culpa e risco

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CULPA E RISCO: Fundamentos ou Critérios de Responsabilização? Rita Marasco Ippólito* SUMÁRIO: Introdução - 1Culpa - 1.1 Noções de Culpa - 1.2 Definição de Culpa - 1.3 Tipos de Culpa - 1.3.1 Culpa Contratual e Extracontratual - 1.3.2 Culpa Grave, Leve e Levíssima - 1.3.3 Culpa in eligendo , in vigilando , in custodiendo , in committendo e in omittendo - 1.3.4 Culpa Presumida e Contra a Legalidade - 1.3.5 Culpa Concorrente - 1.3.6 Culpa in concreto e in abstracto - 2 Risco - 2.1 Noções Gerais - 2.2 Conceito de Risco - 2.3 Modalidades de Risco - 2.3.1 Risco-Proveito - 2.3.2 Risco Profissional - 2.3.3 Risco Excepcional - 2.3.4 Risco Criado - 2.3.5 Risco Integral - 2.4 Críticas à Teoria do Risco - 2.5 Doutrina da Garantia - 2.6 Teoria dos Atos Anormais - Conclusão - Bibliografia Consultada Introdução Intenta-se com este ensaio proporcionar uma maior proximidade com o tema CULPA E RISCO: Fundamentos ou Critérios de Responsabilização, visto ser esta matéria de essencial importância para os lidadores do direito. O tema é aparentemente simples, mas de acordo com o caso concreto, pode tornar-se complexo, causando divergências entre os doutrinadores, assim como a jurisprudência não é pacífica. Salutar que se busque uma adequação das disposições do direito material com as prescrições processuais. 1 Culpa 1.1 Noções de Culpa No nosso ordenamento jurídico vigora a regra geral de que o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos decorre da culpa, ou seja, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente. O comportamento do agente será reprovado ou censurado quando, ante circunstâncias concretas do caso, se entende que ele poderia e/ou deveria ter agido de modo diferente. Portanto, o ato ilícito qualifica-se pela culpa. Não havendo culpa, não haverá, em regra, qualquer responsabilidade. Para nos inteirarmos da noção de culpa, devemos partir da concepção do fato violador de uma obrigação (dever) preexistente. Esse fato constitui o ato ilícito, de que é substractum a culpa. Esta o qualifica. Segundo José de Aguiar Dias, a culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, da ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido restrito e rigorosamente técnico. A culpa, uma vez configurada, pode produzir resultado danoso ou ser inócua. Quando tem conseqüência, isto é, quando passa do plano puramente moral para a execução material, se apresenta sob a forma de ato ilícito. Esta, por sua vez, pode ou não produzir efeito material, o dano. Para a responsabilidade civil só esse resultado interessa, ou seja, só com a repercussão do ato ilícito no patrimônio de outrem é que se concretiza a responsabilidade civil e começa a funcionar o seu mecanismo. 1.2 Definição de Culpa

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Page 1: Culpa e risco

CULPA E RISCO: Fundamentos ou Critérios de Responsabilização?

Rita Marasco Ippólito*

SUMÁRIO: Introdução - 1Culpa - 1.1 Noções de Culpa - 1.2 Definição de Culpa - 1.3 Tipos de Culpa - 1.3.1 CulpaContratual e Extracontratual - 1.3.2 Culpa Grave, Leve e Levíssima - 1.3.3 Culpa in eligendo , in vigilando , incustodiendo , in committendo e in omittendo - 1.3.4 Culpa Presumida e Contra a Legalidade - 1.3.5 Culpa Concorrente -1.3.6 Culpa in concreto e in abstracto - 2 Risco - 2.1 Noções Gerais - 2.2 Conceito de Risco - 2.3 Modalidades deRisco - 2.3.1 Risco-Proveito - 2.3.2 Risco Profissional - 2.3.3 Risco Excepcional - 2.3.4 Risco Criado - 2.3.5 Risco Integral - 2.4 Críticas à Teoria do Risco - 2.5 Doutrina da Garantia - 2.6 Teoria dos Atos Anormais - Conclusão - BibliografiaConsultada

Introdução

Intenta-se com este ensaio proporcionar uma maior proximidade com o tema CULPA E RISCO:Fundamentos ou Critérios de Responsabilização, visto ser esta matéria de essencial importância para oslidadores do direito.

O tema é aparentemente simples, mas de acordo com o caso concreto, pode tornar-se complexo,causando divergências entre os doutrinadores, assim como a jurisprudência não é pacífica.

Salutar que se busque uma adequação das disposições do direito material com as prescriçõesprocessuais.

1 Culpa

1.1 Noções de Culpa

No nosso ordenamento jurídico vigora a regra geral de que o dever ressarcitório pela prática de

atos ilícitos decorre da culpa, ou seja, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente. Ocomportamento do agente será reprovado ou censurado quando, ante circunstâncias concretas do caso, seentende que ele poderia e/ou deveria ter agido de modo diferente. Portanto, o ato ilícito qualifica-se pelaculpa. Não havendo culpa, não haverá, em regra, qualquer responsabilidade.

Para nos inteirarmos da noção de culpa, devemos partir da concepção do fato violador de umaobrigação (dever) preexistente. Esse fato constitui o ato ilícito, de que é substractum a culpa. Esta oqualifica.

Segundo José de Aguiar Dias, a culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do atoilícito, da injúria, da ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo,expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por suaparte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura aculpa no sentido amplo; e a simples negligência em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa nosentido restrito e rigorosamente técnico.

A culpa, uma vez configurada, pode produzir resultado danoso ou ser inócua. Quando temconseqüência, isto é, quando passa do plano puramente moral para a execução material, se apresenta sob aforma de ato ilícito. Esta, por sua vez, pode ou não produzir efeito material, o dano. Para a responsabilidadecivil só esse resultado interessa, ou seja, só com a repercussão do ato ilícito no patrimônio de outrem é quese concretiza a responsabilidade civil e começa a funcionar o seu mecanismo.

1.2 Definição de Culpa

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Inicialmente, importante salientar que vivendo em sociedade, tem-se que pautar a conduta de modoa não causar dano a ninguém. Ao praticar os atos da vida, mesmo que lícitos, deve-se observar a cautelanecessária para que de seu atuar não resulte lesão a bens jurídicos alheios. Essa cautela chama-se dever decuidado.

A inobservância desse dever de cuidado torna a conduta culposa, o que evidencia que na culpaimporta não o fim do agente, que normalmente é lícito, mas o modo e a forma imprópria de atuar.

Savatier diz que culpa "é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Seefetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em matéria de contrato, o dolocontratual. Se a violação do dever, podendo ser conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpasimples, chamada, fora da matéria contratual, de quase-delito".

Continua o autor, registrando que a culpa comporta dois elementos: um, mais caracterizadamenteobjetivo, o dever violado; outro, preferentemente subjetivo, a imputabilidade ao agente.

Analisando a definição apresentada, constata-se que o autor considera impossível definir a culpasem partir da noção do dever.

Lalou, considera culpa "a violação do direito alheio".Por outro lado, os autores alemães compreendem, unicamente, a culpa como fenômeno

exclusivamente moral, que abarca o sentido amplo, correspondente ao dolus , ou seja, a vontade dirigidapara um resultado ilícito, com conhecimento da iliceidade ou da infração ao dever, e o sentido restrito,correspondente à culpa do direito romano, entendida como a omissão do cuidado exigido na vida dosnegócios, pela aplicação do qual seria possível evitar o resultado ilícito, não pretendido, entretanto, peloagente, ou a omissão de aplicação da quantidade suficiente de energia psíquica.

Mazeaud et Mazeaud, reconhecendo a dificuldade de uma definição, criticam as definiçõesconhecidas e ponderam que, não sendo possível encontrar fórmula de rigor absoluto, é preciso descobriruma que seja, a um tempo, suficientemente flexível para atender a todas as necessidades, e suficientementeprecisa para servir de guia aos juízes.

Prosseguem os autores, refutando as definições imprecisas. Afirmam que para definir culpa,geralmente se decompõem a noção de dois elementos, um objetivo, outro subjetivo: a ilicitude e aimputabilidade. O primeiro elemento tem sua fonte no direito romano. A lei Aquília exigia, com efeito, que odano fosse injuria datum , isto é, causado sem direito ou contrariamente ao direito. Realmente, quem ageconforme o direito, de maneira lícita, não é responsável, porque a responsabilidade é sanção da violação deuma regra de direito. Mas por aí não se chega a determinar o que é culpa. Assim, concluem que definirculpa como ato ilícito é não dar definição nenhuma. Quanto ao segundo elemento, a imputabilidade,consideram-no, na sua insuficiência, tão valioso quanto o primeiro. O termo imputável, na sua acepçãoexata, quer dizer atribuível. Mas esse esclarecimento não nos ajuda a estabelecer a noção de culpa.

Ocorre, que a maioria dos autores toma, na verdade, a imputabilidade no sentido de capacidade dediscernimento. Entretanto, ainda aí não se encontra definição de culpa. O que se verifica por essaexpressão é que as pessoas capazes de discernimento podem e as pessoas privadas de discernimento nãopodem praticar ato culposo.

Cabe, ainda, abordar a definição de Mazeaud et Mazeaud - salientam os autores a necessidade deestabelecer a situação entre a infração intencional, ou seja, entre o delito e o quase-delito. Estudam aevolução das expressões delito e quase-delito concluindo que, atualmente, a primeira, em lugar de designaro delito do direito romano, corresponde ao que os jurisconsultos latinos chamavam dolus ; a segunda, queantigamente marcava as situações excepcionais em que a obrigação nascia quasi ex delicto , é, hoje, o queos romanos classificavam como culpa. Confundem-se, pois, de uma parte, dolo e delito, e, de outra, culpa equase-delito. Culpa delitual ou dolo é a falta intencional. Culpa quase-delitual ou culpa simplesmente dita é anegligência ou imprudência.

Assim sendo, a culpa consiste em erro de conduta. Para determinar o seu conceito, é precisoestabelecer o critério de apreciar esse erro. Para uns, a conduta do agente deve ser apreciada emcomparação com a de um tipo determinado: o erro será aquele procedimento que o tipo-padrão nãoadotaria. Para outros, cumpre examinar o ato em relação à consciência do agente, isto é, investigar se elalhe reprova ou não o procedimento. É evidente que a apreciação da culpa in concreto não pode fornecerum critério aceitável, em face dos princípios jurídicos. É por isso que, a maioria dos autores, preconiza quese impõe a apreciação da culpa em abstrato.

Além disso, há divergências, ainda, no momento de precisar qual o tipo-padrão orientador daconfrontação de procedimentos. Aqui, a doutrina aponta como uma boa solução colocar o tipo decomparação na situação onde se encontrava o agente, e pesquisar como teria reagido em face das

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circunstâncias internas. Agindo conforme a reação do tipo-padrão, em momento idêntico, o agente teráagido bem. Caso contrário, nas mesmas circunstâncias externas, incorre em culpa.

Entretanto, Mazeaud et Mazeaud também sofreram críticas. Diz a doutrina que os juristasassumem responsabilidade gravíssima, como defensores da teoria da culpa, ao dispensar, na suaconfiguração, o elemento interno. Ocorre, que tal doutrina é insustentável dentro da teoria clássica da culpa,porque esse critério de apreciar a culpa in abstrato incide em dois erros graves: a) excluir o elementovontade consciente como fundamento principal para a fixação do erro de conduta - se Mazeaud etMazeaud afirmam que a culpa é um erro de conduta, indispensável se torna que o agente seja capaz deapreciar os limites da conduta normal, para que possa apreciar in abstracto a conduta; b) excluir, porcompleto, na apreciação da culpa in abstracto , certos elementos pessoais que devem ser ponderados paraa fixação da responsabilidade do agente.

Importante, também, referir que ainda que a culpa não possa dispensar o elemento moral, a noçãotradicional da culpa jurídica difere da noção da culpa moral. Para que essa possa ser estabelecida, énecessário que o agente conheça a norma impositiva ou proibitiva, saiba que certa atitude viola e queira(vontade direta) ou permita (vontade indireta: imprudência, negligência, indolência) que o resultado dolosose efetive. Assim, dependendo de funções próprias, a culpa moral é eminentemente subjetiva. A culpajurídica, entretanto, dispensa esses pressupostos, porque não é preciso que o agente conheça a normaimperativa ou proibitiva, como não é necessário o reconhecimento de que o ato viole, nem a consciência dosresultados da violação.

No sistema do Código Civil Brasileiro, o legislador preferiu adotar a noção do ato ilícito. Suadefinição pode ser articulada por meio dos arts. 159 e 160 do Código.

O que se verifica é que o legislador brasileiro desprezou a distinção entre delitos e quase-delitos edeixou de definir culpa.

Do exposto, ficou a concepção de culpa genérica, que se desdobra em dolo e culpa propriamentedita - aquele não é o vício de vontade, mas o elemento interno, que reveste o ato da intenção de causar oresultado, ao passo que na culpa, em sentido restrito, a vontade é dirigida ao fato causador da lesão, mas oresultado não é querido pelo agente. A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, istoé, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado,mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais da suaatitude.

Vale salientar que, modernamente, o conceito de dolo alargou-se, convergindo a doutrina no sentidode caracterizá-lo na conduta antijurídica, sem que o agente tenha o propósito de prejudicar. Abandonando anoção tradicional do animus nocendi , aceitou que a sua tipificação delimita-se no procedimento danoso,com a consciência do resultado. Para a caracterização do dolo não há mister perquerir se o agente teve opropósito de causar o mal. Basta verificar se ele procedeu consciente de que o seu comportamento poderiaser lesivo.

Da culpa, caracterizada no art. 159 do Código Civil como negligência ou imprudência, decorremoutros fatores. Aqui, estão compreendidas a negligência, imprudência e a imperícia, que são todas formasdesse elemento essencial: a falta de diligência, falta de prevenção e falta de cuidado. Negligência é aomissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regema conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam operar comatenção, capacidade, solicitude e discernimento. Consiste a imprudência da precipitação no procedimentoinconsiderado, sem cautela, em contradição com as normas do procedimento sensato. Caracteriza-se aimperícia, originariamente, pela falta de habilidade técnica.

1.3 Tipos de Culpa

1.3.1 Culpa Contratual e Extracontratual

Primeiramente, cabe, agora, mencionar que há autores que defendem que a responsabilidade civildeve ser estudada em plano único - são os adeptos da teoria unitária ou monista. Mas, esse posicionamentonão importa em desconsiderar as diferenças existentes entre esses dois aspectos da responsabilidade. Oque significa é que essas diferenças não são fundamentais, não atingem os princípios essenciais daresponsabilidade, pois uniformes são os seus efeitos.

De fato, basicamente as soluções são idênticas para os dois aspectos. Tanto em um como em outro

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caso, o que, em essência se requer para a configuração da responsabilidade são estas três condições: odano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, o nexo de causa e efeito entre os primeiros elementos.

Esta convicção é, hoje, dominante na doutrina. Entretanto, nos códigos de diversos países, inclusiveo Brasil, tem sido acolhida a tese dualista ou clássica, embora largamente combatida.

Algumas codificações modernas, no entanto, tendem a aproximar as duas variantes daresponsabilidade civil, submetendo a um regime uniforme os aspectos comuns a ambas. É o que ocorre, porexemplo, com o Código alemão e o português.

Quanto à natureza do dever violado, a culpa será contratual se esse dever tiver por fonte umarelação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, como, por exemplo, se olocatário que deve servir-se da coisa alugada para os usos convencionados não cumprir a obrigação. Se odever tiver por causa geradora a lei ou um preceito geral de Direito, teremos a culpa extracontratual ouaquiliana, como ocorre no caso do proprietário de um automóvel que, imprudentemente, o empresta a umsobrinho menor, sem carta de habilitação, que ocasiona um acidente.

Enumerando diferenças entre as duas espécies, tem-se que a responsabilidade contratual se fundana autonomia das vontades - sua causa é uma promessa; a capacidade das partes é condição para que seestabeleça; em matéria de conflitos de leis, determina-se pela legislação implicitamente escolhida pelaspartes; a solidariedade não se presume e há possibilidade de, em certos casos, afastar ou atenuar aresponsabilidade pelas cláusulas de exoneração. Por outro lado, a responsabilidade extracontratual, não sefunda na autonomia de vontades, mas em imposição de ordem social - independe de capacidade das partes;rege-se pela lei do local onde se pratica o ato danoso; admite a presença de solidariedade e restringe aeficácia das cláusulas de irresponsabilidade.

Deve-se, ainda, dizer que, no que se refere ao ônus da prova, em se tratando de responsabilidadecontratual, o credor só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida, isto é, deve, apenas,constituir o devedor em mora. Caso a responsabilidade seja extracontratual, o autor da ação é que fica como ônus de provar que o fato se deu por culpa do agente.

Cumpre, também, mencionar que, algumas vezes, o dever de indenizar surge das negociaçõespreliminares, isto é, explica-se pela teoria da culpa in contrahendo - é a chamada responsabilidadepré-contratual. Este tipo de responsabilidade ocorre no caso de um dos interessados induzir o outro acrença de que o contrato será celebrado, levando-a a despesas ou a não contratar com terceiros e, depois,sem qualquer motivo, põe termo às negociações, causando-lhe dano.

E tal se dá porque a honra, a palavra empenhada e a dignidade são atributos que devem valer por sisó, dispensando formas sacramentais.

O nosso direito ao adotar o princípio da culpa como fundamento de responsabilidade civil não toleratais deslizes e, por isso, não pode deixar de obrigar o ressarcimento de prejuízos dessa natureza. O que elemanda reparar não é propriamente a consumação da perspectiva que falhou, mas o prejuízo a que a outraparte foi levada pelo aceno irrefletido, imprudente ou malicioso do faltoso.

Ocorre, por exemplo, quando uma das partes já sabe do perecimento do objeto e mesmo assim,sonegando a informação, leva o outro contratante a celebrar o ajuste.

Caio Mário da Silva Pereira diz que "a denominação culpa in contrahendo não deve influir na suaclassificação. O que a caracteriza é a natureza do comportamento. Em razão deste, ela deve serclassificada como responsabilidade extracontratual ou aquiliana, e não como responsabilidade contratual.Não consiste em infringir uma cláusula ou norma convencional, porém é de se qualificar como ofensa aoprincípio geral de não lesar - neminem laedere".

1.3.2 Culpa Grave, Leve e Levíssima

Examinada pelo ângulo da gravidade, a culpa será grave se o agente atuar com grosseira falta decautela, com descuido injustificável ao homem normal, impróprio ao comum dos homens. É a culpa comprevisão do resultado, também chamada de culpa consciente, que se avizinha do dolo eventual do DireitoPenal. Em ambos há previsão ou representação do resultado, só que no dolo eventual o agente assume orisco de produzi-lo, enquanto na culpa consciente ele acredita sinceramente que o evento não ocorrerá.

Pode-se citar, como exemplo, a situação do motorista que, em excesso de velocidade, atravessa umsinal de trânsito fechado.

Haverá culpa leve se a falta puder ser evitada com atenção ordinária, com o cuidado próprio dohomem comum, de um bonus pater familias .

Já a culpa levíssima caracteriza-se pela falta de atenção extraordinária, pela ausência de habilidade

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especial ou conhecimento singular.Cumpre dizer que, ainda que levíssima, a culpa obriga a indenizar - in lege aquilea et levissima

culpa venit - medindo-se a indenização não pela gravidade da culpa, mas pela extensão do dano. Cabedizer que o novo Código Civil abriga essa idéia no seu art. 944.

De outra banda, Fernando Noronha, afirma que "já não parece ser fundada a responsabilidade combase em culpa levíssima. Pelo menos em princípio, quem procede com normal diligência não deve serresponsabilizado por danos causados a outrem - a não ser que o caso seja daqueles que caiba naresponsabilidade objetiva, mas então não se justificará falar-se em culpa. Ninguém é obrigado a pautar asua conduta comum de acordo com excepcionais padrões de diligência, que só pessoas excepcionalmentecuidadosas teriam. Não se justifica atribuir relevância a negligências mínimas, insignificantes, queescapariam a um homem normal, bom cidadão. Por isso, hoje não é verdadeira aquela sentença: in legeAquilia et culpa levissima venit . A culpa só passa a ser relevante no grau que os antigos chamavam deculpa leve - e que hoje poderemos chamar de mera culpa, ou culpa simples, para distingui-la da culpa grave,equiparada nos efeitos do dolo".

Complementa o autor, que isso não quer dizer que pessoas colocadas em especiais situações nãosejam obrigadas a um grau de diligência diverso do exigível do homem comum. Em especial o profissional,deve estar qualificado para o exercício do seu trabalho, em consonância com aquilo que seria exigível deum modelo de profissional. Porém, ainda neste caso, segundo o autor, não será possível falar em culpalevíssima: a culpa destas pessoas será sempre a normal, só que apreciada com referência ao bomprofissional.

1.3.3 Culpa in eligendo, in vigilando, in custodiendo e in committendo e in omittendo

Esta classificação da culpa diz respeito ao conteúdo da conduta culposa.Quando o fato é praticado por terceiro, chama-se culpa in eligendo aquela que se caracteriza pela

má escolha do preposto. A culpa do patrão ou comitente é presumida pelo ato culposo do empregado oupreposto, consoante a Súmula 341 do STF, em razão da má escolha do mesmo.

De acordo com os termos do art. 933 do Novo Código Civil, se admitir ou manter a seu serviçoempregado não habilitado legalmente ou sem aptidões requeridas, não há mais que se indagar se houve ounão culpa in eligendo , respondendo, por isso, independentemente daquela culpa, pelos fatos lesivos por elepraticados. Conseqüentemente, sua responsabilidade será objetiva.

A culpa in vigilando , por sua vez, decorre da falta de atenção ou cuidado com o procedimento deoutrem que está sob a guarda ou responsabilidade do agente como, por exemplo, os pais que respondempelos atos dos filhos menores.

Aqui, com as inovações do Novo Código Civil, da mesma forma, a responsabilidade será objetiva,nos termos do já citado art. 933.

A culpa in custodiendo é a decorrente da falta de atenção em relação a animal ou coisa queestavam sob os cuidados do agente.

Em consonância com os arts. 936 e 937 do Novo Código Civil, tem-se que, em certos casos, com oescopo de facilitar a prova do ilícito, estabelece presunções iuris tantum de culpa, isto é, que admitemprova em contrário. O lesado exonerar-se-á do ônus da prova, que se transferirá ao lesante.

Por fim, se o agente praticar um ato positivo (imprudência), sua culpa é in committendo ou infaciendo ; se cometer uma abstenção (negligência), tem-se culpa in omittendo , por exemplo, professor denatação que, por estar distraído, não acode o aluno, deixando-o morrer afogado. Entretanto, a omissão sópoderá ser considerada causa jurídica do dano se houver existência do dever de praticar o ato não cumpridoe certeza ou grande probabilidade do fato omitido ter impedido a produção do evento danoso.

1.3.4 Culpa Presumida e Contra a Legalidade

A prova da culpa, em muitos casos, é verdadeiramente diabólica, erigindo-se barreira intransponívelpara o lesado. Em tais casos, os tribunais têm examinado a prova da culpa com tolerância, extraindo-a,muitas vezes, das próprias circunstâncias em que se dá o evento.

Assim por exemplo, se o motorista sobe com o veículo na calçada e atropela o transeunte, a culpadecorre do próprio fato; está in re ipsa , cabendo ao agente afastá-la provando caso fortuito ou força maior.

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No caso da culpa presumida, o autor da ação só precisa provar o dano e o nexo causal entre este ea conduta do agente. Inverte-se o ônus da prova quanto à culpa. Terá o réu que provar que não se houvecom culpa, como, por exemplo, na hipótese do art. 1527 do Código Civil.

Fala-se em culpa contra a legalidade quando o dever violado resulta de texto expresso de lei ouregulamento, como ocorre, por exemplo, com o dever de obediência a certas regras técnicas nodesempenho de profissões ou atividades regulamentadas. A mera infração da norma regulamentar é fatordeterminante da responsabilidade civil - cria em desfavor do agente uma presunção de ter agidoculpavelmente, incumbindo-lhe o difícil ônus da prova em contrário.

1.3.5 Culpa Concorrente

Dá-se a culpa concorrente, modernamente chamada de concorrência de causas ou deresponsabilidade, quando, paralelamente à conduta do agente causador do dano, há também condutaculposa da vítima, de modo que o evento danoso decorre do comportamento culposo de ambos, isto é, avítima também concorre para o evento, e não apenas aquele que é apontado como único causador do dano.

Conclui-se que na culpa concorrente as duas condutas - do agente e da vítima - concorrem para oresultado em grau de importância e intensidade, de sorte que o agente não produziria o resultado sozinho,contando, para tanto, com o efetivo auxílio da vítima.

Havendo culpa concorrente, a doutrina e a jurisprudência recomendam dividir a indenização, nãonecessariamente pela metade, mas proporcionalmente ao grau de culpabilidade de cada um dos envolvidos,que deve ser observado objetivamente, isto é, segundo o grau de causalidade do ato de cada um.

É de se salientar que nem sempre o ato culposo da vítima importará culpa concorrente, pois emmatéria de responsabilidade civil, adota-se a teoria da causa adequada e não da equivalência dosantecedentes, que só tem aplicação no Direito Penal. Ocorre que, se embora culposo, o fato dedeterminado agente era inócuo para a produção do dano, não pode ele, por certo, arcar com prejuízo algum.O que se deve indagar é, pois, qual dos fatos ou culpas foi decisivo para o evento danoso, ou seja, qual dosatos imprudentes fez com que o outro, que não teria conseqüências de si só, determinasse, completado porele, o acidente. Então, a culpa grave necessária e suficiente para o dano exclui a concorrência de culpas - aresponsabilidade é de quem interveio com culpa suficiente para o dano.

A concorrência de culpas, portanto, por se tratar de concorrência de causas, só deve ser admitidaem casos excepcionais, quando não se cogita de preponderância causal manifesta e provada da conduta doagente.

1.3.6 Culpa in concreto e in abstracto

Essa caracterização refere-se aos modos de sua apreciação.

Considerar-se-á in concreto a culpa quando, no caso sub judice , se atém ao exame daimprudência ou negligência do agente, e in abstracto , quando se faz uma análise comparativa da condutado agente com a do homem médio ou pessoa normal, ou seja, do diligens pater familias dos romanos.

Em nosso direito, a culpa é, em regra, apreciada abstratamente, pois nosso Código Civil, ao dizernos arts. 582 e 629 que sua apreciação é in concreto , não visa propriamente apreciá-la concretamente,mas sim encarecer a responsabilidade do agente.

Em outras palavras, apreciar a culpa concretamente seria incompatível com as necessidadessociais, que exigem indenização justa dos lesados: é legítimo que cada pessoa espere que as outras secomportem em harmonia com os padrões conhecidos de perícia, prudência e diligência. Por isso, sempre seprivilegiou a apreciação in abstracto .

A apreciação in abstracto , no entanto, mesmo considerado um modelo ideal de pessoa, não impedeque se considerem as circunstâncias concretas que rodeavam o autor do dano, externas a ele.

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2 Risco

2.1 Noções Gerais

Ocorre que com o passar do tempo a jurisprudência, e com ela a doutrina, convenceram-se de quea responsabilidade civil fundada na culpa tradicional não satisfaz e não dá resposta segura à solução denumerosos casos. A exigência de provar a vítima o erro de conduta do agente deixa o lesado semreparação, em grande número de casos. Com esta conotação, a responsabilidade, segundo a correnteobjetivista, deve surgir exclusivamente fato.

Assim, o agente deverá ressarcir o prejuízo causado, mesmo que isento de culpa, porque suaresponsabilidade é imposta por lei independentemente de culpa e mesmo sem necessidade de apelo aorecurso da presunção. O dever ressarcitório, estabelecido por lei, ocorre sempre que se positivar a autoriade um fato lesivo, sem necessidade de se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, ou melhor,se houve ou não erro de conduta. Com a apuração do dano, o ofensor ou seu proponente deveráindenizá-lo. Mas, como não há que se falar em imputabilidade da conduta, tal responsabilidade só terácabimento nos casos expressamente previstos em lei.

É que, com efeito, se por um lado, no campo da responsabilidade contratual, é fácil determinar ainfração do dever preexistente, o mesmo não ocorre no da responsabilidade extracontratual.

Sendo assim, segundo alguns autores, pouco a pouco a responsabilidade civil marcha em direção àdoutrina objetiva, que encontra maior supedâneo na teoria do risco.

A matéria, sem dúvida, é controvertida.De um lado, temos os que mantêm estrita fidelidade à teoria da responsabilidade subjetiva, repelindo

a doutrina do risco.De outro, há os que abraçam tal teoria, considerando-a o substitutivo da teoria da culpa, que seria

insatisfatória e estaria superada.Em terceiro lugar, sem ser propriamente eclética, a posição dos que admitem a convivência das

duas teorias: a culpa exprimiria a noção básica e o princípio geral definidor da responsabilidade,aplicando-se a doutrina do risco nos casos especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situaçãocriada por quem explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano que sofreu.

Comporta admitir que, inobstante o grande entusiasmo que a teoria do risco despertou, o certo éque não chegou a substituir a da culpa nos sistemas jurídicos de maior expressão.

O que se observa é a convivência de ambas: a teoria da culpa impera como direito comum ou aregra geral básica da responsabilidade civil, e a teoria do risco ocupa os espaços excedentes, nos casos esituações que lhe são reservados.

O Direito Civil brasileiro estabelece que o princípio geral da responsabilidade civil, em direitoprivado, repousa na culpa. Isto não obstante, em alguns setores, e mesmo em algumas passagens dessevetusto instituto, imperar a teoria do risco.

Assim é, que a legislação sobre acidentes no trabalho é nitidamente objetiva; a que regula ostransportes em geral (ferroviário, aeronáutica) invoca-a; a responsabilidade por fato das coisas repousa naresponsabilidade objetiva. Há uma tendência para nela atrair as questões relativas à responsabilidade civildos bancos. Com relação aos direitos do consumidor impera a responsabilidade objetiva, assim como, noque se refere a responsabilidade civil do Estado, atualmente, é a que vigora, nos termos do art. 37, § 6º. daConstituição Federal, entre outros poucos casos.

Concluindo, então, nesses casos, a vítima deverá apenas provar o nexo causal, não se admitindoqualquer escusa subjetiva do imputado.

2.2 Conceito de Risco

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A palavra risco é um conceito polivalente. Várias são as acepções em que se emprega, umasrelativamente próximas, outras bem diferenciadas.

Em termos de responsabilidade civil, risco tem sentido especial, e sobre ele a doutrina civilista,desde o século passado vem-se projetando, com o objetivo de erigi-lo em fundamento do dever de reparar,com visos de exclusividade, ou como extremação da teoria própria, oposta à culpa.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, o conceito de risco que melhor se adapta às condições devida social "é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade,responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente dedeterminar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência ou a um erro deconduta".

Para Sérgio Cavalieri Filho, risco "é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer queaquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente".

A doutrina do risco pode, então, assim ser resumida: todo prejuízo deve ser atribuído e reparado porquem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação decausalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele quematerialmente causou do dano.

2.3 Modalidades de Risco

2.3.1 Risco-Proveito

Pela teoria do risco-proveito, responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa, com baseno princípio de que, onde está o ganho, aí reside o encargo - ubi emolumentum, ibi onus .

O suporte doutrinário dessa teoria, como se vê, é a idéia de que o dano deve ser reparado poraquele que retira algum proveito ou vantagem do fato lesivo. Quem colhe os frutos da utilização de coisasou atividades perigosas deve experimentar as conseqüências prejudiciais que dela decorrem.

A sua grande dificuldade, todavia, está na conceituação do proveito. Quando se pode dizer que umapessoa tira proveito de uma atividade? Será necessário obter um proveito econômico, lucro, ou bastaráqualquer tipo de proveito?

Segundo a doutrina, compreendida a expressão em sentido amplo, a teoria do risco proveito épuramente negativa - ela se confunde com a teoria do risco integral. Lato sensu , esta doutrina poderiacompreender qualquer atividade, pois somente um insensato realiza atos sem ser guiado por um interesse decunho pecuniário ou moral.

Em acepção mais restrita, proveito tem o sentido de lucro, vantagem econômica. Mas, assim sendo,a responsabilidade fundada no risco-proveito ficará restrita aos comerciantes e industriais, não sendoaplicável aos casos em que a coisa causadora do dano não é fonte de ganho. Ademais, a vítima teria o ônusde provar a obtenção desse proveito, o que importaria o retorno do complexo problema da prova.

2.3.2 Risco Profissional

A teoria do risco profissional sustenta que o dever de indenizar tem lugar sempre que o fatoprejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado. Foi ela desenvolvida especificamentepara justificar a reparação dos acidentes ocorridos com os empregados no trabalho ou por ocasião dele,independentemente de culpa do empregador.

A responsabilidade fundada na culpa levava, quase sempre, à improcedência da ação acidentária.A desigualdade econômica, a força de pressão do empregador, a dificuldade do empregado de produzir

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provas, sem se falar nos casos em que o acidente decorria das próprias condições físicas do trabalhador,quer pela sua exaustão, quer pela monotonia da atividade, tudo isso acabava por dar lugar a um grandenúmero de acidentes não indenizados, de sorte que a teoria do risco profissional veio para afastar essesinconvenientes.

2.3.3 Risco Excepcional

Para os adeptos da teoria do risco excepcional, a reparação é devida sempre que o dano éconseqüência de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da vítima, ainda que estranho aotrabalho que normalmente exerça. Como exemplos, podem ser lembrados os casos de rede elétrica de altatensão, exploração de energia nuclear, materiais radioativos, entre outros.

2.3.4 Risco Criado

A teoria do risco criado é por Caio Mário da Silva Pereira, assim sintetizada: "aquele que, em razãode sua atividade ou profissão, cria um perigo está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova dehaver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo".

Fazendo abstração da idéia de culpa, mas atentando apenas no fato danoso, responde civilmenteaquele que, por sua atividade ou por sua profissão, expõe alguém ao risco de sofrer um dano.

Procura-se estabelecer distinções entre a teoria do risco-proveito e a do risco criado, enfatizandoque nesta última não se cogita do fato de ser o dano correlativo de um proveito ou vantagem para o agente.É óbvio que se supõe que a atividade pode ser proveitosa para o responsável. Mas não se subordina odever de reparar ao pressuposto da vantagem. O que se encara é a atividade em si mesma,independentemente do resultado bom ou mau que dela advenha para o agente. A teoria do risco criado,importa ampliação do conceito do risco-proveito. Aumenta os encargos do agente, mas é mais equitativapara a vítima, que não tem que provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelocausador do dano. Deve este assumir as conseqüências de sua atividade.

Necessário, também, distingui-la da teoria dos atos anormais, visto que embora se objetive aatividade em si mesma, não há mister qualificá-la sob esse aspecto. Uma atividade anormal sem dúvidafundamentará a obrigação de indenizar. Não é, porém, dependente esta da anormalidade do ato. Umaatividade normal, exercida por alguém, pode ser causa da reparação, desde que em si mesma cause dano àvítima.

Definida a tendência de nosso direito positivo pela teoria do risco criado, cumpre estabelecer osrequisitos da responsabilidade civil neste contexto.

Desde logo, exclui-se a idéia da anormalidade do ato danoso. Daí, tem-se que a vítima nãonecessita provar se o agente estava ou não no exercício de sua atividade habitual ou se procedia dentro dosusos e costume de seu ambiente social. Por outro lado, descabe para o causador do dano a escusativa denão haver incidido em um comportamento excessivo.

A eliminação destas qualificações retira, portanto, a doutrina do risco criado de qualquer influênciada teoria subjetiva.

Assim, o primeiro requisito do dever de indenizar é o dano e o segundo, é a relação de causalidade,pois haverá indenização se o dano for causado pela atividade do agente.

2.3.5 Risco Integral

A teoria do risco integral é uma modalidade extremada da doutrina do risco destinada a justificar odever de indenizar até nos casos de inexistência de nexo causal. Mesmo na responsabilidade objetiva,

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embora dispensável o elemento culpa, a relação de causalidade é indispensável. Pela teoria do riscointegral, todavia, o dever de indenizar se faz presente tão-só em face do dano, ainda nos casos de culpaexclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.

Dado o seu extremo, o nosso Direito só adotou essa teoria em casos excepcionais.

2.4 Críticas à Teoria do Risco

A teoria do risco tem recebido sérias críticas dos defensores da doutrina subjetiva, ao argumento deque, em razão da demasiada atenção à vítima, acaba por negar o princípio da justiça social, impondocegamente o dever de reparar, e levando a equiparar o comportamento jurídico e o injurídico do agente.

Anteriormente apresentada como substituta da teoria da culpa, que seria insatisfatória e superada,hoje, serve de fundamento para a responsabilidade objetiva ou sem culpa, como já referido.

2.5 Doutrina da Garantia

Há, ainda, que se esclarecer que há doutrinadores, como Starck, que afirmam que o problema daresponsabilidade civil não deve ser colocado nem no plano da culpa, nem do risco, porém na idéia degarantia. O que parece ao referido autor, é que toda a idéia de responsabilidade civil está presa a que umapessoa é obrigada a indenizar a vítima ou porque cometeu uma falta, ou, então, porque tira proveito do atopraticado. E isto é inexato. "É preciso, diz ele, integrar um terceiro fator na equação, o da seguridade davítima, de seus próprios direitos e liberdades".

Continua Starck, aduzindo que a culpa ou o risco não bastam para criar a responsabilidade; umdano é necessário também. Hoje, os danos causados a outrem não deixam aparecer a culpabilidade doautor. O que se defronta são os direitos de uma e de outra parte, que entraram em conflito. Para resolvê-lo,é indispensável estabelecer entre eles uma certa hierarquia. A ordem e a paz social estão neste preço. Aação é a lei do homem, mas a necessidade de segurança é então seu instinto de conservação. Não cabe,portanto, opor a liberdade à segurança.

Conclui, dizendo que estudar a responsabilidade sob o ângulo de um conflito de direitos opondo oautor do dano e a vítima, para o efeito de saber em que medida a ordem jurídica positiva garante aoshomens suas liberdades e sua seguridade, tal é o objeto próprio da teoria da garantia.

Na prática, tal teoria não é utilizada, visto que aos tribunais falta um critério para sopesar de quemaneira os inconvenientes excessivos da vizinha, por exemplo, não se convertam em direito de prejudicarreconhecido ao autor do dano.

2.6 Teoria dos Atos Anormais

Seu fundamento é a distinção entre o ato normal e o ato anormal, somente este último criandoresponsabilidade civil de quem o pratica.

A teoria enfrenta o problema da caracterização da anormalidade do ato, ou no estabelecimento deuma barreira separando um do outro.

Mazeaud et Mazeaud defendem que anormal é um ato em si mesmo perigoso. Mais ainda,proclamam que tal distinção, em definitivo, vai ter na pesquisa se o ato é ou não culposo.

Ocorre que procurando contraditar a doutrina subjetiva, acaba por assentar a responsabilidade civilem um suporte que é a sua essência mesma.

Por outro lado, a doutrina salienta que se a vítima tem que provar o caráter anormal do ato, não seretorna à concepção clássica da culpa, pois difere em dois pontos: a) a culpa clássica supõe um ato ilícito,enquanto que o ato socialmente anormal não é aquele que se cumpre na conformidade do estado atual dos

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usos e costumes; b) a culpa clássica supõe elementos subjetivos, enquanto que o ato anormal aprecia-seobjetivamente, independentemente de toda consideração relativa à vontade ou ao estado de espírito de seuautor.

Conclusão

Pretendeu-se demonstrar, à luz da doutrina dominante, os principais pontos no tocante a Culpa e aoRisco - seus conceitos, tipos e modalidades.

Cabe referir, por fim, que de acordo com o aqui estudado, conclui-se que a culpa não é o únicofundamento da responsabilidade civil.

Há que se frisar, também, que, atualmente, culpa e risco ora se apresentam como fundamentos daresponsabilidade civil, ora como critérios de responsabilização, mas, sem dúvidas, a tendência é que sefirmem na última hipótese.

Espera-se que a matéria aqui transcrita possa elucidar e auxiliar na compreensão do assunto, umavez que é tema por todos enfrentados no dia a dia.

O certo é que Culpa e Risco estão consagrados tanto no Código de Processo Civil, como noCódigo Civil e tem relevância para os mais variados vértices do direito.

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