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CULTURA, LIDERANÇA E RECRUTAMENTO NUMA ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA - O CASO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DEUS LEONILDO SILVEIRA CAMPOS Instituto metodista de Ensino Superior - Federação das Escolas Superiores do ABC Programa de Mestrado em Administração São Bernardo do Campo - SP (011) 457-3733 Trabalho apresentado na XXXI Asamblea Anual CLADEA Reunião do Conselho Latino-Americano de Escolas de Administração Santiago, Chile - Setembro, 1996 As organizações religiosas fazem parte de uma área evitada por muitos pesquisadores. Uns, porque as consideram fonte de questiúnculas domésticas e de informações irrelevantes para o conhecimento científico das organizações; outros, porque se sentem desencorajados diante das peculiaridades institucionais e do pudor clerical em expor publicamente seus bastidores. Trabalhamos aqui com dois pressupostos: Primeiro, uma análise desses fenômenos organizacionais pode contribuir para uma avaliação mais ampla das organizações “profanas”, também conhecidas como “lucrativas” ou “empresariais”. Segundo, neste final de século assistimos o surgimento de empreendimentos religiosos governados pelas leis e regras do mercado, que empregam o marketing e a otimização de resultados, possibilitando assim tanto a comparação como até a confusão entre religião e empresa, territórios até então supostamente muito bem delimitados. A inspiração para uma pesquisa, da qual este texto é apenas uma parte, veio de várias direções. Entre outras, em primeiro lugar, de Max Weber (1991), que partindo de preocupações econômicas tropeçou nas organizações, éticas e valores religiosos, transformando a sua incursão nessa área em uma fonte valiosa para o estudo de todas as demais organizações. Segundo, de análises como as de Reed E.Nelson (1983,1985 e 1993) sobre seitas de origens norte-americanas que se tornaram organizações multinacionais. Nos desafiaram também Norman

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CULTURA, LIDERANÇA E RECRUTAMENTO NUMA ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA - O CASO DA IGREJA

UNIVERSAL DO REINO DEUS

LEONILDO SILVEIRA CAMPOSInstituto metodista de Ensino Superior - Federação das Escolas Superiores do

ABCPrograma de Mestrado em Administração

São Bernardo do Campo - SP (011) 457-3733

Trabalho apresentado na XXXI Asamblea Anual CLADEAReunião do Conselho Latino-Americano de Escolas de Administração

Santiago, Chile - Setembro, 1996

As organizações religiosas fazem parte de uma área evitada por muitos pesquisadores. Uns, porque as consideram fonte de questiúnculas domésticas e de informações irrelevantes para o conhecimento científico das organizações; outros, porque se sentem desencorajados diante das peculiaridades institucionais e do pudor clerical em expor publicamente seus bastidores. Trabalhamos aqui com dois pressupostos: Primeiro, uma análise desses fenômenos organizacionais pode contribuir para uma avaliação mais ampla das organizações “profanas”, também conhecidas como “lucrativas” ou “empresariais”. Segundo, neste final de século assistimos o surgimento de empreendimentos religiosos governados pelas leis e regras do mercado, que empregam o marketing e a otimização de resultados, possibilitando assim tanto a comparação como até a confusão entre religião e empresa, territórios até então supostamente muito bem delimitados.

A inspiração para uma pesquisa, da qual este texto é apenas uma parte, veio de várias direções. Entre outras, em primeiro lugar, de Max Weber (1991), que partindo de preocupações econômicas tropeçou nas organizações, éticas e valores religiosos, transformando a sua incursão nessa área em uma fonte valiosa para o estudo de todas as demais organizações. Segundo, de análises como as de Reed E.Nelson (1983,1985 e 1993) sobre seitas de origens norte-americanas que se tornaram organizações multinacionais. Nos desafiaram também Norman Shwachuck, Philip Kotler et alii (1993) com um estimulante estudo sobre o marketing religioso. Em último lutar, reforçaram a idéia de que estávamos no caminho certo, Robert B. Ekelund et alii (1996), que analisaram a Igreja Católica medieval como uma empresa econômica. Todos eles mostram que, a despeito das alegadas experiências de fé “irredutíveis” aos olhares da ciência, os atores das organizações religiosas decidem com os pés em terra, firmemente plantados no ambiente terreno, de onde retiram os argumentos racionais e fundamentam seus interesses.

Como não poderia deixar de ser, pesquisas desse tipo enfrentam dificuldades, porque os integrantes dessas organizações atribuem as suas motivações a um mundo transcendental. Por esse motivo, todos que tentam fazer da Igreja Universal do Reino de Deus um objeto de estudo encontram uma enorme má vontade por parte de seus pastores e bispos, negativas essas que têm sido interpretadas pela imprensa como um sinal evidente de que há algo escondido e escandaloso por trás dos bastidores. A IURD, por sua vez se retrai, e procura esconder dos olhares “profanos” aqueles “segredos” organizacionais, cuja preservação é tida

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como fundamental para a sobrevivência organizacional do empreendimento. É elucidativo o trecho de uma entrevista, que fizemos com uma autoridade iurdiana1:

“Aqui na Igreja Universal não há nada escondido. Não existe essa idéia de que há especialistas de marketing por detrás de tudo. Tudo isso é feito às claras, de uma forma simples e objetiva. Porém, existem as coisas que eu considero ‘mistérios’, que não podem ser reveladas a estranhos. Aliás, esse é um comportamento normal em qualquer organização. Elas reservam para si próprias, coisas relacionadas com o seu próprio interesse. Entre essas coisas não estão abertas para o público as questões relacionadas a administração dos bens da Igreja. Isso leva a imprensa secular a imaginar que grandes coisas estão escondidas. Isso é fantasia. Não há nada escondido.” (Pastor A. 20.7.95).

Ainda sobre a IURD, a mesma autoridade afirmou que “a Igreja Universal é um grande movimento, que não quer se tornar uma instituição e que vai lutar sempre para isso, pelo menos enquanto o bispo Macedo viver”. Para esse pastor, o sonho de Edir Macedo, dirigente máximo do empreendimento, é manter a Igreja na categoria de movimento, desestimulando dessa forma, o aparecimento de uma burocracia que venha gerar problemas. Porém, gostem ou não seus fundadores, todo movimento religioso, historicamente se defronta com o dilema: institucionalizar ou desaparecer..

Uma das formas de se interpretarem as intenções das pessoas envolvidas numa organização é a observação dos propósitos, explícitos ou não, que orientaram o projeto desde o seu início. Que propósitos provocaram a fundação dessa “corporação religiosa”, autodenominada “Igreja Universal do Reino de Deus”? Que filosofia perpassa sua cultura organizacional, gerada em nome do Espírito Santo? Que estilo e problemas administrativos brotam de um movimento religioso ao se transformar em uma gigantesca organização? Como se dá a multiplicação de objetivos, o estabelecimento de mecanismos de controle, o aparecimento de uma burocracia, e a separação entre os que “consomem” e os que “produzem” dentro desse espaço social? De que maneira são recrutados os recursos humanos destinados a manter e expandir o empreendimento desenhado pelos seus fundadores? Podemos aceitar, sem maiores discussões, a afirmação de Edir Macedo (Folha Universal, 9.7.95) que: “A direção da obra [IURD] vem do Espírito Santo, não do homem (...)” e que “o mundo é um campo de batalha”?

As respostas a tais perguntas passam por considerações que envolvem um exame das estruturas internas e dos procedimentos usuais dessa organização para a consecução dos objetivos assumidos. Adotamos o conceito de Parsons, desenvolvido por Etzioni (1974:9) que “as organizações são unidades sociais (...) intencionalmente construídas e reconstruídas, a fim de atingir objetivos específicos.” Nesse sentido, as várias instâncias, divisões do trabalho específico, formas de exercício do poder e de comunicação, maneiras de gerir os recursos humanos, são algumas das dimensões resultantes do esforço mobilizado para a consecução dos objetivos propostos e que, por isso mesmo, devem merecer a nossa atenção.

Por outro lado, como nos ensina a teoria sistêmica, não podemos subestimar as forças do ambiente que agem sobre as organizações, inclusive as religiosas. O campo religioso, no sentido dado por Bourdieu (1982:27), com suas organizações, instituições e agentes, principalmente com seus estilos de autoridade, não é uma ilha. Muito pelo contrário, o campo 1 Usamos aqui o termo “iurdiano” para designar os seguidores e membros da Igreja Universal do Reino de Deus,

fundada no Rio de Janeiro, em 1977, hoje ramificada em mais de 60 países do mundo, que conta no Brasil com cerca de quatro milhões de fiéis, que freqüentam seus 2.200 templos e locais de culto. Em um período pouco inferior a duas décadas esse empreendimento se tornou uma formidável empresa de comunicação, operando uma rede com mais de vinte estações de televisão e dezenas emissoras de rádios no Brasil, arrecadando, em 1995, cerca de 950 milhões de dólares, segundo estimativas da imprensa.

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religioso é parte integrante de um cenário que, segundo E.Trist (1976), faz parte de uma “ecologia organizacional”. Daí o acerto da expressão de A. Etzioni (1974:17) que afirmou: “quase todas as organizações são menos autônomas do que parecem, à primeira vista.”

1. A Igreja Universal e a passagem de movimento a organização

As organizações tipo “igreja” começaram como movimento, e, progressivamente, devido ao êxito, se institucionalizaram. A Igreja Universal teve o seu início num movimento religioso autônomo, como uma pequena “seita” pentecostal que, tal como dezenas de outras, diariamente surgem nas grandes cidades brasileiras. A sua transformação em uma organização religiosa tipo “igreja”, se deu em condições históricas e sociais, que, se analisadas, iluminam muitas de suas atuais estratégias. No momento histórico em que ela surgiu, na segunda metade dos anos 70, a situação social na cidade do Rio de Janeiro apresentava os primeiros sinais de um processo de deterioração da qualidade de vida que se avolumou com a transferência da capital federal para Brasília (1960). Nessa época houve uma migração em massa de sua força de trabalho, o que gerou lacunas sociais e a perda da importância da cidade como capital política e administrativa do país. A violência, o comércio de drogas e a criminalidade cresceu, provocando uma diminuição no fluxo de turistas, a principal fonte de renda da região.

Como conseqüência desse esvaziamento, as massas passaram de um processo de desencanto para um outro de reencantamento2, bem representado pelo conservadorismo religioso católico, fundamentalismo protestante, opção pelas religiões afro-brasileiras e explosão de novos movimentos sincréticos, alguns pentecostais, dos quais Edir Macedo é uma de suas expressões mais completa.3 Paralelamente, surgiu também nesse espaço um bem estruturado populismo político, centrado em lideranças fortes como Carlos Lacerda, Chagas Freitas e Leonel Brizola. A nova demanda por produtos religiosos também emigrou das organizações tradicionais para os movimentos religiosos, alternativos e mais dinâmicos.

À essa população, a Igreja Universal ofereceu um espaço para contato, ritos de estimulação e encorajamento, formas de canalização do descontentamento e de minimização da baixa-estima. Em seus templos as pessoas encontraram uma ideologia propulsora de ação social e, ao mesmo tempo, discursos apropriados para a mistificação das causas que geraram doença, pobreza, miséria e o vertiginoso descenso sócio-econômico até o “fundo do poço”. Trabalhando com valores típicos da cultura popular brasileira, e de seus mitos, a IURD retomou antigos argumentos que atribuem ao diabo a causalidade única por todos os males.

Em outras grandes e médias cidades brasileiras, assim como São Paulo, a Igreja Universal encontrou uma classe média baixa às voltas com o desemprego e subemprego, no início dos anos 80, a “década perdida” da recente história econômica e social do País. Cura, exorcismo e prosperidade se tornaram assim uma tríade, que viria alicerçar a reorganização da vida de milhões de brasileiros.

2 “Reencantamento” é uma expressão empregada para designar a busca humana pelo mundo simbólico, transcendental, carregado de deuses, que possam dotar a vida dos “desencantados”, pessoas cansadas do racionalismo e do secularismo da vida moderna, de sentido e de dinamismo. Consideram-se, tanto o pentecostalismo protestante e católico, os movimentos fundamentalistas e o surgimento de “novos movimentos religiosos” no Ocidente, exemplos dessa “revanche do sagrado”, no interior de uma cultura que se julgava profana.

3 Dos 52 movimentos religiosos catalogados pelo ISER, no Censo Institucional Evangélico (Rubem César Fernandes, 1992), 50% deles surgiram no Rio de Janeiro, depois de 1960, incluindo-se aqui a própria Igreja Universal.

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Mas, mesmo assim, não se pode dizer que a Igreja Universal seja portadora de uma mensagem utópica, centrada na transformação radical das relações sociais geradoras dos infortúnios acima citados. Para usarmos as categorias “ideologia” e “utopia”, empregadas por Mannheim (1976), a IURD prega uma mensagem ideológica, circunscrita às estruturas da sociedade de consumo, isto porque, ela propõe um milênio terreno, atrelado ao ideal do mercado. Trata-se de um processo ideológico, aqui entendido como um conjunto de “todas aquelas idéias adotadas por ou para aqueles que exercem a autoridade nas empresas econômicas e que buscam explicar e justificar essa autoridade” (Bendix, 1962:529).

Temos nos referido (Campos, 1987) à posição ocupada pelos atores nas organizações religiosas análogas a um campo de batalha, no qual, “anjos da Igreja” (eufemismo usado pelos protestantes para designar seus pastores), praticam uns contra os outros atos de guerra ou guerrilhas, em uma autêntica “batalha de anjos”. Por isso, ganha destaque a expressão de Macedo: “o mundo é um campo de batalha”. Entretanto, não é somente o mundo. A própria organização religiosa, dele e de outros, agasalha disputas pela ocupação de posições de mando, buscando-se na ideologia aquelas estruturas mentais apropriadas para mascarar interesses pessoais, devidamente protegidas é claro, por um escudo protetor, um “dossel sagrado” que, segundo Peter Berger (1985), é construído ao redor de algo apresentado como de origem divina.

A essa altura, o empreendimento religioso já está dotado de um dinamismo, que pode se antepor às estratégias de organizações e movimentos recém-organizados. A Igreja Universal, ao penetrar num campo religioso desde há muito tempo em funcionamento, precisou travar batalhas para desalojar concorrentes, até porque, um de seus objetivos era assumir um papel, que fosse o mais hegemônico possível, em sua área de atuação. Sem dúvida, o seu sucesso está atrelado ao pluralismo e a competitividade da pós-modernidade.

Assim, ao deixar de ser movimento e assumir uma postura de organização, a Igreja Universal passou a enfrentar novos dilemas e a testar um estilo administrativo centralizador, estruturado de cima para baixo, ao redor de uma liderança carismática. Por sua vez, esse estilo, nascido em condições sociais propícias, forçosamente tende a se reestruturar para realizar seus objetivos, dentro de um novo contexto desafiador.

2 A cultura organizacional da Igreja Universal

Cultura organizacional é um conceito recente no vocabulário da sociologia e dos analistas das organizações. A antropologia o emprega para se referir àquele conjunto de pressupostos básicos que um grupo desenvolveu ao longo de sua história, para se relacionar com o ambiente externo, motivar os membros, criar formas corretas de agir, perceber o mundo, moldar e ensinar as novas gerações (E.H.Schein, 1985). Há quem considere a cultura como o “cheiro” ou o “lubrificante” de uma determinada organização (Oliveira,1988:33) e que “está em tudo aquilo que a empresa criou para funcionar e assegurar a sua perenidade” (Thevenet, 1990:20).

A passagem de movimento a organização afeta muito de perto a cultura de um determinado grupo. Nesse sentido, nenhuma organização passa sem alterações por esse processo, sobretudo quando isso coincide com a sucessão da primeira liderança. Isso porque, todo novo grupo, movimento ou organização, recebe um enorme impacto de seus fundadores, influência esta que, embora na maioria das vezes continue moldando as gerações posteriores, tende a se

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diluir com a passagem do tempo ou a fazer parte do estoque idealizado e depositado no imaginário social do grupo.

O impacto da personalidade do empreendedor é importante para se estudar a cultura de quaisquer organizações. Liliana Segnini (1988) estudou a influência que Amador Aguiar, fundador do Bradesco, exerceu nessa organização bancária e em sua cultura organizacional, mostrando que as organizações acumulam histórias sobre o seu herói fundador. Sobre o “herói civilizador”, projetam-se características míticas e sobre-humanas, que tornam esse personagem, real ou inventado, não importa, um modelo exemplar de crenças e condutas.

Para os seus seguidores, Edir Macedo é o pastor modelar, um homem que mantém intimidade com Deus, empresário de sucesso, mas perseguido, preso e humilhado, como também o foi Jesus Cristo. Para eles, a biografia de Macedo resume a trajetória de vida de milhares de seus adeptos, pois ele foi católico, passou pela umbanda e finalmente se tornou pentecostal. O bispo Macedo é alguém que “saiu do nada”, conseguiu “muita coisa na vida” e hoje, “humildemente”, se dedica à pregação do evangelho. Por isso, de nada valem os argumentos divulgados pela mídia, atribuindo a Macedo uma vida milionária, graças ao dinheiro dos fiéis. A lógica dos enredados pelo herói sempre se repete diante de afirmações do homem comum que garantem: “O bispo Macedo é um escolhido de Deus, portanto merece viver bem”. Por sua vez, o herói iurdiano responde reafirmando sempre a sua humildade: “sou o estrume do cavalo do bandido; um monte de nada” (Folha Universal, 31.12.95).

A presença de Edir Macedo, na cultura organizacional de sua Igreja, ainda é muito forte, apesar do processo de institucionalização em andamento. É possível também que essa presença venha a se tornar menos influente, à medida que subculturas começem a aparecer no interior do empreendimento e a gerar subsistemas de valores e objetivos, bem como novos heróis. Daí a validade de perguntas como estas: Até quando várias subculturas organizacionais coexistirão sem maiores conflitos dentro da Igreja Universal? Interessaria a esses grupos um herói vivo e atuante como Macedo? Como se dá a manutenção de uma cultura organizacional num contexto de conflitos? Por isso aceitamos a sugestão de Bertero (1989:29-43), ao afirmar que o estudo das organizações, também as religiosas, não pode ser feito sem se levar em conta as relações entre cultura organizacional e instrumentalização do poder.

3. Liderança, dominação e conflito na Igreja Universal

A Igreja Universal nasceu da associação de um pequeno grupo de pessoas, oriundas de vários outros movimentos pentecostais4, como Romildo Ribeiro Soares, Roberto Augusto Lopes e Edir Macedo de Bezerra, cujos processos posteriores de ajustamento e luta pelo poder, provocaram uma definitiva separação. Esse início de organização reproduz o modelo sugerido por E.H. Schein (1985) para explicar como se dá tal origem e que, o líder empreendedor é o verdadeiro criador da cultura de uma organização. Para Schein assim se dá o surgimento de 4 O movimento pentecostal surgiu nos Estados Unidos, em 1906, dentro do campo religioso protestante, particularmente

na tradição de busca da santidade pessoal. Porém, o pentecostalismo é resultado de um longo processo de mutação do campo religioso daquele país. O seu crescimento neste século foi rápido. Atualmente, mais de 500 milhões de cristãos no mundo estão incluídos nessa classificação. Também, como movimento, o pentecostalismo extravasou para outras áreas religiosas, inclusive para o catolicismo, dando origem ao “Movimento de Renovação Carismática”, dentro da Igreja Católica. Em seu processo de institucionalização, o pentecostalismo deu origem a um sem número de seitas, denominações e igrejas pentecostais em todo o mundo. A Igreja Universal do Reino do Deus é apenas uma delas, mas talvez o seu ramo mais novo, sincrético e dinâmico. De acordo com nossa pesquisa, um tipo de religião que mais se adapta a um contexto de globalização e internacionalização da cultura e da economia.

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uma organização: Alguém teve a idéia de um novo empreendimento, reuniu ao seu redor um pequeno número de pessoas com a mesma visão que, após alguns exames e análises, concluíram que valia a pena arriscarem e passaram a trabalhar juntas, lançando as bases do empreendimento, enquanto isso, outras pessoas se juntaram ao grupo e a história começou.

a) Liderança e autoridadeA Igreja Universal crê ter sido edificada sobre e pelo Espírito Santo, por intermédio de pastores escolhidos com a missão de curar, exorcizar os demônios e promover uma vida próspera para seus adeptos, ainda neste mundo. Esse empreendimento se auto-define como uma Igreja “que não pára de crescer em todo o mundo, superando inclusive as perseguições, pois ela é dirigida pelo Espírito Santo” (Folha Universal, 14.5.95) e tem, ao lado do “Espírito Santo como líder” o “bispo Macedo como administrador” (Folha Universal, 19.2.95).

As relações entre o líder e seus liderados nos recolocam na trilha aberta por Weber (1991:139-198) ao propor três tipos ideais para explicar esse fenômeno: dominação tradicional, carismática e racional-legal. Em muitos movimentos prevalece o carisma, visto por Weber (Ibid.:158,159) como “uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (...) em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos (..) ou então se a toma como enviada por Deus, como exemplar”. Mas, como todo acontecimento inusitado, o excepcional se inclina a voltar a fazer parte da rotina. Ao acontecer isso surge a necessidade de modificações na forma de liderança da organização. Bendix (1986:235) registrou que, quando os seguidores conseguem o que desejam do líder, “desenvolvem-se regras e tradições que desnaturam o carisma que eles conscientemente pretendiam servir”, situação essa que antecipa modificações no sistema de dominação originalmente estabelecido.

Nesse contexto, uma nova “constelação de interesses” emerge, ao lado de demandas oriundas tanto interna como externamente à organização religiosa. A partir de então, a alternativa para a organização não desaparecer é tornar tradicional ou racional a forma de dominação, surgindo assim o que Max Weber (Ibid.:162) considerou ser “rotinização” ou “despersonalização” do carisma. Por meio desse processo, a instituição se fortalece e se torna menos vulnerável a possíveis acidentes biográficos na vida do líder carismático ou de seus empreendedores iniciais, o que a manchete “a Igreja está acima do bispo” parece indicar (Folha Universal, 31.12.95). Essa “rotinização do carisma” implica na transferência do carisma do empreendedor inicial para a organização.

Na Igreja Universal, a passagem de movimento para organização religiosa de sucesso, provocou um esforço para manter a centralização do poder nas mão de um só líder - Edir Macedo. O primeiro round terminou com a saída, três anos após a fundação da Igreja, de Romildo R. Soares, que dizia discordar da forma autoritária, que seu cunhado Macedo queria imprimir à instituição. Com a sua saída ficaram apenas dois dos fundadores mais influentes, Macedo e Roberto Augusto Lopes que, em 1981, se consagraram mutuamente bispos. Lopes fundou a Igreja em São Paulo e se elegeu deputado constituinte, em 1986. A partir daí, o espaço eclesiástico foi-se tornando pequeno demais para uma dupla liderança carismática. A lógica do poder tornou difícil a continuidade de Lopes, que voltou para a Igreja de Nova Vida, no meio do exercício de seu mandato de deputado federal. A partir de então, Macedo se tornou o único líder.

Em 1986 Macedo se mudou para os Estados Unidos e de lá passou a administrar a Igreja. Até o final de 1993 isso foi feito por meio de um intermediário e homem de sua confiança, o então bispo iurdiano Renato Suhett. Essa retirada estratégica do líder carismático, atribuída

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ao cumprimento de uma ordem divina, ajudou Macedo a se manter afastado dos desgastes diários de um processo de institucionalização por ele administrado à distância. No segundo semestre de 1993, Macedo consagrou mais bispos e delegou parte de seu poder, até então absoluto ou compartilhado com Renato Suhett, ao “colégio de bispos” (Folha Universal, 26.9.93). A situação anterior, diante do crescimento do empreendimento, gerava possibilidade de uma perda do controle dos destinos da Igreja por parte de Edir Macedo. Todavia, a sua decisão vem reforçar o que escreveu Joaquim Wach (1990:187) sobre esse tipo de liderança: “eventualmente a autoridade carismática é parcialmente ou totalmente eclipsada pela função eclesiástica.”

b) Sistema de dominaçãoOs mecanismos de dominação são necessários para a sobrevivência de qualquer tipo de organização. Reed Nelson (1985,1993) estudou os mecanismos colocados em prática pelos protestantes tradicionais, pentecostais e até mesmo pelos mórmons norte-americanos. Em vários de seus textos Nelson mostrou que a dominação entre os protestantes históricos, presbiterianos, metodistas, luteranos, congregacionais e outros, se dá através de um quadro administrativo burocrático, no qual todas as manifestações de carisma são eliminadas ou, no mínimo, abafadas. Entre eles prevalece a “autoridade institucional”, cuja competência se estabelece por regras racionalmente elaboradas.

A chave para a compreensão das organizações eclesiásticas está na maneira como se dão o estabelecimento e a manutenção de uma divisão entre “clero” e “laicato”. Isso exige, na maioria das denominações religiosas, uma qualificação e um treinamento profissional para o exercício da função clerical.

Nesse contexto, os leigos buscam satisfazer, de forma religiosa ou simbólica, as suas necessidades de sentido para a vida. Por sua vez, o clero busca nas suas relações com os leigos reconhecimento e remuneração, e na consecução das metas da organização o amparo para o exercício de suas funções. Da fusão dessas duas dimensões surge a percepção de firmeza e solidez nos rumos da organização. É nessa dimensão que devemos encarar o surgimento de uma burocracia eclesiástica, com o seu rol de normas e regras, - os cânones - que dão ao clérigo a sensação de que ele nunca está sozinho diante de seus superiores hierárquicos, e que sempre tem a quem apelar, principalmente ao se sentir injustiçado. Contudo, isso não tem sido observado na Igreja Universal, pois seu clero é treinado no próprio trabalho, não há segurança alguma na carreira escolhida, um clima competitivo reina entre os pastores, impedindo a formação de um espírito de corpo ou até mesmo de um grupo unido pelos mesmos interesses e reivindicações.

Na IURD a autoridade está centralizada na pessoa de Edir Macedo, cuja legitimidade repousa numa escolha atribuída diretamente a Deus. Sobre a autoridade dele um pastor (Pastor A. 20.7.95) nos afirmou em entrevista:

“A Igreja Universal está estruturada ao redor do bispo Macedo. Ele é um homem que tem tudo nas suas mãos dentro da Igreja. Ele vive e respira a Igreja 24 horas por dia (...) todo mundo adora o bispo Macedo. Ele dá uma ordem aqui e lá no extremo do Brasil, mesmo na igreja (templo) mais distante, a ordem é conhecida e obedecida. A unidade da IURD é garantida pela autoridade única e centralizada do bispo Macedo. Assim temos uma Igreja que é mais unida do que a própria Igreja Católica (...) Macedo é uma espécie de líder autoritário, que pratica o ‘autoritarismo’ no bom sentido da palavra.”

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Nessa Igreja, os milhões de seguidores reconhecem tal autoridade por causa dos resultados de sua atividade profética. Repetindo Weber (1991:159,160), “o reconhecimento é um dever”, pois a sua ação simbólica traz “bem estar aos dominados”, continuamente, preenchendo-se assim uma das exigências para o sistema de aprovação do carisma. Segundo afirmam Al Ries e Jack Trout (1989:191), teóricos do marketing de guerra “as empresas que experimentam um crescimento rápido, normalmente são centralizadas. E, logo após um grande sucesso, decidem descentralizar (...) é quando o crescimento diminui.”

Alguns desses problemas surgiram na Igreja Universal, porque, com o passar do tempo e devido ao rápido crescimento, o poder que estava concentrado em Macedo passou a ser compartilhado, embora ainda em forma desigual, com um corpo administrativo. As vezes, há casos em que, mais cedo ou mais tarde, pessoas com inspiração aristocrática, que sempre se aproveitaram do carisma do fundador, podem estabelecer uma tradição possível de ser usada em um período posterior, para a reivindicação de poderes mais amplos e quiçá, de autonomia em relação ao próprio líder fundador.

Atualmente, o quadro administrativo da IURD é composto por alguns profissionais que atuam nas empresas ligadas à Igreja, como emissoras de rádio e televisão, banco, gráfica, indústria de móveis, etc. Porém, muitos deles insistem que são total e absolutamente leais a Macedo. Fragmentos de uma entrevista (pastor A. 20.7.95) explicitam bem tal estratégia:

“O bispo [Macedo] possui uma visão de coisas grandiosas a fazer. Quando tomei conhecimento de alguns de seus planos, até pensei que ele havia ficado paranóico. Mas ele não está! A sua visão é arrojada e corajosa. Ele pensa em coisas grandes. As suas decisões são rápidas e inquestionadas na Igreja. Ele falou e está falado. (...) Ao me atribuir um trabalho, ele me disse: ‘Fulano, você presta conta direto a mim de seu trabalho e a ninguém mais’. O bispo é assim, quando ele manda alguém fazer alguma coisa, ele deixa o indivíduo à vontade para trabalhar. O limite é a sua vontade como dirigente máximo da Igreja.”

Por outro lado, o modelo administrativo de Macedo, tal como um pêndulo, sai periodicamente do tipo carismático e se aproxima dos modelos de dominação tradicional ou racional-legal, elaborados por Weber. Um exemplo disso está no fato de que, para Macedo, o seu patrimônio se confunde com o da Igreja. Em entrevistas dadas por ocasião da compra da Rede Record, perguntado sobre seus bens particulares, o bispo assim se expressou:

”Não tenho dúvida. Materialmente, eu sou rico pela minha família (...) Todos os meus bens são da igreja, tudo o que eu uso é da igreja (...) uso o carro da Igreja (...) [a casa, o apartamento] está (sic) em nome da igreja (...) ganho muito bem, mas o meu ganho é revertido para a igreja, eu devolvo à igreja (...) [O senhor não tem nenhum bem no seu nome?] Só a Record” (IstoÉ/Senhor, 20.6.90).

Tal modelo faz da Igreja Universal prisioneira de uma pessoa física, pois, em sua expansão ela precisa de meios de comunicação de massa funcionando. Ora, se tal sistema de comunicação se encontra majoritariamente em nome de Macedo, é fácil concluirmos que o processo de institucionalização tende a passar, necessariamente, pela pessoa dele. Essa dependência gera uma circularidade, pois Macedo controla a mídia enquanto dela recebe permanente reforço para a manutenção de seu carisma.

A quantidade de elogios a Macedo no jornal de sua Igreja, permite-nos suspeitar que está em funcionamento na IURD uma espécie de “engenharia social”, voltada à fabricação do líder e à manutenção de sua imagem pública. Isso nos faz recordar os mecanismos de criação e manutenção do carisma de Luis XIV, na França, cuja imagem de estadista foi construída e

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retocada por um grupo de especialistas da pintura, arquitetura, filosofia, história, etc. conforme análise de Peter Burke (1994).

c) Poder e conflitosA construção de um carisma, bem como a formulação dos mecanismos de sua passagem para a organização, acontecem num cenário marcado por conflitos. Como já citamos acima, Macedo percebe o mundo como “um campo de batalha”. Mas, como evitar que as guerras externas causem batalhas internas entre os membros de sua aguerrida organização? Talvez por isso está em curso na Igreja Universal, aparentemente com o consentimento do próprio Macedo, um processo de fortalecimento institucional e a adoção de estratégias de transferência do seu carisma, e, dos demais pastores e bispos, para a instituição eclesiástica.

Edir Macedo experimentou um período de relativa calma após os conflitos iniciais com os demais empreendedores até que, com a expansão da Igreja nos anos 80 e a aquisição de emissoras de rádio e de televisão, houve um abrupto aumento dos cargos disponíveis, das oportunidades de trabalho e conseqüentemente, multiplicaram-se os apetites de pastores e leigos. É claro que, havendo mais demanda do que oferta de cargos, uma ou outra manifestação de discordância acabou por acontecer. Por exemplo, em 1991, Carlos Magno de Miranda, frustrado em suas expectativas políticas, abandonou a Igreja, provocando um grande barulho, cujo eco ainda se fez notar na mídia, no final de 1995.

Aliás, o ano de 1995 foi marcado por vários fatos: o escândalo do “chute à santa”; o acirramento dos conflitos com Rede Globo; a deserção do bispo Renato Suhett5 e a publicação de um livro de denúncias de Mário Justino, um ex-pastor, negro, aidético, viciado em drogas e homossexual, que denunciou a Igreja por ter-lhe criado oportunidade de se drogar, prostituir e contrair AIDS, ainda como pastor. Que tipo de dificuldades e conflitos essas deserções tornaram manifestas?

Até o momento, a força de Edir Macedo tem sido suficiente para abafar descontentamentos individuais. A proibição de pastores pregarem em outros templos, a absorção de todo o tempo disponível deles no templo local, o isolamento de cada um em suas respectivas áreas de trabalho, o rodízio permanente, tudo impede a formação de grupos de descontentes, neutraliza possíveis atos de rebeldia e permite a individualização do conflito. Nesse sentido, a Igreja Universal se tornou “uma associação hierocrática compulsória”, graças à sua “organização contínua”, sob a autoridade de um homem só ou de um pequeno grupo, que mantém autoritariamente, o monopólio dessa coerção (Weber, 1989:109,110). É por isso que, a obediência, conseguida por coerção ou persuasão, é o alicerce sobre o qual repousa a Igreja Universal como instituição religiosa. A necessidade de obediência foi exposta por Macedo (1991:76) da seguinte forma:

“Ninguém tem o direito de se voltar contra a autoridade instituída por Deus, pois é o próprio Deus que tem que tomar as devidas providências para fazê-lo sair ou permanecer na condição de autoridade espiritual, (...) ninguém deve nem pensar em se colocar no lugar de Deus e procurar tomar providências contra o ungido do Senhor! E muito menos tecer comentários negativos a respeito daquela autoridade espiritual.”

5 Renato Suhett foi, até 1993, além de Macedo, o único bispo da Igreja Universal no Brasil. No final daquele ano, Macedo resolveu ordenar outros bispos e transferiu Suhett para os EUA. Alegaram-se naquela oportunidade que tais procedimentos eram necessários devido ao crescimento contínuo da Igreja, no Brasil e no mundo. ( Folha Universal, 21.11.93). No final de 1995 Suhett rompeu com Macedo e fundou a sua própria Igreja, cujo templo em São Paulo se situa a dois quarteirões do maior templo de Macedo, no bairro do Brás. (Cf. Revista “Vinde”, n° 2, dezembro de 1995).

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A esta altura perguntamos: Até quando esses mecanismos controladores, que têm se mostrado tão eficientes na manutenção da paz e unidade da Igreja Universal, ou pelo menos na ocultação das desavenças do público, se manterão eficientes? Que conseqüências tais conflitos trazem para o recrutamento e treinamento de novos agentes?

4 Recrutamento e funções do pastor na Igreja Universal

O pastor possui na Igreja Universal o status de “homem de Deus”. Em nível local um pastor gerencia o culto e todas atividades de um templo, coordenando a equipe de pastores auxiliares e obreiros, mantendo um status de relações pública com os fiéis. Além dessas atividades o pastor deve atuar no palco-altar como ator, pregar, curar, atender pessoas no local de culto, estar à disposição do setor de publicidade da Igreja, administrar o templo, liderar o público durante o culto, distribuir os sacramentos, contar as ofertas, elaborar mapas de freqüência aos cultos, relatórios financeiros, assim como outras tarefas determinadas pelo “pastor regional” ou bispo e, acima de tudo, estar disponível a ser transferido, a qualquer hora, para o lugar que a Igreja lhe determinar.

O regimento interno da Igreja Universal (IURD, s/d.:116,119). consagra aos deveres e atribuições dos pastores seis longos artigos. O artigo 32 é composto por dez parágrafos e dispõe sobre tudo o que o pastor não pode fazer. Entre eles: exercer, sem autorização, atividades estranhas ao ministério; realizar trabalhos em outras igrejas, sem prévio consentimento do supervisor regional; apanhar vales do movimento de sua Igreja; assumir responsabilidades financeiras além de suas próprias condições; alugar ou vender imóveis da Igreja, bem como comprar em seu nome, móveis ou imóveis, para uso da Igreja; movimentar contas bancárias em seu nome com dinheiro da Igreja; aceitar donativos de fiéis para si ou para seus familiares; pregar ou ensinar doutrinas que contrariem os princípios da Igreja

O recrutamento e treinamento dos líderes religiosos, sacerdotes, pastores ou profetas é um dos temas mais desafiantes na análise sociológica das organizações religiosas e sobre ele trabalhamos em 1987, quando analisamos o clero de uma denominação pertencente ao protestantismo histórico. O recrutamento visualiza as maneiras pelas quais os determinismos sociais se tornam “escolhas” pessoais. No discurso religioso, de um modo geral, prevalecem as palavras “vocação” e “chamado divino” para designar a “conversão” à carreira. Mas, de onde saem os pastores iurdianos e, em que sentido, tais origens sociais determinam a forma de comportamento e a visão de mundo desses agentes?

Na Igreja Universal os pastores, quase na totalidade são homens, recrutados do corpo de evangelistas e obreiros. Alguns deles, vêm de uma experiência religiosa anterior de envolvimento com o kardecismo ou cultos afro-brasileiros. Um grande número diz ter sido católico nominal e poucos passaram pelo exercício do pastorado em outras denominações religiosas. É comum afirmarem que se converteram num determinado dia, iniciando-se assim, durante essa experiência matricial, uma atração irresistível para um trabalho religioso mais ativo na Igreja: “ganhar almas para Cristo”.

A observação da postura corporal, linguagem, nível de raciocínio e aspirações expressas pelos pastores, indicam procederem das camadas mais pobres da sociedade, espaço onde se localiza o celeiro das vocações pastorais dessa Igreja, como também pudemos encontrar entre pastores das denominações protestantes tradicionais (Campos, 1987). O polêmico testemunho de Mário Justino (1995:59) lança algumas pistas sobre as origens sociais de alguns desses pastores:

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“As primeiras reuniões de pastores, que Rodrigues [responsável na época pelas igrejas da Bahia] realizou, foram basicamente uma enxurrada de ameaças e baixarias. A mensagem foi curta e grossa: O pastor que não atingisse a meta de oferta, que ele havia estipulado levaria um chute no traseiro (prefiro usar esta palavra). Sabendo de nossa origem humilde, ele prometeu fazer cada um de nós voltar à antiga vida dura de pedreiros, garis e padeiros, caso não levantássemos o dinheiro que ele queria” (os grifos são nossos).

Mas, como a Igreja consegue transformar essa massa tão heterogênea de homens num conjunto harmônico em procedimentos, maneiras e retórica, pelo menos aparentemente? Como foi dito acima, o treinamento do futuro pastor acontece num templo determinado, e pouca ou nenhuma ênfase se dá a uma formação escolar sistematizada, objeto de desconfiança de Edir Macedo (Folha Universal, 5.6.94). Segundo ele:

“A Igreja do Senhor Jesus Cristo hoje, é fruto do trabalho dos servos do Espírito Santo feito nos discípulos formados ontem. A Igreja (...) manhã vai depender do trabalho que está sendo executado pelos servos do Espírito Santo nos discípulos que estão em formação hoje. Essa formação de discípulos somente pode ser realizada pelos verdadeiros discípulos (...) e não por um simples leigo, seguidor, pregador ou instrutor teológico (...).”

Desta forma, é no cotidiano que o futuro pastor assimila, não somente um universo simbólico, mas sobretudo as melhores técnicas de como trabalhar o público., tirar uma boa coleta, dar um bom conselho, realizar milagres e fazer exorcismo.

A teoria elaborada por Pierre Bourdieu (1983:94; 1990:21,98) sobre o habitus lança algumas luzes sobre as maneiras pelas quais se dá a construção de uma espécie de ponte entre indivíduo e organização. Para ele, “hábitus são sistemas de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita, que funciona como um sistema de esquemas geradores...” Dentro desse raciocínio é possível afirmar que é graças ao processo de aprendizagem que os agentes sociais interiorizam os motivos geradores de suas respectivas ações.

Na IURD, a inculcação do habitus no pastor, não resulta do fato dele ter passado por uma instituição escolar legítima, embora alguns tenham cursado o Instituto Bíblico Universal. Dessa forma, ao contrário de outras Igrejas, o candidato ao pastorado não se despoja de suas raízes sócio-culturais, que motivaram a sua vida até recentemente, garantindo assim que o processo de treinamento não se dê por ruptura e sim, por continuidade. Conseqüentemente, o pastor assume papéis que estiveram anteriormente em alta, agora reformulados, tais como xamã, exorcista, pai-de-santo, etc. Observamos também, que quase todos os pastores iurdianos experimentaram em sua vida pregressa, episódios de falência social múltipla pois, se não foram empregados subalternos, tiveram envolvimento com drogas, criminalidade ou transitaram por inúmeras religiões antes de aportarem na Igreja Universal.. Todavia, a programação do novo papel exige a combinação das exigências da organização religiosa, das expectativas do público e das necessidades pessoais e familiares de cada um. O pastor da Igreja Universal experimenta na carne o dilema do ator que, no ato cênico, está entre o público e o autor do roteiro dramatúrgico. É dentro dessa estreita faixa que ele terá de atuar com flexibilidade para criar novas soluções e dirigir teatralmente o ritual de culto.

Por outro lado, cada pastor tem suas expectativas próprias. O problema é como conciliar tudo isso. Daí, a grande quantidade de deserções que pudemos observar, porém, não quantificar. A deserção é temida porque significa a volta às origens, e a carreira pastoral, por mais

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problemas que tenha, ainda é melhor, se comparada com a situação imperante nas origens desses pastores.

A expansão da Igreja Universal nos Estados Unidos, África e Europa têm criado problemas de caráter cultural e organizacional para a sua direção. Principalmente porque falta ao seus quadros de obreiros uma formação social, cultural e lingüística apropriada para competir com experts locais, assim como para, no dizer de Stephan H. Rhinesmith (1996), gerir a competitividade, a complexidade, a adaptabilidade, a incerteza e a integração, tudo dentro de um quadro mental apropriado para um momento de globalização. Textos e matérias publicados no jornal oficial da Igreja demonstram a incapacidade desses “pastores-missionários” de compreenderem as culturas que os acolhem, a não ser por meio do prisma da demonização de suas práticas religiosas. Além do mais, o pastor iurdiano, tal como executivos de multinacionais, analisados por Max Pagés et alii (1987:73-94,119-124), guardando-se as devidas proporções, é sempre um expatriado, um indivíduo desterritorizado, que se mantém sozinho, diante da organização onipotente e dona de seu destino.

Essas dificuldades de adaptação têm acontecido com freqüência no pastoreio dos florescentes templos iurdianos na África do Sul, Angola, Moçambique e em outros países africanos. Pastores enviados para lá, saídos do centro-sul brasileiro, não se têm adaptado com facilidade à dura realidade africana. A IURD está no momento experimentando nordestinos, que, em função da cultura menos urbana e industrializada, têm dado melhores resultados nos campos missionários da África. Porém, além de todas as demais exigências, acrescente-se ainda a obrigatoriedade de se praticar, antes da viagem para o exterior, a vasectomia, aparentemente com o objetivo de diminuir as despesas da Igreja com o remanejamento e sustento dos pastores fora do País.

As deserções de pastores, um recurso humano fundamental para a expansão da Igreja, é um outro problema para a IURD. Verificamos que há muitos casos de abandono do pastorado devido às tradicionais “tentações” do sexo, dinheiro e disputa de poder. Mas, poucos pastores deixaram a Igreja para montar seus próprios “negócios” religiosos, e os que fizeram isso nem sempre tem demonstrado muito sucesso. Um deles, Carlos Magno Miranda, possui apenas um templo em Recife com pouco mais de 500 membros e, cinco anos depois da deserção, ainda é acusado de fazer chantagem para conseguir dinheiro da Igreja Universal ou da mídia, vendendo fitas de vídeos de “alto interesse jornalístico”, segundo a Rede Globo (Folha de S.Paulo, 7.1.96), fitas essas transformadas em um grande “escândalo nacional”, em dezembro de 1995. Nesse conjunto de cisões, talvez somente a Igreja Internacional da Graça de Deus, organizada em 1980 pelo cunhado de Edir Macedo e ex-fundador da IURD, missionário Romildo R. Soares, teve maior sucesso, pois controla cerca de 250 templos no Brasil, mas somente um no exterior (no Uruguai), e cuja presença na mídia é limitada.

A IURD tem enfrentado também algumas dificuldades com a mão de obra feminina. Há na ativa somente algumas pastoras, todas elas restantes de um primeiro momento de expansão do empreendimento. Atualmente prevalece uma cultura machista que permite tão somente o emprego nas atividades da Igreja de mulheres como “obreiras”, uma auxiliar voluntária do pastor, que ao lado dos “obreiros” são as pessoas indispensáveis na coreografia religiosa iurdiana e no atendimento inicial das pessoas que procuram seus templos.

A retórica da Igreja, na palavra do pastor Sidney Marques (TV Record, 9.6.96) tenta convencer aos que permanecem sobre o perigo da deserção:

“a comunhão com Deus é a única coisa que impede o diabo de destruir você. De nada adiantou tudo o que você fez na Igreja quando você não tiver mais fidelidade. Pode

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ser pastor, obreiro ou qualquer outra coisa. Ele não é mais fiel à Deus (...) Você quando é firme, não sai da Igreja, mesmo que saia um pastor ou até um bispo (...) perseverança é noventa por cento da fé.”

5 Os desafios organizacionais de um crescimento mundial

Que conseqüências um rápido processo de crescimento e de expansão mundial pode provocar internamente em uma organização religiosa e, externamente, no campo religioso, palco de sua atuação?

No Brasil, os números do crescimento Universal são contraditórios e variam de uma fonte para outra. Por exemplo: A revista Veja (17.7.91) atribuía naquele ano à IURD l,5 milhão de seguidores e um total de 2,7 mil pastores, enquanto a revista IstoÉ (17.11.93) informava, dois anos depois, que eram cinco milhões o número de membros e 1.435 o de pastores. Em 9.8.95 Veja publicava outros números: três milhões de seguidores, dois mil templos no Brasil e sete mil pastores. Essa desinformação é retroalimentada pelo ufanismo da Igreja, estampado nas manchetes de seu jornal que alardeiam: “Minas e Pará ganham novas igrejas”; “em S. José dos Campos, a maior IURD da América Latina”; “em Salvador, a Catedral da Fé”, etc. (Folha Universal, 25.2.96 e 26.5.96).

Tomando-se esses números, mesmo como referência limitada, podemos perceber que a quantidade de templos da Igreja Universal, no Brasil, pulou de 1435 (Veja, 93) ou 1876 (IstoÉ, 94) para 2014 (Jornal da Tarde, 95), o que representa um crescimento de 40,34% na estimativa desse período. Se, porém, tomarmos o dado do Instituto Evangélico de Pesquisa, que calculava em 800 os templos da IURD em 1989, essa porcentagem seria muito maior.

A expansão externa começou na metade dos anos 80, época em que os primeiros templos foram inaugurados no Paraguai (1985) e Estados Unidos (1987). O crescimento da Igreja Universal, fora de seu país de origem, tem sido objeto de matérias em inúmeras publicações. A imprensa diz estar havendo uma “expansão do império universal”, “invasão dos países africanos”, “fé sem fronteiras” ou uma nova “multinacional da fé.” Algumas manchetes publicadas na Folha Universal (31.12.95; 17.12.95; 25.11.95; 28.1.96; 19.3.95; 5.3.95) expressam o grau de euforia e ufanismo provocados por tais avanços:

“A Universal se agiganta em todos os continentes”; “O coração da África é vermelho e tem no seu interior uma pombinha branca” [símbolo da Igreja]; “Madson Square Garden se transformou num grande templo onde milhares de pessoas foram abençoadas e curadas”; “A IURD não pára de crescer na França”; “Templo em Joanesburgo com instalações para 5 mil”; “Apesar das perseguições a IURD cresce em Portugal”.

Podemos mensurar a expansão da IURD, em vários países e continentes, durante o decênio 1985-1995, da seguinte forma, em número de templos e porcentagem deles do total de 236: América Latina, 79 templos (33,4%); África, 52 (22,0%); América do Norte, 24 (10,2%); Ásia, 8 (3,5%); Europa, 73 (30,9%). Esses números6 indicam que, nesse período, foram abertos no exterior l,96 templos/ mês, enquanto no Brasil, desde 1977, a Igreja Universal consagrou 2014 templos; uma média de 9,32 templos/mês. Contudo, o crescimento se dá mais

6 Fonte: Revista Veja (19.4.95), Jornal da Tarde (4.8.95); Correio Brasiliense (25.3.94) e IstoÉ (14.12.94).

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em países cuja cultura facilita o sincretismo da matriz original: protestantismo pentecostal, catolicismo popular, religiões afro-brasileiras e kardecismo.

Mesmo assim, os números não informam tudo a esse respeito, porque alguns países concentram um elevado número de templos iurdianos, o que provoca distorções na média por regiões. Por exemplo, a Argentina possui 27,8% dos templos abertos na América Latina; Portugal, 72,6% dos templos europeus e 30,9% da totalidade dos templos da Igreja Universal no exterior; a África do Sul, 32,6% e os países africanos de fala portuguesa, 36,5%, de um total de 52 templos instalados naquele continente.

Sobre o tipo de seguidores existentes, na maioria desses países, temos informações que os fiéis da Igreja Universal são emigrantes luso-brasileiros, latino-americanos ou de outras nacionalidades e muitos deles vivem uma situação imigratória irregular. A IURD, habituada a atender excluídos sociais no Brasil, exporta seu know how em criar “ilhas de reencantamento” entre classes médias e pobres, nas grandes metrópoles mundiais.

Essa expansão gerou problemas quanto aos recursos humanos, agravados pelo fato de que, aparentemente, Edir Macedo não vê com bons olhos, o emprego de pastores nativos para administrar essas igrejas, talvez por temer riscos de futura desagregação do empreendimento. Isto explica porque, pelo menos para os postos mais importantes como pastorado efetivo dos maiores templos, administração dos jornais, estações de rádio e programas de televisão, assim como para o bispado, têm-se nomeado brasileiros. Por outro lado, emprega-se o rodízio contínuo de pastores e a estratégia de “desterritorialização” dos recursos humanos, aumentando-se assim a dependência dos pastores em relação a organização, técnica também empregada pelas multinacionais.

A Igreja Universal optou por um modelo episcopal de governo, e tem um bispo responsável pela sua atuação em cada país ou região. Porém, a manutenção dessa unidade organizacional exigirá, com certeza, uma notável capacidade de administrar eficientemente demandas de culturas diferentes e tendências conflitantes, se quiser evitar a fragmentação, um fenômeno bastante comum no meio pentecostal. Possivelmente, uma maior dose de liberdade e de flexibilização doutrinária, ritual e pastoral, poderão atenuar os efeitos da centralização administrativa, mas isso aumentará, por outro lado, o risco das cisões.

Há também outras dificuldades para a Igreja Universal fora do Brasil. Por exemplo, a IURD somente se dá bem, num contexto no qual ela pode localizar, visualizar inimigos e lhes declarar uma “guerra santa”. Entretanto, ao fazer isso, essa Igreja se torna refém de sua própria cultura e estratégias, até porque, para criar uma identidade específica, ela tende a se isolar e a batalhar em muitas frentes, provocando alterações na configuração do campo religioso que provocarão, a longo prazo, um esvaziamento de suas atuais estratégias de crescimento. Também a IURD poderá sofrer as conseqüências do processo de racionalização e de institucionalização desencadeado por ela mesma, pois, como afirma Bourdieu (1982:60), “toda seita que alcança êxito tende a tornar-se Igreja, depositária e guardiã de uma ortodoxia, identificada com as suas hierarquias e seus dogmas, e, por essa razão, fadada a suscitar uma nova reforma”.

Todavia, a introdução de reformas internas nas organizações religiosas esbarram em situações e privilégios cristalizados e na conseqüente distribuição interna de poder. Macedo mantém os leigos afastados da gestão dos bens simbólicos e materiais acumulados. A manipulação do capital simbólico acumulado está reservada a uma limitada oligarquia, o que certamente dificulta até mesmo o questionamento interno das diretrizes adotadas e das decisões sobre o destino desses bens. Por outro lado, o rígido controle estabelecido pelo líder carismático sobre

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o conjunto da organização poderá levá-la a uma perda do dinamismo e da flexibilidade, elementos indispensáveis a uma religião que procura colocar em primeiro lugar as necessidades de um mercado devidamente segmentado. Resta saber até quando o clima socio-cultural estimulará o rápido crescimento de empreendimentos como o da Igreja Universal do Reino de Deus, cuja mola mestra de expansão repousa em estratégias de comunicação e marketing, como temos demonstrado em outras publicações (Cobra, Borges e Campos, 1996).

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QUESTÕES SOBRE O CASODA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

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ste caso deve ser estudado, de acordo com o próprio autor (Campos, 1996), "a despeito das alegadas experiências de fé irredutíveis aos olhares da ciência", uma vez que "os atores das organizações religiosas decidem com

os pés em terra, firmemente plantados no ambiente terreno, de onde retiram os argumentos racionais e fundamentam seus interesses".

EDesta forma, você deve responder às questões abaixo, como um gerente de operações, um executivo, analista e estrategista empresarial, vendo a organização denominada IURD como a "maior multinacional" genuinamente brasileira. As questões a seguir envolvem tanto os aspecto metodológicos quanto o conteúdo e interpretação do texto.

1 - Que estilo e problemas gerenciais brotam de um movimento religioso ao se transformar em uma gigantesca organização ? Quais são as principais dificuldades enfrentadas pela IURD dentro e fora do Brasil ?

2 - Comentar sobre como ocorre a multiplicação de objetivos, o estabelecimento de mecanismos de controle, e a separação entre os que “consomem” e os que “produzem” na IURD.

3- Descrever, na sua opinião, qual é a estratégia do negócio para a IURD. Descrever o que você pensa serem as estratégias de algumas microoperações, como por exemplo, no recrutamento dos pastores e no atendimento aos "clientes".

4 - Discutir de forma sucinta:

a) Quais são as principais formas de exercício do poder e de comunicação utilizadas pela IURD ?

b) Quais são as formas de administrar aos recursos humanos na IURD ?

5 - Que conseqüências o rápido processo de crescimento e de expansão mundial pode provocar (e está provocando) internamente na IURD e, externamente, no campo religioso, palco de sua atuação?

6- Especificar em poucas palavras: (na sua visão)

a) Apresentar o tema deste trabalho;b) Enunciar o problema estudado pelo autor;c) Enunciar o(s) objetivo(s) do trabalhod) Mostrar a justificativa (importância) destacada pelo autor;e) Explicar a metodologia usada (como foi feito o trabalho ?, Qual o método

usado ? - conforme o Cap.5 do livro texto, OLIVEIRA, 1997).f) As principais conclusões do autor.

7- Comentar sobre a natureza do conhecimento exigido para se desenvolver um trabalho desta natureza (conforme o Cap. 6 do livro texto).

8- Tomando por base o modelo de critérios para avaliação de trabalhos científicos em Administração proposto por BERTERO, CALDAS & WOOD Jr. (1999) * você

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deverá exercitar sua aplicação prática, utilizando-o para analisar este trabalho sobre a Igreja Universal do Reino de Deus (CAMPOS, 1996). * Utilizar como referência o Quadro 4, da pág. 164.

OBSERVAÇÃO: ESTE TRABALHO DEVE SER ENTREGUE IMPRETERIVELMENTE NA AULA DO DIA 25/09/99

NÃO DEVERÁ SER ENVIADO POR E-MAIL

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LIVRO-TEXTO: OLIVEIRA, Silvio Luiz. Tratado de Metodologia Científica. Pioneira, São Paulo, 1997.

Mestrado em Administração - CNEC/FACECAProf. Luciel Henrique de Oliveira, 1999.

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