cuidar da casa comum · deus como estrela polar da sua vida, fazendo-se pobre com os pobres, irmão...

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CUIDAR DA CASA COMUM... O QUE ESTAMOS DISPOSTOS A FAZER? ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL: UM CAMINHO POR PERCORRER! ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS: ONDE ESTÃO AS NOSSAS PREOCUPAÇÕES?

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CUIDAR DA CASA COMUM...

O QUE ESTAMOS DISPOSTOS A FAZER?

ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL:

UM CAMINHO POR PERCORRER!

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS: ONDE ESTÃO AS NOSSAS PREOCUPAÇÕES?

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Editorial 02 | O A l forge | setemb ro 2019

Mudança a começar por nós!

Propriedade e Administração: Arciprestado de Seia e Gouveia

Equipa Responsável: Joaquim Pinheiro (Pe.), João Barroso (Pe.), Paulo Caetano (Dr.), Rafael Neves (Pe.)

Colaboradores nesta Edição: Cátia Teixeira (Dra.), Enzo Bianchi (Monge), Fernando Neves (Dr.), Maria José (Dra.), Paulo

Caetano (Dr.), Rita Saraiva (Dra.).

Revisão dos Textos: Anabela Jorge (Dra.), Cláudia Lopes (Dra.) e Olga Oliveira.

Morada para Correspondência: Av. Visconde Valongo, n. 11, 6270-486 Seia

Contatos: [email protected] | www.oalforge.pt

Ficha Técnica

e fomentar actividades que vão de encontro a uma das ideias-chave da Laudato si para que possamos assumir, como pessoas e comunidades, crentes e não-crentes, a responsabilidade por uma ecologia integral. Esta contempla não só a boa relação dos humanos com o ambiente físico, mas também a relação das sociedades e o seu modo de funcionamento com o meio ambiente em que se desenvolvem. Não devemos, pois, desligar do que se passa no ambiente físico, da relação com a economia e a sociedade. Tudo está interligado. É visível por todos, que o aquecimento global já está a trazer consequências graves para o viver em sociedade. O que se pode pedir é que se possa aprender alguma coisa com os erros e que se possa entender, pelo menos um aspecto positivo: as mudanças no clima deveriam/deverão permitir plantações de certas espécies em áreas antes consideradas inadequadas, isto é, cultivar e apostar em hortas

comunitárias – passar das zonas rurais. Porque somos cristãos atentos, devemos promover nas nossas comunidades e nos respectivos espaços – paróquias, escolas, obras e movimentos, uma efectiva conversão ecológica e sugerir caminhos de actuação concreta com vista a uma ecologia integral. Dever-se-á proporcionar instrumentos de análise que permitam pensar o futuro do Planeta e

da sociedade global de que somos parte. Porque

temos no horizonte a Jornada Mundial da Juventude em 2022,

em Portugal, é propicio aprofundar e difundir a teologia da Criação e incentivar a celebração em comum do Dia da Criação. A Igreja ao serviço da ecologia integral, correspondendo ao apelo do Papa Francisco, promoveu ao longo do mês de Setembro, pretende celebrar e agradecer a Criação, incentivar o cuidado da casa comum, apelar à conversão ecológica e dinamizar as

comunidades cristãs com vista a uma ecologia integral e a uma espiritualidade ecológica. A família, com a sua rede de relações onde se aprende a conviver com os outros e a estar em sintonia com o mundo, como terreno propício e modelo de comportamento para uma vivência sustentável, requer mudanças de hábitos e reflexões sérias sobre o futuro que queremos para os nossos filhos. No contexto de uma ecologia integral, o Papa Francisco desenvolve uma reflexão sobre a vida quotidiana. Na verdade, o que se procura é promover uma atitude e um estilo de vida que sejam capazes de marcar e de englobar todas as dimensões da existência humana. No fundo, não se trata apenas de realizar ações que possam ser qualificadas de ecológicas, trata-se, muito mais, de desenvolver a vida quotidiana, ou seja a vida do dia a dia, a partir desse horizonte global.

O propósito dos temas deste Boletim O Alforge, é incentivar o empenhamento pessoal e em comunidade, o empreender caminhos de concretização de mudanças necessárias em direcção a uma sociedade mais justa e ecologicamente integral, ou seja, uma relação harmoniosa e sustentável entre o ambiente físico e a sociedade humana que o habita, em conjunto com os demais seres. Atendendo a que faz todo o sentido que cresçam focos de ecologia integral também em meios não confessionais, onde as pessoas assumem igualmente a sua responsabilidade no cuidado desta nossa casa comum, é importante acompanhar, no espaço eclesial, as questões ecológicas de âmbito nacional e mundial, evidenciando as suas causas e consequências e equacionando-as à luz da encíclica Laudato si, de modo a promover a tomada de consciência colectiva acerca da sua relevância e urgência. Assim, com o início de mais um ano lectivo nas escolas, surge a oportunidade de organizar

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Alimentação: mudanças no comportamento do consumidor

processos, equipamentos e ingredientes lançados com cada vez mais frequência pelas empresas. A carne é um bom exemplo que pode mudar o futuro da alimentação. A produção de carne bovina tem como consequências o desmatamento de áreas verdes para formação de pastos, o consumo de grande quantidade de água durante a fabricação e a emissão de gases de efeito estufa. Desta forma, por um lado, a escassez desses recursos, que deixará o alimento cada vez mais caro, e por outro, o crescimento contínuo do público “vegan”, já fizeram surgir diversas inovações no mercado na busca de novos substitutos. O consumo de insetos como fonte de proteína é uma delas. Existem quase 2 mil espécies comestíveis, que podem ser transformadas em farinha ou carne processada. Dentro do conceito Plant Based Diet (Dieta Baseada em Plantas/Vegetais), as proteínas vegetais surgem como outra opção para o futuro da alimentação. Por exemplo, a startup californiana Impossible Foods atraiu investidores bilionários, como o Google e o co-fundador da Microsoft Bill Gates, para investirem

250 milhões de dólares na criação de um hambúrguer à base de vegetais como alternativa ao de carne animal. O Impossible Burger é um hambúrguer que simula com grande realidade a experiência de comer um lanche que chega a satisfazer. O efeito foi alcançado com uma combinação de ingredientes que inclui beterraba, trigo, proteína de batata e óleo de coco. Neste Sentido, a carne natural desenvolvida em laboratório também será uma realidade em breve. Há empresas que têm apostado desde 2013 em pesquisas no conceito Clean Meat (carne limpa e feita em laboratório). A marca holandesa MosaMeat, que desenvolve a engenharia de tecido animal a partir de células do tronco, diz que no futuro será possível criar filés, lombos e até asas de frango em laboratório. Noutra frente, a gigante do ramo de trabalho colaborativo WeWork anunciou aos seus 6 mil funcionários em todo o mundo, em julho deste ano, que retirou a carne do seu cardápio. A startup comunicou que não irá mais custear refeições que contenham qualquer tipo de carne vermelha, de ave ou de

Será que já paramos para pensar como será o mundo daqui a uma década ou a um século? E ao nível da alimentação: como será? Será que temos consciência que a nossa alimentação pode mudar / melhorar o planeta onde vivemos? Pois bem. Esse exercício permite imaginar inúmeras possibilidades a partir das inovações que já estão a revolucionar a produção de alimentos e a maneira como são consumidos. São novos tempos em que consumidores cada vez mais conscientes procuram produtos que estejam relacionados com o seu estilo de vida, com os seus valores e as suas necessidades. Nos próximos anos, a tendência é que esse comportamento se intensifique. Mas, além de atender às novas procuras de consumo, é preciso procurar soluções para garantir a produção de ingredientes e comida de forma sustentável. Os números são impressionantes. As projecções indicam que até 2050 a população mundial será de 9 biliões, o que tem de levar a indústria alimentar a reflectir sobre este grande desafio: como alimentar tanta gente, preservando os recursos naturais e ainda proporcionar experiências completas e diferenciadas? Os relatórios divulgados pelas agências de pesquisa de mercado sugerem alguns dos caminhos que a indústria pode trilhar com base no comportamento e preferências dos consumidores. O mesmo vale para as inovações em

porco nos seus eventos. Por outro lado, as mudanças climáticas vão afectar a distribuição da população, concentrando ainda mais as estruturas urbanas. Assim, uma consequência é a diminuição de áreas de plantação de alimentos. Para solucionar esse problema, existem projetos como as plantações urbanas feitas em varandas/alpendres e edifícios onde as plantas são cultivadas com auxílio de tecnologias que controlam factores como irrigação e iluminação. Um exemplo que já saiu do papel é a startup alemã Infarm, que desenvolve estufas para hortas dentro de armazéns, utilizando produtos regionais e depois as revende a restaurantes e mercados. Por fim, referir que as indústrias alimentares, para terem sucesso neste mar gigantesco da sustentabilidade, têm pela frente o desafio de promover as mudanças sem prejudicar outro factor decisivo de venda: o sabor. Desafiadas pelas mudanças no comportamento do consumidor e nas projeções de crescimento populacional nas próximas décadas, as indústrias alimentares precisam estar atentas e preparadas para os caminhos que apontam para o futuro. A busca de soluções para garantir a produção de ingredientes e comida de forma sustentável e as inovações tecnológicas prometem revolucionar a indústria de alimentos.

Dossier: Uma Reflexão sobre a Casa Comum 03 | O A l forge | setemb ro 2019

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Dossier: Uma Reflexão sobre a Casa Comum 04 | O A l forge | setemb ro 2019

CARTA DO PAPA FRANCISCO PARA O EVENTO "ECONOMY OF FRANCESCO"

[ASSIS, 26-28 DE MARÇO DE 2020]

Aos jovens economistas empresários e empresárias do mundo inteiro Estimados amigos! Escrevo-vos a fim de vos convidar para uma iniciativa que desejei muito: um evento que me permita encontrar-me com quantos estão a formar-se e começam a estudar e a pôr em prática uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta. Um acontecimento que nos ajude a estar unidos, a conhecer-nos uns aos outros, e que nos leve a estabelecer um “pacto” para mudar a economia atual e atribuir uma alma à economia de amanhã. Sim, é necessário “re-animar” a economia! E qual cidade é mais idónea para isto do que Assis, que desde há séculos é símbolo e mensagem de um humanismo da fraternidade? Se São João Paulo II a escolheu como ícone de uma cultura de paz, para mim parece ser também um lugar inspirador de uma nova economia. Com efeito, ali Francisco despojou-se de toda a mundanidade para escolher Deus como Estrela polar da sua vida, fazendo-se pobre com os pobres, irmão universal. Da sua escolha de pobreza brotou também uma visão da economia que permanece extremamente atual. Ela pode dar esperança ao nosso amanhã, não apenas em benefício

dos mais pobres, mas da humanidade inteira. Aliás, ela é necessária para o destino de todo o planeta, a nossa casa comum, «a nossa irmã Terra Mãe», como Francisco a chama no seu Cântico do Irmão Sol. Na Carta Encíclica Laudato si ressaltei que hoje, mais do que nunca, tudo está intimamente ligado e a salvaguarda do meio ambiente não pode ser separada da justiça em relação aos pobres, nem da solução dos problemas estruturais da economia mundial. Por conseguinte, é preciso corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito pelo meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, e equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das gerações vindouras. Infelizmente, ainda não foi ouvido o apelo a tomar consciência acerca da

gravidade dos problemas e sobretudo a pôr em prática um modelo económico novo, fruto de uma cultura da comunhão, baseado na fraternidade e na equidade. Francisco de Assis é o exemplo por excelência da atenção aos frágeis e a uma ecologia integral. Vêm-me à mente as palavras que lhe foram dirigidas pelo Crucificado, na igrejinha de São Damião: «Francisco, vai e repara a minha casa que, como vês, está em ruínas». Aquela casa a reparar diz respeito a todos nós. Refere-se à Igreja, à sociedade, ao coração de cada um de nós. Diz respeito cada vez mais também ao meio ambiente, que tem urgente necessidade de uma economia saudável e de um desenvolvimento sustentável que cure as suas feridas e lhe garanta um futuro digno.

Perante esta urgência, todos, absolutamente todos nós somos chamados a

rever os nossos esquemas mentais e morais, para que estejam mais em conformidade com os mandamentos de Deus e com as exigências do bem comum. Mas pensei em convidar de modo especial a vós jovens porque, com o vosso desejo de um porvir bom e jubiloso, já sois a profecia de uma economia atenta à pessoa e ao meio ambiente. Caríssimos jovens, bem sei que sois capazes de ouvir com o coração os brados cada vez mais angustiantes da terra e dos seus pobres em busca de ajuda e de responsabilidade, ou seja, de alguém que “responda” e não olhe para o outro lado. Se ouvirdes o vosso coração, sentir-vos-eis portadores de uma cultura corajosa e não tereis medo de arriscar, nem de vos comprometer na construção de uma sociedade renovada. Jesus Ressuscitado é a nossa força! Como eu vos disse no Panamá e escrevi na Exortação Apostólica pós-sinodal Christus Vivit : «Por favor, não deixeis para outros o ser protagonista da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através de vós, entra o futuro no mundo. Também a vós, eu peço para serdes protagonistas desta mudança. [...]Peço-vos para serdes construtores do futuro, trabalhai por um mundo melhor» (n. 174). As vossas universidades, as vossas empresas, as vossas organizações são canteiros de esperança para construir outras modalidades de

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das diferenças de credo e de nacionalidade, unidos por um ideal de fraternidade atento acima de tudo aos pobres e aos excluídos. Convido cada um de vós a ser protagonista deste pacto, assumindo um compromisso individual e coletivo para cultivarmos juntos o sinal de um novo humanismo que corresponda às expetativas do homem e ao desígnio de Deus. O título deste evento — “Economy of Francesco” — refere-se claramente ao Santo de Assis e ao Evangelho que ele viveu em total coerência, inclusive nos planos económico e social.

Ele oferece-nos um ideal e, de certa maneira, um programa. Para mim, que escolhi o seu nome, é contínua fonte de inspiração. Juntamente convosco, e através de vós, apelarei a alguns dos melhores estudiosos e estudiosas da ciência da economia, assim como a empresários e empresárias que hoje já se encontram engajados a nível mundial, em prol de uma economia coerente com este cenário ideal. Estou confiante de que eles hão de responder. E confio sobretudo em vós, jovens, que sois capazes de sonhar e estais prontos para

entender a economia e o progresso, para combater a cultura do descarte, para dar voz a quantos não a têm, para propor novos estilos de vida. Enquanto o nosso sistema económico-social ainda produzir uma só vítima, e enquanto houver uma só pessoa descartada, não poderá haver a festa da fraternidade universal. É por isso que desejo encontrar-me convosco em Assis: para promover juntos, através de um “pacto” comum, um processo de mudança global que veja em comunhão de intenções não apenas quantos têm o dom da fé, mas todos os homens de boa vontade, para além

construir, com a ajuda de Deus, um mundo mais justo e melhor. O encontro está marcado para os dias 26-28 de março de 2020. Juntamente com o Bispo de Assis, cujo predecessor Guido, há oito séculos, recebeu na sua casa o jovem Francisco no gesto profético do seu despojamento, também eu espero receber-vos. Espero por vós e desde já saúdo-vos e abençoo-vos. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim! Vaticano, 1 de maio de 2019 Memória de São José Operário.

CARTA DO PAPA FRANCISCO PARA O EVENTO "ECONOMY OF FRANCESCO"

[ASSIS, 26-28 DE MARÇO DE 2020]

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II FÓRUM DAS COMUNIDADES LAUDATO SI

Laudato si’: «Não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia sem uma adequada antropologia» (n. 118). Depois do debate do ano passado sobre a questão do plástico que está a sufocar o nosso planeta, hoje refletis sobre a grave e já não sustentável situação da Amazónia e dos povos que ali vivem. Inspirais-vos, portanto, no tema do Sínodo dos Bispos, que se realizará em outubro próximo para a região pan-amazónica, cujo Instrumentum laboris foi recentemente apresentado. A situação da Amazónia é um triste paradigma do que está a acontecer em muitas partes do planeta: uma mentalidade cega e destrutiva que prefere o lucro à justiça; evidencia a atitude predatória com a qual o homem se relaciona com a natureza. Por favor, não vos esqueçais de que a justiça social e a ecologia estão profundamente interligadas! O que está a acontecer na Amazónia terá repercussões

a nível planetário, mas já prostrou milhares de homens e mulheres que foram privados do seu território, que se tornaram estrangeiros nas suas terras, depauperados das próprias cultura e tradições, rompendo o equilíbrio milenar que unia esses povos à sua terra. O homem não pode permanecer um espectador indiferente diante desta destruição, nem a Igreja pode ficar calada: o grito dos pobres deve ressoar na sua boca, como já evidenciava São Paulo vi na sua Encíclica Populorum progressio. Promovidas pela Igreja de Rieti e Slow Food, as Comunidades Laudato si’ estão comprometidas não só a divulgar o ensinamento proposto na homónima Encíclica, mas também a promover novos estilos de vida. Nesta perspetiva pragmática, gostaria de vos indicar três palavras. A primeira palavra é doxologia Diante do bem da criação e

sobretudo face ao bem do homem, que é o ápice da criação, mas também o guardião, é necessário adotar uma atitude de louvor. Diante de tal beleza, de renovada maravilha, de olhos infantis, devemos ser capazes de apreciar a beleza que nos circunda e com a qual também o homem foi criado. O louvor é fruto da contemplação, a contemplação e o louvor levam ao respeito, o respeito torna-se quase veneração diante dos bens da criação e do seu Criador. A segunda palavra é Eucaristia A atitude eucarística em relação ao mundo e aos seus habitantes sabe captar o estatuto de dom que cada pessoa carrega dentro de si. Tudo nos é dado gratuitamente, não para ser depredado nem destruído, mas para se tornar, por sua vez, um dom a partilhar, um dom a doar para que a alegria seja para todos e, por conseguinte, maior. A terceira palavra é ascese Qualquer forma de respeito vem de uma atitude ascética, isto é, da capacidade de saber renunciar a algo por um bem maior, pelo bem dos outros. A ascese ajuda-nos a converter a atitude predatória, sempre em emboscada, em partilha, em relações ecológicas, respeitadoras e educadas. Faço votos a fim de que as Comunidades Laudato si’ possam ser semente de um modo renovado de viver o mundo, para lhe dar um futuro, conservar a sua beleza e integridade para o bem de cada pessoa, ad maiorem Dei gloriam. Agradeço-vos e abençoo-vos do fundo do coração. Rezai por mim!

Saúdo cordialmente os organizadores e participantes do II Fórum das Comunidades Laudato si', que se celebra num território devastado pelo sismo que atingiu a Itália central em agosto de 2016 e que mais do que outros pagou um alto preço em número de vítimas. É um sinal de esperança o facto de que vos encontreis precisamente em Amatrice, cuja recordação está sempre presente no meu coração, refletindo sobre os desequilíbrios que devastam a nossa “casa comum”. Não só é um sinal de proximidade a muitos irmãos e irmãs que ainda vivem no espaço entre a memória de uma terrível tragédia e a reconstrução que tarda a começar, mas exprime também o desejo de fazer ressoar alto e bom som que são os pobres que pagam o preço mais elevado da devastação ambiental. As feridas infligidas ao meio ambiente são inexoravelmente feridas infligidas à humanidade mais indefesa. Escrevi na Encíclica

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Dossier: Uma Reflexão sobre a Casa Comum 07| O A l fo rge | setembro 2019

Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação

potável e segura, lembra a “grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável” (LS 30). O Papa Francisco fala depois da água e da sede na espiritualidade cristã e no que isso implica em “escolhas concretas e compromisso constante”: Para nós cristãos, a água é um elemento essencial de purificação e de vida. O pensamento vai

imediatamente para o Batismo, sacramento do nosso renascimento. A água santificada pelo Espírito é a matéria pela qual Deus nos vivificou e nos renovou; é a fonte abençoada de uma vida que não morre mais. O Batismo representa também, para os cristãos de diferentes confissões, o ponto de partida real e indispensável para viver uma fraternidade cada vez mais autêntica no caminho da plena unidade. Jesus, durante a sua missão, prometeu uma água capaz de saciar para sempre a sede do homem (cf. Jo 4,14), e

profetizou: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (Jo 7,37). Ir a Jesus, beber d’Ele significa encontrá-Lo pessoalmente como Senhor, haurindo da sua Palavra o sentido da vida. Que possam ressoar em nós com força as palavras que Ele pronunciou na cruz: “Tenho sede” (Jo 19, 28). O Senhor continua a pedir para ser saciado na sua sede, pois tem sede de amor. Ele pede-nos para Lhe darmos de beber nos muitos sedentos de hoje, para então nos dizer: “Eu estava com

sede e destes-me de beber” (Mt 25,35). Dar de beber, na aldeia global, não envolve apenas gestos pessoais de caridade, mas escolhas concretas e compromisso constante de garantir a todos o bem primário da água. Além das fontes e bacias hídricas, também os mares e oceanos precisam do nosso cuidado urgente e eficaz. Há que não esquecer que Deus “acompanha constantemente a sua criação”, o que não nos dispensa, porém, da responsabilidade de a proteger, do desafio de

alcançar uma “cooperação eficaz entre os homens de boa vontade para colaborar na obra contínua do Criador”. Assim, diz ainda Francisco, que “para essa emergência somos chamados a comprometer-nos, com uma mentalidade activa, rezando como se tudo dependesse da Providência divina e agindo como se tudo dependesse de nós”. O Papa propõe-nos ainda uma série de intenções, começando por “que as águas não sejam um sinal de separação entre os povos, mas de encontro para

a comunidade humana” e incluindo uma referência particular às jovens gerações, para terminar com um desejo-proposta a todas as comunidades cristãs: “contribuam cada vez mais concretamente para que todos possam usufruir desse recurso indispensável, no cuidado respeitoso dos dons recebidos do Criador, em particular dos cursos de água, mares e oceanos”.

Na sua mensagem para este dia de oração pela criação, o Papa dá graças ao Senhor pelo dom da casa comum e também por todos os que se empenham em aprender e concretizar um modo de viver no cuidado da criação. Diz-nos, no seu modo simples e directo: Devemos reconhecê-lo; não soubemos proteger a criação com responsabilidade. A situação ambiental, quer a nível global, quer em muitos lugares específicos, não pode ser considerada satisfatória. Com razão, surgiu a necessidade de uma relação renovada e saudável entre a humanidade e a criação, a convicção de que apenas uma visão do homem autêntica e integral nos permitirá cuidar melhor do nosso planeta para o benefício das gerações presentes e futuras, pois “não há ecologia sem uma adequada antropologia” (LS 118). O Papa Francisco traz para o centro desta celebração a questão da Floresta e da Àgua e, voltando a citar a encíclica Laudato Si’ a propósito do direito humano essencial de acesso à água

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A fraternidade é a nova fronteira do cristianismo

“Sobre a fraternidade humana para a paz mundial e a convivência comum”, assinado a 4 de fevereiro em Abu Dhabi, com o grande imã de Al-Azhar –, recordo apenas o que ele escrevia a 6 de janeiro, também deste ano, numa carta à Academia Pontifícia para a Vida: «É tempo de relançar uma nova visão para um humanismo fraterno e solidário dos indivíduos e dos povos. (…) Devemos pôr de novo em primeiro plano a fraternidade universal, semeada pelo Evangelho do Reino de Deus. (…) Devemos reconhecer que a fraternidade permanece a promessa falhada da modernidade. O alcance universal da fraternidade que cresce na confiança recíproca — no âmbito da cidadania moderna, assim como entre os povos e as nações — está muito debilitado. A força da fraternidade (…) é a nova fronteira do cristianismo».

Entre os condiscípulos não há possibilidade de um

ligame diferente da fraternidade: «Vós sois

todos irmãos!». Somo-lo – diz-nos Jesus – antes de o

querermos ser, e antes de compreender esta verdade que podemos desmentir e

desfigurar Diante das patologias que corrompem a nossa convivência, ao ponto de ameaçarem a vida democrática, diante dos medos que são uma ameaça nutrida por poderes e interesses políticos, diante do rancor que arrisca explodir em violência, mas também diante da globalização da indiferença de muitos, é preciso repensar a fraternidade. Fraternidade como fundamento e razão para uma necessária confiança na convivência; fraternidade com solidariedade entre membros de uma convivência em vista do bem comum; fraternidade com incessante reconstrução de pontes, de reconciliações religiosas, culturais e étnicas. No entanto, que nos guardemos de transformar a fraternidade numa palavra de ordem, no mote do momento; trata-se, antes, de a percecionar como desafio, a urgência, que determinará também o futuro da vida eclesial e do

Com cada vez maior frequência, fala-se hoje de crise da paternidade, e também da maternidade, mas considero que no nosso Ocidente se deve reter, na raiz desse fenómeno, uma crise da fraternidade muito comprovada. A fraternidade como vínculo e bem social para a convivência e para a comunidade, a fraternidade como empenho universal foi uma “invenção” do cristianismo, mesmo se o sentimento comum a coloca no interior da célebre tríade cunhada pela revolução francesa: «Liberté, egalité, fraternité». Ao longo dos séculos, combateu-se pela liberdade e pela igualdade; a fraternidade, pelo contrário, não recebeu a atenção que teria sido necessária a fim de que liberdade e igualdade fossem afirmadas com um fundamento. Há um direito à liberdade e um direito à igualdade, dois conceitos que podem ser especificados: liberdade de expressão, de movimento, igualdade de género, etc. A fraternidade, ao invés, não tem genitivo e não pode dizer respeito a um indivíduo, mas só à “communitas”: não há fraternidade do singular! Para viver a fraternidade, é preciso sempre que exista o outro, e que seja afirmada a relação, que é a nossa primeira vocação. Sobre a urgência da fraternidade regressou várias vezes também o papa Francisco. Sem multiplicar os textos e as referências aos gestos por ele realizados – penso, em particular, no importante documento

Dossier: Uma Reflexão sobre a Casa Comum 08 | O A l forge | setemb ro 2019

seu colocar-se na companhia dos seres humanos. Este caminho funda-se na consciência de que a Igreja é chamada a ser “fraternidade”, não por que esta seja uma sua imagem metafórica, mas porque é o seu nome próprio, a sua essência: a Igreja, ou é uma fraternidade, ou não é Igreja de Cristo! Não podendo aprofundar a questão como ela mereceria limito-me a recordar alguns dados essenciais. Antes de tudo, Jesus insistiu fortemente na fraternidade. No Evangelho segundo Mateus, há um conjunto de ditos seus que se revela decisivo: «Não vos deixeis tratar por “mestres”, pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. E na terra, a ninguém chameis “Pai”, porque um só é o vosso “Pai”, aquele que está no céu. Nem permitais que vos tratem por “doutores”, porque um só é o vosso “Doutor”, Cristo» (23, 8-10). O fundamento da fraternidade é, portanto, Deus, o Pai de todos, e de modo a que esta verdade seja afirmada de maneira absoluta, ninguém chame “pai” a um outro sobre a Terra, mas, invocando Deus como Pai único, todos se sintam filhos e filhas, e, consequentemente, irmãos e irmãs entre eles. Essa fraternidade é reforçada pelo ter como único Mestre o Cristo, quais con-discípulos no seu seguimento. Desgosta que, já a partir do

século IV, o termo “fraternidade”, nome próprio indicativo da

realidade da Igreja, tenha

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praticamente desaparecido, e ainda hoje não seja

suficientemente atestado como lugar eminente de

eclesiologia [modo de conceber a Igreja]

Entre con-discípulos não há possibilidade de um ligame diferente da fraternidade: «Vós sois todos irmãos!». Somo-lo – diz-nos Jesus – antes de o querermos ser, e antes de compreender esta verdade que podemos desmentir e desfigurar. Se Caim era irmão de Abel numa fraternidade biológica, em Cristo somos irmãos entre nós e filhos do único Pai, numa fraternidade muito mais radical, gerada pelo Espírito de Cristo que nos foi dado, o qual nos permite de invocar Deus como «Abba, Pai», e faz-nos sentir a comunhão das nossas vidas com a própria vida de Cristo. Jesus Cristo «não se envergonha de nos chamar irmãos». Mas quis ser irmão entre nós, quis ser chamado «o primogénito entre muitos irmãos». Devemos, além disso, relevar como na Primeira Carta de Pedro, a Igreja é chamada «fraternidade» (“adelphótes”). Precisamente no texto em que a Igreja é lida como «edifício espiritual, gente santa, sacerdócio real e povo de Deus», ela é também chamada “adelphótes”, termo assente na língua grega, que quer designar uma realidade, não uma virtude indicada como “amor fraterno” (“philadelphía”). Pedro, o apóstolo sobre o qual Jesus edificou a sua Igreja, não define a própria

Igreja com este termo, mas recorre a «fraternidade». Ele convida a amar a fraternidade, isto é, a comunidade eclesial: «Honrai todos, amai a fraternidade, adorai Deus». «Fraternidade» não é, portanto, uma imagem, uma virtude, mas designa a própria realidade da Igreja gerada por Jesus Cristo, presente no mundo como Igreja local e Igreja católica: a Igreja é uma fraternidade em que se vive o amor fraterno. Desgosta que, já a partir do século IV, o termo “fraternidade”, nome próprio indicativo da realidade da Igreja, tenha praticamente desaparecido, e ainda hoje não seja suficientemente atestado como lugar eminente de eclesiologia [modo de conceber a Igreja]. A fraternidade é uma tarefa que está sempre diante de

nós. Ela deve ser construída dia após dia, porque não é

espontânea, ainda que esteja inscrita nas gerações

humanas

Por outro lado, deve saudar-se com alegria o reemergir deste tema na exortação apostólica “Evangelii gaudium”, do papa Francisco, na qual são nume- -rosas as indicações referentes à urgência de uma Igreja fraterna. Francisco fala do «Evangelho da fraternidade», pede que não deixemos roubar o ideal do amor fraterno, quer que todos os cristãos não percam o fascínio da fraternidade, e sintam como atraente a comunhão fraterna. O papa evoca, além disso, a imagem de uma Igreja como «caravana solidária, numa santa peregrinação», onde todos juntos caminham pelas estradas do mundo, partilhando os cansaços e as alegrias do duro ofício do viver. Uma Igreja ao pensamento de Francisco será, por isso, sinodal, capaz de fazer caminho conjunto (“sýn-odós”): em conjunto, do papa aos bispos, aos presbíteros, até ao último fiel. Diziam os pagãos, em relação aos primeiros cristãos: «Olha o quanto se amam!?, e o papa quer que isso se diga também hoje, quer que o digam os não cristãos ao olharem para uma Igreja fraterna. A fraternidade é uma tarefa que está sempre diante de

nós. Ela deve ser construída dia após dia, porque não é espontânea, ainda que esteja inscrita nas gerações humanas. Quando é realmente vivida, a fraternidade pede que reine a igualdade entre aqueles que se dizem irmãos e irmãs; pede que a dignidade seja discernível em cada homem porque homem, em cada mulher porque mulher; pede que seja reconhecida aquela liberdade que não ofende os outros; pede que cada um cuide do outro e viva com ele o ligame fraterno, isto é, «ame o outro como a si próprio». Por fim, o horizonte da fraternidade está sempre aberto ao futuro: cada ser humano vai-se, mais cedo ou mais tarde, mas depois dele ficam os filhos, fica a comunidade constituída pelas novas gerações. É por isso que pensar e construir relações de fraternidade significa trabalhar pela qualidade de vida de quem virá depois de nós. E que compreende que é devedor de quantos o precederam, sente por sua vez ter uma responsabilidade em relação aos outros e ao futuro coletivo de toda a humanidade. Este é um caminho através do qual é possível descobrir e assumir a ética, que é sempre um construir em conjunto a “fraternitas”, de modo a viver com os outros no respeito, na justiça, na colaboração, na solidariedade; de modo a desfrutar em conjunto da paz e da vida plena, até poder esperar em conjunto.

Enzo Bianchi In: Monastero di Bose

Dossier: Uma Reflexão sobre a Casa Comum 09 | O A l forge | setemb ro 2019

A fraternidade é a nova fronteira do cristianismo

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Dossier: Uma Reflexão sobre a Casa Comum 10 | O A l forge | setemb ro 2019

A Laudato si’ não é uma encíclica “verde”: é uma encíclica social. Não esqueçam isto. Além do mais, o bem comum tem sido posto em perigo por atitudes de excessivo individualismo, consumismo e desperdício. Tudo isto torna difícil promover a solidariedade económica, ambiental e social e a sustentabilidade dentro de uma economia mais humana e que considere não só a satisfação dos desejos mais imediatos, mas também o bem-estar das futuras gerações. Perante a magnitude de tais desafios, poder-se-ia facilmente desanimar, deixando espaço à incerteza e à inquietação. No entanto, «os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto» (ibid. 205).

Por esta razão, a palavra “conversão” assume particular importância na nossa presente situação. Respostas adequadas aos problemas actuais não podem ser superficiais. Pelo contrário, o que é preciso é exactamente uma conversão, uma “mudança de rumo”, ou melhor, uma transformação dos corações e das mentes. O empenho em superar os problemas como a fome e a insegurança alimentar, persistente mal-estar social e económico, degradação do ecossistema e “cultura do descarte” exige uma renovada visão ética, que saiba colocar no centro as pessoas, com a intenção de não deixar ninguém nas margens da vida. Uma visão que una, em vez de dividir, que inclua em vez de excluir. É uma visão transformada por ter bem presente a última meta e o objectivo do nosso trabalho, dos nossos esforços, da

muitos países, dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas; no crescente investimento nos recursos de energias renováveis e sustentáveis; nos novos métodos de eficiência energética; e numa maior sensibilidade, em especial entre os jovens, para as questões ecológicas. Ao mesmo tempo, continua a haver um bom número de desafios e de problemas, por exemplo, o progresso para atingir os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável tem sido, em diversos casos, lento ou mesmo inexistente, se não, lamentavelmente, um retrocesso. O uso inapropriado dos recursos naturais e os modelos de desenvolvimento não inclusivos e sustentáveis continuam a ter efeitos negativos sobre a pobreza, sobre o crescimento e sobre a justiça social (cfr. Laudato si’ 43.48).

Caros Amigos, Alegra-me dar as boas-vindas a todos vós que participais na Conferência Internacional 2019 da Fundação Centesimus Annus – Pro Pontifice. Agradeço aos organizadores e àqueles que tomaram parte nos debates que tinham por objectivo a promoção de uma ecologia integral. A vossa conferência deste ano escolheu reflectir sobre a Carta Encíclica Laudato si’ e sobre o chamamento a uma conversão das mentes e dos corações, de modo a que o desenvolvimento de uma ecologia integral se torne cada vez mais uma prioridade a nível internacional, nacional e individual. Nos quatro anos desde a publicação da Encíclica, houve certamente sinais de um aumento da consciência da necessidade de se cuidar da nossa casa comum. Penso na adopção, por parte de

Como viver à luz da Laudato Si?

Discurso do Papa à conferência internacional da Fundação Centesimus Annus – Pro Pontifice A doutrina social da Igreja das raízes à era digital. Sala Régia do Vaticano, 8 Junho 2019

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Dossier: Uma Reflexão sobre a Casa Comum 11 | O A l forge | setemb ro 2019

Cristo (cfr. 2Cor 5,17); santificados pelo dom do Espírito Santo (cfr. 2Tess 2,13). Essa identidade é dom de Deus a cada pessoa e até à própria criação, feita nova pela graça vivificante da morte e ressurreição do Senhor. A esta luz, o apelo a sermos solidários como irmãos e irmãs e à responsabilidade compartilhada pela casa comum torna-se cada vez mais urgente. A tarefa que temos pela

frente é de «converter o modelo de desenvolvimento global» (ibid. 194), abrindo um novo diálogo sobre o futuro do nosso planeta (ibid. 14). Possam as vossas discussões e o vosso empenho dar o fruto de contribuir para uma profunda transformação a todos os níveis das nossas sociedades contemporâneas: indivíduos, empresas, instituições e políticas. Ainda que esta tarefa possa intimidar-nos, instigo-vos a não perder a esperança, para que esta esperança se funda no amor misericordioso do Pai celeste. Ele, «que nos chama a uma generosa entrega e a oferecer-Lhe tudo, também nos dá as forças e a luz de que necessitamos para prosseguir. No coração deste mundo, permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa

sozinhos, porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos caminhos» (ibid. 245). Caros amigos, com estes sentimentos, confio todos vós, juntamente com as vossas famílias à amorosa intercessão de Maria, Mãe da Igreja, e dou-vos cordialmente a minha Bênção Apostólica como penhor de alegria e paz em Cristo Ressuscitado nosso Salvador. E peço-vos por favor que rezem por mim. Obrigado. Fonte: http://w2.vatican.va/content/francesco/it/speeches/2019/june/documents/papafrancesco_20190608_fondazione-centesimusannus.html

nossa vida e da nossa passagem por esta terra (cfr. ibid. 160). O desenvolvimento de uma ecologia integral, portanto, é tanto um chamamento como um dever. É um chamamento a descobrir a nossa identidade de filhos e filhas do nosso Pai celeste, criados à imagem de Deus e encarregados de ser administradores da terra (cfr. Gn 1,27.28; 2,15); recriados através da morte salvífica e da ressurreição de Jesus

Como viver à luz da Laudato Si? (continuação…)

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Equipas de Nossa Senhora, Sector da Guarda Um “Testemunho para o Mundo”

Modo de Vida… em Casal 12 | O A l forge | setemb ro 2019

A alegria de pertencer a este Movimento é uma caraterística que todos os Casais partilham e estão disponíveis a acolher outros que dele queiram fazer parte. Todos são convidados a pertencer, sem distinção de condição social ou económica; basta terem a vontade de viver a sua fé cristã, de a aprofundarem e de terem o gosto de a partilhar na pequena comunidade que é uma Equipa de Nossa Senhora, composta por 5 a 7 casais. Os casais em início de vida conjugal devem sentir-se especialmente convidados, continuando a caminhada que iniciaram no CPM – Curso de Preparação para o Matrimónio. As dificuldades de adaptação a uma nova realidade podem ser partilhadas com outros

casais que fazem a mesma caminhada ou que já a fizeram há mais tempo. O papel dos sacerdotes é aqui fundamental, uma vez que conhecem as suas comunidades e sentem o pulsar da fé dos seus paroquianos, lançando-lhes desafios de vivências do Amor de Deus através do Amor em Casal e em família. Neste momento o Setor da Guarda das ENS conta com 14 equipas em caminhada, sendo 2 de Tourais, 11 da Guarda, 1 de Figueira de Castelo Rodrigo e uma 15ª em pilotagem, em Pinhel, sob a orientação do Conselheiro Espiritual Padre Jorge Castela e do Casal Piloto Bernardete e Joaquim Fonseca. No nosso Setor o ano começa sempre com a reunião da Equipa

Responsável de Setor com os Casais Responsáveis de cada uma das equipas-base, para discutirem o calendário de atividades a realizar durante o ano pastoral. Ouvem-se sugestões e trocam-se ideias para animar o movimento ao longo do ano, seja através das formações propostas pela Supra Região Portugal, quer das próprias atividades realizadas dentro de cada Setor, que permitem aos Equipistas encontrarem-se para refletir sobre a vivência cristã e sobre o próprio movimento, através de atividades de formação, que incluem sempre agradáveis momentos de convívio e de partilha de experiências através das equipas mistas. A Região Centro Interior é composta pelos Setores da Guarda, Fundão e Covilhã, tendo como responsável o casal Anabela e António Sousa e como Conselheiro Espiritual o Padre Rui Manique. Já no próximo dia 20 de Setembro terá lugar a primeira reunião anual para preparar a caminhada de 2019-2020. Caminhar com Cristo é um desafio que se nos coloca a todos, individualmente, e a nós casais cristãos. Uma caminhada que apela à nossa saída para o mundo levando a mensagem que Ele nos deixou. O Tema de Estudo preparado e disponibilizado pela ERI para o ano 2019/20 tem como título “Casal Santo: Alegria da Igreja, Testemunho para o Mundo”. É nesta senda que nós pretendemos conduzir o nosso Setor, realçando cada vez mais a importância da santidade do Casal.

O Casal Responsável do Sector da Guarda

Maria José e Fernando Neves (Seia)

Nestes tempos em que a Família está em perigo, com ataques vindos de todas as direções, os Casais Cristãos são chamados a proteger as suas próprias famílias e a dar testemunho a outros casais que passam dificuldades, através da metodologia proposta pelo Fundador das ENS, em Paris, em 1939, Padre Henri Caffarel. A reunião mensal e a entre-ajuda mútua entre casais, a força da oração pessoal e conjugal, um diálogo conjugal frequente e sadio, sob a bênção de Jesus Cristo e a proteção de Sua e nossa Mãe, Maria, constituem um caminho de aperfeiçoamento pessoal e em casal, contando sempre com o acompanhamento do Conselheiro Espiritual que normalmente é um sacerdote.

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não temos em consideração, como certas formas de plâncton que constituem um componente muito importante da cadeia alimentar marinha e de que dependem, em última instância, espécies que se utilizam para a alimentação humana. 41. Passando aos mares tropicais e subtropicais, encontramos os recifes de coral, que equivalem às grandes florestas da terra firme, porque abrigam cerca de um milhão de espécies, incluindo peixes, caranguejos, moluscos, esponjas, algas e outras. Hoje, muitos dos recifes de coral no mundo já são estéreis ou encontram-se num estado contínuo de declínio: «Quem transformou o maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos despojados de vida e de cor?»[25] Este fenómeno deve-se, em grande parte, à poluição que chega ao mar resultante do desflorestamento, das monoculturas agrícolas, das

descargas industriais e de métodos de pesca destrutivos, nomeadamente os que utilizam cianeto e dinamite. É agravado pelo aumento da temperatura dos oceanos. Tudo isso nos ajuda a compreender como qualquer acção sobre a natureza pode ter consequências que não advertimos à primeira vista e como certas formas de exploração de recursos se obtêm à custa duma degradação que acaba por chegar até ao fundo dos oceanos. 42. É preciso investir muito mais na pesquisa para se entender melhor o comportamento dos ecossistemas e analisar adequadamente as diferentes variáveis de impacto de qualquer modificação importante do meio ambiente. Visto que todas as criaturas estão interligadas, deve ser reconhecido com carinho e admiração o valor de cada uma, e todos nós, seres criados, precisamos uns dos outros. Cada território detém uma parte de

responsabilidade no cuidado desta família, pelo que deve fazer um inventário cuidadoso das espécies que alberga a fim de desenvolver programas e estratégias de protecção, cuidando com particular solicitude das espécies em vias de extinção. 174. Mencionemos também o sistema de governança dos oceanos. Com efeito, embora tenha havido várias convenções internacionais e regionais, a fragmentação e a falta de severos mecanismos de regulamentação, controle e sanção acabam por minar todos os esforços. O problema crescente dos resíduos marinhos e da protecção das áreas marinhas para além das fronteiras nacionais continua a representar um desafio especial. Em definitivo, precisamos de um acordo sobre os regimes de governança para toda a gama dos chamados bens comuns globais.

Carta Encíclica: LAUDATO SI Papa Francisco

24 de Maio de 2015

Para que os políticos, os

cientistas e os economistas

trabalhem juntos pela

proteção dos mares e dos

oceanos.

37. Alguns países fizeram progressos na conservação eficaz de certos lugares e áreas – na terra e nos oceanos –, proibindo aí toda a intervenção humana que possa modificar a sua fisionomia ou alterar a sua constituição original. No cuidado da biodiversidade, os especialistas insistem na necessidade de prestar uma especial atenção às áreas mais ricas em variedade de espécies, em espécies endémicas, raras ou com menor grau de efectiva protecção. Há lugares que requerem um cuidado particular pela sua enorme importância para o ecossistema mundial, ou que constituem significativas reservas de água assegurando assim outras formas de vida. 40. Os oceanos contêm não só a maior parte da água do planeta, mas também a maior parte da vasta variedade dos seres vivos, muitos deles ainda desconhecidos para nós e ameaçados por diversas causas. Além disso, a vida nos rios, lagos, mares e oceanos, que nutre grande parte da população mundial, é afectada pela extracção descontrolada dos recursos ictíicos, que provoca drásticas diminuições dalgumas espécies. E no entanto, continuam a desenvolver-se modalidades selectivas de pesca, que descartam grande parte das espécies apanhadas. Particularmente ameaçados estão organismos marinhos que

Intenções do Papa para o mês de Setembro… 13 | O A l forge | setemb ro 2019

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10 coisas que eu espero dos meus pais

Acho que os meus pais, às vezes, andam muito preocupados com o que será melhor para mim, como me devem educar… Eu sei que eles querem sempre o melhor para mim, por isso, hoje vou dizer-lhes quais são as 10 coisas que eu espero deles, para os poder ajudar na sua missão de me educarem. Aqui vai: 1. Cantem-me canções e

contem-me histórias de quando eram pequenos. Eu gosto muito!

2. Abracem-me e deem-me muitos beijinhos, sentem-se e conversem só comigo.

3. Tenham tempo de qualidade só comigo, sem os meus irmãos estarem por perto, gosto de ter um tempo especial com cada um de vocês.

4. Deem-me uma boa alimentação para que eu possa crescer saudável, mesmo que eu diga que prefiro doces.

5. Ao jantar falem comigo sobre o que podemos fazer juntos no fim-de-semana.

6. À noite falem comigo sobre qualquer coisa: escola, família…

7. Brinquem comigo lá fora. Muito!

8. Nos dias de chuva, enrosquem-se comigo debaixo de um cobertor e vamos juntos ver o nosso programa de televisão preferido.

9. Coloquem-me regras. Isso faz-me sentir que se preocupam comigo.

Deixem-me mensagens especiais na secretária ou na minha mochila.

Não tenham medo de às

vezes poderem fazer alguma coisa menos bem, não faz mal… Ajudem-me, com estas pequenas coisas, a criar boas memórias da minha infância e serei certamente uma criança feliz

Desejos & Vida… 14 | O A l forge | setemb ro 2019

(como já sou!).

Cátia Teixeira

Papa elogia jovens que se dedicam a ações de voluntariado nas férias

Francisco diz que vida cristã exige coerência e critica atitudes de «hipocrisia»

O Papa Francisco elogiou os jovens que se dedicam a ações de voluntariado durante as férias, referindo que a vida cristã exige “coerência” e disponibilidade para “servir o próximo”. “Penso com admiração em tantas comunidades e grupos de jovens que, também durante o verão, se dedicam a este serviço em favor dos doentes, pobres, pessoas com deficiência”, disse. Perante milhares de pessoas reunidas na Praça de São Pedro, Francisco destacou a necessidade de “novas iniciativas de caridade” para responder às “novas necessidade que se perfilam no mundo”.

“Trata-se de não viver de forma hipócrita, mas estar dispostos a pagar o preço de escolhas coerentes – esta é a atitude que cada um de nós deve procurar na vida, coerência” com o Evangelho, precisou. É bom dizer-se cristão, mas é preciso, sobretudo, ser cristão nas situações concretas, testemunhando o Evangelho que é, essencialmente, amor a Deus e aos próximos”. Comentando a passagem evangélica que foi lido durante as celebrações dominicais nas comunidades católicas de todo o mundo, o Papa destacou que Jesus apresenta um tempo de “escolhas decisivas”, no qual “não se pode adiar a opção pelo Evangelho”, que supera qualquer “divisão entre indivíduos, categorias sociais, povos e nações”. Francisco defendeu uma caridade “aberta a todos”, com uma única preferência, “pelos mais pobres e os excluídos”. A intervenção questionou ainda os católicos que mantêm “práticas religiosas” contrárias à fé, como o recurso à cartomancia, por exemplo. “Isto é superstição, não é de Deus”, sustentou o pontífice.

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Ofereça Livros, que

ficam para a vida!

Sugestões de Leitura Paz de Espírito... 15 | O A l fo rge | setembro 2019

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Do Passado ao Presente Úl t ima Pág ina | O A l forge | setembro 2019

Santo António. O quarteirão de casas que edificava a Rua Direita foi destruído por um violento incêndio urbano, em 1916, que segundo relatos, este teve início numa padaria localizada nesta rua comercial da vila de Ceia. A pequena capela seria de planta retangular, com porta principal em arco com portão de ferro, a que dava acesso uma escadaria. Numa inscrição, atualmente localizada na Biblioteca Municipal de Seia, dizia: “Obra do Juiz de Fora Gonçalo Vaz Preto pelas despesas da Justiça – 1672”, epigrafe que existia na edificação da capela, encontramos o provável ano de construção da velha capela, registada pelas primeiras fotografias panorâmicas, que se conhecem da vila de Ceia, em finais do séc. XIX.

Localizada nos primitivos Paços do Concelho, no término da Rua Direita, atual Praça da República, era chamada a capela dos presos, por se encontrar de frente para a cadeia velha e Pelourinho, onde das grades os reclusos podiam observar o pequeno templo, dedicado a

Capela de Santo António da Praça

Capela de São Sebastião

Pequeno templo, de provável planta retangular, encontrava-se edificado nos atuais Paços do Concelho (Terreiro das Obras), existia já no século XV, possuindo uma grande irmandade. O acesso era realizado por um

portão de ferro, tendo como orágo o mártir São Sebastião. Foi demolida nos finais do século XIX, para abertura da rua que liga o Largo das Obras à Avenida Dr. Afonso Costa. Por decreto camarário em 1883, no decorrer dos mercados mensais que se realizavam nesta zona na vila de Ceia, foi decretado que a pessoa que pusesse vinho a vender em frente da capela de São Sebastião em menos distância de 10 passos, ou que prendesse bestas às grades de ferro da mesma capela ou em redor dela, seria condenado em mil reis pagos na cadeia pela 1ª vez, e pela 2ª o dobro e assim por diante. Ficando apreendidos o vinho, as bestas e outros bens, que se encontrassem aos transgressores, para pagar a condenação.

Texto: Rita Saraiva. Bibliografia: BIGOTTE; J. Quelhas, 1992 – Monografia da Cidade e Concelho de Seia (3ª Edição). Gravuras e Fotografias: Tavares Correia e Luís Melo [BIGOTTE; J. Quelhas, 1992 – Monografia da Cidade e Concelho de Seia (3ª Edição)]. MARRAO, Lucas de Almeida, 1824-?: Vista da villa de Cea, tirada do alto da Senhora do Rosario / Marrão des. e lith.. - [Lisboa? : s.n., ca. 1850] (Lx.ª : : Lith. Franceza). - 1 gravura : litografia, p&b. Seia: Fins do Século XIX – Autor: Joaquim Cardoso Sampaio (Coleção: José de Sousa) [Fototeca Municipal de Seia – Município de Seia]