esses diferentes modos de pensar uma ameaccedila A
entrevistada destaca esta postura
Acho que os meacutedicos satildeo muito apressados Deveriam deixar mais a natureza agir por conta
o bebecirc se encaixar no lugar certo deixar a matildee de forma mais natural possiacutevel (M1)
57
Um princiacutepio baacutesico do modelo de atendimento tecnocraacutetico que vem ao encontro da
forma de pensar e agir do pensamento etnocecircntrico eacute a autoridade e responsabilidade do
profissional e das instituiccedilotildees de sauacutede sobre a pessoa Nesse contexto eacute mais confortaacutevel
para a usuaacuteria abdicar de sua preferecircncia pessoal em favor da opiniatildeo meacutedica (FLOYD
2004)
Esse fato foi constatado nas entrevistas que apontavam para a resistecircncia ao modelo
biomeacutedico poreacutem atraveacutes de uma percepccedilatildeo passiva da realidade como a sensaccedilatildeo meio
vaga de que alguma coisa estaacute errada e cuja mudanccedila natildeo estaacute ao seu alcance ou natildeo depende
apenas de sua vontade e accedilatildeo A mulher parece natildeo estar ciente da fragmentaccedilatildeo subliminar
da atenccedilatildeo ao parto hospitalar como se o ldquoeurdquo e o ldquoseu corpordquo fossem separados e que
nascimento fosse parte de uma produccedilatildeo A taacutetica mais eficiente descrita por Martin quando
utiliza a analogia entre operaacuterios e mulheres dando agrave luz eacute a mulher tornar-se patratildeo de si
mesmo isto eacute dando agrave luz em seu domicilio onde elas satildeo donas da faacutebrica e podem ter total
controle sobre o processo de produccedilatildeo e sobre seu corpo (MARTIN 2006)
Percepccedilotildees das mulheres sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea
Buscaram-se juntamente agraves mulheres do estudo indicaccedilotildees e motivaccedilotildees de acordo
com seu entendimento para a realizaccedilatildeo de cesariana A seguir eacute apresentada a ausecircncia de
dilataccedilatildeo a presenccedila ou natildeo de contraccedilotildees e as cesaacutereas eletivas como indicativos para a
ocorrecircncia do procedimento ciruacutergico
Eu induzi porque natildeo tinha dilataccedilatildeo eu soacute tinha contraccedilatildeo Eu natildeo tinha nenhum outro
problema () fiquei frustrada Eu queria parto normal soacute natildeo tive porque meu parto foi induzido
(M2)
Porque natildeo tinha dor natildeo tinha dilataccedilatildeo e tava muito em cima (M5)
Se tivesse entrado em trabalho de parto tudo bem daiacute ia ficar pro parto como natildeo tinha foi
para cesaacuterea (M6)
Fizeram uma junta meacutedica laacute no hospital e os meacutedicos falaram com a minha matildee pois eu era
bdquode menor‟ ela autorizou para fazer uma cesaacuterea antecipada porque eu jaacute bdquotava‟ em trabalho de
parto soacute que eu natildeo tinha dilataccedilatildeo () (M8)
Um dos motivos alegados pela entrevistada M6 foi ter sido submetida a uma cesaacuterea
eletiva por natildeo ter entrado em trabalho de parto tendo tambeacutem a falta de informaccedilatildeo apontada
sobre outras formas de nascimento
58
O descontentamento por natildeo ter vivenciado o parto normal foi narrado com frustraccedilatildeo
pela entrevistada M2 A induccedilatildeo do parto e a presenccedila de contraccedilotildees apontadas por ela como
fatores indicativos para realizaccedilatildeo de cesaacuterea estatildeo associadas ao aumento da taxa de
nascimento preacute-termo e de baixo peso
Na maioria das sociedades atuais o meio cultural propagado pelos profissionais
meacutedicos interfere nos processos fisioloacutegicos do nascimento O motivo para o aumento dos
iacutendices de cesaacutereas eacute verdadeiramente devido a uma falha universal e quase cultural no
entendimento das necessidades baacutesicas das mulheres (ODENT 2004)
Nessa direccedilatildeo as consequecircncias de risco aumentam tanto para a parturiente quanto
para o feto A taxa de internaccedilatildeo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um estudo feito
na Austraacutelia com gestantes de baixo risco demonstra que as chances de internaccedilatildeo em
mulheres que fizeram cesaacuterea eletiva sem entrar em trabalho de parto aumentam em 154
em gestaccedilotildees de 37 semanas 121 em gestaccedilotildees de 38 semanas e 51 para as mulheres
com 39 semanas gestacionais (TRACY et al 2007)
Os prejuiacutezos aos receacutem nascidos prematuros natildeo se apresentam somente no momento
do nascimento satildeo mais duradouros acompanham-nos na vida futura provocando problemas
de sauacutede e colocando-os em desvantagem em relaccedilatildeo aos que nasceram de parto vaginal
(TOMASHEK et al 2007 SWANY et al 2008)
Ao final da gestaccedilatildeo a mulher pode apresentar algumas vezes contraccedilotildees
permanecendo entretanto descoordenadas sem a dilataccedilatildeo da ceacutervice uterina o que se
denomina ldquofalso trabalho de partordquo Essa situaccedilatildeo pode levar o profissional de sauacutede a realizar
uma admissatildeo precoce da gestante na maternidade e com isso realizar intervenccedilotildees
desnecessaacuterias como por exemplo uma induccedilatildeo do parto sem indicaccedilatildeo ou uma cesariana
(BRASIL 2001)
Os partos induzidos e outros fatores como monitoramento fetal contiacutenuo e uso
frequente de anestesias peridurais satildeo aspectos da industrializaccedilatildeo do parto que tem como
consequumlecircncia a falta de entendimento da sua fisiologia (ODENT 2004)
Em um estudo na Escoacutecia constatou-se que 20 das pueacuterperas que se submeteram agrave
cesariana natildeo receberam orientaccedilatildeo sobre o motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea e 16 tinham
somente uma ideacuteia parcial da indicaccedilatildeo A forma e o momento inadequado de informar sobre
a indicaccedilatildeo da cirurgia podem acentuar a dificuldade de as mulheres entenderem e
compreenderem essas informaccedilotildees (HILLAN 1992) como se pocircde perceber na fala das
entrevistadas
59
E da segunda gravidez daiacute foi direto o agendamento da cesaacuterea mas eu natildeo tive outras
informaccedilotildees de outras formas de nascer ou em domiciacutelio ou em banheira Natildeo nada disso (M6)
() aiacute eles anteciparam a cesaacuterea Depois eu descobri que foi porque o meu marido faleceu
(M8)
Outra pesquisa mostra que a justificativa dada por 61 mulheres para a realizaccedilatildeo da
cesariana foi discordante da indicaccedilatildeo meacutedica em 475 dos casos Tenciona-se o fato de que
ignorar a indicaccedilatildeo de cesaacuterea pela mulher pode dificultar a conduccedilatildeo para um parto normal
posterior e as complicaccedilotildees advindas (OLIVEIRA et al 2002)
Uma das maiores preocupaccedilotildees associadas agrave cesariana aleacutem dos vaacuterios problemas
inerentes a um procedimento ciruacutergico eacute o seu impacto e risco na sauacutede reprodutiva futura da
mulher como predisposiccedilatildeo a inserccedilatildeo anormal da placenta em futuras gestaccedilotildees (LEE
DALTON 2008)
O maior risco de ruptura uterina hemorragia poacutes-parto e remoccedilatildeo manual de placenta
tambeacutem eacute relacionado a mulheres que jaacute se submeteram a uma cesariana preacutevia (TAYLOR et
al 2005)
Segundo o relato das entrevistadas natildeo foram apresentadas indicaccedilotildees para a cesaacuterea
condizentes ao que as evidecircncias cientiacuteficas preconizam na literatura da aacuterea Outro fato
apontado atraveacutes na fala das entrevistadas foi o agendamento preacutevio da cirurgia no preacute-natal
ldquoA cirurgia estava agendada jaacute no preacute-natalrdquo (M4) ldquoEstava agendada a cesaacuterea no preacute-natalrdquo
(M6)
Os inuacutemeros efeitos prejudiciais tanto para a mulher quanto para o fetoneonato da
cesaacuterea sem indicaccedilotildees satildeo comprovados pelo conhecimento cientiacutefico atual A siacutendrome da
anguacutestia respiratoacuteria do receacutem-nascido desponta com uma das principais causas de morbi-
mortalidade perinatal (MADAR 1999)
As pacientes submetidas a cesarianas agendadas sem indicaccedilotildees apresentam
morbidade e mortalidade maior quando comparadas a pacientes que realizaram o parto normal
(HALL 1999 LILFORD et al 1990)
A respeito do motivo da indicaccedilatildeo da cesaacuterea um estudo constatou que a maioria das
mulheres demonstra certa passividade frente ao meacutedico na decisatildeo pelo parto ciruacutergico
(FIGUEIREDO N et al 2010)
Essa conduta relaciona-se com os elevados iacutendices de cesaacutereas desnecessaacuterias no
Brasil Buscando reverter esse quadro a Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira (AMB) e o Conselho
Federal de Medicina (CFM) em iniciativa conjunta elaboraram um protocolo sobre o tema
indicaccedilotildees de cesaacutereas intitulado Projeto Diretrizes (PD) Satildeo objetivos desse trabalho
60
conciliar informaccedilotildees sobre o tema no sentido de estimular a praacutetica da medicina baseada em
evidecircncias analisar individualmente as indicaccedilotildees de cesariana com base nas evidecircncias
cientiacuteficas da literatura promover uma diminuiccedilatildeo das taxas de cesariana (PROJETO
DIRETRIZES 2002)
Os desvios eacuteticos decorrentes dessa conduta natildeo levam em consideraccedilatildeo a sauacutede das
mulheres Haacute a necessidade constante de atualizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo dos profissionais meacutedicos
e demais consequumlecircncias possiacuteveis dessa atitude (HADDAD et al 2011)
Nesse contexto destaca-se um estudo realizado com docentes do Departamento
Materno- Infantil do Hospital Universitaacuterio de Satildeo Joseacute do Rio Preto que constatou a
valorizaccedilatildeo da cesaacuterea em detrimento ao parto vaginal concorrendo para a disseminaccedilatildeo da
cultura subjacente agrave desmobilizaccedilatildeo dos alunos e profissionais meacutedicos para a realizaccedilatildeo do
parto normal (MORAES GOLDENGERG 2001)
61
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao tentar traduzir sob a forma de pesquisa a compreensatildeo de como a cultura influencia
no processo de parturiccedilatildeo da mulher finalizo este estudo com o vislumbre de que o objeto
escolhido foi pleno de possibilidades para entender e sobretudo para ampliar as propostas e a
pesquisa nessa aacuterea de estudos Encerro este trabalho com a certeza de que foi uma etapa
necessaacuteria em minha vida profissional e muito importante para o meu crescimento pessoal e
acadecircmico
Como mencionado anteriormente a inquietaccedilatildeo frente agrave fragilidade das parturientes ao
se submeterem sem questionamentos a todos procedimentos e intervenccedilotildees da equipe
obsteacutetrica apresentou-se como uma das justificativas da realizaccedilatildeo deste trabalho atraveacutes da
questatildeo norteadora ldquoqual a participaccedilatildeo da cultura nos saberes e as praacuteticas das mulheres em
relaccedilatildeo ao processo da parturiccedilatildeordquo
Esse estudo abriu espaccedilo para que mulheres falassem de um periacuteodo em suas vidas
extremamente iacutentimo e especial permitindo-lhes ampliar a visatildeo acerca dos determinantes
socioculturais envolvidos nesse momento O estudo foi realizado fora do periacuteodo graviacutedico
puerperal justamente para tentar captar delas o que realmente ficou de significativo dessa
fase sem interferecircncia ou expectativas de quem estaacute passando pelo turbilhatildeo de emoccedilotildees que
acompanham o processo da parturiccedilatildeo
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou perceber que o parto enquanto um dos
momentos da vida da mulher de grande importacircncia nem sempre eacute compreendido e entendido
dessa maneira por elas
Da mesma forma observou-se que a vivecircncia das mulheres em seu processo de
parturiccedilatildeo eacute percebida de modo diferente por cada uma algumas vezes de forma positiva e
outras de forma negativa A forma da mulher vivenciar esse processo depende de fatores
individuais e principalmente de representaccedilotildees culturais da realidade social a que ela
pertence
A abordagem negativa do estudo referida por algumas mulheres manifestou o
desconhecimento sobre a fisiologia do parto estando intrinsecamente relacionado ao modelo
fragmentado em partes do corpo perpetuado pelas praacuteticas da medicina cientiacutefica dominantes
na sociedade
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As mulheres natildeo estatildeo conscientes dessas circunstacircncias e reproduzem essa forma de
fragmentaccedilatildeo de que o uacutetero eacute um muacutesculo involuntaacuterio e de que o parto eacute um processo ao
qual tecircm de se submeter causando uma sensaccedilatildeo muito marcante de fragmentaccedilatildeo e
objetificaccedilatildeo nas mulheres que sofreram uma cesaacuterea conforme constatado no estudo
Por outro lado a abordagem positiva apontada por elas dignifica a responsabilidade
por uma nova vida e a emoccedilatildeo do nascimento entendendo-o como uma oportunidade de
crescimento psicoloacutegico e de resgate espirituais
Na percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto desejado haacute divergecircncias de opiniatildeo em
relaccedilatildeo ao tipo de parto vivenciado por cada uma As mulheres que desejaram e vivenciaram
o parto normal relatam o evento como parte de uma jornada interior e exterior que envolve
sentimentos iacutentimos uma experiecircncia fiacutesica profunda e intensa de algo que elas satildeo capazes
de realizar compreendendo que o significado de ser matildee eacute ter a capacidade de passar pela
experiecircncia do trabalho de parto e do parto natural
Em contrapartida o significado da vivecircncia das mulheres que natildeo desejaram ou
realizaram a cesaacuterea assemelha-se ao processo de produccedilatildeo industrializada em nossa
sociedade em que as atividades satildeo realizadas e determinadas inteiramente pela figura do
meacutedico e dos hospitais e natildeo por elas Percebeu-se que o papel principal do parto que seria
da parturiente foi assumido por essas figuras que estatildeo no controle pois as mulheres natildeo se
sentiam prontas ou capazes de tomaacute-lo para si
Identificou-se que a via de parto desejada pela maioria das entrevistadas foi o parto
normal mas as que natildeo conseguiram realizar esse desejo foi devido agrave influecircncia e agraves
intervenccedilotildees recebidas do meacutedico Os argumentos que influenciaram o desestiacutemulo da
realizaccedilatildeo do parto normal foram a necessidade de realizaccedilatildeo de laqueadura tubaacuteria e a falta
de informaccedilatildeo sobre meacutetodos natildeo farmacoloacutegicos e farmacoloacutegicos para o aliacutevio da dor
Cabe ressaltar que as mulheres que desejaram o parto normal e conseguiram parir por
esta via sentiram seguranccedila e confianccedila na experiecircncia do trabalho de parto natildeo sendo
identificando nenhum sinal perceptiacutevel em suas palavras relacionado agrave incapacidade de fazecirc-
lo podendo assim vivenciaacute-lo ativamente Outros aspectos importantes a serem ressaltados
foram a rapidez da recuperaccedilatildeo e a volta agraves atividades diaacuterias o desejo de serem acolhidas
pelos profissionais nas suas demandas e o direito agrave informaccedilatildeo clara e eacutetica
Sobre o poder de decisatildeo do meacutedico quanto ao tipo de parto constataram-se
divergecircncias de opiniatildeo As entrevistadas afirmaram que o meacutedico tem o poder de decisatildeo
sobre a escolha do tipo de parto poreacutem algumas natildeo estatildeo de acordo com esta conduta
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defendendo que a decisatildeo deveria levar em conta a opiniatildeo da mulher uma vez que eacute ela que
estaacute sentindo e passando pelo processo
Conforme expressam as entrevistadas elas aceitaram essa atitude por parte dos
profissionais mas sentiram que algo em relaccedilatildeo a isso poderia ter sido mudado Elas
incentivam a mudanccedila das atitudes que colocam a mulher em posiccedilatildeo desprivilegiada no
parto
Outro aspecto destacado no estudo foi como se daacute a construccedilatildeo cultural do processo
parturitivo das mulheres Pocircde-se constatar que o significado positivo evidenciado pelas
mulheres do conviacutevio das entrevistadas principalmente pela figura materna proporcionou um
parto enriquecedor agraves entrevistadas e exerceu influecircncia na preferecircncia por parto normal
Outras no entanto descrevem que se atribuiu significado negativo pelas mulheres do
conviacutevio o que provocou medo ansiedade e inseguranccedila agraves entrevistadas durante a
experiecircncia do seu parto
Assim confirma-se que o parto natildeo pode ser entendido e reduzido somente ao aspecto
bioloacutegico pois a partir da transmissatildeo de conhecimentos interrelacionais constatados nesta
pesquisa pode-se compreender que a cultura influencia no processo de parturiccedilatildeo das
mulheres E haacute que se considerar essa influecircncia quando se presta cuidado agraves parturientes
O conteuacutedo de revistas da internet dos meios de comunicaccedilatildeo em geral aleacutem das
informaccedilotildees repassadas por vizinhos constituem outro fator de notaacutevel influecircncia nesse
construto imaginaacuterio As experiecircncias relatadas denotam que essas formas de construccedilotildees
culturais servem para expansatildeo do conhecimento sobre o assunto Isso deixa claro que as
mulheres muitas vezes estatildeo conscientes de sua falta de autonomia e buscam visotildees
alternativas sobre como o seu parto poderia acontecer
As visotildees alternativas citadas por elas foram o nascimento em casa de parto e no
domiciacutelio formas de assistecircncia consideradas na atualidade como humanizadas por ativistas
do parto normal de todo o mundo e pelas organizaccedilotildees governamentais e natildeo governamentais
que trabalham em prol da humanizaccedilatildeo do parto e nascimento tendo como objetivo devolver
agrave mulher o protagonismo na sua gestaccedilatildeo parto e poacutes-parto
No relato das mulheres eacute citada somente a figura meacutedica na consulta de preacute-natal e
elas falam que esse profissional natildeo forneceu efetivamente nenhuma informaccedilatildeo sobre parto
Tal postura silenciosa por parte desse profissional pode estar influenciando a faacutecil aceitaccedilatildeo
de uma cesaacuterea desnecessaacuteria fato esse comprovado pelo tipo de parto de maior incidecircncia
das mulheres deste estudo
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As atividades desenvolvidas durante as consultas de preacute-natal foram accedilotildees de cunho
puramente bioloacutegico tecnicista e fragmentado como constatado na forma reduzida de
assistecircncia prestada que se limita agrave solicitaccedilatildeo de exames e agrave avaliaccedilatildeo obsteacutetrica de
batimentos cardiacuteacos fetais e altura uterina
As mulheres citam o atendimento da enfermeira na vivecircncia do parto bem como na
gestaccedilatildeo o que deflagra sua importacircncia nesse processo pois tal profissatildeo se constitui como
uma das maiores estrateacutegias que visa melhorar a assistecircncia obsteacutetrica no Brasil e exerce um
papel relevante no que tange agrave humanizaccedilatildeo durante o processo de nascimento Da mesma
forma a fisioterapia tambeacutem foi citada como ponto de incentivo agrave escolha do parto normal
O significado de parto celebrado por algumas mulheres do estudo abrange o
questionamento e a resistecircncia aos pressupostos culturais subjacentes ao modelo biomeacutedico
atual discordando de praacuteticas que vivenciaram no parto consideradas desrespeitosas Ponto
comum em suas falas foi a auto-percepccedilatildeo de resistecircncia agrave passividade imposta pela praacutetica
meacutedica
Foi demonstrado pelas mulheres claro desagrado por algumas praacuteticas que retiram da
mulher a sua autonomia no processo da parturiccedilatildeo tais como coibiccedilatildeo do acompanhante no
trabalho de parto e no parto invasatildeo de privacidade com a entrada de pessoas estranhas para
assistir ao parto sem licenccedila da parturiente e a falta de autonomia na escolha da via de parto
normal
A privaccedilatildeo dessa escolha acarretou a praacutetica de cesaacutereas desnecessaacuterias na maioria
das mulheres deste estudo Um dos principais motivos para a realizaccedilatildeo das cesaacutereas foi
apontado como a falta de dilataccedilatildeo das gestantes simplesmente pelo fato de natildeo estarem em
trabalho de parto quando admitidas na maternidade
Confesso que ao teacutermino deste trabalho muitos pressupostos que faziam parte dos
meus questionamentos foram esmaecidos pois esperava encontrar mulheres alienadas agrave
medicalizaccedilatildeo e agrave patologizaccedilatildeo do processo da parturiccedilatildeo e foi surpreendente o depoimento
de algumas das entrevistadas que demonstraram estar buscando novas formas de
conhecimento e de vivecircncia deste momento tatildeo especial em suas vidas natildeo obstante estarem
inseridas em um modelo tecnicista de assistecircncia
As entrevistadas questionam as praacuteticas como se apresentam atualmente e isso natildeo
significa que refutem os proveitos tecnoloacutegicos quando necessaacuterios mas defendem a
passagem a outro tipo de cultura em que possam exercer mais liberdade e ter participaccedilatildeo
ativa no processo da parturiccedilatildeo
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Alguns significados atribuiacutedos pelas mulheres quanto agrave preferecircncia pela cesaacuterea e a
percepccedilatildeo de que o parto normal eacute muito mais arriscado explicitam resquiacutecios do discurso
meacutedico dominante Tambeacutem se revelou no estudo que as pacientes natildeo receberam
informaccedilotildees acerca dos riscos advindos deste procedimento ciruacutergico sem indicaccedilotildees
Portanto a ausecircncia de informaccedilatildeo sobre parto que deveria ser repassada pelo meacutedico foi
uma constataccedilatildeo neste estudo
O trabalho configurou-se um exerciacutecio instigante na medida em que o encadeamento
reflexivo da anaacutelise a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas advindas dos estudos culturais de
gecircnero e corpo foi apontando que esse profissional de sauacutede produz significado no modo
como o parto eacute vivenciado pelas mulheres
Respondo ao final destas consideraccedilotildees ao questionamento inicial do estudo
constatando que a cultura participa dos saberes e das praacuteticas das mulheres em relaccedilatildeo ao
processo da parturiccedilatildeo Poreacutem algumas mulheres estatildeo buscando reinterpretar esta cultura
por meio de novas formas de vivenciar e de burlar o sistema de sauacutede obsteacutetrico vigente que
oprime tira-lhes o poder e impotildee silecircncio sob a eacutegide da proteccedilatildeo
As mulheres querem ser respeitadas ter direito agrave privacidade em seu parto ser ouvidas
e informadas com transparecircncia e eacutetica ter espaccedilo para expressar suas escolhas e agir
conforme suas necessidades poder gritar escandalizar caso desejem querem ainda ter
assistecircncia de boa qualidade sem julgamentos e livre de praacuteticas rotineiras que as instituiccedilotildees
obsteacutetricas impotildeem sem nenhum benefiacutecio para a matildee e o bebecirc
Se essa eacute a forma para encontrar significado ao desejo das mulheres ela difere e
muito da ldquopessimizaccedilatildeordquo do parto que alguns grupos de profissionais reproduzem em uma
cesaacuterea desnecessaacuteria ou em um parto normal medicalizado para finalizar um comeccedilo de vida
Cabe a noacutes profissionais de sauacutede mulheres homens sairmos dessa zona de conforto
que a sociedade atual nos enquadrou e comeccedilarmos a entender que a mudanccedila de paradigmas
de assistecircncia em todo o processo da parturiccedilatildeo estaacute associada a cidadatildeos e cidadatildes
conscientes e sujeitos da sua proacutepria histoacuteria
A enfermagem tem uma responsabilidade muito grande em todo esse processo e natildeo
pode eximir-se dela pois somos uma categoria profissional juntamente com a medicina que
tem o respaldo na lei do exerciacutecio profissional na assistecircncia agrave parturiente e ao parto normal
Os enfermeiros tecircm a formaccedilatildeo de natildeo intervir no processo da parturiccedilatildeo isto eacute de deixar a
fisiologia agir e eacute isto que temos que buscar a reconstruccedilatildeo dessa cultura sem intervenccedilotildees no
parto normal das mulheres
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Precisamos fazer valer esse direito legal para que como profissionais do cuidado que
somos possamos proporcionar o cuidado de oferecer como um direito agrave mulher o
protagonismo no seu parto
O reconhecimento da mulher como protagonista do seu parto eacute elemento primordial
para os profissionais poderem compreender os temores as alegrias e os prazeres da gestaccedilatildeo e
do parto e assumirem uma nova postura de atenccedilatildeo Assim encerro destacando que os
muacuteltiplos aspectos que permeiam a vivecircncia das mulheres precisam ser observados quando se
presta assistecircncia durante o processo da parturiccedilatildeo
67
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ANEXOS
81
Anexo A - Aprovaccedilatildeo Comitecirc de Egravetica e Pesquisa
82
Anexo B - Autorizaccedilatildeo Emenda do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa
83
84
APEcircNDICES
85
Apecircndice A - Ofiacutecio agrave Secretaria Municipal de Sauacutede de Santa Maria
Da Enfermeira Lizandra Flores Pimenta
Para Secretario Municipal de Sauacutede
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria janeiro de 2011
Sr Secretaacuterio
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de V Srordf para desenvolver a pesquisa
intitulada A influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagem junto as mulheres que satildeo atendidas na Unidade Baacutesica (UBS) de Sauacutede
Kennedy
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedos a percepccedilatildeo das mulheres sobre o parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendemos desenvolver os sujeitos da pesquisa
seratildeo consultados e esclarecidos acerca dos objetivos nos comprometendo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Colocamo-nos agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos que se fizerem necessaacuterios
Desde jaacute agradecemos
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profordf Enfordf Drordf Lucia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
86
Apecircndice B - Ofiacutecio ao Departamento de Ensino e Pesquisa do HUSM
Da Enfa Lizandra Flores Pimenta
Para Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitaacuterio de Santa Maria
Assunto Solicitaccedilatildeo (faz)
Santa Maria maio de 2011
Senhor Diretora
Venho por meio deste solicitar a permissatildeo de VS para desenvolver a pesquisa
intitulada ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a
enfermagemrdquo junto agraves mulheres que estatildeo no momento da entrevista nos serviccedilos de
ginecologia e obstetriacutecia do HUSM quais sejam Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II
Cumpre-se informar que esta pesquisa eacute resultado da experiecircncia na aacuterea obsteacutetrica
que me fez perceber a necessidade de compreender como a cultura influencia no processo de
parturiccedilatildeo da mulher sobre a via de parto a partir das concepccedilotildees modernas sobre natureza e
cultura atribuiacutedas agrave percepccedilatildeo das mulheres em relaccedilatildeo ao parto Como esclarecimento cabe
ressaltar que conforme a metodologia que pretendo desenvolver os sujeitos da pesquisa seratildeo
consultados e esclarecidos acerca dos objetivos sendo que me comprometo a respeitar os
preceitos da Resoluccedilatildeo nordm 19696 quanto agrave pesquisa envolvendo seres humanos
Sem mais agradeccedilo a atenccedilatildeo dispensada colocando-me agrave disposiccedilatildeo para os
esclarecimentos que forem necessaacuterios
Atenciosamente
________________________ _______________________________
Enfordf Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI - 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
87
Apecircndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ENFERMAGEM
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Pesquisadoras responsaacuteveis Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Universidade Federal de Santa Maria - Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Enfermagem
Telefones para contato (55) 91376501
(55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Hospital Universitaacuterio de Santa
Maria
Vocecirc estaacute sendo convidada para participar da pesquisa intitulada ldquoA influecircncia da
cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees para a enfermagemrdquo de autoria de
Lizandra Flores Pimenta mestranda do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Enfermagem da
UFSM sob a orientaccedilatildeo da Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel que tem por objetivo
compreender como a cultura influencia no parto da mulher
Mas antes de concordar em participar desta pesquisa eacute importante que vocecirc
compreenda todas as informaccedilotildees as quais dizem respeito a sua participaccedilatildeo nesta pesquisa
Sua participaccedilatildeo consistiraacute em responder agraves perguntas feitas por mim pesquisadora durante a
entrevista a qual teraacute como auxiacutelio um gravador de voz Apoacutes as suas informaccedilotildees gravadas
seratildeo transcritas por mim de maneira a resguardar a veracidade dos dados Posteriormente
essas informaccedilotildees seratildeo organizadas analisadas divulgadas e publicadas em revistas
cientiacuteficas da aacuterea da sauacutede sendo a sua identidade preservada em todas as etapas
Eacute importante que vocecirc compreenda que eacute assegurado o anonimato e o caraacuteter privativo
das informaccedilotildees fornecidas exclusivamente para a pesquisa Vocecirc natildeo seraacute identificada em
nenhum momento mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados sob
qualquer forma pois seraacute adotada a letra bdquoM‟ (M1 M2 M3) inicial da palavra mulher para
esta finalidade Tambeacutem as informaccedilotildees seratildeo mantidas em um CD no armaacuterio da professora
88
pesquisadora no Departamento de EnfermagemUFSM por cinco anos Apoacutes este periacuteodo os
dados seratildeo destruiacutedos Os dados coletados depois de organizados e analisados deveratildeo ser
divulgados e publicados ficando a pesquisadora juntamente com a professora responsaacutevel por
apresentar o relatoacuterio da pesquisa para a instituiccedilatildeo na qual seraacute realizado este estudo
Comunico que a sua participaccedilatildeo na entrevista natildeo representaraacute a princiacutepio risco agraves
suas dimensotildees fiacutesica moral intelectual social cultural ou espiritual em qualquer fase da
pesquisa No entanto poderaacute gerar algum desconforto como lembranccedilas questionamentos
eou conflitos agrave dimensatildeo emocional pelo fato da pesquisadora realizar uma entrevista na qual
vocecirc iraacute refletir sobre o seu cotidiano e suas vivecircncias Contudo poderaacute haver um benefiacutecio
no que se refere agrave melhor qualidade das praacuteticas no cuidar em enfermagem Se houver
qualquer desconforto a entrevista poderaacute ser suspensa e se vocecirc achar necessaacuterio poderei
fazer um encaminhamento a um especialista da aacuterea da sauacutede mental
Ciente e de acordo com o que foi anteriormente exposto eu __________________
estou de acordo em participar desta pesquisa assinando este Consentimento em duas vias
ficando com a posse de uma delas
_________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntaacuteria o Consentimento Livre e
Esclarecido deste sujeito de pesquisa ou representante legal para a participaccedilatildeo neste estudo
dede2011
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
RG 3046400473
Se vocecirc tiver alguma consideraccedilatildeo ou duacutevida sobre a eacutetica da pesquisa entre em contato com
Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa - CEP- UFSM Av Roraima 1000 - Preacutedio da Reitoria ndash 7ordm
andar ndash Campus Universitaacuterio ndash 97105-900 ndash Santa Maria-RS - Tel (55) 32209362 ndash E-mail
comiteeticapesquisamailufsmbr
89
Apecircndice D - Termo de confidencialidade
Tiacutetulo do estudo ldquoA influecircncia da cultura no processo da parturiccedilatildeo Contribuiccedilotildees
para a enfermagemrdquo
Pesquisadora responsaacutevel Profa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
Pesquisadora Enfa Mestranda Lizandra Flores Pimenta
InstituiccedilatildeoDepartamento Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM)
Telefone para contato (55) 91376501 (55) 91429743
Locais da coleta de dados Unidade sanitaacuteria Kennedy e Centro Obsteacutetrico Unidade Toco-
ginecoloacutegica e Ambulatoacuterio ala II do HUSM
Os pesquisadores do presente projeto comprometem-se a preservar a privacidade dos
indiviacuteduos cujos dados seratildeo coletados por meio de entrevista gravada em aacuteudio MP3 e
realizada na UBS Kennedy numa sala reservada localizada no Hospital Universitaacuterio de
Santa Maria na cidade de Santa MariaRS Concordam igualmente que estas informaccedilotildees
seratildeo utilizadas uacutenica e exclusivamente para a execuccedilatildeo do presente projeto As informaccedilotildees
somente poderatildeo ser divulgadas de forma anocircnima e seratildeo mantidas em Compact Disc (CD)
por um periacuteodo de 5 (cinco) anos sob a responsabilidade da Enfordf Lizandra Flores Pimenta
Apoacutes este periacuteodo os dados seratildeo destruiacutedos Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado
pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da UFSM em 04012011 com o nuacutemero do CAAE
03170243000-10
Santa Maria de de 2011
________________________ _______________________________
Enfa Lizandra Flores Pimenta Profa Enfa Dra Luacutecia Beatriz Ressel
CI- 3046400473 CI ndash 705587136
COREnRS nordm 57215 COREnRS nordm 279225
90
Apecircndice E - Roteiro da entrevista com as mulheres
1 Dados de identificaccedilatildeo
Idade
Estado civil
Grau de instruccedilatildeo
Profissatildeoocupaccedilatildeo
Local de trabalho caso esteja trabalhando se natildeo indicar trabalho anterior
Raccedila
Quantos filhos
2 Sobre o parto
1 De que forma o parto e nascimento satildeo percebidos por vocecirc
2 Fale a respeito de sua experiecircncia em relaccedilatildeo aos seus partos e de outras mulheres do teu
conviacutevio
3 Existe alguma coisa em relaccedilatildeo ao parto de seus filhos que vocecirc gostaria que tivesse sido
diferente Por quecirc
4 O que vocecirc aprendeu sobre parto com teus pais irmatildeos irmatildes e outras pessoas da tua
famiacutelia
5 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto com os profissionais de sauacutede nos hospitais
e nos postos de sauacutede
6 O que vocecirc escutou ou aprendeu sobre parto em jornais revistas televisatildeo e internet
7 De que forma estes aprendizados participaram da tua decisatildeo sobre o tipo de parto